Museu da Pessoa

receitas ludovicenses

autoria: Museu da Pessoa personagem: Ana Valéria de Jesus

Projeto Vale Memória – Cabine Boqueirão
Entrevistado por: Rosana Miziara
Depoimento: Ana Valéria de Jesus
Realização: Museu da Pessoa
Local: São Luís / MA – 27/06/2002
CVRD_CBSL010 – Cabine Boqueirão
VRD / SL – Cabine 010
Transcrição: Palena Durán Alves de Lima

P1 – Valéria, eu vou pedir para você falar o seu nome completo, local e data de nascimento.

R – Meu nome é Ana Valéria de Jesus, nasci no dia 21 de março de 59, é o que mais?

P1 – Sua cidade (risos).

R – Sou maranhense, sou ludovicense.

P1 – Aonde?

R – Sou Ludovicense, se chama as pessoas que são nascidas...

P1 – Fala mais devagar.

R – Sou Ludovicense, é o nome que se dá às pessoas que são nascidas em São Luís, ou então São Luisense, mas eu acho tão...

P1 – Na verdade, quem nasce aqui tem dupla cidadania?

R – Olha, pra mim, eu não vejo dessa forma. Eu sou maranhense e ludovicense e acabou.

P1 – Não, mas que tem uma cidadania da guiana, porque foi colonização em São Luís...

R – Ah, na época da colonização. Em se tratando de colonização, fomos fundados por franceses, invadidos por holandeses e a nossa descendência é indígena mesmo, ainda, que somos pelo próprio descobrimento do Brasil. E assim vai, tivemos várias colônias, hoje deveríamos ser franceses se eles realmente tivessem ...aí os portugueses vieram com (inaudível) e a gente está aqui.

P1 – Você sabe... os seus pais nasceram aonde?

R – Olha, a minha mãe ela é maranhense, o meu pai também é maranhense, mas só o meu pai ele é descendente de italiano e português, a minha mãe, ela é maranhense, ela é descendente de índio. Então, existe miscigenação, além do que, um pouco de negro que todos nós temos, devido às nossas raízes e tudo o mais.

P1 – Qual que era a atividade do seu pai?

R – Meu pai ele era, trabalhava na Receita Federal, ele era auditor.

P1 – E a sua mãe?

R – A minha mãe sempre foi doméstica.

P1 – Quantos irmãos vocês são?

R – Nós somos, comigo somos oito irmãos, é, comigo é oito.

P1 – Você foi criada aqui em São Luís?

R – Fui criada aqui em São Luís, fazer que nem o outro eu nunca arredei, aliás já arredei o pé só uma vez, assim que eu tomei adiante foi em São Paulo, só.

P1 – E quais são as lembranças que você tem de infância, assim, as brincadeiras...?

R – Ah, eu sempre fui muito traquina. Uma das histórias que eu tenho é que eu caí de um pé de tamarillo que tinha lá, tinha não, ainda tem lá na minha casa, caí de cabeça... E em função disso aí não queriam que eu estudasse, não, o médico na época, né, , achou que não era permitido com que eu estudasse mais, porque poderia prejudicar. E eu disse que não, quando eu saí fiz o primeiro grau, eu disse que eu queria fazer o segundo grau, que eu não ia ficar assim, aí resolveram me colocar para estudar, estudei no Marista, em São Luís, e, graças a deus, me dei bem e depois que saí do Marista fui para a Escola Agrícola, fiz o curso de Técnica em Nutrição, trabalhei aqui na Vale do Rio Doce por muito tempo como Técnica em Nutrição.

P1 – Como que você entrou para a Vale? Em que época?

R – Olha, eu entrei na Vale em 1985. Foi... como eles estavam estruturando o porto na época, aqui, eles necessitavam de uma pessoa junto ao nutricionista para poder trabalhar no restaurante, porque eles estavam contratando uma empresa para fornecer as refeições, mas eles precisavam da nutricionista da Vale para fazer a fiscalização, e a nutricionista precisava de alguém que a apoiasse. E, no caso, aqui em São Luís não tinha um curso, eles não tinham um curso específico para isso aí, e o que é que eles fizeram? Eles entraram em contato com a escola agrícola, que era o único colégio que dava esse tipo de ensinamento, e entre as pessoas da escola eles escolheram, mandaram as fichas procurando informações, e eu fui colocada entre elas. Eu vim aqui, fiz a entrevista, fiz exame, fiz teste; português, história, aquela, português, matemática, aquele tipo de coisa, e fiquei, passei. Só que eu entrei por uma empreiteira, chamada Engevix, na época, Engevix não....

