Museu da Pessoa

Secretária de Itaipu

autoria: Museu da Pessoa personagem: Maria Helena Marques Rodrigues

Projeto: ITA - Memorial do Trabalhador
Depoimento de Maria Helena Marques Rodrigues
Entrevistada por Claudia Fonseca e Marina D’Andrea
Local: Itaipu (Foz do Iguaçu - PR)
Data: 29 de agosto de 2002
Realização: Museu da Pessoa
Código da entrevista: ITA_HV002
Transcrito por Palena Durán Alves de Lima
Revisado por Grazielle Pellicel


P/1 - Bom, Maria Helena, eu gostaria que você começasse dizendo seu nome completo, o local e a data de seu nascimento.

R - Maria Helena Marques Rodrigues. Eu nasci em Portugal, vim para o Brasil com oito anos, e tenho 63 anos. Eu nasci em 1938.

P/1 - Em que dia?

R - 28 de setembro de 1938.

P/1 - E o nome dos seus pais?

R - Manuel Rodrigues e Maria de Lurdes Marques de Carvalho. Naquele tempo, eu não sei se hoje ainda é assim, as mulheres não adotavam o nome dos maridos, ficavam com o nome dos pais. E são os dois, já eram, já se foram.

P/1 - Certo. E você lembra o nome dos seus avós?

R - Sim. Precisa também?

P/1 - Diga para nós, conte para nós.

R - É Joaquim Marques de Carvalho e Maria...

P/1 - Do seu pai?

R - Minha mãe.

P/1 - Sim.

R - É Joaquim Marques de Carvalho, Maria Augusta de Carvalho. E os pais de meu pai não os conheci. Eles desapareceram cedo, não os conheci.

P/1 - E o que é que faziam seus pais, seus avós?

R - Meus pais, em Portugal, tinham propriedades. Meu pai, especialmente, tinha uma pequena moagem de farinha; a mãe, a minha mãe tinha, ajudava em casa, porque naquela época as mulheres eram muito mais criadas para cuidar de casa, esses avanços vieram depois. Já na época de minha mãe casada, ela entendeu que as três filhas, que as três filhas não poderiam ficar só voltadas para as coisas de casa, e saiu então para procurar alguma coisa que fosse possível dentro das possibilidades econômicas que nós tínhamos, mas que, de tal forma que todos fizessem faculdade, era assim, o ponto de vista dela era esse, que crescessem.

P/1 - Certo. E você então tem irmãs, tem irmãos, quantos são?

R - Não, [só] irmãs. Somos três.

P1- Só irmãs. São três irmãs, você e mais duas. E eu queria que você descrevesse para a gente, então, quer dizer, você veio para o Brasil com que idade?

R - Oito anos.

P/1 - Oito anos. Então dá para você descrever para nós como era a sua cidade, como é que foi a sua infância?

R - Ai, vou pular uns pedaços. A infância era, eu acho que todas as crianças fazem, nós três também fizemos, nós gostamos de descobrir, estamos sempre a fazer novas descobertas em todas as situações. Eu me lembro que era muito valente, não me intimidava. Se alguém me agredia, eu agredia mais ainda. Então, essas cicatrizes são de quando eu tinha quatro anos. Mas há uma passagem muito interessante que, nós morávamos no continente português, nós nunca tínhamos visto pessoas escuras, negros. Isso foi um fato acho que, assim, mais relevante, no sentido de ter marcado o momento, de oito anos de idade. Eu me lembro bem. E nós viemos para o Brasil, eu tinha oito anos, viemos por navio e o navio parou em Senegal, parou por ali, tal, fez uma volta assim, e quando o navio encostou, ___________________________ e nunca tínhamos visto, queríamos nos aproximar, queríamos ter contato com eles, e fazíamos perguntas: “Por que é que eles são assim?” Porque Portugal tinha suas colônias africanas, mas não imigravam, eles permaneciam na África, assim como os ingleses, os franceses... E não havia ________, nós vimos os adultos descendo, eu e as minhas irmãs estávamos descendo, fomos passear pela cidade, conhecer de perto, ver as frutas, ver as flores, isso foi uma experiência muito forte, e quando nós conseguimos voltar ao cais o navio tinha saído. (risos) Ficamos olhando os negros, que eram pequenitos, eles eram, porque eram negros ____________...

P/2 - Azuis.

R - Negros azuis, muito bonitos. E ficamos olhando por ali, muito tempo, até que se percebeu que muitos adultos ficaram também, e o navio ancorou num outro ponto do cais, e levaram-nos até onde estava o navio para subirmos. E a minha mãe, coitada, lá em cima.

P/2 - Desesperada.

R - Desesperada.

P/1 - E como que era, assim, a sua casa, você lembra da sua casa de infância?

R - Ah, muito, porque...

P/1 - Você tem, então, dois momentos, não é? Lá e aqui...

R - Lá eu me lembro mais. Não tanto do ambiente dentro de casa, mais do ambiente fora de casa. A casa era, as casas eram pouco, as casas europeias, elas são escuras, as madeiras são pesadas, eu gostava muito da parte externa porque tinha muitas flores, muita neve, muitas flores, e nós brincávamos na neve mesmo. Eu me lembro muito mais do que nós procurávamos, era o sol, era a vida cá fora, o ar livre, um campo nas, onde, as plantações de trigo que nós nos deitávamos, pra lá nós brincávamos muito.

P/2 - Que cidade era?

R - Ah, Viseu. Fica ao norte, indo para o norte de Portugal, na Beira Alta.

P/1 - E por que vocês resolveram vir para o Brasil? A família toda veio, não é? Pai, mãe, as filhas...

R - Veio. Havia uma, era um momento assim, pós guerra, Segunda Guerra Mundial, e havia dificuldades. Os países europeus mais ricos, ou que tinham uma situação melhor... (A gente?) tinha as suas dificuldades. Mas em Portugal, que é um país pobre, que fica numa nesga de terra empurrada para o mar, vivia da pesca, praticamente, e do vinho que produzia. Então havia uma, um desejo de melhorar, como todos nós ainda hoje temos e vamos ter por muito tempo um desejo de melhorar, de crescimento, né?

P/1 - Sem dúvida.

R - Que não se encontrava naquele momento, ali.

P/1 - E quando vocês chegaram aqui, que impressão você teve? A sua primeira impressão?

R - Eu não faço assim um ajuizamento imediato das coisas, eu acho que deixo a vida me levar. Eu geralmente deixo assim, eu faço a minha parte, mas eu _______________ nem aonde, que a vida me conduza a alguma coisa. Faço todo o esforço necessário em tudo o que dependa de mim e não me importo com o que está acontecendo em volta, então não era, não me importava muito o que eu estava vendo ali, o que acontecia em volta. Eu não conseguia entender nada, eram adultos, e as pessoas grandes é que sabiam, é que determinavam o meu tempo. As pessoas grandes é que determinavam o que tinha de ser feito, nós não tínhamos o que pensar se era bom ou não fazer isto ou aquilo.

P/1 - Vocês se estabeleceram onde aqui?

R - Em Niterói.

P/1 - Em Niterói?

R - No Rio de Janeiro. Rio de Janeiro.

P/1 - No Rio de Janeiro. E como é que era o cotidiano da sua casa?

R - Era estudar, estudar e estudar, e trabalhar, trabalhar e trabalhar. Porque a minha mãe era uma pessoa assim, rigorosa. Rigorosa não, ela achava que tudo se deve ensinar até os 19 anos, depois cada um tem que seguir o seu rumo e o seu caminho. Então você tem um momento de aprendizado, e se até lá você não conseguiu fazer alguma coisa por você mesma, você vai ter que começar a fazer sozinha, sem ajuda já de mais ninguém. E a nossa vida era assim, tinha que aprender as obrigações de casa, a fazer tudo em casa, tinha então, tinha a semana (disso?), dividia tarefas, como todo europeu faz ainda hoje. A não ser os que são muito ricos. Há tarefas para as crianças, na escola elas têm tarefas. Você numa parte do dia, algumas horas que tenha livre, fazia alguma coisa. E nós tínhamos tarefas em casa e tínhamos que estudar nos outros momentos.

P/1 - E o seu pai, então, veio fazer o que aqui no Brasil?

R - Meu pai ele veio para procurar, como eu disse, procurar crescimento. O que ele fez, ele estudou alguma coisa, estudou o suficiente que lhe permitisse uma especialização de não sei até que ponto de profundidade. Vai, o estudo dele era para poder dirigir navios, e fazia a condução de navios pelo nordeste do Brasil, do Rio para o nordeste, [de] navios cargueiros.

P/2 - Brasileiros?

R - É, Marinha Mercante, brasileiros.

P/2 - Era aquele Ita?

R - É (Inteclage?). Na época, não sei se... A empresa, grande empresa que lidava com embarcações, não de grande porte, era uma empresa chamada (Inteclage?), que se notabilizou no Rio por muito tempo.

P/1 - Então, com essa função ele viajava bastante. A autoridade ficava toda por conta da sua mãe?

R - Mãe.

P/1 - Toda por conta. A sua educação foi religiosa?

R - Religiosa, católica.

P/1 - Católica. Se falava em política na sua casa?

