Museu da Pessoa

Para ver a banda passar

autoria: Museu da Pessoa personagem: Wanderléia Rodrigues da Silva

Projeto Mestres do Brasil – Suas Memórias, Saberes e Histórias
Entrevista de Wanderléia Rodrigues da Silva
Entrevistado por Júlia Basso e Morgana Mara
Rio de Janeiro, 27/09/2008.
Realização Museu da Pessoa
Entrevista nº OFMB_HV029
Transcrito por Gabriel Monteiro
Revisado por Fernanda Belarmino da Silva e Gustavo Kazuo

P1 – Eu vou começar perguntando algumas coisas que eu sei, mas é para registro. É uma conversa, na verdade, não é, Morgana?

P2 – Isso.

P1 – Wanderléia, eu queria que você falasse seu nome completo, a cidade e a data do seu nascimento.

R – Meu nome é Wanderléia Rodrigues da Silva, eu moro em Cantagalo, interior do estado do Rio, nasci em São Sebastião do Paraíba, quinto distrito de Cantagalo.

P1 – E a data?

R – Data 26 de Fevereiro de 1969.

P1 – Como se chamam os seus pais?

R – Gilberto Rodrigues da Silva e Teresinha Rodrigues da Silva.

P1 – Eles nasceram lá?

R – Nascidos e criados em Cantagalo.

P1 – Você conheceu seus avós?

R – Conheci a minha avó, dos dois lados. Só o avô que não conheci nenhum dos dois, só por foto. São nascidos, o meu avô veio de Portugal, é uma história que eu sei que veio com os irmãos, mas não o conheci, só por foto. A minha avó é daqui, natural de Cantagalo. O meu avô por parte de pai é natural de Cantagalo também. Lindo, negro, muito lindo. Meu pai é bem moreno, olhos verdes, igual ao meu avô.

P1 – Você conheceu a história deles, do seu avô que veio de Portugal?

R – O meu avô, esse que veio de Portugal? Ele veio criança, eram sete irmãos, mas o que minha avó contava é que eles chegaram pequenos aqui, a família ficou por aqui na plantação de café, tinham fazendas de café. Hoje não tem mais. Tem em municípios próximos de Cantagalo, mas em Cantagalo mesmo não tem mais, essa história parou há muitos anos. Eles cresceram na lavoura de café. O meu avô paterno é nascido e criado em Cantagalo, pedreiro, eu tenho ótima recordação lá, para todo mundo ver, as fachadas das casas, do fórum da cidade, foi ele que fez aquele desenho todo, o coreto do jardim. Tinha o responsável pela obra, ele era o pedreiro, mas tinha o construtor, só que ele executava o projeto. Muito bonito, um coreto lindo na praça. Quem vai lá sabe, todo mundo, as pessoas mais antigas sabem que foi ele que fez aquela obra linda que está sempre conservada, eles estão mantendo a história dali, a Praça dos Melros, em Cantagalo.

P1 – Você conviveu com esse avô?

R – Não, não tive o prazer de desfrutar desse belo avô. Nenhum dos dois, eu convivi com as avós.

P1 – Você o vê por foto?

R – Por foto, loirinho.

P1 – Na sua infância você morava com quem?

R – Com meus pais. Eu não tenho irmãos, então eram nós três: eu, meu pai e minha mãe.

P1 – Vocês moravam onde?

R – Em Cantagalo. Fomos morar em Cantagalo eu era pequenininha, eu devia ter três anos, mais ou menos.

P1 – Você se lembra da casa, como era?

R – Lembro, eu morei durante 24 anos em uma casa só, (risos) que era uma casa pequenininha, antiga. Eu gosto muito de casa antiga pela infância, foi toda assim. A maioria das casas em Cantagalo é assim, são antigas. Só saímos de lá porque a família aumentou, veio uma prima morar conosco, mais nova que eu, e não tinha outro quarto, eu dormia no quarto dos meus pais, ficavam juntos ali os três. Tinha que ter um quarto, e tivemos que sair. Era ótimo o lugar, eu mudei para uma casa maior, próximo, sempre morei no centro, só que para uma casa maior um pouco.

P1 – Na sua infância, descreve um pouco dessa casa, o que você fazia lá quando você era mais nova.

R – Essa casa era pequenininha.

P1 – Tinha quintal?

R – Não tinha. Ela era assim: um quarto, o desenho comprido, tinha o quarto, a sala, bem pequenos, a cozinha, não tinha copa. Tinha uma varanda coberta e um pedacinho descoberto. Eu brincava, eu era muito quieta, não podia nem colocar os pés no chão, fui conhecer a terra (risos) eu estava com doze anos, quando tive o contato dos meus pés na terra.

P1 – Como foi?

R – Foi tão engraçado, porque eu dava espirros, meus pais corriam. Quando foi, um dia teve uma vacinação, uma campanha de vacina e todas as crianças até doze anos tinham que tomar a vacina contra meningite. Eu morria de medo de injeção, um medo terrível. O quê que acontece? Minha mãe falou assim: “Filha, você vai à escola, a escola vai levar os alunos lá, a professora. Você vai com a sua tia.” Eu falei: “Ih, mãe, mas eu vou ter que tomar injeção?” “Nada! É uma picadinha de nada, não vai doer.” Falei: “Tá bem.” Mas eu fui para a escola com medo. Quando chegou lá eu escutei uma conversa das professoras que a agulha era enorme, e era uma pistola! Eu falei: “Gente, o homem vai me dar um tiro com uma agulha.” Eu falei com a minha amiga: “Olha, eu não vou, não, você fala que eu fui.” E ela falou: “Não, não pode, não, que a tia vai levar todo mundo e ela vai dar a cordinha pra gente segurar.” Eu falei: “Não, eu não vou segurar na cordinha.” Porque tinha que segurar na cordinha para ir à rua; e aquela cordinha, a professora lá na frente e a outra aqui atrás e os coleguinhas segurando na cordinha, eu falei: “Ai, meu Deus, eu vou ter que ir.” Fui. Na minha vez de tomar a vacina, eu corri tanto pelo jardim que ninguém me segurava, eu não queria tomar a vacina. A professora falou: “Filha, você tem que tomar. O que eu vou falar pra sua mãe?” “Fala, tia, que eu tomei.” “Mas ela vai querer ver a marquinha!” “Então, eu vou fazer uma marquinha.” Peguei uma pedrinha e comecei a raspar, assim, para fazer uma marquinha. Ela: “Não faz isso, você tem que tomar. Não pode.” Eu falei: “Ai, tia, vai doer.” Ela falou: “Eu deixo você colocar os pés na terra, se você tomar a vacina.” E eu era doida para colocar os pés na terra, meus pais não deixavam. Então, eu tomei a vacina! Menina, mas eu chorei tanto (risos) por causa daquilo, eu chorei tanto. Tomei a vacina e coloquei os pés no chão, parecia que eu estava no céu. Eu corria de lá para cá, daqui para lá, com os pés, com o pé todo ralado porque o pé fino, eu usava botinha ortopédica. Eu corria tanto que a professora ficou horas querendo me levar para a escola de volta e eu não queria ir. E a terra, aquela terra! Menina, eu nunca tinha colocado a mão na terra (risos). Mas foi uma correria, foi um encanto por causa daquilo. Quando eu cheguei em casa, fui para a escola, quando eu voltei para casa, fiquei com medo de contar, porque meu pai era muito carinhoso, mas muito bravo. E a minha mãe, sei lá, fiquei com medo. A professora, a tia Cibinha, é viva até hoje, é uma senhorinha, bem senhorinha mesmo, bem idosa. Ela contou à minha mãe, minha mãe: “Minha filha, você botou o pé no chão, na terra! Não pode, você vai ficar doente.” Eu falei: “Ah, mãe, já coloquei, não vou ficar não.” (risos) Foi um momento que marcou na minha vida quando eu era criança. Marcou também muito quando eu ganhei a minha bruxa. Eu ganhei uma bruxa de pano da minha avó, com as pernas compridas, o corpo assim, a cabeça, normal, e a perna comprida, o braço comprido. Eu vivia agarrada com aquela bruxa para todo lado. São coisas que marcaram muito naquela casa: a minha primeira boneca de cabelo comprido, gostei muito. São recordações boas que eu tenho daquela casa. Até hoje eu passo lá, só que ela está muito diferente, modificaram. Ela foi vendida, fizeram obras, ela está completamente diferente. Aumentaram. Mas ali, momentos assim eu passei.

P1 – De quem você ganhou a boneca de cabelo comprido?

R – Dos meus pais, foi de Natal. A bruxa foi minha mãe que pediu à minha avó, que era costureira, e ela fez de retalho, ficou linda. Eu não sei como eu me perdi daquela bruxa (risos), que eu a adorava, a bruxa andava comigo para todo lugar. Eu era muito pequena porque, as minhas filhas, por exemplo, com um ano, elas vestiram o meu vestido de quando eu tinha cinco anos. Eu tirei a foto do meu vestido que eu usava quando eu tinha cinco anos, eu vesti nelas quando elas tinham um aninho. Interessante, você vê como eu era pequenininha, bem miudinha, que elas, ou elas são grandonas demais.

P1 – Você ia à casa da sua avó quando você era pequena?

R – Ia a todas as duas, eu ia muito. Na minha avó materna eu tinha muitos primos, uma família grande, da minha avó paterna, não, só tinha eu de criança.

P1 – Na sua avó materna você brincava com seus primos?

R – Muito, fazia muita arte, muita bagunça, mas só nessa idade de doze para cima, porque enquanto eu era pequenininha eles não deixavam. Criançada correndo e eu na janela namorando, doida para correr, mas não podia: “Não, não pode. Você vai cair, vai se machucar.” Aquele carinho, gostoso, que pai e mãe tem, medo do filho se machucar, principalmente quando tem um filho só. Eu tinha isso quando eu tive a minha primeira, logo em seguida eu engravidei da segunda, mas aquele pedacinho que eu fiquei com ela, sem ter o outro bebê, a gente fica sempre, dá um espirro, corre, fica preocupada. Mas até os doze anos eu não corria, não brincava no meio daquela criançada. Brincava, quando estava tudo quietinho, dentro de casa, mas correr na rua, eu não ia para a rua, não.

P1 – O que você inventava dentro de casa para fazer?

R – Eu brincava muito de boneca, gostava muito das minhas panelinhas, das minhas xicrinhas, da minha boneca de cabelo comprido. Depois que eu cresci, cortei o cabelo da boneca, acredita? (risos) Veio a ideia do cabelo curto, você esquece o que gostava e acaba cortando o cabelo da boneca. Mas com essa boneca eu presenteei uma criança, doei a uma criança que nós conhecemos em um abrigo perto da minha casa. Era a única novinha que tinha e minha mãe falou: “Ah, você tem tanta boneca, dá uma bonequinha a ela que ela não tem.” Eu falei: “Eu vou dar a minha boneca de cabelo comprido que está com cabelo curto.” Doei aquela bonequinha.

P1 – Você ainda era criança?

R – Eu era menina, mocinha, quer dizer, eu brinquei de boneca até quinze anos, hoje não tem mais isso, mas eu brinquei de boneca até quinze.

P1 – Na sua infância o que você lembra que você comia? Tinha alguma coisa especial de que você gostava, que alguém fazia para você?

R – Eu era tão difícil para comer, eu lembro que a minha ficava: “Come, Leinha! Leinha, você tem que comer pra se alimentar, pra ficar forte! Não pode, você vai ficar enfraquecida.” “Mas, eu não quero.” Eu não gostava de comida de sal, eu reclamo da minha filha, mas eu não gostava. Acho que era preguiça, criança! (risos) Eu me recordo que ela me falava: “Quer que mamãe faça uma sopinha?” Eu falava: “Não.” “O que você quer que eu faça?” “Ah, eu quero bife, batata frita, arroz e feijão.” Era todo dia que eu queria aquilo. Quer dizer, nem todo dia dava, ela falava: “Então, vamos fazer o seguinte: se você comer bem hoje, amanhã eu faço.” Assim, ia me enrolando para poder comer, porque eu quase não me alimentava de comida de sal, eu só pensava em bobagens, em fruta, eu gostava de fruta. Nesse abrigo próximo à minha casa tinha muita criança, e a minha tia, irmã da minha mãe, ela tomava conta desse abrigo, e eu ficava doida para ir lá. Eu tinha que comer porque, se eu não comesse, ela não me deixava ir. Eu comia correndo para ir brincar com a criançada, brincava o dia inteiro com eles no dia em que não tinha escola. Eu acho que, às vezes, até isso, o interesse da gente quando é criança, de querer estar com outras, porque quando eu era pequena eu queria estar lá no meio e não ia, não podia. De repente, eu posso, eu quero aproveitar; aproveitar todo o tempo possível. Mas, de gostoso que eu gostava e minha mãe fazia, faz até hoje, era um doce de gelatina com creme, ela colocou o nome de creme chinês, eu vivia falando: “Mãe, eu quero comer creme chinês.” “Só domingo, pode ser? Domingo a mamãe faz.” “Então tá, domingo.” Eu adorava quando chegava domingo só pra comer creme chinês (risos), era muito bom.

