Museu da Pessoa

Os sonhos, as visões e a dieta com um pajé contador de histórias

autoria: Museu da Pessoa personagem: Vladimir Vicente Brandão

PCSH_HV764
ENTREVISTADOR: JONAS SAMAÚMA
TRANSCRITORA: SELMA PAIVA


P/1 – Bem-vindo ao Museu da Pessoa! Poder vir nos presentear contando a sua história de vida aqui pra gente. Eu gostaria que, primeiro, então, você pudesse contar o seu nome e o lugar que você nasceu.
R – Tá bom. Eu nasci no rio Gregório, aldeia Kaxinawá, lá na última aldeia. Eu nasci lá.
P/1 – E quem são os seus pais?
R – Meu pai é o Yawarani e a Nunihu
P/1 – Você podia contar um pouco, o que você puder, sobre a história deles?
R – Posso. A história do meu pai, ele foi um seringueiro até os 40 anos dele, ele cortava seringa pra sustentar a minha mãe e depois disso ele, nos 40 anos dele, ele teve que deixar lá da seringa pra vir morar com o cunhado dele. O cunhado dele era uma das lideranças e também era pajé. E ele ficou junto, foi junto dele, pra ele aprender também um pouco da espiritualidade. E aí foi quando ele, pela primeira vez, fez o juramento sagrado, do Muká. Foi o primeiro da idade dele, pra se defender de uma situação difícil que tinha ocorrido com o filho dele. Aí o próprio cunhado dele falou assim: “Você precisa fazer o juramento sagrado, pra o seu filho não ser maltratado” e aí ele: “Tá bom, eu vou fazer”. E fez. Ele fez o pedido do Muká, que o filho dele não fosse maltratado pelas mãos dos brancos, porque foi uma época que foi uma situação difícil que ele teve, que ele fez um acidente, pra não ocorrer o perigo, na época ele não tinha feito seu juramento sagrado pra ele defender. Então, daí ele começou a história. Ele fez e deu certo. Daí ele, através desse cunhado dele, começou também a aprender a rezar, a cantar e fazer tudo que fosse preciso dentro da espiritualidade, pra ele seguir os passos da vida dele, aprender e continuar sendo pajé, pra ajudar o povo lá de dentro da aldeia também. Nessa época não tinha muita farmácia, não tinha remédio. Remédio era a medicina mesmo, da floresta. E aí ele aprendeu, junto com o cunhado dele e daí foi pra todos que ele ensinou. Desde aí ele e o outro irmão dele, que também é falecido, eles dois, depois da passagem desse cunhado dele, ficaram como pajé da aldeia, Yawá. Daí ele continuou colocando semente em cada pessoa. E essa semente brotou e deu fruto em todos os povos, alguns povos que precisavam. E, de lá pra cá, no meu entendimento, que eu me lembro, que ele começou ser um pajé orientador, que precisava ter paz, harmonia, muita paciência, pra ele se sentir bem naquele lugar. Então, a orientação dele foi para o bem. Foi um pajé muito querido, que ensinou, que deu pra cada pessoa deu um fruto, pra desfrutar daquelas palavras, medicinas. Daí começou a história do Yawá. E daí a gente, como filho, foi aprendendo também, um pouco.
P/1 – Quando você nasceu, ele já era pajé?
R – Não. Quando eu nasci ele cortava seringa. Eu tenho 48 anos agora. Ele largou a seringa, como eu falei: o cunhado o chamou, pra ser amigo dele, pra ele ensinar pra ele também. Porque ele não sabia de nada.
P/1 – Conta, então, um pouco, como foi a sua infância, quando você nasceu, o que você lembra, como era sua vida logo que você nasceu.
R – Tá bom. Logo quando eu nasci eu fui um jovem de apoio, que eu apoiava os trabalhos, os projetos que vinham pra aldeia. Eu era uma pessoa de apoio.
P/1 – Criança, quando você nasceu criancinha.
R – Quando eu era criancinha, donde eu lembro? Tá bom. Eu cortei seringa, junto com meu irmão, pra gente, na época, o que gerava dinheiro era a seringa. Tinha que cortar a seringa, pra sobreviver, pra comprar as coisas. Os patrões, né? Na época ele tinha patrão, os brancos. Eu cortei seringa, mais meu irmão, até os meus 18 anos.
P/1 – Até os seus 18 anos era todo dia cortando?
R – Todo dia cortava seringa com ele. Depois meu irmão, meu pai botou pra cidade, pra ele estudar. Aí, eu era mais pequeno, ele perguntou se eu queria ir também, eu disse: “Não, não quero ir, não. Deixa eu ficar aqui na mata, mesmo. Eu gosto da mata”. Aí eu comecei, vieram os projetos que o nosso tio conquistou lá nos Estados Unidos, para plantio de urucum, de pupunha, de castanha, de várias coisas, né? E aí eu era pessoa de apoio, que eu vinha receber e carregar no batelão, nas canoinhas pequenas. Na época tinha pouco motor, era varejando, mesmo, as canoas. E aí foi indo, foi indo, foi indo, eu passei mais de 10 anos nesse trabalho.
P/1 – E nesse tempo que você cortava seringa e também estava com apoio, como que era sua vida? Você só cortava seringa ou você também estudava a sua cultura tradicional?
R – Não. Eu não estudava a nossa cultura e também nem ler e escrever. Eu estudei muito pouco, porque o meu tempo foi pouco. Eu gostava muito de pescar, de caçar, eu fui um bom caçador, caçava muito.
P/1 – Você lembra alguma história de caça sua?