R - Nunca foi tolhida a visão de nenhuma de nós. Éramos três, no caso. Nós tínhamos que fazer o que os pais diziam, então, dentro do estudo e dentro do trabalho, mas os critérios de julgamento de valores nós fomos adquirindo os nossos próprios critérios, sem que eles pudessem interferir, que é o que acontece com todas as pessoas.

P/1 - Então você quando chegou, vocês logo foram estudar?

R - Sim, fomos para a escola. Minhas irmãs vinham adiantadas, num nível adiantado, porque o estudo lá é bem adiantado, e fomos continuando, demos continuidade, terminamos o primário. O que se chamava naquela época, né? Fomos para o ginásio, fomos para a faculdade e tal.

P/2 - Você é a caçula?

R - Eu sou a mais nova.

P/1 - Você lembra da escola que você frequentou lá em Niterói, Maria Helena?

R - Sim, lembro.

P/1 - Descreve para mim.

R - Era, foi uma escola, havia na escola... Eu vou já para o nível de ginásio...

P/1 - Está bom.

R - Que seria, havia uma escola muito interessante, que eu não sei se há uma tendência dos governos de recriarem essas escolas, que são as profissionalizantes, para homens e para mulheres. Nós passávamos o dia inteiro, quatro anos de ginásio, o dia inteiro na escola. Íamos de manhã, e nós, havia prática de esportes e havia trabalhos manuais, se você quisesse aprender a fazer doce também tinha lá a sua vez. E a parte da tarde toda, até às 18:30, eram as aulas propriamente, era a parte de estudo propriamente. Assim foram os quatro anos. Posteriormente, eu fiz um curso que me permitia chegar à faculdade, no caso, foi Contabilidade, que foram três anos. E fui fazer faculdade de Letras, mas já algum tempo bem mais tarde, porque eu não tinha dinheiro para pagar a faculdade. Eu tinha que esperar que trabalhasse, aí eu também não visualizava exatamente o que eu queria. Minhas irmãs, ambas se dirigiram para a Enfermagem. Elas foram para uma faculdade muito boa, que tem no Rio de Janeiro ainda hoje, a faculdade fluminense de, a Universidade Federal Fluminense, e lá fizeram a Universidade, e fizeram com todos os caminhos que os médicos fazem, todos os estágios indispensáveis, e uma delas se dirigiu para a parte de Saúde Pública, em doenças infecto contagiosas, fez um belo trabalho nessa área. A outra foi para a área de enfermagem hospitalar, e trabalhava no centro cirúrgico. Foi chefe do centro cirúrgico de um grande hospital por 20 anos. Mas eu não sabia exatamente o que eu queria, eu sabia que não queria enfermagem, por isso que demorei um pouco a me decidir e só pude fazer quando eu tinha dinheiro para pagar.

P/1 - Certo. Era exatamente o que eu queria te perguntar, porque você fez faculdade, Filosofia, Ciências e Letras, em Brasília...

R - Em Brasília.

P/1 - Então, como é que você optou por isso?

R - Por Letras, porque eu comecei a trabalhar, naquela época, no Ministério de Minas e Energia, e...

P/2 - Ainda no Rio?

R - Não, em Brasília já.

P/2 - Ah, já?

R - Como eu fui parar em Brasília?!

P/2 - Isso.

P/1 - É, também.

R - Como eu fui: uma das minhas irmãs, a Universidade dela era tão bem conceituada, que ela [Universidade] recebeu um convite do Governo Federal para que indicasse quatro médicos e quatro enfermeiras para organizarem o primeiro ambulatório médico de Brasília, quando se construía Brasília, nos anos, 59, no ano 59. Não foi nos anos 50, não, foi no último ano da década, 59. E, justamente, eles estavam se formando em 59, e a turma dela foi assim, se formou com muito, muito bem, com louvor e tal, e ela foi uma das escolhidas. Então ela já estava em Brasília, em 59, e um dia assim: “Ah, venha passear, venha conhecer.” Eu fui em 60, 1960 eu conhecia Brasília, e lá fiquei. Fui vendo se eu podia, se eu conseguia, eu, pelos meus meios, conseguir um emprego, e eu consegui emprego na Novacap, que era a empresa que construía a nova capital.

P/1 - Era o seu primeiro emprego?

R - Primeiro emprego.

P/1 - Certo.

R - Eu fui um ano depois. Não se lembram disso, mas o governo Jânio Quadros instalou, seriam dois ministérios: o Ministério de Minas e Energia e Ministério da Indústria e Comércio. Eu comecei a trabalhar no Ministério de Minas e Energia e fui ficando, lá eu fiz faculdade.

[Pausa]

P/1 - Então, você estava dizendo, Maria Helena, que você foi trabalhar na Supercap, depois no...

R - Novacap.

P/1 - Na Novacap, e depois no Ministério das Minas e Energia. O que você fazia, quais as suas atribuições?

R - Eu sabia pouco, porque eu era muito jovem e eu sabia pouco, mas o que eu sabia era Português e um pouquinho de Inglês. Não sabia bater à máquina direito e, como o Ministério de Minas e Energia estava se instalando, o então ministro, era deputado, trouxe pessoas da Câmara dos Deputados, experientes, que iriam ensinar aos novos que chegassem. Então eu fui uma aprendiz com aquelas senhoras que vieram da Câmara dos Deputados com o ministro. Na época, era o João Agripino, foi o primeiro Ministro de Minas e Energia. Fui aprendendo. Só que eu tenho, acho que eu falei nisso, consciência das minhas limitações, e muita consciência, por isso é que eu procuro fazer muito bem feito aquilo que eu faço, que acho que tudo que merece ser feito, merece ser bem feito. O pouco que você sabe fazer, que faça bem feito. Aí fui indo, fui caminhando. Ninguém me deu emprego, eu me inscrevi normalmente numa fila de pessoas, tive entrevista e, a partir daí, eu fui caminhando, fui andando [para o] Ministério de Minas... Vim para Itaipu junto com a equipe que veio do Ministério de Minas e Energia, Ministério do Interior, fizemos um caminho até chegar a Itaipu. Era uma equipe que trabalhava junta, trabalhou por muitos anos.

P1- Então, eu queria até te perguntar, você já falou da questão do Ministério, quando é que você ouviu falar pela primeira vez de Itaipu?

R - Por umas coisas que eu não sei como se chamam. Sincronicidade? Eu não sei se é mal-estar já a essa altura no Ministério do Interior. O mesmo grupo que trabalhava no Ministério de Minas e Energia num determinado momento, o chefe do ministério, o Ministro de Estado, foi intimado, convidado a assumir o Ministério do Interior, que era um momento político um pouco conturbado, 1969, e ele era um militar, ele assumiu e pegou a equipe mais próxima dele e levou-a junto. O Ministério do Interior, ele era até fascinante, porque, contrariamente ao que acontece em outros países, na ocasião, o Ministério do Interior cuidava do desenvolvimento regional, eram as Superintendências, a Sudam, a Sudene, a Suvale, Sudeco, era a Funai, que era interessantíssima. Era uma coisa chamada, que eu não sei se vocês alcançaram... O Projeto Rondon, que foi uma criação, uma imaginação muito bonita, mas acabou. Eram os três territórios federais que eram subordinados ao Ministério, era a parte de saneamento etc. Era assim bastante abrangente. E um dia nós estávamos lá e o Ministro de Estado recebeu um convite para uma viagem à Foz de Iguaçu, para visitar um local onde iria ser, futuramente, construída a Hidrelétrica de Itaipu. Nós ouvíamos falar, isso deve ter sido pelo ano de 1973, 72, 73. A Ipec foi instalada em 1974. Eu achei interessante e comecei a fazer recortes daquele, do Itaipu, não, e tal: “Que projeto interessante! Mas como vai ser?” Num rio fronteiriço, se eles escavarem um pouco um território brasileiro e jogarem as águas para cá, para o Brasil somente fazer o aproveitamento hidrelétrico, o que é que vai acontecer? Como é um rio de fronteira a fronteira do outro país vai avançar para onde o rio for, então não vai ser feito isso... Eu fui me interessando por isso, me interessando...

P/1 - Por sua conta, então?

R - Por minha conta.

P/1 - Isso começou...

R - Isso foi em 1973. Em 74, muda governo, vem o presidente Geisel, e ele designou esse senhor que estava no ministério para ser o diretor geral desta empresa. Ele trouxe a mesma equipe que já o acompanhava desde o Ministério das Minas e Energia - eram umas cinco, vinham da Câmara. Veio da Câmara umas cinco pessoas, seis, que foi aumentando.

P/1 - Que é o Ministro Costa Cavalcanti?

R - José Costa Cavalcanti.

P/1 - Então, e quando é que você conheceu o ministro José...?

R - O ministro... Eu trabalhava no Ministério de Minas e Energia, ele aproveitou, utilizou os serviços das pessoas que ali estavam. Eu era uma das pessoas que estavam no ministério, naquela equipe, que ele solicitou que fosse ao Ministério do Interior, porque ele não sabia o que iria encontrar lá. Era um momento realmente de turbulências políticas, e de lá foram se fortalecendo laços com essas pessoas, todas essas pessoas, e era de muita responsabilidade, porque eu era uma pessoa extremamente simples, muito modesta, mas acreditava, queria acreditar nas pessoas. É como costumava dizer: “Eu não sei fazer isto, mas eu posso encontrar a pessoa que saiba fazer.” E, assim, eu conheci o ministro das Minas e Energia. Como você perguntou, como de lá foi, eu não sei se aqui entre nós há alguma pessoa que venha desde aquele tempo, eu acho que só dos Serviços Gerais existem duas pessoas, e de lá ficamos no Ministério do Interior. Depois, em Itaipu, foram 11 anos.

