Museu da Pessoa

Sou um resgate

autoria: Museu da Pessoa personagem: Elenilde Dias Fernandes

P/1 – Oi Elenilde.

R – Oi.

P/1 – Pra começar eu queria que você me falasse seu nome completo, a cidade e o ano que você nasceu.

R – Meu nome é Elenilde Dias Fernandes, sou da cidade Araguatins, Goiás, e eu nasci em 1960, 14 de julho.

P/1 – E os seus pais, o nome de seus pais.

R – Meus pais, meu pai é Boaventura Dias Fernandes, minha mãe é Ermiza Dias Fernandes.

P/1 – E você cresceu com eles?

R – Não, a minha mãe me deu pra outra pessoa, uma madrinha minha, e aí eu fui criada por ela, sabe. Com idade de um ano ela me entregou pra ela, então, eu fui criada no interior, não fui criada na cidade, eu fui criada sem estudar, aí já o meu dilema já começou daí. A minha história já começou praticamente acho que do nascer, então por aí eu vim, eu com uma pessoa que eu casei antes do tempo, eu não tive uma juventude de estudo, de brincar. Eu não fui uma pessoa que ia pras brincadeiras, pra festa eu nunca fui, eu não tinha essa liberdade. Aí eu casei com idade de 14 anos eu já casei, com 15 eu tive meu primeiro filho, e aí foi assim, quando eu tinha 17 anos me separei do marido, fiquei com dois filhos, aí foi o tempo que eu fui pro Pará, de lá foi quando eu fui pra essa fazenda. Lá nessa fazenda eu trabalhei de cozinheira lá, eu fui morar com outro homem, um senhor baiano chamado Antônio, mas o pessoal só conhecia ele por Baiano, então ele era cavador de poço, ele cavava poço nessa época. Lá as pessoas trabalhava assim, por exemplo, quando formava uma fila de casa, era uma sede que abria e lá ele ia cavar poço e eu ia pra cozinhar, sempre eu vivi assim era de fazenda em fazenda, trabalhava lá nessa fazenda em Rio Vermelho, trabalhava na fazenda Pau Preto, nessa Pau Preto a gente trabalhava de lá, pras pessoas que tavam devendo só saía fugido porque se tivesse devendo não saía de lá. As pessoas que trabalhava lá trabalhava como escravo porque não tinha lucro de nada, não tinha saldo pras pessoas, pra viver tinha que fugir de lá.

P/1 – Elenilde só voltando um pouquinho ainda lá pro comecinho da sua vida, a sua madrinha ela morava na mesma cidade onde você nasceu?

R – Era, da mesma cidade, não era na mesma cidade porque era assim tipo interior, Araguatins, tinha Araguatins e tinha um interiorzinho lá chamado Rio Branco, sabe, que era um rio que passava e o pessoal botaram um apelido nele, era tipo um, um não sei se vocês já viram falar em igarapé, que o pessoal fala. Aí lá era assim, a gente trabalhava lá, minha morava lá que lá era dela mesmo e aí que é a mãe que me criou, que eu considero mãe ela.

P/1 – Como que ela chama?

R – Ela chama Maria José. Aí ela foi quem me criou lá.

P/1 – E você foi criada lá com ela junto com outras crianças?

R – Era, junto com outras crianças porque ela tinha cinco filho homem, só de mulher só era eu, era cinco filho homem que ela tinha, de mulher que tinha só era eu mesmo. Trabalhava de roça, lá não era outra coisa a não ser isso: só mexia com roça.

P/1 – E como que é, vocês, era você e os filhos da sua madrinha sua mãe?

R – Não, vivia bem a gente era unido, eles eram uma família que aliás ainda hoje eles são unidos, depois de adulto, pai de família mas são todo unido. Que tem mesmo fora de lá só é eu.

P/1 – Que que vocês gostavam de fazer lá?

R – Hã?

P/1 – Que que vocês gostavam de fazer lá?

R – Não, lá a gente o que, todo mundo trabalhava, trabalhava na roça, todo mundo, eu não era, é o caso que eu tava falando, eu nunca tive uma juventude de estudar, ter uma privacidade na vida melhor, não, meu serviço era trabalhar mesmo. Acordava cedo já tinha que trabalhar, é o caso que eu to falando a minha vida já foi uma novela desde o começo.

P/1 – E você falou que você acordava cedo e já ia trabalhar, como que que era esse dia de trabalho seu lá?

R – Já era trabalhar, era começava já pisando arroz, a gente pisava arroz, já ouviu falar em pisar arroz em pilão? Não, ah naquela, época ninguém não comia se não pisasse o arroz no pilão. Você não trabalhava, você no hoje, a gente já até o tempero já tá pronto né, antigamente não, antigamente você tinha que botar, ir pra roça colher o arroz, quando não tinha o arroz seco, já velho, você tinha que cortar ele pra torrar ele na panela, pra depois pisar, pra poder comer, cozinhar pra comer. Então era, o meu dilema era esse, lá, todo mundo, cada qual tinha sua obrigação, uns ia pra roça cortar lenha, outro já ia capinar, outro já ia, outras pessoas já iam quebrar coco, você viu falar em quebrar coco? Pois é, lá tudo a gente fazia.

P/1 – Que coco que você quebrava?

R – Babaçu.

P/1 – Pra que que serve?

R – Ele serve pra você tirar o óleo, pra comer, ele serve pra você tirar o, fazer, por exemplo, você faz o bagaço dele, faz o beiju feito da massa da mandioca, você mistura ele, você tira o leite pra colocar no carne se possível.

P/1 – É bom?

R – É bom. Ele é bom, na carne de casco, por exemplo, tatu, essas coisa, a gente coloca o leite, né? Então o meu dilema foi esse, já era trabalhar, já amanhecia o dia, a gente já ia pra o rio lavar roupa, quando chegava lavar louça, a gente ia buscar água na cabeça, aquelas latas de água colocava na cabeça e ia pra casa.

P/1 – Era longe?

R – Era longe, subia e não era muita perto, a gente subia e ainda subia uma ladeira com aquela lata na cabeça pra poder levar pra casa.

P/1 – E vocês buscavam água onde?

R – No rio, no rio Araguaia, que era na beira do rio, que era que divisa com Goiás, e aí a gente pegava e fazia tudo isso, a gente quebrava o coco pra tirar o óleo, a gente pegava, já amanhecia o dia já fazendo a tarefa geral, pisar arroz no pilão pra botar, fazer comida pra aquele tanto de homem que às vezes tava na roça, tudo isso a gente fazia.

P/1 – E Elenilde, o que mais que você lembra de comer lá do Goiás?

R – Comer, a gente, a única coisa que lá você não andava comendo era feijão.

P/1 – Não tem feijão?

