Museu da Pessoa

Sou Liberto

autoria: Museu da Pessoa personagem: Liberto Solano Trindade

Projeto Cotidianos Invisíveis da Ditadura
Entrevista de Liberto Solano Trindade
Entrevistado por Lucas Torigoe (P/1) e Alisson da Paz (P/2)
São Paulo, 14 de abril de 2022.
Entrevista número COIND_HV009
Transcrita por Monica Alves
Revisada por: Nataniel Torres

P/1 – Seu Liberto, primeira pergunta é muito difícil que eu faço sempre que é, qual é o seu nome completo, onde você nasceu e em que ano que foi?

R – Olha eu não me lembro, viu (risos). É Liberto Solano Trindade, eu nasci dia 01/12/1943 no Rio de Janeiro, no bairro da Saúde. Eu não tinha 1 ano de idade e meus pais se mudaram para Caxias e, nesse exato momento, em 1944, Solano Trindade constrói o poema “Tem Gente Com Fome” e. por conta disso. a polícia de Dutra, comandado pelo Filinto Muller, era o comandante da polícia, invadiram minha casa e eu me encontrava doente, meu pai de pijama, minha mãe com uma roupa felizmente comum e como ele diz no seu depoimento feito em 1944 “Eu tinha quatro crianças e tinha quatro penicos”. E ele estava dando remédio pra mim quando a polícia chegou procurando arma e ele não tinha, o que ele possuía era muito mais forte que um material bélico, que é a escrita e ele disse “O que vocês vieram procurar, vocês não me enganam, procurar arma é pretexto pra… vocês não tinham jeito de falar que era por causa do poema”. Depois meu pai foi preso. Eles entraram, chutaram a porta, me jogaram no chão que é uma coisa que eu cobro até hoje da justiça como as demais medidas truculentas que foram feitas, inclusive fazem até hoje, porque a ditadura não acabou, a ditadura começou em 23, ela começa em 23, praticamente, logo após a Semana de Arte Moderna, e aí começa essa medida ditatorial, isso aconteceu com as escolas de samba, isso aconteceu com o candomblé, isso aconteceu com o jongo, isso aconteceu com o caxambu, isso aconteceu com um monte de coisas, então não sou só eu, agora o que a gente questiona é que não são tomadas medidas nenhuma, quando que vai terminar isso, o samba foi discriminado, toda a cultura, principalmente a cultura negra, ela sofreu uma tentativa de serem dizimadas, mas a luta do povo é muito forte e nunca vai acontecer isso, a luta do povo também tem muito a ver com o Solano, com Raquel, com a minha mãe, Raquel tinha 13 anos, 12 anos ela já estava nessa luta. Meu pai era pequenininho quando meu avô leva eles pra (...) e minha mãe idem, e nós estamos aqui fazendo esse trabalho, contando história, passando essas informações, que não sou só eu, todos que vem aqui conta a sua forma, de como foram pressionados, e a gente vê no tempo da ditadura o avanço do que poderia ser o Brasil hoje, humanitário, sem preconceitos. Eram os historiadores, os estudiosos, os professores, os mestres que foram perseguidos. Só não acabaram com o carnaval porque o carnaval é uma coisa de interesse deles, eles não são bobos nem nada, mas quanta gente desapareceu, quanta gente foi morta, torturada? Tá aí o Vladimir Herzog e nossa, o Geraldo Vandré, a perseguição…

P/2 – Seu Liberto, só pra gente voltar um pouquinho, o senhor conseguiria falar como foi essa casa e essa situação que eles entraram, eu lembro que eu li relatos também, falaram que tinha só livros na caixa de laranjeiras, o senhor sabe descrever como foi?

R – É, era uma caixa de cebola, com pouco de livros…Meu pai estava em casa me dando remédio, aquele movimento natural de uma casa, conversando o que se vai fazer no dia, o que precisa comprar, quem vai sair hoje, quem vai fazer não sei o que, e de repente, sem pedir licença, chutam a porta, um negócio apavorante, que não se faz, ninguém merece isso, então que fique bem claro a forma como foi. Quando se pensa, quando se fala em mudar uma administração do governo, é para melhor, se um não fez, o outro tem que fazer, mas ocorre que começa, como dizia meu pai, as mentiras agrupadas, essas coisas que já existiam e existem até hoje, que são as mentiras, as promessas, mas ninguém fala em saneamento básico, ninguém fala em preservação da cultura, ninguém fala que trabalhadores que nem vocês vá ter um apoio adequado, um trabalho, um pensamento de um país, às vezes você não pode chamar o Brasil de um país, isso aqui é uma bagunça generalizada, você não pode, embora a gente tem que manter essa de que aqui é um país, mas ele poderia ser muito melhor se houvesse um apoio, se houvesse uma, digamos assim, uma…reparação! Tudo na base da reparação, que aconteceu, tal? É nunca, entendeu? Começar reparar essas coisas, não é começar pela derrubada dos monumentos, não é começar pela desconstrução daquilo que foi construído. Por que não acaba com a construção da ideia de escravismo? Por que não dão um jeito na questão das diferenças sociais? Por que não diz logo que tudo isso é falta de conhecimento? Isso tem que ser pra uma sociedade como um todo, essas informações, então eu já vou…eu não vou falar dos acontecidos, eu vou falar por onde tem que começar, o que tem que fazer, essa é a discussão. Antes de se escolher um Presidente da República, um Deputado, um Vereador, tem que ter uma conversa com a sociedade, voltando lá atrás, primeiro lugar, por que os negros não estão na mesa das escolas, para crianças saber, por que? Qual é o objetivo de não tá? Isso tem que ser explicado antes da chegada das eleições, tem que haver debates, tem que haver diálogo, tem que haver confabulação, não é aquela confabulação de ricos e senhores na escravidão, para o seu sustento, pra acúmulo de riqueza, não é isso, é uma confabulação correta, porque se não nós não vamos avançar nunca, pra que fique bem claro, eu espero que as pessoas saibam de como tem que fazer, mudar presidente também não adianta nada, não adianta mudar um presidente se você não muda um parlamento, se você as bancadas, que são os piores, por que o Bolsonaro não consegue ser derrubado? Porque nós temos um Presidente da Câmara que age de má fé, é ele que tem que decidir se o cara vai, tem que ter uma votação maciça em cima disso, então isso não foi feito na pós 1988.

P/1 – Seu Liberto, como era o Rio na época que o senhor nasceu? Quais são as primeiras lembranças do senhor nessa cidade?

R – Olha eu penso assim, tem muitas coisas que ficaram pra trás que a gente não acompanhou, mas a questão de como foi feito a construção da Avenida Presidente Vargas. A história do Rio de Janeiro que foi na sua maioria feito por mãos negras, que foram negadas, e teve uma questão muito complicada que foi a questão dos cortiços, onde foi instalado Tia Ciata quando ela chega no Rio de Janeiro, e assim, ela conseguiu manter seu nome até hoje por conta dela mesma. O que ocorre é que não há um reconhecimento das pessoas, então isso foi aplicado pra toda a sociedade. O que era os negros nos tempos da Tia Ciata? Não era nada. As coisas foram derrubadas, os monumentos importantes da cidade foram destruídos, foram demolidos, e não houve uma vontade política de manter essas histórias, pra comunidade geral hoje. Tá aí o resultado do Museu Nacional do Rio de Janeiro, todo aquele histórico, todas aquelas coisas se apagou, se desfez e ficou por isso mesmo. Não tem uma medida pra se tomar.

P/1 – Mas o senhor viu a construção da avenida então, é isso?

R – É assim, eu sou do tempo da construção da avenida. Tinha a maior concentração de negros na praça Onze, era uma mola, as pessoas iam pra não deixar, elas voltavam com toda precariedade, até o pessoal restabelecer e fazer algumas construções que beneficiavam e levavam algum conhecimento do povo brasileiro que era o Valongo, descobriram o Valongo e ali vocês podem ver as mazelas, as atrocidades que cometeram com os negros na época, não dá aqui pra gente contar assim tintim por tintim, mas a gente vai dando algumas ideias que podem ser reconstruída e pra mostrar as pessoas o que foi o centrão da cidade, que também só mexiam ali, só mexeram em Copacabana, Leblon e Madureira etc.

P/2 – O Valongo é o que?

R – O Valongo é uma…

P/1 – Cais.

R – É, onde era o Cais, e esse Valongo, se descobriu ali a ossada, era o cemitério dos negros que agora se transformou em um monumento que as pessoas podem visitar e conhecer a sua história, eu ainda não fui lá, isso é perto do Cais do Porto.

P/2 – O senhor lembra, qual a idade que o senhor tinha e como se deu essa descoberta do…

R – Não, não, foi há alguns anos atrás, eu tô em São Paulo há 60 anos, eu já estava em São Paulo quando começou esse movimento de pegar esse acervo e mostrar para as pessoas.

P/1 – E, seu Liberto o senhor se lembra dentro dessa casa, a casa, como que era o dia a dia do seu pai com a sua mãe, vocês acordavam que horas, o que vocês faziam? Você se lembra dessa época?

R – Olha, antes de eu nascer, meu pai veio para o Rio, depois veio minha mãe com as minhas duas irmãs, Raquel e Godiva. Godiva hoje mora em Jacarepaguá, Raquel vocês sabem, já faleceu, então eles vieram com as duas. Depois em 43, eles vieram em 42, em 43 eu nasci, e quer dizer, eu não sabia nada, até uns 10, 14 anos eu não sabia de nada, eu confesso que não tive nenhuma participação em qualquer tipo de movimento, mas eu sei a movimentação da família. Meu pai já ficava de Caxias para o vermelhinho. Meu pai era um cidadão que não lutava pra si, lutar pra si é você trabalhar, construir uma casa, comprar alguns bens, ele não tinha isso na cabeça, ele queria era o desenvolvimento da poesia, da dança, do teatro, a problemática da negritude, ele lutava pelos negros, ele lutava pela sociedade, ele foi um homem muito ligado a política e o social, onde ele mergulhou e veio a ideia do trem, do "tem gente com fome" e ali ele pode expressar todo o seu pensamento, porque meu pai ele nunca, até ele morrer, nunca abandonou seus ideais, então ele dizia pra nós, "Olha, não espere nada de mim, porque eu não vou deixar nada pra vocês a não ser a consciência". Do mundo que ele idealizou, ele tinha um ideal, e o ideal não era você ir pra casa sentar numa poltrona, assistir televisão, meu pai não pensava nada disso, era muito mais profundo, era muito mais sério, digamos assim.