P1 – Quando você ia ao abrigo, o que você fazia? Do que você brincava?

R – A gente brincava de gangorra, corria de pique, pique-pega, pique-esconde, era uma criançada tudo na faixa de idade, os pequenininhos não ficavam junto dos maiores, ficavam à parte. A gente corria muito, podia correr, tinha muito espaço, e eu não tinha espaço em casa, então quando eu me via naquele pátio enorme, aquelas gangorras. E caía, machucava-se, ia para casa escondendo o machucado do joelho para a mãe não brigar, mas era bom demais.

P1 – Você se lembra dos seus amiguinhos do abrigo?

R – Menina, eu só não perdi o contato com dois. Duas irmãs, os outros todos foram embora porque as famílias iam pegando, às vezes, eram crianças que os pais não podiam criar, deixavam no abrigo até resolver a vida, outros estavam ali para adoção. As famílias iam se interessando e adotava aquela criança, às vezes, casal de irmãos, e iam embora. Muitos foram para São Paulo, Rio, Friburgo, então, nunca mais nos vimos, encontramos com eles, nunca mais encontrei com esses que foram embora. Eu só fiquei com contato foi com duas irmãs, até hoje a gente se dá muito, conversa, encontra-se todo dia, no trajeto do serviço, às vezes, eu estou indo e uma delas está vindo, a gente pára, conversa um pouquinho, mata a saudade, depois vai cada uma para o seu canto trabalhar.

P1 – Mas naquela época você se lembra deles lá, como era? Tem alguma história que te marcou?

R – Tem. A minha tia, todo fim de semana fazia, creche, escola, tudo é panelão, quando tem muita criança, é muita quantidade que tem que fazer para todas. Teve um dia que ela fez um panelão de doce de leite, ela faz até hoje, aquele doce de leite caseiro, aquele panelão de doce, e eu amava aquele doce. Ela falou: “Olha, o doce está esticado no mármore, ninguém põe a mão que está quente e eu vou cortar para o lanche. Ela falava assim: “Leinha, na hora do lanche você ajuda a titia: bota as crianças para lavar e sentar à mesa, nas cadeirinhas, para todo mundo fazer o lanche, que hoje tem doce de leite.” Eu ficava quieta, mas quando chegava lá fora eu pulava tanto: “Eba! Eba!” E as crianças pulando também, porque tudo que eu fazia, eles faziam. Chegou na hora do lanche aconteceu um imprevisto, quebrou uma máquina de lavar, e ela falou com a ajudante dela de cozinha: “Olha, você não distribui o doce agora, não, porque tem um queijinho e eu vou preparar o queijo ainda para dar junto com o doce para as crianças. A moça ajudante falou, Dona Eva: “Está bem, então, Lea, eu vou deixar o doce para depois. Eles fazem o lanche, vão brincar e quando você terminar com o mecânico, que estava mexendo, a gente separa o doce para a criançada.” “Tá bem.” E assim foi feito. Nós chegamos ao pátio, eu e mais duas, as mais sapecas, a Rosinha falou: “Nossa, eu queria tanto comer aquele doce! Tá tão cheiroso, a gente tá sentindo o cheiro.” A dispensa era aberta em cima, era meia parede, “e o cheiro está uma delícia! Ai, vamos pegar um pedacinho”? Corremos nós três lá e a porta estava trancada, a Rosinha falou: “Vamos pular?” Eu falei: “Não, minha tia vai brigar.” “Ah, vamos escondido, ela vai demorar, ela nem vai ver. Vou chamar o Paulo Sérgio pra ajudar a gente.” Paulo Sérgio era outro coleguinha. Ele deu pé-pé, ela subiu, pulou, e: “Wanda, vem. Vem, Wanda!” “Não vou, não, minha tia vai brigar.” “Não, ela não vai ver, depois a gente volta do mesmo jeito que a gente entrou.” “Ah, mas eu não quero, não, que eu tô com medo.” “Não, vem, rapidinho, tem muito doce aqui, você não imagina! Tem muito doce, dá até pra pular em cima do doce.” Eu falei: “Não.” Ela: “Vem logo.” E ele me deu pé-pé, e falou: “Eu também quero.” Eu falei: “Como é que o Paulo Sérgio vai subir?” Ela falou: “Não, ele se vira. Ele arruma uma cadeira e sobe.” Assim, entramos nós três: eu, a Rosinha e o Paulo, lá dentro, e a Cláudia ficou vigiando do lado de fora. E a Cláudia gritou: “Evém a minha mãe!” A mãe dela lavava roupa lá. “Evém a minha mãe! Sai daí! Sai, que a minha mãe tá vindo pra cá.” Menina, a gente não conseguia sair! Um dava pé-pé para o outro, a gente caía, quem estava em pé em cima, caía. Moral da história: a Cláudia correu e se escondeu em um canto. E a gente escutando pá pá pá (faz o som com os pés), tropel, evém, para o lado da dispensa. Abriu, nós entramos debaixo da mesa, com a mão cheia de doce, e aquele medo porque ela era muito brava, nossa! A gente suava frio, o Paulo começou a chorar, fazer barulho, chorando. A mesa era engraçada, era um tampo redondo e a frente da mesa era um pé redondo, mas ela tinha uma abertura por trás. Menina, nós entramos ali, e ele chorando dentro do pé da mesa. E a Dona Eva procurando: “Quem está aí? Quem está aí?” Não sabia que tinha um buraco por trás. Nós tapamos a boca do Paulo, aquela confusão toda, nós nervosas com medo, eu tremia. Ela saiu, foi chamar minha tia para ver o que estava acontecendo, que ela não sabia, porque era só a prateleira, e com voz de criança. Nisso que ela foi, a Rosinha falou: “Ih, ela foi. A porta tá aberta, vamos correr!” Saímos correndo, largamos doce caindo pelo meio do caminho, sentamos lá fora, foi minha tia para dentro. Ela seguiu o caminho do doce, que deu onde a gente estava. Nós nos escondemos lá no cantinho, atrás da escada, ela falou: “Só podia ser Leinha.” (risos) E o pior foi que eu levei a culpa, porque eu não queria ir. Eu fui porque eu quis, mas, eu estava com medo. Eu não apanhei, não, mas, olha, nós ficamos de castigo. Gente, aquilo foi um medo tão grande e o menino chorando dentro daquele pé de mesa e ela desesperada perguntando quem estava ali e não respondia. Isso foi uma coisa que marcou muito, que eu nunca me esqueço.

P1 – Como era o castigo?

R – O castigo era ficar olhando para a parede, em pé, e eu ficava junto com todos eles, não tinha diferença, não, eu ficava, porque eu fazia arte junto. Agora, você vê, doze anos, de cara para a parede (risos) de castigo, mas aquilo era pouquinho, era só para assustar: “Vai ficar de castigo os três!” Ficava lá de parede, nem podia falar nada, não, ficavam os três quietos lá, olhando para parede. Não demorava muito tempo não, dali a pouquinho: “Pode sair, se fizer bagunça vai entrar para o castigo de novo.” (risos) Era muito engraçado.

P1 – Tem alguma outra história que você lembra que te marcou, que você quer contar?

R – Tem, teve tantas. Na escola, a minha prima, mais velha que eu, era professora, estava fazendo estágio, eu estava na primeira série. Sempre fui boba na escola, eu era muito quieta, muito parada, porque mamãe falava: “Se comporta, menina tem que se comportar, não pode fazer arte. Não levanta as pernas, senta de perninha fechada.” A gente grava aquilo. A professora faltou nesse dia, eu tive a primeira aula, depois a segunda aula a professora estava doente, não foi. E a gente de ouvido em pé, perto da secretaria, escutamos a diretora com a professora da aula anterior falando: “E agora? A Marta não veio. Como é que nós vamos fazer com essas crianças até terminar o horário? Porque não tem educação física hoje.” Ela falou: “Deixa eles quietinho na sala pensando que a professora vai.” Eu entrei, fechei a porta: “Gente, ó, tia Marta não veio.” As coleguinhas, a Flávia: “Ih, então, vamos pular a janela, ihul!” Falei: “Não, não vamos não que a janela é alta.” “Não, vamos subir na cadeira. Se você não for, você é a mulher do padre.” Eu falei: “Quê que é isso?” “Não, não pode. Você não fica, não, que isso é uma coisa ruim.” Ah, menina, eu fui pular a janela, a minha prima abriu a porta e me viu pulando a janela. Eu caí, querendo correr pra ela não ver, caí, e me machuquei, ralei-me, e ela ainda contou para a minha mãe. Ela chegou na janela e eu caída, ela falou: “Vou contar pra titia que você tá pulando a janela, que só pula janela menino, menina não pula a janela.” Quando eu cheguei em casa minha mãe já sabia que eu tinha pulado a janela, e falou: “Então, qual vai ser o castigo? Porque menina não pula janela.” “Já sei, vou ficar sem meu doce.” Ela muito séria, muito quieta, falou: “Não vai, não, eu vou te dar o doce. Mas você não pode mais pular a janela.” Isso marcou muito para mim porque eu vim, no meio do caminho, sabendo que a minha prima tinha descido na minha frente e que ia contar, e o meu pai era muito bravo, era um homem muito assim, então falei: “Nossa.” A Flávia falou: “Quando eu chegar em casa a minha mãe vai me bater.” Eu falei: “E eu? Eu nunca apanhei, não. Mas quando eu chegar em casa, eu acho que ou o meu pai vai me bater ou minha mãe vai me botar um castigo bravo.” Porque ela contava que ficava no caroço de milho. Eu imaginava mil coisas: “Eu vou ficar também.” Eu cheguei em casa, ela muito séria, e eu ali querendo chorar, segurando e tal, ela ficou muito quieta, olhando para mim muito séria. Eu me lembro, meu Deus, eu me lembro perfeitamente, eu ainda pensei assim: “É agora, ou a minha mãe vai me bater ou eu vou deixar, vou ajoelhar no caroço de milho.” Porque eu ficava assustada com isso, era palmatória que eles contavam, aquelas histórias. Eu falei: “Eu vou ajoelhar no caroço de milho.” E fiquei imaginando. Ela muito séria me olhando, daqui a pouco ela falou: “Não, eu vou deixar você sem o doce.” Olhou assim: “Eu vou deixar você sem o doce.” E depois ela falou: “Não, não vou não, mas você vai me prometer que não vai pular a janela.” Então, quer dizer, aquilo ficou porque, no dia seguinte eu cheguei à escola, a Flávia não foi, porque a Flávia estava com febre. A gente vivia muito gripado, porque a sala na escola era a sala do fundo, era muito fria, a gente estava sempre gripado. Ela não foi, ela teve febre, e eu achei que ela tinha ficado de joelho no caroço de milho, eu chorava tanto quando eu vi que ela não estava; e custaram para descobrir o quê que era, porque eu não falava com ninguém o que que era. Quando foi que me acalmaram, que tal, que não sei o que, que eu comecei a perguntar pela Flávia, que era a coleguinha que mais estava chegada a mim. Eu perguntei se ela estava ajoelhada, não sei que: “Não, ela está com febre, doente, mas amanhã ela tá na escola.” Esse bicho papão dessas histórias, que a minha avó contava, que meu pai contava, a minha mãe, que as professoras, que os pais faziam, aquilo foi deixando de ser o bicho da cara-preta (risos), que eu via que não existia mais isso. Mas marca na vida da gente, porque a gente fica com aquilo na cabeça e, por fazer a arte, acha que vai ser a mesma coisa. Isso foi uma coisa também que marcou muito nessa fase em que eu fazia minhas artes, porque eu fui muito calma quando pequenininha, mas depois que eu cresci fiquei bem bagunceira.

P1 – Como era a relação com o seu pai quando você era criança?