P/1 - Certo. Então você chegou aqui... Nessa época, que cargo você ocupava?

R - Eu fazia Coordenação da Secretaria do Ministro do Estado, depois dos trabalhos da Secretaria, __________.

P/1 - E que impressão você teve de Foz do Iguaçu quando você veio nessa primeira vez?

R - Como eu lhe disse, eu nunca, acho que eu já disse, eu não tenho nenhum choque com aquilo que vejo, que eu sou apresentada, que...

P/1 - Mas como era a cidade?

R - ...Eu aceito as coisas que são, aí vou, aí, sim, aí eu vou digeri-las, vou metabolizar aquilo que eu estou vendo. De imediato, eu olho, vejo, o que isso... Era a área ainda bem rude, Foz de Iguaçu tinha talvez uma ou duas estradas de asfalto, era tudo de terra. E houve um, quase um presente do Governo Federal para o município de Foz de Iguaçu, era um, o prefeito era militar também, daqui, ele deu uma determinada quota de recursos a fundo perdido para que fossem utilizados para toda a urbanização da cidade, melhoria da cidade. Aí nós começamos a acompanhar aquilo que era no início, uma cidade que parecia meio faroeste, alguma coisa assim, ela foi, a cada dia tinha alguma coisa nova, tinha até florzinhas, plantinhas, você não tinha somente bosques, árvores.

P/1 - E vocês fizeram trabalho também, essa equipe também realizou trabalho junto ao Ministério das Relações Exteriores?

R - Sim, bastante intenso.

P1- Descreve esse cotidiano desse trabalho.

R - Há uma subordinação da __________ nacional, há uma ligação muito direta ao Ministério de Relações Exteriores. Quando vocês estiverem cansadas, nós paramos...

P/1 - Quando você estiver cansada, nós paramos...

R - ...O Ministério de Relações Exteriores e Ministério de Minas e Energia. Pelo lado da Energia, naturalmente, o Ministério de Minas e Energia, e o lado político diplomático, o Ministério de Relações Exteriores. Todos os acordos, todas, há um tratado, como vocês sabem, já lhes foi falado bastante, o (Fregini?) deve ter falado muito sobre isso. Junto com o tratado foram afirmadas também notas, acordos, complementar, notas que têm força de acordo, complemento àquele tratado, e notas que se referem as várias questões de uma empresa como esta. O (Fregini?) deve ter falado sobre isso também.

P/2 - Mas faz de conta que ele não falou...

P/1 - Que ele não falou...

R - Não, mas ele deve ter falado. Eu vou repetir tudo de novo?

P/1 - Não, não, eu queria exatamente essa... Até a questão... Você acompanhou esse...

P/2 - A sua visão, né?

P/1 - Todas essas reuniões com os outros países...

R - Sim, as reuniões _________, elas, com os outros países também.

P/1 - Como é que elas eram, eram intensas? Qual era o clima dessas reuniões?

R - Acho que em relação ao Paraguai, começo por aqui. Quando eu fui designada Secretária do Conselho, havia uma... Eu quero dizer que eu aprendi muito com o meu parceiro, meu companheiro, quero dizer, o meu par, porque nós temos pares; paraguaio, era um senhor muito competente, bem mais velho do que eu, e ele ensinou-me muito, muito, aprendi muito com ele (Arime del Amário Gonzales?), [que] já faleceu. Depois, eu passei a dominar toda a parte da secretaria. Nós não tínhamos, para chegar ao Ministério de Relações Exteriores, um parâmetro pelo qual pudéssemos nos guiar para formatar, fazer, criar uma Secretaria do Conselho de Administração tão poderoso como esse, que é composto, [com] binacionais, de dois países. Então fez-se uma secretaria aqui e uma igual, exatamente igual no Paraguai, porque todos os textos eram trabalhados em dois idiomas oficiais, todos os documentos, mas era um texto único, ou seja, um texto único em dois idiomas; não podia nem ter diferença de vírgulas, de conjunções, e procurava se negociar uma vírgula na hora da tradução da versão. Sim, tinha que ter um certo cuidado. Onde é que o meu colega do outro país vai colocar a vírgula, porque mudando de posição, muda-se __________ do contexto daquilo que você precisa, então havia muito cuidado nisso. Com a referência ao Ministério de Relações Exteriores, era muito bom o relacionamento, aprendemos muito com eles. Acho que são os funcionários mais bem preparados do serviço brasileiro, eu acho não, com certeza são, certamente são. E eu, particularmente, aprendi muito com eles, muito, muito.

P/1 - Então, nessa época, você já tinha então um cargo?

R - Sim?

P1- Que você falou...

R - Na Itaipu?

P/1 - É.

R - Sim, porque há uma designação formal para essa, para você ser secretária do Conselho de Administração. Há uma designação formal pelo Conselho de Administração, e aquilo passa a valer com... É muito importante, por sinal, a função.

P/1 - E as tuas atribuições então...?

R - São, eram. A Secretaria do Conselho de Administração tem que, não digo policiar, verificar cuidadosamente toda a documentação que é expedida pela Diretoria Executiva. São dois órgãos: o Conselho é o órgão que decide, que define, que cria as políticas, [e] a Diretoria Executiva, o nome está dizendo, executa essas políticas. Então o Secretário do Conselho tem que ficar atento para ver quais são os documentos que a Diretoria vai emitir, que tem [que] criar o Conselho, que tem que ser aprovados pelo Conselho. Você tem que ter muito cuidado e ler as resoluções todas que vem, acompanhar, conhecer a legislação, que é uma legislação... Itaipu é específico, é diferente. Você tem que cingir um pouco aquilo que tem ali e ir seguindo... É, muito cuidado. Muita tensão, não dorme. Você não dorme, é muita tensão porque não pode cometer um erro, fica muito ruim para o teu país você cometer um erro. Você ali não é nada, é uma peça de uma estrutura que existe, mas você não pode enferrujar, não pode falhar, tem que estar sempre inteiro para poder atender aquilo que precisa. Nós tínhamos taquígrafos em sala para que eles taquigrafassem as exposições, porque eram, nove e nove, dezoito, dezoito senhores, nove falando português, nove em espanhol, oito e o (Mauro?), né? Eram sete, seis... Não, sete, oito, dezesseis pessoas, e eventualmente um outro diretor convidado, mas eram dezesseis pessoas, oito de cada país. Ao final da reunião plena, nós tínhamos que preparar um documento, que isso eram as chamadas atas, para eles firmarem, e as resoluções também, que fossem expedidas, que fossem sobre assuntos que fossem ali aprovados, para eles assinarem. Então nós tínhamos que ter meios e modos de poder fazer aquilo, agilizar. Nós trabalhávamos durante à noite para dar tudo pronto, para às sete da manhã do dia seguinte, nove horas, eles assinarem os documentos. Era uma vida mais ou menos assim.

P/1 - E essas reuniões demoravam, Maria Helena, quanto tempo?

R - Demoravam. Às vezes, elas necessitavam [de] duas sessões muitas vezes. Fazia-se uma sessão, na manhã seguinte outra, para dirimir dúvidas de alguns assuntos que tivessem ficado ainda pouco esclarecidos, porque é claro que cada país defende o seu interesse. E se se aplica, deve continuar. Eu creio que dentro de um princípio de equidade, as coisas devem continuar assim. Se o que se aplica aqui, recursos ou alguma coisa, também se aplica no outro país; tem que haver um destaque de adoção equivalente para que seja aplicada no outro país. Era assim, sempre foi assim. Tudo era feito com muito cuidado, com muita negociação.

P/2 - E eram muitas pessoas nessas reuniões?

R - Só pelo Brasil?

P/2 - Pelos dois países, juntando todos.

R - São sete pessoas pelo Brasil, mais o diretor geral brasileiro; sete pessoas pelo Paraguai, mais o diretor geral paraguaio. São sete e sete, catorze, portanto, oito.

P/2 - Dezesseis.

R - Portanto oito e oito, dezesseis, dezesseis pessoas. Sendo que a ______________, tem assento nesse conselho dois representantes do Ministério de Relações Exteriores, a nível de ministro de primeira classe, nível mais alto. Eles permanentemente têm que ter duas pessoas do Ministério de Relações Exteriores, pelo Brasil e pelo Paraguai.

P/2 - Bem, isso era uma coisa difícil, complicada. E qual era a frequência dessas reuniões?

R - A frequência dessas reuniões...

P/2 - Dessas decisões.

R - Desses... A cada dois meses, e, ordinariamente, extraordinariamente sempre que fosse necessário, que houvesse um grande assunto a ser aprovado, inadiável, podia ser a quinze dias, podia ser um mês...

P/2 - Que tipo de resoluções eram tomadas em cima de que assunto?