P/1 – E ele tentava educar vocês nessa conscientização?

R - Nessa conscientização. Interessante que quando a gente era menino, a gente já tinha um pensamento de uma preservação, de uma escola de samba, de coisas que eu aplico hoje na CasIlêOca, na casa que nós construímos que mais tarde a gente vai tá falando a respeito, e foi através do trabalho de meu pai, onde eu levava os ofícios para o movimento de arte no Embu, divulgando as festas, as reuniões que eram feitas e que junto com o Embu, estava a Praça da República, onde reuniam os artistas. É assim, o que eu posso contar do Rio de Janeiro é esse tipo de história, porque confesso que eu não tive uma participação junto com meu pai, quem ia junto com meu pai era a mais velha, a Raquel, era a única que acompanhava meu pai, mesmo porque era exigência dele, ele achava a gente muito moleque, "Não, é melhor levar a Raquel pra sair." Então, a gente tinha uma vida normal, lógico, como todo mundo tinha, eu ia lá no armazém todo dia, comprar umas 150 gramas de manteiga, todo dia a gente comprava manteiga, não tinha essa coisa de conservar na geladeira, nem geladeira nós não tínhamos. Tinha água, luz, mas não tinha geladeira essas coisas, esses utensílios domésticos, muito pouco, nem liquidificador, nada, e a gente ia lá pra comprar pão, leite e manteiga, hora ia a Raquel, hora ia a Godiva, hora ia o Chiquinho que era o caçula da casa, que foi morto pela ditadura com 19 anos, ele participava do clube dos Onze do Brizola e ele era o chefe da polícia da PE, ele era o chefe da PE, e ele não batia nas pessoas, porque a ordem era espancar pra por ordem e não sei o que… ele foi sendo observado com toda essa participação dele, todas essas atitudes dele foram observadas e a desculpa que deram pra minha mãe é que ele foi limpar a arma e a arma disparou na hora do treinamento. Mentira. Então, essa é outra coisa que a justiça nos deve.

P/1 – PE é o que? Sigla de que?

R – Polícia do Exército.

P/1 – Ele se alistou e foi se formando dentro do exército, é isso?

R – Meu irmão era diferente de mim, ele era muito enérgico, eu era…eu coitado ( risos) eu estava sempre brincando, levava a vida brincando, claro que é a maneira lúdica de levar a vida, era um jeito lúdico, eu não poderia imitar, nem ele fez isso, é mais ou menos…ele era um camarada humano, ele era autoritário, mas ele não batia nas pessoas, ele não tratava as pessoas como um objeto qualquer, tratava as pessoas com respeito e seriamente, fazendo um trabalho sério e nós por consequência, nós éramos muito sociais, a Raquel era assim, Godiva é assim e eu sou assim, meu irmão que era um pouco enérgico, mas é porque ele achava que sendo um pouco enérgico ele resolvia a situação. Na maioria dos casos, ele resolveu por ser uma séria, por isso que o…tanto é que o exército ficava de olho nele, ele tinha um comportamento diferente dos outros soldados, "Esse cara tá atrapalhando, esse cara é subversivo." Tudo era subversivo. Ele foi caçado e morto. Agora o que pega, isso é uma coisa que pega, é a forma como foi colocado pra minha mãe quando ele morreu: " O seu filho está morto, morreu lá no exército, a arma disparou". Um cara grosso, que teria que ter nós lá pra contrapor a atitude daquele cara, mas infelizmente minha mãe ficou intacta, minha mãe é uma mulher guerreira, muito avançada pra época, era uma coreógrafa, ela que ensinou as danças, ensaiava o pessoal do grupo do teatro popular brasileiro, ela ensinava as músicas, os cantos, as danças e até com a maneira de acompanhar determinadas músicas, cada música tinha um ritmo, cada música tinha uma tonalidade.

P/1 – Ela não teve muita reação, não teve muito como reagir nessa hora é isso?

R – É, essa notícia abalou e nós estávamos fazendo um espetáculo em São Paulo no Paulo Eiró, espetáculo esse que é apresentado quase que todas as danças do folclore, começava com Capelinha de melão, terminava no candomblé, a gente fazia uns números de bumba-meu-boi, fazia jongo mineiro, jongo fluminense, jongo africano, afro-brasileiro, que é aquele jongo que vocês já devem tá acostumados a ver, que tá feito pelo jongo da Serrinha e outros quilombos. Até hoje é praticado, é por isso que eu digo: "A cultura negra no Brasil está sempre em alta, só que essa desenvoltura, esse trabalho feito por todos os grupos no país, cada cidade de cada estado, cada bairro, você pode acreditar, aqui onde nós estamos na Vila Madalena, aqui deve ter em torno de 300, 400 artistas que moram aqui, se apresentam nos bares da Vila Madalena, são muitos, isso só na Vila Madalena, se você for ali para o Itaim tem mais, se você for pra Cabrobó tem mais, em todo lugar, então são muitos artistas, essa coisa não morre, ela está sempre em alta, o que falta é aquela coisa que todo mundo já sabe, tá careca de saber que é a mídia, essa poderosa mídia que existe por aí e que não dá nenhuma importância, a Globo conseguiu comprar as culturas de carnaval, de bloco afro, de bloco axé, escola de samba, tanto de São Paulo como do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, mas ela não apresenta nada, ela entra, mas ela não ela focaliza todos os lugares onde está se apresentando o carnaval, que é a cultura do povo, tá ali no carnaval, ela não só tá no carnaval, ela está em todos os dias, toda hora, mas a Globo ela se compromete a focalizar, divulgar os locais, mas ela não faz nada disso, as escolas de samba elas só focalizam os artistas, vocês sabem disso, a bateria que é o ponto alto de uma escola de samba é pouco focalizada, as velhas guardas das escolas de samba no carnaval, os locais não são focalizados, ninguém sabe quem é o cidadão do samba, ninguém sabe quem são os embaixadores do samba, ninguém sabe nada, e os caras estão ali na avenida, eles chegam entrevistando a plateia, eu acho que tem que entrevistar, tem que focalizar a plateia, mas os artistas se você não focalizar os artistas nada tá feito, e o carnaval é a maior fonte de renda durante o ano, tá contida, tá embutida no carnaval, a maior fonte de renda do governo, dos governos, onde se ganha muito dinheiro, o balanço é enorme. Se vocês forem pegar o firme mesmo, pegar e se interessar, vocês vão se assustar, é muito dinheiro que rola, eles dão dinheiro pra escola de samba mas não dão o suficiente que tinha que dar, embora eu acho…não é uma crítica isso aqui, eu tô sendo sincero, eu acho que a grana que é dada para as escolas de samba tem que ser revertida aos componentes da escola, os componentes da escola não podiam pagar mil reais ou até dois mil reais numa fantasia, porque se a gente começar pegar no meio do ano, o sujeito pra ir um ensaio, em uma roda de samba, pra onde for, na rua do samba, nos bares; táxi, Uber, ônibus, ele tem um gasto excessivo, cada pessoa que frequenta o carnaval, tem gasto de gasolina, quem tem carro, quem não tem gasta a mesma coisa, é cerveja é não sei o que, sabe, é uma cultura velhaca.

P/2 – Eu ia voltar ainda lá naquela casa da infância, inclusive seguindo a dica da sua companheira, perguntar como que era, você falou bastante do seu pai, mas como era esse convívio com a sua mãe, vocês eram próximos? Ela preparava alguma comida pra vocês?

R – Claro, é normal, uma casa normal. O dia a dia nosso era minha mãe cuidando da casa, meu pai saindo pra trabalhar, ele trabalhava no IBGE, depois ele deixou o IBGE, mas ele ajudava com dinheiro que não era sempre, a minha mãe praticamente ela nos sustentou porque ela trabalhava no Hospital Pedro II, no Engenho de Dentro, onde Nise da Silveira era a diretora e junto com ela, dona Margarida Trindade, trabalhou dona Ivone Lara, a Ivone Lara ela era assistente social, ela visitava a casa das pessoas antes de ser dona Ivone Lara. Então o que minha mãe fazia, a função dela no teatro, era ensinar as danças, tudo aquilo que ela fez no teatro, todo aquele movimento, ela fazia com os doentes que na verdade não eram doentes mental, eles eram pessoas como até hoje, mãe, pai, tio, filho, que não tiveram aquela atenção adequada, mesmo os ricos, mesmo na casa dos ricos, mesmo os bacanas. Os bacanas viajam, deixam os filhos em casa pequenininhos, um ano, seis meses, e toda sociedade tem essa…passa por esse desengano, então a gente, nossa! É bem complicado a situação na sociedade e meu pai e minha mãe e os seus amigos, aqui em São Paulo eu conheci muitos, Dalmo Ferreira que era diretor do teatro experimental do negro em São Paulo, o teatro experimental foi fundado em 42 lá no Rio de Janeiro, dizem alguns historiadores, escritores, que a gente lê hoje no livro que foi meu pai que construiu o teatro, isso tá escrito ali, quem deu a ideia, e muito se fala também que foi o Abdias, eu não sei, eu não tenho nada contra…eu não posso falar porque eu não tenho certeza, eu não participei, não sou testemunha disso, mesmo porque eu nem era nascido ainda, não gosto muito de falar dessa coisa, eu acho que dentro de um depoimento que o Abdias faz do meu pai, ele afirma isso, ele era muito amigo do meu pai, da forma que a gente lê o depoimento.