R – Papai sempre foi muito carinhoso, mas era muito sério, ele falava: “Não é não.” Você não podia insistir, ele só falava uma vez. A minha prima foi morar em casa por uns tempos, até minha tia se estabilizar, e não estava acostumada com isso e eu estava. Ela fazia as teimosias dela e papai falava assim: “Fala com a Carine que não.” Eu falava: “Cacá, não. Papai falou que não.” Ele é padrinho dela de batismo também, meus pais. Ela teimava: “Olha, papai vai te colocar de castigo.” Ela falava: “Padrinho, mas eu quero, eu quero subir na janela.” “Não pode, menina não sobe na janela.” Ela tinha mania de sentar na janela. Ele falou: “Olha, vai ficar de castigo.” Ela ficava: “Que nada, padrinho não vai me colocar de castigo, não.” Quando foi um dia eu estava com caxumba e não podia ir à escola, não podia tomar gelado, o médico tinha ido à minha casa, tinha medicado, tudo certinho, e tinha suco, suco natural da fruta, mamãe fazia muito. Ela chegou da escola com sede, apanhou aquele baita daquele suco gelado, chegou no quarto, sentou na minha cama conversando, e eu com caxumba dos dois lados, um febrão, ela falou: “Padrinho falou comigo que não era pra tomar suco perto de você, não.” Eu falei: “Não? Por quê?” “Porque você não pode, porque você está doente.” Eu falei: “Não, mas eu posso suco mais quentinho, não posso ele gelado.” “Toma um golinho, toma um golinho pra você ver, tá uma delícia.” “Mas eu não posso.” “Mas ele não vai ver não.” “Mas eu não posso, ele falou pra você que não pode.” Ela falou: “Ele falou, mas ele não vai ver.” (risos) E eu doida pra tomar aquele suco. Eu tomei aquele suco.

P1 – Era suco do quê?

R – Suco de maracujá. Quando a gente está com caxumba, que toma alguma coisa que é um pouco ácido, dói muito. Eu tomei o suco, deu uma dor naqueles dois caroços que eu tinha no rosto aqui, aquilo inchado, doía, eu comecei a gritar, comecei a chorar, e aquilo doía mais ainda, papai correu: “O quê que foi? Quê que foi?” Eu contei que tomei o suco, foi uma confusão! Ele brigando com Carine, brigando comigo e “que não podia, que eu falei que não podia, vou colocar as duas de castigo”. A mamãe: “Como é que você vai colocar a Leinha de castigo se ela tá doente?” Aquela confusão toda e Carine se escondeu debaixo da cama sem ele ver, ele ficou doido atrás de Carine, ele ficava: “Carine, eu não vou te botar de castigo, não, onde você tá?” Ela debaixo da minha cama e com medo de falar e dar mais confusão ainda. E ela com medo de ele bater, mas ele não batia, ele só era muito bravo, muito fechado. Hoje, se você conhece ele, você não diz, o quê que os netos fazem com os avós? Porque não diz o que ele é, ele hoje é uma criança com 79 anos, vai fazer 80 o mês que vem. Ela com medo, morrendo de medo de ele bater, que ele era bravo, e debaixo da minha cama, eu querendo contar, olhava assim para ele, como quem diz: “Leia os meus olhos, ela está debaixo da cama.” E não conseguia falar, porque, ao mesmo tempo, dava medo de ele bater, sei lá, nunca me bateu, mas não sei, ela era como filha. Ele ficou desesperado: “E agora, Teresinha? Carine fugiu! Sumiu. E agora?” Ele foi para dentro, ficou lá não sei fazendo o que, e eu falei: “Mãe, Cacá tá debaixo da cama.” Ela: “Sai daí, sua __________, seu tio não vai te bater não. Só não pode, minha filha, ela tá doente.” Começou a conversar com ela. Mas nós passamos um susto, eu com aquela dor, com a caxumba dos dois lados, uma dor horrível, e querendo rir, ao mesmo tempo chorando de dor, e ela debaixo da cama dando risada baixinho, eu ali naquela situação querendo contar e com medo de contar. São coisas que não somem da mente da gente, porque, quantos anos tem, eu não sou tão velha assim, mas olha quanto tempo passou. Há pouco tempo eu até lembrei, a gente recordou alguma coisa de quando a gente era criança, que ela morava na minha casa, mas são coisas que a gente não apaga nunca. Agora é, às vezes, sem graça contar, mas, na situação, é muito engraçado, são coisas muito engraçadas, na hora a gente fica com aquele medo, aquela coisa, não sabe se chora, não sabe se ri. Agora que passou, tudo bem, (risos) mas aquilo foi outro susto também que marcou.

P1 – Quando você era criança, na sua casa, vocês escutavam música?

R – Muito, aquela música da Tetê Espíndola até o passarinho cantava! (risos) Não sei se vocês se lembram de um festival de música que teve. Tetê Espíndola ganhou e ela tinha uma voz engraçada, meio fina, uma música meio, sei lá, muito engraçada a música, bonita. Eu gostava muito daquela música, gravei. Eu ganhei um gravador de fita-cassete, e gravei aquilo do rádio, então, enquanto eu fazia as coisas dentro de casa, era aquela música do princípio ao fim, e a minha mãe sabia a música de cor, porque ela falava: “Eu não aguento mais essa música.” Até o passarinho, enquanto estava em silêncio ou o rádio tocando, ele não cantava. Quando tocava a música (canta) “você pra mim foi um sol de uma noite sem fim”, lembra? Já ouviu? Então, o passarinho não parava de cantar, mas ele cantava durante a música inteirinha. Acabava a música, eu ia lá, voltava a fita e colocava. Era o tempo inteirinho que eu estava em casa, varrendo, espanando, que eu gostava muito de varrer, espanar, encerar, gostava, arrumar, adorava, era o tempo todo. Essa foi uma das músicas que mais marcou nessa fase da minha vida.

P1 – Era um passarinho que vocês tinham?

R – Era, um canário, ai, eu não sei o nome, amarelinho, tem muito em interior, eu não sei se é canário da terra que falam, ele morreu de velho, ele morreu com quase quarenta anos que papai o tinha, pegou ele filhotinho. Era canário da terra, amarelinho, lindo.

P1 – Wanderléia, você estava contando um pouco da sua história dos seus bichos de estimação. Você quer contar de novo para a gente?

R – É, eu tenho uma maritaca, o nome dela é Nininha, e ela foi criada por nós desde pequenininha. Ela fala tudo, ela canta. Aquela música do Pan. As minhas filhas foram ao Pan, a escola, a Oi, levaram. Elas amaram, foi lindo. Eu não fui, foi só a escola com os alunos, a diretora, a professora, e elas fotografaram tudo, diz que foi maravilhoso, pelas fotos dá para perceber. Antes de ir elas estavam naquela ansiedade: “Ai, eu vou no Pan, vou assistir. Vou lá no Maracanã.” o sonho delas era ir nesse Pan. Elas começaram a ensinar, a cantar para essa maritaca a música do Pan, e ela canta até hoje, ela canta a música. E não é à toa, não, de repente se a gente começar assim: “Pan pan pan pan paaaaan pan”. Ela começa, ela canta, canta, canta, e se ela vê que nós paramos, ela para. Ela me chama o dia inteiro, minha mãe diz que ela chama Wanda o dia inteiro: “Wanda, Wanda, cocota quer, cocota quer.” “Quer o quê?” “Quer vovô.” Ela fala perfeitamente, é incrível, e ela tem defeito no bico, ela nasceu com o bico de cima muito curvado e o debaixo ele não encontra, então de vez em quando tem que cortar um pedacinho para poder ela comer. Ou então ela fica assim: “Bobo.” Às vezes papai fala alguma coisa, implica com ela, ela fala: “Bobo.” Mamãe fica assim: “É o que, Nininha? O que é que houve? Quê que foi?” Ela fica assim: “É vovô. É vovô.” “O que é que seu avô fez, Nininha?” “Vovô, vovô.” Ela fica assim: “O que que foi? Quem que é bobo?” “Cocoto. Cocoto bobo.” É, ela fala. Só vocês vendo. Cocoto é papai e cocota é mamãe, ou ela chama vovô, ou ela chama vovó, ou ela fala cocoto ou ela fala cocota. É incrível, e ela vive solta, não fica presa em nada, não faz sujeira em nada em casa, ela tem uma cestinha de bambuzinho e ela fica ali, tem a comidinha. O meu pai fez uma mesa de madeira de cabo de vassoura trançado. Ele faz, ele faz tudo de madeira, tudo coisas assim, cabo velho, ele junta, lixa, pinta, fura, monta, ficam umas coisas lindas, em casa nós temos estante, banquinho, tudo feito por ele. Ele fez essa mesinha e forramos com plástico, ela faz a sujeirinha dela, nós vamos, limpamos, que ela não gosta de ficar na sujeira. E ali ela fica, o dia inteiro, quando eu chego ela quer vir no meu ombro, fica comigo. Daianny, ela chama de Dada. Também fala coisa feia, ensinaram a ela e ela fala, come arroz cozido que é incrível, e dizem que não pode dar, mas ela nunca teve nada, ela come. Ela ri! Gente, ela ri como uma pessoa, tosse, assim, se alguém tossir, ela tosse e espirra. (risos) É muito engraçado, os meus animais de estimação são incríveis. Nós temos a Nininha, que é a maritaca, temos o Didi, que é a tartaruga macho, enorme, lindo, mas muito dorminhoco. Mas se chamar ele vai, ele sai, fica: “Didi! Didi!” Ele sai devagarinho e vai onde estamos, incrível. A minha mãe fala que os animais em casa só faltam falar, eu falo: “Não falta, não, que Nininha fala.” Temos a Lili, uma cocker, tem oito anos, temos o Chocolate, o basset de papai, que ele ganhou bebezinho, que é impossível, pula, de quase pular a janela. Ele parece que tem uma mola nos pés, ele abaixa e pula, alcança tudo que ele quer, é incrível. E morde todo mundo estranho que vai em casa, é uma coisa, não pode ninguém entrar, só se entrar com alguém da casa. Temos dois pássaros, que meu pai ganhou no aniversário, cantam muito, mas a gente não tem muita coisa porque o passarinho na gaiola fica meio assustado. Com ele não, que trata deles todo dia, mas para nós já fica mais coisa. Eu adoro animais, não é à toa que a minha filha mais nova diz que vai ser professora de matemática e que vai ser reconhecida como mestre da matemática, é o sonho dela, e depois, vai ser veterinária. Ela fala: “Mãe, você vai ter que me ajudar, porque você vai ser a minha assessora.” (risos) Falo: “Que coisa boa, porque eu gosto de animais.” A gente só não tem mais porque não dá, dá muito trabalho para cuidar e a gente cuida deles, conversa, às vezes, a mamãe fala: “Ih, não fica muito no quintal conversando com cachorro, não.” Porque eu converso com eles para dar banho, eu não prendo: “Vem cá, Chocolate, sobe aqui.” Ele sobe. “Fica aí.” Ele fica. Se a gente acostumar, tudo dá certo, não precisa usar brutalidade para nada, eu acho que a conversa é o essencial na vida da gente, que a gente se entende em tudo. Mamãe fica: “Não fica conversando, não, porque senão os vizinhos podem ouvir e falar que você não tá bem.” (risos) Porque conversar com bicho, com animal, mas eu não ligo não.

P1 – Voltando um pouquinho, a gente estava falando da música quando você era criança.

R – Ah, sim, da Tetê Espíndola.

P1 – Você ouviu rádio também?

R – Ouvia, mas eu não gostava, não, porque, quando eu era menina, tínhamos um rádio, mas ele fazia tanto barulho, tanto ruído, e era jogo. A televisão a gente assistia muito pouco, tinha coisas que aparecia assim, censura, então, eu ia dormir cedo, não podia ver. O rádio tocava pouca música, não tenho muita recordação da música, só essa que marcou muito porque eu gostei, foi uma coisa que me chamou atenção. Mas as músicas, a gente não tinha muito apego a rádio porque ele fazia muito ruído, ficava aquele barulho, incomodava. Tanto que eu consegui gravar foi de, eu não me lembro direito do nome, mas é, assim, vitrola, antigamente tinha um aparelho, um móvel grande, e ali tinha parte de rádio, ligava o rádio ali, e tinha vitrola, e era disco de vinil. Eu me lembro que eu gravei do rádio em fita-cassete em um gravador que eu tinha ganhado no meu aniversário, só o gravadorzinho, que tem aquela partezinha que coloca o cassete. Mas depois, eu tenho um primo que gravou melhor para mim de disco de vinil, porque eu não tinha vinil, esse toca-discos, em casa, e ele gravou em cassete para mim. Mas daquele tempo eu me lembro de algumas músicas, mas a que mais marcou pra mim foi essa.

P1 – Você falou da censura no rádio. Como é que era?

