Museu da Pessoa

Petróleo e política

autoria: Museu da Pessoa personagem: Heitor Manoel Pereira

Meu nome é Heitor Manuel Pereira. Eu nasci no dia 19 de agosto de 1925. Na cidade de Recife, no Estado de Pernambuco. Eu sou nordestino assumido.
PAIS
Meu pai tinha o nome de José Domingos Pereira, um cidadão da baixa classe média. Filho de português, que não conseguiu fazer o primário. Mas venceu na vida naquela época e terminou como despachante estadual, trabalhando em uma fábrica de tecido de propriedade do capitalista Batista da Silva. Hoje falecido, como todas as suas indústrias também faleceram. Minha mãe, Elisa de Barros Pereira - essa é a minha linha afro-índia. Porque o bisavô dela era africano e o outro era índio. E nasceu no interior de Pernambuco, na Zona da Mata. Quer dizer, hoje está muito perto de Recife, deve ser até no Grande Recife chamado Amaragi. No século 19. 1800 e pouco. E era costureira de profissão. Costurava em casa, as amigas dela, as madames da época. Não teve curso primário completo porque ela ficou órfã muito cedo e foi criada em uma instituição de freiras católicas.
Meu pai trabalhava no escritório lá junto dos dois donos da fábrica. E era um período que greve o cara ia para o xadrez e às vezes nem voltava, porque era o período do Estado Novo. Quando Getúlio Vargas decretou o Estado Novo, a 10 de novembro de 1937, eu estava na minha escola estudando o ginásio. E tomei conhecimento, mas eu não entendia nada. E os operários também - a fábrica de tecido era uma fábrica que montou, construiu uma vila para os operários ficarem junto da fábrica, não tinha meio de transporte. Então nessa vila em que moravam os operários meu pai também teve direito a uma casa, e nós moramos dentro dessa casa, dentro dessa vila. E a brincadeira era essa. São João, a fábrica mandava fazer um tablado lá, pagava uma orquestra. A gente sambava São João e São Pedro, todo mundo lá junto. Os operários e eu no meio. Porque eu me considerava igual a eles, como ainda hoje me considero.
AVÓS
Eu conheci minha avó paterna. Meu avô paterno era o português que morreu muito jovem, com 30 e poucos anos. E minha avó já morreu com 80 e tantos anos. Então eu conheci minha avó paterna. Minha tia-avó paterna. Materna não, porque morreram muito cedo. Até minha mãe era pequenininha quando seus pais morreram.