P/1 – Não, mas fica tranquilo, a gente aqui tá muito interessado no que o senhor viveu, no que o senhor viu, o centro aqui é o senhor.

R – Por isso que eu digo que eu tive participação efetiva mesmo foi quando eu cheguei em São Paulo em 1962, aí eu tive atuações mais diretas.

P/1 – Isso aí o senhor já tinha o que, 19 anos?

R – 18 anos.

P/1 – Antes de eu perguntar do porque o senhor veio pra cá, me conta um pouquinho do carnaval lá do Rio de Janeiro que você estava contando um pouquinho antes da gente começar a gravar, como é que era?

R – (risos) A gente ia cedo lá pra avenida Rio Branco. Eu sempre ia sozinho, meu irmão não era muito de carnaval, depois ele era menor ainda, ele não se ligava muito, meu irmão era um menino que participou dos pequenos jornaleiros do Rio de Janeiro, e foi e entregava jornal, era legal aquilo lá, era um grupo de pessoas, é como se fosse um primeiro emprego.

P/1 – Chiquinho, você está falando?

R – É, Francisco Solano Trindade, ele tem o nome do meu pai, Francisco Solano Trindade Júnior. Ele tinha uma outra conotação, um outro comportamento, diferente do meu né (risos) como eu falo: "Eu sou meio maloqueiro"(risos). Eu sou, eu sempre fui assim, sempre meio largadão e fui…então eu chegava na avenida cedo, eu ia no sábado primeiro, sábado era o início do carnaval do Rio de Janeiro, deu meio dia o prefeito entregava a chave para o carnaval, então você vê aquele movimento razoável que iam se acrescentando pessoas e na medida que o tempo ia passando e quando chegava na madrugada, quem fosse na madrugada, já ficava direto, tinha gente que ficava os 4 dias, as meninas não voltavam pra casa, muita gente fez isso. Se a gente voltar o tempo, onde surgem a ideia do mestre-sala e porta-bandeira foi por conta de um acontecimento que teve, não tinha nascido ainda, conta-se que foi roubado um pavilhão, a bandeira será, e foi levado pra algum morro, alguma sede E era um vexame a pessoa que se deixava, se deixava…o pessoal passar a mão e à partir daí começou uma preocupação de colocar um lutador de boxe, um capoeira, alguma coisa, algum grupo pra proteger a bandeira, então todos passaram a ter determinados protetores, e a princípio era um porta-machado, que era um homem, vestido de porta-bandeira, não tinha mestre-sala, naturalmente, a ideia do mestre-sala, era os protetores. Com o tempo, foi mudando as formas de proteger a bandeira, aí chegou um dado momento que não precisava de um cara briguento, de um especialista em pernada pra proteger a bandeira, o pau comia, mas ninguém levava a bandeira, deve ter levado no meio da confusão o cara pegava, porque era um vexame na época, o cara subia o morro pra buscar a sua bandeira, ele precisava pensar duas vezes e os caras davam a bandeira pra ele na maior cara de pau, mas os caras passavam um vexame, era uma humilhação o cara ter que subir pra pegar seu pavilhão, as pessoas se sentiam fracas se sentiam inútil, "Pô, como é que eu deixei, pô como é que eu vou passar por uma humilhação dessas?". Não tomou providências, e aí começaram, continuou as brigas, mas ninguém levava nada porque o pau comia e o pessoal já protegia a bandeira, já levava pra algum lugar, "Aqui não, aqui ninguém vai levar nada."

P/1 – E que cordão, bloco…

R - Blocos, cordões que começou, depois veio as escolas de samba, aí você via lá, você via rancho, desfile da alta sociedade que eram os carros abertos, aquelas coisas todas e tinha as danças no carnaval você conseguia ver, maracatu. Meu pai mesmo, não no carnaval, mas ele apresentou um pastoril na Cinelândia, fizeram um palanque lá e eu me lembro como se fosse hoje, eu vi aquilo eu era pequenininho, então o carnaval começou assim, aí veio uma coisa mais moderna, é o mestre-sala e a porta-bandeira, onde os caras além de proteger a bandeira, conduzia a porta-bandeira, não tinha mais briga, acabou, ninguém ia mais brigar pra pegar o pavilhão, passou a ser uma coisa mais ou menos civilizada, as brigas tinham demais, na Lapa, Deus me livre, o Madame Satã ele participou disso e os outros valentões que não cabe aqui, que eu não registrei o nome dos outros e Madame Satã é vendo as histórias, inclusive dentro da rádio CasIlêOca.com, tem o meu amigo Inácio, Joaquim Inácio que faz um programa Verdades Musicais, ele conta as histórias como se ele estivesse presente, ele fala de Noel Rosa como se eles estivesse presente, ele fala de Ciro Monteiro, Formigão, como se ele estivesse lá, ele conta uma história, Moreira da Silva, Blecaute, Pixinguinha, ele tem uma perfeição pra contar as histórias como se ele estivesse lá, a impressão é que ele está lá,presente, vendo todas essas histórias né, ele é um ator, ele é uma enciclopédia presencial, chama-se Joaquim Inácio.

P/1 – E você ouvia o que essa época, antes de vir pra São Paulo, você ouvia bolacha, rádio, o que você ouvia?

R – O rádio em Caxias, a gente ia na casa do vizinho, quando surgiu a televisão em 1956, a gente ia pra casa dos vizinhos. Tem uma coisa que é interessante a gente falar, ser filho de Solano e de Margarida era um privilégio. Caxias tinha uma certa camada da sociedade que passava muita fome, pessoas que não tiveram oportunidade no meio pra se desenvolver, escola em Caxias não tinha na minha época, a gente estudava nas casa, só tinha o mate com angu (risos) que é a escola regional de Buriti, de Caxias, estudei lá, Raquel estudou lá, Godiva estudou lá, Chiquinho parece que estudou também, tinha essa escola e a gente ensaiava na casa de pessoas de família. Eu, por exemplo, estudei na casa de uma família um tempo e junto comigo iam os vizinhos, então houve assim um monte…uma contribuição importante sobre educação com as casas de família, casa de pessoas que tinham uma certa instrução, que eram mais instruídos e ensinavam a gente a ler e escrever. Se bem que eu, eu fui muito mal na escola, confesso que não aprendi e tentei estudar até fazer o fundamental, mas é assim, quando eu fui fazer o fundamental eu estava envolvido com os movimentos e a

minha preocupação na escola era de levar, pegar os historiadores e contar a história do negro, você entendeu? Aí a professora falava assim “Olha, o senhor faz um trabalho importantíssimo, eu acho que outra pessoa não faria, mas o senhor não faz as provas, o senhor não apresenta os trabalhos”. Eu era muito preocupado em mostrar as pessoas que a gente convivia, as pessoas que a gente ajudava a construir esse país. Então, em São Paulo eu conheci Dalmo Ferreira, que era o dramaturgo que dirigia o teatro Experimental do Negro e conheci o professor Arístides Barbosa, conheci o Andal Juliano, Vanjorico, Sérgio Milliet, Aldemir Martin, era o artista plástico, Claudionor Assis Dias, escultor, que eu fui morar na casa dele quando eu vim pra São Paulo, eu, meu pai, todo mundo morava lá na casa dele, Raquel já estava aqui, tinha o Ivan Serafim, que trabalhava em um banco no aeroporto, o Congo, cenógrafo do Teatro Municipal, o Antônio Brochado, José Brochado que trabalhava no Diário Associados do Assis Chateaubriand, na 7 de Abril, em frente ao teatro. O Diário Associados tinha o bar Costa do Sol que fazia o papel do vermelhinho, todos os intelectuais, artistas de cinema, todos iam pra lá, para o Costa do Sol, era muito frequentado, no segundo andar, segundo ou terceiro andar tinha o IAB, Instituto de Arquitetos do Brasil, lá no palco do Diário Associados, Solano dava…fazia oficina de dança, de canto, poesia, então ele contava história do significado de cada dança, era muito legal e contava com a participação do elenco, eu posso lembrar aqui alguns nomes, tem o Durval Técio que era o Bolinha, percursionista do teatro Popular Brasileiro, ele foi pra Europa com Solano, tinha a Marleninha do Nascimento, que no candomblé era Xangô e foi também com Solano pra Europa em 1955, Marina Louise que tinha como marido o Wilson Moraes, que foi mestre-sala da escola de samba Camisa Verde e Branco, os dois, mestre-sala e porta-bandeira, e de outras escolas de samba, o Wilson Moraes era o secretário do teatro, ele junto com Solano, Aparecido Leite Floresta, eles faziam o roteiro dos espetáculos, tinha Cilene Rodrigues da Costa a Degue Lopes, eram membros do teatro e pintoras, tinham muitos artistas plásticos que ao mesmo tempo que pintavam, desenhavam, estavam no teatro elaborando, e um fator importante é "miliuma", Jorginho do Pandeiro, toda essa turma participava do teatro esporadicamente, porque eles tinham que ir pra boate ganhar seu ganha pão, eles iam para o teatro e às vezes não recebiam porque os espetáculos também eram de graça, era muito difícil você viver do teatro e nós não tínhamos lugar pra ensaiar, a gente vivia todos os dias, a gente estava todos os dias com os instrumentos na mão, baquetas, tudo, os atabaques nas costas procurando lugar pra ensaiar, assim era a vida do teatro Popular Brasileiro, assim era a vida do Teatro Experimental do Negro. Muitos grupos não tinham lugar pra ensaiar, tinham muitos teatros em São Paulo, mas não se conseguia o teatro pra fazer o espetáculo com tanta facilidade, a gente conseguia nos canais de televisão, mas ficava horas e horas na fila, um desrespeito total pra aparecer lá depois que tá tudo pronto, 5 minutos e nem aparecia todo mundo, o cara não conseguia mostrar seu trabalho, são coisas que estão guardadas nos canais de televisão até hoje, se as pessoas forem pegar esses trabalhos e passar na televisão hoje não termina, nem daqui a um ano, nem daqui 10 anos, são muitas coisas que foram registradas mas que não sai do papel, que não…é como se não saísse do papel. A Vangerico contou agora, tá em um vídeo que ela participa, que o filme Lampião não ganhou dinheiro no Brasil, mas o americano se “apossou” ganharam dinheiro, ficaram ricos…o Brasil não viu, então são essas coisas, é difícil divulgar o nome de Solano Trindade, eu tenho um programa na web rádio CasIlêOca, criado por mim e pela minha mulher Nilu Strang, onde a gente apresenta todas as culturas do mundo inteiro, aí tá aberto lá pra todas as religiões que quiserem participar vão participar, por que não? A gente não é contra as religiões, a gente é contra a intolerância feita ao candomblé, é você fazer uma oração em trocas de quantias em dinheiro, tem uma gama de igrejas que ganham horrores de dinheiro, igreja de baciada, isso não existe! A igreja é uma só, só existe uma igreja, embora tenha uma ruma (risos) mas quando eu falo uma igreja é um Deus, não é? Então todos tem que trabalhar, rezar em prol daquele Deus, não existe Deus branco, Deus negro, mesmo porque a gente não sabe a cor de Deus, então…

