Museu da Pessoa

Reencontros

autoria: Museu da Pessoa personagem: Gilvanete Lima de França

Mestres do Brasil: Suas Memórias, Saberes e Histórias
Depoimento de Gilvanete Lima de França
Entrevistada por Julia Basso e Morgana
Rio de Janeiro, 23/09/2008
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: OFMB_HV019
Transcrito por Karina Medici Barrella
Revisado por Luiza Gallo Favareto


P/1 – Gilvanete, pra começar eu quero que você me fale o seu nome completo, a cidade e a data do seu nascimento.

R – Tá. Sou Gilvanete Lima de França, nasci na cidade

de Moreno, em Pernambuco, no dia 23 de novembro de 1943.

P/1 – E como chamam os seus pais?

R – Meu pai, Joel Luz de França e, minha mãe, Severina Lima de França.

P/1 – E eles nasceram em Recife?

R – Meu pai nasceu em Recife. Agora, minha mãe nasceu na Paraíba, Campina Grande, eu acho. Não me lembro bem, porque quase não tocava nesse assunto com ela. Ficamos muitos anos afastadas.

P/1 – E seus avós, você conviveu com eles?

R – Convivi com meus avós, que eu fiquei vários anos com minha avó, Salvina Maria de França. Ela usava Maria, usava Ingrácia, aí eu não sei, ao certo, qual que tem nos documentos dela, de França também. E ele é Floriano Luís de França, meu avô, eu lembro muito dele.

P/1 – E vocês moravam juntos todos?

R – Morávamos todos na casa do meu avô. Eu, meu irmão e mais alguns primos, filhos dos outros filhos que eles tinham. Ali era albergue dos netos (risos).

P/1 – E como era essa casa, você se lembra dessa época?

R – Lembro. Tinha uma varanda lateral, grande, comprida assim, na extensão da casa toda. Na frente da casa, ela começava pela sala e o quartinho deles, quarto dos meus avós. Aí, tinha uma outra sala, que ela usava máquina de costura, mesa pra jantar, porque ela costura muito. Eu ficava embaixo da máquina fazendo roupinha de boneca. E tinha outro quarto, do lado dessa salinha, e a cozinha. Acho que tinha dois ou três quartos, se não me falha a memória. E a cozinha, que tinha fogão a lenha, e depois saía pro quintal, da cozinha pro quintal. Tinha um banheiro também, mas não lembro, não consigo localizar o banheiro, onde que ficava. E no quintal ela tinha criação de galinha, na frente da casa tinha um jardim e esse jardim era todo... Ela fez uma cerquinha em volta do jardim, pras crianças não mexerem nas plantas dela. E, no final do terreno tinha um rio, nesse rio nós tomávamos banho. Tinha do lado da casa também, um terreno baldio, mas todo gramado, não era mato alto, não. Era rasteiro. E ali a gente corria atrás de tanajura.

P/1 – A formiga?

R – É, conhece?

P/1 – Sim.

R – Nós corríamos atrás de tanajura pra pegá-las e fazer farofa (risos).

P/1 – Ah!?

R – Eu, meu irmão, meus primos, todo mundo. Era uma turma bem grande, e ainda tinha os vizinhos.

P/1 – Como fazia a farofa?

R – Fritava pra tirar aquela parte gordinha da tanajura, e aí com aquela parte fazia a farofa. Fritava a parte da tanajura e depois botava farinha, mexia ali. Até minha vó fazia pra ajuda a gente (risos).

P/1 – E tinha gosto do quê?

R – Ah, eu nem lembro mais! Tantos anos... Eu devia ter uns... Antes dos meus dez anos, quer dizer, tem muito tempo.

P/1 – E que mais vocês brincavam, você e seus primos?

R – A gente gostava, também, muito de brincar, fazer uma brincadeira na rua, na ladeira. Tinha uma ladeira lá perto da casa da minha avó e naquela ladeira a gente brincava ali de uma brincadeira de correr. Eu não lembro o nome da brincadeira, que pegava o negócio e corria, escondia em outro lugar, sabe? E tinha uma casa de frente também, que nós brincávamos de casinha. De papai, mamãe, aí um era pai, outro era mãe, outro era filho, e brincava muito de família, como se fosse uma família. Eu gostava muito de fazer essas brincadeiras. E eu gostava muito, também, do meu avô (choro). Ele contava muita história pra gente, sentado na cadeira de balanço. Ele ficava balançando e a gente sentado, assim, dos lados dele, no colo dele, tudo em cima dele. Ele contava tanta história pra gente, tanta história... E aquilo era a melhor parte.

P/1 – Você se lembra de alguma história que ele contou?

R – Não, não lembro mais. Muitos anos. Depois ele ficou doente, teve derrame, ficou na cama alguns anos, não sei quantos, não lembro. Porque naquela época a gente não tinha aquela participação que a criança tem hoje em dia com a família. A nossa participação era... A gente não sabia de nada direito, não explicavam nada direito pra gente, nem os nomes das pessoas, direito, eu sabia. Conhecia por apelido. Minha tia, quando depois eu descobri minha tia, minha família, tinha uma tia que eu não sabia o nome dela, sabia que chamávamos ela de Anita, e o nome dela era Severina.

P/1 – Nossa.

R – Diferença muito grande. Agora, a minha avó... Do meu avô eu tenho essa recordação gostosa dele (choro). Primeira vez que eu fico emocionada por causa dessa história do meu avô. Porque minha vó era mais aquela que botava ordem e ele passava a mão na cabeça, e ela não, eram muitos netos, coitada, tinha que ver isso.
Muitos netos para ela tomar conta, porque os filhos levavam sempre os netos pra ela tomar conta. Aí, ela era mais severa com a gente, né? Então a recordação é pouca, só lembro mais dela costurando, eu pegando os retalhos pra fazer roupinha de boneca, depois eu até aprendi mesmo a costurar. Eu lembro de uma vez que meu irmão pegou um pedaço de carne seca, que eles tinham o hábito de pendurar assim a carne seca num canto da casa, perto do fogão. Ficava por ali pendurada a carne seca, aí meu irmão pegou um pedaço de carne seca escondido dela. Ela pegou aquela tira de carne seca, deu uma surra nele, com a carne seca (risos). E a carne seca, eles usavam mais no final de semana, e durante a semana ela fazia muito, não sei se vocês conhecem, farinha d´água, farofa de farinha d´água. Até minhas primas, eu pedi, eu lembrava, aí pedi pras minhas primas, quando elas estiveram aqui no Rio, pra fazerem: “Faz a farinha d´água que madrinha Salvina fazia”, eu chamava a minha vó de madrinha porque ela era a minha madrinha de batismo, então eu chamava ela de minha madrinha. Elas fizeram pra mim, mas é temperada com cebola, mais um monte de coisa e bota água e farinha. Faz aquilo, com água e farinha mesmo, mas fica gostosa. É diferente, quer dizer, é um negócio, uma comida diferente. E nós comíamos muito aquilo porque era muita gente e eles eram pobres. Essa minha tia Anita trabalhava pra poder ajudar a minha vó, porque a maioria dos filhos não ajudavam ela; davam os netos mas não davam ajuda. Então, ela tinha que fazer o que ela podia pela gente. Eu até nem lembro que escola eu estudava naquela época, não lembro, não tenho lembrança e nem recordação. Eu saí de lá no ano que eu completava dez anos e vim embora pro Rio.

P/1 – Ainda lá, você dormia com seus primos?

R – Olha, também não tenho recordação, não consigo lembrar como é que era, se nós dormíamos em quarto separado, eu não lembro, não lembro mesmo. Eu lembro que eu tinha um primo, eu até tenho foto dele, ele tinha um problema na perna, ele teve paralisia infantil. Eu achava estranho e depois, olhando as fotos, só ele tinha festa de aniversário e nós não, ninguém, só ele, só aquele neto dela tinha festa de aniversário. De certo era o pai que fazia. E o pai dos outros não se preocupava com esse negócio de fazer festa, aí mesa arrumada com enfeite na mesa. Tudo da época. Toalha bordadinha, com aquelas toalhas de renda, furadinha na mesa, refrigerante, bolo. Aí eu falava: “Pôxa, por que só o Guilherme tinha festa e a gente não tinha?”. Eu fiz essa pergunta pras minhas primas depois do reencontro. Ela falou: “Não, é porque o pai do Guilherme...” Ela me disse quem era o pai do Guilherme, mas eu não me lembro agora. Minha prima de 83 anos tem uma memória maravilhosa. E ela conta todas as histórias da família, de todo mundo ela sabe quem é pai de quem. Eu me afastei mais de cinquenta anos, eu não lembro mais do nome de todas as pessoas. Ela disse que o pai do Guilherme dava uma ajuda pra poder fazer a festa pro Guilherme. Nós nunca tivemos uma festa, nem com quinze anos, eu tive uma festa, já tava morando no Rio de Janeiro.

P/1 – E você morou nessa casa até quando?

R – Eu morei nessa casa dos cinco anos, porque dos dois ao cinco anos eu morei aqui no Rio de Janeiro. Dos cinco anos, meus pais se separaram, tiveram uma discussão, uma briga, eu ainda tenho recordação dessa briga porque ficou muito marcante. Eles foram discutir dentro do banheiro, o banheiro abria pro lado de fora, não era pra dentro da casa. Era pro lado de fora, mas dentro do corpo da casa. Eles foram discutir no banheiro e eu fui atrás. Eles saíram discutindo, aquela confusão toda. Eu só sei que minha mãe arrumou as coisas todas, arrumou mala, arrumou tudo, e nós voltamos pra Recife de navio, porque naquela época só viajava de navio. Aí, nós fomos pra Recife, demos até uma parada em Salvador, passamos em Salvador. Pra mim aquilo tava tudo normal, não achava que tinha acontecido nada demais, que eles tivessem se separado. Passando Salvador ele tirou uma foto da gente lá em Salvador, daqueles fotógrafos que ficavam na praça tirando fotos. Tiramos uma foto, ele comprou uma bonequinha, uma baianinha pretinha pra mim, me deu de presente aquela baianinha e fomos pra Recife de navio. Quando chegamos em Recife, nós não ficamos juntos, ele pegou e nos levou pra casa da minha vó.

P/1 – Aquela com quem vocês já tinha morado?

R – Não. Eu morei depois, nesse período, de cinco a dez anos, quase. No ano que eu fiz dez anos, ele foi lá me buscar de novo. Eu acho que eu nasci lá na casa da minha vó, não tenho certeza também, não. Eu acho que eu nasci na casa da minha avó, porque depois que eu encontrei a minha mãe, nós nunca comentamos sobre isso. E eu tenho aquela foto de três meses, eu não sei em que lugar eu morava naquela época, mas eu acho que era na casa da minha avó. Eu acho. Porque meu pai, quando casou com minha mãe, ele roubou minha mãe e levou pra casa da minha vó. Minha mãe foi noiva roubada. Mas minha vó não deixava eles dormir junto não, só depois que casaram. Eu fui a segunda filha. Acredito que eles ainda moravam lá, porque meu pai trabalhava na fábrica de tecidos, minha mãe também. A fábrica do meu avô, o meu avô era... Aqui tem uma foto do meu avô com quepe, com farda. Eu perguntei também pra minha prima, aí ela falou que ele era vigia da fábrica e trabalhava à noite ali, tomando conta, e usava aquela farda. De noite ele trabalhava e de dia trabalhavam os filhos, trabalhava a minha mãe, trabalhava todo mundo ali. A família, a maioria, que era a única fonte de renda e trabalho pra eles assim fora de plantações, dessas coisas, era a fábrica, que era a força lá. Eu fiquei na casa da minha vó, o meu pai foi com a gente, deixou a gente lá na casa da minha vó, e os dois voltaram. Deixaram a gente lá e saíram, pra mim eles tavam morando em Recife juntos, mas de quinze em quinze dias um ia ver. Numa semana ia um, na outra semana ia o outro ver a gente, alternados. Depois fomos pro juiz, aí foi que eu fui acreditar que realmente eles estavam separados, porque até aí eu achava que eles moravam em Recife juntos e estavam morando juntos. Mas estavam separados. Nós fomos ao juiz e chegou no juiz, aí o juiz perguntou com quem meu irmão queria ficar. Aí meu irmão falou que queria ficar com a minha mãe, aí pra mim foi muito difícil (choro). Tantos anos, mas muito difícil. Aí eu não conseguia falar, eu não conseguia dar a resposta pro juiz, só chorava. O juiz falou então, que como eu não tinha dado a resposta, então nós íamos ficar na guarda da minha avó. E nós ficamos com a minha avó. E continuamos lá, com meus primos. Aí eu já tinha consciência que eles estavam realmente separados porque até aí, não tinha caído a ficha. Nós ficamos lá, quando chegou um dia, o meu pai sumiu uns tempos e depois apareceu com as passagens, que ele tinha vindo pegar a gente. Ele tava morando no Rio de Janeiro e ele vinha embora pro Rio de Janeiro e foi nos buscar pra ficar com ele lá. Eu só dizia assim: “E minha mãe?”, aí ele não me dava resposta. Minha avó arrumou as coisas, nós pegamos e viemos embora. Foi no ano que eu ia completar dez anos. Viemos embora, não tive mais notícia da minha mãe. E não tinha fotografia, naquela época a gente não tinha essa facilidade de foto e eu não tinha foto da minha mãe. Aquela foto que nós tiramos em Salvador, eu não vi, eu só vi essa foto muitos anos depois. Sabia que tinha tirado, mas até esqueci que tinha tirado essa foto. Viemos e ficamos no Rio. Quando chegamos no Rio, meu pai apresentou a nova esposa dele, Maria, e a nova filhinha dele, porque ele tinha uma filhinha, quando eu cheguei no Rio ela tinha três meses. Ela tinha nascido em agosto e eu cheguei no mês do meu aniversário. Meu aniversário é dia 23 de novembro e ela é de cinco de agosto. Aí ficamos morando lá, com eles, depois meu pai me colocou num colégio interno. Eu fiquei quatro anos internada num colégio em Heliópolis, lá na Baixada Fluminense, aí, fiquei internada, mas foi bom, eu não tenho do que reclamar, não. Eu aprendi muita coisa, aprendi artesanato, bordar, costurar, tricô, crochê, muita coisa mesmo elas me ensinaram. E foi onde eu comecei a estudar música também. Eu estudava na academia em Nova Iguaçu e, toda aula as professoras me lavavam na aula de Música, toda semana, era uma vez por semana. Quando eu fiz quatorze anos, eu até repeti a quarta-série duas vezes porque meu pai não me tirou da escola, não providenciou outra escola pra eu poder estudar. Eu fiquei mais um ano na escola fazendo quarta série, aí fiz a quarta série duas vezes. Depois ele arrumou uma vaga no colégio das irmãs de Nova Iguaçu, no IESA, aí eu fui estudar. Naquela época, a escola era do lado da Igreja Santo Antônio, e o colégio também é Santo Antonio, das freiras alemãs. Fiquei lá, fiz admissão, ginásio, comecei Formação de Professores, mas nesse período que viemos pro Rio, a minha mãe ficou sabendo que ele tinha pego a gente e trazido pro Rio. Aí a minha mãe, o que fez? Largou tudo lá, e veio embora pro Rio atrás da gente, procurar. Ela passou dez anos procurando a gente. E não achava.

P/1 – Morando no Rio?