R – A censura na TV. Eu não me lembro perfeitamente, não. Eu me lembro que tinha televisão, era preto e branco, e quando terminava a novela ia passar alguma coisa que eu não sei o quê, e aparecia uma tela toda branca: censura, escrito censura, e a minha mãe falava: “Vamos, Leinha, que está na hora de dormir.” “Ah, deixa eu ficar.” “Não, agora só mamãe que pode ver.” E eu ia dormir. Às vezes, eu ficava, querendo, mas mamãe percebia que eu estava com a porta um pouquinho aberta, ela ia e puxava a porta do quarto. Televisão, no rádio não, mas na televisão eu lembro que tinha isso. Eu não me ligava muito em televisão, não, era mais as minhas bonecas, as revistas de Avon. Existia Avon quando eu era criança, eu era fascinada por maquiagem, eu adorava. E a minha tia vendia Avon, as revistas iam passando, terminando as campanhas, ela me dava. O que é que eu fazia? Eu recortava aqueles batons, aquelas sombras e ficava na minha mãe, passando, não saía nada, mas, para mim, eu estava vendo ela maquiada. Comecei a passar em mim, eu pedi: “Mamãe, compra pra mim? Eu quero usar.” “Não, só quando você fizer quinze anos.” Realmente, quando eu fiz quinze anos eu ganhei um estojo de maquiagem lindo, que meus pais me deram, completo: espelho, blush, sombra, batom, mas eu usava, ela falava: “Não pode exagerar.” Nunca entrei em curso nenhum, não, eu mesma fui descobrindo as coisas e me maquiando em casa, e mostrava: “E agora, tá bom?” A minha mãe adorava. Fui fazendo aquilo, acabou que eu fui completando mais idade, passei a maquiar noiva, sem curso. Passei a maquiar madrinhas, para formatura, até hoje eu faço maquiagem para fora sem curso nenhum, nunca fiz curso de maquiagem. Uma coisa que eu tenho, que é meu também, é desenhar. Eu desenho muito, nos meus desenhos eu admiro muito a beleza feminina. Eu não gosto, assim, direto o nu, não, eu friso mais a beleza feminina, mas na maquiagem. Eu não gosto de desenhar o rosto limpo, eu gosto de fazer o desenho da mulher maquiada, com cabelos esvoaçantes, compridos, eu adoro cabelo comprido, acho lindo. Eu gosto de desenhar também o homem, claro, maquiagem não, mas o casal, gosto muito; mas eu procuro sempre frisar a maquiagem no rosto feminino. Eu adoro, sempre gostei, mas nunca fiz curso, o que eu faço é, inclusive eu até tentei agora. O pessoal na escola, eu sou muito ligada na escola das meninas, no Ewandro, eu estou sempre participando, o dia a dia deles, sempre que dá uma folguinha, eu vou lá, vou a rua fazer alguma coisa eu dou uma passadinha. Eu acompanho a vida escolar das minhas filhas desde pequenininha, desde que começaram a estudar, e a professora falou: “É, eu te conheço, Wanda, você desenha muito bem, há muito tempo que eu não vejo um desenho seu. Você não faz caricatura?” Eu falei: “Não.” Eu não consigo fazer caricatura, eu posso até tentar desenhar partindo de uma fotografia, mas eu não gosto de copiar, eu gosto de fazer aquilo que vem de dentro, que eu estou sentindo vontade de fazer. Adoro desenhar flores, se eu tiver um papelzinho e ficar quieta, e você falar: “Ah, me aguarda um instantinho.” E eu tiver uma caneta e um papel, um lápis, eu estou ali desenhando um raminho, alguma coisa. E ela falou: “Ah, Wanda, tenta desenhar uma foto, uma foto sua.” “Ah, não.” “Da sua filha.” “Ah, não sei, vou tentar.” Tentei. Você sabe que ficou legal? E todo mundo achou bem próximo. Eu acho que se eu aperfeiçoasse esse meu dom, eu acho que conseguiria fazer uma fotografia, um desenho, assim, olhando e desenhando, que é lindo. Eu me amarro nessas coisas.

P1 – Quando você era criança você desenhava?

R – Desenhava, eu desenhava muito esses modelos de roupas, mamãe falava assim: “Quando você crescer vai ser estilista.” (risos) É. Só que antigamente era tudo difícil, a escola era cara, não deu para estudar para isso, mas tem a minha filha, que adora também, desenha, incrível, ela desenha muito bem. Muita coisa que não fui eu que ensinei, não. O que eu sei eu ensino, mas muita coisa que ela faz, ela fez antes de eu ensinar, incrível. Que bom!

P1 – Você começou a ir para a escola com quantos anos?

R – Eu era muito doente, tinha muita infecção de garganta. Eu perdi dois anos de escola, porque eu ficava mais de cama do que na escola, eu perdia muita matéria, muita coisa. Eu fui para a escola com cinco anos, eu comecei a estudar, mas eu perdi dois anos.

P1 – Você se lembra desse comecinho? Como é que foi essa saída?

R – Ah, era bom demais, quando eu comecei a estudar?

P1 – É.

R – Ah, era jardim da infância antigamente, hoje é prézinho, mas na minha época era jardim de infância. A gente usava uma jardineira, cada criança com o seu nome no peito, a gente brincava com massinha, fazia pintura com a mão, passava tinta na mão para a gente conhecer a marcação da mão, desenhava com giz de cera, a professora deixava a gente desenhar, e eu fazia cada desenho. Eu me lembro que a professora, eu só não sei qual era o comentário entre elas, mas era um cavalete grande e cada criança em um. E perto de cada um de nós tinha uma latinha com vários lápis de cera, hoje fala giz de cera, mas quando eu era criança era lápis de cera, e apontador. Tinha tinta aquarela, que eram uns vidrinhos que elas misturavam não sei com o que na época. Aquilo era duro, devia colocar água e colocava perto da gente, pincel, e mandava a gente fazer: “Agora você desenha uma formiguinha passeando.” Mandava a gente fazer um desenho de alguma coisa, mas eu nunca fazia. Eu não conseguia! Ela contou a história dessa formiguinha, que eu me lembro, ela contou a história e queria que fizéssemos o desenho em cima da historinha que ela contou. E a historinha tinha aquelas gravuras bonitas, coloridas, e ela contando a história e mostrando aquelas gravuras para a gente. Então, ela falou: “Agora eu quero que vocês vão ali na folha branca e façam o desenho da formiguinha. Pode ser a formiguinha passeando, pode ser a formiguinha carregando uma folha, não tem problema, pode olhar ali no desenho da tia e fazer.” Eu fiz? Fiz nada. Sabe o que eu fiz? Eu fiz um jardim todo de margaridas e as margaridas dando a mão uma para a outra, a mão era a folha da margarida. Terminamos, a professora foi de um a um, olhando. Eu lembro que eu toda suja de tinta, e a tia Cibinha, que tomava conta da gente, com um pano, limpando: “Sua mãe não vai gostar, olha só a roupa suja. Cadê o seu avental?” E eu ali, e professora uma com a outra, olhando, cochichando, e eu não sabia o que elas tinham falado. Só sei que aquele desenho, adoraram, porque ele foi parar na secretaria, penduraram. Lá tinha um mural grande, colocaram o desenho, a folha, no mural da secretaria, para enfeitar, então, gostaram. Eu cheguei em casa, meu pai foi me buscar, e eu fui contando. Eu me lembro que eu contei para papai e quando cheguei em casa papai contou: “Ih, Leinha fez um desenho lá no colégio que aí a professora.” Ele enrolou a língua, não sei o que ele falou que eu não entendi, e mamãe falou: “É? Mas isso é normal?” Gente, engraçado. Quando é criança, a gente, eu não consegui entender o que ele falou, foi um não sei o que com mamãe, não entendi o que ele disse, eu só consegui entender que ele falou: “Ah, a Leinha fez um desenho cheio de margaridas, uma margarida dando a mão pra outra, um jardim cheio de margarida. Eu vi lá, bonito, não sei o que, não sei o quê.” Ela falou: “Ih, isso é normal? A professora falou?” Ele falou: “É, depois a gente vê isso.” Engraçado, são coisas que marcam na gente, que não sai, eu nunca me esqueço disso. Um tempo atrás, recordando isso em casa, que de vez em quando, quer dizer, de vez em quando não, sempre nós temos o nosso momento família, todo dia. Tem a nossa hora de sentar, que eu trabalho muito, mas eu tenho meu momento com a família, tenho que ter, não pode faltar. A gente sentado, tomando café, sei lá, comendo alguma coisa ou não comendo, a gente ri, conta aquelas coisas quando era criança e as minhas filhas riem, mas é tão bom! Eu conto aquilo, mas elas riem tanto, que parece que elas estão vivendo aquele momento comigo, de estar naquela época. E lembrei essa passagem da minha vida, e ainda falei: “Mãe, o que é que papai te falou, você não lembra, não?” Ela falou: “Ah, mas isso faz tanto tempo, eu não lembro, não. Mas eu falei o quê?” “A senhora falou, perguntou assim: ‘isso é normal?’ Mas eu não entendi o que papai falou.” Ela falou: “Ah, não consigo me lembrar. Eu tô com meus 74, não consigo lembrar mais.” Incrível, eu não me lembro, eu não consegui entender o que ele disse, a palavra que ele disse, o que ele citou para ela, ele falou baixinho, tipo assim: “Ela não pode ouvir.” Isso marcou muito.

P1 – Quando você era criança seus pais te contavam histórias?

R – Contavam de chapeuzinho. Mamãe contava muita história para mim, papai não sabia história, não. Ela contava tanta história, ensinava a cantar aquelas cantigas de ciranda, aquelas músicas. Eu fui para o colégio sabendo aquelas musiquinhas todas, quando começava a cantar, eu começava a cantar mais alto e eu me lembro que a professora falava: “Deixa a tia ensinar todo mundo, me ajuda a ensinar.” Eu a ajudava a ensinar, mas era porque eu estava atrapalhando, agora que eu sei que eu estava atrapalhando, mas eu ficava cantando, e as crianças atrás de mim, porque eu ia fazendo e elas iam atrás. Ela não queria, queria que ficasse todo mundo sentadinho nas cadeirinhas. Agora que a gente percebe o que a gente fazia quando era criança. Mas ela me contava muita história, de chapeuzinho, essas histórias que a gente conhece. E eu ficava imaginando a cara do lobo-mau tão engraçada, não era o lobo, lobo não, eu o imaginava engraçado, tipo um cachorro, mas um cachorro, que ela falava que ele tinha olhos grandes. É muito engraçado o ser criança, a gente pensa cada bobagem na cabeça, fantasia cada coisa. Tem uma coisa que me marcou, teve uma chuva, um temporal, eu não lembro a idade que eu tinha, teve um temporal feio mesmo, escureceu o tempo todo, e minha mãe correu, fechou as janelas, estava eu e ela sozinha. Meu pai estava trabalhando, ele trabalhava no DR, era pintor lá. Ela falou: “Fica quietinha, vamos ficar quietinha que vai passar esse temporal, essa tempestade vai passar.” Na janela, parecia que estavam jogando pedra. Eu falei: “Mãe, tem gente jogando pedra na janela.” Ela falou: “Ih, fica quietinha, não pode ficar falando. Fica quietinha que isso, esse problema vai passar, essa tempestade vai passar.” Eu ali com medo, falei: “Será que quem é que tá jogando pedra?” Ela falou: “Não, fica quieta, depois você vai ver.” Falei: “É São Pedro?” Porque o meu pai falava: “Ô, São Pedro, pára de chover pra gente ir à festa!” E eu ficava imaginando que tinha uma pessoa lá em cima, no céu, São Pedro. Eu estava pensando que era São Pedro que estava jogando a pedra na janela, e falei: “Mãe, é São Pedro?” “Fica quietinha.” Eu quieta, doida para aquilo acabar, para ver a pedra que São Pedro tinha jogado! Foi muito interessante, que ela abriu a janela, tinha chuva de pedra mesmo, de granizo. Nossa, aquilo tinha alturas de gelo! Do lado de fora da casa e na janela, e todo mundo ali, fazendo aquela correria toda, tirando, eu virei para minha vó, minha vó chegou depois daquela tempestade toda, ela falou: “Teresinha, você tá bem? E Leinha, tá em casa?” “Ah, a Gilberto é que tá pro serviço, mas tá tudo bem, daqui a pouco ele tá chegando.” Ela falou: “Menina, mas que temporal, hein? Foi chuva de flor.” Eu falei: “Não é não, vovó, foi São Pedro que tava jogando pedra pra gente abrir a janela.” (risos) Que coisa! A gente fica pensando, o adulto fala. A gente tem que ter cuidado com o que fala, porque o adulto fala e a criança fica só quietinha ali ouvindo. Hoje as crianças são mais espertas, mas naquela época a gente escutava as coisas e ficava imaginando outra completamente diferente do que é agora. (risos)

P1 – Wanderléia, você falou de festas. Em qual festa você ia?