R - Vamos supor, a tomada de um empréstimo a um banco estrangeiro, uma tomada de empréstimo à Eletrobrás, que foi o grande banco financiador da Itaipu. Vamos dizer: vai se criar uma norma geral de licitação na empresa, vai se cuidar de tarifa, vamos fazer um, “Qual será o cálculo da próxima tarifa de Itaipu?”, tal; Então isso é acertado com os governos, isso é uma negociação muito demorada, que os governos se harmonizam, eles conversam, transmitem as suas instruções à direção da empresa, o Conselho de Administração e, finalmente, é aprovado. Enfim, eu acho que grandes assuntos sempre eram aprovados pelo Conselho.

P/2 - Você citou algumas [que] dizem respeito aos empréstimos, mas e decisões em termos de área geográfica, pedaço de terra...?

R - Não, não, as desapropriações elas já aconteceram no passado...

P/2 - Tinham sido.

R - Elas aconteceram logo de início. Isso, o Governo Federal é que definiu as áreas de utilidade pública para desapropriação. Isso foi, isso aconteceu antes de nós ficarmos em Itaipu, quando nos instalamos, até que eu fui instalada, quando a direção da Itaipu, os presidentes da república instalaram a Itaipu, em 17 de maio, né? De 74, 1974. Eles já tinham tudo isso definido, porque eu lhes falei que foi assinado um tratado e foram assinadas notas diplomáticas com força de acordo. Nesses acordos, todos essas questões foram tratadas, foram tratadas as desapropriações, foi tratada a questão da energia, que são, como vocês sabem, já foi dito, são nove e nove, dezoito unidades geradoras. E aquela energia que o Paraguai não consome para seu uso, ela é vendida ao Brasil, é cedida ao Brasil, cedida por um determinado montante que também foi harmonizado, foi (brifado?), foi examinado; não é um peso de tarifa.

P/1 - Mas, Maria Helena, você também participava dessas negociações financeiras?

R - Não, não, não, não.

P/1 - Não, não participava?

R - Não, não, não, não. Eu tinha conhecimento dos assuntos nas reuniões.

P/1 - Nas reuniões.

R - E pela documentação que vinha da diretoria executiva, e que tinha que ser lida, vista para poder dar a sequência, o próximo passo, qual o documento que o conselho vai apreciar. Depois de nós prepararmos, era preciso dividir, então, em duas ou três fases o trabalho da Secretaria do Conselho, receber documentos, preparar documentos para que fossem submetidos ao Conselho, e projetos de resolução para que eles os aprovassem. No final, fazia o relato da reunião que são as tais chamadas atas.

P/1 - Certo. E na sua visão quais os principais desafios que o General Costa Cavalcanti enfrentou quando chegou em Itaipu?

R - Eu tenho impressão que o desafio maior, assim, de qualquer pessoa, é saber como tratar o assunto, com quem vai tratar o assunto. É conhecer as pessoas em quem você vai confiar determinadas questões, determinados assuntos. Você tem que aprender a conhecê-la para saber como conduzir um assunto com aquela pessoa. Você não sabe a sagacidade da outra pessoa, o grau de inteligência, a sensibilidade, a boa vontade que ela pode ter em receber as suas ponderações, as suas considerações. Eu tenho a impressão que, talvez, embora ele se relacionasse muito bem em geral com as pessoas, principalmente, com as mais simples ainda, era mais fácil, mas ele tinha muito cuidado em nunca se colocar acima de nada. Ele nunca, ele não se considerava um ser superior, não, ele se colocava assim mais ali numa situação de igual para todas as pessoas. Eu não sei se você está aqui desde a época de ________, você estava, não? A Elisabete... Não? Vocês me desculpem, que eu não sei se tem...

P/1 - Não, não há problema. Pode perguntar.

R - Ele se colocava numa situação, e gostava de conversar com todas as pessoas, desde o operário ali na obra à moça que cozinha, as pessoas que... Ia nas salas conversar com as pessoas, conhecer o trabalho de cada um, porque havia, ele tinha a percepção que o trabalho final, ele não começava ali na sala dele. O trabalho vinha de longe, vinha de outras, de outros, de um outro início, né? Não sei exatamente qual o momento mais difícil dele, mas eu tenho impressão que para ele deve ter sido um bom desafio, um desafio de bom tamanho, procurar se fazer entender por pessoas de culturas tão diferentes das nossas. Eu suponho que isso tenha sido um grande desafio, porque cada um de nós tem a sua forma de ser, não é? E (na vista?) muito dos próprios interesses, então havia aquela questão [de] como ceder, até onde se pode ceder, se nós vamos ali conseguir, quem sabe, uma definição favorável à alguma coisa que nós desejamos, mas eu acho que esse ainda é o ponto mais difícil. Porquanto, ao mais, havia técnicos muito experientes que conduziam as suas tarefas, e tinha que haver uma liderança para harmonizar vontades entre os técnicos, entre os diretores, entre, para que não prevalecesse mais um sobre o outro e, sim, prevalecesse o que era mais favorável à empresa.

P/1 - Havia um pouco essa disputa, Maria Helena, entre os _____________?

R - Eu acho que ela existe. Eu não cheguei a ter essa percepção, não, eu acho que assim... Mas sempre existe, sempre há diretores mais fortes do que outros, sempre, sempre existe. Mas isso não, isso nunca transparecia, porque ele jamais permitia que se chegasse na empresa um momento desses, de que houvesse um diretor em um plano acima do outro, não, ele nunca permitia isso não. Depois, outros diretores já, eu acho que o General Ney Braga, ele também soube conduzir com muita competência, talvez, eu falo, eu estou falando assim, os dois, porque eles eram mais amadurecidos, eles tinham talvez uma visão até de disciplina militar, não sei se era isso, e havia uma certa... Mas havia tolerância com as falhas das pessoas, havia uma grande tolerância. Inclusive, o Ney Braga era uma pessoa muito suave, muito doce, uma pessoa doce assim mesmo, bem mais paizão ainda do que o outro. Bem doce ele, isso era.

P/1 - Houve uma crise de petróleo entre 73 e 77, essa crise dificultou o trabalho do General?

R - Não vamos dizer que tenha dificultado o trabalho dele, se trouxe dificuldades para a empresa. Houve uma crise de petróleo, acho que tudo encareceu. Então, vamos supor que você tenha comprado um terreno para construir uma casa:

fez uma estimativa de custos, dos seus, dos custos, “Vou precisar de tanto tijolo, areia, assim, cimento etc.”, “Eu vou gastar tanto em cimento, tanto em areia, tanto em tijolo, tanto em madeira.” Mas com essas mudanças, que não independeram da nossa situação interna, e sim externa, esses valores deixaram de ser aqueles que você estimava. Passaram a ser outros. Então havia uma estimativa de custos inicial, do projeto, que não era, vamos dizer, não seria a última, mesmo porque, além dessas crises que você relacionou, havia também uma circunstância de que muitas coisas ainda iriam ser definidas ao longo do processo da construção. Os projetos que se faziam iam sendo examinados, iam vendo novas necessidades. Sobre isso, quem vai lhes falar muito bem é o Doutor Rubens Viana, o Rubens Viana foi um, ele foi um muito importante nessa empresa, muito importante. Ele vai lhes falar muito sobre isso.

P/1 - E havia muita crítica em relação ao gigantismo da usina?

R - Sim, muitas, inúmeras. Muitas, muitas, muitas. Que estavam fadadas...

P1- O que era, mais ou menos?

R - Era um absurdo que o governo estivesse fazendo dispêndios tão elevados por uma coisa que não teria sentido naquele momento, que poderia... Foi muito criticado, muito criticado, e Paraná abarrotou jornais de notícias, porque como ela está encravada aqui no Paraná, a hidrelétrica, eles, principalmente, nos períodos de política, de eleições, então eles ousavam mesmo. Eles criticavam bastante Itaipu.

P/1 - E essas críticas, como é que o General reagia a essas críticas?

R - Era muita serenidade, era muito sereno assim, eu não sei como é que deus o ajudava ali, na visão dele havia sempre muita serenidade, porque aquilo que a gente não pode fazer tem que colocar nas mãos de alguém, eu acho que deus que está ali. Desculpe, é que eu sou católica. Eu penso mais ou menos assim: você vai caminhando, vai tentando fazer tudo o que pode fazer e, às vezes, você vai para um lado, quer fazer por um lado e alguma coisa te empurra para o outro, aí tem que deixar nas mãos de alguém que te conduza. Mas ele tinha muita serenidade, não se exaltava, não tinha enfarte, não, uma coisa assim, diferente, como o Doutor Rubens Viana, vocês podem perguntar isso a ele. O Doutor Rubens também era assim. Há um cenário muito bonito... Vocês cobrem que ele descreva bem. Foi o fechamento do reservatório, quando as comportas se baixaram nas, numa operação, acho que durou sete minutos, oito minutos. De madrugada, foi a operação.

P/2 - Fechamento do?

R - Do reservatório. Foi o momento mais, de maior emoção, talvez, aqui dentro dessa empresa.

P/1 - E, Maria Helena, na sua opinião, quais os documentos mais importantes que você preparou junto com a sua equipe também, de trabalho?