R – Morando no Rio e não encontrava a gente. Um dia ela soube que eu estava em um colégio interno, então ela me contou depois, que ela foi em muitos colégios internos me procurando e não me achava. Todo lugar que dizia que tinha um colégio interno, ela ia. Com isso passaram-se dez anos e, um dia, em Deodoro, na estação de Deodoro ela encontrou um amigo deles, do meu pai e dela, da época de Recife. Seu Nelson José Maria é o nome dele. Ele e a esposa dele eu considerava, considero ainda hoje, ele não existe mais, já faleceu, mas ela está viva, completa 85 anos esse ano, no dia doze de outubro. Eu sempre considerei eles como se fossem meus segundos pais, os dois. E sempre moramos perto dele. O Seu Nelson encontrou com minha mãe em Deodoro e ela perguntou: “Nelson, cadê meus filhos? Você deve saber onde estão os meus filhos”. Ele falou: “Sei. Eles moram na mesma rua que eu moro”. Ela falou assim: “Ah, você vai me dá o endereço?” Ele: “Não, eu vou te dar o endereço, você vai na minha casa, que eu mando buscar eles”. Ela falou: “Então tá”. Assim ela fez, quando chegou um dia, acho que domingo, um dia que ela não trabalhava, porque nessa época ela já trabalhava fora, aí ela foi. Olha, eu criança imaginava tanto a minha mãe, sonhava tanto com a minha mãe, “Como será minha mãe?”. Porque eu não tinha recordação da minha mãe apagou da minha mente aquilo. Eu não tinha recordação da minha mãe e ficava pensando: “Como será a minha mãe?”. No dia que eu vi a minha mãe, nossa, que felicidade tão grande. Não era nada daquilo que eu pensava, porque a gente fica imaginando, “Minha mãe, como deve ser? Será que tem os olhos claros, será que tem cabelo preto?”. Aquelas coisas toda que criança fica pensando. Quando eu vi a minha mãe já estava com vinte anos. Ela ficou, conversou com a gente, fomos lá, falamos com ela, conversamos. Ela deu o endereço dela, onde que ela morava. Na época, ela morava lá na Tijuca. Nós pegamos o endereço e começamos a frequentar a casa dela, e ela começou a ir lá também, mas nessa época meu pai morava sozinho, não tinha mulher, não morava com ninguém. A mãe da minha irmãzinha, que quando eu vim ela tinha três meses, ela já estava com dez anos, a minha irmã. E a mãe foi embora, abandonou meu pai e foi morar com outra pessoa. Eu fiquei tomando conta da casa, eu era responsável pela casa, por tudo, pela minha irmã, pelo meu irmão, eu que era a dona da casa, fazia compra, pagava as contas. Ele me dava o dinheiro e eu tinha que resolver tudo, mas foi uma fase boa. Ruim foi quando ele começou a colocar mulher dentro de casa pra tomar conta da gente. Aí foi um sufoco, mas passou também, graças a Deus. Colocou umas três ou quatro.

P/1 – Gilvanete, voltando um pouquinho, você se lembra da sua viagem de navio quando você tinha dez anos?

R – Olha, muito pouco. Eu lembro sim, que eu passava mal do balanço do navio, daquele movimento do navio. Eu passava muito mal, eu lembro disso. Aí meu pai saía andando no convés pra poder tomar aquela fresquinha do tempo. Mas muita coisa eu não lembro, não. E foram vários dias, porque essa viagem era longa, eu sei que era longa, mas eu não lembro quanto tempo que levou a viagem e nem me lembro do... Eu lembro assim, que a gente ia pro restaurante almoçar, jantar, da refeição. Eu lembro do que nós íamos fazer vagamente. E nós viajamos só nós três, eu, meu pai e meu irmão, mas não lembro de muita coisa, não.

P/1 – E quando vocês chegaram aqui no Rio, onde vocês foram morar?

R – Fomos morar em Comendador Soares, onde eu morei quase minha vida inteira de Rio de Janeiro. Primeiro fomos morar próximo de onde morava a família do Seu Nelson, morava tudo perto do Vasquinho de Morragudo, do clube que eu fui criada, é o clube do meu coração e eu fiquei Vascaína por causa do Vasquinho (risos). Porque eu gostava muito, muito, muito. Eu ia em todos os bailes e o meu pai deixava a gente sair com o Seu Nelson. Eu ia em todas as excursões, nos bailes, em tudo que tinha no clube, eu ia. O meu pai deixava com o Seu Nelson, o meu pai não ia, mas deixava. Depois o Seu Nelson mudou, comprou outra casa no mesmo bairro, mas em outra direção, contrária, mais perto da Dutra. E essa não, era perto da Supervia, que naquela época era Estrada de Ferro Central do Brasil. Seu Nelson vendeu metade do terreno pro meu pai, aí o meu pai começou a construir uma casa. Essa casa depois foi minha, ele passou essa casa pro meu nome e ele me deu essa casa. Fomos morar nessa casa e perto do Seu Nelson, sempre acompanhando. Depois o seu Nelson vendeu aquela casa, comprou outra na mesma rua e nós tamo lá, acompanhando ele, na mesma rua. Foi quando minha mãe nos encontrou. Nós morávamos na Estrada de Austin, número nove. O Seu Nelson morava mais pra cima, um pouquinho, não me lembro o número da casa dele, mas era um pouquinho mais pra cima. Foi quando fomos lá, e encontramos nossa mãe, ficamos em contato com ela, não perdemos mais o contato. Até que ela veio a falecer, mas muitos anos depois. Quando ela faleceu já foi em 1993, parece. E isso foi em sessenta e pouco que aconteceu, isso tudo. Sessenta e pouco, eu tinha vinte anos, 1963. E a minha mãe faleceu por causa do meu irmão. Esse meu irmão, aquele escurinho da foto, ele...

P/1 – Que veio com você de Recife?

R – Que veio comigo do Recife pra cá, era eu e ele. Minha mãe teve quatro filhos, mas só dois que viveram. Os outros dois morreram bebês. Aí nós... Quando chegou em 92, meu irmão sofreu um acidente, ele trabalhava na Antártica. Nessa época, eu morava em Nova Iguaçu, já tinha casado, separado. Eu morava em Nova Iguaçu, na... Não, eu morava na Estrada de Austin quando meu irmão faleceu. Quando minha mãe faleceu que eu morava em Nova Iguaçu. Eu morava na Estrada de Austin quando foram me avisar com um parente até, do Seu Nelson, sobrinho parece, Carlinhos, trabalhavam junto. Aí foram avisar que ele tinha sofrido um acidente, um carro bateu na moto dele e ele tava sem capacete, ele já tava perto do emprego dele, ele ia entregar a moto. Um carro bateu nele, ele bateu a cabeça na calçada e faleceu. Teve traumatismo craniano. Eu fui com meu pai lá em Madureira, pra avisar a minha mãe que ele tinha falecido. Mas achei engraçado que ela não entendia que era meu irmão que tinha morrido. Pra ela, era meu filho, porque o meu filho nós chamamos de Nando e ele, nós chamávamos de Nido. Aí ela: “Mas Nando, morreu. Nando, morreu! Como é que foi isso?” “Não mãe, não foi Nando, foi Nido”. Olha, depois desse falecimento do meu irmão, minha mãe ficou muito mal e entrou numa depressão muito grande. E quando chegou numa sexta-feira, eu não gostava que ela fosse lá em casa me visitar no dia que eu trabalhasse, porque nessa época eu trabalhava à tarde no Estado e trabalhava à noite. Eu gostava que ela fosse num dia que eu estava em casa de folga, porque aí eu podia dar atenção pra ela. A gente tomava café da manhã, porque ela chegava lá em casa e me acordava, aí tomava café da manhã, almoçava, lanchava e de tardinha ela ia embora. Aí eu ficava feliz. Mas aí, nesse dia tinha oito meses que meu irmão tinha falecido. Nesse dia ela chegou cedinho lá em casa, aí eu peguei e falei assim: “Mãe, a senhora vem pra cá de sexta-feira, que a senhora sabe que eu trabalho, eu não vou poder ficar com a senhora”. Ela: “Não. Eu não saí pra vir aqui. Eu saí pra ir na Igreja”. Ela frequentava uma igreja evangélica, ela gostava de ouvir o culto. “Eu saí pra ir na Igreja, mas quando eu vi, eu dei conta, eu estava dentro do trem. Aí já que eu tava dentro do trem, eu vim pra cá, né?”. Eu falei assim: “Só que eu vou trabalhar, mãe. A gente só vai poder almoçar junto e depois a senhora vai ter que ir embora e eu vou ter que ir pro meu trabalho”. E ela: “Não, não tem importância, não”. Ela virou pra mim e falou assim: “Olha, foi até bom eu ter vindo aqui, foi Deus”. Eu falei: “Por que?” “Porque eu queria te pedir perdão” “Me pedir perdão minha mãe, por causa de quê a senhora quer me pedir perdão? A senhora nunca me fez nada demais”. Ela virou e falou assim: “Não, porque eu não me conformo com a morte do seu irmão. E eu tô muito... O falecimento dele me abalou muito e eu não consigo esquecer de jeito nenhum”. Eu falei: “Mãe, mas a senhora precisa esquecer isso. De repente chega a hora da gente, nós temos que ir”. E ela: “Não, mas eu não me conformo, não me conformo”. E eu falei assim: “A senhora tá doente por causa disso, porque a senhora precisa, a senhora vai na Igreja e tudo. A senhora tem que parar com isso”. “Tá bom”. E insistindo que queria que eu perdoasse ela. “Tá bom, eu lhe perdôo, vamos embora”. Na hora de sair pra trabalhar ela foi junto comigo, passei, entrei no banco, me despedi dela ali

na porta do banco e ela tornou a me pedir perdão, de novo. Eu falei: “Mãe, já lhe falei, não tem nada pra perdoar, mas já que a senhora quer, eu lhe perdôo. Pronto”. “Não, porque eu amava muito ele, porque ele dava muito trabalho. Mas eu te amo também”. Eu falei: “Eu sei, eu tenho dois filhos também”. Aí ela foi embora. Na sexta-feira, eu fui trabalhar. No sábado, sete horas da manhã, meu telefone toca, a vizinha dela me avisando que ela tinha falecido. Faleceu de manhã cedo. Ela levantou - devia ter passado mal - abriu a porta, deixou encostada, destrancou a porta. Porque elas tinham um trato, se uma não ouvisse barulho na casa da outra, ir lá e arrombar a porta ou abrir pra ver se a porta tava aberta. A porta tava encostada, aí a vizinha entrou. Procurando ela e quando chegou assim, ela entrou no quarto, ela tava sentada numa marquesa, aquelas camas que tinha antigamente, umas camas com braço trabalhado... Ela tava sentada na marquesa, a vizinha bateu no ombro dela e a cabeça pendeu. Foi quando ela foi ver que ela tinha falecido e me ligou imediatamente. E eu fui agir. Quer dizer, ela morreu de saudades do filho. Mas eu não fiquei chateada com ela porque ela gostava mais dele que de mim, não era nada disso. Eu entendia que tem filho que dá mais trabalho pra mãe. E, às vezes, a mãe se dedica mais a ele, por causa dos problemas que eles tiveram. Ele era problema de saúde e depois que nós ficamos morando no Rio, que ele cresceu mais, ele dava muito trabalho pro meu pai. Ele era muito levado, ele fazia muita coisa errada. Um dia ele cortou uma pasta de couro de um vizinho pra fazer um bodoque. Sabe o que é? Atiradeira? Bota uma pedra. Ele gostava muito daquilo, ele cortou a pasta do homem, ele e o filho do Seu Nelson (risos). O Seu Nelson teve nove, um dos meninos, o Silas, já até faleceu também. Aí cortou a pasta do homem, uma das coisas, né? Fez muitas outras coisas, besteira de criança. Não era nada de coisa errada, não, sabe? Só besteira de criança. Aí meu pai batia muito nele, ele apanhava muito. Ele levava cada surra que meu pai dava nele, eu tinha que dar banho nele de água de sal, que meu pai mandava: “Joga água de sal nele!”. Aí ele gritava mais ainda. Eu tinha que dar, né? E meu pai era muito rígido com a gente dentro de casa. Ele não gostava que mexesse nas coisas dele e, hoje em dia, depois, por último, os filhos que ele teve por último bagunçavam as coisas dele toda. Mas nós, os três, nós não podíamos mexer em nada dele. Ele tinha uma vitrola antiga, é um móvel, abria uma porta, puxava assim e saía o toca-discos. E aquilo dele era tudo programado assim, ele fazia o rádio dele, tinha alto-falante no quarto. Ele ia se deitar, deixava o rádio ligado e era programado pra tal hora desligar. Quer dizer, hoje em dia é normal isso, mas naquela época, em sessenta, ele tinha isso. Ele fazia. Ele organizou isso, ele era muito inteligente. Ele fazia serviço de engenheiro, nessa época do Rio, ele trabalhava nas Forjas Brasileiras, em Queimados. E ele fazia o serviço dos engenheiros. Ele tinha uma capacidade muito grande, ele era muito inteligente, muito. O livro dele de Matemática, que eu vi uma vez, que ele tinha guardado, aquele livro de matemática dele, olha, segundo grau, hoje. Eu, como professora, eu vejo que os nossos alunos hoje são péssimos na matemática. São poucos os que são bons. E ele, nossa Senhora, era muito... Ele fazia os serviços de engenheiro. Entrava engenheiro na fábrica, mas quem fazia tudo era ele. Tudo era ele quem fazia. Ele era o encarregado da fábrica, essa fábrica era fábrica de peças de automóveis, essas peças de maquinaria. Não sei certinho, mas é assim, mais peça de automóveis. Ainda existe essa fábrica lá, em Queimados, na Dutra, antes da entrada de Queimados. E, antes dele ir trabalhar nessa fábrica também, ele trabalhou... Quando ele chegou de Recife, ele trabalhou numa fábrica de barbante do meu tio, que o meu tio veio pra cá, esse tio nós não conseguimos encontrar ninguém dele ainda. Esse meu tio, tio Firmino Luz de França, ele tinha uma filha já mais velha do que eu, a filha mais velha. Mas teve filha, teve mais um casal com a outra mulher que ele viveu no K11, lá onde Vicente mora. Ele viveu no K11 e tinha esses dois filhos que eu não... A minha prima sabe o nome dos dois, eu só sei o nome da garota, Irecê, porque eu tenho uma foto de aniversário de um ano dela, eu fiquei com essa foto. Não sei se... Deve ter sido das coisas do meu pai que ficou. Porque eu herdei um montão de foto antiga, minha herança. Aí ele teve mais um filho, eu não lembro o nome e eles sumiram. Ele tinha essa fábrica. Quando a minha irmã nasceu, ele tinha essa fábrica e o meu pai trabalhava nessa fábrica de barbante, dentro de Nova Iguaçu, na Bernardino de Melo parece o nome da rua, uma rua beirando a linha do trem. E a esposa do Seu Nelson ficou um mês lá tomando conta da minha irmã e da Maria, porque Maria teve o neném, aí ela ficou tomando... Ela ficou um mês lá, e mudou lá pra casa do meu pai um mês. Ela mesmo conta que morou um mês lá. Ela ainda é viva, essa que vai fazer aniversário, 85 anos, agora dia doze de outubro. Ele trabalhava nessa fábrica de barbantes. Depois não sei porque, a fábrica fechou. Então o meu tio saiu de circulação, nunca mais tivemos notícia nenhuma dele, nem dos filhos. A filha mais velha, eu soube que foi pros Estados Unidos. Eu soube, mas nunca mais tivemos notícia, Elisabete, ela sumiu, ela tinha até um nome engraçado, quando ela foi entrar para a faculdade, que o meu tio era... Como é que a gente fala meu Deus? Ele gostava do Stalin.

P/1 – O comunista?

R – Ele é comunista. Então ele botou o nome da filha de Staline (risos). Aí o que aconteceu? Ele teve que ir à Recife pra trocar o nome dela porque não aceitava na faculdade, ela com aquele nome, porque era nome de comunista.

P/1 – E era que época, mais ou menos?Setenta?

R – Não, cinquenta. Minha irmã nasceu em 53, foi antes disso. Antes de 53, muito antes de 53 deve ter sido. Não sei se cinquenta, ou 49, não sei. Deve ter sido na época de cinquenta, porque eu disso depois também, depois do reencontro. A prima contou isso, que ele foi lá, em Recife pra trocar o nome dela. E colocou Elisabete, a gente chamava ela de Beta. Aí ela... Essa sumiu também, e eles também sumiram os garotos, nunca mais nós tivemos notícia nenhuma, minha prima de Recife tentou ver se localizava e não conseguimos localizar nenhum deles. Sumiram.

P/1 – Gilvanete...

R – Você perguntou se eu lembro de todos os meus tios...

P/1 – Pode falar.