P/1 – Posso voltar só um pouquinho nos anos 60… Quando ocorreu o golpe, em março/abril de 64, vocês estavam em São Paulo então pelo que eu entendi…

R – Estávamos.

R – E como é que foi recebido esse golpe, o que vocês pensaram na época, como é que foi?

R – Nós éramos em grupos, tinha muita gente e essas ações, tanto é que é passado no canal curta muito a questão da ditadura, cada vídeo passado a respeito da ditadura é um caso diferente. É que nem a guerra mundial, todo dia a gente ouve um fato diferente e não termina aí, virá outros como virão outros da ditadura. Então, nós tínhamos um grupo e no grupo muita gente foi exilada e muitos foram pegos, aí você vai contar a história do quê, aquele São Pedro você nunca mais vê, você nunca mais via ele, aparece o curta….faz uma retrospectiva de pessoas que desapareceram por…que a gente não conta mais, que a gente não vai ver mais, o curta ele consegue mostrar a pessoa, mas não, são pouquíssimos que você vê de novo, outro dia apareceu um…a família de um amigo meu…

P/1 – Quem?



R – Reinaldo de Castro… Nunca mais vi depois da ditadura, … eu tive com Reinaldo até 65/66. Depois, nunca mais vi, e a gente estava até fazendo uma discussão, a gente conversava a respeito de…e foi no período que aconteceu, isso um pouco antes do acontecido com Patrice Lumumba, ele foi morto covardemente lá no Congo, ele foi o único cara que botou a cara pra bater, os outros foram traidores, foi uma situação muito triste, os caras estavam roubando a riqueza do país, ele peitou e os outros foram comprados. Então, discutia muito isso com Reinaldo, de repente não vi mais o Renaldo de Castro, não sei o que aconteceu, muitos eu não sei o que aconteceu, é fogo, e hoje a gente vê pessoas que dizem que foram presas, mas eu não sabia porque sumiram, desapareceram.

P/1 – E Você sentia a presença de alguém perseguindo ou seguindo você, seu pai?

R – Não, essa sorte eu não tive não, tanto é que eu fui num aniversário na região da Santa Cecília, nós nos encontrávamos lá toda vez que se fazia aniversário, Era aniversário neste dia da Paulinha e junto comigo ia o Joel Câmara, ele não foi também, nem ele e nem eu fomos. No outro dia quando cheguei lá a polícia já tinha levado ela e matado, uma judia, uma menina nova, jovem ainda, filha de judeu muito rico, mas que tinha essa consciência de que tinha que lutar pela sociedade. Eu tive no Martinelli no oitavo andar ou nono andar, onde as pessoas faziam um movimento aberto, e por sorte a polícia não apareceu lá, mas foi feita assim, e os caras cantavam uma música que a minha mulher sabe como é que canta, mas eu só ouvia o…só guardei o subdesenvolvido, falando que o país era subdesenvolvido: (canta) "Subdesenvolvido, Subdesenvolvido…" Era isso, toda cidade ouvia, aí meu pai falava assim " Nós vamos ser presos, todo mundo aqui hoje". Mas o ato rolou no Martinelli e nada aconteceu naquele dia, então eu por sorte não fui preso, mas muita gente não teve a mesma sorte.

P/1 – Você e o seu pai tudo bem, mas vocês sentiam medo, perigo, gente atrás, assim?

R – É muito assustador, é muita coisa acontecendo, é muita gente, teve pessoas que passaram no DOPS e eu ouvia gemidos de tortura é muito assustador, quem viu a ditadura de frente sabe o que é esse negócio, não dá pra contar tudo. A Nilu passou por isso lá na Mackenzie, em todo lugar. Você vê, na entrada da USP tinha um comando, era muito complicado.

P/1 – E eles acusavam vocês do que?

R - É tudo invenção, subversão. Quem fazia subversão? (risos) Ninguém fazia, é aquela coisa do… os caras desconheciam tudo, eles prendiam pessoas aleatoriamente, eles prenderam o Ibrahim Sued lá no Rio de Janeiro junto com meu pai. Por que ele foi preso? Porque o amigo dele escreveu um manifesto e a única maneira de descobrir o amigo era prendendo o Ibrahim que chorava muito, e agora eu não me lembro se ele entregou o cara ou se depois soltaram ele, porque ele não tinha nada, ele nem conscientizado pra luta não era, era um cronista burguês, só entrevistava artistas que não tinham nada a ver com a luta política, com nada, é isso. Então foram muitos fatos, são fatos que como eu já disse pra vocês eu não escrevi na hora, não registrei na hora, mas tem coisas que a gente… momentos assustadores da... agora, meu pai não desistiu de fazer, não parou os movimentos de arte de Embu, os movimentos continuaram na Praça da República e alguns sofreram, anteriormente foram presos e as perseguições elas se seguiram, depois elas foram ficando amenas, na medida em que, depois das diretas já houve uma saída, uma brecha pra saída da ditadura em 1985.

P/1 – Queria perguntar mais umas coisas só, o senhor fique à vontade se não quiser responder claro, mas se o senhor puder me contar como funcionava a censura na época dos espetáculos que vocês queriam fazer, para as pessoas que não sabem como é que era isso. Censurava na hora, antes, como era?

R - Ah tá, houve isso muito nos enredos apresentados pelas escolas de samba, e na verdade aos donos, proprietários do teatro, os da direção do teatro algumas coisas eles não passaram, era censurado mesmo. Talvez pra alguns, pensavam nós artistas, pra preservar a integridade também, outros por que...por ignorância não abriam as portas. Durante a ditadura nós fizemos espetáculo no Teatro de Arena, fizemos no Leopolldo Flecha, fizemos no Paulo Eiró, João Caetano, a gente conseguiu burlar essas coisas, mas houve uma diminuição muito grande no movimento cultural em São Paulo, foram feitas algumas tréguas porque a gente não dava pra encarar de frente, porque os caras não tinham…na verdade era falta de conhecimento mesmo, e tudo pra eles era subversivo, esse é meu modo de olhar. Quando você se propõe conscientizar uma sociedade pra eles, eles estão correndo perigo, então tinha gente que aprendeu que nem sabia. O Mário Lago às vezes foi preso, passou no curta, história do Mário Lago que a gente vê graças aos vídeos, a gente fica conhecendo.

P/1 – E como começou?

R – Ah ele foi pra televisão, fazia teatro, artistas de teatro, cinema, ele foi obrigado a ir para televisão, a televisão era mais aberta, os enredos, as histórias que não tinha nada a ver com a natureza, com o dom que os artistas tinham. A televisão conseguiu levar o Tony Ramos, a Renata Sorrah, o…até o Boal, João Francisco Guarnieri, que é uma das forças de esquerda, o Nilton Gonçalves.

P/1 – Sim, e a pergunta é justamente essa, que história é essa de sua mãe levando você para o comício? Que ano que era isso, como é que foi?

R – Olha, isso foi mais ou menos em 1948/1950, por aí, eu fui levado com ela, ela foi para o comício e levou a gente, eu e meu irmão lá no centro de Duque de Caxias, lá na estação e é assim, eu acho que a história que aconteceu foi a seguinte: quando perguntaram, fizeram uma pergunta pra ela, ela respondeu "Poxa, como é que vocês não acreditam em uma candidatura negra, se Zumbi foi o único e verdadeiro herói brasileiro? Por que um negro não pode ser um parlamentar? Por que não é dada a oportunidade com uma apresentação mais ampla, digna para um negro evoluir aqui no caso como um parlamentar, por quê? Se o nosso único e verdadeiro herói era Zumbi dos Palmares". Agora eu tô dizendo isso de acordo com os acontecimentos do futuro, quando a gente começa a entender tudo sobre política e hoje o resultado que nós temos ainda continua o mesmo, o preconceito, a discriminação do negro na política, você vai em um parlamento em Brasília e só tem parlamentares brancos e não são poucos, são 500 e pouco, e tem lá 2, 3 negros, 1 negra e o resto tudo branco.

P/1 – E o comício era sobre isso?

R – Eu acho que foi isso, eu tô deduzindo o que eu posso colher desse ato que aconteceu em 1950, 1951 por aí, eu era muito pequeno, o que eu posso deduzir é que foi isso, não havia outra razão pra ela falar de Zumbi dos Palmares.

P/1 – E você lembra se tinha muita gente, se tinha bandeira, como foi?