Olha, eu uma parte da minha vida eu morei com ela. Não tem nada de especial de lembrar. Era ela a irmã dela, viúva todas as duas, uma tia minha casada também com um português pobre. Moravam em Torre, em casa própria delas. E o que eu me lembro muito da minha infância eram as enchentes do Rio Capibaribe que invadiam a minha casa. Era uma beleza. A água vinha chegando, a gente ficava olhando. Aí achava uma beleza. Então isso aí não tinha nada de mais na minha avó nem nada. Como sempre, a maioria das mulheres brasileiras não tem oportunidade de estudar. Quase sempre não têm o curso primário completo. As mulheres brasileiras. As mulheres brasileiras não são essa do Grande Rio nem do Grande São Paulo, não. São mesmo o pessoal que mora nesse Brasil grande aí. Então essa é minha avó.
FESTAS NA INFÂNCIA
A minha casa para mim era cheia. Porque essa questão de sensação de medida depende muito da idade da pessoa. Quando a pessoa é muito pequenininha, criança, como essa distância até aquela parede é longe pra chuchu. Então quatro pessoas pode ser muita gente, né? E a casa era grande, porque era eu, logo em seguida tinha duas irmãs. Depois, passou uns dois anos, veio um irmão. Depois veio outro irmão. E era isso. Morava em uma vila operária. Minha juventude toda foi no meio dos operários de uma fábrica de tecido. Então minha relação com os operários é desde pequenininho. Hoje os que estão vivos ainda são meus amigos. Operários pernambucanos, que todos eles também migraram para o Rio de Janeiro e para São Paulo. Estão por aqui, estão morando em Caxias, Nova Iguaçu, nessas bandas aí do Grande Rio. Olha, nessa vila, nós éramos crianças em Recife, nós éramos marcados por uns quatro ou cinco eventos. A maioria deles ligados até a religião. Era muito importante para nós o Natal, o Ano Novo. Depois vinha a Semana Santa - na minha época o feriado era a semana todinha. São João e São Pedro em Pernambuco era uma festança, e ainda é. Depois vem a Semana da Pátria, que naquela época também era a semana todinha de parada, de jogos na escola etc. Depois vinha o Natal e o Ano Novo. Então, e o Carnaval no meio - eram quatro dias naquela época. Quatro dias, o que era um negócio muito bom. A gente se fantasiava, ia brincar. Ia para a cidade, para o centro da cidade, para a casa de uma prima da minha mãe. E brincava o Carnaval. Que era uma beleza o Carnaval. A gente se fantasiava de pierrô, de arlequim. Dessas coisas que se faziam naquela época. Minhas irmãs de bailarina, desses negócios, certo? Mas não havia essa violência que há hoje, e as marchas, as músicas carnavalescas, que não fazem mais, eram muito singelas. Não é essa porcaria que existe hoje na música popular brasileira com raras e honrosas exceções. Tem música que não dá para se ouvir. Naquela época era música dos irmãos Valença, do qual Alceu Valença é um descendente. O pai e o avô dele, o tio-avô, eram grandes músicos em Pernambuco. Faziam muita marchinha de Carnaval. E eram essas festas mesmo.
Outra festa muito importante na minha juventude, que hoje não se comemora mais, é o dia 13 de dezembro, que é o dia de Santa Luzia. E Santa Luzia, eu não sei qual que é o motivo, era padroeira dos operários da fábrica. E a fábrica bancava uma festa. Então a fábrica tinha uma orquestra, uma banda de música e pagava. Montava o palanque. Iluminava todas as ruas que iam lá para a igreja. E pagava os padres certamente. Era uma festa que durava 13 dias. Santa Luzia era marcante no nosso bairro porque terminava sendo uma festa pré-carnavalesca. Porque a moçada tocava frevo, o pessoal da porta da igreja ficava dançando frevo, né? Que é uma delícia, frevo. O frevo é malhado. Frevo é, o cara precisa ter fôlego para dançar frevo. Naquela época eu dançava. Hoje eu não danço nem forró.
CLUBE NÁUTICO CAPIBARIBE
Eu quando era jovenzinho, pequenininho, o meu pai na minha cidade era sócio de um clube chamado Clube Náutico Capibaribe. Naquela época, à semelhança do Fluminense, era um clube racista. Não entrava nem preto para jogar nem para ser sócio. Eu era considerado preto. Meu pai era branco, era filho de português. Mas eu era preto. Eu entrei depois que saí da Escola de Engenharia. Eu entrei no clube. E tem o outro clube, que já acabou, que também é da elite pernambucana, que é de uma elite das mais apodrecidas do Brasil a elite pernambucana, que chamava Internacional. Que já acabou. Não entrava, o meu pai era sócio, mas eu não podia ser sócio porque eu era preto. Aí eu entrei na Petrobras, passei a ser engenheiro da Petrobras, autoridade. Quando eu cheguei no Recife as portas se abriram. Fiz o maior carnaval no Internacional. Levei uma dúzia de garrafas de uísque. Levei meus amigos todos, fizemos uma farra do caramba. Aí não tem mais problema. É como Pelé hoje. Pelé hoje é loiro de olhos azuis. Porque a conta bancária dele é muito grande. Existe no Brasil mais uma diferença em torno da posição do bancário de que da cor dos caras. No meio dos pobres não tem esse negócio. No meio dos pobre não tem. E aliás o Brasil, vamos dizer, não sei se você viu aí uma japonesa com um pretinho passeando na avenida Rio Branco, vê um alemão com uma mulata todo entusiasmado. Não tem no Brasil, não tem esse negócio. Tem discriminação, mas não tem racismo. É diferente discriminação de racismo.
RELIGIOSIDADE FORMAL
A religiosidade da minha família, segundo eu percebo hoje, era uma religiosidade formal. Todo mundo era católico porque o pai era católico, porque o avô era católico, porque o bisavô era católico. E se era católico por isso. Mas não era, como os católicos não são chegados a ler Bíblia, eu acho que lá em casa não tinha nem Bíblia. Mas todo mundo ia para a missa no domingo. Por que eu ia para a missa? Porque era uma festa ir para a missa. Não tinha nada para fazer na década de 20 nem de 30 na cidade. Então qual era o encontro? O encontro: ir para a igreja. Coisa mais maravilhosa fazer novena de Santo Antônio. Novena não se de quanto. Aí fazia nas casas. As mocinhas iam lá fazer música, cantavam. A gente ia participar desse negócio. Então isso aí era, a vida naquela época era vida muito singela. Não tinha rádio, não tinha nada. O primeiro rádio que apareceu no meu bairro era na casa de um cara, parece que era alemão. Um rádio desse tamanho, um bicho imenso que ele tinha na sala, e a gente ficava tudo na calçada do cara para ouvir o rádio. Para o lado de fora da rua, né? Isso aí que eu me lembro da minha juventude.
INTENTONA COMUNISTA
O bairro que eu vivi era o seguinte, o bairro que eu vivia tinha uma delegacia, como em quase todos os bairros. E eu não sei como é que era. Eu sei que era o tempo que havia movimento comunista e o movimento fascista. Que era o Partido Integralista. E havia gente integralista e gente fascista. Só que eu não entendia muito desse negócio. Eu devia ter nessa altura em torno de dez anos mais ou menos. Então o que acontece é que, do movimento comunista tem um fato interessante na minha vila. É que na minha escola, me colocaram no catecismo. Catecismo é um curso que se faz na Igreja Católica para o cara fazer a primeira-comunhão. Então aquelas mocinhas, que se chamam catequistas, aquelas catequistas ensinavam o Padre-Nosso, Ave-Maria. Contava aquelas histórias etc e tal. E eu fui fazer primeira comunhão, eu e minha irmã. Que era um ano mais nova do que eu. E naquela época primeira-comunhão o sujeito fazia fantasiado mesmo. Porque ia todo de branco. Gravata, um molequinho assim. Minha irmã vestida como se fosse uma noiva, eu acho, toda. Uma vela maior do que eu. Lá íamos nós. Aí fui para a missa. O que é que acontece? Por coincidência essa minha primeira-comunhão foi no dia do levante comunista na cidade. Então meu pai estava no depois da missa, daquela primeira comunhão, meu pai: “Vamos tirar retrato.” Mania de tirar retrato. Ainda bem, né? Tem que se tirar retrato. Então para se tirar retrato meu pai levou a gente para centro da cidade de Recife. Quando... aí a gente só viu um negócio meio esquisito. Não tinha mais ninguém na rua. Uma correria para lá e para cá. Aí nós chegamos no centro da cidade e entramos na loja para tirar o retrato. Quando saiu, cadê? Não tinha meio de transporte. Um cidadão chegou junto do meu pai: “Você está com essas duas crianças aí, está um levante comunista aí. Está uma revolução danada. É fogo por todo lado. Eu acho melhor você dar um jeito de ir embora”. Nisso passou um bonde. Bonde elétrico. É um bonde - é um meio de transporte daquela época; teve muito no Rio também até a década de 50 mais ou menos. E meu pai pegou o bonde. E aquele motorista: “É o último bonde.” E meu pai pegando o bonde. E o bonde terminou no meio da batalha dos comunistas com o governo lá em uma praça chamada Largo da Paz. Os caras atrelados em cima da torre da igreja, foi uma luta. Então o que acontece? Não tinha carro, não tinha táxi. Não chamava táxi naquela época, era carro de aluguel mesmo. Não tinha. Então o que acontece é que chegaram e disseram: “Você vai embora para casa. Vai de qualquer jeito.” Aí nós viemos a pé. Do Largo da Paz até minha casa na Torre, por uma estrada de barro. Hoje está toda asfaltada, a estrada se chama Estrada dos Remédios. Que liga Largo da Paz à Torre; termina na beira do rio lá na Torre. Viemos a pé. Ao meio-dia. (risos) De roupinha de coisa. A vela se derretendo na mão da gente, o sapato apertando o pé. Foi uma loucura. Nunca mais me esqueci dessa primeira-comunhão. Ficou na história do Brasil. Primeira-comunhão. Então eu estou na política desde pequenininho. Eu participei da revolução comunista como anjinho. Então esse é o negócio da primeira-comunhão.
“O PETRÓLEO É NOSSO”
Frente a minhas preocupações – também não sei por que razão me levaram a ter essas preocupações – eu fiquei curioso em tomar conhecimento de alguns problemas. Às vezes são coisas que aparentemente são muito secundárias. Por exemplo: Monteiro Lobato ajudou muito a juventude a pensar no problema de petróleo. E eu li toda a literatura daquela época sobre petróleo. Aí veio a briga em duas teses no Brasil. Por quê? As grandes companhias de petróleo naquela época eram sete. Chamadas Sete Irmãs. Cuja coordenação era norte-americana. Era dos anglo-saxões. Eu costumo chamar anglo-saxões porque este é que é o inimigo da humanidade, se chama a elite anglo-saxã. Que é a elite norte-americana e a elite inglesa. Elite inglesa. A Inglaterra é uma Federação. Tem quatro nações a da Inglaterra, da Grã-Bretanha. A elite inglesa é que domina. A elite inglesa e a elite norte-americana. Norte-americana com a Esso. Que tem outros nomes: Mobil e tal. E a inglesa tinha uma companhia de petróleo fundada por um holandês chamada Deterlin. E o holandês disse: “Não, para eu avançar eu tenho que ter uma nação forte que me dê um apoio.” E essa nação forte naquela época era a Inglaterra. E a então Deterlin, que fez o tal Shell, se associou com o império britânico, com a Casa Real Inglesa, império britânico, e a Shell passou a ser anglo-holandesa. Mas quem manda são os anglo-saxões. E não interessava a essas companhias que se descobrisse mais petróleo no mundo. Porque o que ela tinha no momento controlando era suficiente. Então desenvolveram campanha intensa de que no Brasil não tinha petróleo. O Brasil não tinha petróleo. O Brasil não tinha petróleo. Não adianta procurar petróleo. Não tinha petróleo. E nós ficávamos, nós que éramos jovens naquela época, preocupados. Porque se na Argentina tinha petróleo, na Bolívia tinha petróleo, na Venezuela tinha petróleo, tinha na fronteira, por que não tinha para o lado de cá? Que mistério é esse? Nós não entendemos de geologia, mas que mistério danado, tem lá e não tem cá? Aí nessa época se desenvolveu, a discussão alcançou a área militar através do Clube Militar. Esse da Praça da Cinelândia. E um general que foi da Coluna Prestes, cearense de nascimento, Juarez Távora, do qual os amigos dele são meus camaradas hoje. São colegas meus engenheiros. Os filhos do general Juarez Távora. Juarez Távora, que foi da Coluna Prestes, fez a revolução de 30, defendeu uma tese de que realmente o Brasil não tinha capacidade nem técnica, nem financeira, nem econômica, nem de qualidade nenhuma para desenvolver uma pesquisa de petróleo. Um outro general que depois passou, foi promovido a marechal, chamado Horta Barbosa: “Não, o petróleo ou é do Brasil ou é das grandes companhias. Porque é uma indústria que requer capital e requer maturação demorada etc e tal. E o Brasil tem que ter, ou ele é o dono do seu petróleo ou ele passa a ser das grandes companhias internacionais.” E essa tese chamada de Tese de Horta Barbosa foi empolgando toda a sociedade. Foi daí que apareceu o movimento “O Petróleo é Nosso”. E nós, como estudantes em Pernambuco, nos engajamos nesse movimento do “O Petróleo é Nosso”. E “O Petróleo é Nosso” foi feito uma campanha nacional como nunca tinha visto na história do Brasil. Comícios, caravanas, apareciam lá coronéis, brigadeiros etc e tal e professores universitários, estudantes, líderes trabalhistas, e foi uma campanha, naquela época se fazia escrita nos muros, né? Oxe, foi pouco. Pegava cal, fazia uma lata de cal; saía um com a lata de cal, outro com o pincel pintando os muros: “O Petróleo é Nosso. O Petróleo é Nosso.” E como sempre os estabelecimentos, o poder estatuído, estabelecido achava que aquilo era um negócio subversivo. Que o petróleo não podia ser nosso. E prendia a gente. A gente saía pintando; de vez em quando tem um bocado de polícia na esquina quando a gente chegava: “Pega todo mundo! Leva para o xadrez.” Então como é que é? Muitas vezes eu e outros colegas fomos presos nessas condições. Aí os estudantes, os diretórios acadêmicos faziam aquelas caravanas - iam na delegacia, tiravam a gente da delegacia etc e tal. Geralmente a gente saía de lá para ir para uma festa. Saía do xadrez para ir para uma festa de estudante. Então essa luta continuou. A Tese de Horta Barbosa foi vitoriosa porque Getúlio Vargas mandou um projeto para a Câmara Federal e esse projeto efetivamente não atendia ao que nós defendemos, chamado Estatuto do Petróleo. Permitia a entrada de empresas estrangeiras no Brasil, e esse projeto foi discutido com uma pressão do povo nas ruas, etc e tal. Houve muito tiroteio nos comícios.
Eu participava de muitos comícios. O comício que me marcou mais foi o comício em que os estudantes mataram um dos colegas nossos, estudante de direito, chamado Demóstenes de Souza Filho na Praça da Independência, em 1944. Getúlio no poder. Demóstenes de Souza Filho. A polícia chegou, deu uns tiros lá para cima; o rapaz levou uma bala e morreu. Era um líder estudantil. Ficou marcante esse negócio do Demóstenes de Souza Filho, porque foi um dos pretextos que incentivaram a derrubada de Getúlio Vargas em 44. Então o que acontece é que o movimento foi, mas lá no Congresso houve a coisa mais interessante - é que a bancada da UDN, que era mais conservadora, resolveu apresentar, com birra com Getúlio Vargas, resolveu apresentar um substituto. E foi o substituto do deputado, um personagem interessante, que era Olavo Bilac Pinto, o substituto dele foi aprovado e foi aqui que nasceu a Petrobras com o monopólio estatal do petróleo. Getúlio Vargas sancionou a lei no dia 4 de outubro de 1953, e a Petrobras como empresa foi instalada no dia 10 de maio de 1954. E Getúlio Vargas naquela competência política que ele sempre teve pegou um inimigo do monopólio e botou na Presidência da Petrobras. Botou um cidadão da UDN, general Juarez, Juarez não, aquele baiano... Juracy Magalhães como presidente da Petrobras. Mas botou a diretoria de gente muito boa. Hélio Beltrão, uma grande figura. Um outro que era um funcionário do Ministério da Fazenda muito bom também e um outro que era um paraibano também, estudioso da economia etc e tal, então uma diretoria muito boa. E a Petrobras montou e se criou.
A juventude brasileira, regra geral, participou da construção da Petrobras. Porque era um desafio. Os americanos diziam que nós não tínhamos competência de formar uma empresa petrolífera. E nós dizíamos: “Nós temos competência.” E formamos a empresa. Ela saiu de zero, aí apareceu petróleo na Bahia. Uma gotinha de petróleo no subúrbio de Salvador chamado Lobato e a partir daí se impulsionou a campanha do petróleo. “Tem em Salvador, tem em outros lugares do Brasil.” Então nós íamos para a Petrobras não atrás do salário, que era muito bom àquela época, mas não era isso que nos preocupava. Mas formar uma grande empresa competente. E conseguimos fazer.
PRIMÁRIO
A minha primeira escola, eu fui para a escola muito cedo. Devia ter o quê? Uns 7 anos. Era uma escola particular - duas professoras, e a mãe viúva que tinha uma escola na casa dela. A escola no Nordeste, e Recife era a grande cidade do Nordeste, era uma escola que eu não sei como é que hoje funciona. Naquela época professora estava lá e tinha menino desde aprender as letras até o quarto ano e o quinto ano para fazer o tal do exame de admissão. Então estudava tudo na mesma sala. Ela perguntava a um, estudava outro - e isso aí que a gente passava lá. Eu gostava muito da escola. Achava uma felicidade ir para a escola. Sempre gostei de ir para a escola. Para todas as escolas de que eu participei. E a camaradagem, a amizade. E a professora tinha uma parte que ela fazia cultural, hoje se diz cultural. Porque ela fazia umas pecinhas de teatro. E no fim do ano havia a formatura daquele grupo que ela achava que estava se formando. E fazia uma festa com teatro, representação. E às vezes a gente até participava como extra, né? Nas pecinhas que ela montava na coisa. Mas era, eu era muito feliz e não sabia.
GINÁSIO
O ginásio, eu estava frequentando essa escola. Aí, tem um colégio no meu bairro que era de uns protestantes. O bairro da Torre, onde morávamos, fica à margem do Capibaribe. Quase tudo fica na margem do Capibaribe. Porque o Capibaribe fica fazendo volta lá dentro da cidade. Fica a margem do Capibaribe onde o ponto importante era essa fábrica de tecido. Dos Batista da Silva. E esse bairro, ligado a esse bairro tem um bairro chamado de Madalena. Continuação, que vai até a Praça João Alfredo, que tem um edifício, um casarão antigo que era do conselheiro João Alfredo. Personagem do império. E lá tinha um casarão que tinha o Colégio Batista, chamado de Colégio Batista no Recife dos protestantes. E meu pai me colocou lá na admissão. Isso foi nos idos de 34. 1934. Em 35 foi o levante comunista no qual eu tinha que me deitar todo dia embaixo da cama por causa dos tiros. Porque Recife era uma cidade onde havia sempre movimentação política. Então nós já estávamos acostumados: ‘ti’, todo mundo debaixo da cama. Quatro, cinco meninos deitado debaixo da cama. Então quando houve o levante comunista eu já estava nessa escola.
Com a revolução comunista começa a perseguição aos estudantes - como é