R – Tem, mas ninguém não gostava, a gente comia muito peixe do rio né, o pessoal lá, você diz assim: “Cozinha um arroz aqui”, deixa cozinhado, depois vai lá no rio, pega o peixe e já cozinha, era assim, e tirante disso era roça mesmo, era dentro da roça trabalhar de roça, capinando a roça, colhendo a arroz, quebrando milho, fazendo tudo isso a gente fazia.

P/1 – E o pequi?

R – O pequi?

P/1 – Você comia pequi?

R – Não, lá não tinha, não tinha porque lá é assim por região, tem região que às vezes tem, já outras não tem, lá onde nós morava não tinha, não tinha o pequi.

P/1 – E aí você passou a infância lá e você falou que você casou com 14 anos.

R – Com 14 anos, com 14 anos, com 17 anos eu já tinha dois filhos, me separei do primeiro marido que foi esse que eu separei e fui pra o Pará, aí foi no tempo que eu fui pra lá.

P/1 – E como você conheceu o seu primeiro marido?

R – Eu conheci, eu não tenho vergonha de contar, eu conheci ele na “bandaiera” aí, sabe, aí ele procurou se eu não queria, nesse tempo eu tinha 17 anos, aí ele procurou se eu não queria morar com ele, ele já era um homem de 40anos e eu tinha 17 anos, aí eu falei pra ele que eu queria porque aquela vida de viver uma mulher sozinha não era muito fácil, que uma vida de uma mulher só ela não é fácil de jeito nenhum. Então quando eu conheci ele, procurou se eu não queria morar com ele, aí eu fui morar com ele.

P/1 – E vocês foram morar aonde?

R – Nós fomos morar numa cidade chamada Sapucaia, perto de Xinguara, no Pará, você já ouviu falar? Já? Eu fui morar nessa cidade, aí de lá eu já sempre trabalhava nessa fazenda, aí de lá que fui mulher dele.

P/1 – E como era sua vida logo que você chegou lá com seu marido, tinha acabado de se juntar.

R – Antes de eu morar com ele?

P/1 – Quando você foi morar com ele.

R – Quando eu fui morar, eu era mulher de dentro da boate, eu era, aí nesse tempo eu pegava, ficava lá, então foi através dele, não tinha um mês que eu tava lá foi quando eu conheci ele, aí ele me tirou de lá.

P/1 – Da boate?

R – Foi.

P/1 – E como que você foi parar na boate? Que você começou trabalhar na boate?

R – Eu fui pra lá através de engano, nesse tempo que eu fui pra lá, porque o pessoal que levou a gente pra lá, eles falavam que ia levar a gente pra um garimpo, ia trabalhar no ____ no Xingu, e a gente, quando morava lá no Araguatins, no Goiás, aí chegou esse homem procurando mulheres pra levar, só que ele procurava só mulher novinha que nem na minha idade, nesse tempo eu tinha 17 anos. E aí nesse tempo nós fomos em turma, nós fomos foi muitas mulheres, e aliás, essas mulheres metade elas fugiram porque saíram todas devendo pra eles. E eu não saí fugido de lá porque eu achei esse filho de Deus que me tirou de lá.

P/1 – E o que que ele prometeu pra você lá no Goiás antes de você ir pra boate?

R – Ele falou que ia levar mulher pra trabalhar, então todo mundo foi pra trabalhar, só que quando nós chegamos lá, nós chegamos lá fomos para dentro de uma boate. Aí todo mundo já ia devendo porque eu tinha dois filhos, tinha pegado dinheiro com ele, deixei pra meu filho, aí não tinha como sair, ou pagava, ou então ____.

P/1 – Já chega com a dívida já.

R – Já com a dívida, já tava devendo. Aí como esse filho de Deus me viu lá e me conheceu, eu contei minha história pra ele, como é que tava lá devendo, naquele tempo que dinheiro valia eu tava devendo 400 conto pra ele, não tinha como sair de lá fácil não. Aí ele foi, pagou a minha conta e eu saí.

P/1 – Nessa época você tinha quantos anos?

R – Tinha 17, 17 anos.

P/1 – E ele se apaixonou por você?

R – Quando ele me viu, se agradou de mim.

P/1 – Que lindo!

R – Nesse tempo eu era bonitinha, novinha, moreninha, então ele acho que se agradou e aí foi morar comigo.

P/1 – Aí a sua vida melhorou?

R – Ah, melhorei 90% sim, porque saí daquela vida que eu vivia, então ele, quando me amparou, antes dele ir pra essa fazenda, pra mim foi muito bom, depois que nós fomos pra essa fazenda foi que eu achei, mas por causa que a gente vivia lá praticamente mesmo lá era escrava lá mesmo, porque não saía de lá, devendo não tinha como sair.

P/1 – Como que a pessoa se endivida na fazenda?

R – Porque aquilo ali é o seguinte, tem umas tal de umas cantinas, você chega lá sem dinheiro, aí você vai fazer compra nas cantinas, que é tipo um comércio, mas de lá de dentro mesmo, aí você vai fazer uma feira, você vai fazer de tudo, quando você vai trabalhar no final do mês que você pega aquele dinheiro, você não cobre aquela dívida que você tá devendo lá não. Você tem que tirar o que comer de novo, então aquilo ali, a sentença só aumentando e você nunca sai dali.

P/1 – E na época da boate como que é que você, que ele falava que você tinha dívida?

R – Como é que eles falavam?

P/1 – É, era dívida do quê?

R – A minha dívida lá era porque eu peguei dinheiro pra deixar pra meus filho, aí já saí devendo, aí eu só saía de lá se eu pagasse, seu eu não pagasse eu não saía. É o caso de qualquer uma mulher que foi entrar nessa vida, ela se ela entrar devendo ela não sai de lá.

P/1 – E você falou que suas amigas fugiram.

R – Fugiram, muitas fugiram.

P/1 – Mas não era perigoso?

R – É perigoso fugir sim, porque eles vão atrás e come o couro, muito deles foram atrás, mas não acharam, não. Mas era perigoso porque se eles acham, acontece: ou mata, ou vai ser presa, tem que voltar,

tem que fazer, algo eles fazem.

P/1 – A boate era perto da cidade?

R – Era, era entre a Xinguara e a Sapucaia, era tipo assim um interiorzinho lá.

P/1 – E aí você saiu da boate, foi morar com seu marido.

R – Foi, fui morar com ele.

P/1 – E aí, vocês trabalhavam no que nessa época?

R – Nessa época ele trabalhava de fazedor de poço mesmo, ele trabalhava nessa fazenda, fazendo poço.

P/1 – E você?

R – E eu trabalhava só de doméstica em casa quando eu fui unir ele, quando eu fui morar com ele. Aí quando a gente foi pra lá pra fazenda, aí eu já fui trabalhar de cozinheira pra ajudar, porque sempre uma mulher, ela interessa ajudar o marido. Aí eu sempre eu ia ajudar ele.