R – Tinha, era fervido o negócio, sabe, bandeira, gente inflamadas, não é como hoje, não é como esses debate que são feitos hoje, era presencial, calor da sociedade estava lá e a gente não entende porque as coisas não aconteciam. Hoje o problema é a presença da população discutindo, dialogando entre si, hoje não tem, e eu não entendia na época porque as coisas não aconteciam, não podia, não tinha, falta uma peça, é como faltar uma peça nos 5 continentes na face da terra, enquanto não tiver a presença do negro aceitada com dignidade, não ter a contribuição da raça negra, logicamente a gente não vai conseguir o desenvolvimento que devia ser, não pode faltar, é que nem aquela história, enquanto tiver uma pessoa na rua, isso eu ouço da minha mulher sempre, nós não vamos ter um desenvolvimento perfeito. Assim são os negros, é a raça negra com oportunidade dentro dos parlamentos.

P/1 – E na época que o senhor chegou em São Paulo, me conta onde ficavam as escolas de samba, elas ficavam nos mesmos lugares que elas estão hoje, eram as mesmas ou não?

R – Não, as cartolinhas. Eram dirigidas por uma família, tinha um corredor onde tinha várias casas e ali tinha o diretor de bateria, tinha as harmonias, tinha o mestre-sala e porta-bandeira que era o Cláudio, tinha o Edson, então a maioria das pessoas estavam ali dentro daquele quintal do lado de um terreno baldio, barro no chão, terra batida e harmonia perfeita.

P/1 – Qual escola, desculpa?

R – Os Cartolinhas, Cartolinha de Duque de Caxias…

P/1 – Ah, mas isso no Rio?

R – Que ficava na esquina da minha casa, e até hoje às escolas de samba possuem quadra, às vezes elas perdem, ainda tá com essa coisa, uma por falta de estrutura, outra por falta de apoio, porque o que eu pensava quando eu era pequeno era que a evolução teria que existir com a sua própria cultura, com seu próprio desenvolvimento, com sua própria história e com sua própria organização, mas não é assim que funciona e não vai funcionar mesmo porque na maioria das escolas de samba tem aquelas pessoas bem de vida, tem aquelas paupérrimas, então se você não consegue unir uma classe, fazer dela uma única classe, não adianta.

P/1 – Em São Paulo era assim na época?

R – Até hoje é assim. Olha eu ia para o ensaio de uma escola de samba e quando chegava 04h da manhã eu não tinha como me locomover pra casa, mas eu tinha um propósito, pra mim não tinha problema nenhum esperar o ônibus e tinha pessoas que não tinham o dinheiro pra voltar pra casa, "Ah, não tem, dane-se." Acho que tinha gente que vinha a pé e voltava, estava lá porque tinha amor à escola de samba, tinha amor ao samba, então tinha os que tinham carro, outros não tinham, tinham os que podiam pegar táxi…

P/1 – E você começou a se envolver com escola de samba em qual aqui em São Paulo, por exemplo?

R – Eu fui pro Vai-Vai em 1965, no Bixiga. Fiquei 3 anos lá, aí depois que o Juarez da Cruz me convidou pra…que eu vou contar a história como é que foi…eu fui pra Mocidade Alegre, fiquei lá 14 anos, aí depois sai e fui pra Unidos do Peruche onde eu fui presidente, fui mestre-sala e fui representante da escola de samba na União das escolas de samba paulistana, a UESP, aí depois eu passei a ser diretor, fui vice-presidente, lá tudo era vice, vice de departamento pessoal, vice de comunicação e cultura que era o meu caso, vice de tudo, tinha um monte de coisa lá, e cada um com sua função e tinha o departamento de imprensa também, tinha o presidente que no meu caso era o Betinho, Alberto Alves da Silva Filho que era o presidente da escola de samba, o Betinho é filho do seu Nenê da Vila Matilde, que os dois já faleceram, hoje é o Manteiga o nome do presidente da…eu não tenho acompanhado muito o samba assim dia a dia das escolas de samba, eu tô afastado do Vai-Vai há 5 anos, da velha guarda, motivos diversos, é que pra mim se tornou muito difícil, como eu falei pra você as escolas de samba tem sempre uma dificuldade e eu não estava afim de encarar mais isso.

P/1 – Mas conta pra gente, até também para os mais jovens, como que era estabelecer, manter uma escola de samba no meio da ditadura militar? Vocês desfilavam onde? Arrecadavam dinheiro como?

R – Olha, eu falei pra você anteriormente que o carnaval é um prato cheio, farto para as autoridades, eles fazem qualquer negócio com as escolas de samba, a princípio Getúlio Vargas exigia que elas saíssem com enredo que era usado nos livros escolares na história do Brasil, a falsa história brasileira que agora está se esclarecendo, tudo que não tinha a presença do negro valia, então você falava de enredos que falavam de descobrimento do Brasil, independência, essas coisas, não tinha problema, as escolas de samba aceitavam, mesmo porque tudo era imposto pelo Getúlio Vargas, "Só vai sair o enredo mediante as ordens do presidente da República." Aí depois começou a aparecer umas escolas de samba com uns enredos afros, os Cartolinhas mesmo na época veio falando de Patrocínio, Rui Barbosa, de toda essa gente, Pedro Américo, Castro Alves, (canta) "Acordem benfeitores, do universo eu peço a atenção de todos vós, de todos vós Antônio Francisco Lisboa, o maior vulto da arte colonial, Pedro Américo, emérito pintor, João Caetano nosso maior ator, salve José do Patrocínio dandandan... nacional, exaltamos Carlos Gomes, o orgulho de nossa terra no cenário musical." O Martinho da Vila gravou esse samba enredo. O Hélio Cabral era vizinho meu (risos) morava do lado da minha casa, famoso, foi na Mangueira (canta) "Vista assim do alto, mais parece um céu no chão, sei lá em Mangueira a poesia feita um

mar se alastrou, e a beleza do lugar, pra se entender

tem que se achar, que a vida não é só isso que se vê, é um pouco mais, que os olhos não conseguem perceber e as mãos não ousam tocar e os pés recusam a pisar, sei lá não sei, sei lá não sei.” Tem algumas coisas aqui que eu não citei legal, mas há muito tempo que eu não canto esse samba, eu esqueci a letra, algumas partes. Eu desfilei no "vai se quiser", que desfilava com muita dificuldade, todas as agremiações…é porque os caras são peitudos mesmo, o povo das escolas de samba eles são guerreiros, eles dão tudo no carnaval, perdem emprego, mas ele não deixa a escola não sair no carnaval, ela tem que sair no carnaval, tem que tá lá presente.

P/1 – A Vai-Vai quando você começou era assim?

R – A Vai-Vai começava os ensaios com 15 dias, movimentação pra valer, botava o cordão, com 15 dias eles botavam o carnaval na avenida. O pessoal das escolas de samba, são muito guerreiros, são muito coesos das coisas quando é pra salvar a escola eles fazem qualquer negócio. Se hoje a Vai-Vai, Peruche, Camisa Verde e Branco e Nenê de Vila Matilde, essas 4 escolas, se é pra desfilar sem dinheiro eles botam a escola na avenida, as outras não sei, e essas escolas de samba que eu citei, tirando a Vai-Vai, as outras estão todas na bancarrota, é bem complicado.

P/1 – Como era o Bixiga nessa época, em 1965?

R - Primeiramente eu conheci o Teleco, o Teddy, era marido de uma das filhas de dona Olímpia, o Teleco filho da dona Olímpia, a Creuza, a Ivonete, a Claudete, Claudete ou Ivonete? Bom…elas eram filhas de dona Olímpia e tinham outros filhos também que eu não estou lembrando aqui o nome, eu estive lá com o Binha que era filho do presidente, na época o pé rachado, conheci de cara essas pessoas. Conheci o Marrom que ajudou muito a Raquel no enredo de 1976, ele foi o braço direito na montagem do enredo. Ciro Nascimento que já faleceu, aliás todo esse pessoal, tirando esse menino que eu sempre esqueço o nome dele, do período já foram embora, muitos morreram. Principalmente agora na pandemia morreu muita gente, morreu uma escola de samba inteira praticamente, pandemia levou gente pra caramba. A Vai-Vai ensaiava na rua, começava na rua da feira, virava, saia na Marquês de Leão, dobrava, aí subia e continuava pela Marquês, aí descia uma ruazinha e pegava a São Vicente e descia na quadra, às vezes ia por toda a Bela Vista, tinha período que pegava a Bela Vista inteira, no dia de carnaval 3 horas da tarde o pessoal já estava tudo fantasiado, era um outro clima, andando pela rua, você encontrava gente na cidade já de fantasia no dia do carnaval, você encontrava gente no ônibus, a maioria não gosta de andar com fantasia no ônibus…

P/1 – Desfilava onde? Não era no sambódromo ainda, né?

R – Em São Paulo, pra mim, em 65 quando eu comecei a desfilar, ali nas imediações da São João. Tinha um desfile anterior a mim que o pessoal desfilava na Tabatinguera, descia a Tabatinguera, Acadêmicos do Tatuapé, Folha Azul dos Marujos, Vai-Vai e tinha o desfile na Lapa, Santo Amaro, Belém, nos principais bairros tinham desfiles, as escolas iam desfilar lá. Hoje desfilam as escolas do grupo pertencente ao UESP, o grupo 1. Agora desfila na segunda-feira no sambódromo. Hoje, os outros desfilam nos bairros, ali no sambódromo desfilam os grupos que desfilam como afoxé, que abre o carnaval no sábado e tem um outro grupo que abre o carnaval na sexta-feira, não era assim, era na São João depois da reformulação do carnaval a partir de 68 foi na São João, Anhangabaú e Tiradentes né, aí depois em 92 o primeiro desfile no sambódromo.

P/1 – E porque você foi pra Mocidade, como foi essa mudança?