R – Lembro. Eu fui um caçador, da minha idade, jovem da minha idade não teve, igualmente, uma pessoa como eu, um matador de anta. Eu matei muita anta. Eu matei 13 antas. E as nossas medicinas da mata, como kapun

que a gente tomava, a gente ia e todo dia que a gente ia, a gente trazia. Aí eu comecei a arranjar família.
P/1 – Casou?
R – Casei.
P/1 – Como foi que rolou seu casamento?
R – O meu casamento foi porque eu via muito meus amigos da minha idade que já tinham mulher e eu não tinha. Eu estava querendo também arranjar uma família pra mim, pra ela cuidar de mim e eu cuidar dela. Pra nós termos uma família, ter os filhos. Mas logo o primeiro, que eu me juntei com a mulher, não deu certo. Aí a gente largou, ela me largou e depois eu me juntei com a outra, também me largou, não consegui conviver com ela e, depois de 25 anos que eu encontrei uma outra companheira pra mim. Daí eu me afirmei com essa companheira e eu fiz, tive a minha família completa. Hoje eu tenho dez filhos com ela, 12 netos. Uma família, construí, muito grande. Daí eu fui trabalhando pra me manter, pra conseguir manter minha família.
P/1 – Trabalhando ainda era pegando seringa ou era...
R – Não. Aí já era no timão do motor, no barco, navegando, naqueles barcos de cinco toneladas, de seis, ir pra cidade de Eirunepé
P/1 – Você lembra do momento que você trocou da seringa, pra você ir pra esse outro, como foi que a seringa sumiu?
R – Foi porque o meu tio Bira me chamou e disse: “Meu filho, eu não tenho alguém que me ajude e você precisa me ajudar, pra gente tocar esse projeto pra frente”. Aí eu larguei a minha seringa. E fui trabalhar como eu estou falando: navegando nos rios, levando produtos pra Eirunepé, uma cidade muito distante do Acre, ali, do rio Amazonas e pra Cruzeiro do Sul também. Aí eu larguei a seringa. E daí eu fui continuando, trabalhando junto com eles, eles me davam o meu valor, do meu trabalho. Foi indo, foi indo, foi indo e aí eu não ligava para a cultura, né? Meu pai sendo pajé, aquele homem, mas eu não queria nada.
P/1 – Você não ficava ouvindo-o?
R – Não.
P/1 – Deixa eu te perguntar uma coisa: tinha contação de história, essa coisa de se reunir na fogueira pra contar histórias?
R – Tinha. Eu nunca gostei de estar na rodada do uni e no contar de história. Eu nunca gostei, mas os meus tios, meus primos diziam: “Rapaz, vamos lá ouvir” e eu dizia: “Não quero ouvir agora”, porque eu sentia que não era minha hora ainda. Eu não ia pra beira da fogueira e ouvir, pra entrar num ouvido e sair no outro, eu não estava aprendendo nada lá. Por esse motivo, eu não ia.
P/1 – E você gostava de que, então?












R – Então, eu vou contar, porque já estamos na conversa, né? Nós já estamos entrevistando, então eu gostava muito de folia, né, de beber, de sair curtindo. Por isso que eu não ligava muito pra minha cultura, gostava muito de fazer essas coisas ruins, mas foi isso.
P/1 – Aí você virou, foi ajudar seu tio, trabalhando com varejão?
R – É, varejão, nesse tempo não tinha motor, tinha dois motores. Ninguém tinha motor, como tem agora. E aí era no varejão. Ajudei mais de... até hoje ajudo, ainda. Mas o jogo mudou. Eu mudei a história dessa época do passado. Essa época do passado foi muito ruim pra mim. Eu só apanhei muito. Eu nunca tive lucro de nada. Não me resultou nada. Só perdição de tempo. Durante o meu momento de juventude, só fazia coisas ruins, nunca fiz coisas boas pra mim. Estar do lado do meu pai, ouvindo, né? Se, nessa época... porque todas as coisas têm o seu momento, seu dia e a sua hora. Não era pra mim nesses momentos. Era pra outras pessoas.
P/1 – E como foi que você virou o jogo, nesse momento?