R – Eu lembro do meu tio Odilon, que era o que me escrevia e o filho dele tava no Rio, também. E ficava muito com a gente, depois foi embora pra São Paulo. Até pensei que ele já tivesse falecido, mas ultimamente eu soube que não. Eu até falei com ele por telefone. Aí tinha o tio Odilon, tinha o tio Luís, que eu achava que era rico porque ele andava tão bonito. Ele era escuro, porque o meu avô era negro, minha avó era branca, aí ele puxou ao pai dele. Ele tinha cabelo crespo, ele era bem escuro, puxado igual ao meu irmão. Meu irmão também puxou assim, na cor dele, bem moreno, bem moreno mesmo. Cabelinho crespo, meu pai também tinha cabelo crespo, mas era assim, da minha cor. Aí tinha tio Luís, tio João, tio Luís, tinha o Firmino, que foi o que veio para aqui, com o meu pai e tia Anita, que eu pensava que era Anita e era Severina. Ela tinha um problema no braço, não sei o que foi e ela tinha aquele bracinho curtinho. Tinha uma deficiência no braço e tinha uma deficiência visual também, tinha um olho cego, não sei se foi de nascença aquele olho, não sei o que houve. Mas era professora, dava aula e o que recebia era pra ajudar a criar os sobrinhos. Mas depois de um certo tempo... Ela ficou muito tempo solteira, até eu sair de lá de Recife, ela ainda era solteira, mas depois casou. Minha prima conta que ela teve quatro maridos, ela casou quatro vezes. Eu falei: “Pôxa, demorou a casar hein, mas também depois, foi um atrás do outro”. Morria, ela casava de novo. Morria, ela casava de novo (risos). Quatro vezes, mas não teve filhos, essa não teve filhos.

P/1 – Gilvanete, me fala uma coisa. Quando você reencontrou sua mãe aqui no Rio, você já tinha saído do colégio interno?

R – Já, já tava com vinte anos. Eu tava estudando no colégio das irmãs, no outro colégio, no externo. Eu já estava no colégio interno onde tem a foto com a saia grená e blusa branca era do Ginásio. E a do Formação de Professores era azul e branca. A saia era azul e a blusa branca, com cintinho por cima de normalista (risos).

P/1 – O colégio das irmãs, então já era a escola normal?

R – Já tinha escola normal. Aí eu fiz o admissão no Ginásio, que naquela época tinha admissão. Você tinha que fazer como se fosse uma prova pra poder fazer aquele ano de admissão e fazer uma prova pra poder entrar e fazer formação de professores. Aí eu fiz admissão primeiro, fiz os três anos de Formação de Professores, só que no último ano eu não fiz lá, porque foi na época que eu conheci meu marido, me apaixonei, e resolvi casar e lá não podia casada. Naquela época, não podia estudar casada na escola das freiras. Aí eu tive que mudar de escola pra fazer o último ano de Formação de Professores.

P/1 – Porque estava apaixonada?

R – Porque eu tava apaixonada.

P/1 – E como foi essa paixão aí, como você conheceu?

R – Ah... Conheci no ônibus. Eu tinha... Antes dele eu tinha uma paixãozinha por uma pessoa que me trocou por outra. Aí teve um filho com ela e resolvi sair fora dele, mas ele não me deixava em paz, vivia me perturbando. Quando eu arrumava um namorado, ele ia lá e pedia pra eu voltar. E eu boba, às vezes, voltava, mas sabia que ele... Quando eu lembrava que ele tava com a outra, não queria mais, terminava. Era assim. Nesse período, eu tava na Formação de Professores já e falei pro meu pai: “Eu quero fazer faculdade”. Ele virou pra mim e falou assim: “Você não tem nada que fazer faculdade, não. Você tem que arrumar um homem e casar, porque você está atrapalhando a minha vida”. Porque ele tava sozinho. “Eu quero me casar também”. Eu falei: “Ué, não to te atrapalhando de casar, não, casa. Eu é que não vou casar agora”. Aí ele: “Não, você tem que casar!” “Ta bom pai, quando aparecer, eu caso”. Aí foi quando eu conheci o meu ex-marido. Hoje é ex. Eu tava no ônibus, aí via aquele homem bonito, cabelo cortado assim, de militar, que ele era militar na época, ele era paraquedista. Olhos verdes, sorrindo. Sorria pra mim. Aí, eu olhei: “Eu, hein, acho que esse cara ta me dando bola”. Aí eu: “É bonito”. Aí, eu fiquei pensando né: “Ah, tô sem ninguém”. Aí conversamos. Ele falou assim: “Você vai no baile do Clube Vasquinho de Morragudo?”. Toda a minha vida eu vivi ali dentro. Aí eu: “Vou” “Ah, então, tá. Eu também vou”. Eu falei: ”Tá, a gente se vê lá” “Ta bom”. Aí fui pra casa, cheguei em casa e contei pra minha comadre que não fala comigo há mais de vinte anos, não sei porque (risos). Nem ela sabe mais, até esqueceu. Ela falou que esqueceu. Cheguei em casa e contei pra ela. Nós éramos confidentes uma da outra, nós éramos assim, carne e unha, como diz o ditado. “Solange conheci um rapaz hoje, mas que lindo, menina! Ele vai no baile logo mais. Nós não podemos perder esse baile”. Ela: “Não, nós vamos no baile”. O pai dela levava a gente. Aí fomos embora pro baile. “Tu vai conhecer ele”. Aí, fomos. Quando cheguei lá, eu fui naquela expectativa, o coração acelerado: “Será que ele vem, será que ele não vem?”. Quando eu olho ele chega. Ai, eu: “íh, chegou Solange, chegou!” (risos). Era tão engraçado. Chegou. Eu falei, assim: “Vamos ver se ele vai vir aqui falar comigo. Eu vou ficar na minha, não vou levantar pra ir lá falar com ele, não. Se ele não vier, também não vou, não”. E ela: “Deixa de ser boba”. Eu disse: “Não, deixa ele vir aqui”. Esperei, fiquei lá sentada. Daqui a pouco ele veio, encostou, chegou perto de mim, conversou, me chamou pra dançar. Aí fomos dançar. E ele muito alto e eu baixinha, nossa, que coisa horrível pra dançar (risos). Me dava uma dor na coluna porque ele é muito alto. Mesmo com salto, mas o salto não era alto demais. Aí dançamos aquela música. E depois daquela dança começou o namoro, aí

começamos a namorar. Só que ele era noivo e eu não sabia. Comecei a namorar ele pensando que ele não tinha ninguém. E ele tinha vindo justamente pra ir pra casa da noiva. Deixou a noiva em casa e foi pro baile, mas eu não sabia de nada disso, eu fiquei sabendo disso muito tempo depois. Depois que já tinha casado com ele, mas acho que ele gostou também. Ele deixou a outra e ficou comigo, mas eu não sabia. Ficamos namorando e o meu pai, quando viu que eu tava namorando, o que ele fazia? Ele deixava a gente e saía fora, pra rua. Aí fogo e palha, tu já viu, né? (risos). Resultado: tive que casar, né (risos). Casei. Aí falei: “Tem que casar”, aí casei, mas gostava muito dele, era muito bom, que homem maravilhoso. Eu não sabia também que ele era alcoólatra. Ele era e eu não sabia. Nós casamos e o que aconteceu: Ele era militar. Isso é outra história, menina, eu tinha esquecido essa história. Aí fomos. Ele virou pra mim e falou assim: “Olha, eu ganhei uns dias de licença do quartel, vamos no Paraná?” Eu: “Ah, vamos”. Minha filha, que viagem de ônibus, trinta e poucas horas e eu grávida. E ele sem dinheiro, eu pensando que ele tava com dinheiro. Eu não tinha, porque eu não trabalhava, quem tinha que prover era ele.

P/1 – Você se formou no normal?

R – Eu parei. Voltei depois, mas aí eu não pude voltar. Parei porque casei e fui embora pro Paraná, depois que eu voltei pra terminar, não pude voltar mais pro colégio das irmãs, que não aceitavam casada. Aí eu tive que ir pra outra escola. Teve um intervalo de dois anos nisso aí.
Eu peguei e falei pra ele: “Vamos”. Pra mim tava tudo normal, tudo tranquilo. Ele me chamou e eu fui. Era meu marido, “Vamos embora, vamos embora”. Fui. Deixei minha irmã porque o meu pai sumiu e deixou minha irmã e meu irmão comigo. Meu irmão já era rapaz, mas minha irmã era garota ainda. Aí eu peguei, fui e pedi a uma amiga minha, muito amiga nossa, mesmo, Dona Deolinda. “Dona Deolinda, fica com Geni? Porque eu vou no Paraná visitar os pais de Jesuíno e eu devo voltar com um mês, eu venho embora” “Ta bom”. Falei com meu pai pra ele me dar as coisas lá, ajudar nas despesas. Aí fomos. Chegou no meio do caminho, não tinha dinheiro pra comer, pra comprar água, só tinha um ovo de páscoa (risos). E fui eu comendo ovo de páscoa até lá (risos) e bebendo água quando chegava nas paradas, pedia água da bica mesmo. Aí fomos. Quando chegamos lá, fui bem recebida, receberam muito bem, tá-tá-tá e ficamos lá. Tinha uns quinze dias que eu estava lá com ele, o pai dele era delegado na época, lá em Santo Antônio do Sudoeste, que foi o lugar para onde eu fui. Fronteira do Brasil com a Argentina. O pai dele chegou furioso em casa, na hora do almoço, aí eu estranhei: “O que houve?”. Ele xingando o meu marido, brigando com ele, ele tinha saído sem autorização do Exército. Mandaram uma carta, mandaram rádio pra lá, mandando ele voltar imediatamente. Aí o pai dele botou ele dentro do ônibus e eu fiquei. Pra ele vim embora. Ficou preso porque é desertor. Abandonou e foi embora passear. E eu não sabia de nada. E sem experiência, não tinha experiência de nada...

P/1 – Que ano, mais ou menos, era?

R – Isso foi em 66, no ano de 66, que eu casei. Eu casei em março, meu filho nasceu em junho, 22 de junho. Eu fiquei lá, isso era... Nesse meio eu tava já bem adiantada da gravidez e a minha sogra não deixou eu voltar. Me prendeu lá e eu fiquei presa. Todo dia era aquela coisa, meu sogro só me chamava assim: “Minha nora chorona”. Eu chorava todo dia. Sentava na mesa pra comer, chorava, sentava pra tomar café, chorava. Todo lugar eu tava chorando. Menina, que tristeza que me deu ficar no meio de gente que eu nunca tinha visto na minha vida, uma vida completamente diferente da vida que eu vivia. Era na roça, interior mesmo. Fogão de lenha, ferro de carvão. E eu: “Meu Deus, o que é que eu vim fazer aqui nesse lugar?”. Fiquei dois anos lá, dois anos.

P/1 – Seu marido tava preso nesse período?

R – Ele ficou preso uns meses, não sei quantos meses. Aí o meu pai pegou, mandou dizer pra mim que se eu não voltasse eu ia ficar sem marido. Eu falei pra ele: “Dá dinheiro pra ele vir embora, já que o senhor ta achando ruim com ele. Porque ele ta aí, dando trabalho, dando despesa. Da mais uma despesinha, bota o dinheiro na mão dele e manda ele vir embora, porque eu não posso ir, porque o neném é novinho”. O meu pai pegou, foi e fez isso. Mandou ele vir embora pro Paraná. Aí ele foi pro Paraná. Chegou lá, ficou em casa, mas menina, ele foi expulso do Exército, mandaram ele embora, aí ele não servia mais. Fez errado, um erro muito grave. Ficamos lá no Paraná morando na casa da minha sogra, num quarto, dormindo num colchão de palha de milho, tu já viu isso? Colchão de palha de milho, minhas roupas acabaram, perdi as roupas porque engordei muito. Menina, eu usava as roupas da gravidez. Aí foi aquela tristeza, aquela coisa ruim, mas ele chegou, melhorou, pá-pá-pá, fiquei por ali. Meu sogro arrumava emprego pra ele, ele não parava em emprego nenhum, só vivia desempregado e bebendo. Aí eu: “Ah, não, não aguento essa vida desse jeito”. Aí eu sabia bordar, porque eu aprendi muita coisa no colégio interno e depois que eu saí do colégio interno eu fazia muito curso, não sei se vocês conhecem, varicor. Bordado de varicor? É uma linha de seda, brilhosinha e toda colorida, então era feito com rococó, você enrolava a linha na agulha, puxava. É um trabalho muito bonito e delicado. Aí eu peguei e pedi pro meu pai que queria vir ao Rio, porque não tava aguentando mais. O cabelo ficou aquela coisa, né? Cabelo crespo, sem tratar. Nossa. Eu: “Ai, eu quero ir no Rio, meu pai”. Escrevi pro meu pai pedindo, implorando, aí ele falou pra mim: “Arruma o dinheiro que eu te dou o dinheiro aqui”. Aí eu fui e dei um jeito, fiz uns bordados lá, ganhei um dinheiro, guardei e vim pro Rio com o garoto. O garoto tinha oito meses, meu filho mais velho.

P/1 – Ele nasceu em casa?

R – Nasceu no hospital. Lá só tinha um hospital e só tinha um médico. No hospital só tinha eu e neném só ele, não tinha mais ninguém, o hospital vazio. E minha sogra ficou comigo. Deu muito trabalho pra nascer. Foi parto normal, não tinha passagem direito, ele demorou muito tempo pra nascer, quando nasceu, nasceu com aquela cabeça comprida, assim, roxa, quase morreu o meu filho, mas ficou bom, graças a Deus. Eu peguei e vim pro Rio com ele, com oito meses, né, sozinha, cheia de sacolas, bolsa, mala, um monte de coisa, com criança pequena, mamadeira. Aí vim. Cheguei no Rio e fui pra casa dessa moça, porque a minha casa, que meu pai tinha me dado, eu deixei o meu compadre, mandei o meu compadre morar quando eu vi que eu não vinha embora e pedi, escrevi pro meu compadre pra ele ficar morando na minha casa pra tomar conta. Eu não podia voltar pra minha casa. Eu fui pra casa da dona Deolinda, onde deixei a minha irmã, aí fiquei lá. Fiquei uns tempos aqui no Rio, um mês, mais ou menos, depois voltei. Aí comprei bastante material de bordado, e fui pra lá, minha filha! Quando eu voltei pra lá, mas eu bordei foi muito. Eu bordava pra mulher do prefeito, só pros ilustres da cidade.

P/1 – Aqui no Rio?