R – Festa dos Carecas. É uma festa tradicional da minha cidade, só que hoje, infelizmente, ela não é como ela era antes. Ela agora tem mais shows, forró, bandas de todo lugar. É bom, é bom, mas é uma coisa diferente. Eu acho que eles deviam resgatar aquela Festa dos Carecas lá de trás, era tão bom, tinha tanta barraquinha, palhaços na rua, pessoas vestiam, o Carequinha! Não sei se vocês ouviram falar em Carequinha. O Carequinha ia lá, ficava hospedado no Hotel Turismo. Eu tinha medo, um medo terrível dele. Ele com roupa comum eu não sabia quem era, mas a mamãe dizia: “Você já conversou com o Carequinha.” (risos) E eu ficava: “Não, ele não foi.” “Ele estava lá conversando com vocês, você e seu pai.” “Não, mamãe, estava não.” Mas ele estava, porque ele estava sem a roupa. Ele ia e fazia muita festa no meio do povo. Essa tradição da Festa dos Carecas onde eu moro não tem mais desse jeito, tem a festa, é comemorada a Festa dos Carecas. É a Festa dos Carecas porque a comissão da festa era composta por carecas, o presidente, no caso, um dos presidentes é o que foi homenageado com o nome da escola das minhas filhas, Ewandro, professor Ewandro do Valle Moreira. Ele era um dos presidentes, era um pouquinho careca, mas teve o tio dele que era muito careca. Mas essa festa que eu vivenciei, que eu curti um dia, as crianças de hoje não conhecem. Era muito boa, ela tinha apresentação de bombeiros, tinha aquela piscina de espuma, eles faziam aquela cortina de espuma, aquelas coisas, e as crianças entravam ali e saíam, e aquilo tudo. Hoje, as crianças conhecem a piscina de espuma do bombeiro no carnaval. Eles vão lá, colocam banho de espuma, mas, na minha época, eles faziam aquelas demonstrações. Eu nunca entrei, meu pai não deixava entrar, mas eu curtia só em ver as outras crianças: entra aqui, sai ali e entra lá, sai cá, você não vê nada, quando vê saiu todo branco de espuma, mas era maravilhoso. Eu tive uma infância maravilhosa, muito boa. Essas festas eram uma vez por ano, mas era bom demais.

P1 – Quando você era criança você lembra se tinha algum sonho, algum desejo?

R – Eu tinha, o meu sonho era de desfilar. Era o meu desejo. Porque eu vi na televisão, passou – eu não consigo lembrar exatamente o que era na televisão – eu só tenho aqueles flashes do que mais me chamou atenção. Passou umas mulheres desfilando, muito magrinhas, com umas roupas bonitas. Eu comecei a fazer isso em casa, eu calçava o sapato da minha mãe e o “camisolo” dela e fazia a mesma coisa, e falava que um dia eu queria desfilar também. Eu realizei meu sonho, não tenho que reclamar, não, porque, olha, eu desfilei muito! Gente, eu adorava desfilar os desfiles de moda. Na minha juventude, quando eu era mocinha, as lojas faziam os desfiles para apresentar a coleção de verão, de inverno, de outono, as roupas novas que chegavam para a loja. A gente passava na rua e sempre chegava um: “Ah, vem cá, Wanda, você não quer desfilar pela minha loja, não? Vai ter um desfile tal dia e com a roupa, vem cá para você ver as roupas, chegou cada roupa linda!” Nisso a gente comprava, consumia, nas lojas e mostrava, era batata, com diz hoje, era o desfile acontecer, no dia seguinte a loja estava cheia: “Ah, eu quero vestir aquela roupa que fulana desfilou.” “Ah, eu quero aquela roupa que sicrana desfilou.” As lojas vendiam, eles faziam muito isso. Eu desfilei muito. Como eu havia falado, só não desfilava de biquíni, meu pai não deixava, mas de roupa, as roupas do momento, da moda, eu desfilei muito. Eu participava de concurso de beleza, ih, eu me realizei, amei, porque eu sonhava com isso e consegui fazer. Do meu jeito, porque não tinha curso, hoje tem cursos de modelo e tudo, mas a gente participava porque era convite das lojas, para a gente mostrar a roupa. E dava certo, era uma coisa que no dia seguinte todo mundo queria vestir a roupa da maneca. (risos) Isso aconteceu ano passado, tem uma loja grande em Cantagalo de roupas e de sapatos, e como a minha filha, a mais velha, está sempre nisso, é desfile, é lançamento de butique, ela vai para recepcionar, eles a convidam, acham que ela tem jeito. Ela é muito magrinha, muito esguia, e muito vaidosa; ela não é tímida, é muito comunicativa, não tem problema em falar em público. A outra é muito tímida. E eles a convidam para desfilar, inclusive a mais nova desfilou também nessa coleção primavera-verão ano passado, e a roupa que elas desfilaram foi vendida no dia do desfile. Elas fizeram o desfile, quando eu estava no camarim, ajudando a tirar a roupa para entregar à representante da loja, chegou uma mãe lá: “Ah, a minha filha quer comprar a roupa. Essa roupa é das meninas ou é da loja?” A dona da loja falou: “Não, a roupa é da loja, elas estão mostrando o que tem.” “Ah, então, eu quero levar essa roupa para minha filha porque ela adorou. Ela quer essa roupa.” E a menina ali: “Não, mamãe, eu quero essa daqui. Eu quero essa.” É interessante porque é uma coisa que continuou. Eu gostava muito e, a Daianny não gosta muito, não, mas a Duanny continua me realizando.

P1 – Wanderléia, onde aconteciam esses desfiles das lojas que você desfilava?

R – Na praça. Às vezes, pouquíssimas vezes foi dentro de clube, quando era roupa de inverno, que era mais elegante, eles faziam uma decoração no clube, social, mas a entrada era franca. Agora, quando era desfile de primavera, verão, outono, era na praça, montava aquela passarela linda, enfeitava tudo e íamos nós, desfilar! Mas ia muita gente, acho que Cantagalo todo juntava lá para assistir os desfiles.

P/1– Você se lembra da primeira vez que você desfilou?

R – Lembro. A primeira vez eu desfilei para boutique Bem me Quer. Essa boutique nem existe mais. Ah, mas me deu um frio na barriga! (risos) Porque eu nunca tinha ido. Eu desfilava assim: Sete de Setembro, eu estava sempre me envolvendo com coreografias, danças. Eu participava de apresentações, cada ano era um tema. Teve um ano que foi mostrando o carioquinha, mais o Rio de Janeiro, homenageando. Então, eu saí de carioquinha, saia, o estilo da época que usava. A roupa, de tamanquinho e tal. Eu me envolvia muito nessas coisas, não era de sair no pelotão de uniforme, não. Eu saía, às vezes, tinha ano que homenageava o Teatro. Eu saí vestida de flor, é incrível isso. Eu saí de margarida com uma flor enorme, o meu rosto era o miolo. E a flor dura, de material duro, o meu corpo era o caule e os meus braços eram a folhinha. E o incrível é que eu, quando era criança, desenhei as margaridas. Acho que a professora fez aquilo, eu não sei, acho que ela usou aquela ideia e criou aquilo e porque ela ainda falou: "Você tá lembrando?" Eu nunca me esqueço que a mamãe me arrumou, a concentração foi na minha rua. Ela falou: "Você tá lembrando de alguma coisa, Leinha?" Eu falei: "Não." "Você não lembra um desenho que você fez pra tia, quando você tava no jardim da infância?" Eu falei: "Não." Ela falou: "Você não lembra?" Falei: "Não." Ela falou: "Você desenhou um monte de margarida (risos) dando a mão, como se fosse a mão, a folhinha. E eu coloquei vocês tudo assim, ó. Tá vendo?" Ela fez um jardim de meninas. Fez com a coisa de rosa, o rostinho da menina era o miolo. Eu tenho essa foto. (risos) Muito engraçado. Voltando ao meu primeiro desfile, foi muito engraçado porque eu nunca tinha desfilado, só desfilava em Sete de Setembro. Mas, ali eram várias pessoas junto comigo. Agora, em um desfile de passarela, nunca tendo feito, eu não tinha experiência. Eu lá dentro, na hora que estavam chamando, as colegas estavam indo. A professora falou: "Ah, você faz assim e tal. Vira devagar. Não corre." Eu falei: "Mas, eu tô sentindo uma dor na barriga. Eu não posso ir, não." "Não, pode sim. Isso é nervoso. Isso passa." "E isso é ruim?" Ela falou: "Não, não é ruim, não. Isso vai passar. É nervoso, porque você nunca foi." Eu me lembro que ela foi me deixando para trás e de repente me chamou. E eu não queria ir. Eu estava com medo de cair. Ela falou: "Bobagem. Vai. Você tá linda. Vai." Eu fui. Dei um tropeção, não sei como que eu parei em pé, só sei que eu consegui me equilibrar. Quando eu fui, que eu voltei, eu queria ir de novo. Porque eu amei aquilo. Aquele tropeção, acho que me deu uma chacoalhada. Ele falou: "Você é boba. Vai logo." (risos) Eu fui, que eu queria voltar de novo. Ela falou: "Tá vendo. Eu falei com você?" E fui um montão de vezes. As outras menininhas não queriam ir, as coleguinhas: "Ah, eu não, que eu tô com vergonha", que não sei o quê. "Eu vou. Me dá, tia. Me dá que eu vou." E vestia a roupa e ia. Olha, amei o meu primeiro desfile. Eu tive muito medo. Mas depois que eu quase caí, eu acho que aquilo me deu coragem (risos), que eu consegui. Depois daquilo.

P/1 – Você tinha quantos anos mais ou menos?

R – Eu era mocinha. Meu primeiro desfile foi com doze ou treze anos. Eu não participava de nada assim, só colégio, Sete de Setembro, junto com as coleguinhas. Antes disso eu não fazia nada dessas coisas. Eles não chamavam criança, não, chamavam só meninas de doze para cima. Que tinha muita, na época, tinha mais menina do que menino.

P/1 – Wanderléia, você estava falando que você tinha doze anos quando você fez seu primeiro desfile.

R – Isso. Já.

P/1 – Essa época era a época que você ia no abrigo também?

R – Era. Era a época das bagunças. Comecei a fazer bagunça com essa idade para a frente, que mamãe deixava eu ir. Depois ela ia, ficava lá com a minha tia, conversava, a gente brincando.

P/1 – O que mais que você gostava de fazer? Que outros lugares você gostava de ir nessa época?

R – Eu gostava de ir ao cinema. Ah, na escola tínhamos um cinema lindo! Enorme, com uma tela enorme. Passava o filme dos Três Porquinhos, A Bela Adormecida, essas coisas. Era A Bela Adormecida não, era Chapeuzinho Vermelho, Três Porquinhos e tinha, ah, João e o Pé de Feijão. Foram o que nós assistíamos lá. Tinham outros, mas eu não me recordo muito porque a gente presta atenção naquilo que a gente gosta. Eu gostava muito porque, às vezes, tinha dia que a professora falava: "Ah, hoje nós vamos mudar o nosso dia. Vamos ao cinema." E descia todo mundo juntinho, de dois em dois. Ia professora e sempre ia um auxiliar, com a gente no cinema. A gente comia pipoca, algodão doce e assistia. Ia para casa cheia de novidade, a história todinha que aconteceu contava em casa. Haja ouvido dos pais, a gente contava as histórias todinhas. Gostava muito disso. Gostava quando tinha o carnaval, que eu me via em um carro alegórico. Gente, até hoje eu não realizei meu sonho! Não. Eu me via em um carro alegórico daquele, doida para subir em um. Hoje a minha filha tem essa vontade. Eu estou ajeitando para ela ano que vem, porque a juíza da cidade não deixa menores. Tem que ter quinze anos e ela não tinha ano passado. Eu consegui e na hora de pegar a fantasia o presidente da escola falou comigo: "Ela não pode porque ela tem catorze anos. Não tem como. A juíza não permite. Ela pode até interferir na hora do desfile." Eu consegui uma fantasia linda para ela, mas não deu. Ano que vem com certeza ela vai. Eu não fui, mas ela vai e realiza para mim. (risos)

P/1 – Em qual escola?

R – Olha, nós temos quatro. Eu gosto muito da Cor Azul, adoro a Cor Azul. Ela gosta também, mas é uma escolha, aquela que for está bom. Ela queria sair nas quatro, mas fica difícil, não dá tempo. Ela gosta de tudo, de participar dessas coisas, tudo, mas, não dá tempo, porque o percurso ali, a avenida é pequena. Não dá tempo de ir lá, ficar trocando de roupa.