R – Eu virei o jogo foi agora, o ano passado. No ano passado eu virei a minha história. Que quando eu ouvi falar muito bem da nossa espiritualidade, que é o Muká, nossa planta sagrada e aí os meus primos, meu tio disse assim: “ Pekã Rasu, por que você também não faz?” Eu disse: “Rapaz, não é pra mim, não. O meu pai falou que é muita coisa, não é brincadeira, não é pra se brincar com isso. É coisa muito séria”. Mas aí eles me incentivaram: “Você é filho do pajé mais velho e verdadeiro. Por que você, o filho, não se valoriza e nem valoriza seu pai?” E aí foi aonde que eu comecei a pensar pra virar o jogo. E no dia eu aceitei: “Tá bom”.
P/1 – Mas até lá você nunca tinha feito nenhuma gesta?
R – Nenhuma.
P/1 – E não tomava uni?
R - Nem tomava uni, não tomava nada. Nada, nada, nada, nada, nada. As pessoas me convidavam, mas eu não aceitava o convite. Não dava pra mim. Aí, quando foi esse ano passado, eu entrei no ano retrasado e saí no ano passado. Passei um ano na dieta. Aí, me convidaram, fui. Meu pai me acompanhou, a minha liderança me acompanhou e as famílias me acompanharam, pra me deixar lá na aldeia sagrada, pra fazer esse juramento sagrado durante um ano. Eu aceitei, fui no dia 27 de março do ano retrasado.
P/1 – 2017?


R – É. Eu passei um ano e aí é onde eu virei minha história, meu jogo.
P/1 – Então conta aí, o que você puder, também, sobre como foi essa dieta. O que aconteceu com o seu espírito, quais são as visões.
R – Tá bom. Então, nós fizemos o juramento às cinco da tarde. Dia de sábado. Nos isolaram e o povo veio embora. E a gente ficou com meu pai ensinando, cuidando da gente e aí, quando eu comecei a ficar no silêncio total, recebendo as forças da terra, da floresta, das nossas bebidas, que é do Uni e do Kawá e aí eu fiquei durante um mês sem entender o que era, ainda. E disse: “Como é que vai aparecer em mim? O que vai aparecer pra mim, a primeira coisa pra me sentir feliz dentro de mim?” Esperando sempre pelos momentos, que eu estava na dieta.
P/1 – E você pediu alguma coisa?
R – Pedi. Meu pai fez o primeiro pedido, ele que puxou da terra e aí entregou nas minhas mãos, fez o pedido e depois eu fiz, que eu queria ser um pajé, aprender o que o meu pai tinha, o que ele sabia. O que meu pai sabia eu queria, também, aprender. Esse foi meu pedido. E de cuidar da minha família e do meu povo, porque a gente precisa. Se um filho ou uma filha está com problema de saúde, não precisa ir ao médico. A gente mesmo já vai lá, faz o trabalho, queima nossas medicinas, pede as nossas forças espirituais e vai e resolve o problema que está acontecendo. Um problema assim de febre, de dores, qualquer coisa, né? E aí eu fiquei durante um mês, quando entrou dois meses, sem usar água, nenhum tipo de doce e sem companhia familiar, não tocar em mulher durante esse período.
P/1 – Você tomava Uni também?
R – Tomava Uni todo santo dia. E aí o mês foi passando e entrou, meu pai dizia: “Agora vocês vão contar o que é que vocês aprenderam, receberam, pra vocês passarem pra mim, pra eu saber, realmente, como é que está indo o estudo de vocês”. Era eu e o meu sobrinho Shaneihu, nós três. O Wasá

já tinha feito a dieta do mamã e todas as dietas ele já tinha concluído, só faltava o muká, mesmo. E o outro rapaz, o Wasa ele já tinha feito também as dietas do mamã e do nanê, já tinha cuidado das pessoas que estava em dieta e eu não, não tinha feito nada. Era pela primeira vez. Eu não tinha feito nem uma dessas dietas. E aí nós ficamos durante esse período, quando eu recebi uma visão de uma história, né? Exatamente da nossa história, mesmo, como surgiu todas essas medicinas, de onde, como foi que surgiu essas medicinas nossas. Depois disso veio a cantoria também e onde abriu todos os meus pensamentos, o que eu estava precisando. Mas o meu objetivo, mesmo, é de rezar. É isso que eu quero. Vou até o fim da história da minha vida, se for preciso. Eu não tenho outro caminho que eu possa seguir, se não for esse caminho, pra eu aprender a rezar. Por isso que foi um pedido que meu pai me fez. Eu também senti dentro de mim que ia precisar desses momentos, pra eu aprender a rezar. Esse aprendizado de reza não chega pra todo mundo. É só pra quem merece. Daqueles mais humildes, daqueles que mais têm paciência, muita paciência pra você esperar quando chegam esses momentos. Não é alguém que te pega um objeto e te dá, não. É a própria espiritualidade que te corrige. Se você realmente merece, ele te dá. Se não, ele não te dá.
P/1 – E aí, como foi? Você viu a espiritualidade te dando a reza?
R – Aí meu pai fez toda a cantoria, né e pediu pra eu gravar, pra eu estudar. Ele me pediu pra eu gravar num gravadorzinho e eu gravei tudinho e daí ele disse assim: “Meu filho, eu já te repassei pra você, agora você estuda. Quando você vai estudando também, você vai esperar quando vai chegar o seu momento, de você receber esse poder. Esse poder é dado pelo Grande Espírito”. E aí, até hoje, eu estou estudando e estou esperando. A única coisa que eu não sei é pegar o pote, fazer duas horas de reza, três horas, quatro horas, dependendo da doença, mas eu quero chegar até lá. Meu objetivo é de chegar até lá, pra eu honrar o nome do meu pai e sempre recordar o que ele deixou pra nós. Essa que eu tenho dentro de mim, essa alegria muito forte, né, que não vai acabar a história do meu pai. Ele fez a passagem dele, mas tem os filhos que vão dar continuidade a essa história dele. E todo ensinamento dele, os filhos, não foi só pra mim, ele deu pra várias pessoas, fez pra muitas pessoas, mas realmente como ele disse: “Só vai receber quem merece. Não é todo mundo que vai receber esses poderes”. Então, eu estou nesse caminho. Mudei meu jogo, minha história. E agora eu estou trabalhando. Uni, pra mim, é tudo. Através do uni, eu faço tudo: canto, conto história, é tudo alegria, né? E eu também, através desse estudo, como todo povo Yawanawá tem aquele dever também de fazer o trabalho, fazer o Vẽ Kuxi {processo de cura Yawanawa}, que é fazer os pedidos e graças a Deus eu cheguei até lá também.
P/1 – Então conta só um pouquinho como você chegou até lá, que aí o seu pai chegou, no primeiro mês e eu queria saber como estavam as coisas.