comum perseguir estudante. Então perseguiram os estudantes, e a Faculdade de Recife, como historicamente era um centro de geração de políticos, gente de discussão de problemas brasileiros. A escola de Pernambuco, de Recife, escola de direito, que foi a primeira escola do Brasil em Direito – foi a de lá e a de São Paulo – tinha muito estudante que era ativista etc e tal. E tinha dois jovens que se formaram naquele ano que eram jovens paraibanos. O pai era promotor lá no interior da Paraíba, e acharam que ele era esquerdista. E com medo de perseguição – porque a perseguição no Nordeste era mais ou menos violenta às vezes – o pai dele resolveu que ele comprasse aquele colégio. Então ele comprou o colégio. Comprou o colégio dos protestantes. Mudou de nome do colégio, o colégio passou a se chamar Ginásio da Madalena. E esse cidadão fez um grupo de professores de alto nível. Porque eram aqueles professores que estavam mais ou menos perseguidos.
Então nós tivemos grandes professores de geografia, de história, de matemática, de física, de química. Porque aquela coisa - aquela juventude que era interessada e que estudava, que debatia os problemas, foi dar aula na minha escola com esse cidadão. Esse cidadão se chamava Abelardo - já faleceu. Abelardo era esquerdista. Diziam que ele era esquerdista. Ele achava que era. E depois ele era meu camarada, porque ele ficou esquerdista. Ele era esquerdista, meu diretor e naquela época se respeitava muito o professor. A gente podia não gostar do professor, mas respeitava o professor. Era senhor professor, senhora professora. E havia aquela relação de respeito que havia muito entre nós e os professores. Os professores eram importantes na tua vida. E hoje o Abelardo fez carreira política porque mudou de lado. Foi ser secretário de Estado do general Cordeiro de Farias, governador interventor em Pernambuco. Foi deputado estadual, deputado federal, secretário da educação, terminou como senador biônico de Ernesto Geisel. Maravilha, quando ele me contava eu ficava todo acanhado. Imagina eu falar com ele. Não tenho nada com a vida dele. Então esse era o meu colégio.
PRÉ-ENGENHARIA
Eu fui da última turma que se formava em um tipo de graduação chamada bacharel em humanidades. Era o curso que era de 5 anos. Que ele se concluía em 5 anos. Aí você entrava na faculdade. Direito, engenharia, medicina, que eram que existiam com mais força lá em Pernambuco. E eu fui da última turma dessa tal bacharel em humanidades. Que era um curso em 5 anos. Em seguida eu fui para um colégio particular, que era um colégio no bairro da Boa Vista, mais chegado para o centro. Muito conhecido. Onde fazia um curso que naquela época se chamava curso pré. Curso pré. Então pré é antes. Pré-engenharia, pré-direito e pré-medicina. Então você escolhia: “Não vou ser engenheiro. Uma das engenharias. Vou fazer medicina.” Então você ia para um curso pré-jurídico, pré-engenharia, pré-direito, pré-medicina. E eu fui para a pré-engenharia. Não sei por que razão eu fui para a pré-engenharia. E também tivemos muita sorte, porque pegamos professores de alto nível. Muitos deles marcaram muito. O professor Nilton Maia é uma grande personagem. Grande personagem. Professor da Escola de Engenharia. Foi depois meu professor na Escola de Engenharia. Professor Siqueira. Professor Gesteira. Quer dizer, uma série de professores: Amaro Quintas. Professores – muitos deles já eram do ginásio e depois foram desse colégio. Os da área de engenharia eram o Nilton Maia, Siqueira, Gesteira, eram professores deram para mim até aulas na universidade. Eram professores desse colégio, que não existe mais. Isso aí foi esse tal curso pré. Aí também eu fui o último do curso pré. Porque o Ministério da Educação, quando não tem o que fazer, muda esse negócio de currículo escolar, inventa esses cursos, essas coisas. Eu não sei por que razão, porque cada vez piora mais. Ainda bem que esse agora não foi feito pelo brasileiro, foi feito em Chicago. Para desmontar toda a formação de lideranças no Brasil se montou esse tal de curso de conceitos - esse troço todo que para mim é uma droga, mas tem um objetivo político claro que é desmontar a formação de lideranças no Brasil. Então você encontra as lideranças atuais são lideranças feitas na minha época. Marco Maciel, Brizola, Arraes. Essa turma veio do outro tempo, quando a escola ela tinha outra formação. Então os estudantes discutiam política, discutiam os problemas brasileiros e daí saíam vários políticos de renome. Mário Covas, e outras personagens. Serra foi presidente da UNE. Aldo Rebelo, que hoje é líder do governo, foi presidente da