P/1 – E na época que ele fazia poço, então vocês não moravam na fazenda onde ele trabalhava.

R – Ele já fazia poço era lá mesmo, só que quando ele me conheceu, ele vinha e voltava, sempre ele ia pra fazenda, mas final de semana ele voltava. Como eu fui morar mais ele, aí a gente já foi pra vim pra fazenda mesmo de muda, sabe com tudo.

P/1 – E como era a sua vida de ficar lá esperando ele voltar?

R – Não, porque quando a gente foi morar, quando eu fui morar com ele, logo imediato a gente já foi.

P/1 – E aí, ah, logo depois vocês já foram pra fazenda.

R – Foi.

P/1 – Você viveu pouco longe?

R – Nem convivi longe.

P/1 – Mas nesse pouco tempinho aí você ficava sozinha em casa?

R – Só em casa mesmo, só mesmo de doméstica.

P/1 – E como que era a sua vida lá?

R – A minha vida lá na minha casa?

P/1 – É.

R – Era só mesmo trabalhando na cozinha, cuidando da minha casa, cuidando do alimento dos filhos, que ele tinha dois filhos, eu tinha um, então era três filhos que a gente tinha: dois dele e um meu, aí eu tipo ficava cuidando dele assim enquanto ele voltava, ele voltava eu tava em casa, era assim.

P/1 – Vocês tinham plantação em casa?

R – Tinha não, tinha plantação nenhuma porque na cidade é muito difícil você ter, a não ser que você, por exemplo, tenha dois lotes, ter a sua casa e ter outro lote pra poder ter alguma coisa, pra plantar a não ser, não tem.

P/1 – E onde você comprava comida lá na cidade?

R – Ah, leite comprava lá mesmo, nessa cidade mesmo, tinha uns comerciozinho lá e a gente comprava os alimentos lá mesmo.

P/1 – Aí vocês foram pra fazenda.

R – Aí a gente foi pra fazenda.

P/1 – Como que convidaram vocês pra ir?

R – Ah, convidança é assim, porque como ele trabalhava lá, como ele vivia só, não tinha como ele ficar lá, ele voltava, vinha pra rua, quando ele arrumou mulher que fui eu que fui morar com ele, aí ele arrumou uma casa lá, porque lá na fazenda ele tinha casa pras pessoas que tinha família morar. Aí como ele já trabalhava lá, aí o fazendeiro que era o dono da fazenda foi e falou pra ele que não seria melhor que ele fosse com a mudança que era muito mais melhor de que ele ta pra lá e pra cá todo dia né, por exemplo. Aí ele arrumou um barraco pra ele, que era pra ele morar lá, aí foi quando a gente foi de muda.

P/1 – E como que vocês foram?

R – Foi no caminhão, eles levaram mudança da gente, quando é pra levar sempre tem facilidade, o negócio é a volta, pra ir, pô teve o caminhão pra levar, fazenda mandou buscar.

P/1 – E foram os filhos também?

R – Tudo.

P/1 – Todo mundo.

R – Todo mundo.

P/1 – E como foi quando você chegou lá?

R – Quando a gente cheguemo lá, a gente ficamos lá, aí foi quando no outro dia, por exemplo, chegou a gente foi arrumar as coisas, depois no outro dia foi a tarefa, já foi cuidar de fazer algo porque era preciso, né, por exemplo, levantar de madrugada pra fazer comida, já pra fazer comida, a gente levantava, eu levantava três horas da manhã pra fazer comida, pra ele levar às vezes pros trabalhador, ele levava isso era de todo santo dia.

P/1 – Era fazenda do quê?

R – Fazenda Rio Vermelho.

P/1 – Mas que que produzia na fazenda?

R – Era, lá é só é gado que criava e pasto, lá o pessoal trabalhava só de capinar pasto e semear capim, não tem essa plantação de capim que semeia de avião. Você já ouviu falar? Que solta, né, pois é assim, lá era assim.

P/1 – Como que é?

R – Soltar o capim de cima com avião pra ir espalhando assim, era assim que as pessoas plantavam.

P/1 – E onde vocês moravam lá na fazenda, como que era?

R – A gente morava nos barro, no, por exemplo, tem a fazenda, o pátio, aí tinha aquelas carreiras de casas que era das pessoas de família morar.

P/1 – E era uma casa só da família?

R – É, cada casa morava uma família.

P/1 – E como era essa casa?

R – Era feita de “talba”, por exemplo assim, nessas “talbinha” aí assim era tudo assim umas “talbinha” encaixada, lá ninguém morava de casa construída, tudo era talba.

P/1 – Mas era casa boa?

R – Era, até que não era tão ruim sabe, as casas, umas, e outras não, como eu morei numa casa ______ era assim, era só poeira mesmo, eu morei numa.

P/1 – E ficava perto da sede da fazenda essa casa?

R – Ficava meio distante.

P/1 – Distante.

R – Distante, a base de uns seis quilômetros mais ou menos a gente morava. Ficava longe, até pra fazer compra era longe.

P/1 – Tinha que andar.

R – Tinha que andar, tinha que ou você ia de carroça ou então quando os carros da fazenda vinha lá que aí a gente ia.

P/1 – E você conheceu o dono da fazenda?

R – Conheci, eu conheci ele, só não sei do nome dele porque lá eles eram quatro dono e aí lá tinha um apelido quatro, quatro irmão sabe, tinha, ali tinha uma placa assim, Fazenda dos Quatro Irmãos, aí eu não sei dizer o nome deles.

P/1 – Mas eles iam lá onde vocês trabalhavam ou...

R – Ia não, sempre só ia o encarregado, o encarregado que sempre era

quem comandava, dava as ordem lá dentro.

P/1 – E o encarregado, como é que ele...

R – O encarregado, quando a pessoa trabalhava normal, que trabalhasse sem procurar problema, tudo bem, ele tratava bem, agora aquelas pessoas que às vezes trabalhava, que não trabalhava, porque todo lugar tem gente de todo tipo, né, tem uns que é mais humilde, outros que é mais desobediente, então aqueles que era mais desobediente, as pessoas trabalhava lá dentro, eles às vezes chegava gritando, dando aquelas ordem porque toda fazenda tem capanga, né, capanga que eu falo é aquele tipo de pistoleiro que se você vacilou eles dá um passeio com ele aí não volta mais, é assim.

P/1 – E você viu isso acontecer?

R – Não, nunca vi, só ouvia falar. Via quando eles andava atrás da pessoas que fugiam, eles procuravam as pessoas, procurava mesmo, quando não achavam, eles ficavam desesperado, e quando achava, tinha que voltar, era assim. Como nós, nós mesmo, nós saímos de lá, mas foi fugido.

P/1 – Foi fugido?

R – Foi fugido.