R – Não, lá no Paraná. Eu vim ao Rio, comprei o material que eu não tinha, tratei o cabelo e voltei (risos). Cheguei lá: “Olha, gente” eu já tinha feito algum bordadinho. “Olha, trouxe material”. Comecei a bordar, levei risco, um monte de coisa e bordei, bordei, bordei. Muito bordado, mesmo, bordava muito. Agora, uma coisa que eu não aprendi a fazer, bordar à máquina e minha sogra bordava divinamente. Eu pedia a ela pra me ensinar e sabe o que ela falava pra mim? “Não vou te ensinar, não, senão você vai tomar minhas clientes”. Não me ensinava. “Você já sabe bordar à mão. Borda à mão, eu bordo à máquina. Você vai querer bordar pras minhas clientes”. Eu falei: “Que é isso? Eu não vou fazer isso com a senhora”. Mas aí, nunca me ensinou. Eu também nunca aprendi, até hoje não sei bordar à máquina. Minha afilhada pergunta assim pra mim: “Tia” - minha afilhada, mas me chama de tia - “Tia, o que você não sabe fazer? Porque quase tudo você sabe fazer”. Eu falei: “Tem uma coisa que eu não sei fazer, bordar à máquina”. Isso você pode falar pros outros, que eu não sei fazer mesmo, não aprendi, tive a oportunidade mas não aprendi. Aí eu fui pra lá, fiquei lá um tempão bordando e juntando o meu dinheiro. Eu comecei a juntar meu dinheiro. Aí um tempo eu peguei e virei para a minha sogra e falei assim: “Meu filho fez um ano, eu vou embora, eu não vou ficar aqui”. Um frio, tormenta, sabe o que é tormenta? Aquela chuva que arrasa com tudo? Eu tinha pavor das tormentas. Aí, eu falei assim: “Olha, eu não vou mais ficar aqui, não”. Ele não tomou jeito, continuou tudo quanto era emprego saía, bebia todas e eu, em casa, presa, tomando conta de criança. Não podia trabalhar porque não tinha terminado a minha Formação de Professores. Lá não tinha escola porque naquela época não tinha Formação de Professores lá. Tinha que ir pra outra cidade pra estudar. Aí, eu falei: “Não dá”. Com criança pequena, como é que eu ia? Não dava. Eu falei: “Dona (Cleides?), vou-me embora pro Rio de Janeiro”. Aí ela: “Mas como que você vai fazer isso?” “Eu vou embora, eu to juntando meu dinheiro, mas eu vou voltar. Já avisei pro meu pai, ele já tá sabendo” “Ah, então, se você...” Eu falei assim: “Mas só tem uma coisa, a senhora não vai contar nada pra ele que eu vou e não volto, não. Porque eu vou dizer pra ele que vou passar um mês e volto”. E ela foi legal comigo, não contou nada pra ele. Quando eu tava com o dinheiro que dava, aí eu falei pra ele. Porque ele dizia pra mim que se eu quisesse ir embora, eu podia ir, mas o filho ficava com ele, ele sempre falava isso pra mim. “Se quiser ir embora, você pode ir, mas o filho fica comigo”. Eu falei: “Você não tem responsabilidade, como é que eu vou deixar meu filho com você? É ruim, hein?”. Eu não quis e falei: “Eu vou escondida”. E foi por isso que eu fiz isso, vim embora e disse pra ele que eu ia voltar. Com um mês eu voltava, eu ia passar um mês no Rio. Como eu já tinha ido uma vez e tinha voltado, ele concordou. Aí eu vim pra cá, aí cheguei no Rio, já tinha pedido minha casa pro meu compadre. Meu compadre tinha desocupado a minha casa, eu fui pra minha casa, não tinha nada, ele acabou com tudo que eu tinha, meus móveis, tudo. Eu tinha a casa mobiliada de tudo, porque meu pai foi embora e deixou a casa mobiliada. Ele só comprou móvel de quarto e um jogo de sofá, que não pagou e a loja tomou (risos). E o que eu tinha ele vendeu tudo, quando ele ficou aqui no Rio. Aí eu fiquei sem nada, só tinha duas camas de solteiro. Aí eu falei: “Meu pai, me ajuda. O que eu vou fazer? Eu preciso estudar”. Aí ele: “Não, eu vou pagar seu estudo”. Aí meu pai pagou. Eu fui, me matriculei, ele me deu dinheiro, comprei material, uniforme, tudo e voltei a estudar. Fiz o último ano de Formação de Professores. Quando eu estava no meio do ano, meu cunhado chegou: “Eu vim te buscar” “Por quê?” “Porque teu marido ta lá na Argentina” “Ué, fazendo o que na Argentina?” “Ah, pegou uma mulher lá do cabaré, lá da zona, aqueles lugares que tem prostituta, pegou uma e foi embora pra Argentina com a prostituta”. E minha sogra tava pra morrer. Ai eu, boba, meu Deus do céu voltei pra lá. Cheguei lá, ele já tava lá, me esperando. Largou a mulher na Argentina e foi pra casa. E eu: “Meu Deus, por que você faz uma coisa dessas? Não é por causa de mim não, é por sua mãe! Você não respeita a sua mãe?” Falei um monte de coisa. E dessa vez levei minha irmã. Chegamos lá, ficamos lá uns dias. Eu vi que não tinha jeito de eu voltar a estudar e a minha irmã também, era muito ruim. Eu falei assim: “Quer saber de uma coisa? Você fica aí, que eu vou-me embora de novo pro Rio”. Aí voltei de novo pro Rio. Eu nunca tive medo de nada, aí vim embora. Cheguei aqui voltei pra escola de novo, que eu tinha trancado minha matrícula, pedi transferência, peguei fui lá, devolvi tudo pra minha escola e pra escola da minha irmã. Aí meu pai tornou a pagar. Terminei o ano. Quando chegou no final do ano, eu escrevi uma carta pra ele dizendo: “Olha, se você não chegar até o dia 31 de dezembro, não precisa mais voltar porque eu não vou querer mais você dentro da minha casa”. No dia 31 ele chegou. Aí eu tive que aceitar (risos). E fiquei. Terminei Formação de Professores, entrei logo pra prefeitura de Nova Iguaçu, fiz concurso, entrei pra prefeitura, arrumei mais uma escola particular. E uns anos depois resolvi fazer faculdade. Aí fui, fiz faculdade, comecei a fazer... Fiz a prova, passei. Fui fazer a faculdade. Aí fiz Ciências Biológicas, maior sacrifício.

P/1 – E como você escolheu esse tema?

R – Eu não queria isso, não. Eu queria Nutrição, mas não podia. Então era o que eu podia. Eu escolhi dentro daquilo que tinha perto de mim, que eu podia fazer. Era a faculdade que tinha, que tava começando. Foi o segundo ano da faculdade, quando eu entrei, a Unig. Eu peguei e falei assim: “Vou fazer minha faculdade”. Aí fui. Não perguntei nada pra ele, porque eu já ganhava meu dinheiro. Fui, trabalhei, paguei minha faculdade, quando não podia, meu pai ajudava. Meu pai sempre me ajudando. Fiz a faculdade, aos trancos e barrancos. Tinha dia que os colegas jogavam a carteirinha dos carimbos do pagamento pela janela (risos), que era assim: um subia, o outro tava atrasado com o mês, aí um subia e jogava a carteirinha e a gente pegava e entrava com a mesma carteirinha. Dois, três, entravam com a mesma carteirinha. Naquela época tinha essas condições, agora não tem mais, porque tinha que mostrar o carimbo do mês pago. A gente subia, jogava pela janela, e o outro pegava, dava a volta, e assim fazia. Consegui terminar minha faculdade com muito sacrifício. Perdi uma gravidez com cinco meses, no período da faculdade, por falta de alimentação adequada, porque eu não me alimentava direito. Saía de manhã e só voltava de noite, não tinha dinheiro pra gastar na rua. Porque eu tinha a minha responsabilidade, que ele não tinha. Eu tinha a responsabilidade de botar as coisas dentro de casa pra quem tava em casa, porque tinha sempre alguém. Quando eu ia pro Paraná, eu trazia alguém que ficava comigo tomando conta das crianças. Eu tive três, a terceira é essa que eu digo que é minha filha de criação, que ela veio pra minha companhia com quatorze anos e tem 33 anos, que ela tá na nossa família. Não, 35 anos, meus filhos chamam ela de irmã: “É a minha irmã”. E a filha dela também é irmã pra eles, também, porque foi criada junto com a gente também. Aí, menina, quando chegou na época que eu me formei, eu consegui outra escola, uma escola da campanha, Pedro Jorge, de Queimados, antes de eu me formar. Aí tava com a prefeitura e tinha mais duas escolas particulares. Você vê, a luta era grande com criança em casa. Eu peguei, fui, falei pra ele: “Óh”. Aliás, foi meu pai quem me forçou a barra, porque senão eu ainda tinha levado mais um bocadinho, mas meu pai começou: “Não, você tem que tomar uma decisão na sua vida! Com um homem que você tem que trabalhar pra sustentar homem, onde já se viu? E eu estou te ajudando, e ele não...”. Arrumou emprego pra ele, não parou no emprego, Ia pro botequim, bebia cachaça, deixava na minha conta, quando eu ia... Porque era assim, antigamente não tinha mercado, supermercado era armazém, aí tinha o armazém do Seu Manuel, português mesmo. O Seu Manuel fazia um caderninho e a gente comprava ali tudo o que precisava. Quando eu recebia pagamento ia lá e pagava, mas ele tomava cachaça e botava na minha conta. E com isso, eu fui me revoltando. Quando meu pai falou assim: “Você vai se separar desse homem e eu vou pagar um advogado”. Aí eu falei: “Tá bom, se o senhor vai pagar o advogado, eu me desquito. Não endireita mesmo, já perdi a esperança”. Nove anos, tinha nove anos. Eu peguei, fui. Meu pai pegou, chamou o advogado, tratou tudo lá, meu pai que tratou tudo. Eu peguei e falei pra ele: “Olha, eu quero a separação”. Era desquite naquela época. “Eu quero desquite, já tô com o papel em andamento e você vai assinar”. Aí ele: “Mas por quê?” “Por quê? Você ainda pergunta, por quê? Não dá meu filho. Trabalhar pra sustentar você não dá. Eu tenho que sustentar meu filho”. Nessa época, eu já tinha a menina. Porque eu ainda tive uma garota depois de sete anos, o garoto tava com sete anos e eu tive a menina. Falei assim: “Vou sustentar meus filhos, mas você não”. Me separei, fizemos tudo, fomos no juiz, separou, tá-tál. Ele ficou uma semana ainda, dentro de casa, pra depois ir embora. Não foi embora não, ficou ainda dentro de casa, depois que ele foi embora. Aí foi embora, eu fiquei sozinha com meus filhos. Meu pai sempre me ajudando no que eu precisava, o meu pai me ajudava. Terminei a faculdade, no ano que eu terminei a faculdade que eu me separei definitivamente dele. Ele sumiu, foi embora, nunca perguntou se os filhos precisavam de alguma coisa, também nunca fui atrás. Um dia eu cismei de tanto as pessoas falarem, aí eu chamei uma colega que era advogada e falei: “Georgina, dá pra tu ver se tem condições de pedir pensão pra fulano?” E ela: “Deixa que eu vou ver”. Aí foi procurar ele, quando ela voltou, falou assim pra mim: “Ó, se você for pedir pensão pros seus filhos, ele pode entrar pedindo e você vai ter que pagar pensão pra ele”. Porque a situação dele era pior do que a minha. Aí eu peguei e falei: “Ah, então deixa isso pra lá. Se eu criei até agora, eu vou criar até casar”. E continuamos, continuamos na luta, graças a Deus. Depois ele apareceu, uns anos depois ele apareceu pra pedir o divórcio porque tinha arrumado uma pessoa muito boa, que ele tinha casado, mas casado só na Igreja Brasileira. Aí eu falei: “Tá. Eu te dou o divórcio. Você paga, né? Porque eu não vou pagar, não”. “Não, eu pago. É porque ela ta esperando a segunda filha...” Eu falei: “Não, não é por causa disso que nós vamos... Eu não tenho nada com você, eu vou assinar pra você. Trás os papéis que eu assino”. E assim ele fez. Ele falou assim: “Não, mas você vai gostar muito dela, ela é uma pessoa ma-ra-vi-lho-sa. Eu já disse pra ela, que ela vai gostar muito de você também”. Eu falei: “Ah, ta bom. Vamos nos conhecer, então”. Eu falei: “Quando o neném nascer eu vou lá” “Você vai?” “Vou, dá o endereço, deixa o endereço aí que eu vou lá com as crianças”. Quando a garota nasceu, dia dois de outubro, eu fui. Realmente a mulher é uma pessoa ma-ra-vi-lho-sa. E a mulher também gostou de mim, Edi o nome dela. Ela gostou muito de mim e ficamos amigas, mas assim, ela lá em Silva Jardim e eu lá em Comendador Soares. As meninas cresceram hoje em dia, as meninas dela, Luana e Luíse frequentam a minha casa, são amigas dos irmãos, os irmãos são amigos delas e nós todos somos amigos. Quer dizer, ele agora é meu amigo, e ela também ficou minha amiga. Eu vou lá, ele veio no casamento da minha filha, veio no aniversário do neto, do filho do meu filho, do mais novo, que fez dois anos, o João. Quando ele fez um ano, ano passado. Esse ano ele não veio, não, porque ela ta operada. Mas a gente sempre tem comunicação, principalmente com as garotas. As garotas continuam com o vínculo, a mais velha tá fazendo pós-graduação e ela, às vezes, fica lá em Jacarepaguá, na casa da minha filha de criação, na casa do meu filho, mas mais na casa da minha filha de criação, no apartamento, é tudo no mesmo condomínio, mas ela vai na casa dos dois. Quer dizer, continuou a amizade, a família só cresceu porque se a gente tivesse ficado junto, eu acho que talvez fosse pior. Pelo menos ficou tudo bem. Você tinha conversado comigo sobre...

P/1 – Me fala uma coisa da época do clube. De quando você ia no Vasquinho.

R – Ah, Vasquinho de Morragudo.

P/1 – É...

R – Olha, aquela época foi assim, a época dos meus dezesseis anos pra frente, que eu comecei a frequentar o clube, antes não... Eu brinquei um carnaval antes disso na rua, eu nunca tinha saído pra rua, meu pai não deixava. Ele era muito rígido. Um dia eu saí, fui pro carnaval de dia. Ele foi trabalhar, não sei o que ele foi fazer, foi pescar, ele gostava muito de ir pra represa, não sei o que foi, mas ele deve ter ido pra represa. Aí eu fiquei solta e fui brincar carnaval na rua, mas brinquei, brinquei, brinquei, todos os dias do carnaval de dia, com medo da noite, não, só de dia. Depois, no ano seguinte, quando começou o Seu Nelson chamar a gente pro clube aí eu falei assim: “Ah, eu vou. Será que o pai vai deixar?” Aí, o Seu Nelson: “Deixa de ser boba, vamos sim!”. Quando juntava com a turma dele, porque ele tinha um monte de filho, aí juntava eu e o meu irmão e nós íamos também, pro clube. Nós dançávamos muito. Eu era pé-de-valsa, pé-de-valsa, eu tinha meu parceiro certo. Não era namorado, não. Era só parceiro de dança, Humberto. Eu nunca mais vi Humberto, ele sumiu do nosso círculo. No mês passado nós fizemos um grande encontro, e ficou um chamando o outro, nós reunimos num outro clubezinho que tem lá, mas é particular. E olha, aquela turma da minha época de juventude tinha uma porção lá, menina, quando eu entrei no clube, eu olhei assim, tu imagina a emoção de você ver um amigo que você conheceu com dezoito, vinte anos, agora com sessenta. Tem amigo com setenta anos. Rui, ele tinha o apelido de Rui Calcinha. Aí, o assunto da festa. É, o apelido era Rui Calcinha. Nesse coiso, depois eu volto lá… É que uma história puxa a outra. Nesse dia no clube o Ingo, que era filho de alemães, de um casal alemão que veio pro Brasil, ele era muito nosso amigo, um rapaz lindo, loiro, olhos azuis, branquinho todo que chegava a ser vermelho, tão bonito que o Ingo era. E ele era da nossa turma. Quando eu chego nesse reencontro, grande encontro, que eu botei no Orkut, no Orkut eu botei: “Fotos do Reencontro”. Aí chega lá Ingo conversa comigo, olha a conversa dele: “Tu lembra”, eles me chamam por um apelido, de Neta, não tem nada a ver com o meu nome, né? Neta. Aí: “Neta, você se lembra do teu casamento?”. O assunto era só meu casamento. Sabe o que ele fez? Ele aprontou no meu casamento. Aprontou. Ele, mais Rui Calcinha e um outro que eu esqueci o nome, morava perto da Dutra. Adilson, parece, Edilson, sei lá, uma coisa assim. Esse também perdi o contato. Só com Rui e com Ingo que eu continuei. Era mais amigo do meu marido o outro, e o Ingo e o Rui, não, eram nossos amigos comuns. Ele pegou, ficou no meu casamento bebendo, não queria ir embora. Foi em casa. Naquela época, não tinha esse negócio de salão de festas, era em casa. Então ele tomou todas e não queria ir embora, não. Ficou lá perturbando, botou um relógio pra despertar embaixo da minha cama. Naquela época, usava pijama, o noivo, aí amarrou as pernas do pijama, manga do casaco, da blusa do pijama, deu nó em tudo. Aprontou um monte de coisa... Aí tivemos que botar ele pra fora porque ele não queria sair. O assunto era esse, ele contava essa história pra todo mundo que chegava. Ele: “Você lembra do casamento da Neta? Olha, eu fiz isso, isso, isso e isso”.

Menina, aquilo foi a maior gozação na festa, todo mundo: “Oh Neta, essa história do casamento é verdade?” “É a pura verdade, quase que eu chutei ele pra ele sair de dentro de casa e ainda deixou o noivo bêbado”. Aí ele disse assim: “Estraguei a lua-de-mel dela” (risos). Eu falei assim: “Não tem importância, não. Ele dormiu e a lua-de-mel ficou pra depois” (risos).
Voltando no Vasquinho, essa mesma turma frequentava junto com a gente o Vasquinho. Tinha o pessoal da Diretoria era tudo amigo. E pessoas que até hoje nós tínhamos contato ainda. Alguns já faleceram, mas tem ainda aquela que fazia parte da Diretoria Feminina, é viva e tá com oitenta anos parece. Faz oitenta anos agora, dia quatro de abril, dia de São Francisco de Assis, Dona Elza Pires. A minha irmã casou com um sobrinho dela, minha irmã já é viúva, minha irmã. E todo baile era assim: “Baile do Azul”, tinha isso, aí a gente ia todo mundo de vestido azul, pintava o clube todinho de azul, o clube daquela época era pequenininho, não é igual como é hoje, uma quadra, era pequenininho. Pintava tudo de azul e “Baile das Rosas”, aí todo mundo de rosa, era o baile das moças, o baile de azul era das senhoras e o baile das rosas era das moças, nós íamos todo mundo de roupa rosa e pintava a sede toda de rosa. Aí tinha “Festa de São João” ensaio de quadrilha, tudo tem os dias marcados pra gente ensaiar a quadrilha, que eu mostrei até a foto de eu dançando a quadrilha, não, não, tinha aqui.

