Museu da Pessoa

Sabão rentável e sustentável

autoria: Museu da Pessoa personagem: Maria Inês Costa de Araújo

Projeto Mulheres Empreendedoras Chevron
Entrevistada por Stela Tredice e Rosana Miziara
Depoimento de Maria Inês Costa de Araújo
Duque de Caxias, 26 de abril de 2012
Realização Museu da Pessoa
Código MEC_HV001
Transcrito por Ana Paula Corazza Kovacevich
Revisado por Letícia Maiumi Mendonça


P/1 – Dona Maria Inês, vou começar pedindo para senhora falar seu nome completo, local e data de nascimento.


R – Maria Inês Costa de Araújo. Nasci em 16 de maio de 1948.


P/1 – Em que cidade?


R – Na cidade de Serraria, interior de João Pessoa, Paraíba.


P/1 – João Pessoa. E seus pais são de João Pessoa?


R – Meus pais são tudo de lá, do Nordeste.


P/1 – Sua mãe e seu pai?


R – Minha mãe e meu pai. Mas são tudo falecidos. Minha mãe faleceu em 2004. Meu pai faleceu em 1987.


P/1 – Mas os dois são de Serraria?


R – Ok. Foram enterrados lá, na cidadezinha.


P/1 – E o que seu pai fazia?


R – Meu pai era agricultor.


P/1 – E sua mãe?


R – Minha mãe doméstica, cuidava do lar.


P/1 – Seus avós também de Serraria?


R – Também de Serraria.


P/1 – E ele era agricultor do que? Que produtos ele plantava?


R – Feijão, milho, arroz. Eles são de propriedade adquirida do Sítio Tapuio, que os meus avós deixaram para eles e eles faziam plantação. Também caju, manga, vários tipos de plantas que têm no sítio onde meus pais residiam e hoje residem os meus irmãos… Morando lá, porque meus pais faleceram, cada um tem um pedacinho de terra, para morar, fizeram uma casinha lá e moram todos lá, quatro irmãos.


P/1 – Até quantos anos a senhora ficou lá?


R – Fiquei até os 17 anos.


P/1 – E como é que era a casa?


R – A casa era de palha. Feita de tijolo, subia, botava uns caibros e colocava umas palhas de coqueiro. Aí todo ano tinha que trocar, porque aqui estraga, ali batendo a chuva. Aí estragava tinha que reformar aquela parte que chama telhado aqui, que nós botamos telha ou laje, lá era palha, de palha. Aí todo ano tinha que trocar, porque senão não ia ter condição de sobreviver ali dentro daquela casa. Trocava a casa toda, a parte de cima. Chamava os vizinhos, fazia tipo um mutirão, que nós chamamos aqui de mutirão, mas lá eu nem sei como que eu tinha que dar o termo para esse tipo de coisa. Juntava os vizinhos tudo. Já tinha, já, as palhas tudo organizadas, que elas são abertas, com as partes no meio e tem que deixar elas tudo numa posição para acomodar elas tudo para da mesma forma que começar, terminar, entendeu? Aí tinha um pessoal que ajudava, amarrava aquelas palhas lá e ficava a casa formada.


P/1 – Em quantos irmãos que vocês são… Moravam na casa? Quantos irmãos você tem?


R – Eram ao todo sete, duas mulheres e cinco homens. Só que agora só são quatro porque um faleceu, porque ele convivia com negócio de bebida, alcoólatra. Deram muita bebida a ele, o coração dele não aguentou e estourou. O médico falou que ele faleceu por causa disso, porque ele bebeu cachaça. Porque lá a cachaça vem do alambique direto, do alambique, é forte e a pessoa não suporta beber muito, não. Aí fizeram essa malvadeza, deram muita bebida a ele. E a minha irmã morava aqui no Lote 15 era mais velha que eu três anos. Ela morreu de 2010 para 2011, no dia do Natal.


P/1 – E como é que era a infância lá nessa casa cheia de irmão, quais eram as brincadeiras? O que a senhora fazia?


R – Brincadeira não tinha, não. Tinha que ficar trabalhando no roçado. Auxiliar o meu pai, levar água para ele, levar comida e ficar vigiando se algum animal ia, como que se diz, estragar os legumes, no caso, o feijão, o arroz. Porque os passarinhos eles vão destruindo os cachinhos onde ele brota, o arroz, se quando tivesse ficando maduro os passarinhos estragavam tudo. Tinha que ficar perto com um pau, acenando, que estava… Que tinha gente vigiando. Assim que era.


P/1 – E Serraria como é que era, a cidade?


R – Serraria é uma cidade pequena do Nordeste. É uma cidade pequena. Poucos habitantes. Pequena. Bastante pequena.


P/1 – E com quantos anos a senhora entrou na escola?


R – Ah, entrei na escola com 10 anos. Mas sempre gostei de estudar. Eu estudava lá na escola da cidadezinha, mas só que eu não tinha roupa, não tinha condição, não tinha sapato, não tinha meia, não tinha nada, não tinha livro. O prefeito… O fazendeiro, não era bem o prefeito, era o fazendeiro, todo dia passava na porta da minha casa e perguntava e falava assim: “Cadê a minha nega?” Perguntava para o meu pai. Meu pai: “Tá. Tá estudando. Ela quer falar com o senhor porque ela está sem roupa.” Aí ele ia lá, mandava eu ir lá, pegava as roupas do colégio das filhas dele, que já eram mais… Ele era fazendeiro… Estudavam em outra cidadezinha da Paraíba por nome de João Pessoa, de Guarabira, próximo de João Pessoa. Aí me dava meia, sapato e as roupas das filhas dele. E assim continuei, estudei. Fiz o primário, depois eu fiz o ginásio. Só que quando foi passando o tempo, apareceu uma senhora lá que viu meu interesse de estudar e pediu para minha mãe para me levar para casa da parente dela, no caso, a sobrinha dela, que morava no Recife, para eu continuar, porque achava muito interesse em mim. Aí me levou para casa da sobrinha dela. Essa moça que me levou era madrinha do meu irmão mais novo. Aí a minha mãe nem gostou. Eu saí, minha mãe não gostou, ficou triste. Consegui terminar o ginásio em Recife. Depois eles não gostaram. Porque o marido trabalhava no porto, assim, nas docas. Aí eles vieram para aqui para o Rio. Viemos morar na Praça da Bandeira. Ele, o casal, no caso, e dois, três filhos,

um rapaz e duas meninas. Então, eles me tinham como uma filha, que tinha toda… Assim, todo o aconchego de como que eu não fosse uma pessoa estranha. Eu levava a menina para praia, que ela tinha… Ela era adolescente. Sempre ia à praia do Flamengo, Copacabana. Eu levava a menina. Mas só que depois eles não gostaram daqui, acharam muito agitado, voltaram para Bahia. E a gente é… Como que se diz? O casal, os que eram adolescentes tiveram que voltar e a outra ficou… Nós ficamos morando…


P/1 – Espera aí, eu me perdi um pouquinho, lá atrás. A senhora foi, estava na escola…


R – … É, e os afazeres da casa eu assumi, do apartamento lá na Praça da Bandeira. Ajudando…


P/1 – … Você veio trabalhar lá.


R – É. Como que uma troca no caso…


P/1 – … Quantos anos você tinha?


R – Eu tinha 21, 22. Aí quando eu terminei o ginásio, eu fui estudar o segundo grau, estudava lá na Rua Joaquim Palhares, lá no Colégio Paulo de Frontin, perto da Haddock Lobo. Aí veio a vez deles voltarem para Bahia, aí eu fiquei morando com a filha mais velha dela e outras quatro colegas. No caso, eram quatro colegas, eu e a filha mais velha deles. Aí a gente ficou, assumiu o condomínio, a apartamento, lá de onde a gente morava, o apartamento, os encargos lá de luz, telefone, a despesa do condomínio, mas chegou uma hora que ficou difícil, aí cada um se espalhou para seu lugar. Ela foi para Portugal, a filha do casal. As outras eu não sei, tomaram o rumo não sei de onde, e eu me casei com o porteiro do edifício.