P/1 – Quanto tempo vocês ficaram?

R – Foi fugido porque a gente devia e não tinha como pagar e não tinha como sair, então foi fugido que a gente fugiu.

P/1 – Como que vocês planejaram essa fuga?

R – A gente planejou à noite porque só da pra fugir à noite, não tem como fugir o dia, a partir de meia-noite pela madrugada, é a hora de fugir.

P/1 – Mas vocês determinaram assim, qual era o caminho que vocês iam, pra onde vocês iam, vocês ia...

R – Tinha, porque lá tinha muitas entradas e muitas saídas, por exemplo, tinha a saída e a entrada pro lado aqui pro Xinguara e tinha saída que vinha pra sair pro lado de Araguaína, aí então aquilo ali a gente fugiu já ao contrário, em vez de procurar saída pra ir pro lado do Xinguara, a gente já procurava outro lugar que era pra que sabia que eles iam procurar né, então eu saí o contrário. Igual nosso caso, nós vinha pelo Araguaia e nós passamos pelo rio Araguaia no Porto da Balsa, você já ouviu falar no Porto da Balsa, no rio que atravessa já pra vim de Araguaina do Goiás pro Pará, a gente já pegou o barco e atravessou pro outro lado, foi assim que a gente fez. Porque lá não tinha como a gente pagar a conta, porque não tinha saldo de jeito nenhum.

P/1 – Tinha gente que tinha saldo na fazenda?

R – Muita pouca pessoa saía com saldo, muitos poucos pessoas que saíam, mas a maioria só sai devendo, ou então sai mesmo sem nenhum saldo mesmo, se acerta tem que cuidar de sair porque se não sair não tem como ficar não. Hoje eu não sei né, porque hoje já tem muito né, o Ministério do Trabalho bate muito em cima, pode ser que tenha melhorado porque nessa época que eu trabalhava lá não tinha melhora.

P/1 – Que ano que era essa época?

R – Hum?

P/1 – Faz quanto tempo que você saiu de lá?

R – Deixa eu ver, eu tenho um filho que tem 26 anos, tem 20 anos que saí de lá.

P/1 – Quando você saiu de lá, saiu só sua família ou mais trabalhadores?

R – Não, quando saiu de lá saiu só nossa família porque nós tinha, nós morava só num barraco, então jamais a gente ia pegar e planejar uma coisa com outro porque você sabe que dedo duro tem demais né, por nada podia planejar no meio de algum e algum dedar, porque aquilo ali é assim, às vezes mesmo que nós tamo aqui, nós tamo em cinco aqui né, já tem dois que às vezes combina, já tem um que não combina, então aquilo ali às vezes eu ia, por exemplo, se eu combinasse já outra acolá ele tava pesquisando já ir dedar porque acontece isso, às vezes acolá tem alguém planejando, então como era só eu e ele e os três filhos que a gente tinha, a gente tinha, já tava tudo grandinho, não põe onde estudar, não tinha onde estudar, então a gente tinha mais era que sair de dentro mesmo porque pra ficar lá mais do que a gente já tinha ficado não tinha como. Tinha que sair.

P/1 – E as crianças enquanto vocês tavam lá na fazenda?

R – As crianças viviam trabalhando lá mesmo nos pátios lá, trabalhando por exemplo capinando assim porque ainda era de menor, criança, não tinha como trabalhar no pesado, e nem tinha onde estudar. Aí tinha que ficar era assim mesmo.

P/1 – Eles trabalhavam também com vocês então.

R – Trabalhava, trabalhava sim, porque o meu marido trabalhava de poço, eu trabalhava fazendo comida e eles trabalhavam no pátio, por exemplo, porque não tem cerca de arame né, toda fazenda tem, aí eles iam fazer, capinar beira de arame pra poder ganhar aquele dinheiro, três filho homem que tinha, três filho não, dois filho homem e uma menina mulher que a gente tinha. Então a menina mulher me ajudava, que era quem me ajudava na tarefa de casa, e eles iam trabalhar.

P/1 – Ô Elenilde, vocês não podiam fazer uma rocinha, plantar?

R – Não tinha como fazer porque lá só era a produção deles: capim! Fazendeiro sabe como é que é né, eles acha que nunca ele come o arroz, o feijão, essas coisas, só é capim pra criar o gado, só isso.

P/1 – Se você quisesse plantar alguma coisa não podia?

R – Não podia, lá não podia não.

P/1 – E o que vocês comiam lá na fazenda, o que vocês compravam na vendinha?

R – A gente comprava tudo, de tudo tinha, e a carne ele matava o gado lá direto pra você comprar, a gente comprava carne na mão dele mesmo lá.

P/1 – Carne da fazenda.

R – Era, carne da fazenda, ele matava gado, toda semana era duas vezes que ele matava, pra manter os pião lá dentro, mas todo mundo que tinha que comprar, era comprado.

P/1 – Tinha muita gente que também trabalhava lá?

R – Muita gente, muita gente, e vinha muita gente de fora porque naquele tempo as pessoa procurava serviço fora, em fazenda, mas era fazenda, fazenda era muito falado né, de primeiro. Hoje não, hoje ninguém não liga porque cada qual hoje tem sua terrinha né, hoje, mas antigamente, que era de fazenda, o pessoal trabalhava muito, procurava, vinha muita gente do Piauí naquele tempo, do Piauí era carrada eles iam atrás, aquelas carrada, aqueles carros, aqueles caminhoneiros que eles pegavam, mandavam ir atrás de pião, chegava era carrada e carrada de pessoas pra trabalhar lá. Só que trabalhava pouco tempo também, quando via o esquema de lá que não tinha como ir, ficar pra frente, pegava e saía todo mundo. Aqueles que às vezes não tava devendo, que às vezes não veio devendo, saía mais fácil, mas aqueles que já entrava devendo não tinha como sair. Era sujeito a ele lá dentro.

P/1 – Tinha gente que ia por conta então até a fazenda.

R – É, tinha muita gente que às vezes ele ia porque às vezes tava necessitado, mas não ia devendo porque muita gente é amigo, muita gente às vezes ele tem um, vai pra algum lugar, mas ele já é experiente, ele já imagina se não der certo ele voltar né, e hoje quantas pessoas não tem… Sacrifica, trabalha em algum lugar já devendo porque não teve experiência, porque hoje no meu caso hoje eu não em outro mais devendo em lugar nenhum. Qualquer hora que eu quiser sair eu saio livre, não é não?

P/1 – É.

R – Pois é.

P/1 – Você aprendeu com a vida, né?

R – Aprendi sim, a vida já me ensinou muita coisa, muitas coisas já, eu já fui sacrificada muito eu, muito mesmo.

P/1 – E quando você foi pra fazenda, você sabia que você já tava endividada com encarregado?