R – Como estava o meu ensino, ensinamento.
P/1 – O que você falou pra ele?
R – Eu falei pra ele: “Pai, eu já aprendi a contar as histórias”.
P/1 – Você aprendeu as histórias de onde?


R – Dele.
P/1 – Ele ia contar a história pra você durante o dia?
R – Era. Ele ensinava tudo lá, todas as histórias. As histórias não são pra todo mundo, também. Não é todo mundo que sabe contar história. São poucos que sabem contar história. E aí disse: “Que bom! E você já aprendeu a cantar?” Disse: “Eu já aprendi o canto”. Esses cantos que a gente canta, nós na alegria do uni, é um canto diferente. Um canto de força. É diferente, já. E eu cantei pra ele e ele disse: “Está certo, é isso, então você está num caminho bom, é um bom aluno”. E aí a gente foi caminhando, foi caminhando, passamos cinco meses nesse retiro, lá.
P/1 – E você sonhava muito?
R – Nossa! Muitos sonhos bonitos. Até ele se admirou e disse: “Meu filho, eu nunca ouvi ter um sonho tão lindo como você sonha”.
P/1 – Tem algum que você poderia compartilhar, algum sonho?
R – Posso, sim. O primeiro meu sonho é que... a gente não dorme durante a noite, é aquele silêncio total. Quando o dia foi amanhecendo, eu fui pegar um cochilo pra eu dormir, que eu não tinha dormido à noite e eu sonhei que tinha uns índios que estavam me flechando, queriam acabar comigo, queriam me devorar, só via flecha passar como chuva, pra me ferir, pra acabar comigo. E aí eu fui muito esperto, eles não conseguiram me tocar. Depois veio um índio, com uma pena de Japó e saiu vexando graça pro meu rumo. Muito forte. Ele perguntou: “O que tu está fazendo?” Eu disse: “Estou passando nesse caminho” “Esse caminho não era pra você passar por aqui, mas como você já está nesse caminho, nós queríamos devorar você, mas felizmente nós não conseguimos. E você é o que teve mais sorte e em todas as suas caminhadas você vai ter vitória, porque isso já foi muito forte pra mim”. Aí ele me abraçou e disse assim: “Está aqui o caminho pra você caminhar nesse caminho”. Mas eu falei para o meu pai e meu pai falou pra mim assim: “Meu filho, essa é a força do Muká, mesmo. Que bom que você se defendeu de todas elas. No entanto, o caminho você vai caminhar, não vai ter dificuldade. Primeiro que você sabe dominar a nossa língua, bem, você não tem dificuldade. Os primeiros passos de todas essas histórias é a nossa língua, que você a domina bem, você sabe de tudo”. E aí outra noite eu dormi e eu sonhei, que todos esses poderes vêm através do sonho e, quando você toma Uni também, vem também, mas primeiro é o sonho. Aí vinha um cavalo voando, em cima desse cavalo vinha um anjo e, atrás dele, vinham duas bandeiras. Era uma vermelha, uma preta, uma azul e uma amarela. Atrás, vinham voando. Aí eu vi quando eles vinham voando. Aí eu falava: “Lá vem uma imagem muito grande”. As pessoas que estavam comigo não conseguiam ver. “Vocês não estão vendo, não?” “Não”. Ninguém estava vendo nada, só eu que estava vendo. Ninguém conseguia ver. Daí ela veio voando, voando, voando. Lá na aldeia sagrada nós estávamos fazendo a dieta. Ela chegou em cima da minha cabeça, não passou, nem eu sentindo força dentro da minha cabeça, ficou voando. Aí, quando arreguei minha cabeça assim pra eu olhar, ela virou um pingo de uma chuva. Quando eu abri minha boca e olhei, assim, pra cima, ela pingou mesmo dentro da minha boca. Aí me acordei. Aí falei pro meu pai e meu pai disse: “O sonho é muito bom. Muito lindo esse sonho. Não é pra todo mundo. Então, você está sonhando muito bem. Provavelmente, meu filho, você vai ter história. É coisa muito grande. Não é pra todo mundo esse sonho. Esse sonho é só pra quem tem vontade, tem interesse de alcançar. Faça o Muká bem. Não desiste, até quando você estiver velho. Não abandone esse caminho”. E aí eu tive esse sonho muito lindo. E daí que foi me transformando, foi abrindo também os meus pensamentos de fazer cantoria, de nossos pedidos, quando a gente estava lá na aldeia sagrada. E daí começou a abrir tudo. Eu senti dentro de mim quando as coisas foram transformando. Hoje eu fiz um ano.
P/1 – E o que se transformou? O que você sentiu que estava transformando? Eu queria saber um pouco mais de como era a rotina da dieta. Vocês ficavam, vocês três juntos e o Yawá ensinava pra vocês três ou vocês ficavam separados? Vocês tomavam uni à noite? Como que funcionava?
R – Não, a gente ficava todos os três juntos, dormia numa casinha só. E, na noite do uni, nós íamos nós três e, na noite de trabalho, que o Yawá fazia pra nós ouvirmos, nós estávamos nós três, pra gente estar lá ouvindo, pra aprender. E daí a gente ficou, um ficou até três meses, saiu, fiquei eu e mais meu sobrinho, que é o Shaneihu até um ano.
P/1 – E aí vocês tomavam ayahuasca que horas?