P/1 – Desse prédio?


R – Desse prédio.


P/1 – Mas, deixa eu voltar só um pouquinho antes. A senhora ficou em Serraria até os 17 anos?


R – Dezessete anos. Isso.


P/1 – E como é que foi sua adolescência lá em Serraria?


R – Ah, muito, muito triste, porque eu não tinha nem roupa para usar, só tinha uma roupa. Aí quando eu ia lavar, minha mãe ia lavar, eu tinha que ficar dentro do quarto lá, minha mãe lavava a roupa, depois quando secava eu ia e botava, e ia convivendo, varria a casa, fazia alguma coisa, vê se tinha alguma coisa para dar assistência para o meu pai, porque ele estava ainda na roça, para ver, aí…

Mas era muito difícil. Eu só tinha uma roupa. Quando eu ia para igreja eram as minhas colegas que me davam vestido, me emprestavam, às vezes davam. E ficava com dois, um de sair, um de ficar em casa. Mas era muito triste. Não sei como eu cheguei até aqui.


P/1 – Mas você tinha amiga, se divertia, ia à igreja?


R – Eu tinha.


P/1 – O que você gostava de fazer?


R – O que eu gostava de fazer? Minha mãe não deixava passear com qualquer pessoa, não. Ia à feira. O que distraia era a feira. Tinha uma senhora que ela era feirante e ela vendia roupas por metros, a metros, e vendia roupas prontas, blusa, saia, esse tipo de coisa. E quando era dia de domingo eu saia para igreja à noite, na missa da noite, de sete horas, porque durante o dia eu ia com essa feirante trabalhar, vender mercadoria. Eles gostavam muito de mim e toda vez que eu não ia para feira eles sentiam muito a minha falta, porque eu era muito comunicativa, estava sempre ali atenta. Assim que foi a minha infância.
Eu arranjei um namorado aos 20, 21, 22, por aí. Só que minha mãe não confiava, não. Porque tinha que sentar eu, meu namorado, um irmão aqui e o outro ali do lado. Meus pais dali, bem olhando. Aí é horrível!

Foi essa a minha infância. Muito devagar. Se a gente vacilasse o pai da gente pegava uma árvore, cortava um galho lá e batia na gente bastante. Uma vez eu não sei a arte que eu fiz, eu não me lembro, eu respondi ao meu pai, porque ele estava pedindo para mim ver as ovelhas, que eles tinham criação, galinha, é…

Ovelhas, assim, que ele gostava de criar. E tinha soltado uma ovelha e estava comendo as plantações, sabe? Aí ela gritou de onde, lá de onde ela estava lavando uma roupa e eu não tinha entendido o que ela estava falando. Aí ela veio, meu pai pegou uma corda e bateu muito, e eu… Ele não gostava de bater, não. Mas nesse dia ele teve que bater, porque eu deixei o animal comer a plantação, o feijão. Ele fuçou tudo, comeu tudo aquela plantação que já estava perto de começar a sair o material que era colhido durante o mês. Aí ele não gostou. Mas a infância foi assim.


P/1 – A família da senhora era religiosa? A senhora falou que ia à missa…


R – … É, tudo religioso. Ia na igreja, ia para missa. Tinha obrigação de ir para missa todo domingo. Se não fosse o horário da manhã, nove horas da manhã, teria que ir à noite, sete horas da noite. E o período…

Voltando atrás para falar sobre estudo. Eu estudava à noite, quando eu já estava terminando o ginásio, mas era muito escuro para mim ir de onde eu deixava minha colega, que eu vinha do colégio, onde ela morava para eu ir para casa era muito escuro, eu tinha medo de ir para casa sozinha, eu dormia na casa da minha colega. Quando eu dormia, quando era no outro dia, olha, era muito complicado para minha mãe saber que eu tinha dormido lá. A minha colega tinha que ir lá chamar ela, chamar minha mãe, minha mãe ir lá confirmar através da mãe dela também que eu tinha dormido lá. Porque eu tinha chegado, largado tarde o colégio, eu tinha tido uma aula extra lá, um problema lá no colégio, na sala de aula, e tinha diminuído o tempo, o período do horário, tinha passado do horário. Mas é assim que foi minha infância.


P/1 – E quando a senhora chegou no Rio de Janeiro, qual foi o impacto que a senhora teve assim? Como foi?


R – Foi muito complicado. Eu morava na Rua Joaquim Palhares, nuns prédios, eu ia comprar, fazer umas comprinhas, assim de repente, comprar umas coisinhas que estava precisando em casa e foi muito complicado, até eu chegar a me acostumar. Muito complicado.


P/1 – Mas, assim, qual foi o impacto que a senhora teve quando viu a cidade?


R – Foi muito emocionante, porque as pessoas do Nordeste que chegaram para o Rio, eles vieram no carro que passava três, quatro dias em cima daquele caminhão, um caminhão coberto com uma lona, uma espécie de uma lona, com uns bancos, eles vinham… Eu já foi diferente, eu vim de avião. Transbrasil. Achei muito emocionante. Muito gostoso, sabe? Acostumar com a convivência, o modo de como viver para continuar a vida.


P/1 – E aí chegou nesse apartamento em que vocês foram todas morar, cada uma foi para um lado e como é que você conheceu seu marido?


R – Ele era o porteiro do edifício onde eu morava. Morava no primeiro andar, ele era… Quando a gente precisava de alguma coisa para resolver ia lá e chamava ele, entendeu? Chamava ele para resolver, botar um armário na parede ou verificar o exaustor que não estava funcionando direito, aí ele ia lá no síndico e chamava o síndico para verificar o que é que era, quando ele não acertava. Mas, geralmente, os porteiros eles têm um jeito de saber resolver os problemas para o morador. Muito bacana.


P/1 – Você se apaixonou? Como é que foi? Como é que ele pediu a senhora para namorar?


R – A gente sempre ia à praça, lá. Divertia. Ficava se divertindo. Eu com umas colegas. Aí eu conheci ele. Ele ficava me paquerando. E eu… Aí comecei a gostar dele. Mas só que quando eu… Antes de me casar eu tive que morar na casa da minha irmã, no Lote 15. Essa minha irmã que faleceu de 2010 para 2011… No dia de Natal que ela faleceu. Aí, a gente se conheceu. Aí eu fui morar com a minha irmã, mas eu escutava meu cunhado falando umas piadas: “É, porque tem que dar um jeito. A gente que mora vai querer os outros na casa.” Apesar de que eu era irmã da mulher dele. Tanto que eles agora, minha irmã faleceu e eles ficaram com raiva de mim, porque eu não fui ver ela em vida, porque eu não sabia que ela ia chegar a falecer. Já estava com uma dor no estômago e aí minha sobrinha ficou sabendo que ela não ia sobreviver daquela doença e levou ela para lá, ela morou ali perto do Centro Pan Americano, ali perto do fluminense. Aí ela levou ela para lá, que ela tinha condição de levar ela no médico particular e as coisas que ela estava necessitando. Eles ficaram com raiva de mim. Vai fazer dois anos agora no final desse ano que eles não deram mais notícia para mim. Nem meu cunhado, nem minha sobrinha.


P/1 – Mas aí você foi morar com essa irmã…


R – … Aí me casei. Me casei. Falei para minha mãe. Fui lá na Paraíba, falei para minha mãe que eu ia me casar. Ela falou: “Você não vai sofrer, não, minha filha? Casar com esse rapaz? De repente ele vai beber, vai te maltratar.” Não deu outra coisa.


P/1 – Seus pais vieram pro casamento?


R – Não. Aí…


P/1 – … Como foi o casamento?


R – O casamento foi… Eu trabalhava num escritório, de secretária, lá na Álvaro Alvim.


P/1 – Ah, você já estava trabalhando como secretária.