P1 – Então, quer dizer, você viu todo esse crescimento do porto, a implantação?

R – Foi, desde quando ele iniciou, esse restaurante ainda não tinha sido inaugurado, só estava assim, estava estruturado, mas os equipamentos ainda não tinham sido todos postos, né, estavam esperando terminar para tocar. Quando foi em fevereiro eles iniciaram, fizemos a inauguração desse restaurante aqui, e em março, 22 de março de 86, e aqui foi em fevereiro de 86, lá foi em março de 86, foi a inauguração do outro restaurante. O outro restaurante, ele só, ele foi estruturado só para demanda de refeição, né, ele não foi estruturado para confecção, ele só fazia, nós só levávamos, acondicionado em container, a alimentação, e lá colocávamos em depósitos refratários e gabinetes térmicos, e distribuíamos em bandejas, que era, na época era servido em bandejas, bandejão, bandeja estampada.

P1 – Bandeja estampada? O que é bandeja estampada?

R – É aquela onde você tem um depósito para colocar arroz, feijão, salada, pão...

P1 – E nesse período em que você trabalhou assim, qual foi a história que mais te marcou?

R – Aqui, eu sempre gostei de trabalhar aqui, principalmente trabalhar no restaurante, porque a coisa que mais me mexe é a cozinha. Tanto é que teve uma época que as meninas estavam pedindo informação de quem sabia fazer arroz de cuxá, e perguntaram para mim: “Valéria, sabe fazer arroz de cuxá?”, eu digo: “eu não sei o que eu não gosto”; “não, então coloca lá, faz uma receita e manda pra nós”, aí eu mandei, e hummm. Mandei inocentemente, quando eu me espanto, lá estava eu, Ana Valéria, e a minha receitinha lá, bonitinha, num prato maravilhoso.

P1 – Dá essa receita para a gente, como que é o arroz de cuxá?

R – Olha, o arroz de cuxá ele é composto de vinagreira, camarão, aí vem o restante, o tomate, cebola, eu sempre gosto de fazer com toucinho branco, não o bacon ou o toucinho defumado. É o toucinho branco, você torra o toucinho, tira aquela, só a gordura, e você vai acrescentando alho, tomate, cebola. Aí você pega o camarão lavado, bem lavadinho, primeiro você cozinha a vinagreira, deixa lá, deixa lá cozidinha, aí aquela calda onde ela foi cozida você guarda um tanto para adicionar ao arroz, quando você for mexer, não é? Quando for colocar a água para ele poder ser feito. E bota o camarão junto com aquele tempero, e, logo em seguida, coloca o arroz, quando ele estiver refogado você coloca o arroz dentro, mistura, deixa ele secar mais um pouco, e adiciona água, e mais a vinagreira, abafa, fica daqui!

P1 – Tem alguma cena engraçada que você tenha presenciado no restaurante, alguma...?

R – Olha, aqui eu já presenciei, eu não me lembro o nome da pessoa mais, o nome da pessoa que estava na confusão. Ia passando com a bandeja, aí sem querer escorregou, a bandeja (...) caiu por cima. Gente, assim, aquilo ali me preocupou tanto, mas na mesma hora da preocupação dá vontade de dar aquele, abrir o sorriso e a gargalhada, está entendendo? Aí eu disse: “eu não posso rir, meu pai, eu não posso rir, eu tenho que ir buscar a pessoa, tirar a pessoa, para não ficar naquela situação braba”, aí a gente foi lá, levantou e levou direitinho, depois faz de conta que não aconteceu nada, e o restaurante estava cheio de gente. Já imaginou, deus me livre!?

P1 – E, ao longo desse tempo, assim, o que é que mudou na comida, nessa política de servir os funcionários?