R - Todos, dentro de um contexto de Conselho de Administração em dois governos, todos têm a mesma importância, porque eles dizem respeito aos interesses dos países. Todos, até uma simples alienação de materiais que você, que não utiliza mais. Você tem vários materiais, então reúne, vai alienar. Aqueles materiais velhos não têm mais proveito para você, você tem gastos, porque eles estão num depósito, estão se deteriorando. Mas eu posso olhar aquela alienação de uma maneira e você pode olhar de outra forma, eu posso achar que estou fazendo um bom negócio e você pode achar que eu estou favorecendo alguém, vendendo por tal a dinheiro. Então, como sempre existiram duas visões críticas sobre um, qualquer que fosse o assunto, eu tenho impressão que havia uma importância igual para cada coisa que você se preparasse, de tal maneira que não afetasse este ou aquele, esta ou aquela nacionalidade, esta não fizesse carga, não fizesse, é uma vírgula fora do lugar você podia fazer...

P/1 - Eu estava aqui pensando, devia ser uma coisa terrível, porque são povos com formações completamente diferentes, não é, com lutas históricas completamente diferentes, devia ser uma coisa muito difícil mesmo, não é?

R - Mas houve uma grande harmonia, principalmente naqueles onze anos, do tipo, havia uma grande aceitação dos nossos colegas paraguaios em relação a tudo o que se fizesse, eles acreditavam nas pessoas. Eu creio que continua sendo assim. Mas eles acreditavam naquilo que se falasse com eles, confiavam na palavra das pessoas, e as pessoas se comportavam, tinham uma postura que, que isso se fizesse crer que era verdade o que eles estavam dizendo, era a postura das pessoas, era a palavra da pessoa, em português. Então nós nunca tínhamos dificuldade de relacionamento com eles. Eu fui muito ajudada por paraguaio, pelo, acho que eu já lhes disse que eu aprendi a trabalhar com o Secretário Geral paraguaio, [que] eu não sabia como iniciar o desenvolvimento dos trabalhos, né?

P/2 - Mas isso era recíproco, Maria Helena?

P/1 - Eles também sentiam isso?

P/2 - Eles sentiam confiança nos brasileiros?

R - Sim, sentiam. Sentiam.

P/1 - Isso é muito bom. E, Maria Helena, quais as principais cerimônias que marcaram assim essa fase inicial das obras da usina?

R - Várias cerimônias. Até isso é uma, são datas diferentes. Primeiro, foi a instalação da empresa, que foi em 1974. Depois, houve, você teria que olhar ali, datas. Houve, em seguida, o primeiro momento, quando começou a construir-se uma muralha no rio e um canal de desvio para que o rio fosse desviado. Então esse foi um momento muito interessante, quando houve o desvio do rio para um canal previamente feito, não vou lhe dar agora a metragem dele, Rubens Viana vai lhe dar, então foi um primeiro momento de se saber que: “Puxa, nós vamos conseguir realizar. Já conseguimos fazer uma escavação tão profunda e tão alongada para transpormos para lá o Rio Paraná, [então] nós vamos conseguir o resto.” Foi esse, foi o primeiro momento. Depois foi o início da construção da barragem, eu acho que foi um bom momento, não vou falar a vocês quando se firmou o primeiro contrato de financiamento, nem vou falar de quando se firmaram os contratos, vocês sabem que foram consórcios, houve concorrências para que se firmasse consórcios, para que se firmasse consórcios para a construção da parte de concreto. Depois, novas concorrências para se firmarem consórcios para a fabricação de equipamentos, depois, nova concorrência para consórcios para a instalação daqueles equipamentos. E todos esses consórcios tinham que ser casados, brasileiros com paraguaios.

P2 - _____________?

R - É, para cada empresa brasileira havia uma paraguaia. Assim como na direção da empresa [de que] para cada diretor brasileiro há um diretor paraguaio, para cada membro do conselho brasileiro há um membro paraguaio.

P/1 - Interessante. Nesse período que você ficou aqui na Usina, quantos presidentes da república passaram por aqui?

R - Ai, muitos.

P/1 - Muitos?

R - Não, não tantos, porque havia um período de mandato de cinco anos, né? Começou, eu diria, com o Presidente Geisel, não é, foi ele que instalou. Depois do Presidente Geisel, aí veio o Presidente Figueiredo, que esteve aqui muitas vezes, veio o Senhor José Sarney e veio o Senhor Collor. E do Senhor Collor, quem que veio depois do Senhor Collor? Foi o Senhor Itamar Franco.

P/1 - Ah, o Itamar. Está certo.

R - E eu saí na gestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

P/1 - E quando eles vinham para cá, mudava a rotina de trabalho?

R - Não, é, não, não. Havia um cerimonial especial, claro, tem que haver, e havia um certo número de pessoas envolvidas na preparação do evento, em conjunto com os destacamentos precursores da Presidência da República e do Ministério de Relações Exteriores, que isso acontece se sabe em toda parte, não é?

P/2 - E havia o equivalente lá no Paraguai, essa parte de visitas?

R - Sim, muito bem estruturado.

P/2 - Vocês estão sabendo?

R - Sim, eles informavam. Eu não sei como a coisa se conduz agora, mas eles informavam se havia visitantes ilustres. Ambos os diretores, vamos dizer, presidentes das empresas, ambos diretores gerais recebiam aquela autoridade, fosse no Brasil ou fosse lá. A harmonia e a amizade era de tal forma, que isso acontecia, e acho que algum, não sei se lhes foi dito, que a direção da empresa ficou por doze anos à cargo do Brasil, a direção geral, ou seja, havia dentro dos acordos, dos tratados, havia somente um diretor geral, e ele era brasileiro; e um diretor geral adjunto que era paraguaio, por sinal, uma pessoa altamente competente.

P/2 - E não havia problema?

R - Não, nunca houve problema, nunca. Havia uma, nunca houve problema, nunca, nunca houve problema. Muita harmonia.

P/2 - Para fazer um parêntesis nesse nosso esquema, aproveitar o ensejo para mudar. Você saberia dizer, já que os dois países se deram tão bem em cima dessa obra, como é que eram antes as relações internacionais e como é que ficou depois, antes e depois de Itaipu?

R - Eu tenho a impressão que eu não devo falar nisso, quero dizer, não é da minha alçada, porque tem o Ministério de Relações Exteriores que lhe dará explicações, mas o que se conhece, o que se sabe é que havia, isso [é] o que se sabe, o que se fala, que se tem algum histórico, é que havia conflitos numa área em que os limites não foram, numa área em que não foram fixados limites pós Guerra do Paraguai. Havia uma certa contestação quanto à localização do limite na fronteira num determinado lugar, acho que é lá em cima com (Guaíra?), e começou a haver desentendimentos entre lá e cá, entre eles, entre Brasil e Paraguai, e que por essa circunstância estudou-se muito se poderia fazer, alguns contam, um grande lago cobrindo aquela parte lá que seria binacional, ou alguma coisa assim. Mas foi o Presidente Humberto Alencar Castello Branco que teve essa visão, achando que se construísse um bem que fosse beneficiar ambos os países, acabaria com o litígio, uma desavença, o desentendimento existente naquela fronteira, que seria: se é bom para um, nesse caso, bom para outro, seria bom para os dois. Ambos se beneficiariam com o aproveitamento hidrelétrico e desapareceria uma coisa que começava a gerar um problema crescente.

P/1 - E houve também uma participação da Argentina num período aí?

R - Ah, isso é para (trabalho?), é outra situação.

P/1 - Para outra situação, mas houve...

R - Podemos dar uma pausa?

P/1 - Oi? Podemos, é lógico.

P/2 - Uma pausinha.

[Pausa]

R - ...A cópia de tudo, ou seja, as gravações das conferências dele, ele as entregava à Secretaria do Conselho, e nós que tirávamos todas as gravações para recompor então a fala dele, para serem enviadas a interessados. Essas conversas eram enviadas aos interessados, fosse um (Enfa?), a Ecemar (Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica), ou não sei, a Eceme (Escola de Comando e Estado-Maior do Exército), a Escola Superior de Guerra, o Instituto Rio Branco. Logo que fosse, a gente tinha que armar a conferência dele falada, transformar a conferência falada em conferência escrita.

P/1 - E como é que você conseguia?

[Pausa]

P/1 - Então, eu queria saber como é que você conciliava essas suas duas funções?

R - É, porque havia assim uma noção de responsabilidade de cada pessoa. De cada “pessoinha” que trabalhasse naquele contexto, em qualquer parte, em qualquer lugar da empresa, eram poucos empregados [e] cada um tinha noção da sua responsabilidade, ninguém tinha que ganhar uma gratificação, não havia gratificação, era um “salariozinho” no final do mês, porque todo dinheiro que existia, ele era destinado à obra da Itaipu, então era o nosso salário. E as pessoas já sabiam. “Temos tais tarefas hoje, pode ser? Não pode?” _____________________ íamos aos debates, e que a parte que importava mais era a parte dos debates, e nós tirávamos aquela parte. E ele também deixava muito a cargo da Secretaria do Conselho a correspondência diplomática que ele tinha que tratar e responder, ele pedia que nós formulássemos, claro, assim, dentro das ideias dele, as respostas.

P/2 - Quer dizer, aqui vocês não tinham um, ainda não tinha um lugar físico para se trabalhar?

R - Não, nós trabalhávamos no Rio.

P/2 - Ainda não __________.

P/1 - Você não chegou a morar aqui em Foz?

R - Nunca morei aqui.

P/1 - Nunca morou em Foz.