R – É. Eu trabalhava de secretária num escritório de contabilidade. O pai da moça era contador e ela era advogada. Lá na Álvaro Alvim. Aí as minhas colegas que trabalhavam lá, a escriturária, a outra que auxiliava a escriturária, a menina do departamento pessoal, o pessoal do escritório tudo foi no meu casamento. Eu me casei na Praça da Bandeira. Depois fui morar, vim morar aqui na Baixada onde eu moro hoje. Até hoje eu moro lá, há 42 anos. Me casei com 29 anos, só tive dois filhos, um casal. O menino… Tem o rapaz, o mais novo tem 28, a menina tem 32.


P/1 – E onde vocês foram morar?


R – Aqui em Campos Elíseos. A gente comprou um terreninho, construímos uma casinha, é onde eu moro até hoje.


P/1 – E ele continua trabalhando de porteiro?


R – Ele continuou trabalhando de porteiro, mas depois ele achou muito difícil ficar trabalhando de porteiro, que ganhava muito pouco. Ele foi ser autônomo, trabalhar de autônomo, de marceneiro, porque ele sabia fazer umas atividades. Mas ele já faleceu em 2000.


P/1 – Vocês ficaram quanto tempo casados?


R – Vinte e um. Mas ele faleceu, foi atropelado porque ele era… Tinha problema de alcoolismo, ele era dependente químico do álcool.


P/1 – Mas sua mãe quando disse aquilo, ela já sabia que ele bebia?


R – Não. Como que se diz? Pressentimento que ela teve que eu ia sofrer por causa do negócio de bebida. Aí eu fiquei… Mas eu não escutei, não. Porque quando a gente não escuta a gente paga um preço. Porque não escutei, sofri muito, porque ele era dependente químico do álcool e aí sofri. Só parei de sofrer coisas que ele fazia quando meus filhos cresceram, porque aí eu abri o olho dele e falei assim: “Ó, meus filhos estão aqui me dando um apoio, na próxima que você fizer comigo eu não vou te aceitar como… Ficar no mesmo teto que você. Você vai viver a sua vida e eu vou viver a minha com meus filhos.” Aí foi o que aconteceu. Passados, assim, 21 anos de casados ele chegou muito bêbado em casa, aí eu fui fechar a porta bem devagarinho para sair para ir à casa da irmã dele, que morava atrás da minha casa. Ele percebeu… Como ele não me alcançou no caminho que eu fui, ele pulou o muro e me agrediu. Aí me deu uma banda e eu caí com o rosto no chão. Tem até uma cicatriz aqui, abriu aqui, uma parte aqui, aí ficou sangrando. Aí eu chamei o meu vizinho: “Naldo, me socorre aqui.” Aí ele veio lá em casa, ele estava lá bêbado, falando assim: “Ah, eu não sei, eu não percebi, não. Não sei.” E aí ele: “Poxa, já falei para você que a tua mulher é uma mulher que gosta de trabalhar, você fica maltratando ela, fica fazendo essas coisas. Para com isso.” Aí eu perdi muito sangue… Ficou tudo escuro. Aí fiquei chateada e larguei ele, falei que eu não queria mais ele embaixo do mesmo teto. E ele foi morar na casa da mãe dele. Mas ele mesmo assim, morando na casa da mãe dele, ele me perturbava muito. Quando ele bebia, pulava a janela, sabia que a porta estava fechada, pulava a janela: “Se já pulou a janela aqui, espera aí, que eu vou chamar a tua irmã, vou chamar o teu cunhado para levar você para casa.” Mas era uma luta, ele morreu em 2000. Então, de 1999 para passagem de 2000.


P/1 – Mas aí você já estava separada?


R – Estava separada.


P/1 – E quando vocês casaram você continuou trabalhando?


R – Continuei trabalhando.


P/1 – Sempre trabalhou fora?


R – Ele trabalhava como autônomo de marceneiro. Fazia essa atividade…


P/1 – … E a senhora?


R – E eu trabalhava… Aí eu parei de trabalhar em casa, comecei… Ele botou uma tendinha, tipo uma tendinha, que as minhas colegas até: “Como é que vai a tendinha?” “Tá bem, vendendo umas coisas lá.” Aí a gente estava saindo do emprego… Eu trabalhei seis anos lá nesse escritório de contabilidade lá na Álvaro Alvim. Ainda existe ele. Ela é advogada, doutora Eliane, e o advogado e contador, doutor José de Oliveira Bruno. Não sei se você já escutou falar. Muito falado no Rio esse contador. Aí, eu parei de trabalhar, compramos umas coisas e montamos assim tipo uma... Não restaurante, mas uma imitação. Tinha bebida alcoólica, tinha bebida de refrigerante. Aí a gente… Eu já tinha saído do meu emprego, com o dinheirinho que a gente, que eu tirei, eu comprei, botei umas coisas assim de cereais: feijão, arroz, fubá, umas coisas assim. Aí o meu cunhado, ele estava de sócio lá no meu terreno, que eu moro até hoje e ele mora até hoje lá, aí ele disse: “Ó, eu vou entrar de sócio assim, você vai continuar, se você quiser continuar trabalhando, eu vou botar a minha mulher para ajudar você.” Mas foi o tempo que não deu certo, porque ele queria a parte maior do rendimento do comércio. Aí ele queria a parte maior. Depois, aí, o meu esposo ainda estava comigo, aí ele resolveu fazer um acordo: “Então, você fica com isso aqui e tal, toma tanto, ou então fica com a casa lá. Porque aí que não vai me pagar mais as parcelas que faltam daquele pedaço do terreno que eu fiz o acordo com você.” Aí foi assim que a gente fez. Aí depois que ele faleceu, quando ele faleceu eu fui enganada, eu não tinha dinheiro nem para mim é… Uma passagem daqui para Caxias. O advogado e o papa seguro, que é pior até do que o papa defunto. Descobriu o meu endereço, veio lá. Andou comigo, não sei, da Penha, a Avenida Brasil, e me levou lá naquele prédio, eu acredito que foi aquele que caiu lá agora. Era o escritório dele. Aí toda hora uma pessoa ligava: “E aí, como é que está?” “Tô indo, estou a caminho do escritório, calma.” Aí o telefone já estava ligado lá, o celular ligado lá num fiozinho, numa bateria lá, aí ele me falou assim: “Ó.” Me chamou e falou que eu não podia falar nada para ninguém, que eu ia assinar aquele documento e o meu marido não ia ficar em cima do chão. Porque o ser humano quando morre, a lógica é enterrar o mais possível, e ele não ia ficar. Aí ele me convenceu, ele me deu mil reais e mandou eu assinar um papel como se ele tivesse me dado cinco mil reais, entendeu? Oitenta… E setenta e nove centavos, eu assinei, ainda tem esse papel lá nos meus papéis. Aí ele me enganou, ele falou que o enterro foi mil e duzentos, quando na verdade o enterro naquela época, em 2000, em 1999 para 2000… Era, faltavam poucos dias para passar para 2000, a passagem do ano…




P/1 – … Mas o que era esse dinheiro? Eu não entendi.


R – Que ele foi atropelado por um homem aí na Figueira.


P/1 – Aí era o seguro que ia receber?


R – Era o seguro DPVAT [Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de via Terrestre], que antigamente eles não divulgavam, agora hoje eles divulgam ali nos postes, nas paredes ali, nos muros, que a pessoa que é atropelada, que sofre um acidente em via pública tem direito a uma indenização. E eu não vi essa indenização. Eles ficaram com ela, mas eu não pude fazer nada. Como eu sei que existe muita maldade, deixei para lá, eu não recorri, eu não falei para ninguém isso. Aí meus parentes que estavam… Ele sabia fazer muitas atividades, o meu marido, e ele ensinou esse irmão dele. Ele hoje faz qualquer atividade numa casa, qualquer atividade, assim, de construir do… É, deixar a casa toda bonita, no ladrilho, tudo, tudo. Aí ele falou assim: “Eu estava em Valença fazendo a casa da minha irmã, por que que você não me procurou?” Digo: “Ah, é difícil, eu não sei onde vocês se encontravam.” Não tinha telefone, não tinha celular, não tinha nada. A gente, era difícil de ter um telefone. Hoje em dia é comum ter telefone em casa, ter telefone celular, mas nessa época não tinha como me comunicar para gente fazer o enterro e eu não assinar esse papel para ele ficar com o meu dinheiro. Aí foi assim que aconteceu.