UNE – União Nacional dos Estudantes. Mas a revolução, por determinação norte-americana, que a elite brasileira costuma obedecer com muita sofreguidão, mudou o sistema. E o sistema foi mudado inclusive pelo cara que foi meu chefe da Petrobras. Eu trabalhei na Petrobras em vários Estados do Brasil. E um deles foi o, na época, major terminou como coronel. E o coronel foi ministro da Educação e implantou a ferro e fogo as determinações do decreto 447 - você não é daquela época - e desmontou todo o ensino universitário brasileiro. É o Jarbas Passarinho. Jarbas Gonçalves Passarinho. Está vivo, está no Pará. Mora no Pará, aposentado.
CURSO DE ENGENHARIA
Na Universidade de Engenharia eu entrei em 1947. Mas no momento eu tinha uma atividade política muito ativa. E o que é que acontecia com os estudantes que tinham uma atividade política muito ativa? Ele chegava, passava no vestibular, se matriculava. Quando chegava o mês de maio, mais ou menos, trancava - um tal de trancar matrícula. Porque a atividade não dava tempo dele permitir. Eu fiz toda a campanha do “O Petróleo é Nosso”. Podemos chegar lá depois. E a política foi se desenvolvendo. Chegou a 1950, 51, então eu resolvi terminar o curso de engenharia. Então a partir de 51 eu freqüentei o curso regularmente. Em 56 terminei. Então se chama, eu fiz um longo curso. Os outros fazem em 5; eu fiz em 10. Mas aconteceu, eu fazia porque eu não ia. Trancava a matrícula. E muita gente fazia isso. Hoje eu não sei como é que é. Eu militava em movimento político. Porque eu fui comunista. Eu fui do Partido Comunista do Brasil. E naquela época só havia um esquerdismo, que era o comunismo. O resto não era esquerdismo. Não existia esse negócio de ter 10, 15 partidos de esquerda. Que eu acho que nenhum deles é de esquerda. Estão todos meio confusos por aí. Então o que acontece é o seguinte: eu era jovem, não sei por que razão – possivelmente pela minha vivência no meio operário – eu na escola tinha o quê? Tinha 9 anos, 10 anos quando veio a guerra e eu já torcia pelos aliados contra o nazismo. Por que eu torcia contra o nazismo eu não sei, contra o nazismo. A partir daí e para aquela juventude, ir para o Partido Comunista foi um salto. Então é comunista, de um partido comunista, atividade durante esse tempo todo. E até que em 56 eu resolvi terminar o curso de engenharia. Aí me afastei um pouco da política militante. Aí fiquei mais na área estudantil lá, de dentro da própria escola etc, e tal, “O Petróleo é Nosso”. É o tal negócio. Fazendo trote político com os estudantes. Que nós alteramos a filosofia do trote lá em Pernambuco.
O trote antes de nós entrarmos na Escola de Engenharia, o trote era um trote meio massacrante. Raspar a cabeça dos caras, e pintar o cara aí todo de tinta. E fazer humilhação com os colegas etc e tal. No nosso, a partir do nosso momento nós passamos a fazer um trote político. O cara se fantasiava, às vezes, mas eram muitos cartazes, muita faixa pelo “O Petróleo é Nosso”, contra a guerra da Coréia. Aqueles troços todos que nós fizemos, está certo? Então o trote passou a ser político. Começou pela Escola de Engenharia. Em seguida a Escola de Direito começou a fazer, medicina. Então os trotes em si passaram a ser uma festa na cidade. Toda cidade via passar, ver o trote passar. Então vinham milhares de pessoas, aquelas calçadas da rua o trote passava. Então saía de casa, os caras passavam, aquela festa tremenda. Ficou um trote sem violência. Pintava os caras, mas já com esse sentido político de fazer cartaz com bonequinhos etc e tal. Versos, e saía aquilo ali, a moçada na rua. Protestando ou reivindicando alguma coisa nesse sentido. A maioria concordava, mas em princípio como era, eles gostam de sair. A juventude gosta de sair. Eles gostam dessa onda toda.
CURSO NA PETROBRAS
Então, nós estamos na Petrobras, na escola. Na escola eu digo: “Eu vou para a Petrobras, ou eu vou para Volta Redonda ou eu vou para a Acesita. Para isso eu preciso fazer também engenharia metalúrgica.” Aí eu fiz engenharia metalúrgica. Nesse ínterim apareceu uma comissão comandada por um cidadão chamado Moggi que era o superintendente da área de Treinamento, etc e tal. Naquele tempo chamava Cenap, que por determinação da diretoria foi convidar engenheiros, e não somente engenheiros, mas pessoas que estudavam. Por exemplo físicos, que fizeram curso de física, de matemática. Uns determinados cursos assim que fizeram, que podia ser para contratar assim para a Petrobras. E chegou na Petrobras, na escola de Recife em Pernambuco, um grupo chefiado por esse cidadão e perguntou: “Quem quer fazer o teste para ir para Petrobras?” A Petrobras naquela época tinha 3 anos. 2 anos e pouco. Aí apareceram uns 20 e não sei quantos. E nós fizemos umas provas que eles botaram, fizemos umas argüições, umas coisas. “Então vocês estão então convidados para ir fazer um estágio na Bahia. Vão estagiar já remunerados pela Petrobras.” Era uma prova de conhecimentos gerais, eu não sei bem qual era o objetivo do cara. Porque de petróleo a gente não sabia nada. Tinha que ser uma prova em relação a conhecimentos gerais da engenharia. O que é que nós tínhamos aprendido. Se nós tínhamos noção. Porque na realidade, eu não posso dizer hoje, mas na minha época o cidadão saía engenheiro, mas ia aprender depois de formado. Porque só existia uma tal de engenharia civil. E de lá o cara saía com uma base para se especializar no trabalho. Ele ia ser rodoviário, ferroviário, trabalhar em doca, contra a seca no sertão - e lá que ele ia aprender efetivamente na prática. Então a Petrobras nos convidou. Achou que nós podíamos entrar depois desse curso, desse teste. E nós fizemos um curso na Jequitaia, que era a sede da região de produção da Bahia, que era a única que tinha petróleo naquela época. E fizemos como contratados para fazer o primeiro curso teórico lá em Salvador, na Jequitaia. Fizemos uns 3 meses ou 4.Todos engenheiros. Éramos, eram dois cursos: um para a área de Produção e outro para a área de Refino. Tinha uns 60, 80 nesses diversos cursos. Era gente de todo o Brasil. Todo o Brasil em termos. Porque onde tinha escola, né? Por exemplo, Pernambuco centralizava todo o movimento estudantil de Alagoas até o Norte. Sergipe ficava com a Bahia. Minas, Espírito Santo com o Rio de Janeiro ou com Belo Horizonte, Juiz de Fora. Então o que tinha escola, tinha gente do Rio Grande, do Paraná, de São Paulo, do Rio, de Minas, da Bahia de do Pernambuco. Pernambuco pegava o cearense, o paraibano, o pessoal do Rio Grande do Norte etc e tal. Então passamos esses 4 meses nesse tal curso teórico, e depois mandavam a gente para o campo. Quem ia para a perfuração ia para uma sonda de perfuração. Fazer toda a atividade do operário. Começava pelo operário de baixo. Que se chama plataformista. Pegar tubo, carregar no freio, enroscar tubo. Botar o tubo lá no buraco do poço. Tirar e vir todo molhado de lama de perfuração. E trabalhava por turno, né? Porque perfuração não pára. É 24 horas por dia até terminar o poço. E fazer todas as funções da perfuração. Que era plataformista, torrista, o cara que ficava lá em cima segurando a torre, o tubo etc e tal. E ajudante, auxiliar de soldador e soldador.
IDA PARA O MARANHÃO
Depois de passar mais uns 6 meses nesses cursos, a Petrobras me mandou para o Maranhão. Era uma unidade da Petrobras lá no Maranhão. E no Maranhão me disseram: “Você vai comandar uma equipe de perfuração no Maranhão. No interior do Maranhão.” No interior do Maranhão era uma cidadezinha criada por Vitorino Filho, que tinha duas ruas na beira do, no fundo da Baía de São Marcos. Não tinha meio de transporte nenhum. Ou era barcaça, barcaça mesmo, ou era teco-teco. Cabiam duas pessoas ou três no teco-teco. O teco-teco descia, aterrissava no campo de pelada de futebol. E quando tinha um cavalo, um boi lá, um troço, era uma luta para espantar o boi para o avião descer. Então eu fui para lá para chefiar essa equipe em uma cidade chamada de Bequimão. Essa cidade teve esse nome em homenagem a um revolucionário maranhense chamado João Bechman. João Bechman fez uma revolução lá no Maranhão e deram o nome dele a essa cidade. Cidade de Bequimão. Talvez nem o povo de lá saiba que é isso. Mas essa foi a razão. Porque o homem chamava Bechman. Era muito complicado dizer Bechman, dizia logo Bequimão. Então passou o nome da cidade.
A data da minha entrada na Petrobras nós podemos considerar duas datas: 2 de janeiro de 1957, quando eu entrei como contratado para fazer o curso de estagiário. Teórico. Aquele curso que tinha que ler, estudar, aquelas preleções de fazer trabalho escrito etc e tal. E abril de 57 eu entrei como estagiário, que era carreira inicial de engenheiro na Petrobras. Registrado na Petrobras, como funcionário da Petrobras, como engenheiro Como eles chamavam, para fazer o estágio no campo. E aí em abril, dia 16 de abril de 1957. A partir daí fui para o Maranhão chefiar essa equipe. Fizemos um poço. O poço deu poço seco, é quando não tem nada. Quando não tem petróleo. E a sede no Rio de Janeiro resolveu transferir a minha equipe para o Mato Grosso. Fazer um poço no Mato Grosso. Mas a Petrobras achou que eu tinha que ficar no Maranhão. Então me transferiu para a cidade, para a capital, São Luís, que era a sede a unidade. Olha, entre os moradores da região o que podia se arranjar era o peão que fosse trabalho mais braçal. Os outros eram pessoas que vinham até da Bahia, onde havia mais experiência. Eram operários inteligentes e analfabetos. Mas eram operários inteligentes, que aprendiam o ofício deles com muita competência e desenvolviam o trabalho. Chegaram até a ser sondadores. Agora, o chefe da operação era um americano. E o geólogo também era um americano. E nós comandávamos a tal equipe mais como administradores que como técnicos. Porque nós, como técnicos, não tínhamos aquela experiência de furar. E o americano tinha. O americano também não era muito letrado, não. Era operário mesmo, mas chegava lá com a função que eles chamam é de “puxa”. Puxador. E tinha o geólogo que é um, o geólogo - chama geólogo de poço -, que fica lá o dia todo para analisar a linha que sai lá dentro do poço. Para ver como é que é o negócio. Então eram americanos. Aliás a essa altura toda a Petrobras, a área técnica, era comandada por americanos. Americanos nos cargos de comandante. Agora, tinha australiano, neozelandês, canadense. Tinha alguns cubanos. Ingleses, franceses também. Cubanos também, cubanos que já tinham passado pelos Estados Unidos, gente boa.
TRANSFERÊNCIA PARA MANAUS
A Petrobras era um sistema assemelhado com o sistema do Exército. O cidadão quando entra assina um papel dizendo que ele vai para onde a Petrobras mandar que ele vá. Ele entra nessa condição. Se eu precisar de você nos Estados Unidos você vai. Mas se precisar você ir para o Acre, você vai para o Acre, certo? Então é assim como entrava gente na Petrobras. Acho que ainda hoje continua sendo. Então eu fui para, aí disseram: “Você agora vai chefiar ou então vai fazer perfuração, porque aqui você vai fazer o serviço de suprimento de material.” É o cara que compra, vende, estoca, transfere para o pessoal usar. E me botaram como chefe desse negócio. No Maranhão. Aí em seguida passei, em princípio, como no Exército, eu passava um ano e meio ou dois em cada função. A Petrobras era bem menor. Então chegava um determinado tempo a Petrobras dizia: “Agora a operação está deslocada para a Amazônia. Nós temos 80% da nossa operação no Amazonas.” Pará, Amazonas, aquela zona toda de lá. “Você vai chefiar a Petrobras no Amazonas.” Aí me mandaram para Manaus. Manaus era uma beleza, porque Manaus não tinha luz. Continuava no blecaute de 1940, da guerra. Não tinha luz nenhuma. Não tinha transporte coletivo. E me mandaram para a Petrobras, que era a coisa mais importante de Manaus. A Petrobras. A Petrobras não tinha nada. Então a Petrobras botava um motorzinho a gasolina para dar luz para a minha casa, botava uma geladeira a querosene, uma tal de Gelomatic, que não existe mais, mas era, botava uma coisinha de querosene embaixo acendia, gelava. E um motorzinho no fundo do quintal da casa para dar luz. A gente ia, acendia o motor, ligava aquelas horas que precisávamos daquela energia. Lá nós éramos a entidade mais forte na região. Porque nós tínhamos mais carros, mais caminhão. Tínhamos dois aviões que faziam todo serviço manobrado, que passavam por Manaus todo dia. E nós tínhamos muitas lanchas e coisas que a Petrobras tinha que nós operávamos tudo aquilo lá. O governador não tinha quase nada, e nós tínhamos tudo isso. Tanto é que quando foram, o governo mandou fazer a usina elétrica de Manaus, mandou um major do Exército, que passou a ser nosso amigo. Também já faleceu. E a Petrobras é que ajudou, por ordem do Rio de Janeiro, ajudou a montar essa indústria, essa usina elétrica em Manaus, senão nós não tínhamos energia lá. Então a Petrobras fez isso lá em Manaus. E lá eu passei quase dois anos em Manaus, chefiando tudo, toda a atividade da Petrobras: suprimento, transporte, pessoal, etc, etc e tal. Perfeito. Era isso aí.
TRANSFERÊNCIA PARA BELÉM
Aí depois de dois anos disseram: “Não, você agora vai para Belém.” Aí eu fui para chefiar uma entidade maior. Que atendia o suprimento em sete Estados do Brasil, em todo o Norte. Nós tínhamos três escalões de suprimento. Aquela movimentação medonha de comprar material etc e tal, e eu fiquei em Belém comandando esse negócio. Nós tínhamos o nosso escritório desse departamento em Belém, na cidade. Transferiram mais para o subúrbio, nós nos transferimos, mudamos para lá em um lugar chamado Tapanã. A Petrobras está toda lá agora. No Tapanã, em Belém. Belém sempre foi uma cidade muito mais importante do que Manaus, né? Tinha luz, tinha água. Uma cidade simpática. Muito arborizada. Muita mangueira. As praças de mangueira, aquelas ruas cheias de mangueira. Ótimo. Porque o povo pobre come as mangueiras, as mangas. É o único lugar em que o general lá se chama generalíssimo. A rua se chama Generalíssimo Deodoro. Então, mas é uma beleza. Uma beleza. Porque a viagem ao Amazonas, à Amazônia de um modo geral, são sete Estados hoje, é muito interessante porque é uma cultura diferente. Mas tem um denominador comum, nós temos uma coisa que pouca gente tem no mundo e é uma das qualidades, é uma das características importantes para o Brasil como nação. Nós temos uma única língua - que por sinal querem acabar. Querem violentá-la. Uma única língua. Você chega no Amazonas, você com poucos dias você se sente em casa, porque você fala igual a todo mundo que está lá. Eu que andei do Rio Grande do Sul ao Norte, nunca tive dificuldade. Porque eu achava interessante a maneira de falar as coisas, mas é uma língua só. Isso não existe na França, não existe na Itália, não existe na Espanha. Na Espanha são seis línguas. Não existe na Inglaterra. Na Inglaterra você tem o escocês, tem o irlandês. Tudo tem um dialeto diferente. E o Brasil tem um língua só, nesse continente. Isso é uma vantagem comparativa muito importante para o Brasil como uma grande nação. Que infelizmente as nossas elites não têm essa vocação de ser brasileiros. O trabalho com as populações ribeirinhas a Petrobras sempre teve e eu acho que ainda tem. Eu estou afastado há dez anos. Mas sempre teve uma preocupação de colaboração. Porque quando nós chegávamos, em muita região é um choque. É um choque. É um choque de tudo. Da maneira de cozinhar. Da maneira de - por exemplo, eu cheguei no interior da Bahia, a carne que não valia nada era o tal do filé mignon.