P/2 - Ah, não?

R - Nós... Depois formaram-se os escritórios, então cada vez que nós vínhamos, trazíamos taquígrafo, era eu [com] duas assistentes e dois taquígrafos.

P/1 - E uma outra coisa que eu ia te perguntar é em relação a relacionamento, porque durante toda a sua fala você vem descrevendo, de certa forma, como era o General Costa Cavalcanti, mas eu queria saber, você disse que ele era um paizão etc. O relacionamento de...

R - Era assim, eu precisaria, não é era pra você, era pra você, era pra mim, era quem estivesse mais perto. De falar da filha dele, de falar de uma pessoa da família dele com a extrema simplicidade como se fala de uma peça da sua casa, tinha essa coisa de trazer as pessoas para si e levar as pessoas dele, levá-las às outras pessoas, ele gostava muito que as pessoas conhecessem a família dele, os familiares dele, sempre que possível, os netos, os filhos, enfim, isso era uma coisa que ele, como Ney Braga também fazia, o Ministro Ney Braga ele tinha essa, ele era até muito mais, se chegava ainda mais do que Costa Cavalcanti, mas eles tinham essa postura de fazer dos seus funcionários uma parte, uma pessoa próxima à família, que é uma forma de poder confiar as coisas que se precisa.

P/1 - Ele gostava de conversar com o pessoal assim mais simples, com os “peões”?

R - Gostava. Ele (sentava?), porque aprendia. Nós nunca estamos prontos, sempre se aprende. Ele aprendia umas coisas, conversava porque ele queria sentir o seu sentimento assim, como era em relação àquilo que ele estava fazendo. “Você está fazendo esse trabalho aí, é pesado, é duro, é forte? Como é, você está se alimentando, você é bem pago?” E ele ia nas, na oficina, no escritório, ele ia nas salas para conhecer as pessoas e saber o nome delas, das pessoas. Tinha essa, como é que se pode dizer? Essa cortesia, eu não sei, essa possibilidade de se relacionar com as pessoas, quer dizer, ele não desprezava essa possibilidade de conhecer pessoas, porque parece que a aprendizagem dele consistia nisso. Não sei se era alguma coisa factual, não sei, mas consistia em que se deve ter contato com todas as pessoas, que com elas sempre se aprende. E formava uma grande família mesmo, acho que o Rubens Viana falará mais ainda sobre isso amanhã.

P/1 - Você conviveu, então, com o Costa Cavalcanti e com Ney Braga?

R - Sim.

P/1 - Houve muita diferença na passagem de um para outro?

R - Houve assim uma, eu não sei como eu posso dizer, assim... Eu tenho impressão que o General Costa Cavalcanti queria, desejaria terminar uma outra etapa que ele não conseguiu terminar, mas isso foi absorvido, e eles eram muito ligados, assim, muito amigos desde longa data, desde a escola militar. Eram muito amigos, tinham uma trajetória junto, de longa data, muitos anos.

P/1 - Para você, para as suas atribuições houve muita diferença?

R - Não, não.

P/1 - Continuou a mesma?

R - Eu acho que não haveria diferença, porque ali não é uma função política, não, ali existem duas secretarias, vocês sabem, a da Diretoria Executiva e a do Conselho de Administração. Aquelas funções não podem mudar a cada vez que muda o governo, eu posso dizer que é uma função técnica, posso, né? Porque ela tem que estar voltada permanentemente para aqueles papéis, aquelas normas, aquelas orientações que vem, e vão chegando novas orientações.

P/2 - E vai se (cortar?), não é? Mas você está falando em não mudar o pessoal técnico, né?

R - Não mudar?

P/1 - É, então, porque as instruções são técnicas, então não é bom que seja...

P/2 - De funções técnicas.

R - Eu acho que é mais técnica. Não é política, não é uma função que se possa mudar todo dia. O Secretário da Diretoria Executiva, o Secretário do Conselho, tem que haver uma continuidade, não pode haver uma quebra assim de repente da atividade, você tem que levar meses para passar aquele serviço para outra pessoa.

P/2 - Não pode ter rotatividade?

R - Não, não pode, não deve.

P/2 - Agora, falando em funções, é muito General, vamos dizer, aqui nós leigos... Havia uma razão política...

R - Como, você encontrou muito generais aí?

P/2 - Sim, muito general, muito general ao correr da história, não é isso?

P1- Não, o Diretor Geral é o Costa Cavalcanti, só.

P/2 - Sim, mas tem outros generais.

P/1 - Não, outros militares.

P/2 - Militares. Bom, perdão, o erro está aí, militares.

R - Não me lembro de ter visto muito general, assim, não.

P/2 - Militares, geral. Eu queria saber se havia uma razão técnica ou política para isso?

R - Porque, a impressão que eu tenho é que se você vai exercer uma função e precisa de pessoas que trabalhem com você, se você as tem e são competentes, você vai trazê-las para trabalhar com você, independentemente de elas serem militares ou não. Isso aí acho que não é... Tenham ou não nível superior, sejam ou não militares, mas se ela é competente dentro daquele trabalho, vai trazer para trabalhar com você. No caso, eu até quero crer que o General Costa Cavalcanti tenha sido nomeado para Itaipu porque ele vinha desenvolvendo funções, assim como o Ney Braga, volto a dizer, Ney Braga era Ministro da Educação, eles vinham desenvolvendo funções públicas já, de algum tempo.

P/2 - De certa forma você está me respondendo que são por razões técnicas, e não de cargos ou funções?

P/1 - Eu queria...

P/2 - As pessoas eram escolhidas por capacidade técnica?

R - Capacidade técnica.

P/2 - E não por escolhas políticas?

R - Eu tenho impressão que você procura juntar as duas coisas, não é? Eu suponho que sim, em qualquer organização que você, eu acho que você tem que, você procura juntar as coisas, talvez haja a conveniência de se colocar aquela pessoa e vá calhar muito bem, porque a pessoa tem toda a formação necessária para aquela função, acho que você vai discernindo, o seu discernimento vai indicando a melhor possibilidade. O ministro Ney Braga foi Ministro da Agricultura, da Educação, e foi Governador aqui do Estado do Paraná, fez uma administração muito boa, e foi Senador, também foi prefeito, - acho, não sei se foi prefeito - ele teve uma administração muito boa aqui no Estado do Paraná.

P/1 - Eu queria, essa questão da, você teria conhecimento dessa outra etapa que o General Costa Cavalcanti queria terminar. Maria Helena, você sabe?

R - Não, ele não disse, ele não dizia a ninguém, não. Ele conversava com as pessoas, ele reunia as pessoas, ou seja, amanhã tem reunião da Diretoria Executiva, então ele fazia uma reunião prévia, reunia os diretores hoje à partir das 18 horas até, vamos supor, 11 horas da noite “Vamos fazer reunião prévia”, tal, fazia a reunião prévia, e ali eles verificavam o que é que conviria dizer, falar e decidir, ou não. Então, ali há uma harmonia de pensamentos e de ideias. Agora, ele nunca deixou transparecer assim: “Eu quero fazer mais tal etapa.” Não. É que sempre havia... Assim, foi inaugurada uma Unidade Geradora, que foi na administração dele, e talvez ele não esperasse sair naquele momento, mas que foi para boas mãos, que foi para um irmão dele, que era o Ney Braga, uma pessoa muito ligada a ele. Eles fizeram... Esse semestre contava ainda com o, pelo ministro Ney Braga, era, ele faleceu, eles caminharam juntos na Escola Militar, depois na Escola de Comando de Estado Maior e também, mais ou menos, exerceram as mesmas funções, semelhantes ao longo da sua vida, da vida pública.

P/1 - E você entrou para o Conselho de Curadores da Fundação Itaipu, como é que se deu __________?

R - Essa é uma designação do Diretor Geral brasileiro, que ele... Fiquei como suplente, inicialmente, de uma pessoa, depois fiquei como titular, mas a indicação é do Diretor Geral brasileiro. Isso não impede de, as funções do Conselho de Administração, absolutamente nada, e ocupa muito pouco tempo.

P1- Então, justamente, eu queria que você falasse sobre a Fundação e a importância da Fundação.

R - A Fundação, ela tem, falar da importância da Fundação acho que seria até desnecessário, porque hoje em dia todo funcionário público devia ter, poder criar sua própria fundação, que é uma forma de complementar o seu salário. E eu trabalhei tantos anos, eu me aposentei no serviço público com 33 anos de serviço público, eu ganhava 300 reais! Você vê. Então, se eu tivesse uma fundação naquela época, em 90, 91, se houvesse uma fundação como... Eu não sei se pretendem criar, os novos governantes, para o serviço público, eles vão se aposentar com uma aposentadoria, vão ter uma vida melhor depois da aposentadoria.

P/1 - E as suas atribuições na Fundação?

R - Na Fundação elas são iguais a todos os demais membros, que é analisar as propostas da Fundação, o que é que ela deseja executar, o que é que ela deseja criar, como vão os negócios da Fundação, como vai a aplicação do dinheiro, e o Conselho Curador tem uma responsabilidade em opinar a respeito dos assuntos que são postos à mostra, à prova.

P/1 - Eu queria voltar um pouquinho, na década de 80, 90, quais foram os principais desafios de Itaipu na sua visão?