P/1 – E aí a senhora estava em qual trabalho nessa época? Como é que a senhora ganhava dinheiro?


R – Não, não tinha… Eu não estava… Eu estava fazendo as atividades do lar, só costurando, fazendo uns consertinhos. Mas eu nem sabia ainda, eu nem tinha ideia de que eu ia fazer curso de costureira…


P/1 – … Aí você fez depois?


R – E adaptar, fazer conserto e fazer roupa, consertar, ser… Me comunicar com pessoas que sabem o que eu faço. Era do lar, eu trabalhava nas coisas de casa, só tomava conta dos meus afazeres de casa, só. Porque eu não tinha atividade. Eu nem sabia que eu ia… Nem tinha como.


P/1 – Mas quem dava o dinheiro, quem sustentava a casa era o seu marido?


R – Era ele. Mas aí…




P/1 – … Aí quando ele morreu?


R – Eu fiquei numa dificuldade, porque ele era muito ruim para mim, ele trabalhava, ganhava um dinheiro bom, mas só que ele já deixava na rua, na bebida, chegava em casa sem dinheiro. Aí eu não gostava, começava a falar como era que eu ia fazer, aí os meus vizinhos, os meus parentes, os meus amigos me davam, me davam cinco quilos de arroz, outro me dava dois quilos de feijão, outro dava um leite para os meus filhos, que tinha um que me dava, que…

Quer dizer, não eram meus filhos, era meu neto. Uma neta que eu tinha que faleceu por causa, dessa neta que eu crio e ela tinha, estava misturada com negócio de traficante, sabe? Na área onde eu morava estava muito mesmo… Botava boca de fumo e eles ficavam perto porque… Não sei porque que gostavam de ficar perto de traficante. Aí eles,aí ela saiu, chegou um cara encapuzado… Aí ele falou: “Onde é que mora a Ana Paula?” E Ana Paula era minha filha. Mas só que tinha outra próximo. Mas só que ela escutou e foi para casa de uma amiga. E a gente não sabia para onde ela tinha ido. Aí meu marido, como ele percebeu que ela não tinha voltado no final do dia, no dia seguinte ele saiu de bicicleta e foi procurar ela na casa da madrinha dela ali na Vila Maria Helena. Aí foi quando ele foi atropelado e morreu.


P/1 – E aí a senhora…


R – … Eu fiquei passando dificuldade, porque quando eu fui no INSS [Instituto Nacional do Seguro Social] para dar entrada para receber a pensão, eles falaram que ele não tinha, não estava continuando a contribuir com o INSS, que tinha perdido a carência. Aí eu deixei para lá. Deixei, foi quatro anos e meio, quase cinco anos, que ficou nesse período sem eu ter condição nenhuma para eu ter um dinheiro para continuar a vida, comprando as coisas para o meu filho, para minha filha. Aí foi quando… Eu encontrei com a amiga, essa amiga falou assim: “Vem cá, tu tá recebendo a pensão do teu marido?” Falei assim: “Não, porque eu fui lá e falaram tá que perto ainda da carência.” Ela disse: “Olha, tu vai fazer o seguinte: tu pega todos os documentos dele que você tem, os carnês, o teu, que você pagava, o dele, vai lá em Primavera.” Aí assim eu fiz. Não fui em Primavera, eu fui em Caxias. Aí quando chegou lá, ele tinha um nome… Tinha cinco nomes igual ao nome dele, Miguel Cassiano de Araújo. Cinco nomes. Aí já teve homônimo, como é que chama?


P/1 – É.


R – Não tem como, não. Aí já foi mais um ano. Aí eu encontrei com essa colega: “Ah, não está existindo isso, não. Você era casada com ele. Vai lá em Primavera. Vai lá em Primavera.” Aí foi quando eu fui lá em Primavera, aí dei entrada, levei os papéis, tudo. Aí dei entrada, aí saiu. Com menos de três meses eu já estava recebendo a pensão. Quando eu comecei a receber a pensão aí melhorou. Meu filho já era adolescente, estava querendo jogar, todo dia tinha que ir lá na República e era levar ele para jogar futebol. Depois aí ele foi estudando, foi melhorando de situação, ficando mais adulto, aí veio um programa da criança… Não tem um programa aí na Petrobrás que eles levam as crianças para estudar? Aí ele foi. Ele tocava um instrumento quando tinha apresentação lá na Petrobrás. Aí a menina falou assim: “Ó, o Paulo já foi promovido para estudar lá no… Fazer um curso em Caxias, lá na cidade.” Como eu conheço a cidade, aí eu levava ele. Aí eu levava ele até a van, para van levar ele lá para fazer o curso. Depois aí ele não passou nesse período.
Aí eu falei assim: “Não, eu assumo. Pode deixar que eu vou assumir e vou levar ele para lá para continuar o curso e ele vai passar.” Aí fiquei apelando, orando para ele passar. Todo dia eu ia para Central com ele, aí ia por ali pela Gomes Freire, levava ele lá nessa casa onde ele estava fazendo o curso. Depois ele passou e aí deram um emprego para ele nas Carmelitas, ali perto da… Na Lapa. Aí ele trabalhou lá com a carteira assinada, depois ele saiu de lá e foi trabalhar no Bndes [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] ali perto da Petrobrás, no prédio da Petrobrás, ali. Daí, depois, aí, melhorou, porque ele já ficou adolescente, começou a se inteirar com os amigos e arranjou emprego aí na Petrobrás. Aí ele trabalhou um tempo aí na Misel, depois ele foi mandado… Aliás, ele começou a trabalhar de fazer sorvete, confeccionar sorvete em uma sorveteria. Depois ele conheceu os colegas dele aí ele foi trabalhar na Reduc. Depois quando ele saiu da Reduc,

ele já estava mais inteirado, tal, aí ele arranjou um emprego na Odebrecht, lá em Itaguaí. Agora que ele tá trabalhando lá.


P/1 – E todo mundo contribui para o orçamento familiar. Como é que a senhora descobriu esse projeto?


R – Descobri esse projeto?


P/1 – Como você ficou sabendo?


R – É que a minha neta fazia parte do programa da criança da… Que aí eles têm um projeto das crianças, pegam as crianças. Todo final de ano tem… Eles levam as crianças para as festividades, tem uma madrinha. Aí eu ia levar ela lá na igrejinha, para o curso, para as atividades. Mas só que aí eu conheci a Isa e a Isa começou a me chamar para: “Não quer participar de um projeto que a gente está fazendo, está abrindo aí? Vem na reunião.” Daí, eu fui na reunião, aí foi quando eu comecei a participar do projeto.


P/1 – Que ano que foi isso?


R – E agora para mim me lembrar? Dois mil e dez, 2009. Eu tinha saído da ONG [ Organização Não-Governamental] que era onde eu trabalhava de costureira, lá nessa ONG, que é ali na Avenida São Paulo, nos Campos Elíseos, no Jardim Primavera. Aí eu fui… Aí a gente se encontrava sempre na igreja, aí ela me encontrou e perguntou se eu queria participar. Aí eu fui à reunião.


P/1 – Mas o que ela falou? O que ela te disse?


R – Ela disse: “Inês, a gente tá abrindo um projeto de fazer algumas atividades para melhorar a vida, o nosso sustento. Tá a fim de participar?” Eu digo: “Tô. Quando é a reunião?” “A reunião é dia tal lá na igrejinha.” Aí a gente ia.


P/1 – Mas ela não falou que negócio que era? Só falou que era um negócio.