P/1 – Com o seu filho?

R– Não, aquela foi com o meu filho. Foi outra festa, mas ali tem foto da quadrilha também. Nós dançávamos quadrilha, fazia fogueira, tinha tudo. Tinha “Festa da Noite no Hawai”, eu fui rainha. Eu dançava muito, dançava muito, nossa senhora, eu não perdida uma música, eu amava dançar. Chegava o Carnaval. Tinha os bailes de carnaval e eu ia em todos os bailes, infantil e à noite (risos), não perdia um. Depois do carnaval eu ficava doente, é muita coisa. Eu tenho problema de coluna, já tinha naquela época, aí ficava arrasada da coluna por causa de tanto brincar, mas eu ia assim mesmo e... Eu tinha uma outra coisa pra falar sobre o Vasquinho...

P/1 – No baile do Hawai, o que a rainha fazia durante o baile?

R – Não, olha, foi assim. O Seu Nelson que organizava tudo, ele enfeitava o clube todo de... Botava bananeira, enfeitava. Naquela foto não aparece direito, mas tem foto que dá pra aparecer. Uma parte assim, um palco, um palco baixo, ele enfeitava muito, com bananeira, com folhas de coqueiro, de palmeira, arrumava aquilo tudo, ele ornamentava o clube todo. E a gente, eu não lembro como era escolhida não, acho que era quem dançava mais. Depois ele dançava uma música com uma rainha, quem dançava mais. Ele dançava que ele também era um pé de valsa. Então nesse ano eu fui a rainha do baile. E também fui madrinha do time de futebol, madrinha do futebol, eu ainda tenho uma faixa, 1965.

P/1 – Do Vasco?

R – Do Vasquinho. Tem as cores do Vasco, tudo igualzinho ao Vasco. Eu fui madrinha em 65. Foi no ano que, logo depois eu conheci no ano seguinte, o bonitão (risos). Aí casei, acabou (risos). Fui embora no Paraná, aí acabou a festa, não tinha mais aquelas festas. Quer dizer eu senti muita falta, olha a diferença. Acho que foi em 63 ou 65. Tem muita foto de 63.

P/1 – É isso, toda lá de oclinhos...

R – De óculos gatinho (risos).

P/2 – Por isso que pegou o homão, né? O bonitão do ônibus.

R – É, por isso que o bonitão do ônibus quis (risos). Amarrei o bonitão do ônibus e ele me amarrou também. Me atrapalhou (risos).

P/2 – Como é que é? Deixou a mala, a outra carregou...

R – Eu deixei a mala, a outra pegou (risos). A outra esposa dele que me fala assim: “Você largou essa mala pra mim! Você vai levar essa mala de volta!”. Brincando, mexendo comigo. Aí eu falei pra ela assim: “Não, minha filha. Eu larguei a mala lá no meio do caminho, larguei lá no chão, você pegou porque você quis, agora você aguenta a tua mala, porque eu não quero ela de volta, não!” (risos). Mas agora ele parou de beber porque teve um susto, quase morreu. Tava com medo que tivesse com câncer no estômago, aí ele parou de beber, mas fuma minha filha. Mas ele bebia conhaque, muito forte.

P/1 – Você tava falando do clube do Vasquinho...

R – Ah é, do Vasquinho, além das atividades que tinha lá no clube, nós também fazíamos excursão. Íamos em excursões muito pra praia. No começo eu arrumei um maiô e fui de maiô. Aquele maiô grande, com a perninha aqui, aí um dia eu peguei e falei assim: “Ah não, vendo na revista os biquíni bonito”, duas peças, não era biquíni, eram duas peças. Peguei e falei assim: “Ah, eu vou fazer um negócio desses pra mim”. Eu costurava, não precisava pedir nada a ninguém pra fazer pra mim, eu mesma fazia. Peguei e fui e fiz o biquíni e mostrei pra minha colega, pra minha parceira: ”Solange, olha aqui, fiz o biquíni” “Tu vai ter coragem de botar isso, Neta?” Eu falei: “Vou. Por que eu não vou? Vou para Muriqui desfilar nas areias de Muriqui com esse biquíni sim, xadrezinho preto e branco. Não tem nada indecente aqui”. Ela: “Ah, mas o povo vai falar de você”. Eu falei: “Ah, não faz mal não, eu não ligo que o povo fale não, eu quero que eles lembrem de mim”. Eu dizia (risos). Aí fui pra excursão. Chega lá na excursão todo mundo tira a roupa pra tomar banho e todo mundo na expectativa pra ver se eu ia tirar a roupa pra mostrar o biquíni. Aí ficam: “Vai, vai” Eu falei: “Vou. Deixa vocês primeiro, todo mundo tirar e depois eu tiro. Eu, hein, vou tirar junto com vocês? Não, vou tirar por último, pra vocês verem o monumento que ficou o meu biquíni, espetacular!” (risos). Aí, meu Deus do céu, quando todo mundo tirou a roupa, eu fui e tirei a minha. Tirei a minha e todo mundo ficou olhando, aí minha filha, quando eu passava assim, as minhas colegas junto comigo, tem foto aqui, nós quatro. Quatro juntas assim, mas elas todas com aquele maiozão e eu com meu biquíni duas peças. Calcinha na cintura, sutiãzinho, não era sutiã, era um topezinho até aqui, só ficava aparecendo esse um palmo de barriga, mais nada. Vê se era alguma coisa demais? Eu não achava que era. Mas minha filha foi uma fofoca, nossa Senhora. Caí na boca do povo, todo mundo falou de mim porque eu tava usando aquela duas peças. Eu não me esquentei. O que eu fiz? Na outra excursão, eu fiz outro diferente, ainda fiz pra minha colega também. Uma outra colega minha que era irmã do rapaz que eu namorava no começo, quando tinha dezoito anos. A Inilza, ainda fiz pra Nilza também, de Nilza era azul, de bordadinho inglês, ela que quis, ela que escolheu, bordadinho inglês com viésinho vermelho, dando um lacinho na frente, na calcinha, e viésinho aqui também, aí fiz.

Já não era mais uma, já eram duas, quer dizer, começou a crescer. E, daqui a pouco, todo mundo começou a usar, mas eu fui a primeira.

P/1 – Leila Diniz!

R – É, Leila Diniz. Eu fui uma Leila Diniz. Primeira a botar a barriga pra tomar sol também. Primeira não, porque a primeira foi Leila Diniz. Mas na minha praia fui eu, também. Nessa época foi em Sepetiba, pra botar a barriga da minha filha. Eu tava com a minha filha, que é a caçula, com ela também. Fiz biquíni. Primeiro fiz com um negocinho aqui assim tampando a barriga, depois eu falei: “Ah, quer saber de uma coisa? Eu vou deixar minha barriga pegar sol”. Aí arranquei a sainha, o negocinho que eu botei aqui assim, parecia um avental. “Ah, tá muito feio isso”, arranquei. E fui de barrigão pra praia. Já era casada, tinha marido, ninguém falava nada. Agora, se eu fosse sozinha, solteira, aí iam falar. O sucesso foi grande, e na fotografia tá mostrando, eu cheia de charme (risos).

P/1 – E era de tecido, como?

R – Era de tecido mesmo. Tecido, não era lycra, naquela época não tinha lycra. Até acho que alguns maiôs eram de tecido que nós tínhamos. Depois começou a surgir material elástico aos poucos. No nosso lado não tinha ainda, depois começou a surgir. Os biquínis que eu fazia, os duas peças, eram todos de tecido. O primeiro foi xadrezinho preto e branco, depois eu comecei a fazer colorido, usando outras cores. Só não fiz o de bolinha amarelinha, daquela menina que cantava: “Era um biquíni de bolinha amarelinha, tão pequenininho” (risos). Só faltou fazer de bolinha amarelinha, mas eu não quis mais saber de maiô, encostei o maiô. E até hoje eu uso.

P/1 – E quando você começou a trabalhar aqui no Rio?

R – Eu comecei a trabalhar antes de me... Quando eu terminei a Formação de Professores eu comecei logo a trabalhar. No ano seguinte, eu já comecei a trabalhar. Fiz concurso pra Prefeitura de Japeri, Japeri não, de Nova Iguaçu, aí entrei. E dava aula também em duas escolas particulares, Cristo Rei e um outro que eu esqueci o nome, Modelo. Também trabalhava nessa escola particular, mas eu não gostei de trabalhar em escola particular, não.

P/1 – Não?

R – Gostei não. Só trabalhei nessas duas e depois trabalhei na Escola da Campanha em Queimados, que era o Pedro Jorge. Trabalhei três anos lá, quando minha filha nasceu me mandaram embora. Quando eu voltei da licença maternidade minha dispensa já tava lá. Eu fui dispensada. Minhas colegas falaram que eu poderia até ter colocado na Justiça que o Diretor ia ter que... Não podia fazer isso comigo, porque eu tava de licença maternidade. Quando eu voltei da licença maternidade ele me mandou embora,

mas é que ele tinha um problema comigo, por isso que ele me mandou embora. Ele estudou na faculdade que eu estudava e eu vinha de carona com ele. E... Meu marido, nessa época trabalhava num posto de gasolina, lá dos (Quévinios?) e ele... O meu marido abastecia o carro, porque ele me dava carona. O meu marido abastecia o carro pra ele, mas aí ele começou de gracinha pro meu lado, querendo namoro, mas eu não aceitava, eu não gostava, eu falava pra ele: “Ó, não mistura as coisas, senão nós vamos acabar perdendo a nossa amizade. E eu gosto muito de você como amigo. Você vai estragar a nossa amizade”. Como eu não aceitei aí depois fiquei grávida do meu marido. Quando eu voltei da licença maternidade, ele me mandou embora e ainda falou assim pra mim: “Você não quis fazer. A outra que vai ficar no teu lugar faz comigo”. Eu falei assim: “Uai, então você fica com ela, eu vou embora”. Mas não botei na Justiça, não fiz nada, mas eu sabia que era por causa disso que ele me mandou embora. E eu gostava de trabalhar lá, uma escola que eu gostava de trabalhar. Os alunos muito bacanas, eram todos adultos. Eu gostava, era à noite. Eu trabalhava lá à noite. Depois que eu terminei a faculdade, aliás eu tinha feito concurso pro Estado e sobrei porque eles chamam até onde tem vaga, depois quem ficar pra trás fica. Eu sobrei. Eu e uma colega minha, que é minha amiga até hoje, Vera Lobato. Nós até hoje... De vez em quando eu vou ao Baile com ela, o Baile do Rio-Sampa, lá em Nova Iguaçu. Aí eu peguei...

Quando eu estava no último ano da faculdade, aí o Estado começou a chamar. Primeiro todos os professores que tinham feito concurso e não tinha entrado; depois os alunos do último ano da faculdade. Eu e essa minha amiga fomos umas das primeiras a ser chamada e escolher e fomos pra mesma escola. Nossa matrícula é uma diferença de um dígito. Fomos pro Colégio Estadual Engenheiro Areia Leão, onde eu entrei e me aposentei por lá e ela ainda não aposentou porque não quis. Já tá com mais de trinta anos e continua trabalhando lá ainda, mas ela já tá precisando, tá cheia de problema de saúde, tá precisando parar.

P/1 – E você se lembra das suas primeiras aulas, de quando você entrou na sala de aula?

R – Olha, a primeira vez que eu entrei na sala de aula foi no Estado em 1969. Primeira vez, de quinta à oitava. Eu esqueci agora o nome da escola, eu tenho até o tempo de serviço dessa escola. Era uma escola no alto de um morro, quando chovia, eu dizia que a gente dava dois passos pra cima e três pra baixo, porque você subia, mas escorregava e voltava (risos). Aí subia mais um pouquinho e tinha que pisar no capim, porque senão... Era horrível a escola por causa disso, mas era gostosa. Foi até bom trabalhar lá, eu gostava. Eu esqueci o nome da escola agora, no momento. Mas acho que era em Queimados aquela escola, acho que era em Queimados do outro lado contrário do Pedro Jorge. Eu trabalhei ali de contrato no Estado. Peguei um contrato no Estado, naquela época tinha uns contratos que eles davam, aí eu peguei esse contrato e trabalhei uns meses. Não trabalhei... Eu peguei, já tinha passado o início do período, não tava no início, não. Não sei se era abril ou maio, acho que foi maio. Eu entrei, fui trabalhar lá, mas eu gostava. As crianças eram pequenas, criança de primeira série. Eu trabalhava com criança de primeira série e eu gostava de trabalhar com eles era bom. Não lembro da aula mesmo, eu não lembro.

P/1 – Você já tinha trabalhado com adulto antes ou foi depois?

R – Não, foi depois, aliás eu trabalhei com adulto antes, agora que estou lembrando. Sabe aonde? No Paraná. Eu fiz um curso lá, como eu fiquei lá dois anos, e eu ficava desassossegada de ficar sem fazer nada, eu tava contando aí pras meninas, que a minha vida lá era fazer tricô. Eu tricotava blusa de frio pra todo mundo, pra família inteira. Aí me arrumaram lá pra mim, na época chamava Alfa, Alfabetização de Adultos e Adolescentes. Então eu fiz um curso em Curitiba pra poder dar aula lá. Eu trabalhava à noite com adultos e adolescentes. Também foi muito bom, foi uma experiência muito boa, eu gostava de trabalhar com eles, foi muito bom. Quando eu voltei pro Rio, terminei Formação de Professores, peguei um contrato no Estado, em 69. Quer dizer, esse Alfa foi em 67, mais ou menos, 67, 68, por aí assim. Mas também foi só um ano que eu trabalhei porque depois eu resolvi voltar pro Rio e saí de lá. Mas foi bom, era muito bom porque eles ajudavam muito a gente, dava material, dava muitas condições de trabalho. Era bom.

P/1 – Lá?

R – Lá no Paraná. Agora no Rio é diferente. Não tem assim... Nem todos os lugares tem essa ajuda de material pros alunos. Até que lá em Japeri, até que eles dão material pros alunos, mas atualmente eu não tô trabalhando mais com turma por causa do problema que eu tive de depressão, muito forte mesmo, fiquei muito ruim em 2000. Depois da doença e falecimento do meu pai, aí eu emagreci dez quilos, de repente e fiquei muito ruim mesmo, de chegar ao ponto de me perder onde eu morava, que era na Taquara, eu morava em Jacarepaguá. Me perdi um dia e liguei pra minha sobrinha, pra minha afilhada, é essa que me chama de tia, Tatiana. E Tatiana foi me buscar, porque eu não sabia. Eu fiquei perdida. Fiquei muito ruim mesmo, entrei em tratamento. Fiz primeiro no particular, depois o médico do município não aceitava a licença do médico particular, o Doutor Carlos. Ele mandou que eu fosse procurar o Capes. Eu nem sabia o que era isso: “Aí, meu Deus, o que é isso, Capes?”. E ele: “É pra tratamento psiquiátrico, é onde tem atendimento psiquiátrico, aí você tem que ir lá, porque o seu problema é Psiquiatria”. Aí eu falei: “Eu sei, mas o senhor tá me chamando de maluca? Não é lá que ficam os malucos?”. E ele: “Não, lá não é só isso, não. Qualquer outro problema, qualquer problema de Psiquiatria é com eles, lá” E eu falei: “Então tá. Faz um papel aí que eu não vou chegar lá sem um encaminhamento, não”. Ele me deu e eu fui. Isso foi em 2005 e ainda estou lá tratando, ainda não recebi alta. Eu recebi alta semana passada da Psicóloga. A Psicóloga já me liberou, falou que eu já tô bem, porque eu estava muito mal, chorava muito por qualquer coisa, não tinha nem motivo, eu tava derramando lágrimas. Agora eu já consigo conversar... Ela viu que eu conseguia conversar normal e tudo, e já comecei a organizar a minha vida. A minha vida virou uma bola de neve porque dívida, embolou tudo. Esqueci que devia ao banco, não pagava, não é que eu não queria, não, eu esqueci completamente. Sabe o que é? Aquilo apagou da minha mente. Quando chegou um dia, eu recebi um telefonema, aí eu: “Ué, tô devendo ao banco? Vou olhar na minha agenda”. A sorte é que eu tinha anotado na agenda o dia que eu tinha pego o empréstimo, em quantas vezes, tudo anotado na agenda, na época que eu peguei. Já tava na época de terminar de pagar. O banco me ligou, Banco do Brasil. Aí contei pra Psicóloga: “Olha, até minhas contas eu deixei embolar. Eu tô toda atrapalhada, não sei o que vou fazer da minha vida”. Ela: “Calma, cada coisa na sua vez”. E assim foi. Cada coisa na sua vez, eu fui organizando, organizando, organizando, graças a Deus já estou com quase tudo organizando. Só tá faltando agora a coisa que eu mais desejo na minha vida (risos e choro): é ir pra minha casa. Sabe o que é? Você sempre ter vivido na sua casa, não é na minha casa que eu comprei. É o ter a minha casa, mesmo que eu pague um aluguel, é minha casa. E eu viver na minha casa, eu sempre recebi meus amigos, eu sempre fui festeira, sempre gostei de reunir a família na minha casa. Eu sempre gostei dos meus netos juntos na minha casa, tudo reunido, todo mundo. Eu sempre gostei. De repente eu me vi resumida a um quarto.