R

- Olha, até hoje eu me pergunto, mas eu acho que…porque assim, eu gosto muito da Mocidade Alegre, do Peruche e do Vai-Vai, eu gosto das três. Porque eu me identifiquei com essas escolas de samba e quando o Juarez me chama, foi um encontro em 68 no Edifício Martinelli, era o começo da reformulação do carnaval de São Paulo. São Paulo tinha uma outra cara, foi graças a essas reuniões que a gente conseguiu, por exemplo, quando falavam que o desfile era na São João a gente sabia, quando era no Anhangabaú a gente sabia, quando era na Tiradentes a gente sabia, como até hoje a gente sabe que é no Anhembi. Eu quando cheguei em São Paulo, a minha preocupação era de conhecer os artistas como um todo, foi muito legal, no Embu eu conheci artistas plásticos, artistas de cinema, foi um período assim, de 1962 até 1965, onde eu começo a frequentar o movimento negro, onde depois eu começo a frequentar a UESP, a partir de 1973 que passou da associação pra UESP, foi a primeira entidade do samba, era na Rui Barbosa, era a Brigadeiro, era pequenininha do tamanho de uma sala, do tamanho "disso aqui", só que tinha uma mesa, e o resto ficava do lado de fora, era uma galeria, onde o pessoal circulava ali, o pessoal que ia pra reunião, ficava tudo do lado de fora, só os caciques que ficavam sentados na cadeira, Juarez, Eduardo Basílio, Xangô de Vila Maria, Dito Caipira da Vila Maria, tinha o Carlão do Peruche, outros dirigentes do Peruche também, tinha seu Inocêncio Tobias, a madrinha Eunice, dona Sinhá, etc…toda essa turma eram as pessoas em que São Paulo inteiro se espelhavam, porque eles são a turma…eles eram uns senhores que tomaram porrada da polícia e graças a eles é que existe o carnaval, você está entendendo? É como lá no Rio de Janeiro, no Maranhão, todo Brasil apanhava, eram furados os instrumentos, eram quebrados os violões, os de sopros eram jogados longe, era uma repressão, olha…hoje qualquer um sai em uma escola de samba, não era qualquer um que saía, só os negros que saiam, os negros eram os dirigentes, os negros eram mestre-sala, as negras eram porta-bandeira, tinha assistente social, todos negros, a direção era negra, tinha samba no pé, tinha samba autêntico, samba puro, samba mesmo e assim era o Tambor de Crioula lá no Maranhão, tinha samba na Bahia que depois foi para o Rio de Janeiro através de Tia Ciata, e São Paulo era o samba lenço rural paulista, o samba rural, que era o seu maior representante os cordões e que depois eu e Geraldo Filho choramos quando as pessoas resolveram se igualar ao Rio de Janeiro e ficou de fora com esse preconceito, eles vão ouvir eu falando isso, discriminaram a cultura Paulista, porque eles achavam que se as escolas todas virassem cordão, o paulista tá sempre preocupado com isso, preocupação que os pernambucanos não tem, preocupação que os maranhenses não tem, etc... e tal, esses caras se lixam pro carnaval do Rio de Janeiro, porque eles são fortes, esses carnavais vai muita gente, e não é samba do Rio de Janeiro. O Samba do Rio de Janeiro também já não é aquele samba carioca, aquela coisa gostosa que a gente ouvia lá do Largo de Pinheiros a gente sabia que escola de samba vinha, hoje não, e agora encheram de breque, escola de samba que não sai com breque perde ponto, acho que sim, porque todo mundo tá usando breque nas baterias, toda hora para o samba, quer dizer, o samba não para, aí fica aquela coisa de mostrar o breque que não é igual ao que a Mocidade Independente tinha, a Mocidade tinha uma paradinha, mas também era uma coisa muito bem feita e a gente descobre depois que o Mestre André, no dia que se inventou a paradinha, ele sambava na frente da bateria, teve um dia que ele escorregou, quando ele escorregou a bateria parou e aí o povo gostou, aí ele malandro do jeito que ele era, esperto, à partir daquele momento ele criou a paradinha, mas se você for ouvir a da Mocidade é um negócio puro e coisa e tal, não é moda, isso era uma especificidade da escola de samba. Como a Mangueira tem aquele negócio daquele surdo é a qualidade daquela escola, é a forma, é uma linguagem. Portela tinha a sua, o Salgueiro, o Cabo Sul, todo mundo tinha a sua, você ouvia assim em tal escola, hoje eu já não posso dizer isso, “Pô que escola de samba tá desfilando aí?” Se eu não chegar lá e começar a ver as coisas da escola, que está na lista do desfile você não sabe. O Tadeu da Vai-Vai tá usando uma teimosia que tá dando certo, se você estiver do lado de fora você ouve e “É a Vai-Vai que tá tocando”. Há tempos atrás você ouvia e era a Nenê que estava tocando, era o Camisa que estava tocando, era o Peruche que estava se apresentando, não tem mais. "Que escola de samba é essa daí?" Aí você tem que entrar dentro do sambódromo vê as cores, vê o desfile que hoje é tudo a mesma coisa, não diferencia nada, só diferencia os enredos, quem fizer melhor os enredos ganha o carnaval, é porque é uma questão de combinação, por exemplo, você vai apresentar o enredo Liberto, você tem que apresentar exatamente o que o Liberto fazia, que nem por exemplo, o Martinho da Vila que era homenageado pela Vila Isabel esse ano, então se vier de acordo com enredo, porque tem sempre uma peça falha e os caras trabalham com isso, não só com o melhor samba, nem só com a melhor bateria, tem que ser um conjunto.

P/1 – Agora voltando à época dos regimes militares, você falou que o pessoal apanhou muito, pra levantar, isso você diz antes do regime ou no regime também, no regime militar, na ditadura militar…

R – Depois que criaram a verba não houve mais problema. Antigamente era feito por livro de ouro, que pegava dos comerciantes, das pessoas adeptos à escola de samba, vizinhos, população e tal, então todo mundo contribuía e as pessoas…eu acho que o sambista cansou de andar com chapéu na mão, começou a pensar em uma verba do governo e aí que pega, é aí que eu falo que…mas aí é uma questão de um povo preparado, aí é uma questão de conhecimento na sua maioria pra cultura, o que a gente faz hoje, aliás, sempre foi, como é que a gente sustenta um partido político? Eu sou do PSTU, não tem patrocinador lá, a gente vende jornal, revista, livro, faz festa e o diabo a quatro, e se sustentam assim. Claro, o pessoal é conscientíssimo, se lê muito nos partidos, se discute muito, tem debates, reunião toda hora, todo dia, você às vezes participa de várias reuniões, balanço da greve, balanço da eleição, balanço não sei o que, não para, todo dia é dia, entendeu? A escola de samba já não tem…o povo já não tem essa consciência, eu daria minha parte pra escola de samba, pra mim teria que ter…porque ter coisa do governo é uma coisa muito complicada, você se acomoda…

P/1 – Mas isso em que ano começou? Esse auxílio?

R – Eu acho que foi…eu não sei precisar, porque aí depende. Nessa época, quem tinha mais, colocava a escola de samba na rua, adequadamente. Mesmo com a verba, as escolas de samba pequenas, consideradas intermediárias, pequenas, eles não tinham condições de botar, sei lá, 300, 400 pessoas na avenida, as roupas não vinham adequadas…

P/1 – Mas as verbas não foram dadas na ditadura, foi depois né?

R – Não, antes da ditadura já tinha verba, a partir de 60 sempre houve…

P/1 – Uma ajudinha.

R – Você quer ver uma coisa, eu não sei, lá no Rio eu não reparei bem, deve tá com a mesma ideia. No Rio, quem desfilava em escola de samba não tinha ônibus pra levar e trazer, porque isso mata o carnaval. Em São Paulo, o ônibus traz o componente, o componente desfila e já entra dentro do ônibus, leva pra…acaba com o carnaval, as pessoas não tem que ter isso, tem que ser feito um projeto onde envolve por exemplo, uma coisa que precisa hoje, convênio médico, onde todos os componentes, jornalista, adeptos… chegava a pagar, sei lá, 25/30 reais, é uma renda bruta que você nem imaginam o quanto, a construção de uma cooperativa onde vai armazenar todos os materiais das escolas de samba, onde eles poderiam comprar seus tecidos pós carnaval que é barateado, não deixar para o carnaval em cima e aí vai lá e paga um preço exorbitante, as escolas de samba com as carteirinhas do convênio médico, as carteirinhas em dia, o cara vai lá, todas as escolas de samba ia ter uma quadra adequada com catraca onde a pessoa colocava o cartão, se tivesse em dia ele entra, a carteirinha em dia, e lá eles podem…só pagam a consumação lá dentro e veem os shows, até Zeca Pagodinho, Chico Buarque, toda essa turma o convênio pagaria, bancava, isso sem perder, sem menosprezar a verba que é dada ao carnaval, aí entra a questão dos componentes, ele entrava com a fantasia a custo zero no carnaval e cada escola de samba tinha no seu bojo 3 mil pessoas, todo ano 3 mil pessoas, não pode passar disso e com uma hora e meia de desfile, o espetáculo seria muito mais rico, as escolas passavam com muito mais calma e acabava essa coisa do transporte, essa verba que o pessoal gasta com cerveja, com não sei o que, ia pagar com dinheiro do seu próprio bolso, as conduções que estariam nos quatro cantos de São Paulo, perto da sua casa, iam tudo direto para o sambódromo, desceu lá acabou, aquele ônibus não volta mais e ele só vai ter condução quando terminar o desfile, e aí, se ele quiser vir embora pra casa, ele vai, aí ele vai conseguir ir lá nas voltas do sambódromo e ele vai conseguir fazer seu carnaval, vai ficar uma coisa muito mais rica, entendeu? E vai beneficiar aquelas pessoas que não podem pagar o ingresso, o ingresso não seria tão caro, não poderia ser tão caro e as pessoas das escolas de samba podem adquirir seu ingresso porque a maioria da população é humilde, então eles poderiam entrar no sambódromo, pessoas que realmente se interessam pelo carnaval, que é feito ao contrário hoje, os camarotes superlotados de pessoas que nunca pisaram numa escola de samba, entra num camarote de graça, comem e bebem à vontade, as escolas passam e eles não conhecem nem a escola de samba que eles estão assistindo, é uma meia dúzia de burguesada que vai lá porque ganhou do prefeito, sei lá.