(Troca de fita)


P/1 – Aí ela falou alguma coisa sobre o que era o projeto? Ela falou alguma coisa para senhora quando falou: “Vamos à reunião lá, para falar do projeto”? Explicou o que era?


R – Não, a gente não tinha noção do que é que era. Não tinha noção. A reunião já era para falar de melhoria para as senhoras que tinham dificuldade na convivência… E não sabia o que é que era.


P/1 – Aí a senhora foi à reunião e quem que estava? O que acontece?


R –É, você está sempre tendo encontro. E chegou uma vez que teve esse encontro dessa realização, dessa Trama Ecológica, Construindo Oportunidades. E a pessoa saber o que a pessoa quer ser com o passar do tempo. Porque quando a gente… Hoje você tem um filho e já sabe. Meu filho quer ser bombeiro. Aliás, meu neto, filho do meu filho, quer ser bombeiro. A minha neta, que eu crio, tem 13 anos, ela falou que quer ser veterinária. Cada um escolhe, já. Mas nesses encontros fica só… Encontros, reuniões e sem saber a finalidade… Saber onde que ia chegar nesse projeto Construindo Oportunidades e… Não sabia.


P/1 – E aí como é que vocês foram decidindo? Quem que organizava, esse pessoal do Trama Ecológica que fazia as reuniões?


R – O Elan.


P/1 – Que é do Trama Ecológica?


R – É. Ele que é o presidente desse… Ele levava…

Aí eles começaram fazendo na mão o sabão, pegavam um recipiente, botavam o material, aí…


P/1 – Peraí, só um pouquinho. Como é que vocês descobriram que vocês iam trabalhar com sabão? Porque vocês estavam vendo que projeto que vocês iam desenvolver, é isso?


R – Mas foi lançado através do presidente, o Elan. Ele falou que… Uma coisa boa que ia dar dinheiro, gerar uma renda boa, era fazer sabão. Aí começaram a se inteirar. Veio um professor lá da faculdade, um químico, para orientar como fazer o sabão, como era que fazia. E começaram a fazer o sabão na mão, num recipiente de plástico, botava o material, mexia bastante, depois fazia o sabão e deixava as barras, as partes inteiras porque ainda não tinha máquina de cortar. Quando foi conhecendo pessoas que se interessaram em fazer a máquina de cortar, que é aquela ali. Corta as barrinhas e quando tira da bandeja ali, bota numa placa ali, numa máquina, aí vai manejando com a mão e sai as barras inteiras para cortar ali naquela máquina. Aí foi quando a gente começou a progredir, cada menina que a gente chamava para participar: “Ah, não quero ir, não, porque ganha pouco.” “Menina, a gente se inteirando vai dar certo.”


P/1 – Em quantas vocês eram nesse começo?


R – Eram dez, mas foi saindo, umas foram aprendendo e fazendo em casa, outras não quiseram, porque a renda era pouca, era muito pouca, achavam muito devagar para chegar e saber que estava ficando bom ganhando um dinheirinho. E agora só tem Valéria, eu, a Silene, a Ilza. Agora só tem nós, praticamente cinco meninas, só. Porque elas dizem que tem vergonha de sair para vender, quem mais vende sou eu, porque eu divulgo, eu faço, eu saio divulgando. Aí o pessoal: “Aí, mas eu adorei aquele sabão.” Tem um moço que vendeu a moto para o meu filho, eu que financiei, porque o meu filho não tinha condição e aí ele vem lá sempre pegar cinco potinhos do sabão, ele leva de cinco potes: “E mesmo minha patroa adorou aquele sabão.” Quer dizer, de vez em quando ele me liga que ele vem passar lá em casa para pegar. Eu sou a que mais vendo, porque eu divulgo. Eu saio falando: “Você já conhece? A gente está com um projeto, aí a gente faz uma reciclagem de óleo de cozinha, da fritura, a gente acumula num recipiente e faz o sabão, lá na Saraiva. Você já conhece?” “Não, traz aí para eu conhecer.” Aí eu levo: “Ó, eu adorei, pode trazer toda semana? Pode trazer três potinhos para mim.” A moça da padaria. A outra toda semana, todo mês, de quinze em quinze dias leva quinze barrinhas para ela, que ela usa no restaurante. E assim eu saio divulgando, eu sou a que mais vende. Eu vendo 300 reais de sabão por mês. As outras têm vergonha de divulgar, de falar. Fala que tem vergonha. Eu não preciso sair nem de casa para vender, em casa mesmo vai toda hora vai gente me procurar para vender, para comprar, aliás, o sabão. A pasta é ótima, o limpa tudo é muito cheiroso, o banheiro fica muito limpo e muito cheiroso.


P/1 – Como é que vocês aprenderam, quer dizer, vocês receberam oficinas desde o começo? O que foi ensinado para vocês?


R – Fazia na igreja, através das mães das crianças que fazem parte do projeto da igreja lá, que eu falei agora pouco, para levar as crianças para participar de atividades: os meninos jogar futebol, as meninas fazer ballet ou então aprender a fazer atividades de reciclagem, fazer colagem, fazer trabalho de chinelo, assim, de continhas com a fita, que a gente aprendeu também lá com a Isa. Ela levava, chamava as meninas para fazer, para ensinar, para as crianças não ficarem na rua, para não se misturar os negócios de droga, ser usuário, se misturar. Aí ela leva essas crianças para ter atividade. As mães são pobres não podem dar sustento, aí eles… Nesses projetos eles dão alimento para as crianças, dão comida, dão café, lanche. Aí era lá na igreja. Aí eles tiveram, nós tivemos uma doação dessa máquina ali. Veio da Itália. Veio para o Brasil e o agraciado foi esse projeto. Aí deixamos lá a máquina, fazia lá, ia um pessoal da faculdade lá, estudantes, para ver as máquinas.


P/1 – Mas eles ensinavam tudo para vocês, como que fazia?


R – Deu as apostilas para gente, está com a Isa as apostilas. Nesse período que nós estamos indo, a gente vai ter que aprender a fazer sabonete, agora. Porque já sabemos fazer o sabão líquido, o pastoso, o em pedra. Eu também, em casa, através desse projeto, faço Veja caseiro, que eu vendo muito. Aprendi a fazer. O moço que foi ensinar a fazer o sabão, o limpa tudo, ele me ensinou. Aí eu faço em casa, Veja caseiro. Fica cheirosinho, eu passo no chão da minha casa, no banheiro, limpa a geladeira. Fica cheirosinho. Veja caseiro.


P/2 – E voltando um pouquinho ao Reciclorium, a população aqui do bairro doa o óleo para vocês? Quer dizer, vocês conseguiram envolver a população para doação do óleo usado?


R – A gente conseguiu falar para eles, convencer eles que jogar óleo no esgoto vai poluir o meio ambiente e jogar na pia vai entupir, vai criar problema no esgoto. E aí foi quando eles… Eles estão cientes. Tem gente, muitas pessoas que conhecem a gente que marcam para ir apanhar o óleo. Vai apanhar… Tem o telefone no papelzinho que tem na mesa ali ou aqui mesmo quando a gente tem atividade, aí eles: “Como é que faz para doar esse óleo, aí?” “Liga para esse número aqui que o rapaz vai lá e pega.” Aí eles estão cientes que não pode desperdiçar o óleo no… Assim, para não poluir o meio ambiente, prejudicar o meio ambiente.


P/1 – Mas eles trazem até aqui o óleo?