R – Olha, na política, nós começamos exatamente com o pessoal sendo servido, tinha a empresa que era contratada para fazer esse tipo de serviço, e hoje nós mesmos fazemos. Porque antes você não se servia, alguém te servia, hoje em dia não, nós estamos com self-service, de lá pra cá houve uma transformação, é muito grande, para melhor, né? A Vale sempre procurou crescer nesse tipo de serviço, para poder mostrar o lado, para o próprio empregado se sentir à vontade e, nisso aí, como a gente veio dessa fase, havia as reclamações: “coloquei demais na minha bandeja”.Porque havia sobra, e tudo mais, e a gente sempre preocupado com as sobras que aconteciam, então a gente procurou fazer de uma forma, porque vamos dizer assim: “pô, se sobrou...”, um exemplo, 182 quilos de resto, quantas pessoas, quantas crianças iam ser alimentadas com aquilo ali? Então, houve esse trabalho em cima disso aí também, para que não houvesse esse desperdício de alimentos. Aí foi que entrou, logo depois veio a (Uels?), aí, em seguida, veio a Enefe, era uma empresa da Vale que arrendou, e ficou tomando de conta, aí veio a Atlântica, aí, logo em seguida, veio a CDP. Quando a CDP entrou, foi na época que a Vale do Rio Doce estava sendo privatizada, acho que em 97, não foi? Em 96, por aí, parece que ela trabalhou até 97 lá, aí no restaurante, funcionou parece que três a quatro anos, sem trabalhar aí. De lá pra cá sempre houve essa reestruturação, essa...

P1 – Você está fazendo o quê, exatamente, agora?

R – Olha, além, depois que eu trabalhei no restaurante, eu fui trabalhar na secretaria, trabalhava com expediente, material de expediente, trabalhava com correspondências, recebendo, enviando para cá pra dentro do órgão da Vale, interno, Vale do Rio Doce no Rio de Janeiro, em... toda a Vale do Rio Doce, fora, é Rio de Janeiro, Belo Horizonte, fazendo a Bras-mineira, esse tipo de coisa, e Carajás sempre mandávamos a malote, além do que recebíamos correspondências de fora, de outras empresas. Trabalhei também, lá dentro da secretaria, com os periódicos, assinatura de jornais, de revistas, então tinha aquele intercâmbio da Vale e eu, como empresa, contratar aquele periódico, para a Abril, para as outras revistas, para as outras empresas. E depois daí, da secretaria, eu trabalhei, estou trabalhando no Centro de Treinamento, no Centro de Treinamento nós somos uma, nós damos apoio logístico. Eu pertenço ainda à mesma gerência, onde trabalhei pelo restaurante, pela secretaria, permaneço a ser da Gasem, que é a Gerência de Serviços Gerais, Gerência de Serviços, e lá dentro o nosso trabalho é o apoio logístico. É, digamos, o que vocês estavam necessitando, vocês me, tem a outra gerência que faz a montagem do que ela vai precisar, assim, contrata um curso, certo? Dentro deste curso que ela vai dar, o instrutor e os próprios alunos vão precisar multimídia, então, para eu ter, para eu oferecer isso aí eu tenho que ter multimídia, eu tenho que ter uma CPU, tenho que ter o flip chart, tenho que ter um quadro branco, tenho que ter um lápis de, um lápis Pilot, ou aquele outro de quadro branco, entende, eu tenho todo o material que você necessita para poder dar condições de, daquele trabalho ser executado.

P1- Você tem saudade do restaurante?

R – Ah, eu tenho. Isso é uma das coisas, assim, que ninguém pode mexer no restaurante para mim, porque o olhinho brilha.

P1 – E alguma outra receita que você tenha feito, dá mais uma receitinha para a gente...

R – Deixa eu ver aqui as receitas que eu sei, ah, só sei receita meio doida, eu gosto de...

P1 – Fala uma coisa aí.

R – Eu gosto de, como alguém que diz, eu gosto de camarão, gosto de torta de camarão.

P1 – Servem torta de camarão?

R – Aqui não, mas nós servimos camarão para (inaudível) talvez um pra... depende

da quantidade de pessoas a ser, mas antigamente...

P1 – Qual foi o prato mais sofisticado que vocês serviram?

R – Aqui?

P1 – No bandejão.

R – Aqui no bandejão, o sofisticado mesmo, mesmo, mesmo, na minha época, quando eu estava aí era filé, filé à francesa.

P1 – Dá a receita dele.

R – Cara! (risos)

P1 – Pegue o bife... (risos)

R – Você trata o bife, o filé, bonitinho, tira a pele e tudo o mais... A forma como eles tratam, pelo menos na minha época, sempre estou falando na minha época, hoje em dia eu não sei muito bem não; você coloca alho, limpa ele direitinho, o tratamento dele não leva água, é direto, porque ele já vem congelado, então a gente coloca num pré-degelo, numa bancada apropriada para aquilo ali. Então, quando ele sofre o degelo, ele já por alto, por si vai tirando o excesso de sangue, que é o lado protéico da carne, mas, só que ela não se desfaz do lado protéico, então o que é que acontece? Depois disso aí, você pega, vai trocar, vai cortar os bifes, vai estar amaciando, e em cima dele você vai colocar um sal com, a gente usava muito cominho, sal, cominho e água, e ia colocando. Primeiro colocava na cuba apropriada, aí você ia jogando sal e colocava um em cima, faz aquela camada, aí, depois, colocava de novo por cima outra camada, e assim sucessivamente. Depois disso aí a gente pegava, levava, deixava ele pegar o tempero normal, levava a frigideira para poder, a fritadeira basculante para fritar, para dourar, e fazia um molho à parte, colocava batata frita, batata frita palha, batata palha...