P/1 – Com quem você tá morando atualmente?

R – Com a minha filha. Um quarto porque não tem jeito, só tenho que ficar no quarto. É um quarto pequeno, eu só posso botar minha cama, um guarda roupa e uma mesinha de cabeceira. A televisão tem que ficar no (giro)-visão. E como eu te falei as fotos estavam todas guardadas e eu tive que perder dois ou três dias pra poder conseguir selecionar minhas fotos, que eu queria trazer, pra ver o que ia servir, o que não ia servir, porque tava tudo guardado. Eu pinto, comecei na aula de pintura em tela. Primeiro eu comecei em tecido, lá em Jacarepaguá, 2005, eu já tava na depressão. Aí comecei pra ver se melhorava. Depois passei pra tela, e eu pinto alguma coisa, não sou artista ainda, não, mas eu já faço alguma coisa. Eu tenho o meu material e tem que ficar tudo guardado porque eu tenho dois netos. Tinta à óleo tem um cheiro muito ativo, eles têm bronquite alérgica, então não pode ficar, tem que ficar com tudo guardado. Eu to com tela pra pintar e fica lá encostada. Um dia, quando eles estão na escola... Mas também é aquele negócio, você tem que estar com vontade de fazer aquilo. Uma colega falou uma coisa comigo que o pai dela só faz as coisas quando ele tem vontade, mas velho é assim mesmo, ela dizendo, velho só faz as coisas quando tem vontade. Eu falei: “Mas é um direito que nós temos. Eu me sinto assim também, eu só faço quando eu tenho vontade”. Então é o caso das minhas telas. Ficam lá, eu risco e deixo lá. Eu tô com uma riscada lá, encostada. Tô esperando o dia que me der uma vontade pra eu poder pintar aquela tela. Também o dia que me der vontade, eu quero fazer ela toda num dia só, o que não pode. Tem que esperar secar um pouco pra depois terminar, pra dar os retoques. Por causa deles eu tenho que ter minhas coisas tudo guardadas. A garotinha de seis anos é muito mexilhona. Você acredita que sumiu minhas lentes de contato? Quem pegou de dentro do guarda-roupa? E assim, outras coisas menos... Porque a lente de contato, poxa, tá me fazendo uma falta medonha. Deve ter sido ela, porque ela tinha curiosidade de ver o que tinha dentro da caixinha. Um dia eu abri a caixinha e mostrei a ela. “É a lente de contato da vovó”. Fechei e botei

de novo lá dentro, no lugar. Quer dizer, um dia eu saio, todo final de semana geralmente eu saio. A sogra da minha filha diz até que eu sou muito rueira, mas eu gosto de sair mesmo. Saiu pra casa das minhas amigas, pra casa de parentes, só assim que eu saio. Eu não gosto de sair pra ficar andando na rua sozinha, gosto de sair pra algum lugar. Então eu vou. Tenho tantas amigas... Amiga na Ilha do Governador me chama e eu vou. Tudo quanto é lugar que me chama eu vou, eu topo. Estou disponível, vou. Não tenho marido, não tenho namorido, então eu posso sair. Eles aproveitam quando eu não tô em casa e mexe porque o guarda-roupa não tem chave, é porta de correr.

P/1 – E você me falou muito que você gosta de viajar.

R – Ah, sim.

P/1 – De sair e de viajar.

R – Eu gosto muito, muito, muito, muito, muito. Olha, eu sou sagitariana, eu honro meu signo. Sagitariano adora sair, viajar. E eu sou assim mesmo, eu gosto mesmo. Já tem mais de vinte anos que quase todo ano eu ia pra Salvador, todo ano. Eu fui em todas as festas que tinha em Salvador, carnaval, eu fui atrás do trio elétrico. Fui no carnaval do Pelourinho, é das bandinhas, fui atrás das bandinhas, passeei muito. Fora as excursões que eu continuo indo em excursão. Semana retrasada eu fui à Guarapari, em uma excursão com uma amiga do meu tempo de admissão, continuamos amigas até hoje. Um ou outro também tava junto. Encontrei uma outra também lá junto, é professora de dança. É amiga minha, mas professora de dança, não é da minha área, não. Quer dizer, eu gosto, eu passeei muito, o que eu posso aproveitar, porque eu penso assim. Eu não tenho mais nada que me prenda, quem me prendia já tá com a vida resolvida, que eram os meus filhos. Agora eu posso fazer aquilo que eu fazia. Mas poucas vezes eu saía porque eu tinha filho pequeno. Agora eu não tenho, eles têm a responsabilidade dos filhos deles, graças a Deus, eu não preciso ficar presa, eu posso sair. Eu vô e passeio muito e o passeio que eu fiz o ano passado, foi muito bom pra mim, foi o reencontro com a minha família depois de 53 anos de afastamento. Meu pai cortou todos os laços que existiam entre nós e os nossos parentes de Recife, de Pernambuco, todos os parentes. Então eu fiquei sem. Às vezes, eu e minha irmã, nós

conversávamos, porque meu irmão faleceu em 92. Aí a minha irmã conversava comigo assim e falou: “Poxa, só tem nós duas, nossos filhos e netos. Será que lá tem muita gente?” Ela falava assim: “Você viaja tanto, por que você não vai lá?” Eu falei: “Porque eu não tenho um ponto, eu preciso ter um ponto, alguém. Como é que eu vou pra um lugar que eu não conheço ninguém. Não sei. Eu não... Chegar lá tá tudo diferente do tempo que eu tinha dez anos, eu não posso. Cinquenta e três anos é muita coisa”. Aí quando chegou, passou né? Eu peguei um dia, é aquela história, a internet tem gente que reclama, mas eu não tenho o que reclamar, não. Eu tenho muito que agradecer à internet, porque se eu reencontrei minha família foi por causa da internet. A minha filha comprou o computador, o meu filho também tinha, mas nunca tivemos a curiosidade de... Eu nunca tive. Eu nem mexia no computador naquela época. Minha filha comprou o computador e falou pra mim: “Mãe, eu vou procurar seus parentes”. Eu falei assim: “Minha filha, será que você vai conseguir achar?” “Eu vou procurar seus parentes. Se alguém tiver internet, algum deles, eles vão ver. Ela pegou e falou assim: “Tem uma comunidade no Orkut Família França. Eu vou entrar nessa comunidade” “Ah, entra então pra ver.”. Ela entrou, muita gente, ela falou que demorou muito olhando aqueles depoimentos todos. Aí achou Maria Cecília pedindo, porque tinha dois ramos da família que vieram pro Rio de Janeiro, dois tios vieram para o Rio de Janeiro e nunca mais tiveram notícias. Não sabe quem morreu, quem tá vivo, não sabe de nada. Ela tá fazendo um apelo, ela fazia um apelo, porque os bisavós dela - quer dizer, os bisavôs da minha filha - os bisavós dela era... E botou o nome: Floriano (Luis?) de França e Salvina Ingracia de França e tiveram os filhos, aí botou: Firmino, não sei o quê, todos os nomes e por último o nome do meu pai e tinha Severina de França. Minha filha pegou e me ligou. Porque eu morava em Jacarepaguá e ela em Nilópolis. Ela me ligou: “Mãe, eu achei! Um apelo de uma menina de Moreno, mãe. Da onde você nasceu. E ela fala aqui que o bisavô dela era Floriano. Como era o nome do seu avô?” Eu falei: “Floriano, Floriano (Luis?) de França” “Isso mesmo, e Salvina?” “É minha vó.” “Aí ela disse assim: “E os nomes dos seus tios?”. Eu fui falando e ela: “Tudo aqui, mãe. Devem ser seus parentes”.

Aí eu falei assim: “Ai meu Deus, será que eu achei os meus parentes? Não acredito! Depois de 53 anos perdida, pensando que só eu, agora, e Geni. Aí eu falei: “Ah Renata, bota alguma coisa para ela, bota uma mensagem pra ela”. Aí, ela pegou, foi e colocou a mensagem. A minha prima, que é essa de 83 anos, fez agora, na semana passada, falou que a filha dela é a Maria Cecília, entrou e falou assim: “Mãe, olha, oito meses que eu coloquei o apelo no Orkut e ninguém me apareceu. Eu vou entrar agora pela última vez e vou apagar”. Ela pegou e falou assim: “Entra pra ver, quem sabe apareceu alguém?”. Quando ela entrou, viu minha filha falando: “Eu sou Renata Fabiane de França, filha de Gilvanete Lima de França e neta de Joel (Luís?) de França. Eu acho que nós somos parentes. Vamos procurar entrar em contato, conversar pelo MSN?”. Passou o MSN dela pra Maria Cecília, botou no Orkut pra ela. Quando ela viu aquilo, Nossa Senhora, foi uma alegria tão grande. Ela falou assim: “Ah, vamos entrar no MSN”. Marcaram e combinaram. Eu fui pra casa da minha filha e elas duas já moram juntas mesmo, porque a minha prima é viúva e a filha é solteira, solteirona já, quase quarenta anos e não casou. É professora também. A mãe também foi professora (risos). É a família dos professores, tenho muito professores na família. Aí nós entramos... Eu fui pra casa da minha filha pra poder, no horário combinado, entrar no MSN. Eu falei pra ela: “Olha, eu tenho uma porção de fotos antigas que eu herdei não sei de quem, se foi do meu pai ou se foi da minha mãe. Sei que vieram parar nas minhas mãos essas fotos”. São essas fotos que eu mostrei. “Então, eu vou mostrar pra vocês, não, eu vou falar para vocês os nomes das pessoas pra ver se você conhece”. Ela falou: “Tá, mas o que você lembra da casa da sua vó?”. Eu comecei a falar do rio, que a gente pegava Tanajura do jardim da minha vó, de um pé de café, que tinha na casa da minha vó. E quando madurava e tudo, depois ela tirava aquilo pra poder socar e fazer café, pó de café, torrar e fazer pó de café. E eu adorava comer as frutinhas vermelhas, Nossa Senhora, como eu gostava. Eu ia lá no pé, tim-tim-tim, tirava um monte, sentava lá na beira do rio e ficava comendo as frutinhas de café. Ela pegou e falou assim: “É assim mesmo, é isso mesmo. Só que a casa caiu agora, na última enchente que teve. A casa tava de pé e vazia” Porque a casa não era deles, era da fábrica, eles moravam na casa da fábrica. Tem uma avenida da fábrica, dessa fábrica de tecidos, que era muito grande, muito grande. Eu fui lá e conheci. Falei assim: “Nossa Senhora, meu Deus, eu não acredito que eu encontrei os meus parentes. Lina, olha, eu tenho quase certeza, vamos confirmar agora pelos nomes das pessoas que eu tenho com as fotos”. Aí, comecei falando da foto: Lourinaldo, Guilherme, que era o tal que tem a perna coisa. Eu falei: “Ele tem um defeito na perna”. Aí, menina, tudo confirmou. Todas as fotos eram todas de primos daquela época. E tinha uma que era mais velha, que era a Branca, depois casou com meu tio. Ela: “Ah, vocês têm que vir pra aqui imediatamente. Eu quero que vocês venham pra cá pra gente se conhecer, conhecer os parentes, eu te vi criança, não lembro mais de você”. Eu falei assim: “Olha, eu vou pegar as fotos do meu pai e falei: “O meu pai faleceu”. O meu pai já tinha falecido. O meu pai faleceu em 2003, isso acho que era em 2006, parece, sete, oito, acho que era seis, aí final de ano. Aí eu falei: “O meu pai faleceu em 2003, mas eu tenho as fotos, eu vou passar pro CD e vou colocar no Orkut pra vocês”. Eu fui num lugar, passei as fotos todas pra CD, o rapaz nem botou num CD, botou num disquete, e me deu um trabalho pra abrir aquilo, mas eu consegui. Coloquei as fotos pra elas. Eu falei: “Eu não posso ir agora esse ano”. Porque eu já tava com passagem comprada pra Salvador, com tudo certo já, e eu não podia voltar atrás na passagem de avião. Falei assim: “Não, não vou poder ir. Eu vou no ano que vem, em janeiro que vem eu vou pra aí” “Ah, então tá, quero só ver se você vem. Vem”. Mas de vez em quando ela me telefonava e trocamos telefone e ficamos tendo contato por telefone, mas eu não conhecia ninguém, só de foto. Ela começou a mandar foto pelo Orkut, pra botar no Orkut dela para poder ver. Aí eu fui conhecendo as pessoas por foto. Tinha uma prima, já, Idete, eu lembrava muito dela. Essa prima ela nunca casou e ela só cria filhos de uma família, ela já tá na terceira geração criando os filhos, aqueles são filhos dela. Eu fui lá e vi, realmente é. Ela tem a casa dela, mas ela fica na casa da menina, dessa que tá com criança pequena, tomando conta das crianças. Cada casa ela manda em tudo, parece que ela é a dona da casa. Ela faz o que... O que ela falar é ordem. Eu falei assim: “Óh, o ano que vem eu vou”. Quando chegou no ano passado eu falei assim: “Gente, eu vou”. Falei pra minha irmã: “Você vai também”. Aí minha irmã: “Mas como é que eu vou?” Eu falei assim: “Se você vender a casa”, que ela estava vendendo uma casa em Sepetiba que ela tinha. Aí eu falei assim: “Se você vender a casa, você vai comigo. Eu pego um dinheiro com você e guardo e eu fico com teu dinheiro e compro a tua passagem” “Então tá”. Aí ela vendeu a casa e fomos nós duas. Aí chegamos. Aquela emoção, Nossa Senhora. Eu falei: “Meu Deus, será que nós vamos conhecer elas? Porque por foto é uma coisa, pessoalmente...” Chegamos lá no aeroporto de Recife, pegamos nossa mala e viemos andando, com o carrinho empurrando a nossa mala. Daqui a pouco, quando a porta abriu assim, eu olhei, a mulher a cara da minha irmã, a prima de 82 anos, 83 fez agora. A cara da minha irmã, igualzinha, menina. Eu falei: “Geni, é a Lina!”. Daqui a pouco ela já começa... Conheceram a gente, né? Ah, menina, foi aquela festa. Mas só que nós não conseguimos ir no início de janeiro porque minha irmã não tinha conseguido vender a casa e ela queria ir. Aí nós só fomos já no final de janeiro. E lá, professora é lelê, sabe? É escravo. Trabalha muito mesmo. E minha prima voltava a trabalhar no dia primeiro de fevereiro. Só deu pra gente passear um pouco com ela e depois no final de semana. E o que aconteceu? Nós ficamos lá, fomos na casa dos parentes, conheci os primos, vários. Mas ficou muita gente ainda. Ainda vou voltar em janeiro pra poder terminar de conhecer o resto dos parentes, porque é muita gente. Falei: “Gente, eu pensava que eu não tinha mais parente, agora tenho uma renca de parentes.” E ela: “Tu tem uma renca de parente, mesmo”. Nós estávamos lá e o que aconteceu? O primo do falecido marido da minha irmã, que mora em João Pessoa, ligou pra casa de alguém que tava aniversariando, da família do marido da minha irmã. As meninas da minha irmã estavam lá na casa: “Ah, tio, minha mãe tá em Recife” “Ah, me dá o telefone dela.”. Pegaram o telefone. O que Carlinho fez, o de João Pessoa, passou o telefone pro outro que mora em Natal, que é o tal que é primo de consideração, é filho do Seu Nelson. Ele foi embora pra Natal; ele era da Marinha, se reformou e ficou lá em Natal. Carlinho ligava, Suzano ligava. A minha prima já tava que não aguentava mais: “Olha, eu não aguento mais. Vocês vêm pra cá, pra gente se divertir, pra conhecer os parentes e esses parentes de vocês do Rio, ficam enchendo a paciência, telefonando pra cá”. Aí, eu falei assim: “Olha, Lina, eu sinto muito, mas eu vou ter que ir lá em João Pessoa. Se eu não for, eu vou ter problema depois, então