R – Não, eles marcam um lugar para pessoa apanhar. Por exemplo, aí em Primavera eles marcam no Ciep [Centros Integrados de Educação Pública]. Eles ligam para lá, o Elan vai lá e pega. Aqui em Campos Elíseos muitas pessoas levam na minha casa, aí eu trago no meu carrinho, no meu carrinho de feirinha. Meu companheiro botou… Meu companheiro, que ele é muito curioso, ele conserta ventilador, bomba de água, fogão, reforma fogão, qualquer coisa de fogão que tenha problema ele entende. Aí ele botou uma rodinha fixa de carrinho de bebê no meu carrinho, aí eu trago o óleo, boto ali, trago as vasilhas para fazer… Reciclando também os vasilhames, porque a comprou também um material para fazer, para botar o sabão, mas só que esse material era muito frágil, quando a gente botava a esponja para usar ele rachava. A gente está fazendo, usando as cumbuquinhas de manteiga, que a gente acha… Tem uma menina que acha e leva lá para mim. Tem semanas que eu trago 30, 40 cumbuquinhas. Aí a gente bota ali de molho no sabão e lava, e bota sabão… Esse potinho pequenininho, ele quebra à toa. Então a gente está vendo como… Faz a reciclagem também dos potes de manteiga, que ele é forte e cabe 500 gramas de material nesse potinho.
A gente vende por R$ 2,50, no mercado é quase R$ 4,00, e a gente vende por R$ 2,50. Vende muito, muito mesmo. Tem gente que compara logo de cinco potes, seis, porque aí é um material que vai valer a pena. Quanto mais usa mais ele rende, porque ele não estraga, ele não fica mole igual àquele que a gente compara no mercado, o Neutral, você bota perto da pia ele desmancha, fica aquele mingau, o nosso não, o nosso é consistente.


P/1 – E como é que é feita a divisão, assim, do trabalho? Tem alguma pessoa que é responsável por fazer, outra por vender? Como é que se divide, vocês se dividem para fazer o trabalho?


R – A gente… A participação é completa, assim, toda segunda-feira nós fazemos o sabão aqui.


P/1 – Todas juntas.


R – Todas juntas. Eu vou fazer a atividade de encher os baldes de água ali. Quantos litros de água leva o material, a dosagem que a gente faz do sabão, eu vou, fico na água. As meninas, duas vão coar o óleo ali fora, num coadorzinho, para não sair com detritos tem que sair bem coadinho, direitinho. Aí traz para cá, a Isa vai botando ali, outra já está lavando as vasilhas, que a gente deixa de molho ali no sabão. E é em grupo. A gente pega as bandejas grandes que tem ali, aí a gente bota ali embaixo, mas a gente não pode ter acesso a elas em hora nenhuma, assim, quando tá saindo da máquina, para botar e ter a mão perto dali porque queima. Até um pinguinho se cair no pé da gente ele queima, fica ardendo muito, por causa da soda cáustica. A participação é íntegra. Cada uma delas participa do modo que pode, que é preciso. Na semana seguinte, uma bota a máquina ali, aquela máquina que está lá no canto, ela tem um espaço lá que desfaz, bota o sabão, vai pondo as bandejas, bota lá e corta em pedaços, assim, as barras grandes e o pedaço é cortado naquela máquina ali pequenininha. Aí cada uma faz uma atividade. Uma auxiliando a outra, a outra já vai embalando, já vai botando tudo num saquinho, já vai pegando a embalagem e deixando organizado para vender.
Cada uma leva uma parte para casa, para vender. Uma leva trinta pedaços, a outra leva quarenta, outra leva cinquenta. Eu já levo, já fico com olho grande, levo cem. Toda semana eu levo… Hoje ela somou aí, para eu prestar a conta da semana, está faltando vinte, vinte e um pedacinhos para eu fazer trezentos. Sou a que mais vendo porque eu divulgo. Vou conversando com as minhas amigas: “Você já conhece o projeto que foi lançado aí?” “Não, é como?” Eu falo: “Ah é, a gente fabrica um sabão aí que é muito bom, vendável, muito vendável. A pasta, a pasta limpa as panelas. A primeira esponja que você passa no potinho para passar na panela a gordura já é eliminada, a primeira vez. E as panelas ficam brilhando.” E a gente vai passando, passando e estamos aí com esse sucesso.


P/1 – Deixa eu voltar um pouco lá para trás do projeto, aquele dia que a gente fez até aquele encontro, que vocês falaram…

O que foi um dia marcante, assim, um dia que ficou na sua memória, desse processo de aprendizado, das oficinas? Alguma atividade que vocês fizeram…


R – … Mas, lá naquele Ciep, lá?


P/1 – É. Porque vocês também faziam outras atividades, não é? Na formação?


R – Só falando assim… No caso, a gente participa de seminários, nós fomos num seminário lá no Vila de Cavas. Esse seminário foi muito emocionante que eles, a comunidade de lá estava aguardando a gente para tratar de assuntos o qual esse assunto que nós íamos tratar era assunto deles lá. Um senhor, que ele chegou a falecer, ele que ensinou a comunidade, as senhoras, a fazer o sabão e ele não ensinou só as senhoras de lá, não. Ele chamou a Isa para participar desse seminário e que ela aprendeu, acabou de concluir o sabão de pasta lá com esse senhor, lá no Vila de Cavas, nesse seminário. Foi muito importante, eles estavam aguardando a gente, fizeram um almoço, fizeram um, tipo assim, uma recepção muito bacana. Café, palestra, almoço, descansou, almoçou, descansou, depois palestra. Foi muito interessante. E a gente está sempre participando de seminários. Teve um seminário também ali em Caxias. Só que agora eu não me lembro o nome do projeto que levou a gente lá…

Sindipetro, Transpetro, um negócio assim, parecido com Petro. Mas eu não lembro, assim, agora porque…




P/1 – …

E no começo do projeto, como é que era? Porque agora vocês já têm prática. Como é que foi esse começo?


R – A gente ficava meio cabreira de chegar perto, porque a pessoa que está de frente lá, que é a Isa, a moça, a irmã da moça da casa, ela tem que usar luva, máscara, bota, luva, porque aquilo ali, quando está botando a soda cáustica lá em cima naquele recipiente, naquele depósito, para passar para cá, ele é muito perigoso… Aquela mistura se chegar próximo da pessoa, queima a pessoa. Aí a gente ficava meio cabreira, hoje não, hoje a gente já aprendeu uma prática aí. A gente não usa aquele material lá de cima, não. A gente bota primeiro o óleo aqui, coado, depois a gente mistura a soda cáustica que já misturou tudo na água quente, na água, que ela fica na consistência como se estivesse quente, aí mistura. E já acabou a preocupação de estar de máscara e de luva, de bota, de… Para proteção. Aí a gente bota nas bandejas, aí vai. Na luta.


P/1 – Tem algum fato marcante, assim, que a senhora lembre? Um dia aconteceu alguma coisa que foi marcante para senhora neste trabalho?


R – Esse tema Construindo Oportunidades, eu tinha sempre, assim, curiosidade o que é que ia acontecer. Aí ficava naquela curiosidade. Eu achava aquilo muito marcante: “Não, vou aí num encontro, numa reunião, que esse encontro é, o tema lá é Construindo Oportunidades.” Então, isso aí que me despertou essa curiosidade de saber o que é que era que ia fazer, o que era que ia acontecer nesse Construindo Oportunidades. Porque quando foi concluído esse projeto que foi o feitio do sabão, eu fiquei feliz, o que mais me comoveu foi essa parte.


P/1 – Quais foram as principais transformações que esse projeto trouxe na sua vida?


R – De transformação?


P/1 – É, o que mudou na sua vida desde que você começou a fazer parte desse projeto?


R – Já começou daquele curso de costura que eu nunca ia pensar que eu ia fazer o curso de costureira. E depois eu fui dando andamento no procedimento do que eu sou capaz. Através desse curso eu fui conhecendo amigas, conhecendo meios de chegar até aqui, no caso, nesse projeto, o Reciclando.


P/1 – As amigas, assim, além das amigas, novas amizades, a senhora fez?


R – É… Amizades.


P/1 – Das amigas que a senhora tinha, porque quem levou foi a Isa, não foi, quem levou a senhora?