R – Não, não, nessa fase não, porque eu fui com esse homem que eu morava com ele, então eu fui através dele, eu não fui devendo nada porque ele é que já foi, né. Mas lá, devido a gente pegar, já ir fazer despesa, aí foi o caso que foi começando. Aí quando comprava material pra comer com aquilo todo que você fazia lá dentro tinha que comprar, até uma ferramenta você tinha que comprar na cantina, tudo você já ficava devendo, porque não tinha dinheiro na hora pra comprar, porque quando você tem o dinheiro pra comprar você não, aí ia comprando fiado, quando você fazia aquele serviço que o dinheiro não dava pra cobrir, ficava devendo tinha que comprar de novo, aí aquilo era só assim cada vez ia complicando cada vez mais.

P/1 – Era cara as coisas?

R – Em cantina tudo é caro, você for fazer uma compra, por exemplo, numa fazenda, numa cantina de uma fazenda, tudo era o dobro daquilo que você ia comprar no supermercado aqui na rua. Por exemplo, um objeto a dez centavos, lá é 20 centavos, tudo era mais do preço porque você vai comprar um objeto fiado, pode ir numa loja comprar fiado que não é, tudo é mais caro, se você foi comprar à vista tem desconto de tudo em quando, não é mesmo assim? Entendeu, é o caso da fazenda é assim, tudo que você vai fazer fiado sempre é mais caro.

P/1 – E aí eles iam anotando?

R – É ali tudo é anotado. Aí que uma loja quem sabe se não anotam até coisas mais, porque quando você vai pagar uma conta num lugar você até admira, poxa eu comprei tão pouca coisa e tá tão caro assim, sempre assim.

P/1 – E eles mostravam no final do mês então a conta.

R – Quando a gente ia acertar, só mostra quando você chega: “Bate minha conta aí pra ver o que que dá aí pra mim pagar”, aí dá-se a conta pra gente, se der pra você pagar você paga, se não der às vezes fica faltando quase metade daquilo que você comprou.

P/1 – E aí quando vocês saíram você foram pra onde?

R – Quando nós saímos, nós voltemo novamente pra cidade de lá onde a gente morava, na Sapucaia.

P/1 – E aí como foi essa, voltar pra vida assim lá.

R – Aí quando nesse tempo que nós voltemo pra lá, aí ele ficou assim dando diária, trabalhando pra um, às vezes arrumava um serviço acolá, trabalhava, aí eu fiquei mesmo só já cuidando só da minha vida mesmo em casa, trabalhando só pra mim mesmo em casa, cuidando só da minha casa e ele trabalhava assim, até quando chegou a época que a gente se separou, aí eu vim me embora pra onde meu pessoal aqui no Goiás e ele ficou pra lá.

P/1 – Ah, você voltou pra Goiás?

R – Foi, voltei pra Goiás, aí fiquei aqui, de lá, lá no Goiás eu arrumei outro marido de novo que é o pai do filho que eu tenho hoje que tem 18 anos. Aí esse eu morei com ele já vim pra cá pro Maranhão, pra essa cidade aqui.

P/1 – Ah, você veio com seu marido.

R – Foi.

P/1 – E por que vocês decidiram vir pra cá?

R – Porque ele já trabalhava aqui, aí a gente veio pra cá, eu vim também através dele, sempre eu vou apanhando sabe, cada vez mais eu vou apanhando, acompanhando, as pessoas não, lá é melhor, lá tem um ganhar melhor, então a gente vai pra lá, porque lá onde eu morava lá ficou, foi ficando ruim, cada dia passa, cada dia foi ficando mais ruim, não sei hoje porque faz muito tempo que eu andei lá. Mas lá a gente vivia por exemplo, trabalhando de pescaria, pegava o peixe pra fritar o peixe, pra poder vender aquele peixe, pra poder apurar o dinheiro, pra poder comprar algo que você quisesse, lá você vive disso. E aí como lá era muito difícil e aí ele achou que pra cá era melhor, aliás, quando nós viemos pra cá, em 84, quando eu vim pra cá, aqui era bom, não era ruim não aqui, aqui era muito bom, o ganho aqui era bom, a gente ganhava bem né, nunca que, depois também

não tenho o que dizer quando eu vim pra cá, de quando eu vim pra cá não, né, pra Açailândia, não, Maranhão.

P/1 – Você veio pra essa cidade já de Açailândia.

R – Foi, pra ir pra essa cidade mas só ali ____ o bairro que eu to morando agora, que tem cinco ano que eu moro aqui na avenida Ildemar, ali na Açailândia eu morei o que, quinze anos eu morei lá.

P/1 – Você morava numa casinha?

R – Era, eu morava de aluguel. Casa própria hoje eu tenho né, agora, tô agora graças a Deus eu tenho, mas antigamente morava de aluguel.

P/1 – Aí quando vocês chegaram aqui seu marido trabalhava no quê?

R – Ele trabalhava de carvoeira, trabalhava, nesse tempo tinha a Siquel aí ela te trabalhava de mexer com forno, de fazer carvão, não sei se já ouviu falar né, carvão, aí lá ele trabalhava disso assim, fazia carvão, tirava o carvão colocava por exemplo umas torona desse tamanho aqui dentro daquele forno que era pra poder tocar fogo, pra poder tirar aquele carvão, era assim que ele fazia.

P/1 – E você?

R – Eu toda vida eu trabalhava assim em casa mesmo, às vezes eu pegava uma roupa dos outro pra lavar, lavando roupa pros outro, trabalhando assim, sempre eu fui uma pessoa que nunca fiquei parada. Quando eu parei de negócio de andar lavando roupa porque eu achava que aquilo ali era muito cansativo né, lavar roupa pros outro, passei trabalhar pra mim mesma vendendo perfume, vendendo produto, que eu vendo produto de limpeza, na minha casa eu mexo com esse tipo de coisa, aí eu passei a vender essas coisas, fui trabalhando pra mim mesma sabe, que eu cansei de trabalhar pros outro.

P/1 – Que perfume que você vendia?

R – Eu vendia perfume do Avon né, essas coisas assim.

P/1 – Mas você ficou muito tempo vendendo Avon?

R – Não, não, não fiquei não, logo eu deixei também aí foi o tempo que peguei, mexer com produto de limpeza em casa né, aí eu larguei isso aí porque a gente vende, nunca vende a dinheiro, sempre vende fiado, e as pessoas no começo vai pagando, vai pagando, depois de um tempo por fim ele parece que faz pouco da sua cara, aí nunca mais ele paga, você vai lá, cansa de andar e ele não paga mais, aí você tem que largar de mão, aí eu larguei de mão de vender. Aí eu passei a ficar vendendo só produto em casa assim, aí até quando eu achei esse serviço aqui, que é trabalhar aqui na Código.

P/1 – E como foi que você conheceu a Código?