Aqui dá um valor danado. Então eu passei a comer só filé mignon, tá certo? Cheguei no Maranhão, a maneira de cortar uma galinha é uma coisa, se espatifava uma galinha todinha. É um negócio que não se fazia na minha terra. Então tem, e tem certas características interessantes - a influência índia na Amazônia é muito grande. Por exemplo, você tem peixes maravilhosos na Amazônia, de rio. E o cara cozinha peixe enterrando no chão. Faz uma cova e bota o peixe lá. O tambaqui, que é um peixe assim gorduroso. Bota umas folhas por cima etc e tal, bota terra, não sei quando, daqui a pouco o peixe está uma delícia. Eu não tive relação nenhuma com os índios. Mas toda a vida a turma que tinha relação era sempre relação profundamente cordial e respeitosa. Não somente com o índio como com a natureza lá. Nós procurávamos não estragar quase nada.
Depois eu fui para a sede em Belém. A sede em Belém administrava Manaus. Manaus estava subordinada à sede de Belém. O superintendente era Jarbas Gonçalves Passarinho, que foi ministro da Justiça, ministro da Educação, ministro daquilo e daquilo outro. Revolucionário de 64. E lá eu passei aproximadamente dois anos. Com eu sempre ficava sempre um ano e meio, dois anos em cada lugar.
CHEFE DE COMPRAS
Aí, para minha felicidade ou não, me colocaram para chefiar aqui no alto, administração da Petrobras. Eu vim a ser chefe do escritório central de compras. 1963. Princípio de 63. O Escritório Central de Compras era a unidade da Petrobras que era responsável por fazer as compras no território brasileiro e nos estrangeiros. E nós tínhamos um escritório em Paris e o outro em Nova York naquela época. Depois mudou para Houston, mudou para Londres, mas naquela época era um em Paris outro em Nova Iorque. E nós as encomendas, fazia uma tomada de preço, controlava. E dependendo do nível de autorização de cada autoridade aquela diretoria resolvia, o conselho de administração etc e tal. Então eu fui chefiar essa entidade quando eu vim de Belém.
PRISÃO
O ano de 63 eu chefiei, aí foi um ano muito tumultuado no Brasil. Eu em um determinado momento fui a uma embaixada, uma comissão para a Europa, uns seis colegas da Petrobras, uns caras de outras entidades do governo: Vale do Rio Doce, sei que lá. E um embaixador do Itamarati, e nós fomos correr o Leste europeu, porque havia um acordo do Brasil com o Leste europeu para fornecimento de equipamentos de petróleo. Então essa comissão, e eu fui nessa comissão, estivemos a maior parte do tempo na Tchecoslováquia. Visitamos várias indústrias na Tchecoslováquia. Estivemos na Hungria. Estivemos na Alemanha, em Berlim, nessa época. Depois veio a revolução. Veio a revolução e como eu, na minha administração eu não gosto de dar, nunca gostei de usar o meu cargo para benefício meu nem de amigos. Tanto é que eu nunca botei nenhum parente na Petrobras. Nunca indiquei nenhum parente para a Petrobras. Então o cara trabalhava, eu: “Tá bom.” Se não trabalhava de acordo com aquilo que eu achava que era importante, eu pedia para ele ser deslocado para outro lado. Não queria que ele fosse para a rua. Para outro lado. Então eu acontecia que eu encontrei nessa unidade uma série de coisas com que eu não concordava. Por exemplo, só para entender, não é a história da Petrobras que tem que contar? Eu cheguei, eu tinha três secretárias. “Para que é que eu quero tanta secretária, meu Deus do céu?” Aí vem o outro: “Você não tem remedinho para tomar? Você não quer?” “Meu Deus do céu, três secretárias. Eu não tenho coisa para três secretárias.” Eram pessoas que, qualquer motivo, o chefe certamente gostava de ser rodeado de secretária tinha. Mas eu não via necessidade. Então tinha outras atividades dentro da própria unidade de trabalho que precisavam de gente. “Minha filha, você não era daquele lugar? Volta para lá, volta.” Então eu reduzi o meu, vamos chamar de gabinete como chamava, eu e uma secretária, só. Eu não precisava de três secretárias, está certo? Eu não gostava de receber convites para almoço e nem para jantar e nem para tomar uisquinho, de fornecedores. Porque embora eu entendendo que isso faz parte da vida social no sistema capitalista, eu considero isso um fator de corrupção. Então, para evitar, eu não gostava de ser convidado para coisa nenhuma. Se era uma inauguração onde ia toda a diretoria da Petrobras, eu ia. Se era um negócio em uma embaixada, eu ia. Agora o negócio dos caras me chamarem para eu ir almoçar etc e tal eu não gostava de ir. Porque eu pessoalmente considero que isso é um fator de corrupção. Como eu não gosto de receber presentes. Porque presente não é à minha pessoa física. Presente é ao meu cargo. No momento que eu perder o cargo eu não ganho mais presente. Então eu não ganho presente. Não me dê que eu não recebo. “Ai, Natal,” Não quero presente. “Ai, aniversário.” Não quero presente. Porque o presente não era a mim, era ao meu cargo. Então no caso o presente devia ficar por lá, não era para mim. Então eu tive um bocado de milico lá na área: “Brigadeiro, o que é que o senhor está fazendo? O senhor não tem o que fazer aqui. Vamos arranjar outro lugar para o senhor

fazer, vamos lá para outro lugar fazer. Ô, coronel, não tem o que fazer aqui, coronel. Ô mar-e-guerra, mar-e-guerra não tem o que fazer.” E isso certamente criou uma simpatia pela revolução, e uma comissão de dois brigadeiro e um coronel veio me prender. Porque eu tinha afastado eles de lá. Claro que a minha vida de estudante político, de manifestação, os meus dias de xadrez pelo “O Petróleo é Nosso”, etc e tal, contou. Mas também contou porque eles disseram que eu tinha feito o quê? Inventaram que eu tinha feito, eu fiz um negócio que os americanos faziam muito tempo, que era uma atividade muito simples. Que é o seguinte: a burocracia emperra. Emperra por quê? Emperra porque eu tinha tantos chefes de divisão, eu tinha três secretárias. Mas o chefe de divisão tinha duas. O chefe de setor tinha uma. Então era mulher espalhada por todo canto. Não tenho nada contra. Eu sou feminista. Eu gosto muito de mulher e sou a favor das reivindicações das mulheres. Acho que são justas. Então o que acontece? Vão formar o quê? “O é que a menina é? A menina é datilógrafa.” A outra auxilia. O que é que faz fundamentalmente isso, né? Datilografia. Não havia computador. Eu fiz o que o americano chama de pool. Um pool de datilografia. Então botei 20 e tantas mulheres lá dentro. Botei três caras para subordinar, que eram estudantes de direito, para coordenar. Em menos de dois meses tirei o atrasado de dez anos. Papel que tinha lá porque não tinha quem fizesse datilografia. E passei a fazer para os outros departamentos. “Vocês não tem coisa para fazer, não? Porque não tem aqui.” Isso, chamaram isso que era um negócio de guerrilha ou sei lá o quê. Deram um apelido que eu tinha feito aquilo lá.

Eu ri porque fiquei impressionado pela burrice lá dos marechais. Então me prenderam. Prenderam a mim, prenderam vários colegas, prenderam um outro colega meu que no final terminou presidente da Petrobras. Mas foi preso comigo nessa época, no mesmo camburão - Carlos Sant’Anna. Hoje está aposentado. Carlos Sant’Anna foi diretor muitos anos da Petrobras e terminou como presidente. E passou uns dias comigo no xadrez lá do Dops. Mas ele era, tinha prestígio, ele não, o sogro dele. Me parece, dizem as más-línguas, não sei se é verdade, e só passou alguns dias no xadrez. E eu passei 45 dias fazendo uma turnê por conta dos cofres públicos. Porque ficava no Dops, na Ilha das Flores, não sei aonde. Na Frei Caneca.
CASSAÇÃO E DEMISSÃO
Aí eu sou cassado em uma lista ilustre. Não sei quantos generais, não sei quantos almirantes, não sei quantos governadores. Lá está meu nome, lá no meio, e é muito impressionante. Eu tenho esse documento, eu tenho esse Diário Oficial. O cara me deu para mim esse Diário Oficial com a cassação. Em junho do 64. Então me cassaram. Minha mãe me telefonou de Recife: “Você leu no jornal?” Eu digo: “Eu li nada.” “Você foi cassado.” “Eu sei, o que é que eu vou fazer?” Ainda estava na Petrobras, porque eu estava apenas afastado. Fiquei na Petrobras até agosto. Em agosto me demitiram. Sem coisa nenhuma. Fizeram não sei quantas CPI, esses negócios de sei lá militar, etc. Não acharam nada. Felizmente não tem nada contra mim até hoje e nem vai ter. Então é esse negócio. Saí nessa cassação e aí fui quebrar pedra. Quebrar pedra porque eu sempre trabalhei na Petrobras e estava praticamente com medo de trabalhar na área de petróleo. Aí foi um transtorno para mim, porque eu já tinha dois garotos pequenos. Aí eu fui vender livro. Coisa mais chata do mundo. Vender livro técnico. Quer dizer, aí eu vendi para os meus camarada, né? Vendi para a Petrobras, porque o diretor era meu amigo. Vendi para o BNDES, porque o diretor era meu camarada. Vendi para outras firmas aí que tudo, né? Então, e quando acabou esse círculo de camarada, eu não vendi mais livro. Aí mudei de atividade. Aí era uma luta para sobreviver. Essa coisa, a gente, quando é moço, enfrenta isso com muita facilidade. Eu pelo menos enfrentei. Você não imagina o que fazem. Porque eu aí fui fazer, daí dos livros eu passei, o cara me convidou para ir fazer uma fabriqueta lá em Engenho do Dentro. Engenho do Meio. Sei lá, um engenho que tem aí. Engenho, aquele subúrbio que tem aí. No fundo do quintal; fazia armário de aço e mesa para desenhista. Eu fui lá administrar o troço; passei uma temporada lá. E finalmente me chamaram, um cara que trabalhava com a Petrobras me chamou para trabalhar com ele na firma dele, como o que eles chamava de engenheiro de venda. É o nome que o americano chama de sales engineer. Engenheiro de vendas. É para trabalhar? Tudo bem, vamos trabalhar. Aí eu fui trabalhar. E uma série de atividades na área científica. Na área nuclear. Então eu visitei esses laboratórios todos. Fiz amizade com esses cientistas todos no Brasil afora. Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas, onde tinha, né? Isso era Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas e Rio de Janeiro. De repente o dono da firma: “Você não pode trabalhar na Petrobras? Eu vou perguntar ao presidente e aos diretores.” Aí foi lá perguntar a eles. Eram todos meus colegas, né, que estavam lá naquelas funções. Como nunca disseram nada contra mim pessoalmente, eles me recebiam com muita gentileza. Nunca tive nada. Então: “Como é, eu posso trabalhar na Petrobras? O cara está perguntando.” “Ô, rapaz, vem cá. vem cá. Pode vir, está liberado. Pode vir trabalhar.” Eu trabalhava como representante de firmas estrangeiras, norte-americanas. Porque os estrangeiros, os capitalistas do Primeiro Mundo não têm esse negócio não. “Ah, o cara é esquerda.” Não tem, ele quer que o cara trabalhe para ele, acabou. Se for muito, ele até mata. Mas se não for ele vai explorar o trabalho do cara até não poder mais. Então eu trabalhei para firmas americanas, inglesas, alemãs, francesas. Mas essa primeira fase eu trabalhei com as universidades e com outras empresas. Não tinha nada com petróleo. O cara: “Não, você tem que trabalhar com pessoal do petróleo. Vou perguntar, e então vou te ver.” Aí eu fui lá, o cara que me substituiu naquela unidade - eu fui chefão dele. Era um general. Era um general e o adjunto dele era um marinheiro. “Olhe lá, você está com ordem da diretoria para trabalhar aqui. Vê o que é que você vai fazer, viu?” “Eu não vou fazer nada. Apenas oferecer um negócio”. Aí fiquei lá. Eu comecei, veja bem o seguinte, a pior coisa do regime militar que não se sabe, da ditadura militar, não é a cassação explícita. Não é você sair em um decreto. Porque aquilo vai fazer parte até do seu currículo. Mas fizeram muito com os aviadores. Fizeram muito com os aviadores e fizeram comigo. Eu estava trabalhando, representando uma firma e tal - daqui a pouco, o meu chefe me chama: “Rapaz, eu recebi um telefonema do coronel fulano de tal, me dando uns conselhos que não seria bom para mim você ficar trabalhando comigo. Olha, eu gosto muito de você, mas você vai compreender”. Eu digo: “Claro que eu compreendo. O senhor não vai perder o seu negócio por minha causa”. Aí eu me afastava. Isso aconteceu várias vezes. Uma vez eu ia fazer um negócio que parecia ser um negócio grande. O pessoal ficava com um olho desse tamanho. Então chegaram - eu já estava trabalhando dentro da Petrobras, como representante. Então chegaram e botaram um papel na mesa do presidente da Petrobras, que era aquele almirante que foi governador do Rio, quando fizeram a fusão. Tem até tem os irmãos também, um era brigadeiro, aquele almirante era presidente da Petrobras. Então na mesa dele me proibindo de entrar em todos os departamentos da Petrobras. Se eu entrasse o chefe ia sofrer punição. Eu digo: “O que é que eu vou fazer? Não vou prejudicar meu colega lá”. Aí eu tinha, nessa altura eu tinha três diretores que eram meus colegas dentro da Petrobras. Eu tinha esse colega meu, eu mantinha uma boa relação com ele: “O que é que eu faço?” “Isso é uma bobagem. Vamos derrubar esse negócio.” Tem uma repartição que era o Serviço Secreto que os militares montaram chamado Divisão de Informação. Devin Investigação, um negócio assim. Chamado Devin, lá a sigla. “Você vai lá e diz para ele que não tem problema.” Eu peguei e fiz um requerimento, peguei a assinatura de vários diretores, ex-diretores, superintendentes, ex-superintendentes, general, brigadeiro, etc e tal. Dizendo que não tinha nada que me impedisse de trabalhar na Petrobras. Fiz aquele troço todinho falei: “Está vendo, ô coronel, - o coronel lá da coisa – olha aqui, eu trouxe isso aqui para o senhor por orientação do diretor”. “Está muito bem, eu vou tomar conhecimento -