R - 80; 90 foi esse final que o doutor (Scalco?) quer falar, que foi _____________ aí as duas unidades, chamadas Unidades de Reserva, que é uma consequência do acordo de cooperação entre Brasil, Paraguai e Argentina, firmado em 79, e as duas Unidades Geradoras ficaram postergadas, seriam 20 Unidades Geradoras, pelo acordo o Brasil comprometeu-se a instalar somente, nove e nove, dezoito, dezoito Unidades; e a Argentina, ela seria flexível com os parâmetros do nível do rio, haveria uma variação de área, ou horária de tantos metros, haveria uma flexibilidade, não é? E o Brasil deixaria de instalar duas Unidades Geradoras. Agora eles renegociaram esse acordo, agora não, há questão de uns quatro anos, três anos, finalmente conseguiram instalar essas duas Unidades. É um assunto muito interessante o que vocês querem, [é melhor] solicitar o doutor (Scalco?) que ele fale a esse respeito, porque foi um, acho que foi um acordo bem interessante a renegociação que permitiu o Brasil, essa renegociação é recente, porque se a outra foi em 79...

P/1 - E na década de 80? Um desafio?

R - A década de 80, foi quando começaram a entrar em operação as Unidades Geradoras. A primeira entrou em 84, foram as... Houve o fechamento do rio, do reservatório. A água caia por onde? Caía lá pelo vertedouro, por aquelas calhas, não é? Aliás, a água não caia, o fechamento do canal de desvio por onde passava o rio Paraná... Havia um canal, o fechamento daquele canal permitiu que as águas fossem se acumulando, crescessem, e que se formasse todo esse reservatório, isso foi um grande desafio, então amanhã vocês vão perguntar ao Rubens Viana sobre o, sobre o fechamento do reservatório, foi um dos momentos mais bonitos de Itaipu nos anos 80, e 84 a entrada da operação da primeira Unidade __________.

P/1 - Agora, eu queria voltar na sua juventude, que nós passamos direto por ela. Nós estávamos falando sobre a sua entrada na faculdade de Letras, não é, de Filosofia, Ciências e Letras, e aí você disse que... Eu tinha te perguntado por que é que você havia optado, a gente acabou...

R - Porque eu comecei a trabalhar no gabinete do Ministério, e senti que cada vez ia ter mais necessidade de saber escrever, o que me seria necessário de imediato, objetivamente, era saber escrever, porque tinha muita redação, muita correspondência, e preparar respostas que, às vezes, você não sabia nem como imaginar uma resposta leve para uma pessoa, para dizer não para ela. Então, aí achei que era bom, era melhor, e aí resolvi fazer Letras.

P/1 - E aí você aprendeu outras línguas?

R - É, fui, que foram ficando esquecidas com o espanhol, que entrou nos últimos 24 anos.

P/1 - Certo. Você fez alguns cursos também, de extensão, não é, Maria Helena?

R - Fiz na própria faculdade. Se você me perguntar agora, eu quase não sei. Linguística eu achava muito interessante, linguística; Havia uma outra, havia uma citação de Estudos de Problemas Brasileiros em que nós desenvolvíamos um trabalho muito interessante; E também um que foi fascinante, foi sobre a organização dos estados americanos. Ia fazendo assim alguns cursos que apareciam, que era possível fazer, que o tempo permitia.

P/1 - Certo. Você tinha amigos da faculdade?

R - Tinha, mas eu era muito tímida, eu ficava sempre, como é que eu posso dizer, eu tinha amigos, sim, eu tinha amigos, mas eu me colocava sempre um pouco, assim, deixava que eles caminhassem à minha frente para abrir os caminhos, assim...

P/1 - E vocês frequentavam bailes, festas?

R - Não, não, não havia tempo, porque o trabalho consumia todo o dia, o dia inteiro. À noite, era faculdade até meia noite, e você tinha que preparar trabalhos que, na realidade, a faculdade ela não te ensina, ela te dá os meios para você procurar aprender sozinha, né?

P/1 - Então tinha muito pouco tempo de lazer?

R - Não tinha lazer.

P/1 - Não tinha nenhum?

R - Não.

P/1 - E você é casada?

R - Não.

P1- Não é casada. Eu queria que você falasse, também, hoje você mora sozinha, onde você mora?

R - Onde eu moro?

P/1 - É.

R - Moro no meu apartamento, no Rio de Janeiro.

P/1 - No Rio de Janeiro.

P/2 - Que atividades você tem hoje?

R - Eu tenho assim algumas coisas que eu considero muito boas, gosto muito de música clássica, de ópera, de balé. Vejo meus concertos, assisto meus concertos. Um dia desses fui a São Paulo assistir um concerto muito interessante. Vocês têm uma sala muito bonita, que é a Sala São Paulo.

P/2 - Ah, eu sei.

R - É muito bonita, não é, interessante. Fiquei emocionada ali.

P/2 - Sim, então você vai a concertos, tal. Você frequenta clubes?

R - Perdão?

P/2 - Frequenta clubes?

R - Sim, eu sou sócia de um clube bem interessante, no Rio de Janeiro, um clube dos ingleses, o Paissandú até, Atlético Clube, e sou sócia à bastante tempo já. Frequento assim, como eu não tinha tempo de ter atividade, pelo menos com a família para almoçar e jantar, porque eu fiquei morando em Curitiba nos últimos oito anos de trabalho, mas eu todo fim de semana [voltava] para minha casa, para o Rio, que eu detestava Curitiba, e toda maneira como se (processionasse?) mudança para Curitiba. A transferência foi, foram momentos muito difíceis, de muita dificuldade, de muita agressividade em relação às pessoas que vieram, que foram para Curitiba.

P/1 - Essa mudança é por conta da empresa, ou foi...?

R - Não, não, a mudança foi por conta de uma decisão política, de governo. No Governo Collor, deu-se a presidência da Itaipu para o estado do Paraná, e eles fecharam os escritórios em São Paulo e no Rio, e transferiram 450 pessoas para Curitiba, e as demais ou foram demitidas ou aposentaram-se ou saíram, que não puderam ou não quiseram ir.

P1- Então, você estava contando que trabalhava em Curitiba, mas ia todo final de semana...

R - Às minhas expensas, para o Rio. Como mandam os bons princípios e o respeito ao que não nos pertence.

P/1 - E você tem sobrinhos?

R - Tenho família, tudo.

P/1 - Família.

R - Os primos, irmãos, irmãs, sobrinhos.

P1- As suas irmãs casaram?

R - Sobrinhos.

P1- Quantos sobrinhos você tem?

R - Seis sobrinhos.

P/1 - Seis sobrinhos.

R - Todos, quase todos homens.

P/1 - É mesmo?

P2- Todos moram no Rio?

R - Todos moram no Rio. Agora dois estão morando lá em São Paulo, o paizinho deles foi transferido para São Paulo, ele é engenheiro da IBM. Mas tenho um contato muito interessante com amigos e amigas, e costumamos fazer viagens juntos, para fora, e são viagens não de compras, são viagens de, tem outros fins. Vai com todo o seu programa já idealizado, com os ingressos comprados, você vai a um concerto, vai a uma ópera, vai visitar um museu, anda, vê alguma coisa, não é, não são viagens de compras.

P/2 - Culturais.

P/1 - Culturais.

R - Não sei se pode se chamar cultural, mas sim uma viagem de fazer bem à alma da gente, não?

P/1 - E o que você viu ultimamente que você mais gostou?

R - Acontecem tantas coisas aqui. Lá no Rio, tem umas coisas tão bonitas, mas eu gostei muito de uma coisa que eu fui ver em São Paulo na, essa casa, [Sala] São Paulo, não é, de concertos, casa de concertos São Paulo. Eu fui ver, vi como é mais fácil no Rio, ou seja, como é mais fácil em São Paulo. No Rio é tudo tão caro, e eu consegui assistir um concerto do Antonio Menezes, um violoncelista pernambucano que mora na Suíça há vinte anos, ele tem uma agenda muito cheia para poder tocar com um pequeno grupo de cordas, são cinco, quatro pessoas, mas ele é convocado para tocar com a Orquestra de Nova Iorque, na Europa, enfim, não tem tempo na agenda, mas ele procura vir uma vez por ano ao Brasil. Então eu vi que ele estava em São Paulo, aí eu liguei para aquelas empresas de reservar tíquete, eu consegui com a maior facilidade reservar meu tíquete para assistir lá, e consegui assistir por trinta e poucos reais. E eu digo que é barato, porque no Rio são assim cem reais pra lá. É sessenta pra cima os ingressos. Eu fiquei encantada, assim, foi um momento de grande emoção, porque ele toca muito bem. Um pernambucano vindo lá do agreste, como você vê que as pessoas já têm talento, é preciso que se lhes dê oportunidade delas crescerem, né?

P/1 - E, falando em emoção, a emoção de Itaipu?

R - Eu não tenho...

P/1 - Não?

R - Não, eu acho que há um tempo certo para tudo.
Quer dizer, eu vibrava com o trabalho que eu fazia, queria fazer direito... Acho que o início foi assim muito emocionante para todos que vivenciamos os primeiros onze anos, foram marcantes, todos. Você pode ver quem estiver vivo ainda, dos primeiros onze anos, porque havia essa, essa criação, era uma criança que se formou e ela estava se desenvolvendo, crescendo até dar frutos, então nós víamos até o 11º ano, perto de onde é o primeiro fruto, foi a primeira Unidade Geradora. Mas o que eu vou voltar a falar, a frisar, é a harmonia que havia entre pessoas, a pessoa do mais modesto nível se dava com a pessoa do mais alto nível, sem...