eles vão ficar zangados com a gente. Você vai me dar uma folga, mas eu vou precisar ir lá em João Pessoa. Eu vou em João Pessoa e vou em Natal e depois eu venho embora e volto pra cá, pra terminar o mês aqui com você” “Tá bom”. Aí fomos em Natal, foi bom porque minha irmã aproveitou, passeou bastante. Fomos a Natal e o meu primo foi lá me buscar, o primo emprestado foi pegar eu e a minha irmã e ficamos quatro dias lá em Pirangi, perto do maior cajueiro do mundo, pertinho assim, um prédio do lado. Depois fomos pra João Pessoa e eu aproveitei e fui ver minha afilhada que mora lá. Fiquei lá e passeamos muito, muito, muito, eles levaram a gente pra passear a beça. Depois voltamos pra casa da minha prima. Minha prima, por conta, porque nós fomos passear e não tínhamos ficado lá. Aí eu falei: “Não, eu vou voltar ano que vem. Ainda vou ficar uns dias aqui”. Fiquei uns dias lá ainda. Depois minha irmã queria vir embora. Vamos passar em... Porque todo dia ela ligava pra casa por causa do neto, porque ela tem um neto que cria de oito anos. Aí comprava, era uma despesa medonha de cartão de orelhão pra não usar o telefone da prima. Não, fica chato, vamos usar o orelhão. Gastávamos com o cartão do orelhão. E tinha um orelhão em frente. Ela ficava brava, brigava com a gente porque tinha que telefonar de lá: “Não senhora, não vamos dar despesa e gastar seus impulsos, não”, aí íamos para o orelhão. Quando nós voltamos de Natal e saltamos em Recife, minha irmã falou assim: “Compra logo a passagem pra Salvador porque senão, quando chegar lá elas não vão deixar a gente vir aqui comprar a passagem”. Eu falei: “Ih caramba, pra que dia nós vamos comprar essa passagem?” “Ah, compra pra gente passar o carnaval” “Caramba, será que elas não vão ficar chateadas?” “Ah, compra lá, depois a gente resolve”. Fomos e compramos a passagem, menina, quando nós chegamos lá, com a passagem comprada pra Salvador, mas ela ficou por conta, porque vocês... Mas xingou tanto, ela xingou um monte de coisa, uns nomes diferentes dos daqui, não é igual aqui não (risos). Aí xingou, xingou, mas depois se acalmou. Ficamos mais uns dias lá, depois nós fomos pra Salvador e passamos o carnaval. Minha irmã adoeceu, ficou quatro dias. Eu queria ir em Aracaju, mas não pude ir ver o primo Guilherme que mora em Aracaju. Ele, de vez em quando, telefona. Essa semana a esposa dele entrou no meu Orkut, aí viu as minhas fotos de Guarapari, gostou e mandou um recadinho pra mim, Claudete. Eu peguei e fui... Eu fiquei uns dias lá em Salvador, carnaval. Quatro dias de cama, minha irmã doente. Quando ela melhorou já tava na hora da gente vir embora, porque já tinha comprado a passagem, em Recife eu comprei a passagem pela internet, aí comprei a passagem de avião e tinha que vir embora. Aí viemos embora. Quando chegou em janeiro agora, desse ano, 2008, elas duas vieram. Aí passamos o Rio de Janeiro todinho, passeamos em um monte de lugar, andamos muito, muito, muito, quer dizer, foi aquela alegria, aquela coisa maravilhosa que é a gente reencontrar os parentes da gente depois de 53 anos, de achar que não vai mais encontrar. Tinha um primo que morreu na semana que eu cheguei lá. E diz que ele tava louco pra me conhecer. Quando eu cheguei lá, ele tinha falecido naquela semana. Aí eu falei: “Poxa vida, não era pra ser. Aí agora minha prima já falou, já falou comigo, essa semana eu liguei pra ela e disse: “Olha, você vem pra cá em janeiro, mas você não venha pra cá pra ir na casa de Seu fulano, de Seu beltrano, nem de seu cicrano porque eu não vou deixar você sair da minha casa.” Eu falei: “Tá bom”. Eu queria ir em Olinda e não fui, porque eu tenho uma amiga em Olinda também, e não pude ir. Eu falei: “Tá bom, pode deixar. Eu vou ficar só na sua casa”. Eu falei pra minha filha: “Sabe o que eu vou fazer? Eu vou primeiro pra Natal, João Pessoa e ela vai ficar pensando que eu tô em casa. Vou pra Natal, João Pessoa, se der pra eu passar lá no Guilherme, que de lá a gente anda de ônibus que é mais perto. Os Estados são mais perto um do outro.” Depois eu ligo pra ela: “Tô chegando aí, vai no aeroporto me buscar”. Aí, eu vou pra lá e fico na casa dela. Não saiu mais pra lugar nenhum, já fui em tudo (risos). Ah, foi só assim, porque senão não vai dar jeito. Tu já pensou?

P/1 – Aí, que legal! (risos)

R – Ai meu Deus, mas olha, foi um sonho realizado, um sonho realizado. Porque ela briga, viu? Ela briga muito. Fala pra caramba, também. E xinga a gente, fala um monte de coisa, menina. Um dia eu ri tanto da menina dela, da cara dela... Tá gravando? Então, não posso contar isso, não (risos). Ela é muito palhaça, mas muito palhaça.

P/1 – Conta vai...

R – Olha só. Um primo ligou pra ela, um parente lá ligou pra ela, eu não sei quem era. Ela falou mas eu não lembro. Aí ligou. Ela tinha saído de um banho, tava enrolada numa toalha. Aí o primo disse: “Oi, prima, como é que tá? Tá tudo bem? Tá tudo em cima aí?” Ela: “Tá, tá tudo em cima. Em cima da barriga, a barriga em cima da perereca, a perereca em cima das pernas” (risos). Eu ri tanto, tanto, tanto, tanto, tanto dela, menina, mas é muito palhaça, mas muito, muito mesmo. As garotas, as minhas amigas falam assim pra mim: “Vocês... Festa sem você não tem graça” Eu falei: “Ué, por que gente? Eu não sou palhaça de circo, nem nada” “Não, é porque você é muito animada, você é alegre, brincalhona”. Quando eu fiquei doente todo mundo ficou preocupado, porque eu fiquei muito ruim mesmo. Não tinha mais alegria pra nada, não sorria, não brincava, não ia nas festas, em lugar nenhum. “Agora sim que tá bom, você voltou a ser o que você era, o que você era antes da sua doença”. Eu falei assim: “Aí, graças a Deus, meu Deus do céu”. É tão bom a gente poder rir, se divertir”. Até na escolas que eu chegava. Eu fui uma vez numa festa cigana em Vassouras, da onde vem aquele pessoal que vai vir hoje. Vassouras. Não sei se é sítio ou fazenda, não sei, Galo Vermelho. Aí minha colega me chamou, essa que mora na Ilha do Governador, a Idilma: “Vamos Gilvanete” Aí eu: “Vamos, vamos embora”, me chamava e eu tava indo. Aí fomos. Menina, que festa. Nunca tinha ido a uma festa cigana, mas adorei, adorei. Cada cigano tão bonito! Moreno, cabelinho preto, mas dançam tão bonito. Aí eu ficava falando. Chegava na escola... Cheguei na escola, gente, toda excursão que eu ia,

chegava na escola contando as novidades. “Gente, fui numa festa cigana, vocês precisavam estar lá. Tirei até retrato do cigano, que cigano bonito, coisa linda, maravilhosa”. Chegou um dia, encontrei com o cigano lá no Pechincha, lá em Jacarepaguá! (risos). Aí, ué: “Você mora aqui, menino?” Aí ele: “Moro” “Lembra de mim? Naquela festa cigana lá no Galo Vermelho”. Aí ele: “Ahhhh, sim. Eu lembro, lembro. A senhora ficou lá de brincadeira com a gente!” Eu falei: “É, eu mesma. Você mora aqui perto de mim? Eu moro aqui também”. Ele: “É, eu moro aqui”. Ele dança flamenco, ele faz muita dança cigana, dança flamenco, um monte de coisa. E ele se apresenta porque lá em Jacarepaguá tem muito cigano, muito clã, sei lá como chama, porque é diferente. Cada um é um grupo, são por grupos. E lá tem muito isso e tem muita festa cigana também. Toda vez que eu ia em algum lugar, ou todo aniversário, eu sempre fui de dançar, de ficar dançando, brincando. O pessoal gosta e não quer que eu falte às festas. Essa semana teve o aniversário da Regina, da tal que nós brincávamos carnaval juntas quando éramos solteira. Aí ela: “Ah, Gilvanete, você não vem?”. Porque eu tinha Soletrando em Japeri, o final do projeto Soletrando, em Japeri. Eu falei assim: “Ah, eu vou trabalhar. Não trabalho de sexta-feira, mas vou ter que trabalhar”. Aí ela pegou, virou e falou assim: “Poxa, mas é meu aniversário e você não vai? Você é tão animada, não vai ter graça!” Eu falei: “Vai sim, vai muita gente animada lá também!”. Ia ser num barzinho perto da casa dela. Não sei nem se tem música ao vivo, não sei como é não, porque eu nunca fui nesse lugar. As outras já foram, mas eu nunca tinha ido, ia ser a primeira vez. Aí não fui. Ela reclamou porque eu não fui, eu não podia ir. Eu falei: “Ah, não posso”. E depois do Soletrando eu fiquei cansada, ainda passei um estresse medonho, porque a escola não quis… A

Diretora que tava lá era Adjunta, não era Geral. A Diretora Adjunta não quis ajudar com a passagem para as crianças. Disse primeiro que ia ter ônibus, depois não teve. E eu com seis crianças. Eu gosto... O Vicente até veio me chamar a atenção e falou pra mim: “Vou te dar uma bronca, porque você tem que parar com isso.” Eu falei assim: “Vicente, está em mim. Não adianta, eu não consigo fazer um negócio pela metade” “Você não tinha nada que pagar passagem das crianças”. Eu falei assim: “Eu tinha, porque senão eles não iam participar” “Voltava pra escola com eles, ou então ia pra Secretaria de Educação” “Ah, vou pra Secretaria de Educação, vou lá pro Projeto que é melhor, é o mesmo lugar”.

P/1 – O que é o Projeto Soletrando?

R –Soletrando? É aquele projeto igual ao do Luciano Huck. Nunca viu Luciano Huck? É, as crianças... Nós damos às palavras pra ele, selecionamos um grupo de palavras fáceis, palavras intermediárias e palavras difíceis. Eu fico treinando com eles na biblioteca, os que se inscrevem. Por exemplo, eu pedi de cinco a dois alunos de cada turma. Teve só uma turma ou duas que não mandou ninguém. Eu fico treinando eles e faço uma seleção daqueles alunos, fica um por turma. Depois faço outra seleção e tiro um por... Um da quinta série. É um por série. Tiro um de cada série e fico com quatro. Daquele montão, eu seleciono quatro.

Vou peneirando, peneirando até ficar quatro. Aqueles quatro participam do Soletrando no Município. Aí é assim, a gente escolhe a palavra. Eu faço assim com eles, mas lá no Soletrando eles metem a mão no saco e tiram a palavra. Eu vou treinando com eles as palavra. “Fala tal palavra”. Eles falam assim, por exemplo, batata. “B-a-t-a”, aí vai falando as letras. Se tiver acento, ele fala o acento, se tiver cedilha, se tiver hífen, tem que falar tudo, não pode errar. O município já é o segundo ano, segunda vez que eles fazem esse projeto. Não sei se o ano que vem vai ter porque vai mudar a política. Eles fizeram esse projeto e nos dois anos, eu que fiquei à frente do projeto treinando os alunos porque estou na biblioteca. Aí eu fico... E esse ano teve um agravante pra gente lá, porque só podia tirar os alunos de sala nos horários vagos. Então nós tínhamos muita dificuldade pra poder treinar os alunos. Muita dificuldade. Terminou e ninguém ficou na final do município. No ano passado nós conseguimos nono e oitavo ano. Ficaram dois alunos. Esse ano ninguém ficou. Por quê? Tivemos esse problema de não poder treinar, ano passado, eu treinei muito. Depois teve o problema da condução, fiquei esperando no ponto do ônibus, não vinha um ônibus. Porque eu falei assim, eu vou parar o ônibus e vou pedir ao motorista pras crianças entrarem, todo mundo de uniforme. O ônibus não vinha, menina. Todo mundo naquela tensão, as crianças tensas, eu tensa, nervosa. Era pras duas horas, duas e quinze, nada. Eu pensei. Sabe quando você fica: “Ai meu Deus, o que eu faço?”. Não sabia o que fazer. “Meu Deus, me ilumina, o que eu vou fazer”. Eu olhei pro rapaz que tem, não é táxi, é corrida, eles pegam um passageiro e levam, cada um paga dois reais. Eu olhei seis crianças. Doze reais, mais eu, quatorze. Eu vou fazer uma oferta pra esse cara. Cheguei lá: “Filho, por favor, será que você nos leva lá em Japeri, no Ari, nós estamos atrasadíssimos pra final do Soletrando, por dez reais”. Eu falei: “Vamos ver se ele pega por dez reais, economizo quatro”. Aí ele “Agora mesmo professora, bota todo mundo aí dentro!” Menina, seis crianças sentaram tudo um por cima do outro, lá dentro. Eu sentei no banco da frente e fomos embora. Chegamos lá, duas e meia. Todo mundo já estava lá, só faltava a nossa escola. E se eu não fosse iam ficar esperando, ia atrasar. Aí eu falei: “Ah, Vicente, quando eu faço alguma coisa, eu visto a camisa. Talvez eu esteja errada, mas eu sou assim e não adianta. Eu não vou me mudar agora. Já to no final de carreira, acho que ano que vem eu já devo conseguir minha aposentadoria, não sei, eu tô fazendo uma averbação, já dei entrada no processo. De repente, eu me aposento e nem vou trabalhar mais no ano que vem todo. Eu vou fazer um negócio, tem que fazer direito. Eu não gosto. Eu pedi auxílio das professoras de Português, quase ninguém ajudou”. Uma me deu as regras, uma ou outra levou pra digitar. Digitou. Professora de Português deixou passar uma porção de erros, quando eu vi, já tinha ido. Ela mesma levou pra Semec. Quando eu vi, uma porção de erros na folha de digitação. Quer dizer, ela não corrigiu, tinha que... Digitou, corrigir pra ver se tava tudo certinho, pra depois... Não. Aí eu: “Tudo bem, deixa pra lá. Tomara que não caia nenhuma dessas palavras”. Ela até foi lá pra consertar algumas, mas depois eu ainda descobri mais. Quer dizer, no ano passado não teve nada disso. Outro problema também que nós tivemos foi fazer um projeto de Sete Maravilhas Naturais de Japeri. Esse projeto foi criado numa mesa, num aniversário de um professor. Era aniversário do professor Pita de Matemática e fui eu,