R – Através da televisão, porque sempre passa na televisão, aí quando falava na Código, aí eu fiquei assim, eu digo: “Oxe, onde é que fica isso?” Aí tinha uma amiga minha que trabalhava, tava trabalhando aqui, ela tinha feito todo o curso aqui aí ela, procurei ela, eu disse: “Gisela, tu não tem uma vaga por lá não nesse serviço por lá não pra trabalhar?”, aí ela disse assim: “Mulher, lá é difícil porque lá só pega pessoas que é resgate escravo, da escravidão”, eu falei assim: “Dá, pode dar certinho comigo, eu sou um resgate”, aí ela falou: “Então vai lá e conversa com Sérgio”, aí eu vim aqui conversei com o Sérgio. “O Sérgio não, você tem que conversar com a Brígida”, aí a falou um dia, não… “Espera uma reunião dela, aí quando ela tiver reunião, ela vai fazer entrevista contigo, vai ver”, aí tudo bem. Aí quando foi no dia da reunião, aí ela me chamou, procurou da onde eu tinha trabalhado, contei tudo aí ela, também eu fui na entrevista no sábado, na segunda já comecei a trabalhar. Aí pra mim aqui é o serviço muito bom assim, porque o serviço maneiro, a gente trabalha, não é um serviço cansativo, você trabalha na sombra, então o serviço que eu acho que um dia vai ter um futuro e eu penso que comigo vai ter esse futuro aí, que a gente trabalha pra que que cresça né, eu quero que isso aí um dia seja uma coisa que vai aumentar que seja de futuro pra cada um que trabalha aqui. Sempre eu falo assim, as pessoas às vezes fala que quer desistir porque meu ganho é pouco e é uma bolsa doada né, não é ainda um salário, mas aí a gente fala assim, sempre a gente fala da _____ não vamo trabalhar mais, vamo passar mais tempo assim quem sabe se isso aí um dia não vai né, que a esperança é a última que morre. Então a gente espera que isso aí vai ser um futuro na frente, porque se nós hoje tamo aí nessa cooperativa é uma cooperativa, nós somos todos cooperados né, então eu acho que isso aí vai ser um futuro mais na frente pra nós, eu penso que vai melhorar. Eu sei que como vocês agora vão divulgar melhor né, vai mais na frente, as pessoas vai divulgar o trabalho da gente, uma coisa que a gente quer, que isso aí seja divulgada mais, então eu acredito que vai melhorar cada vez mais seja uma dignidade pra nós, não é não? Um serviço digno né, as pessoas tem que pensar isso, no futuro não pensar negativo, sempre eu falo pra outras pessoas que trabalha aí dentro, às vezes falam, não mais não vai pra frente, vai, porque se a pessoa viver só negativo toda vida não tem como ir pra frente, então a gente só pensa no futuro, tem que pensar no futuro depois de velho tem que ______. Depois de velha tem que as coisas melhorar na vida da gente, não é não? Se a gente nova não teve uma melhora tem que melhorar depois de velha, não é mesmo? Eu acredito que seja assim.

P/1 – Você fez curso pra aprender a montar os brinquedo?

R – Não, eu não fiz curso nenhum, eu só tem, vai fazer oito mês que eu to trabalhando aqui, mas eu não fiz curso, a gente tá trabalhando mesmo aprendendo com eles mesmo aí.

P/1 – O que que você gosta de fazer Elenilde?

R – Aqui dentro?

P/1 – É.

R – Olha, aqui, de um tudo, der um tudo a gente faz, de cada coisa a gente faz um pouquinho, a gente lixa madeira, a gente amassa madeira, a gente pinta né, a gente monta, a gente faz vários tipos de brinquedo que a gente já passou pras nossas mãos, cada uma que trabalha hoje, tem gente aí que tá fazendo dois anos, tem uns que tem um ano, eu mesmo sou novata, praticamente eu sou das mais novata eu só, vai fazer oito mês ainda que eu tô aqui. Mas eu me sinto como se eu tivesse há muito tempo, porque muitas coisas que eu não sabia, hoje eu sei, e to aprendendo cada vez mais, e quero aprender mais ainda então acredito que eu vou aprender cada vez mais, uma que eu não estudava, hoje eu tô estudando.

P/1 – É, que que você estuda?

R – Tô estudando, tô estudando já, à noite a gente estuda, quando sai do serviço aqui, vem cá toma um banho e vai pro colégio coisa que eu...

P/1 – Aprendendo a ler, o que você tá fazendo?

R – É, tô aprendendo a ler porque eu não sabia, a gente tá divulgando muito bem hoje a leitura porque a gente não sabia, letras que a gente não sabia hoje a gente sabe, então, porque eu não tive essa capacidade de estudar, eu não tive esse momento de alegria de estudar quando eu era jovem, então agora eu tô estudando, tem um ditado que diz que “papagaio não aprende, papagaio velho não aprende falar”, aprende, um dia eu vou aprender, não é não? Veio muitas pessoas às vezes mais velho que eu já aprendeu, por que que eu não vou aprender, né? Eu acho que eu vou aprender.

P/1 – E Elenilde onde que é a sua escola?

R – A minha escola é aqui no Centro de Defesa, o núcleo do Centro de Defesa fica aqui na rua principal aqui do coletivo.

P/1 – Quantas pessoas estudam lá com você?

R – Minha filha, matriculada tem 20 pessoas, só que agora por enquanto não tá indo todo mundo, as pessoas começaram indo, tem, começou com 15 pessoas depois foi baixando, foi baixando, mas agora o máximo tá vindo só umas oito pessoa, não tá indo as pessoa que era pra ir.

P/1 – E que que você aprende lá?

R – Mulher, a gente aprende escrever, muitas coisa né, por exemplo, que nem dia de sexta-feira tem muitas explicações que a gente não sabe sobre a comunicação que a gente às vezes não tava tendo porque todo lugar tem que ter comunicação então hoje a gente já tá aprendendo sobre isso aí, porque eu não sabia o que era comunicação, e tem vários tipo de comunicação. Pois é, nós tamo conversando aqui, nós tamo comunicando, né?

P/1 – Com certeza.

R – É com certeza a gente tá comunicando uma com as outra, e lá a gente tá aprendendo muita coisa, por exemplo, porque a escola hoje é pra ter muitas coisas assim, educação, porque às vezes a gente só conversar, nós não tem educação, então lá é um lugar que você tem que ter, você vai ter que aprender a educar, ser educado, uma pessoa educada, saber falar, saber como é que pode responder uma pessoa, saber como é que você pode chegar no outro e falar, eu acredito que lá a gente tá aprendendo vários tipo de coisa que a gente não sabia, que a gente não entendia né, então hoje a gente já tá aprendendo.

P/1 – Conta pra gente como é que é uma aula assim.

R – Uma aula?