P/1 – Seu Liberto, queria voltar um pouquinho pra sua história de vida, pra gente saber um pouco, ainda, é a última pergunta que eu vou fazer sobre a ditadura, a gente gostaria de avançar depois um pouquinho. Havia censura nas letras de samba enredo, você sentia o dedo do regime em cima disso, ou não?

R – Teve muitas, não vou enumerar aqui pra você, existia…

P/1 – Mas podia dar um exemplo?

R – É um samba feito pelo... eu acho, porque depois do desfile eu consegui ver, do João Nogueira, ele fez pra Mocidade Independente, eu não me lembro do samba, eu não tô lembrando aqui, mas vocês podem por esse samba, depois a gente faz uma pesquisa e pega esse samba e vocês colocam na íntegra, dentro da gravação vocês podem tá colocando o samba. O principal samba que foi pra avenida, foi (canta) "Como era verde o meu Xingú, meu Xingú, tananan... que beleza, e o índio era o senhor…" Mas aí não tinha uma conotação pesada da destruição da nação indígena, o do João Nogueira tinha, além de ser mais bonito, tinha uma conotação política. "Caraíba quer civilizar o índio nu, Caraíba quer nanana…no Xingú." É lindo o samba, então são muitas coisas que quando eu falei pra você no início da nossa conversa da escolha do parlamentar e que eles fazem de uma maneira errônea, eles não vão para o debate, não consultam a população das medidas que são feitas. E outra coisa, quando alguém, por exemplo, quem votou no Bolsonaro, ele tá fazendo com…você sabe que tira a culpa do homem, como iniciativa, quando a pessoa vota no Bolsonaro já tá votando nas medidas dele, porque ele mente na campanha, na forma de governar, em um monte de coisa e primeiro a maior mentira é a capacidade cultural dele, não existe, não tem nada, isso já é uma mentira, essa falta de conhecimento que ele tem, ele tá lá de gaiato, ele tá lá de bongo sabe, as pessoas que elegeram o Bolsonaro são pessoas que não conhecem a história do Brasil, é diferente de um…até de um Temer, o Temer se saiu melhor que o Bolsonaro, não é o que a gente queria, até a gente fez muito fora Temer, o Fernando Henrique, o cara foi o pior presidente do Brasil, o Bolsonaro, não tem cabimento as pessoas irem pra rua, pedir para o cara sair e não tiram, que diabo é isso? O que está acontecendo, então é porque a escolha foi má, do presidente da Câmara, claro que não somos nós que elegemos o presidente da Câmara, são os partidos, as bancadas e eles tem o poder de tirar e eles não tiram, se tirar o presidente da Câmara, sai o Bolsonaro, muda o tribunal Federal, percebe que ele não tem essa vontade, tá cada vez pior, tem gente em Brasília que é funcionário e não vão lá, recebem nas suas casinhas e às vezes em outro estado.

P/1 – Como é que foi a abertura pro senhor em 85, a anistia também, como é que foi na vida do senhor isso?

R – Ah, eu vivi no embalo das diretas já, foi uma coisa importante, não deixa de ser, mas já com aquela mesma política é um vício (risos) o negro pobre fora dos parlamentos, como é que uma comunidade, uma sociedade de negros, das negras, indígenas vai viver? Vão pra roça. Os negros tem tanta história linda. Primeiro, construíram esse país, sem eles não seria possível, não tem cabimento a gente viver numa falsa democracia, não há quem aguente, é preciso dar mais abertura pra nação afro-brasileira, já está na hora, não tem escola, não tem universidade, a gente vê pessoas aí que atravessam o mundo e vai lá e consegue, mas não é assim que funciona, como está funcionando.

P/1 – E dos 80 pra cá, o senhor foi, vamos dizer assim, se mantendo como, trabalhando em escola de samba, se apresentando, escrevendo livro, como foi?

R – Eu já falei aqui que eu, a minha forma de vida era trabalhando e vocês perguntaram como é que eu dormi eu não sei (risos) mas eu dormia. Eu fui…eu era um camarada mais ou menos ausente com a família por conta da luta, mas felizmente eu tenho quatro filhos, não faltei em nenhuma…a minha filha por exemplo, que se formou em contabilista, a minha filha mais nova. A minha filha mais velha, eu tô sempre presente nos momentos cruciais da vida delas, sempre tive presente na formatura da contabilista, da Kátia que é a mais velha, tem quatro filhos, um dos filhos dela se formou agora em farmacêutico, nasceu Emanuela, minha primeira bisneta, mas eu não era presente assim, como por exemplo agora, principalmente com a pandemia eu não vou na casa deles no fim de semana, porque minha luta continua, eu tenho em casa com a minha esposa uma rádio que a gente fica pensando o que vai passar no outro dia, o que nós vamos colocar no rádio, a gente tem médico que agora que a gente envelheceu tem que estar no médico toda hora, a gente tem que comer, então nós mesmos fazemos nossa comida. Os filhos, em contrapartida, também não vão na nossa casa (risos), não vão perguntar o que nós estamos precisando, telefonam, enfim, a Aurora eu vejo…que é a filha da minha filha mais nova, está com…vai fazer 3 anos, eu vejo pelo celular (risos) as estripulias que ela faz. Domingo foi aniversário do filho do meu filho, o Daniel, nem olhou pra minha cara, é como se ele não me conhecesse, acho que ele não me conhece mesmo, porque é muito pequeno e eu quase não vou na casa deles, porque a luta não pode parar, mas tem um porém, tudo que nós fazemos hoje vai ser bom pra eles no futuro, porque tem poucos políticos, porque eles têm receio de se envolverem e atrasar a vida deles que está…continua atrasada, é a mesma dificuldade, ele vai ter as mesmas dificuldades se ele participar, não adianta fugir, as dificuldades vão ser maiores, é obrigação o pessoal trabalhar, ninguém está desautorizado a nada, a pessoa pode ir a casamento, pode ir em jogo de futebol, pode ir a baile, festa, nada, mas a pessoa tem que participar de política. A igreja, não sei o que lá, mas a política tem que estar em primeiro lugar. Os homens lá em Brasília fazem 24h política, estão sempre confabulando, carnaval quando acaba, aumentou isso, aumentou aquilo. Carnaval é bom pra caramba, você pula, toma cerveja, vai à festa, mulher e tal…mas depois acabou, novidade vai a mil, você entendeu? "Ah pô, porque que aumentou, porque que não sei o que." Não adianta chorar o leite derramado, já está para o ano que vem, vamos ter novidades, o cara não pode ter carro mais, gasolina, IPVA absurdo, todo dia aumenta o pão, o cuscuz que a gente gosta, minha mulher gostava de comer, aumenta leite, tudo.

P/1 – Uma pergunta que a gente está fazendo pra todo mundo desse projeto é…seria o seguinte, qual é o saldo que você faz do período da ditadura, de 64 a 85, teria alguma reflexão sobre isso, algum sentimento?

R – Olha, a gente tinha e ainda tem uma necessidade de facilitar a vida das pessoas que é podendo se reunir, podendo se conversar, e nós tínhamos isso no centro de São Paulo, uma movimentação imensa da população que hoje está espalhada pela São Paulo em lugares longínquos e que não diminuiu o movimento, mas nós ainda tínhamos ali na Praça Ramos, um ponto de encontro importante, assim era no Largo do Arouche, assim era a rua Direita, assim era na ponta da praia que era ali na São João com a São Bento, nós tínhamos o Largo do Paissandu, Largo do Arouche que eu já falei, e tinha nos sujinhos da vida, os bares, bar do Redondo, Ferro's bar, na Bela Vista e a própria Vai-Vai, e a gente se reunia todos os dias pra traçar projetos e a ditadura nos tirou isso, acabou, os movimentos das marchas das passeatas era tudo muito rico, lá embaixo do Viaduto do Chá eram milhares de pessoas, muita gente se confraternizava ali, se cumprimentavam, trocavam ideias, as questões das estratégias, a ditadura acabou com tudo isso. Embora as pessoas se tornaram invisível, cada vez mais, indo para os bares, mas lá eles se movimentam, eles trocam ideia, se reúnem, se organizam, inclusive se você quiser ver um sarau, tem que ir para Carapicuíba, Itaquera, lugares longínquos, o que torna as pessoas invisíveis pra nós, para as pessoas que moram mais pra cidade, mas para o pessoal dos bairros não, facilitou, até porque quem mora no Jardim Santo Antônio, ali no Capão Redondo, e para aqueles pedaços, tá ali mesmo, participa dos movimentos, mas a ditadura acabou com um monte de coisa, arrasou.

P/1 – E hoje muita gente sente que, é como se não tivessem as pessoas aprendido com isso que aconteceu, tanto que há um perigo de termos uma coisa parecida, de repente de já estarmos vivendo uma coisa parecida com a ditadura, o que você pensa sobre esse contexto atual que a gente vive que lembra um pouco o passado?