P/1 – Quando você era um pouquinho mais velha, no ensino médio. Você se formou? Como é que foi terminar a escola, esse período?

R – O primeiro grau eu terminei em uma cidade vizinha, no Município de Cordeiro. Eu estudava muito. Eu saía, levantava cinco da manhã, era uma luta. Eu chegava cinco, quase cinco e meia, na rodoviária de lá. E caminhava até quase dez para as seis, até a escola. Na época, o meu pai procurou uma escola que tivesse o segundo grau, que antigamente era o Científico. Hoje não é mais isso. Formação Geral, se eu não me engano, substituiu, eu não sei direito, mas eu acho que substituiu o Científico.

P/1 – Ensino Médio, eu acho.

R – É, o primeiro grau. Para ir para o científico, só essa escola que tinha. Eu estava terminando a oitava para ir para o científico. O que é que meu pai fez? Meu pai me colocou na oitava lá. Para eu conhecer a escola e me adaptar, e continuar estudando. Eu estudava muito. Eu saía meio dia, ficava lá, que tinha oficina à tarde. E chegava em casa sete e meia da noite. Era muito corrido, muito cansativo. Quando chegava fim de semana, eu tinha que estudar. Essa fase do primeiro grau, até eu me formar, não curti muito, porque eu ficava muito ligada no estudo. Mas, ia na festa da cidade, que tinha, saía com colega. Sempre o meu pai por perto, mas eu saía com as minhas colegas, eu ia à boate. Meu pai me deixava ir à boate, com o pai da minha colega junto, mas não tinha nada para esconder. Nunca tive aqueles pensamentos: "Meu pai tá, eu não quero ir." Não. O meu pai não ia, mas o pai da minha colega ia e nunca ligava para isso não. Ia à boate, dançava muito. Só quando não tinha prova, quando tinha prova eu nem pensava em boate, não podia ir mesmo. Eu curti mais foi o segundo grau. Segundo grau, magistério, amei fazer. Criançada, adoro criança. A gente tinha que estagiar em várias escolas e há uma diferença grande, há carência, às vezes. Nós fomos até em escola que tinha crianças especiais, porque a gente tinha que fazer o estágio e o nosso relatório em cima disso. Para poder a gente se especializar, porque se caso viesse a entrar em uma escola que tivesse um caso especial, para gente saber lidar com a situação. Fomos até na Pestalozzi, fizemos um estágio, porque eu fiz o meu magistério em ensino particular, baseado no parâmetro curricular nacional. Eu não tenho que completar alguma coisa, estou apta. Desde o momento que você terminou de concluir o magistério, você está apta a entrar em uma sala de aula. Teve uns anos atrás, se eu não me engano, uns três, quatro anos, que algumas professoras que se formaram bem lá atrás, tinham que fazer um complemento para continuar, para ter um seguro, melhorar mais. Subir, talvez, mudar de série. Eu gostei muito, porque eu trabalhei com criança o tempo todo. Eu montava projetos, trabalhos. A minha fase de segundo grau foi ótima, estudei, fiz os cursos que eu fiz, foi bom. Eu comecei a fazer administração, não terminei porque eu estava trabalhando e não dava tempo. Não dava mesmo. Com filho pequeno. E eu não consegui concluir. Mas, pretendo continuar. Estou esperando passar o ano que vem, tem umas comemorações em casa, aniversário de quinze anos. Vou esperar passar para poder me equilibrar de novo, para voltar, porque agora eu vou conseguir voltar a estudar. O meu serviço, eu trabalho em rádio, e agora eu tenho direito de sair, eu posso sair umas horas antes para poder fazer faculdade. E eu vou voltar a estudar, vou fazer o que eu parei e vou fazer algo mais também.

P/1 – No magistério você já trabalhava?

R – Não, no magistério, não. Eu nunca peguei para dar aula, ser professora, não. Eu sempre trabalhei no que eu faço agora, que é administrativo, departamento pessoal, financeiro, essas coisas. Há anos eu trabalho nisso. Eu atuo como professora, como coreógrafa. Eu faço um trabalho com jovens de quinze, doze, que a mais novinha tem doze. Ela é nova no grupo também, de doze a dezesseis anos. E ela faz parte do grupo, da banda municipal de Cantagalo. Mas, eu faço um trabalho com elas, de dança. A apresentação, todo lugar que a banda vai, esse grupo vai e eu vou junto com elas, eu treino. Eu tenho o meu momento de alegria com elas, eu tenho o meu momento de puxar a orelha, porque, às vezes, o grupo se dispersa um pouquinho. Nós saímos, fazemos oficinas fora. Tudo pela educação, pela Secretaria de Educação, que nos proporciona isso. É só avisar a gente, tem oficina em Friburgo, Nova Friburgo. E oficina de baliza, de coreógrafo. Elas aprendem tudo. Eu vou e me dedico, estou o dia inteiro com elas, não abandono de jeito nenhum, estou sempre ali. No dia de apresentação, com muito amor, eu faço catorze cabeças, catorze maquiagens. Fotografo cada pulo que elas dão. Tenho um acervo enorme de fotografias! Desde lá detrás, que eu estou na banda com elas. Não com todas, tem algumas que entraram agora. Sempre vai renovando. Ainda não saiu ninguém ainda, esse é o segundo grupo. Mas, sempre uma "Ah, tia, eu quero entrar e tal." "Você tem que ter mais idade." Eu não pego menininhas, pequenininhas, porque a maioria são grandonas e eu preciso de mais tempo. Por enquanto eu não tenho tanto tempo assim para dedicar aos pequenininhos, aos baixinhos. Mas, eu tenho impressão que ano que vem eu vou arrumar esse tempinho também.

P/1 – Seu primeiro trabalho foi esse?

R – Como professora.

P/1 – O seu primeiro trabalho. O que você considera o seu primeiro trabalho.

R – Não. De profissão foi departamento de pessoal, administrativo. A vida inteira trabalhei com isso. É o meu carro-chefe. (risos)

P/1 – Como é que você começou esse envolvimento com a dança?

R – Bom, eu sempre gostei. Eu saía na escola. Não era banda, na escola não tinha fanfarra, na minha época. Mas, o que surgiu foi que a Secretaria de Educação tinha a banda, tudo registrado, e não tinha pessoas que gostassem e quisessem desenvolver isso. Um amigo meu pegou a parte dos músicos na corporação e eu entrei com a parte da linha de frente, que são as balizas. Ensinei tudo o que sabia, criei algumas coisas. E é um sucesso delas na rua. Anunciou que a fanfarra do município vai desfilar, não tem para ninguém. Junta todo mundo e quer ver as meninas dançando. É muito bom.

P/1 – Tem alguma coisa que você queira contar dessa sua experiência com a banda, com as meninas?

R – Todas as experiências que eu tenho tido com a banda, é muito bom. Essas oficinas, que eu falei que a gente vai fazer, todo ano é isso. Todo ano tem, é todo mês de novembro. Agora com a eleição teve que adiar, mudar. Vai ainda programar. Mas, todos os momentos em que eu saio com a banda são maravilhosos. Porque a gente encontra com as outras bandas, faz amizades. Aquela amizade que a gente faz ali, na hora da concentração, na hora do lanche, sem a farda ou com a farda. É maravilhoso você fazer amizade e manter aquela relação, troca de endereço eletrônico. E você pensa assim: "Ih, quando ele chegar na cidade dele, lá em Cachoeira de Itapemirim, lá em Macaé, lá não sei aonde, não vai nem lembrar de mim." Lembra. Lembra, sim. E a gente mantém esses contatos pela Internet, até o próximo encontro. Porque, sempre, as bandas que vão, se fala: "Ah, tem um encontro em Cachoeira de Macacu." O encontro lá é lindo. Muitas bandas, são dois dias de encontro, de tanta banda que vem, de fora. Nós nos comunicamos um com o outro: "Vocês vão?" "Vamos." "Então, nós vamos nos ver lá." São momentos maravilhosos, que eu acho que não tem nenhum que eu faça assim: "Esse eu não gostei".

P/1 – Tem algum fato marcante desses eventos, ou alguma pessoa marcante que você encontrou nesses encontros?

R – De banda?

P/1 – É.

R – Não. Assim, especial, não. A gente conhece as pessoas que vê na televisão. Passa a ver. Maestro, por exemplo. Tem a Sinfônica. Levei as meninas na Sinfônica semana passada, lá no SESI de Nova Friburgo, através da Educação também, eles me cedem ônibus, lanche, tudo. E nós fomos, eu fui responsável por elas. Lá foi lindo, porque elas nunca tinham assistido uma orquestra ao vivo. Vocês não tem ideia da carinha delas. Porque tem aquelas que não gostam de nada, tem aquelas que gostam de tudo e tem as que ficam em cima do muro. Mas, aquelas que não gostam, que dizem assim: "Eu não gosto de orquestra, tia. Me dá sono." "Vamos lá comigo pra você assistir." Amaram. Isso me marcou muito, porque, primeira vez que elas foram e eu achei: "Nossa, elas não vão gostar. Já tão falando que não gostam." Não assistiram. Mas, gostaram. Foi uma coisa muito importante. Elas conheceram o maestro da Suécia e cinco integrantes de músicos da Alemanha, que vieram. Tiraram fotos, chegaram lá perto, olharam, conversaram com os outros músicos, da orquestra da Petrobras também teve. A da Euterpe também teve. E é um conhecimento. Isso para mim, gente, é uma alegria, de poder levá-las nesses eventos. Porque, quando eu era criança, não tinha ninguém para me levar. Nunca ouvi falar em orquestra, quando eu era criança. Então, a gente faz o que pode.

P/2 – Wanderléia, como que é essa orquestra? Como que é a coreografia? Como que funciona?

R – Essa que eu levei?

P/2 – Não. A sua. A banda. Como funciona a banda? E as meninas, como elas dançam? Como que é?

R – É difícil. Bom, vou tentar explicar. Vêm os músicos, com farda, bumbo, tem aqueles quatro que tocam baquetas, tem lira, tem quase todos os instrumentos. E, na frente, vem a minha filha mais nova, ela é alta e tem uma desenvoltura para girar o bastão que é incrível, adora. Ela vem como regente. Tem o maestro, ela não está preparada para assumir a regência, como maestro. Ela estuda música, mas não está ainda no estágio para isso, tem muito pela frente. Mas, ela vem como regente-mor da banda, vem conduzindo a banda. Na frente dela – eu estou indo de trás para frente – vem as catorze. Cada apresentação é uma coreografia. Ou elas vão de farda, que é a oficial, um vestido de veludo, rodado, curtinho, meia calça, sapatilha branca, penteado. Eu faço coque, boto aquele marabu em volta do cabelo, faço aquela maquiagem artística. Elas ficam lindas. Elas vêm dançando, rodando um bastão, meio bastão, a Daianny já roda um bastão inteiro. Aquele bastão com bolas na ponta. O dela é grande por ela ser o regente. E elas vêm fazendo passos, combinados, todas elas na mesma posição. E vira, agradece o público, roda bastão, e vira estrela de ponta cabeça, fazem pirâmide. Sobe, vai subindo, vai subindo até chegar lá em cima. A minha filha é a mais levinha, sobe, fica lá em cima e faz aquelas coisas todas. Aquela apresentação toda em um percurso, que a banda vai tocando devagar e vai parando. Elas vão parando e vão montando essas pirâmides. Eu vou falar os nomes, mas eu não sei se vocês vão, ponte. Ponte é o quê? A menina vira para trás, faz aquele arco no corpo: o pezinho ela vira, tomba para trás e fica aquele arco. Elas fazem aquela flor de arco, de ponte. Elas viram para trás, fazem aquela flor no meio da rua. E Daianny fazendo aquela apresentação toda, mostrando a banda ao público. Na frente dessas meninas, vem a bandeira da banda, mostrando ali o nome da banda, o município. Essa com a farda é só mesmo para encontro. Para apresentação de Sete de Setembro, cada ano eu uso um tema. Esse ano eu mudei a roupa, foi uma roupa mais simples, sainha, com babylook. E o que elas usaram esse ano foi o swing de poi. Vocês ouviram falar? Eu estudo tudo que eu posso fazer para cada ano modificar. O swing de poi era utilizado pelas mulheres antigamente, para fortalecerem os braços. Eram cordas, com bolas de peso amarradas na ponta, para que elas fizessem malabarismo e fortalecendo os braços. Isso foi se inovando. Hoje, no circo, usa muito. E eu queria levar essa novidade para comunidade, para as pessoas. Ah, porque a maioria das pessoas não conhece, às vezes, vê, "Ah, que legal. Uma bolinha, né?" E o que é que fiz? Eu coloquei, tem várias aparências, de swing de poi. É dança com bolas. Ele é um cadarço comprido, uma bola de peso revestida com tecido e fita larga. Então, ficam duas pontas. À medida que elas giram para frente, vai fazendo desenhos. Gira para trás, para cima, para baixo. Tem aquela dança. E nessa coreografia, a gente combina, de dupla em dupla. Esse ano eu coloquei as cores da bandeira. Cada uma, de duas em duas, com a cor da bandeira e fizeram. Ficou lindo. Todo mundo gostou. Fiz um resumo, que no percurso delas na avenida elas só podiam girar ou para frente ou para trás. Não podiam fazer a dança, movimentando-se com o corpo e girando, porque machuca. Se esbarrar em alguém machuca, aquilo é um peso. O que é que nós fizemos? Elas fizeram um giro, para frente, para trás, simples, com o percurso ali. E quando chegou em frente ao palanque oficial, onde ficam as autoridades, o prefeito, a secretária de educação. As pessoas se aglomeram mais ali, porque sabem que é um ponto que elas dançam, que elas apresentam alguma coisa. E ali elas fizeram a dança. É muito bonito. E contou história. Eu fiz um resumo, entreguei ao locutor, para ele contar, para poder as pessoas que estavam ali saber o que elas estavam fazendo. Porque se eu tivesse lá, vendo as meninas dançando, girando aqueles dois malabares, eu: "O que será isso? Onde que essas meninas arrumaram esse brinquedo?" Ninguém sabe. Eu pesquisei sobre a história daquilo, entreguei ao locutor e ele contou a história para as pessoas saberem. Todo ano eu faço assim. Ano que vem, para eles vai ser uma surpresa, mas vou contar para vocês: vou fazer a dança com flag, é aquela bandeira que gira, triangular. Estou treinando-as para isso, para fazer. Porque a bandeira comum, elas fizeram, não é mais novidade. Agora vai ser ano que vem com flag, se Deus quiser.