P1 – Beleza, que chique!

R – Presunto, ervilha, colocava por cima e, para poder dar aquele tonzinho mais bonitinho, a gente também colocava pimentão cortado, todos em tiras, e o que mais? E um pouco de cenoura, pronto. Aí... em cima, levava na bandeja, arrumava na bandeja tudo bonitinho, e na hora de colocar na bandeja você tem que sempre ter um carinho especial, porque você tem que fazer com que a pessoa que vai passar para comer, ela não coma só no curtar, no paladar, ela vai ter que comer com os olhos, você tem que arrumar de forma que a pessoa coma com os olhos também.

P1 – E o pessoal comia muito?

R – Comia bastante.

P1- Com a boca?

R – Com a boca e com olho também. Inclusive, lá no restaurante da oficina, onde eu trabalhei também um bom tempo, trabalhei lá em... eu era intercâmbio dos dois.

P1 – No outro restaurante, você diz, da oficina?

R – No restaurante da oficina. Aqui...

P1 – Lá o pessoal come mais?

R – Lá come, por causa do tipo de trabalho que eles fazem, eles são mais pesados, eles trabalham em oficina, então, a carga é mais pesada. Tinha um garoto, ele era estagiário, e esse rapaz, teve uma vez, a gente estava servindo frango, frango assado, e quando dizia que era frango assado, na época ele não era cortado do jeito ele é, ele não era trinchado do jeito que ele está sendo, o quê que é trinchar? É ser cortado em miudinhos, né? Ele era trinchado de outra forma, era no quadrado, era o frango assado inteiro, certo, cortado no meio e depois novamente... dava um, dois, três, quatro porções. Esse rapaz levou mais de um frango na bandeja, você não olhava o cara, só olhava a comida, eu fiquei preocupada, “pô, será que esse camarada vai conseguir comer isso tudo?” Aí eu deixo, também deixei ele passar, bonitinho, não falei nada. Quando eu fui olhar, você acredita que ele tinha comido tudinho? Não deixou um farelo, só deixou os ossos porque tinha que deixar. Eu fiquei “meus deus, como é que vai tanta comida?”, não acreditei. Mas assim...

P1 – Valéria, tem alguma coisa aqui que a gente não tenha conversado, alguma outra história que você queira deixar registrada?

R – Na época em que a gente, eu trabalhava em restaurante também, de novo, nós fazíamos, logo que eu entrei aqui, nós fazíamos muito churrasco, era churrasco de natal, churrasco de fim de ano, era uma comemoração que existia, a gente fazia um churrasco e tudo o mais. Nós trabalhávamos com esse churrasco lá no Vale Verde, lá mais um pouco acima, depois do (inaudível). era um lugar excelente, a gente, sabe assim você trabalhar e ir para a churrasqueira, eu tenho até um retrato dessa época, que era eu, dona Zilda, dona Zilda era a nutricionista, Gil vermelho, era todo mundo que está aqui, do restaurante. E eu antes sempre fui assim, nunca gostei de ficar muito, nunca gostei de ficar sentada em escritório, sou muito mesmo assim, de meter a mão na panela, de olhar, de provar, eu provava, assim que eu chegava aí no restaurante eu provava feijão, arroz, carne, sopa, tudo o que tinha, carne, o que viesse, prato principal e a opção, e a guarnição, tudo, o café, pra ver como estava saindo, se estava muito encorpado, como é que deveria ficar, esse tipo de coisa. Então, foi uma época muito boa, adoro, gosto demais de trabalhar em restaurante, gosto de cozinha, e assim vai. Mas, época boa mesmo, era quando a gente fazia...

P1 – E uma receita típica maranhense, assim?

R – Ah, típica maranhense é o arroz de cuxá.

P1 – Arroz de cuxá você já deu a receita.

R – É. E o peixe frito, pode ser a pescada, ou pode ser o peixe prega, que é muito bom também.

P1 – Obrigada.

R – Então, valeu.