P/1 – É tipo você chega na escola, aí...

R – Olha, a aula lá, eu acredito que a gente quando chega, a primeira coisa, que o professor chega, ele dá um boa noite pra gente, procura como é que passou o dia, como é que passou no final de semana, que nem por exemplo, antes de ontem, nossa professora procurou como é que passou o final de semana, a gente passou bem, aí ela vai procurar saber se você leu a lição, se você fez o seu dever, a gente vai falar se fez ou não, se deu conta ou não, então a gente vai falar o que a gente sabe, se você sabe fazer o dever que nem ela procurou, se você deu conta de fazer o dever, se você deu você diz que deu, se você não deu você vai falar não eu não dei conta, que nem eu falo pra ela, ontem mesmo ela fez um dever pra gente eu falei pra ela, eu digo: “Ó, eu não sei fazer esse dever”, ela foi ensinar, que ela é uma professora legal, ela diz: “Ó, se você não souber, me chame que eu vou explicar”, não aquele tipo de professora que dá, passa o dever você se vira, não, ela chega e comunica com a gente direitinho, e fala: “Ó, é assim, assim, assim”, explica bem.

P/1 – Vocês usam livro lá, caderno.

R – Usa caderno, ela tem um livro que ela passa lição pra gente, ela chega de um a um, chega quer que a gente leia, a gente vai pegar e vai ler aquela lição pra ela, se você não der conta, mas ela tá ali lhe ensinando, é assim.

P/1 – O que que você mais gosta de aprender?

R – O que eu mais gosto, eu gosto de escrever. Porque ler eu leio, eu só me empaco mais é com a, pra escrever, porque pra escrever por exemplo, eu vou fazer um nome, muitas vezes falta letra, meu problema é esse, aí eu quero aprender a escrever pra mim saber, decifrar o que eu tô fazendo, né, porque tem muita leitura que eu vou fazer, mas aí, será se tá certo, aí eu fico naquela dúvida, às vezes tá até certo, eu vou desmanchar, eu vou outra e vou fazer errado, que nem ontem mesmo eu fiz errado, várias coisas que eu fui fazer, não tá certa. Ela disse que era pra mim fazer, que era pra gente fazer quatro nome com a letra ésse, outro é com seis nome a letra cê, eu confundi o ésse com o cê, porque tudo é com um som, então eu confundi aquilo ali, eu digo: “Não, professora, eu não sei fazer nome com essa letra cê, com a ésse eu sei, mas com a cê não.” Então ela foi explicar: “Não é assim, cachorro é com a letra cê”, e foi explicando, eu digo: “Ah, tudo bem”.

P/1 – E o que você tem vontade de escrever?

R – O que eu tenho vontade de escrever, não, até agora ainda não sei, ainda o que eu tenho vontade escrever, mas a única coisa que eu tinha vontade mesmo era aprender a ler bastante, pra mim ler a bíblia, eu sou evangélica e aí eu gosto muito de ler a bíblia, sabe, então é uma coisa que eu amo muito, eu quero aprender ler pra mim poder decifrar a bíblia, pra mim poder pregar a palavra de Deus que é o que eu mais amo, que eu gosto.

P/1 – Tem alguma parte da bíblia que você gosta mais?

R – Eu, tenho, vários tipo, o livro de Salmo, que eu amo o livro de Salmo.

P/1 – Qual que é o Salmo que você gosta muito?

R – É lá no Salmo 37, versículo cinco que fala assim: “Entrego os teu caminho, Senhor, confia nele que tudo ele fará”, e eu amo isso aí, tudo de Deus é uma maravilha, eu gosto.

P/1 – E você mora agora com quem?

R – Eu, só mora eu sozinha só e meu filho que tem 18 anos, já tem três anos, meu marido morreu aí eu fiquei só. Aí eu vivo só com ele, só trabalho pra ele mesmo, que ele ainda não trabalha, só estuda, aí eu trabalho, o pouco que eu ganho é pra meditar em casa no futuro dele pra frente, eu quero que ele seja alguém na vida uma hora, eu espero isso.

P/1 – Esse trabalho da cooperativa, o que que é cooperativa pra você?

R – A cooperativa é, a cooperativa pra mim é ser cooperada, as pessoas ser cooperada porque por exemplo, você trabalha na cooperativa aqui então se você tem que cooperar com a pessoa você é um dos cooperado, eu acredito que seje isso.

P/1 – Pra se dar as mãos, né?

R – É, dar as mão, porque nós todos unido né, nós vence toda batalha, não é não? Então eu acho que a cooperativa seja isso.

P/1 – Essa escola que você tá estudando, ela é o projeto Alfa?

R – É, é o projeto.

P/1 – São muitos professores, são poucos?

R – Não, não, tá sendo só um, por enquanto tá sendo só uma professora só, que ela, as pessoas que convivi, que trabalha aqui, por exemplo, que trabalha na Centro de Defesa, todos eles apoiam esse projeto.

P/1 – Tem mais gente aqui da cooperativa que estudou com você?

R – Tem aquela mulher branca, aquela fortona, não tem uma fortona branca ali? Ela estuda comigo.

P/1 – Como que ela chama?

R – Ela chama Rosenir, Maria Rosenir. Ela também é uma mulher que já trabalhou negócio de … Vocês podiam chamar ela também que trabalhou já de fazenda também ela.

P/1 – Fazenda?

R – É, ela falou que diz não sei se é o esposo dela que já trabalhou de fazenda que foi escrava, que não recebeu também o que tinha de receber dentro de uma fazenda, ela também ela, depois daquele rapaz vocês podiam chamar ela também que ela podia dar uma palavrinha também com vocês.

P/1 – E Elenilde, como que vocês inventam os brinquedos que vocês fazem?

R – A gente corta a madeira, começa, pra fazer a madeira a gente já começa da “escolhição” da madeira, escolher a madeira, tem que escolher aquela madeira que dá o tipo de brinquedo que você quer, e ela serve né, porque tem a madeira dura e tem a madeira mole, ela tem a madeira maneira, a madeira pesada, então pra muitos tipos de brinquedo, tem que ser madeira maneira, madeira, um ___ que não seje dura pra trabalho, aí a gente começa daí, já começa aí já vai pra cortadeira, já corta ela, passa na plana, passa ali na serra, aí já vai, dali já vai passando em cada máquina ela vai passando até chegar lá na mesa.

P/1 – E como que é a mesa?

R – A mesa é ali aonde a gente tá com aqueles carro, a onde tava ali que você perguntou se eu tava almoçando, é ali, as mesa é ali, ali você já, ali é o acabamento, ali você vai passar massa, você vai lixar, você vai pintar, quando é o selado, é a mesma coisa, você vai lixar, passa a primeira mão da lixa, depois você vai passar o selador que é a primeira mão, depois você vai tornar lixar que é pra massear, aí vai passar a segunda mão que é pra dar o acabamento.