R – Foi porque eu chamei pessoas para participar desse projeto. Teve gente que falou: “Ah, agora eu não posso. Não posso, eu não tenho tempo. Não quero, não vou, não.” Mas aí, não quer participar, participar como… Ser comunicativa, entendeu? Não é bem assim que eu queria falar, mas o tema que chegou foi esse, de convidar e a pessoa não aceitar. Então, as amizades que eu tive para chegar até aqui foram muito importantes. É a Isa, a Guiomar, o Elan, o outro menino que também fazia, dava umas aulas, umas reuniões, fazia tipo umas reuniões lá com a gente e… E foi muito importante.


P/1 – E a renda do projeto? Ela ajuda na sua…




R – … Ajuda. Tem vezes que eu estou precisando de um dinheiro para minha neta, que eu crio, ela está precisando ir a um passeio: “Eu não tenho dinheiro, não. Vou tirar lá do dinheiro do sabão depois eu boto, quando eu receber minha pensão.” Que eu já me aposentei, eu me aposentei em 2009, 2010. Três anos, já vai fazer três anos que eu me aposentei por idade, e também eu contribuía quando eu estava nas atividades de, quando eu larguei a atividade da carteira assinada eu continuei pagando, só que chegou uma época que ficou muito difícil de pagar, aí eu parei, mas mesmo assim não implicou, não, na hora da contagem lá.


P/1 – Mas o dinheiro do projeto ele ajuda na sua renda mensal?


R – Ajuda na minha renda mensal. Quando eu estou precisando para cobrir alguma dívida de alguma coisa, aí eu tiro e depois eu coloco no lugar quando eu recebo. Me ajuda bastante.


P/1 – Como a senhora vê a importância desse projeto? Qual você acha que é a importância desse projeto?


R – Assim, em que matéria? Em que parte?


P/1 – Por que a senhora acha que ele é importante?


R – Porque é um produto que é bom. É uma coisa que é feita de, é uma reciclagem que é importante. Não é uma coisa difícil. Que se a pessoa parar para pensar, ao invés da pessoa estar contaminando o meio ambiente, a gente está ajudando com essa reciclagem desse óleo. Porque esse material jogado, por mais que ele seja jogado num lugar, enterrar, vai sair coisas dali que vai prejudicar o meio ambiente. Então, porque essa parte é uma solução muito importante para gente, para minha parte, para sobreviver, para ajudar nos meus custos do dia a dia, essa renda é uma parte muito importante.


P/1 – E o que a senhora faz além do projeto?


R – Além do projeto?


P/1 – Como é seu cotidiano?


R – Meu cotidiano é muito corrido. No dia anterior, antes de dormir, eu tenho que anotar o que eu vou fazer no dia seguinte. Hoje eu não estava pensando em vir aqui, mas a Isa já tinha me ligado ontem para vir aqui. Eu pensei que era para pegar sabão. Aí hoje ela ligou, porque eu estou sem sabão de pasta lá, porque eu estava com meu braço doendo muito aqui, que eu tenho problema de artrose, no joelho, no braço, aí eu não estava podendo. Quando eu não posso, ela leva para mim, quando ela vai para lojinha dela lá na Rua do Quintal, que ela tem um lojinha lá, ela leva e combina. Aí ela ligou: “Dona Inês, a senhora está sabendo? A Ester te falou que gente está precisando fazer uma entrevista lá, lá na Olga?” “Não, não estou sabendo, não.” Hoje eu não estava podendo, porque eu saí ontem para ajudar um senhor, porque ele é incapaz, a mulher dele abandonou ele, e ele vive num estado precário lá. Até ontem eu estava falando para as meninas lá que tinha que fazer uma denúncia, se fizesse uma denúncia… Só não quero que me atrapalhe, porque eu já ajudo o moço, eu recebo dinheiro dele, eu compro algumas coisas para ele, leite, banana, queijo, comida todo dia. Eu não estava contando que hoje eu ia vir para cá, sabe? O meu dia a dia é muito interessante, eu tenho que anotar o que eu tenho que fazer: botar fecho éclair na bermuda do fulano, velcro nas bermudas do filho de fulana, é lavar roupa… E também eu aprendi, não sei, do nada eu aprendi a fazer umas bolsas de guarda-chuva. Comecei a analisar e comecei a mostrar para as minhas colegas. Elas, assim, até no Orkut da ONG onde eu trabalhava… Aí fiz uma, depois eu fiz a outra. Eu sei fazer de quatro modos a bolsa de guarda-chuva, que eu acho em dia de chuva, quando a gente vai na rua acha lá no chão, vai lá acha aquela estampa bonita, leva para casa. Ando sempre com uma sacolinha dentro da bolsa. Levo para casa, tiro aqueles ferrinhos, lavo, desfaço e faço. Estou estudando fazer uma outra agora, um outro modelo que eu estou pensando em fazer. E faço também… Aí, nessa ONG as meninas levavam roupa íntima para vender. Aí apareceu uma menina mostrando uma toalha lá, uma canga mochila. Eu até mostrei para Estela. Ela gostou. Achou muito lindo, você viu?


P/1 – Vi, achei linda.


R – É, então. Elas mostraram, mas eu não me interessei, pensei que eu não fosse chegar lá para fazer também. Aí quando foi um dia, encontrei com uma amiga na rua: “Celinha, eu estou precisando ir na sua casa que eu estou precisando ir na sua casa para aprender a fazer umas cangas mochila que vocês estavam mostrando lá, mas eu não tenho nem ideia como é que é.” “Ah, vá lá em casa, eu tenho tanto pano lá, vá lá em casa. Mas tem que marcar, porque eu agora tô trabalhando, aí dentro, tô com meu carro agregado a uma firma aí, para levar as pessoas em casa. Eu só estou trabalhando de motorista agora.” Ela era a chefe da célula lá da ONG onde eu trabalhava, lá, ali na Avenida São Paulo. O nome desta ONG é Dona Lindu, o nome da ONG, é a mãe do presidente, Dona Lindu. Aí depois, agora que eles botaram outras pessoas para trabalhar e deram um salário, estão dando um salário para elas, mas nós mulheres, oitenta mulheres que fizemos o curso de costureira custeado pela Petrobrás e pela Sai de Baixo, nós éramos exploradas. Teve uma época que nós confeccionamos, em torno de oito mulheres trabalhando nesse dia, nós fizemos três mil vestidos para Sai de Baixo, para no final do mês eu ganhar R$ 114,00, no mês que eu mais vendi. Não era salário, era pró-labore que eles davam para gente. Aí fui me inteirando, fui conhecendo. Aí conversei com essa menina: “Vai lá em casa que eu te ensino.” Aí fui em Caxias comprar as cangas para fazer a canga mochila… Aí não sabia o que é que era, não sei, aí cheguei numa loja lá, até Favorita, tinha uma canga mochila lá pendurada: “Escuta, vem cá, quanto é essa mochila?” “Ah, é R$ 25,00.” “Então, me dá ela.” Cheguei em casa comecei a copiar, copiar, copiar. Hoje eu faço na cor que a pessoa quer. E a minha atividade é muito corrida. Eu faço a canga mochila, toalha mochila, faço carteira de botar dinheiro de caixa de leite. Muito bonita. Quando eu mostro para as pessoas: “Olha que linda, é de caixa de leite? Nossa!” Estou cheio de caixa de leite lá para fazer, mas eu tenho que ir em Caxias comprar o tecido, porque se o tecido não for muito acessível para gente acomodar ele na caixa, depois que a gente abre ela, aí não dá certo, entendeu?


P/1 – Você que inventou essa bolsa?


R – Aprendi no CD Vida, lá em Caxias. As meninas mostraram…




P/1 – … Faz o sabão também.