a Idê, Isabel e um outro rapaz que ajuda muito, é Amigo da Escola, Edelmo. Eu sei que no final ficaram oito pra organizar o projeto. Nós organizamos, montamos o projeto e fomos pedir ajuda porque era um projeto que nós precisávamos tirar fotos dos vários lugares que nós relacionamos. Rio Guandu, rio Santo Antônio, rio São Pedro, lagoa Granado. Eram quatorze no total. A Idê falou assim: “Vou falar com o Zé Ademar”, é o vereador, é o Presidente da Câmara. Vamos lá e Zé Ademar nem recebeu a gente. Voltamos de cara grande: “Tudo bem, faz mal, não. Vamos embora”. Eu falei assim: “Olha, vamos fazer o seguinte, vamos pra Secretaria de Educação?” Fui eu, a Idê e Fátima Fófano. Fomos lá. Chegando lá, a secretária atendeu a gente muito bem: “Não, esse projeto é muito bom, vamos tentar, vamos fazer, eu vou ajudar vocês! Do que vocês precisam?” “Precisamos fotografar, a primeira coisa. Nós não temos condições porque eu tenho a máquina digital, mas não é de profissional” “Não, a secretaria tem”. Mandou um carro com a filha dela pra fotografar e motorista. Fizemos essa parte de fotografia, acho que umas três semanas, ou quatro. Assim, um dia na semana que ela ia lá pra pegar a gente. Pegava quem podia ir e ia. Lá tem o Pico Coragem também, que é de onde saltam de asa delta, e lá em Japeri também tem. Fizemos tudo, fizeram o banner com todas as maravilhas, botaram no site pra pessoa votar pela internet e, nas escolas uma urnas pra poder votar. O pessoal da escola, comunidade, quem quisesse votar na escola também podia. Na minha escola votaram pela internet. A maioria, mas também passei as cédulas. Mas eu levei muitos alunos pra votarem pela internet. Eu até fiquei admirada porque tinham alunos que não sabiam mexer no computador: “Professora, me mostra aqui porque eu não sei como eu vou fazer pra votar”. Eu ia, ensinava, ele ia e votava. “Fica aberto ali, é só você clicar em cima, só isso. É rapidinho”. “Tá bom”. Levamos vários alunos pra fazer. Teve a votação, tudo e marcaram um programa, fizeram um programa da votação, da contagem de votos e encerramento. O que aconteceu? Estourou um problema na prefeitura de negócio de uniforme, de Magé, não sei se vocês ouviram isso. Magé, Japeri também tava envolvido, aí saiu o nome da Secretaria de Educação e deu uma confusão, menina. E o nosso projeto ficou na gaveta, mas é aquilo. Eu fico um pouco contra: “Vamos correr atrás, vamos adiantar o nosso lado. Vamos fazer o que a gente puder fazer”. De tanto eu falar: “Vamos embora, vamos embora”. O que nós fizemos? Eu liguei pra menina da... Gastei até os meus créditos, minha filha brigou comigo porque eu gastei meus impulsos todinhos ligando. Liguei pra Priscila: “Priscila, óh, eu vou mandar as Diretoras levar a urna aí na Secretaria. Pode?” “Pode” “Você já entregou?” “Ah, eu acho que já entregou”. Nem sabia. Eu falei: “Tá, vou mandar”. Fui com a Diretora, peguei a relação de telefones das diretoras das escolas e ficamos ligando, três ligando. Tinha que agir. Ligamos, ligamos, ligamos. As escolas nem sabiam, nem tinham as cédulas pra votar, alguns sabiam. Tinha o cartaz só, o banner que distribuíram. “Óh, eu quero a urna tal dia”. Dei um prazo. Minha filha foi uma correria de Diretora na Secretaria de Educação pra poder pegar cédulas, pra poder fazer a votação na escola que não tinham feito. Foi aquela correria. E Priscilla ficou louca e me telefonou: “Gilvanete, você marcou com o pessoal vir trazer as urnas tal dia?”. Eu falei: “Marquei, porque esse projeto ficou parado e tem que ser fechado isso. Já passou do tempo. As datas que vocês marcaram já se esgotaram. Nós temos que fechar o projeto”. Ela: “Dá pra você dar mais uns dias? Sabe por quê? Ainda tem que entregar as cédulas pras escolas”. Eu falei: “Você não disse que já tinha entregue?” “Não, eu fui ver, tinha escola que não tinha recebido”. Mas a maioria não recebeu. A escola da minha filha votou em papelzinho. Os alunos pegaram papelzinho assim, cortado,

as tirinhas de papel e escreveu: Pico da Coragem, Guandu. A urna era cheia de papel que eles fizeram em papelzinho. A Diretora tinha feito uma cédula, quer dizer, os alunos que receberam a cédula diferente da cédula que a Secretaria mandou. Porque a Secretaria mandou cédula linda, era um cartão postal. Um cartãozinho assim, na frente com todas as maravilhas e atrás o nome pra pessoa poder escolher e votar. Aí foi uma correria que tu nem imagina (risos). Quando terminou a data que ela me pediu: “Gilvanete, o que você quer? Que eu leve às urnas nas escolas?” “Claro, nós não podemos ir aí na Secretaria buscar, não. Você arruma um carro e traz as urnas na escola aqui, pode deixar que nós fazemos a apuração”.

P/1 – Gilvanete, qual era o objetivo desse projeto?

R – O objetivo, além de mostrar, despertar o interesse pela natureza, pra preservar, porque nós ficamos horrorizadas também, quando nós chegamos nos rios, que víamos lugares que eles iam fazer piqueniques cheios de lixo, copo descartável, prato descartável, tudo lá. E despertar o interesse da comunidade de preservar a natureza porque são belezas naturais. E também pra eles poderem ter os pontos que eles podíamos explorar o turismo, poderiam fazer isso, explorar o turismo. Inclusive, a Secretaria achou muito bom de poderem fazer isso, explorar o turismo na região. Eu falei assim: “O pico da Coragem, o pessoal vem de fora, a estrada é linda, mas a rampa tá tudo ruim.”. Sabe as tábuas tudo apodrecidas, eu não vi não, não fui lá, não. Eu vi pelas fotos, porque quando eles foram no Pico da Coragem, eu tinha tido um problema de saúde muito sério, me deu um edema de glote, e eu fui parar no hospital e quase morri, em outubro, dia 25 de outubro. Eles foram. Eu tinha voltado pra trabalhar na semana seguinte, quer dizer, eu ainda tava muito frágil, não podia subir o morro do... Eu fiquei com medo de subir o Pico da Coragem e depois eu passar mal, ter qualquer problema e não... Eu falei: “Eu não vou”. Eu não fui, mas os outros, todos, eu participei. Tudo eu fui tirar, rio Guambu, rio São Francisco, rio Santo Antônio e rio São Pedro, todos eles eu fui. Eu só sei que depois nós fizemos a contagem toda, a apuração. E a Priscila foi lá pra poder pegar na internet, aí tem que o rapaz fechar. Levou pra gente o resultado da internet e nós fizemos. Só que eu tava conversando ali fora, não sei se foi contigo mesmo, porque o nome da nossa escola só saiu numa reportagem. E elas tinham prometido que sairia o nome da escola, só saiu numa reportagem, nas outras reportagens saíram vários exemplares de jornais, mesmo local. Só saiu no jornal local falando sobre isso. E saiu um dia no jornal, acho que saiu no Globo, na Fala Baixada, parece que saiu um dia também, mas não saiu dizendo o nome da escola. Nesse que saiu ela diz assim, que isso é um projeto de três professores da escola Bernardino de Melo, mas que a Secretaria abraçou o projeto. Depois os outros é só da Secretaria, só da Prefeitura. A prefeitura... Quer dizer, não foi a prefeitura.

P/1 – Vocês que tiveram a idéia...

R – A idéia foi nossa... Na mesa da festa do aniversário do Pita. Quer dizer, aí é difícil. Minha filha briga comigo porque eu não posso ser assim, eu quero levar os negócios. Eu falei assim: “Mas se a gente não se entregar, o inimigo come a gente. A gente não pode se entregar, não, tem que...” Era pra fazer, então vamos fazer. Eles tiveram problemas? Tiveram. Mas o nosso projeto tem que sair. Quer dizer, aí não teve divulgação, falaram que iam divulgar na festa do município. Não teve. Marcou pro dia cinco, que é o dia do meio ambiente. Não teve nada, nada. Nós fizemos apuração, aí passei pra Secretaria, que eu falei assim: “É minha obrigação, vamos passar”. Eu falei pra ela que eu ia levar e eu vou levar. Aí levei, passei pra ela o resultado. Saiu no jornalzinho: “Prefeitura de Japeri escolheu as sete maravilhas naturais que são essas: tá–tá-tá-tá-tá“. Desfile de sete de setembro, o que nós tínhamos pensado? Vamos fazer uma camiseta com as sete maravilhas naturais, cada um, uma maravilha. Vamos colar também as sete. Fazer umas fotos grandes assim, colar no coração que eu tinha visto no Nilópolis e eu achei bonito. Eu falei assim: “Vamos fazer um coração, cola a foto alí e as crianças vão levando. Fazemos um pelotão, com professores e alunos.” “Ah vamos”. Não teve o desfile de sete de setembro, transferiram para o dia 27 de setembro (risos), já está um zum-zum-zum que não vai ter. Quer dizer, não temos certeza. E aí, você quer fazer um projeto, trabalhar, mas você não encontra apoio, é difícil viu? Aí desilude. Sabe que desilude. Aí fica minha filha brigando comigo, Vicente brigando comigo. Ele falou pra minha filha: “Fala pra tua mãe pra ela largar esse negócio de Soletrando”. Eu falei: “Renata, não adianta. Eu comecei, eu vou até o final. Você sabe, eu vou até o final. Mesmo que a gente não ganhe nada, mas eu vou levar até o final, pelo menos eu concluí. Depois deixo pra lá, acabou”. Agora, ano que vem eu não quero mais, acabou. Não falei nada lá, não, mas ano que vem eu não quero. Eu não quero porque também nem sei se eu vou estar lá ainda, não sei como vai ser o desenrolar dos meus processos. Se eu conseguir minha averbação, eu já vou ter tempo pra me aposentar, passado ainda, mais do que tempo. Quando eu ver que tá dentro do meu limite de período. É mil e poucos dias letivos. Era dez mil e pouco. Minha filha é agente de pessoal, aí ela é secretária agora, mas ela já trabalhou de agente pessoal, e ela já me deu tudo direitinho. Depois eu vou sair. Pelo menos eu cumpri com a minha parte, ninguém pode dizer que eu abandonei o navio na hora do naufrágio. Vou morrer junto com o navio (risos). Eu fiquei até o final, eu cumpri com a minha proposta. Agora, se não houve a colaboração de quem deveria colaborar, fazer o que. Nem tudo pode ser do jeito que a gente quer, é como tem que ser. A gente tem que aceitar e vai vivendo. O Vicente falou: “Você tem que sair disso” e não sei o quê. Eu falei: “No ano que vem eu não vou entrar Vicente, pode deixar”. Mas eu entrei e fiquei até o final, agora eu estou satisfeita. Sete Maravilhas também fiquei até o final, agora falta só fechar o projeto no computador da escola, que o Antônio vai fazer pro nosso grupo, aí vai fechar, vai deixar tudo organizadinho, direitinho. Vai ficar um projeto pronto, do jeito que vocês quiserem apresentar em algum lugar vocês podem. Eu falei: “Então tá. Deixa assim porque eu não tenho mais interesse nisso, não. Mas tem os colegas aí que ainda vão ficar trabalhando e podem precisar, não é?” “Aí eu falei assim: “Não, vamos fechar esse projeto aí”. Estou esperando o Antônio voltar porque Priscila já me deu o CD e eu falei pra ela, aliás eu levei um CD pra ela e falei: “Priscila, eu quero todas as fotos no CD, inclusive aquelas que você bateu na escola de todos os professores do projeto, e o das cédulas, da urna”. Ela fotografou tudo. Eu falei assim: “Eu quero essas fotos e as fotos que você tirou das Maravilhas, eu quero.” Ela pegou e foi... Eu dei o CD pra ela, pra ela não dizer que não tinha CD, aí eu já levei um CD: “Toma aqui o CD, ó. Não esquece, não, esse CD é pra você colocar as sete maravilhas. Ela: “Não, pode deixar.” Na sexta-feira, eu falei: “Ó quero sexta-feira”. Ainda sou abusada. Minha filha: “Mãe, você é muito abusada”. Eu falei assim: “Ó quero sexta-feira, eu vou lá pro Soletrando e você leva tudo. Dá pra tu levar?” Ela: “Dá, dá sim” “Então tá”. Quando cheguei lá no Soletrando ela foi lá, pegou: “Gilvanete, aqui o seu CD” “Ah, muito obrigada”. Cheguei em casa e vou ver se tá direito esse negócio, se ela fez mesmo. Eu fui olhar e tava tudo direitinho (risos). E as fotos que ela tirou é foto com máquina profissional, melhor que a máquina digital comum. Por isso que eu fiz questão de querer, porque eu vou colocar essas no projeto, pra fechar o projeto.

P/1 – Que legal.

R – Vamos ver, né? O que será do ano que vem.

P/1 – O que será do amanhã?

R – Aí vem eleição, vem novo prefeito, mudam os vereadores, e vamos ver o que vai acontecer. Se vai ser bom pra gente, ou não.

P/1 – Gilvanete, pra gente finalizar. Tem alguma coisa que você gostaria de dizer mais que você lembrou e que passou?

R – Não, acho que já falei tudo (risos), ou quase tudo (risos). Se ficou alguma coisa (risos), mas eu acho que não, acho que eu falei tudo o que eu tinha vontade.

P/1 – Está satisfeita?

R – Estou satisfeita. Falei muito, nossa. Nunca falei tanto assim como hoje. Falei tudo.

P/1 – Então, acho que é isso, a gente quer agradecer por você contar tudo isso pra gente, tantas coisas, né?

R – Muita coisa, muita vida. Poxa, são...

P/1 – Idas e voltas

R – Idas e voltas, idas e voltas. E fora das idas e voltas teve a parte profissional, desde 69. Olha, quantos anos. Eu falei: “Gente, eu já não tô mais nesse planeta dessas crianças, não, meu planeta é outro” (risos). Porque muda, né? Tudo muda. As crianças, os pensamentos, o vocabulário deles já não é mais a mesma coisa da minha época, da época que eu trabalhava com as crianças. Muda tudo. Gente, como muda. Olha, eu tive uma decepção grande pra caramba, sabia? Quando eu fui trabalhar em Japeri. Porque eu tava acostumada a trabalhar com Segundo Grau, aí é outra coisa. Formação de professores. Fui pra Japeri e peguei turma de quinta e sexta série. Menina, eu fiquei arrasada. Eu chegava em casa arrasada porque eles falam muito, eles gritam muito. Eles não respeitam e não obedecem. O comportamento é completamente diferente. Muito diferente. Aí eu falei assim: “Gente, olha, já passou meu tempo, não é mais minha época, não”. Eu tenho que dar adeus, tchau e bye-bye e vou cuidar das minhas viagens, fazer minhas excursões, passear e deixar pros novos que estão aí. Os novos talvez falem a mesma linguagem deles. Vicente também fica meio assim, por causa desse jeito das crianças de hoje, e ele é muito... Também gosta das coisas certas, direito e nem todo mundo satisfaz as nossas expectativas (risos). Porque são diferentes, é a vida. Todo mundo passa, a vida passa, tudo muda. A gente não pode ficar presa, tem que mudar também, ou então, chega na hora de sair, sai com coragem. E a minha hora ta chegando, se Deus quiser. A hora de sair pra outra coisa, vou viajar, passear, conhecer muitos lugares por aí. Tem muita coisa no Brasil pra gente conhecer. Eu quero ir em Fernando de Noronha, Pantanal, Bonito, quando a gente vê na televisão.

P/1 – E vai conhecer.

R – É, e eu quero sucesso pro projeto de vocês.

P/1 e P/1 – Obrigada.

R – Porque vocês são maravilhosas, eu adorei. Vocês nos receberam muito bem. No outro encontro, no primeiro encontro, e agora também. Gostei muito, muito, muito.

P/1 – Que legal.

R – Que vocês tenham muito sucesso.

P/1 – A gente que tem que agradecer, Porque ele só existe por causa de vocês, que tem essa graça em contar.

R – É, É muito bom. E quando eu tiver oportunidade, porque lá em casa é um computador só pra três, quatro aliás, aí quando eu tiver em casa, sozinha, eu vou procurar entrar no site pra ver mais coisas, porque eu adorei. Eu vi uma vez só e gostei. Já tinha visto no outro encontro, lá na Tijuca, quando nós fomos na Sala de Informática e colocaram o site pra gente poder ver. Eu gostei dos depoimentos. Depois eu entrei em casa, vi e gostei, só que eu não pude ficar muito tempo, porque, justamente na hora que eu tava no segundo depoimento, aí a minha filha chegou e eu tive que sair, porque ela queria dormir, era de noite e eu tinha que desocupar o quarto (risos). Mas adorei. Tomara que vocês... Que isso crie mais força, que vocês consigam mais depoimentos, que de dez mil, passa pra vinte mil e que vocês consigam realizar o objetivo de vocês.

P/1 – Legal!

P/2 – Obrigada!

P/1 – Obrigada! Eu desejo o mesmo pra você! (risos)

R – Foi muito bom (risos). Muito bom mesmo.