R – Txai, nós amanhecíamos o dia.




P/1 – Começava de noite?
R – Começava de noite.
P/1 – E aí era cantoria?
R – Era cantoria.














P/1 – Mas só na voz?
R – Só na voz. Inclusive, meu pai me pediu: “Meu filho, só canta na voz. Isso é o melhor”. Toque de violão não existia na nossa época, mas agora está existindo, que as coisas mudaram. E aí só era na voz, mesmo. Não cantava com violão, não.
P/1 – E aí você poderia, também, contar alguma visão que você teve no uni, o dia que você bebeu uni?
R – Na hora, posso. Quando nós tomávamos uni, nós tínhamos uma visão muito forte, né, porque nós estávamos na dieta e aí apareceu pra mim uma onça. Ela entrou na casa que tem lá, veio, encostou bem aqui e aí eu não fiquei com medo. Depois disso veio uma anta muito grande também e ficou de frente de mim. A onça é um animal da floresta que mais se põe a dona. Ela que é a poderosa. E a anta é um animal maior. Depois dela, não tem outro maior. É a anta que é a maior. Através desses animais eu recebi coragem de ir em frente, de lutar, porque elas me deram coragem. E aí, depois, veio um animal que eu não conheço, mas ele era muito enorme, muito grande, aquele que a gente vê na revista com nome dinossauro, né? Ele entrou dentro do Churru onde nós estávamos, era tão grande que quase não conseguia entrar. Aí falou assim: “O que vocês estão fazendo aqui dentro?” Eu falei assim: “Eu estou me preparando pra minha caminhada, prum novo momento pra mim”. Aí ela disse: “Eu sou um animal muito grande e ninguém pode comigo, mas aí eu estou vendo que aqui as coisas estão muito lindas, são muito bonitas. Cada um de vocês que estão aqui merece essa força”. E ele ficou por lá, era tão enorme assim que eu estava na miração muito forte e depois ele saiu. Depois foi a jiboia. Entrou a jiboia e ficou querendo nos atrapalhar, na nossa miração. Aí nós pedimos: “Não, nós estamos aqui pra receber todas as forças, de todos os seres. Então, você precisa nos ajudar, me ajudar, porque eu estou precisando”. “Ah, está precisando de ajuda, é?” “Estou” “Então tá bom, você vai ser ajudado”. Então, esses três animais que eu consegui ver nas minhas visões da minha miração e do uni. E aí, depois de receber essas forças, aí a gente voltava, amanhecia o dia e a gente ia estudar aquela miração, como é que nós podíamos encontrar com aquelas forças, que foram dadas pra mim, mas como eu ia usá-la. E aí foi indo, meu pai falou assim: “Todas eles têm vida. Então, que bom que você encontrou com esses animais poderosos! Não são todos os animais, os maiores que foram: a onça, a anta e esse animal que veio do alto também. Esse aí não veio da terra. Ele veio de cima. E daí eu comecei a me animar, sabendo que as coisas estavam indo bem, eu estava aprendendo. E aí até quando chegaram os momentos da gente cantar. Cada qual ia cantar pra ele ouvir. Mas, enfim, vou fazer essa cantoria no final. E aí ele saía, ele vinha pra cá pra Nova Esperança e nos deixava lá uma semana e a gente ia estudar. Quando ele voltava: “O que foi que vocês aprenderam? O que eu ensinei, já aprendeu? Me repassa aqui, pra eu ouvir”. E a gente repassava pra ele. “Tá bom assim. Vocês vão continuar. É assim que começa, devagar, com muita paciência. Tem que ter muita paciência, pra não se apressar. Se vocês se apressarem, não adianta. Tem que ter muita paciência, pra chegar até lá”. E aí a gente seguiu os conselhos dele e as palavras dele, que ele repassou pra gente. E a gente ficou até os cinco meses, aí teve o nosso festival. Na despedida, que foi uma filha minha e o Tawahu, meu irmão e a filha dele, que está aqui conosco, foram me buscar lá na aldeia sagrada. Na despedida nós tomamos Uni, a miração foi muito grande pra mim, recebi todas as forças dali daquele lugar e falou assim pra mim: “Essa barreira, pra você, vai ser muito grande, não vai ser de brincadeira. Do jeito que essa miração está muito forte em você, vai ser a sua caminhada, mas que bom que você soube controlar e pediu as forças. Assim também vai ser sua caminhada. Ninguém vai poder te barrar, não, porque você tem essa espiritualidade, essa força. Onde você for, a porta vai abrir. Onde você for, o caminho está limpo pra você andar. Então, você precisa ser honesto, não falha e não brinca, que, se vcê brincar, você paga por isso. Então, é você ser sincero e fazer as coisas com sinceridade e faça as coisas bonitas, pra humanidade ver. Ajuda quem precisa de ajuda. Você vai ser um dos que vai ajudar muita gente”. E a miração foi tão grande que eu fiquei muito feliz, fiquei emocionado de saber que essas forças espirituais estavam me presenciando e me repassando o conselho espiritual, como eu deveria seguir os passos da minha vida. E daí eu vim, saí e vim para o festival. Nós baixamos para o festival. Aí o uni, pra mim, é uma bebida... daí eu já comecei a fazer eu mesmo, com as próprias minhas mãos.
P/1 – Na dieta não era você que fazia?
R – Não. Só recebia o que alguém tinha feito e doava pra nós. E aí eu comecei a fazer eu mesmo. E dessa miração que eu tive, desse uni que eu fiz, recebi uma miração muito grande, que vieram duas pedras de cima e, quando vinha bater aqui em cima do meu coração, ela se abriu. Não tocou em mim. Ela se abriu. E daí foi que eu comecei a fazer Uni. E foi um aprendizado muito grande pra mim. Hoje eu sou um Yawanawá com poucos anos de Muká que eu tenho, mas a minha experiência já está muito grande, porque eu aprendi com meu pai. E depois que meu pai falou assim: “Meu filho, eu estou velho. Quem é que vai receber esse poder? Quem é que está pronto pra receber? Porque eu não vou poder viver tantos anos com vocês. Então, se prepare pra receber, seja como eu: uma coisa certa, verdadeira e correta. Eu fui essa pessoa. Eu sou de alegria. Então, eu não sei quem é de vocês: tem tu e o Tawahu. Mas eu quero deixar esse presente pra vocês, na mão de vocês, que vocês não esqueçam e nunca percam esse caminho que eu abri pra vocês, deixei pra vocês”. Aí eu fiz o meu uni, tomamos juntos e a minha história mudou. Cheguei na minha casa, comecei a fazer meu uni e aí, quando ia o pessoal, nos festivais, me procuravam muito, pra fazer o Vẽ Kuxi, pra passar