P/1 – Wanderléia, sempre teve a banda com a coreografia?

R – Não.

P/1 – Como foi que começou essa história?

R – Você diz que eu estou fazendo parte? Começou comigo. Porque a banda tinha a banda sem as balizas, não tinha baliza. Uma das pessoas da Educação, que é responsável pela banda, falou: "Ah, não, vamos levantar isso aí. Poxa, Wanda. Você caiu do céu na vida da gente. Vamos lá. Bota pra ver isso aí. Faz o que você achar melhor." Eu comecei, botando a minha ideia para funcionar. Por eu gostar, eu admiro muito, adoro banda. Desde criança, meu tio levava a banda. A banda fazia alvorada seis horas da manhã. Dia de festa, dos Carecas, era seis horas da manhã. Eu dormindo, acordava com a banda tocando. Abria a janela, ele parava com a banda para tocar para mim. A gente gosta, passa a gostar daquilo. E eu via também as apresentações na televisão, de bandas de outros lugares, a Cantagalo não tinha. Bandas de outros municípios fazendo apresentação com uma menina na frente. Eu pensava: "Não, se fizer com mais componentes ali vai ficar lindo." Todas fazendo a mesma pose, que elas fazem pose. O público ama, adora, quando elas vão fazer apresentação. Porque eu faço assim, procuro trabalhar com elas a disciplina. Eu acho que a harmonia, ela só encontra um grupo grande se houver a disciplina de cada um. Tendo disciplina. Eu desço a rua da minha casa com as catorze arrumadas, na fila. Tudo direitinho, mãozinha na cintura. Desce por ali afora comigo, vai pela rua. Aonde uma põe o pé, a outra põe o pé também, não tem risada. Depois que acaba, até me pegam no colo, mas, antes é tudo direitinho. Não tem briga, não tem confusão, não tem nada. Tem conversa, que eu converso muito. Às vezes, eu falo: "Olha, a tia hoje falou muito.” Elas falam: "Não, tia, eu te amo." Eu falo: "Ah, então tá bom." (riso) É meu presente.

P/1 – Onde mais você foi pesquisar? Quando você assumiu essa função de coreógrafa da banda, como você foi descobrindo?

R – Através da Internet eu entrei nas comunidades de banda, fiz amizade. E através de encontros, que eu fui à oficina de coreógrafo, através da Educação também. Eu fui a oficinas e peguei muito contato, durante a oficina, com as pessoas. E lá eles me orientaram: "Ah, você entra nesse endereço. Você procura fulano e fala que fui eu que te indiquei, que fulano vai te orientar." E fiz amizade, tenho amizade até hoje, lá de trás. Pessoas que trocam ideia comigo, eu mostro as fotos, mando fotos de onde eu vou, porque eu fotografo tudo. E foram surgindo as minhas ideias. Eu pesquisei em sites americanos também, eu tenho um CD lá, que eu consegui gravar, do Incorpos. Não sei se vocês já ouviram falar. É lindo. Lindíssimo. Eu tenho CD deles, que eu andei pesquisando. Só que o jeito deles, as técnicas que eles usam, precisa de mais tempo e espaço. Nós não temos um, para uma apresentação com tanta grandiosidade como a deles. Mas, é mais ou menos o que a gente faz aqui, que nós fazemos. É mais ou menos o que eles fazem lá.

E vou buscando, mexendo, remexendo, até conseguir. Até dança com fita nós fizemos. Fita, tipo rítmica. Nós fizemos também. Cada ano eu faço uma coisa.

P/1 – E a rádio? Você citou que ela contou a história dos malabares. Como que você entrou na rádio? O que é que você faz lá?

R – Na rádio? Foi uma situação engraçada, porque eu trabalhei em uma empresa de ônibus durante oito anos. E estava trocando de dono, a empresa. Eu estava precisando sair, estava com pai doente, problema sério de saúde. Eu não tinha condições e lá não podia tirar férias, porque eu lidava com tanque de combustível, eu mexia com parte de mecânica, cuidava do material mecânico todo que tinha que ter na oficina, hora extra. E tinha que ter direção para aquilo, não podia ter erro. E eu estava, vinha de anos, e eu não tinha condições. Meus pais só têm eu de filha, eu tinha que cuidar deles. Não podia ficar em casa, não tinha hora para ficar em casa. Saía de manhã e chegava à noite. Então, entrei em acordo, saí da empresa, mas com a intenção de voltar depois. Voltar, pelo menos um ano depois, para poder eu tentar controlar as coisas. Nesse meio tempo, a rádio estava procurando uma pessoa para gerenciar. E, não sei quem foi até hoje, procurei na época, mas não fui a fundo também, que deu informações: "Ah, porque tem a Wanda, que conhece departamento de pessoal, tá acostumada." Esse diretor, da época, foi procurar o lugar onde eu trabalhei. Lá eles falaram, deram informação, como que eu era, quanto tempo eu estava ali, porque eu estava saindo, que não queriam que eu saísse, mas eu precisava da minha indenização. Porque a indenização que ia resolver o meu problema em casa. Ele foi atrás de mim. Eu falei que não queria, não, que eu tinha que resolver a minha vida particular, pessoal. "Ah, não. Por favor. Vai lá na rádio, quero falar com você." Eu fui. Tinham seis moças comigo. Conversou com todas e tal. Quando chegou a minha vez, conversou, fez um teste de digitação. Eu mexia com computador. Ele falou: "Eu quero você." Eu falei: "Ah, mas eu não estou preparada agora. Eu não tô podendo. Eu nem sei por que é que eu tô aqui, porque eu não devia ter vindo. Você é que falou pra eu vir." "Não, mas eu quero que você faça parte do meu grupo." Eu falei: "Ah, mas não vai dar." Ele falou: "Não, dá sim. Concilie sua vida lá. Nós vamos fazer um horário pra você." Naquele dia comecei a trabalhar, incrível, que eu não queria. Eu cheguei em casa. Ele falou assim: "Vai em casa, ajeita lá, que nós vamos fazer um horário para você aqui. Aí quando você se estabilizar, sua vida pessoal, você pega o horário integral." Falei: "Ah, tá bem." E foi. Aprendi a operar em áudio. Não tenho curso. Aprendi, porque você, fazendo, sendo, como roteirista, eu sou roteirista, lá. Eu tenho que entender daquilo, porque a montagem, se faltar alguém e acontecer algum problema, eu tenho que conhecer para poder não deixar a falha no ar. Rádio é ao vivo, não podia deixar a peteca cair. Aprendi a mexer em tudo e estou lá até hoje, graças a Deus. Trabalhei com equipe grande. Agora tá começando a formar equipe de novo, que aquela equipe saiu, mas está retornando à casa de novo. Saiu para uma mudança, uma obra e tal. Agora tá retornando. Eu adoro o que faço lá.

P/1 – Você já teve que fazer alguma operação na rádio?

R – Em áudio?

P/1 – É. Diferente do que você costuma fazer?

R – Não. O que eu fiz, que teve que ser uma coisa, assim, não tinha outro jeito. A pessoa que ia gravar um comercial amanheceu com a garganta pegando fogo. Eu cheguei pra trabalhar e tive essa notícia. Falei: "Não, gente. Vai ter inauguração da loja e tem que fazer essa gravação porque o carro de som vai rodar na rua, anunciando. Além da rádio também. Não, tem que fazer." "Não, então você faz. O locutor você faz, Wanda, porque ele quer voz feminina, o dono da loja." Falei: "Não, mas eu não levo jeito. Eu não posso. De jeito nenhum. Eu não gosto disso. Não quero fazer." "Não, mas você vai ter que fazer, ué. Não, você tem que fazer." No final da história eu acabei fazendo a gravação, que eu achei que ficou horrível, mas todo mundo gostou. (risos) Inclusive foi no carro de som, propaganda volante. Só naquele dia, mas foi. Mas, isso foi que me pegaram de calça curta. Eu não tinha experiência com microfone. Eu não tenho, a minha experiência é diferente. Eu, na hora me deu vontade de chorar, eu tremia. (risos) Mas, gravamos duas vezes. A segunda ficou melhor.

P/1 – Alguém que te conhece escutou?

R – Ah, a cidade inteira. Engraçado que a minha voz em gravação fica diferente, ela muda. Eu não sei, ela mudou muito. Começou a passar o carro na rua e as pessoas ligavam para a rádio, pessoas conhecidas: "Wanda, me explica uma coisa, essa promoção da loja, vai ter sorteio na rádio?" "Vai, vai ter sim." "Aqui, quem é essa locutora? Tem locutora nova na rádio? Porque só tem um homem aí. Só você, mas você não é locutora." Eu falei: "Por quê? Você não gostou da gravação, não? Tá feio?" "Menina, mas tá uma voz bonita. Mas, quem é?" Eu falei: "Ah, é minha." "Mentira! É sua nada, Wanda. Você e suas bobeiras. Você sempre faz brincadeira. Fala sério, Wanda." Falei: "Tô falando sério, gente." Ela falou: "Ah, não é não.” "É sim!" As pessoas iam lá, os mais conhecidos, e perguntavam: "Luís Helênio" – meu colega locutor – "É verdade que a Wanda que gravou esse comercial?" "É." "Menina, que coisa! Você tem que ser locutora." Eu falei: "Não, eu não levo jeito pra isso. De jeito nenhum. Eu não tenho voz pra isso." Tem que ter uma voz firme. Para gravação, retoca aqui, retoca ali, dá certo. Agora, para ao vivo, é diferente.

P/1 – Wanda, você falou que você era roteirista. Como é que você faz?

R – Eu faço o roteiro da programação. Recebo a chave de músicas, do que vai entrar como inserção, para poder programar a posição e hora de cada uma. O roteirista faz isso, programa dentro da grade, do horário nobre, que é de sete da manhã até às cinco da tarde, tem a exclusividade de clientes. O cliente escolhe a x hora para rodar o dele. Tem que ir exatamente naquele, como rege contrato, tudo direitinho. A gente tem que entrar exatamente naquele ponto, não pode ter nem mais e nem menos. Se for mais, é por conta da emissora, mas se for menos é um erro. Eu tive que aprender a ser roteirista também. Porque horário eleitoral é difícil, é complicado, a grade é completa, não pode ultrapassar.

P/1 – Wanda, você estava falando que você prepara o roteiro. A ordem das apresentações no rádio. Deu algum pepino, alguma vez? Já que é ao vivo.