depois volta aqui.” Levou uns dias lá, ele me telefona: “O senhor quer comparecer aqui?” “Pois não.” Aí eu fui lá. Isso no tempo dos militares, dos milicos. Aí ele disse: “Olha, eu tenho ordem aqui para o senhor voltar a trabalhar na Petrobras. Agora, você vai voltar devagarzinho. Você vai escolher qual é a unidades em que você quer trabalhar. Então a gente vai deixando,todo mês a gente deixa. Libera várias unidades. Daqui a uns 4, 5 meses você está entrando em todas”. “Muito obrigado.” A partir daí eu não passei mais nem na calçada da Petrobras. Eu só voltei à Petrobras quando eu entrei para trabalhar lá dentro, anistiado em 1985.
Então isso foi comigo, experiência própria. Agora, hoje há uma comissão de anistia no Ministério da Justiça, e essa mídia que merece muita preocupação dos leitores. Dizem que existem indenizações – o que não é o meu caso -, indenizações milionárias. Essas indenizações são de oficiais da Aeronáutica que eles proibiram de trabalhar. Através de um decreto secreto, que nenhum país do mundo tem decreto secreto que eu saiba, proibindo os aviadores de trabalhar. O aviador que foi para a escola pequenininho para ser aviador só sabe ser aviador. De repente você não pode trabalhar de aviador? O cara ia trabalhar em uma fazenda de uma cara em um teco-teco, aí vinha o telefone do coronel: “Bota esse cara para fora senão eu ponho...” Teve gente que se suicidou. Teve gente que endoideceu. Teve gente que para não morrer de fome foi trabalhar em Angola, Moçambique. E hoje pelas anistias esse pessoal tem direito a essa indenização, porque o Estado comandado por esses milicos o impediu de viver, estão achando que é estrambótica. Mas não quer, a imprensa não levanta os que se suicidaram. Os que enlouqueceram por essas providências, está entendendo? Então a gente tem muito cuidado. Eu não vejo mais nem televisão. Esses jornais do Iraque eu não leio, porque tudo aquilo é o Pentágono que manda. Então eu acho que esses jornalistas brasileiros, com todo respeito, uma pessoa que precisa ganhar o seu dinheiro, mas eu preferia mudar de profissão se fosse jornalista.
ANISTIA
Eu fui anistiado em 1979, por uma lei do Congresso assinada pelo general Figueiredo. O general Figueiredo assinou essa lei. E dizia o seguinte a lei: que eu encaminharia a minha requisição para a empresa de minha origem. Não, para o Ministério ao qual minha empresa era subordinada. O Ministério mandava para a empresa da minha origem. Independente da opinião da empresa se precisava dos meus serviços eu seria reintegrado ou seria aposentado na marra. Muito bem, era ministro o coronel César Cals. Cearense, esse coronel do Exército. E era presidente da Petrobras o honestíssimo doutor Sigeaki Ueki. Honestíssimo doutor Sigeaki Ueki. Era o presidente da Petrobras. Ministro das Minas e Energias que fez o negócio da Light, a compra da Light. Ele disse o seguinte, deve

ter perguntado lá a alguns cupinchas: “Está doido botar esse cara aqui dentro?” Então ele disse: “Não preciso do senhor Heitor Manuel Pereira.” Aí foi para o César Cals. O César Cals mandou: “Não preciso do senhor Heitor Manuel Pereira.” Então o senhor César Cals me aposentou na marra. Foi uma excrescência jurídica, porque isso não existe. Só não foi pior porque tinha um procurador geral da República, um homem honestíssimo e sábio que orientou como devia funcionar aquele troço. Houve a queda do regime militar, o Tancredo Neves foi eleito, morreu. Não assumiu, mas Sarney assumiu. Ele aceitou o Ministério e colocaram no Ministério das Minas e Energias um patriota. Um elemento conservador, patriota, honesto chamado Aureliano Chaves. E botaram na Petrobras também um cidadão que participou do Ministério da Revolução. Foi um dos ministros dos generais, mas era um homem honesto, patriota. Foi diretor da Petrobras, primeiro diretor da Petrobras. Competentíssimo, chamado Hélio Beltrão. Então nós retornamos toda a Petrobras. Reclassificada etc e tal. Voltamos à Petrobras em 86. Você vai para uma geração defasada de 20 anos. Eu saí em 64, volto em 85. 64 para 84 são 20 anos. 20 anos, 21 anos de diferença. Aquela engenheirada toda já não é mais aquela do meu tempo. Então: “Não, você é o homem do suprimento, –porque eu fui chefe desse troço – você vai ficar lá.” Botaram lá em uma mesa e praticamente não me davam nada nesse tempo para eu fazer. Nem me ligavam. Aí o diretor era meu camarada, que esteve preso comigo, que era o Carlos Sant’Anna; me botava em umas comissões lá para fazer umas coisas lá. Eu fazia as coisas que ele mandava no grupo de trabalho. Grupo de trabalho tal, bota o Heitor lá. Eu ia lá, passava 10, 15, 20 dias naquela coisa. Daí eu fiquei lá o tempo todo. Aí o cara me chamava e dizia o seguinte, o meu chefe lá, já faleceu: “Olha, rapaz, eu só tenho um lugar para você aqui, mas não vou dar um lugar, que é o meu. Então eu não vou dar o meu lugar para você. Você compreende?” “Eu compreendo. Está muito bem.” Então eu ficava lá.
APOSENTADORIA
E quando o Collor assumiu, o primeiro Fernando, desencadeou aquela campanha que foi o início do desmonte do Brasil como nação. Todo o Brasil, foi o Collor que assumiu essa tarefa. Se deu mal. Foi com muita sede ao pote, então só durou 2 anos. Começou a providenciar as demissões dos funcionários públicos e das estatais etc e tal. E começou um negócio na Petrobras de quem tivesse idade e tal devia se aposentar. E quem não tinha ia para a lista de demissão. O que acontece? Eu era aposentado já pelo governo e fiquei preocupado com meus colegas mais jovens. Estava todo mundo apavorado. Apavorado: “Será que vão botar o meu nome?” Eu falei: “Rapaz, eu vou dar o meu nome porque eu não tenho problema, eu não preciso. Tenho com o que viver.” Aí eu pedi para ser afastado da Petrobras em 90. Aí eu me afastei da Petrobras. E hoje eu só, meus