o rapé, quando fazia os pedidos e a minha história foi crescendo e hoje eu nunca andei pra nenhum lugar, nunca saí do Acre, nunca saí da aldeia, pra nenhum canto, mas a própria força da espiritualidade que tem dentro da gente, que nos guia e nos dirige, ele sabe realmente se você vai fazer um bom trabalho, uma boa viagem, você sente. Se você fizer, não se meta, que não dá certo. E eu pedi pro meu pai, quando ele estava vivo ainda, que eu viesse mais o Tawahu. Eu nunca tinha vindo, eu não sabia como era, não tinha nem noção. Não saía. E ele disse: “Meu filho, vai. Você nunca pensou de ser senhor, mas no momento as coisas mudaram a sua vida e agora eu vejo que você está em um bom caminho, está se preparando pra enfrentar esse caminho. Não é fácil”. E, realmente, não é fácil, mesmo. E aí, lá na minha casa, eu já fazia a minha cerimoniazinha, eu mesmo, junto com jovens. Vinha 15, 20 jovens: “Pekã Rasu, rapaz, eu quero tomar uni com você”. “Vamos tomar”. Cantava pra eles, depois da cantoria eu parava: “Agora eu vou dar um conselho pra vocês: como se segue, como estamos vendo e como que o caminho pra nós seguirmos é esse aqui. Se vocês seguirem outro caminho, vocês podem se perder, porque esse caminho aqui você está vendo tudo e outros caminhos tem espinho e você não vê, tem cobra e você não vê, tem alguma armadilha que você pode pisar em cima e pode se ferir e você não vê. Agora, esse aqui está vendo como o claro do dia, ele não nega”.
P/1 – Você teve algum momento, em toda essa sua transformação, que você sentiu que você fez uma limpeza de todas aquelas coisas de folia que você bebia? Teve alguma visão que você viu que aquilo estava sendo limpo?
R – Vi. Naqueles momentos, aquelas coisas ruins me deixaram livre. Me deixaram livre, livre, livre. O Muká tirou tudo. Coisas ruins que tinham os costumes, como tu acabou de falar, ele limpou tudo. Agora só vai estar eu aqui dentro. E coisas ruins não tocam em mim. Palavras ruins, um olhar ruim, não me ofende, porque ele não deixa. O sangue que corre na minha veia, o muká correu tudinho. Aí foi onde eu transformei minha vida, esqueci de todas essas coisas ruins. Minha vida se transformou.