P/1 – Vocês que criam? Criam a idea do brinquedo?

R – É nós mesmos que cria, às vezes vem, né, alguma pessoa dá uma idéia, mas a gente também cria a idéia.

P/1 – O que que você mais gosta de fazer desses brinquedos?

R – Dos brinquedos, o que eu mais gosto de fazer é lixar na mão, é o que eu mais gosto, tirar a massa lixando na mão.

P/1 – Elenilde, o que que você sente assim quando você alguma criança brincando com alguma coisa que saiu aqui da cooperativa lá na cidade.

R – A gente se sente feliz né, porque ali é uma dignidade pra aquela criança, é um projeto que foi feito pra isso mesmo, pra tirar as pessoas da escravidão, então a gente quando vê aquilo ali, uma criança brincando com aquele brinquedo, então a gente acredita que aquilo ali tá indo pra frente o nosso trabalho, porque as pessoas tá comprando, então acredito que seja assim.

P/1 – Você, o que que você acha do Centro de Defesa, o trabalho que ele faz?

R – Ah, é um trabalho do Centro de Defesa é o seguinte, eles são as pessoas que apoia as pessoas, a pessoa que tá precisando, então eles apoia, então eu não tenho nem o que dizer do Centro de Defesa, pra mim tá sendo bom demais.

P/1 – Você vai lá bastante, além de ir pra escola?

R – Não, não, não, nunca eu, pra ir lá eu, pra falar verdade, eu por esse tanto de tempo que eu trabalho aqui, sempre eu ia em reunião que tem, quando não é que é ali no núcleo ali que é onde eu estudo, e lá mesmo a gente foi agora numa reunião que teve pra negócio de, como é que fala, oficina, a gente foi né, então eu nunca tinha ido lá, pra entrar lá dentro mesmo não, nós fomo agora no dia 13 a gente foi lá. Eu, né, um bocado que nunca tinha ido lá que entrou também lá, que muita gente vai lá sempre, principalmente essas pessoas que vai atrás de serviço vai mais é lá.

P/1 – E o que você achou de lá?

R – É, eu gostei, eu gostei de lá, as pessoas tavam explicando muito como que era o trabalho, então eu gostei de lá.

P/1 – Elenilde, vem muita gente igual nós assim visitar vocês?

R – Vem, aqui é cheio de gente diretamente.

P/1 – É bom pra conhecer, né?

R – É aqui é bem, aqui nós somos visitados demais viu, muito visitado, se entrar esse projeto aqui mesmo assim que manhã nós somos visitados era bom demais, nós somos muito visitado mesmo, vem gente diretamente visitar nós, olhar o trabalho, olhar como é que faz, como é que não faz, as pessoas filma aí dentro diretamente, as pessoas entrevista as pessoas, é diretamente.

P/1 – Você se sente importante?

R – Não sei se eu sinto importante, se eu sinto alegre, por nunca ter sido, eu já fui entrevistada por uma menina, Aline, parece que é Aline, uma que até que veio com a dona Carmem, eu fui entrevistada com ela também assim igual eu tô, de frente com vocês. Eu nunca tinha sido entrevistada, tanto que ela até admirou de mim, dizia assim: “Olha, pela primeira vez eu tô vendo uma pessoa alfabeta dar entrevista do jeito que você tá dando”, ela falando né, ela admirando, eu digo: “Não, a gente é o seguinte, a gente por ser alfabeta a gente também tem que conversar né, porque eu mesmo não me envergonho de entrar em qualquer lugar e falar o que eu sinto, falar o que eu quero, adquirir aquilo que eu quero, então a gente tem que ser assim, porque se você ser acanhada você é uma muito acanhada não consegue nada”. Se eu chegar bem aqui onde você não souber falar pra você, falar o que eu quero, falar o que eu sinto não adianta, então não adianta nem eu marcha pra onde ela e falar com ela, então eu tenho que ter exposição de falar, que a pessoa tem que ter.

P/1 – Elenilde, e assim, de contar a sua história pra que outras pessoas tenham consciência do que que é o trabalho escravo, essas coisas, o que que isso é importante pra você assim?

R – Pra que nenhuma pessoa caia no que eu já caí, pra nenhuma pessoa passar o que eu já passei, porque o que eu já passei eu acho que eu não desejo nem pra meu pior inimigo, então a gente tem que dar um exemplo, contar que é pras pessoas pensar assim primeiramente do que entrar num lugar que ele acha que vai ter um futuro lá e não vai ter, não, então ele tem que analisar, pesquisar primeiro pra saber onde é que ele tá entrando, então as pessoas têm que pensar primeiro pra poder, tudo que você for fazer hoje você tem que pensar primeiro, até um papel que você foi assinar você tem que saber o que é que você tá assinando, pra não se entrar em boca depois, não é mesmo?

P/1 – Com certeza.

R – É.

P/1 – E o que que você achou de contar a sua história, de lembrar das suas coisas aqui pra gente?

R – É, eu, lembrar do passado da gente diz que não é, diz que é sofrer duas vezes, mas aí, mas aí é uma coisa boa, que é uma coisa que já passou, então isso é um exemplo pra que muitas pessoas hoje não passem o que eu já passei, e assim: “Ó, aquela mulher passou por isso aí, então eu vou pensar antes de passar por isso”, porque muitas pessoas às vezes tá passando e às vezes passa, mas aí não tem coragem de falar nada, porque hoje as pessoas tem medo de falar, que as pessoas tem medo de falar, não é mesmo?

P/1 – É. E você não tem, né?

R – Não, eu to falando uma coisa que já passou, eu acredito que Deus não vai deixar mais eu passar pelo que eu já passei então, que eu creio que Deus vai me proteger.

P/1 – Com certeza.

R – Não é não?

P/1 – E o que você sonha mais agora pra sua vida?

R – O que eu sonho é mais um futuro pela frente, ser mais alguém na vida, mais do que eu já tô sendo hoje, porque eu acredito que o que eu já fui hoje eu tô sendo alguma coisa, não é mesmo?

P/1 – Opa, com certeza? Bom a gente quer agradecer você, Elenilde, por conversar com a gente, por se abrir, por mostrar, por contar sua história, agradecer por nós, pelo Museu da Pessoa e desejar tudo de bom assim pra você nessa vida.

R – Eu é que agradeço vocês por ter me atolerado até agora.

P/1 – Foi ótimo.

R – Não, então se eu não falei do jeito que vocês queria vocês que me desculpe, né, por ter falado alguma coisa às vezes que não foi do jeito que vocês queria, mas o que eu sabia falar, o que eu tinha de falar eu falei.

P/1 – É o seu jeito que a gente tá pra ouvir. Obrigada.

P/1 – Obrigada.

R – De nada.