trabalhos são todos não-remunerados, porque eu sou o diretor da Associação dos Engenheiros da Petrobras, que une os profissionais de nível universitário da holding, de toda a empresa. Sou conselheiro há já mais de 12 anos do Clube de Engenharia - atividade não-remunerada onde eu tenho a possibilidade de fazer política. Com P maiúsculo. Que é defender a Petrobras, voltar a Petrobras aos seus eixos. É ser contra a cessão da base de Alcântara aos norte-americanos, é ser contra a Alca. E é lá no Clube de Engenharia e na Associação dos Engenheiros que nós fazemos essa política. Não é política de PT, PSB, de PDT nem nada disso. Essa é a minha posição hoje.
INÍCIO DAS ATIVIDADES
Nessa época não tinha nem sindicato quando a Petrobras começou. A Petrobras tinha atividade produtiva na Bahia. Tinha uma refinaria de 2.000 barris. Processava 2.000 barris diários, que era a Refinaria de Mataripe, que fica na Grande Salvador. E tinha uma produção na Bahia de 2.000 barris de petróleo. Mais não tinha. Era isso o que tinha. E a Petrobras procurava petróleo no Amazonas, no Rio Grande do Norte, no Ceará, no Mato Grosso, no Paraná. Procurava petróleo. Então quando tinha muita atividade criava uma superintendência regional, como se chamava na época. Tinha no Maranhão, tinha no Amazonas, tinha a da Bahia. Quando era a mesma usina chamava de distrito. Isso era a parte de geologia comandada pelos americanos, notadamente, e a de perfuração também. O que é que faz a Petrobras? A Petrobras diz - não diz, faz. O negócio não é dizer, o negócio é fazer. A Petrobras toma uma decisão de formar técnicos brasileiros para substituir os americanos. Então a Petrobras manda aqueles que se destacavam mais fazerem cursos nos Estados Unidos, na França, na Itália, por conta dela, e monta escolas de geologia, que é a tarefa primeira para descobrir petróleo, nas universidades brasileiras, que não tinham. Escola da Universidade do Pará foi feita pela Petrobras, de Pernambuco pela Petrobras, da Bahia pela Petrobras. E aí afora todas as escolas de geologia que foram montadas na década de 50 e de 60 foram feitas pela Petrobras. Pagava os professores, pagava tudo. E mantém convênio até hoje com a maioria dessas escolas. Porque se não fosse a Petrobras nós não tínhamos condições de substituir os americanos. Então a Petrobras pagava peso de ouro: “Onde é que tem quem entende melhor de paleontologia?” “É um cara da Hungria.” “Manda buscar esse cara da Hungria.” O cara vinha, botava um bocado daqueles caras mais vivos em torno daquele cidadão e começavam a absorver os conhecimentos daquele. “Quem é que entende mais de não sei o que lá?” Então vinha, está certo? Então vinha. Aí o camarada, como nós não sabíamos por exemplo determinadas atividades de tirar perfil elétrico, etc e tal a Petrobras contratava firmas estrangeiras. Aí botava dois, três engenheiros brasileiros lá junto para aprender. Quer dizer, então nós formamos uma memória tão importante que hoje na atividade de produzir petróleo no mar a Petrobras é campeã. Americano não sabe, inglês não sabe. Porque os pocinho da Inglaterra no Mar do Norte são pocinhos de lâmina d’água de 400 metros. Nós estamos produzindo a 3.000 metros de profundidade de lâmina d’água. São 3.000 metros de lâminas d’água mais 3.000 metros dentro do mar, dentro da terra. E produzimos. A maior produção agora é no mar, nossa. Que é um perigo.
RELAÇÃO COM A POPULAÇÃO
Em muitos lugares que nós descobríamos, e é uma sugestão que nós damos até agora para a atual administração da Petrobras, uma maneira de ajudar o Brasil, muitas vezes nós descobríamos poços que não tinham petróleo, mas tinham muita água potável. E muitas vezes nós oferecíamos aquele poço para o município. A gente completava o poço e dava para o município administrar. Não sei. Às vezes o cara dava ao fazendeiro, ficava com o poço. Aí isso aí era um outro problema que não cabia a nós, porque nós saíamos do lugar, né? Então é isso aí. Hoje há possibilidade, porque a Petrobras sabe onde tem água. Ainda tem muita água embaixo da terra do Brasil. Água potável. É só fazer um convênio com as repartições estaduais e federais que têm interesse nesse assunto, que por enquanto só têm de propaganda, porque se tiver de fato pode fazer. E aproveitar onde já sabe, aqui tem água. Fura a água. A Petrobras ajuda, etc e tal. Mas deixa para os caras administrarem, da prefeitura. Que é responsabilidade deles.
A relação da Petrobras com a população sempre foi muito interessante. Nós temos projeto desenvolvido por exemplo, que Fernando Henrique mandou suspender lá em Caxias, na nossa refinaria. Nossa refinaria fica cercada por favelas. Lá em um lugar chamado Campos Elíseos. Não tem nada com Champs Elisées de Paris. Um pouquinho diferente. É Campos Elíseos. Então por exemplo, então o que acontece é que o pessoal lá fez da refinaria campo polivalente. Salões para curso etc e tal. E montou um trabalho que absorveu mais de mil alunos, mil estudantes, moças e rapazes, garotos. Desde a pequena idade até a idade jovem, 12, 14 anos. Cursos. Cursos complementares de música, de capoeira. Isso é um projeto de que eu tomei conhecimento com mais profundidade na Reduc, na Refinaria Duque de Caxias, aqui em Duque de Caxias. Onde tinha mais de mil alunos. Onde tinha curso de eletrônica etc. Da onde saem pessoas muito bem preparadas nas diversas atividades. E tiraram essa juventude daquela falta do que fazer que leva à droga, leva à malandragem. Então esse projeto foi suspenso. O Fernando Henrique disse que a Petrobras é para procurar petróleo. Não tem nada de gastar dinheiro com isso. Porque é toda equipe de profissionais. Professor e instrutor de diversas atividades esportivas. Professores de diversas atividades cultural. Quer dizer, é uma coisa que realmente ajudava e isso para a Petrobras é uma, olha é muito menos do que a camisa do Flamengo. Que a Petrobras manda botar aquele Lubrax lá, para o pessoal roubar. Porque na liderança desses clubes esportivos só tem ladrão. Eurico Miranda e outros. Então para mim é o seguinte, eu se tivesse, se mandasse na Petrobras o meu negócio ia para esse tipo de atividade.
POR QUE AEPET
Minha participação política teve duas etapas: teve a etapa estudantil. Teve a etapa em que eu entrei na Petrobras; aí não teve a participação política. Só teve a participação profissional. Não fazia política. A minha política estava muito satisfeita em criar uma Petrobras forte e competente. Essa era minha política - ainda hoje continuo nessa linha. Não faço parte de partido político nenhum. Não sou candidato a nenhum cargo eletivo. A minha luta ainda hoje é para fortalecer a Petrobras e colocar a Petrobras nos seus trilhos. Porque na nossa avaliação ela está fora de trilho. Vamos ver se agora ela entra nos trilhos. Então eu não fazia política. Porque política é a arte da vida. Você faz política todo dia, toda hora. Com filho se tiver filho, com marido, com o sogro, com a sogra. Com o pai, com a mãe. Então só faz política. Por isso que eu digo, se você quer fazer uma pura política você lê o livro de Sun Tzu, o grande estrategista chinês do ano 2500 antes de Cristo. Fez um livreto que está sendo muito distribuído por aí. Eu leio quase sempre. Chamado “A Arte da Guerra”, que ensina a fazer política. Então política é o que há, é a vida da pessoa. O homem é um animal, o homem faz política toda hora, todo instante. Você tem política dentro do escritório, você tem política todo instante. Então política quando se fala no sentido pejorativo é uma outra coisa. Mas política é uma coisa importantíssima. Eu por exemplo, eu faço política. No momento em que eu sou dirigente de uma entidade de engenheiros e profissionais de nível universitário da Petrobras eu estou fazendo política. Mas não política partidária. Não sou do PT, não sou do PMDB não sou PFL, não sou de coisa nenhuma. Sou apenas petroleiro dirigente dessa entidade que tem 41 anos de idade.
Eu só sou sócio. Nunca fui lá, nunca ia lá. Primeiro eu tinha uma posição na Petrobras de chefe, então não tinha condição, porque era uma posição muito contraditória você ser chefe e ir para o sindicato. Eu acho que o sindicato é um importante instrumento, deve ser, está certo? Dos trabalhadores. É uma maneira de se defender como qualquer organização tem que se defender. Mas eu não ia. Primeiro eu nunca tive muita simpatia, muita afinidade com o movimento sindical. Eu luto mais é noutro nível. Pelo menos eu achava. Então eu sou amigo dos sindicalistas etc e tal, sou colega deles. Amigos, sou colega. Agora nunca tive a atividade de ir lá para o sindicato e greve, não greve etc e tal. Nunca tive.
PERFIL DA AEPET
A associação tem, ela serve um pouco, ela faz um pouco esse papel de sindicato ou não? O importante para a associação, a nossa associação que fez 41 anos de idade o ano passado - então você vê, a Petrobras era pequenininha. Então tinha um grupo de economistas muito ativos: Sobral, Massa, Fernando Serra e outros camaradas nossos muito ativos. “Vamos criar uma entidade de profissionais.” “Mas qual? Mas a empresa só tem engenheiro. 99 por cento é de engenheiro.”

“ Então o que vamos fazer? Vamos criar a Associação dos Engenheiros da Petrobras.” E entre engenheiro e economista. E fizeram o estatuto, pelo qual os sócios da associação seriam engenheiros e economistas. E quais são os objetivos dessa entidade? Os objetivos dessa entidade são defender o monopólio estatal do petróleo como a melhor solução para o Brasil em política de energia petrolífera. Segundo objetivo nosso: defender a Petrobras como a única capaz de exercer esse monopólio em benefício do Brasil. Terceiro, defender os interesses do seu corpo técnico. Esse é o nosso objetivo eixo. Decorrência, que não devia ser decorrência, defender os interesses da soberania nacional. Por isso nós discutimos Alcântara, Alca, Amazônia e transgênicos, essa situação. Então esse é o objetivo da empresa. E na década de 80 houve uma campanha muito grande porque os profissionais dos outros níveis superiores que estavam conseguindo se regulamentar: administrador, enfermeiro, psicólogo. Que não tinha conselhos regionais, não existia. Começaram a conseguir, começaram a pressionar para entrar na Aepet. Então nós anotamos eles no nosso estatuto. Manteve a denominação que já era conhecida, mas mudou o corpo social. Todos os engenheiros em nível superior que assim estejam empregados na Petrobras, que estejam registrados como tal na Petrobras. Porque na Petrobras você tem dezenas e dezenas de engenheiros, de administradores, de contadores. E sociólogos, e psicólogos. E assistentes sociais, que são do nível médio. Porque há 11 anos não tem concurso na Petrobras para esse pessoal ser classificado. Às vezes até usa o cara naquela atividade, mas não com ele, eles não são classificados como tais, está entendendo? Então na década de 80 se mudou o estatuto.
Hoje a Aepet é uma entidade que em princípio tem, deve alcançar atualmente - apesar de todas as pressões -

em torno de uns 70 e poucos por cento do corpo técnico da Petrobras. Tem 4.500 sócios. Em um universo que não chega a 7.000. Porque quando tinha 12.000 nós tínhamos 8.500 sócios. Mas aposentou-se e morreu muita gente. Então nós somos - em função do enxugamento do corpo técnico da Petrobras ,que foi um arraso. Coisa impressionante. O governo Fernando Henrique Cardoso vai para a história como um dos maiores governos que o Brasil já teve [ironia]. Fora de brincadeira! 4.500 sócios aproximadamente. E nós estamos então e temos alguns aposentados. Porque o cara se aposenta, eu quero continuar. Então entra como aposentado. Teve essas condições no tempo da ativa, como eu. Como é o meu caso, perfeito? Então essa é a sociedade. E a sociedade tem como sua arma a comunicação. Nós vivemos, já ganhamos grandes batalhas até meados de 90.
BATALHAS
Por exemplo, quando houve a Constituição de 1988, aquele artigo que estabeleceu que o monopólio estatal continuaria daquela maneira assim, foi feito por nós, certo? Feito por nós. Discutido na nossa sede, com nosso pessoal. Levamos ao Congresso Nacional, lutamos e ele foi aprovado. Nós lutamos contra os contratos de risco até comprovar que os contratos de risco eram prejudiciais ao Brasil. Na revisão da Constituição nós conseguimos derrotar a revisão. Mas aí houve um fato ocasional - o Collor caiu. Itamar assumiu a presidência. Itamar é patriota, é nacionalista. Itamar disse: “Vocês vão defender a Petrobras.” E a Petrobras então bancou a manutenção de um lobby de 20, 30, 40, 50 engenheiros no Congresso Nacional explicando o que é a Petrobras. Porque o político nacional, na minha experiência, tem uma característica: uma profunda ignorância dos problemas brasileiros. Uma profunda ignorância. Porque quem manda no Congresso é meia dúzia de deputados e senadores, porque os outros são uma negação. Ninguém nem conhece os caras. Nem na terra deles se conhece que ele é deputado. Então é ignorância. Então a gente ia lá e explicava para o cara etc e tal. Tem uns que tinham uma posição já consolidada,