P/1 – Eu gostaria também que você falasse como foi - porque não é todo mundo que conta a história, como você falou - que veio essa visão e abriu esse caminho de contar história, pra você?
R – Essa visão veio através de um yawanawá velhinho, mesmo. Esse velhinho era o meu pai, mesmo. Ele chegou assim: “Agora você vai contar história. Está preparado pra contar história?” Eu disse: “Tô” “Então, vai contar história”. Aí me acordei, esse foi no sonho, no outro dia fomos tomar uni e agora é minha vez de contar história. Contei história. E outra vez meu tio estava viajando pra Portugal, ele estava em Portugal e lá eu recebi a visão, uma cantoria pra ele que eu fiz. Cheguei e cantei pra ele e ele disse: “Meu filho, muito bem. É muito bonita sua cantoria. Ninguém nunca fez isso pra mim. E você recebeu essa visão quando eu estava em Portugal”. Aí eu comecei a contar as histórias, o meu próprio pai escutava, o nosso pessoal que estava lá, eu contei a história exatamente como eu aprendi.
P/1 – E aí você foi contar essa história, depois que saiu, pras crianças também?
R – Conto história pros meus netos, pros meus filhos. Esse é o meu caminho. Esse é o meu trabalho. Eu não tenho mais outro trabalho, se eu não contar história, se eu não puder tomar Uni numa rodada, porque agora os jovens estão se aproximando de mim, de primeiro não tinha nossa rodada em terreiro grande, eles não iam. Agora, quando é particular, assim, enche lá em casa. Depois da história dou Uni pra cada um deles e depois eles ficam tão felizes e tão bem, que a gente, agora, vamos contar história. As nossas histórias, mesmo, que chega até pra nós, pra nós sabermos de onde é que estão vindo essas coisas boas. Então, vem da história. Mas esse é o meu papel, né? E continuo e vou ficar velho fazendo esse trabalho.
P/1 – E você conta as histórias tradicionais yawanawá? Ou você inventa histórias? Você cria histórias ou você só conta história...
R – Não. Eu só conto história

Yawanawá, tradicional.
P/1 – Só pra saber, nem precisa contar, qual é a história que você mais gosta?
R – Rapaz, eu gosto de contar as histórias como surgiram as medicinas para os índios. Essa é uma história muito bonita.
P/1 – E essas histórias todas você as ouviu do seu pai?
R – Exatamente. Ouvi do meu pai. Todas elas aprendi do meu pai.






P/1 – E você já fez a cura em alguém? Passou por esse processo?
R – Na hora. Já fiz cura na aldeia, muitos foram me procurar nos momentos. Já fiz cura em nosso parente, mesmo.
P/1 – E era cura de doença física ou espiritual?
R – Era espiritual.












P/1 – O seu pai sabia curar coisa física também?
R – É, papai sabia. Através da reza do pote. Então, um pouco do que eu aprendi dele é muito... pra mim, a única coisa que eu ainda estou chegando até lá, aos poucos, é exatamente pra curar as doenças carnais. Espirituais eu já sei. Então, é uma coisa que vem da própria força do muká, que vem pra você, pra te ensinar esses momentos que você precisa. Então, todas essas medicinas que nós temos têm poder.








P/1 – Tem mais alguma coisa que você quer contar? Você fez alguma dieta depois do Muká?
R – Depois da dieta pra cá, do Muká pra cá? Eu estou fazendo.
P/1 – Está fazendo outra?


R – Estou continuando a mesma: não estou comendo doce, não estou usando mulher. Agora, como não tem caiçuma aqui, eu estou tomando água com limão, mas eu estou continuando minha dieta, levando pra frente.
P/1 – Vai fazer um ano?
R – Já deu um ano. Dia 27 deu um ano. No dia 28 meu pai só fez me entregar a ele.
P/1 – Seu pai te entregou e no dia seguinte fez a passagem?




R – Fez a passagem dele.
P/1 – E aí, como que foi isso pra você, esse momento?


R – Nesse momento eu fiquei muito triste, mas de outro lado eu fiquei animado também, por ele ter me preparado, por ele ter me deixado no meu lugar. Ele me esperou até essa data, como eu falei, ele mesmo pegou a planta, o muká e tirou, fez o pedido, depois me entregou, eu fiz meu pedido, depois que eu mastiguei, engoli o sumo e depois disso ele me ensinou e me esperou até no dia em que eu inteirei um ano e no outro dia ele já fez a passagem dele.
P/1 – Nossa! E depois que ele fez a passagem, você já teve algum contato com o espírito dele?
R – Na hora. Tive aqui mesmo, em São Paulo. Eu encontrei com ele aqui em São Paulo, através do sonho, ele falando assim pra mim: “Meu filho, eu estou muito feliz, porque eu estou com vocês todo dia, só que vocês não conseguem, porque eu estou em outras matérias, mas eu estou feliz de ver vocês fazendo o meu caminho. Por onde eu andei, vocês vão andar. E contando a mesma história e mesmo meu trabalho que vocês fizeram”. Me dá uma força muito, muito enorme, quando eu estou fazendo a cerimônia junto com Tawahu aqui em São Paulo, nossa, ele está junto de nós todo dia, espiritualmente, ensinando e fazendo as coisas acontecerem.
P1 – Qual que é o seu sonho, hoje? O que você sonha?
R – O meu sonho, hoje, é de seguir os meus passos da minha vida e ser um Yawanawá verdadeiro. Pra eu ser um Yawanawá verdadeiro é ter minha identidade. A minha identidade é o quê? É eu saber contar uma história, eu saber fazer uma cantoria, eu saber rezar, pra curar, ajudar as pessoas. Se eu não tenho essas coisas dentro de mim e se eu não souber, eu não sou Yawanawá. Sou porque fisicamente, mas espiritualmente eu não tenho nada, sou vazio.
P/1 – Então são essas três coisas que constituem a identidade: contar história, rezar e cantar?