R – Não. Pepino de lançar alguma coisa que não deveria ter ido, não, por enquanto, não. Espero que não aconteça, porque, depois que foi ao ar, já foi. Não tem jeito de consertar. Mas, uma coisa perigosa que aconteceu uma vez e engraçada, em termos, foi que, à noite, ligaram para o estúdio e eu não estava no meu horário. Eu não trabalho à noite. Ligaram para o locutor dizendo que uma pessoa tinha falecido. E houve uma distração, porque não pode receber nota de falecimento por telefone. Mas, naquele clima que eles estavam, de programação, da noite, uma programação romântica. Aquilo caiu como uma bomba, porque a pessoa era muito conhecida. O locutor ficou aborrecido, chateado: "Poxa, dona fulana morreu." E fez a nota de falecimento. Dali a quinze minutos me ligaram dizendo, o locutor: "Ai, Wanda, corre aqui que tá com um problema enorme." "O que é que houve?" "É que eu anunciei a nota de falecimento e a senhora não morreu." (risos) Naquela virada de noite era primeiro de abril, fizeram isso. Só que a pessoa que fez isso, ela é uma pessoa amiga nossa e tudo, mas não estava se ligando que ia dar problema para a gente. Isso dá processo, essas coisas. Nossa, que sufoco que eu passei! A dona foi lá, brigando, deu polícia. Até explicar tudo. E nós temos gravador de censura. Então, ali grava as ligações. Na gravação estava que a pessoa que ligou falou de um jeito que aquilo parecia um trote. Mas, o locutor, por ouvir falar o nome da pessoa que era tão querida, não se ligou que poderia ser um trote. Menina, deu uma confusão. Custamos para resolver, amanhecemos com esse problema. Fomos resolver só com o sol quente. Mas, depois disso, sempre, qualquer coisinha é tudo muito bem pensado, tudo escrito, tudo assinado. Sempre tem a primeira vez de acontecer alguma coisa. Mas, com relação a, no ar, como parte de roteiro, não. Graças a Deus, espero que nunca aconteça.

P/1 – Hoje você mora com quem?

R – Moro com meus pais e minhas filhas.

P/1 – Você foi casada?

R – Fui casada. Tenho duas filhas, uma de catorze, outra de quinze. São as minhas amigas. E tenho doze anos de divórcio. Sou muito feliz. Eu me dou com o pai das meninas, ele está sempre lá, visitando. A gente sai, nós quatro, vamos na pizzaria. Porque o pai e a mãe, mesmo que estão separados, tem que está sempre mostrando aos filhos que a família está ali. Precisou do pai? Pai: "Tô aqui." Precisou da mãe? "Também estou aqui." Acho que não tem porquê de não ter aquele momento família para elas verem que tem a família, mesmo que o pai está lá ou a mãe está lá, ou aqui, sei lá. Mas tem. Na hora que falar "quero minha família", a família junta.

P/1 – Como se chamam as suas filhas?

R – Duanny e Daianny.

P/1 – Conta a história desse nomes.

R – Duanny, foi o seguinte: o pai que escolheu esse nome. Ele, quando tinha quinze anos, foi ao cinema, ele morava no Rio de Janeiro, e assistiu a um filme de faroeste que tinha uma índia. A atriz fazia o papel de uma índia, que chamava Duanny. E ele ficou encantado com a índia, muito linda a atriz. E ele anotou o nome. Ele contou isso para mim, que na hora que passou os nomes, passou lá a atriz e o personagem que ela fez. Ele anotou o nome, e disse que um dia, quando ele tivesse uma filha, ia colocar o nome de Duanny. Foi dito e feito, ele guardou esse nome. Um dia lá, eu grávida, ele falou comigo, pediu que, caso tivéssemos filha, que ele queria colocar esse nome. Eu achei meio estranho, um nome tão difícil, diferente. Ele pediu, eu deixei, ele colocou. Quando eu engravidei da segunda, eu não sabia que era menina, mas o meu desejo era ter outra, eu era apaixonada por ter filha. Acho que seu tivesse continuado tendo filhos, eu ia ter um monte de menina. (risos) Eu falei com ele: "Bom, agora é minha vez. Se eu tiver uma menina eu vou colocar Daiana." Em homenagem à princesa Lady Di. Quando ela nasceu, eu pensei bem: "Bom, vou colocar combinando com o nome de Duanny. Eu coloco Daianny, com a mesma escrita de Duanny, ene, ene, ípsilon no final." E foi assim. As duas pareciam gêmeas, porque uma nasceu 23 de fevereiro, a outra nasceu dia 24 de fevereiro. E se vestiam iguais, no mesmo tamanho. Porque, eu ainda falava, quando eu estava grávida, estava tão grandona que o meu médico, que fazia pré-natal, falava: "Eu acho que você vai ter gêmeos." (risos) Eu falei: "Não brinca. Eu só tenho enxoval pra uma criança." "Mas você está enorme. O neném deve está um atrás do outro." Eu falei: "Ah, não." E fiz o ultrassom. Claro que, se viesse, seria bem-vindo. Como veio, uma atrás da outra, bem dizer, foram dois bebês. Mas, não era, era só uma criança. Veio a Daianny. Eu coloquei os nomes coincidindo o dê. Coincidiu com o nome que eu gostava, só que diferente, em vez de ser Daiana é Daianny.

P/1 – Quanto tempo que elas têm de diferença?

R – Falta um dia pra um ano. Elas ficam o mesmo dia, um dia só, com a mesma idade.

P/1 – Como você conheceu o seu marido?

R – Ele me conheceu no desfile da escolha da rainha. (risos)

P/1 – Rainha do quê?

R – Da rainha da Festa dos Carecas. Ali que nós começamos a namorar.

P/1 – Como é que foi? Você lembra como ele chegou em você?

R – Ele veio me dar os parabéns, porque eu fui a primeira princesa. Começou paquerinha, rolar aquela paquera. Não podia namorar na rua, namorava em casa. Casei jovem. Fui mamãe jovem.

P/1 – Quantos anos?

R – Eu fui mamãe com 23 para 24.

P/1 – Como foi quando nasceu sua primeira filha?

R – Ah, foi maravilhoso. Eu sonhava em ter filhos. Não sabia que ia ser tão cedo. Eu pensava em curtir mais a vida. Mas, nós namoramos uns anos e, eu comecei a namorar, a pegar aquela coisa: "Ah, não, vou casar. Eu quero ser mãe." Foi maravilhoso. Foi lindo. Ter a outra me assustou um pouquinho, a segunda gravidez, porque eu ainda estava com a outra pequenininha. Mas, foi lindo. Adorei.

P/1 – Você ficou casada quanto tempo?

R – Fiquei uns cinco anos e pouquinho, quase seis.

P/1 – Como foi, depois, voltar para casa da sua mãe?

R – Foi maravilhoso também, porque eu estava voltando para o meu cantinho. Estava lá, direitinho. Eles adoraram. A vida deles, eles estavam sozinhos, sentiam muita falta. E você volta com duas crianças, saí um, volta três. (risos) Até hoje eles gostam muito. Se eu casar de novo, eu acho que morar na casa de cima, ou ao lado. Porque ir embora, deixar eles dois sozinhos, não posso fazer isso. São os meus amigos, já pensou ir embora? Como é que eu vou fazer? Eles não querem ir embora. Às vezes, a gente fala: "Ah, agora as meninas fazendo faculdade, a gente vai ter que ir para um lugar assim. Porque elas não, vai ter que arrumar ou então deixá-las em uma república, com alguém. Eles ficam: "Ah, não. Elas não podem ir. E nós?" "Vamos também. Vai todo mundo." Eles ficam: "Ah, mas eu vou largar a minha cidade?" Estão acostumados lá, desde que nasceram. Mas, eu tenho impressão que eles vão, sim, são muito agarrados com elas. Todos dois. Quando a gente viaja e vem passear e vai a algum lugar, eles ficam ligando. Ontem papai ligou umas duas vezes para mim. " Quando é que você vem embora? Não demora, não." Eu falei: "Ih, só vou segunda." "Não, segunda demora muito pra chegar."

P/1 – Como é que você participa da escola das suas filhas?

R – A escola, eles deixam aberto aos pais que quiserem conhecer o ambiente em que os filhos estudam, os professores. Conhecer os trabalhos que eles fazem, os projetos. Nessa abertura é que eu entrei, eles convidam em reunião de pais. Eles deixam à vontade, se quiserem vir visitar a escola, pode vir. Nós somos bem recebidos, sempre fui muito bem recebida. Através do acompanhamento, que eu fui fazer uma pesquisa sobre a área da educação infantil, fui ver como que era, como que lidava o prézinho. Eu tinha vontade de entrar nesse mundo dos baixinhos, na parte de aulas, de educação. Para entender melhor isso, tinha surgido uma ideia de entrar um grupo mirim na banda. Pedi pequeninos. E eu falei: "Eu queria estudar melhor o mundo deles, para poder ver o que é que eu posso fazer." Mas depois mudamos de ideia porque ia exigir muito. "Deixa que eles cresçam mais, fica com esse grupo de doze pra cima e vamos preparar uma turma mirim, que seja de sete aos doze." Pra poder ficar melhor de lidar. A criança cansa, pequenininho dá soninho, é diferente. Uma criança de sete para cima, tem, desperta mais o interesse, aquela atenção para aquilo que vai fazer. Foi assim que eu comecei a fazer a visitação na escola, na parte das crianças, do maternal. Partindo dali, que eu fazia visitas frequentes na escola, umas duas vezes por semana, que eu ia e as meninas faziam: "Mãe, hoje eu fiz um trabalho manual, com a tia fulana, muito interessante. Eu queria tanto que você visse, não pode trazer pra casa. Você vai na escola?" "Vou. Mamãe vai dar um jeitinho na hora do serviço, vou dar um pulinho lá." Eu ia, chegava lá, falava com a diretora: "Ah, eu vim, queria ver um trabalho que as meninas falaram. Acharam lindo. Posso fotografar?" "Pode." Eu ia, ficava horas, até esquecia da minha hora. Ficava vendo, maquete, eles trabalham muito com essas atividades. Foi assim que a escola delas se tornou a segunda casa minha. Lá eu vou, tem eventos, eles me chamam: "Wanda, me ajuda? Você faz isso? Você faz aquilo?" "Faço!" Eu vou lá, faço, pinto a sapequeira. Acabo virando, até, aluno.

P/1 – Você conhece o Programa TôNoMundo da escola?

R – Conheço, entrei no site. Tem trabalhos que eu acompanho da escola, das meninas, que está na Internet. Estou sempre me atualizando, navegando, quando eu posso eu entro. Tem até fotos das meninas, inteirando junto com os trabalhos.

P/1 – Você vê alguma mudança a partir de quando elas participaram do projeto?

R – Para elas foi ótimo, esses projetos. Elas ficaram tão encantadas que o balão, que foi levado lá no Natal, foi a Duanny que fez, a minha filha. Ela preparou até o balão do projeto, fez, artesanal. Ele foi apresentado em Natal, pela diretora e a diretora adjunta. Elas estão amando, participam, até desenho que eles fazem com o projeto, de acordo com o projeto, é colocado na Internet e está na página. Fotografia, eu fico lá babando, olhando. Eu gosto e elas também. Elas se despertaram muito, despertaram nelas o que tinha e elas não sabiam. Aquele interesse para aprender, para fazer, para participar em grupo. Isso despertou muito na turma deles, essa equipe que está nesse projeto. Despertou muito a atenção, o querer participar, o querer aprender. E quando eles entram na Internet para ver a página do TôNoMundo, eles ficam: "Ih, a minha foto tá aqui. O meu trabalho. Olha aqui. Isso aqui, olha, fui eu que fiz." "Fui eu, Fulano, Cicrano. Fui eu que fiz. Tá aqui, olha." Isso é bom demais. Isso é maravilho.

P/1 – Antes de elas participarem do projeto, elas tinham acesso à Internet?

R – Tinha acesso à Internet, mas não tinha esse interesse por essa parte, não. É o habitual, pesquisa escolar, essas coisas assim. Trabalho digitado. Não tinha esse interesse para conhecer outros lugares através do projeto, o que o projeto ensina, o que mostra. Tem uma série de coisas na página do projeto que desperta muito para o aluno. Ele fica interessado em aprender e participar.

P/1 – Wanda, para terminar, tem alguma coisa que queira falar? Que passou pela sua cabeça e que a gente não passou por isso?

R – Foi tão bom. Foi tão gostoso. Eu estava nervosa, estava, sei lá. A gente fica nervoso, tudo, mas foi tão bom. Parece que eu falei tudo para vocês, eu falei até demais.

P/2 – Imagina.

P/1 – Acho que a gente tem mais é agradecer por você compartilhar isso com a gente.

R – Eu que agradeço.

P/1 – É isso.

R – Tá certo.