P/2 - Sem essas diferenças?

R - Não havia diferenças, não havia.

P/1 - Maria Helena, se você pudesse mudar alguma coisa na sua trajetória de vida, você mudaria alguma coisa e o quê você mudaria?

R - Ter um filho. Se eu pudesse mudar, acho que, eu não tive coragem de adotar uma criança. Eu tenho uma amiga que era tão preparada, ela foi, por muitos anos teve um alto cargo no Citibank, e aos 50 anos resolveu adotar uma criança, aos 50 anos. Quando a criança estiver com 10, ela está com sete, né? Ela está com 60 quando a criança estiver com 10, não sei.

P/2 - Deu certo?

R - Está dando muito certo. Interessante a experiência, ela tinha 52 anos, eu acho, quando adotou essa criança.

P/1 - E você acha que, você não teve...

R - Não, mas eu acho que, há muitas coisas para fazer, há tanta coisa para fazer no Rio. Você sabe, há inúmeras instituições de caridade, instituições beneficentes em que você se interessa pelo trabalho que as pessoas fazem voluntariamente, e você vê resultados, porque, com crianças, você vê resultado, vê a criança melhorando, vê a criança crescendo. Há duas, especificamente, duas ou três que a gente contribui e ajuda, e nós temos um ________ na nossa família, que cada um de nós adota uma família para ajudar, nós temos, cada um adotou uma família para ajudar, então é mais um objetivo que você tem na vida de acompanhar o desenvolvimento daquela família, o crescimento dos seus filhos, a formação dos seus filhos, que caminho eles, que caminho eles caminham...

P1- E os sonhos quais são, os seus?

R - Ah, sonhos. Acho que é estar bem com as pessoas, bem com a vida, é poder me entender com as pessoas, poder encontrar, eu não quero que as pessoas tenham a minha opinião, não, não é isso não, mas poder encontrar interesses afins, interesses comuns, e desenvolver determinados assuntos. Mas eu gosto muito de receber, sabe, de receber, eu gosto de conhecer gente nova, pessoas novas. Eu gosto de receber, aprender, aprender. Se bem que a vida, não é, é uma troca de...

P/2 - Completamente.

R - É uma troca.

P/2 - Ao mesmo tempo que doa.

P/1 - Maria Helena, o que você acha desse projeto Memorial do Trabalhador que está sendo desenvolvido pelo Ecomuseu de Itaipu?

R - Eu tomei conhecimento recentemente, mas acho mesmo muito bom, acho uma iniciativa muito importante, bastante importante. Não sei se, de onde vem, porque existia alguma coisa, mas um tanto espalhada, tal sala tem tantos objetos. Na sala de recepção dos visitantes tinha tantos objetos, e haviam lembranças que estavam dispersas, né? Lembranças, não só memórias em pessoas, como lembranças mesmo, concretas, físicas. É uma grande iniciativa, muito, muito interessante, eu ______________ muito pouco tempo, tenho pouquíssimo tempo.

P/1 - Você quer perguntar mais alguma coisa?

P/2 - Quero sim. E aí, o que você achou de dar essa entrevista?

R - Eu acho muito difícil a pessoa de si, extremamente difícil, não é nada bom. É porque eu nunca tive o hábito de falar de mim, jamais, nunca, é muito melhor ouvir, saber, porque, quero dizer, eu não reconheço que eu tenha coisas para revelar, eu não tenho. Mas eu prefiro ouvir do que falar, hábito difícil. Falar de si próprio é muito difícil, embora pessoas tenham isso como “hobby”, falar só de si.

P/2 - Mas você achou realmente difícil essas horinhas?

R - Não, não é trabalhoso. O difícil é saber se eu me faço entender, se eu não me exacerbei, se eu não exagero em alguma coisa, nisto ou naquilo, enfim, o que é que... É que a gente vai, vocês perguntaram, a gente vai fazendo, vai tendo novos horizontes e vê que existe tanta coisa, quando você vê que existe tanta coisa para fazer, além do que estava aqui dentro. Venho colaborando com uma Organização Não Governamental, que não tem dinheiro e luta como tantas outras para desenvolver um trabalho. Ela desenvolve um trabalho na área do conhecimento de informação, mas ela está envolvida no momento com uma conferência eletrônica com a Inglaterra, em quatro idiomas, e o que é interessante é que é sobre o gênero, o gênero é do _____________, é gênero e água, em que se procura ouvir as experiências de pessoas, de comunidades, mulheres principalmente, e as dificuldades que elas passam porque os homens não permitem [que] ela cresça. E a água, que já é tão escassa, tende a ser, esse conjunto de pessoas que está trabalhando nessa conferência, entende que a mulher é que melhor pode administrar e dispor sobre o uso da água, porque ela é quem sabe quanto custa um cântaro, uma lata que ela vai buscar lá no poço, lá não sei aonde, a água que ela carrega ela traz para casa, nas comunidades mais pobres. Essa conferência só trata de água e gênero, mas procura fazer inserção da mulher em momentos de vida mais prazerosos, mais felizes.

P/2 - A propósito disso que você levantou, eu queria mesmo saber, você como mulher, tratando, se desempenhando em todas essas funções, sentiu discriminação?

R - Sim, no início sim. Quando eu fui designada para Secretária do Conselho de Administração, naquele tempo havia consultas, assim, para o outro país: “Ó, vai ser designada uma senhora assim e tal.” E os conselheiros brasileiros tinham que aprovar, não os paraguaios, os brasileiros, e um deles rejeitou o meu nome porque era uma mulher. Um dos membros do conselho, eu fiquei sabendo disso dois anos depois, ele não aprovou o meu nome por eu ser mulher, achou que não, e era jovem também, que não ficaria bem, que era um cargo de muita responsabilidade, que tinha que ser um homem, tal. E o tempo passou, esse meu colega paraguaio aposentou-se, e a experiência foi tão feliz que eles colocaram uma senhora na secretaria também, de lá.

P/1 - Que beleza, em que ano foi isso, você lembra?

R - Começo de 74, em 75. Quando eu fui designada, 75.

P/2 - E de lá pra cá não te discriminaram?

R - Não. Eu não percebia, porque o nosso envolvimento no trabalho, era de tal maneira grande, que nós nunca percebemos. Se havia discriminação, nós não nos demos conta dela. Somente quando houve a transferência para Curitiba, que se fecharam os escritórios, houve momentos de tormenta bem, bem grandes.

P/1 - Mas, aí era o lado da perseguição mais política, não era...

R - Eu acho que, não houve perseguição, o pior é que não houve perseguição, havia, queriam transferir isso para o Estado, para beneficiar o Estado, não que quisessem nos tirar, não era isso o que eles queriam, mas nos negavam os meios necessários para desenvolver as tarefas e, mesmo assim, nós conseguimos.

P/1 - Que meios?

R - Para falar nisso é difícil. Primeira coisa que fizeram, transferiram a, acho, alienaram tudo o que nós tínhamos de imóveis, (afins?) etc. Não nos deram a sala para trabalho, nós ficamos trabalhando num corredor no último andar, as duas secretarias, e colocamos todos os documentos no chão. Por sorte, eles nunca se deram conta da importância daqueles documentos e nunca foram roubados. Mas havia uma, talvez ele fosse legítimo, o pensamento deles, no sentido de dizer que, como o Rio era no Paraná, e que todos aqueles lugares, o escritório deveria ser no Paraná, não no Rio, e talvez eles quisessem pouco a pouco ir substituindo pessoas.

P/1 - Você estava falando dessa Organização não Governamental, repete para a gente o nome da Organização.

R - É Instituto Ipanema.

P1- Ipanema. E a sede é no Rio?

R - É no Rio. Ela foi formada por técnicos da Comissão Nacional de Energia Nuclear e de Furnas, que se aposentaram. E agora procura trazer, chamar, atrair pessoas jovens, para formar pessoas jovens, advogados, enfim, que se interessem somente por direito ambiental, que tenham até pessoas voltadas para isso.

P/1 - Você participa ativamente, então?

R - Eu participo dos trabalhos.

P/1 - Deve ser um trabalho bem interessante.

R - Eu mantenho, acho que a gente tem sempre que manter o espírito. Se alimentar de alguma coisa.

P/1 - Faltou a gente perguntar alguma coisa, alguma coisa que você queira falar?

R - Não, está tudo bem.

P/1 - Nada mais que você queira acrescentar?

R - Não, está tudo bem.

P/1 - Então, foi bom dar a entrevista?

R - Não, eu não sei qual é a utilidade que vai ter. Vocês vão fazer os cortes, vão pinçar aquilo que for necessário. Eu só desejo, sinceramente, que isso possa ser útil ao trabalho que vocês vão desenvolver, que é muito importante o trabalho de vocês, muito importante.

P/2 - Claro que vai ser útil.

P/1 - Com certeza, útil. Então, tá bom. Obrigada.

R - Obrigada.

P/2 - Obrigada.

[Fim do depoimento]