R – Ser um yawanawá verdadeiro, é isso. Porque não adianta ser uma yawanawá se tu disser assim: “Me faz uma cantoria ou me conta uma história” e, se eu não puder? E se eu não souber? O que eu vou falar? O que eu vou dizer? Nada. Então, nós termos essa identidade, é nós termos isso dentro do nosso espírito. Essa espiritualidade que nós temos, forte. Porque passa de geração pra geração. Meu pai se foi e deixou pra nós. E nós vamos continuar o caminho que ele abriu pra nós andarmos.
P/1 – Eu ia pedir pra você contar uma última visão que você teve, algum sonho muito forte ou alguma visão, talvez, mais difícil, o momento mais difícil da viagem, que você conseguiu superar. Se você puder contar essa última pra gente e fechar com uma cantoria.
R – Tá bom. A última visão que eu tive foi que um velho mandou eu subir em um mulateiro. Sabe aquela árvore que é mulateiro? Ele mandou eu subir. Estava muito liso. “Eu quero ver que você sobe nessa árvore, até lá no galho, pra ver se tu consegue”. Ele mandou eu subir. Eu lutei. Consegui subir lá em cima. “Agora tu se salta de lá, você se salta, salta o galho e cai pra baixo”. Eu disse: “Nossa! E agora?” Não tinha nem a mínima ideia se eu ia machucar ou se eu não ia aguentar da queda, mas já que ele pediu, então lá vai. Fechei o olho e saltei. Antes de bater no chão eu tomei um respiro, tomei um susto e acordei. Pra mim isso aí foi uma coragem, uma força de vontade ter esse momento de coragem, de que se soltar lá de cima, do galho de uma árvore e você não sabe se vai escapar ou se vai... foi essa prova que eu tive. Uma prova muito forte pra mim.
P/1 – E aí eu também gostaria que você falasse, se você tivesse alguma visão, sobre a Samaúma.
R – A nossa conexão com samaúma é porque ela recebe todos os pássaros nos galhos, nas galhadas dela. Todos os pássaros que voam pousam ali. Lá ela deixa a energia dela. Todos os pássaros que passarem por ali, vão ter que deixar. Então, só ela que tem o poder, também. Ela e eu acho que você ouviu falar: Cumaru de Ferro. Essas duas têm esse poder forte. Que, no momento que você clamar o nome dela, no que for preciso, ela está presente, o espírito, pra te ajudar. Então, é {nome Yawanawa da Samaúma).
P/1 – Você já teve alguma visão com ela?
R – Com a samaúma, não. Não tive uma visão com samaúma, não.




P/1 – Com gavião, teve?






R – Gavião também não. Eu tive mais com a onça. Inclusive, isso aqui é de onça, isso aqui é da Runua, maior parte dos meus colares aqui é de onça. Chapéu de onça que eu tenho, tudo de onça.
P/1 – Você já viu alguma onça, mesmo?
R – Já. Eu já matei onça, mas há muito tempo atrás, já. Eu já matei com cachorro, a pulso, mesmo, caçando.
P/1 – E hoje, como é que você vai seguir, assim, a sua vida? Você vai voltar e ficar... como é que você pensa que vai ser sua vida depois que você acabou essa dieta, que seu pai fez a passagem? Você vai continuar fazendo essas rodadas, fazendo seu roçado. O que você quer da sua vida?
R – Eu vou continuar ajudando, trabalhando lá dentro da aldeia. Eu vim nessa viagem, mais o Tawahu, mas não é todo tempo que eu vou sair. Quero estar mais na minha casa. Quero estar mais cuidando da parte dessas nossas medicinas que precisa e que tem muito longe, às vezes a gente vai longe e tem que trazer pra plantar num lugar específico. Esse é o meu caminho. Esse é o meu trabalho. Esse é o meu estudo, que meu pai deixou. Eu quero ser um médico. No futuro eu quero ser um médico.
P/1 – E qual foi a coisa mais importante que seu pai te ensinou?
R – É a rezar.








P/1 – Você poderia, então, pra fechar a nossa entrevista, que foi muito, muito boa, fazendo uma cantoria, uma reza?
R – Tá bom.


Cantoria indígena [1:03:18 a 1:11:10]
P/1 – Como foi pra você contar sua história aqui?
R – Nesses momentos, pra mim foi um dos momentos mais importantes eu contar a minha história, de como eu comecei e pra eu chegar, até hoje, nesse lugar onde eu estou, nesse estúdio aqui. Pra mim foi o muká que me trouxe até aqui. Não tenho dúvida. É a força do muká.
P1 – Gratidão.