R – Não. O sabão a gente só participa aqui, na casa da menina aqui, na casa da Elisa. Que a gente vai passar para lá, foi bem na hora da gente passar para aquele galpão ali do lado. O Elan que comprou o terreno ali e está vendo para concluir essa obra. Em casa a gente faz. Eu fico com medo de fazer, mas eu já encontrei com uma colega de seminário, que ela tem um comerciozinho em casa, umas coisinhas lá que ela vende. Ela perguntou se ela pode ir a minha casa para gente fazer o sabão líquido que é rentável e vendável. É dois litros de óleo, dois de álcool do posto de gasolina, não é do mercado, 800 gramas de soda cáustica e dois litros de água. Dá 60 litros de sabão. Que é o que ela faz aqui. Aquele vidrinho ali, ó. Tem o mais claro e tem o mais escuro. O mais claro é porque ela fez num dia de chuva, o que parece um mel ela fez num dia de sol. Aí a temperatura, o tempo que trouxe aquela visão ali, de um mais claro e um mais escuro, entendeu? Aí tá combinado, qualquer dia desses, a gente vai juntando os materiais, os recipientes, vou cortar eles, vou comprar uma luva e uma máscara na farmácia e vou chamar ela para ela me auxiliar para fazer. Que aí melhora, porque eu já embalo ali na minha casa divido com ela. Está combinado assim.


P/1 – Mas isso dentro desse projeto ou é fora?


R – Não, é dentro do projeto. Eu aprendi aqui no projeto. Eu sei como fazer através do projeto. Que a irmã da menina, a Olga, ela também participava do nosso projeto, nessas, é que eu agora não estou me lembrando… O que tirou daqui da parede… Ela também participava, mas para ajudar o irmão dela, que o irmão dela vende uns salgados, ela se destacou do projeto. Mas ela só participa assim, que ela arranja aqui para gente fazer, a gente deixa uma parte da venda dos nossos produtos, quando chega todo dia 5 a gente acerta e deixa uma parte para ela que ela fornece um café para gente, o ambiente, a luz. Ela deixa um dinheiro para ela também desse projeto.


P/1 – Deixa eu fazer a, a gente já está caminhando para o final. Quais são seus maiores sonhos hoje? Tem um grande sonho, perspectivas, sonhos?


R – Sonho? Como… Ao que se refere? Como?


P/1 – Qual é seu sonho, assim, para o futuro?


R – Ah, o meu sonho é reformar a minha casa, que a minha casa é muito ruim, porque eu nunca tive ajuda do meu marido, da parte do meu marido, meus filhos, nunca tive. Meu sonho é reformar minha casa. Quero ter uma casa, um lar bem bonito, de cerâmica, tudo digno, porque não é digno, não, minha casa, entendeu? Através do meu esforço ou, não sei, fazer um curso para me aperfeiçoar num curso. Eu tenho vontade de fazer Teologia, fazer um curso de teologia. É faculdade, não é? Teologia? São quantos anos?


P/1 – Uns quatro anos.


R – É, mas meu sonho é reformar a minha casa. Para trazer meu filho mais para perto de mim, que ele está pagando aluguel, tá passando um sufoco, eu ajudando. Aí tem mês que o meu dinheiro está curtinho, porque eu ajudo ele. E assim era… Meu sonho era reformar a minha casa, tem espaço, o terreno onde eu moro é grande, mas eu não tenho condições. Já pensei em fazer economias mas, não sei, não dá. Não dá para sobrar dinheiro para fazer essa reforma.


P/1 – O que a senhora achou de contar a sua história para esse projeto, dar seu depoimento?


R – Importante… As pessoas… Igual a Estela, você, o rapaz ali, dando uma moral, como se diz no verbo.


P/1 – Por que é importante, a senhora acha, contar a história da senhora?


R – Em que parte?


P/1 – Não, tudo que a senhora contou, assim…




R – … Porque, assim, eu… Quando eu era adolescente da idade da minha neta, que eu crio, eu só tinha uma roupa para usar, hoje eles têm vinte tipos de roupa para usar durante a semana, cada hora é uma roupa diferente. Por exemplo, quando eu era adolescente igual a ela, eu não tinha comida para comer, eu comia de noite era farinha com café, de manhã farinha, farinha, farinha de mandioca. Botava o café na boca, comia farinha, botava o café e era o biscoito que hoje nós temos dentro da casa da gente. A minha vizinha quando ela faz um bolo de fubá, leva, sabe que eu gosto. E de noite era muito difícil de jantar, sempre tinha uma fruta grande que era para dividir para todo mundo, no caso, uma jaca. Abria aquela jaca e todo mundo se fartava. De noite mesmo, tem gente que fala que de noite não pode comer, hoje eu não como, eu só almoço porque eu não gosto de jantar, porque devido a minha idade, eu vou fazer 64 anos para semana, na outra semana, é… Se eu comer eu não consigo dormir, que eu fico… Minha barriga fica, meu estômago fica tudo pedindo para eu levantar, andar, entendeu? Eu não janto. Mas é isso que traz, essa entrevista, é eu falar como eu fui quando eu tinha idade de adolescente e hoje.


P/1 – Bacana isso que a senhora está falando, acho que é… É bacana, porque é verdade isso.


R – É uma coisa real. Muita realidade.


P/1 – Porque a senhora passou tudo isso e depois…


R – …. E quando a gente ia almoçar não tinha mistura, porque não tem da onde vir a mistura é… Carne, peixe, ovo. Não tinha. Como é que a gente fazia? A gente pegava, cortava, pegava as bananas verdes, aí descascava elas mesmo verdes, botava numa água para tirar aquele, tipo, aquele que fica assim, que eu não sei falar agora, que sai da banana verde. A gente cortava ela bem miudinha, cozinhava com o feijão e comia ela no arroz, entendeu? Era o arroz, que hoje nós temos em casa. Arroz, feijão, macarrão. Eu não gosto de macarrão, só gosto de arroz e feijão. Só como feijão e arroz. Era isso que era a alimentação de nós lá no Nordeste. Muito difícil da pessoa entender. Ter que cortar aquelas bananas bem miudinho, cortar uns bem estreitinhos, depois picar ele como se tivesse fazendo uma maionese, misturar no feijão para comer. Aquilo ali era a alimentação da gente. Quando que aqui nós temos o leite e a caixa de leite, todo dia a gente consome duas caixas de leite no dia. Na minha casa é eu, minha neta e meu neto, que vai passar o final de semana com o pai dele, mas ele não escolhe a casa do pai dele, escolhe a minha casa porque acha melhor as condições para ele ficar assistindo os filmes dele, os desenhos e a alimentação. Porque a menina que está morando com meu filho, vão se casar agora, ela fica meio assim, com a cara meio feia e ele não gosta, então ele vai para minha casa. Eu consumo duas caixas de leite por dia. Lá, minha mãe tirava, tinha cabra, ovelha, cabra, eles tiravam o leite, aí botava uma água dentro daquele leite, depois ia lá no fogão, fogão de lenha que tinha, a gente não tinha fogão, não tinha condição, nem sabia o que era isso. Geladeira? Para beber água, a gente tinha que beber água de uma jarra que eles botavam assim, de barro, botava, tampava ali, a gente ia lá e bebia aquela água, botava o pano, coava. Hoje a gente tem geladeira, tem micro-ondas, tem telefone, tem fogão, tem cafeteira. Eu ganhei uma cafeteira de presente daqui, por causa que eu que vendia mais. No outro ano eu ganhei um potinho de botar comida na geladeira. Aí a Isa profetizou que no ano seguinte ia ser melhor. Eu ganhei uma cafeteira. Perguntou o que eu ia querer, falei: “Quero uma cafeteira.” Que eu ainda não tinha, não tinha, e agora ela me deu de presente, ela comprou através da renda do projeto .


P/1 – Tem alguma coisa que a senhora queira deixar registrado? Que a gente não tocou no assunto, que não teve oportunidade de falar? Que eu não tenha perguntado?


R – Não. Só agradecer essa oportunidade.


P/1 – Eu que quero agradecer esse depoimento maravilhoso.


P/2 – Obrigada. Foi um prazer ouvir sua história.


P/1 – Muito bom.


R – Obrigada.


--- FIM DA ENTREVISTA ---