R - Olha, nós vivemos um momento, como por exemplo, é aquela coisa que eu acabei de falar agora, é a mesma coisa, não muda nada. Nós com a saúde já…a gente já não tem mais aquela coisa do jovem de ficar pra lá, pra cá e assim acontece sucessivamente com as outras pessoas, você não pode sair do Capão Redondo, você não tem condições de se deslocar pra outro lugar com tanta facilidade, é tudo muito sacrificado, mas o pessoal tá, mesmo assim, rico, tão organizados e tão preparados pra enfrentar as dificuldades deixada pela ditadura, tá muito bom, o pessoal não parou, o pessoal continua na ativa, só parou com a pandemia, mas acabando a pandemia eles vão voltar, os saraus são uma outra linguagem é outro tipo de organização, e é rico, lá você pode apresentar tudo, as pessoas estão desenvolvidas na escrita, lançando livros, instrumentos, tem as pessoas que trabalham artesanalmente com instrumentos, estão vivendo. Só que é assim, é tudo invisível, é lá nos bairros, é afastado, não tá na televisão, não tá no rádio, não tá no celular, não tá em lugar nenhum, celular sim, tá porque a gente coloca nossos trabalhos lá, porque é a única saída que é o YouTube, mas não atinge, ainda há uma precariedade, a gente não consegue com todo esse mecanismo, com todo esse avanço da tecnologia, divulgar a rádio como devia, muita gente não conhece ainda, a gente pensa que conhece o trabalho, mas…entendeu como é que é? Está para aparecer um mecanismo que possa se estender isso para o mundo, porque também, quando está acontecendo alguma coisa lá em casa, está acontecendo em um monte de lugares, você vê a questão da semana da consciência negra, o público que deveria estar na Paulista, 1 milhão, 2 milhões de pessoas, não consegue porque tem várias atividades no Brasil, tá espalhado, porque o cara tem que trabalhar de acordo com as suas possibilidades. Por exemplo, quem mora em Itaquera vai fazer o trabalho em Itaquera, quem mora em Capão Redondo, vai fazer em Capão Redondo, mas a coisa tá rolando, é aquela coisa que eu falei no início da cultura, o trabalho social está em alta, o que falta é a divulgação, falta uma preocupação das autoridades com o trabalho desse pessoal que eles marginalizam.

P/1 – Acho que essa entrevista do senhor a gente vai tentar ao máximo justamente divulgar, gostaria inclusive, se você quiser aproveitar o espaço pra registrar o nome da rádio, como vocês estão divulgando…

R – Bom, nós temos a rádio Casilêoca foi construída em 2008, mas as nossas atividades começaram na Bela Vista, na rua São Vicente, 115, em 2014, no dia do aniversário da Nilu, minha esposa, nós fizemos as primeiras atividades, chamamos algumas pessoas, as pessoas foram e a gente combinou com a dona da cafeteria pra servir o pessoal, depois a gente ia lá acertar, tudo por conta da aposentadoria (risos) tudo que nós fizemos, nós gastamos tanto dinheiro, foi em Santana, na rua Perpétuo Júnior, uma casona grande, tinha uma biblioteca na garagem, uma biblioteca na sala, uma salona tudo cheio de livro e no terceiro andar tinha a literatura negra, três bibliotecas, 5 mil livros cabiam dentro daquela casa e tinha sarau, nós tínhamos duas peças de teatro que homenageia Solano e Margarida Trindade, cada um na sua função, na sua trajetória, nós tínhamos a hospedagem pelo Airbnb, tínhamos um cine Clube, muitas coisas tinha lá, nós tínhamos um salão onde nós compramos umas mesas e cadeiras e montamos lá, fizemos algumas atividades lá, fizemos a peça da Margarida lá. O Solano, a ideia surgiu lá na Bela Vista em 2015, nós fizemos um sarau de 3 dias, foi constituído assim, convidamos o Zinho, no outro dia o Victor, e fizemos um sarau da peça Solano Trindade, que era um sarau e que nesse dia se transformou em uma peça de teatro e em novembro nós fizemos 20 espetáculos em São Paulo, o "Tem Gente Com Fome, Dá De Comer". Aí depois surgiu Margarida, foi muito legal, um registro maravilhoso, mas é, não houve possibilidade de fazer…nós não aguentamos manter o pessoal, não houve condições, mas eu quero dizer pra vocês que nós gastamos 40 mil reais com a montagem da CasIleoca na rua Perpétuo Júnior, em Santana, e a gente não tinha esse dinheiro, mas tinha que fazer. Porque tudo vem da vontade de fazer, de realizar, mas infelizmente a pandemia veio e é aquilo que eu já falei no começo da nossa conversa.

P/1 – Eu estava tentando não pedir, mas…

R – Pode pedir, o tempo são vocês que fazem.

P/1 – Eu gostaria de pedir, se o senhor quiser e puder recitar alguma coisa sua ou do seu pai.

R – Eu vou cantar uma música que eu fiz em homenagem a ele e declamar um poema.

P/1 – Por favor.

R – (canta) "Solano Trindade, poeta popular, ele é o autor, ele é o autor do trem da Leopoldina que diz assim, mas que diz assim: tem gente com fome, se tem gente com fome; dar de comer, mas o freio de ar todo autoritário manda o trem calar, mas o freio de ar todo autoritário manda o trem calar… Shhhhh."(risos) É isso aí. A poesia "Amor". Isso é quando ele saiu da prisão, em 44.

"Amor,
um dia farei um poema
como tu queres
com dicionário ao lado
um tratado de rimas
um tratado de métrica
terei todo cuidado
com os meus versos

Não falarei de negros
de revolução
de nada
que fale do povo
Serei totalmente apolítico
no versejar...
Falarei contritamente de Deus,
do presidente da República
como poderes absolutos do homem.
Nesse dia amor, mas nesse dia
Eu serei um grande Filho da Puta."

P/1 – Como é que foi contar um pouquinho da sua história, da história do seu pai, eu sei que você já deu muitas entrevistas, mas como é sempre?

R – Não, eu…a gente faz tanta coisa que ainda faltou muita coisa. A gente nunca conta tudo, a gente é que nem aquele samba do Monarco "que se ele for falar da Portela, hoje ele não termina". Deus o tenha, saudoso Monarco, saudoso um monte de gente (risos), Jamelão, nossa! Se for falar aqui todo mundo, esse que é o problema nosso, é isso.

P/1 – Tá certo.

R – Eu respondi sua pergunta?

P/1 – Mais do que respondeu, tá ótimo! Obrigado, seu Liberto, pela presença.

R – Que é isso, estarei sempre à disposição, eu sou um homem…já desligou?

P/2 – Ainda não.

R – Eu sou um homem que…a mente é cheia de ideias de projetos, mas a dificuldade de passar isso pra outras pessoas, a dificuldade das pessoas não trocar seu sábado e domingo pra discutir coisas, a dificuldade das pessoas em ficar acordadas até tarde, a dificuldade da gente tá pensando uma coisa e o cara tá pensando em uma coisa que não tem nada a ver no outro dia, a dificuldade de reunir pessoas, de pegar outras ideias que emende com a sua, as pessoas terem pelo menos uma ideia próxima à sua, não igual a sua, aí não teria graça, mas igual a sua, se você pudesse reunir pelo menos 100 pessoas com o mesmo pensamento. Meu pai, tem uma coisa que eu sempre guardo do meu pai, tem acho que uma ou duas, uma delas é quando ele diz que "A maioria das pessoas não sabem o que veio fazer nesse mundo". Isso é pesado pra caramba, a pessoa dizer que "A maioria das pessoas não sabem o que veio fazer no mundo". É isso que eu acabei de falar, esse compromisso com você, é as pessoas dizerem que não querem ter trabalho com cultura, porque cultura dá muito trabalho, essa é outra dificuldade que nós temos, é as pessoas não acreditarem na construção da sua casa, é reunir o pessoal cada um na sua rua, junta aquele montante de pessoas, "Olha, nós vamos comprar esse material, vamos comprar os materiais pra construir a casa de 'fulano', vamos construir aquela casa que estiver mais pobre, nós vamos melhorar a casa daquelas pessoas". E assim sucessivamente, o cara te lixa, mas ele não lixa você quando a gente vê…não tenho nada contra religião, o pior é que a coisa aconteceu…foi prevista, se concretizou e continua acontecendo e nós não conseguimos aplicar essas ideias, é a igreja de Nossa Senhora Aparecida, não tenho nada contra Nossa Senhora Aparecida, com todo o respeito a todos os devotos dela, até hoje você vê uma caixa de vidro,

assim, as pessoas depositando 10 mil, 50 mil, mas ele não tem coragem de dar 1 real pra comprar o material pra melhorar a casa do vizinho, principalmente a casa dos negros, a casa dos negros é sempre…é engraçado, a casa dos negros é sempre com poucas estruturas e é lamentável, você fala "Pô, vamos lá". "Ah, ele não quer nada, ele não quer trabalhar, vive bêbado." E aí a gente descobre que a bebida é um problema social, o que o cara ia fazer no tempo da escravidão no meio da rua, sai da escravidão vai morar na favela, vai morar não sei o que…ele vai beber, problema social isso, não tem pra onde ir, ele ficou sem saber pra onde ir quando saiu do cativeiro, sem nada, sem emprego, sem casa, sem moradia, sem transporte, sem nada. O negro brasileiro é um herói pra chegar onde chegou, o negro brasileiro é um herói quando ele se forma, quando ele vai pra Universidade e se torna doutor depois, é um herói, não lhe foi dado essa oportunidade…foi dado com a tirada da mente das pessoas que "o negro não vai pra frente porque não quer", "o negro só vai pra frente quando toma a topada" Não façam isso minha gente, até quando? Nós só vamos acreditar que nós temos problema quando a gente é negro, será que é só nós que vamos sentir isso? Até quando nós vamos continuar acreditando que racismo porque é o negro? É dia a dia, é cada segundo a gente é discriminado, é no supermercado, é no cinema, é na questão trabalhista, é nas categorias…entra no Shopping Eldorado, os caras te medem de cima embaixo e é um merda, um cocô o cara, ele não tem bosta nenhuma, é porque é negro e jogam toda essa culpa da sua incapacidade em cima do negro, o negro é lindo, negro é inteligente, o samba da Nenê fala isso, a Escola de Samba do Nenê, é lindo o samba, negro é amor, negro é paixão, (canta) "O negro é amor, amor, amor…o negro é paixão…" Entendeu? E aí vai, e assim vai o samba, as escolas de samba mandam esse recado, Gilberto Gil, Chico Buarque de Holanda, Martinho, (Simone Seto?), dona Ivone Lara, Elis Regina mandou esses recados, não captou quem não quis.