como Inocêncio de Oliveira da minha terra, que é um latifundiário lá do sertão pernambucano. Que esse não tem jeito. Mas a gente ia lá. E conseguimos que a Constituição não fosse revisada. Colaboramos para que ela não fosse revisada. Então continua na mesma coisa. Ah, mas temos perdido muito tempo com Fernando Henrique, tivemos derrotas sérias. Olha, a derrota séria de Fernando Henrique, no regime Fernando Henrique não foi minha, nem tua, nem da Petrobras. Foi do Brasil como nação. No momento em que Fernando Henrique conseguiu controlar o Congresso Nacional, co-responsável por aqueles atos e aprovou a reforma da Constituição brasileira na área econômica, liquidou. Porque fez coisas que ninguém fez no mundo, ele fez no Brasil. Você imagina - liquidou com o monopólio estatal do petróleo. Venezuela tem, o México tem, os países do Oriente têm. Liquidou no Brasil totalmente. Liquidou o monopólio das telecomunicações. Fez uma coisa que ninguém faz no mundo. Igualou as empresas brasileiras às empresas estrangeiras. O BNDES era proibido de emprestar dinheiro à Petrobras e à Eletrobrás. O BNDES foi quem ajudou a privatizar no Brasil. Tanto é que os americanos não estão nem pagando o BNDES, como a AES que é dona da Eletropaulo. Foi comprado com o dinheiro do trabalhador brasileiro, porque Fernando Henrique determinou isso. Fernando Henrique acabou com a cabotagem no Brasil. Ninguém faz isso no mundo. Ninguém permite que navios de bandeira estrangeira entrem no seu interior. Façam a navegação costeira. E Fernando Henrique acabou com isso e acabou com as nossas companhias de navegação. Costeira, Loyd Nacional, Loyd Brasileiro. E essas particulares que tem - Aliança, não sei o que lá, isso nem pesa mais. Enquanto isso nós defendemos, porque adotou a posição igual à dos americanos, meu Deus do céu. Dos americanos, a lei americana diz o seguinte: “Nas costas dos Estados Unidos os Estados Unidos mandam. E nos seus rios só entram navios construídos nos Estados Unidos. Só entra navio de propriedade de norte-americano e tripulado por norte-americano, senão não entra.” O Brasil abriu, liquidou tudo. O que é que acontece? Nós estamos com essa coisa terrível. Acabou com nossa indústria naval. Tudo isso. Foi uma derrota. E a lei do petróleo - ele botou o genro dele, que hoje não é mais genro, como presidente da ANP, um cidadão chamado David Zylberstajn, que resolveu doar os nossos campos de petróleo para as multinacionais. E fez uma lei - nessa lei, se a Shell, a Esso descobrir petróleo, o petróleo é delas, não é mais nosso. O petróleo é nosso? Como que é nosso? O Zylberstajn reuniu as grandes companhias internacionais e disse: “Minha gente, o petróleo agora é vosso”. E isso era a ANP. Isso é o governo Fernando Henrique Cardoso. Seu genro, ex-genro. Então as companhias que conseguirem descobrir petróleo, se a Esso descobrir alguma coisa, esse petróleo é dela. Não é mais do Brasil, ela pode fazer o que quiser com esse petróleo. Mas o Brasil vai precisar desse petróleo. Tem que comprar a preços internacionais, preços internacionais. Está na lei. Lei do petróleo. E diferentemente dos Estados Unidos, que têm a tal da agência reguladora para defender o consumidor, as agências reguladoras no Brasil, montadas por Fernando Henrique Cardoso são para defender as empresas multinacionais. Teve um aumento agora de energia elétrica violenta contra os pobres, telefone, etc e tal. O que é que fez Fernando Henrique: “Você tem que vender gasolina para o brasileiro como você vende para o alemão, para o francês e para o americano”. Mas meu Deus do céu, o salário mínimo na Europa é 800 dólares. No Brasil é 80 dólares. Como é que eu posso comprar gasolina se eu ganho 80 dólares e o cara ganha 800 dólares? Mas é o mesmo preço. Fernando Henrique, no governo Fernando Henrique vendeu 36% das ações da Petrobras para firmas norte-americanas e foram vender em Nova York. O senhor Reichstul e o senhor Gros. Foram em Nova York vender pela balança das almas na bolsa de Nova York. 36% das ações brasileiras. Nós estamos com uma diferença muito pequena. O Brasil, e a gente tem que dizer isso para o povo. Nós é que dizemos isso para o povo. Procuramos dizer. E dizemos como? Através dos nossos meios de comunicação. Nós montamos, porque nós estamos lutando agora que mudou o governo. Mudou o governo, mas eu, como estou com quase 100 anos, então eu tenho a seguinte posição: “Mantenho a esperança, mas cada vez mais preocupado”. Cada vez mais preocupado pela inação e pela linguagem das autoridades cada vez mais confusa que eu não sei se eu estou vendo um replay de Pedro Malan ou quem é esse Palocci. Eu não estou vendo quem é o presidente do Banco Central, quem é o presidente do Citibank. O presidente do Banco do Brasil é o presidente do Banco de Boston. Foi buscado lá.
COMUNICAÇÃO
O dia meu hoje eu concentro a minha atividade em duas entidades: uma velhinha, tem cento e tantos anos de idade, chamada Clube de Engenharia. Do qual eu sou do conselho diretor já há mais de 12 anos. E lá eu participo discutindo os problemas nacionais, o problema da engenharia brasileira etc. E o outro na minha Associação dos Engenheiros da Petrobras, de que eu sou diretor. E na Associação dos Engenheiros da Petrobras, cujos objetivos eu já disse aqui anteriormente, nós temos somente uma arma que é a comunicação. E como nós fazemos essa comunicação? Nós fazemos essa comunicação através dos veículos de comunicação. Nós temos um programa de rádio, na TV Guanabara. De segunda a sexta-feira de 7 e meia da manhã às 9 horas, cujos âncoras como chamam, são o jornalista e economista Paulo Passarinho e o o Milton Temer. Um grande deputado, que não quis se eleger agora, é um dos nossos âncoras desse programa. Nós temos um informativo, quem trabalha com papel sabe, A3, que é dobrado assim ao centro. Que nós mandamos para 40 mil endereços. Todos os petroleiros que nós conseguimos, quando conseguimos endereço dos petroleiros e várias entidades civis e personalidades que pedem. Nós temos um informativo eletrônico que nós chamamos de Aepet Direto. Que vai para 15 mil endereços atualmente. E o nosso objetivo é chegar ao fim do ano em 100 mil endereços. E nós temos que é a nossa maior satisfação, que ninguém conseguiu no Brasil, nós mantemos uma rede alternativa de televisão. Nós fizemos, nós descobrimos, onde nós descobrimos que tem TV comunitária nós fazemos um convênio com ela. Hoje nós passamos nossos filmes em 42 cidades do Brasil. Só em São Paulo são 28. E fazemos quatro programas por mês. E debates. Nesse mês está passando uma entrevista com o general Nery. Nós fazemos, já divulgamos nessas cidades uma entrevista com o embaixador, hoje vice-ministro do exterior. Nós fizemos uma entrevista com o embaixador do Brasil em Londres: Bustani, quando os americanos botaram ele para fora da Opac. Passou para cá, passamos nessas 42 cidades. Passamos regularmente há mais de um ano quatro programas por mês. Tudo por nossa conta. Esses são os meios de comunicação que nós temos. E palestras, por exemplo amanhã mesmo o nosso presidente vai para Caratinga. Uma cidade que tem umas faculdades, em Minas Gerais - ele vai lá fazer palestra.
MEMÓRIA DOS TRABALHADORES
Olha, eu acho um projeto que me parece positivo. Porque o que me preocupa no Brasil, na sociedade brasileira, é a desmemorização. Ninguém tem memória aqui, ninguém tem memória. Então você montar uma memória para a Petrobras, que é a empresa mais importante que o Brasil já teve e que tem, eu acho de fundamental importância para a consolidação da nossa sociedade brasileira. Eu acho importantíssimo. Qualquer que seja o resultado dessa operação eu já me considero satisfeito. Porque o que é preciso é que a memória do Brasil seja cultivada. Você imagina, destrói as coisas com a maior tranqüilidade. Destruíram aquele Monroe, aquele coisa lá que tinha na Rio Branco; botaram aquele obelisco. Mas que coisa. As fotografias que eu vi do Monroe, que fizeram uma exposição aí no Ipanema, não sei onde. Coisa fantástica aqueles vitrais, aquelas coisas, vai tudo para o lixo. Para o lixo. Então

a memória é importante em qualquer sociedade. E nós precisamos aprender a cultivar a nossa memória. Eu acho importante esse projeto.
Olha, aí eu não sei, né? Porque quem vai achar é vocês que me argüiram e que vão ver esse negócio. Talvez seja bom, hoje eu não estou mais com medo, não. Em 70 eu não dava.

Você imagina que eu não ia à minha terra durante o regime militar? Porque lá tinha uma pessoa perigosíssima, se eu fosse fatalmente eu ia preso. Porque diriam que eu ia subverter com dom Hélder o regime militar. Os caras criam coisa impressionantes. Então para mim é o seguinte: eu acho que é muito importante. Eu não sei, talvez tenha sido útil, não sei se é útil, porque o meu depoimento possivelmente vai ter uma conotação diferente de outros depoimentos. Porque meu depoimento tem um viés político talvez mais acelerado de que outros depoimentos. Porque eu acho, eu olho o problema dessa natureza. Eu tomo a minha posição no Brasil hoje, hoje, dia de hoje, tenho grande preocupação pelos meus netos. Porque para mim eu não vou mais ser soldado, não vou ser mais nada, tá certo? Eu já estou com 77 anos e meio, não tem problema. Os meus netos me preocupam. Porque eu estou muito com o agravamento da situação na mão de um louco, um louco. Com o poderio que tem esse louco vai tocar fogo no mundo e isso está me preocupando muito, muito. Porque acabou, não acabou?