Museu da Pessoa

Oitenta por cento de ferro nas almas

autoria: Museu da Pessoa personagem: Domingos Drummond Torres

Projeto Memória Vale do Rio Doce
Depoimento de Domingos Drummond Torres
Entrevistado por Marina D’Andrea e Cláudia Resende
Rio de Janeiro 17 de abril de 2000
Realização Museu da Pessoa
CVRD_HV022
Transcrito por Ronaldo Ventura Souza
Revisado por Bruna Ghirardello


P/2 - Projeto Memória Companhia Vale do Rio Doce, depoimento do senhor Domingos Drummond Torres, entrevistado por Cláudia Resende e Marina D’Andrea, Rio de Janeiro, 17 de abril de 2000, realização Museu da Pessoa, entrevista número VRD 022. (pausa)

P/1 - Para começar a nossa entrevista, por favor, diga seu nome, local e data de nascimento.

R - Meu nome é Domingos Drummond Torres, eu nasci em uma fazenda no município de Ferros, Minas Gerais, em 4 de outubro de 1936, na casa de minha avó materna. E fui criado em fazenda, levei aquela vida livre de fazenda na infância e...

P/1 - Era a sua avó materna própria?

R - Materna, que é onde nasci, que era vizinha da fazenda onde meus pais moravam, né, fui nascer na casa de minha avó.

P/1 - E que sua avó fazia?

R -

Minha avó, o marido tinha morrido, ela virou fazendeira também.

P/1 - Cuidava da fazenda?

R - Cuidava da fazenda. E levei aquela infância de fazenda com muito movimento, uma fazenda com de boi e café, principalmente, era a base da fazenda, econômica, uma vida, digamos, na época apertada, um período pré-guerra, Segunda Guerra Mundial, onde aquele período da guerra, e fazenda era praticamente auto sustentável. E até os 10 anos eu morei na fazenda, escola, tinha uma professora particular, que meu pai contratou, passou quatro anos na fazenda, ela foi minha professora durante quatro anos, no fim do ano eu ia para uma cidade vizinha, fazia uma prova de suficiência no grupo escolar, para poder receber o diploma e ter direito a continuar os estudos. Aos 10 anos, aliás, quase praticamente 11 anos, que no ginásio não podia entrar com menos de 11, eu fui para Itabira fazer o ginásio, morei em uma casa de uma tia em Itabira. De Itabira, que malandragem, teve um ano que juntamos um grupo e com tanta farra eu tomei bomba em oito matérias, como prêmio eu fui para um colégio de padre interno, em Conceição do Mato Dentro.

P/1 - Onde que é?

R - É próxima a Itabira, nordeste de Minas. E ali terminei o ginásio e de lá eu fui para Belo Horizonte fazer o científico.

P/1 - Voltando um pouquinho, os seus avós...

P/2 - Pais.

P/1 - Pais, seus pais, como era o nome deles e do que eles viviam?

R - Meu pai era fazendeiro, chama Flaviano Procópio Torres, minha mãe Isabel de Alvarenga Drummond.

P/1 - Era do lar?

R - Do lar. Meu pai trabalhava na fazenda, fazenda relativamente grande, com produção de café, na época, café, milho e, principalmente, boi, né, tinha uma fábrica de cachaça também, que aprendemos a beber uma cachacinha desde cedo.

P/1 - De alambique?

R - De alambique.

P/1 - E qual era a origem da sua família?

R - Olha, a minha família, de meus pais pelo menos, que eu saiba, é uma família originária de Itabira, eu acredito estar em Itabira desde 1800 por aí. A fazenda foi de meu bisavô, foi passando, né, a parte mais nova da casa foi construída em 1870, isso já perdeu no tempo.

P/1 - Como é essa casa?

R - É um casarão daqueles grandes, deve ter, digamos, a parte residencial, que tinha a parte debaixo de dois andares, deve ter uns trinta quartos.

P/1 - Meu Deus, é um castelo. A parte de cima trinta quartos e a de baixo?

R - A parte de baixo servia como depósito de material de, naquele tempo, muito transporte animal, né, celas eles guardavam embaixo, né?

P/1 - E as histórias que eles contavam, seus pais e avós, né?

R - Avós eu não conheci, que eles morreram.

P/1 - Os pais que ouviram dos pais e assim, aquelas histórias que vão de pai para filho, vê, tem histórias da escravidão também, né?

R - Tinha que se contava, tinha na casa em frente, tinha a parte quase do mesmo tamanho, onde tinha o engenho de moer cana, com a fábrica de cachaça, outros depósitos, chama de tulha, onde guardava o produto, né, café etc. tinha outra parte onde tinha um depósito de cachaça, onde tinha um maquinário, gerador de energia elétrica, água, máquina, beneficiar café, arroz. A fazenda naquele tempo era autossustentável, produzia-se de tudo e saía tudo pronto. Tinha uma parte grande onde era a senzala.

P/1 - E fazia o que nessa parte depois que terminou?

R - Virou, como se diz, estrebaria para bois, quando estava doente, ficou fazendo parte do curral. E uma parte como depósito de milho, um paiol de...

P/1 - Uma fazenda que produzia muita coisa. E o senhor, quantos irmãos o senhor tinha?

R - Dez irmãos.

P/1 - Todos morando nessa casa mesmo?

R - É, eram todos meninos, crianças na época.

P/1 - Quantos meninos e quantas meninas?

R - Eram sete homens e três meninas.

P/1 - Como é que era a vida nessa casa, na infância?

R - Era uma festa constante quase, porque tinham pelo menos cinco, seis meninos que minha mãe sempre ajudava, moravam na fazenda, nas férias, pelo menos quando eu era um pouco mais velho, tinha costumava ter 18, 20 hóspedes na casa. Aí tinha um batalhão, oito, nove empregadas para ajudar fazer. (pausa) foi uma infância bastante animada e em certo modo...

P/1 - E quem mandava na casa?

R - Na casa mandava minha mãe, mas no final mandava meu pai, né?

P/1 - E como é que eram os costumes naquela época, comportamento das pessoas, festas?

R - Meus pais eram muito liberais, gostavam muito de festas, a gente fazia em julho, férias de julho, sempre aniversário de casamento serviam de motivo, a gente fazia uma festa todo o ano, durava três dias a festa, aí vinham convidados, bailes, dançava a noite toda, e eram muito, bastante animado.

P/1 - E quando isso mudou, quando começou, quando é que o senhor saiu dessa casa foi estudar fora?

R - Eu saí quase praticamente aos 11 anos, mas nas férias eu passava lá, né, a gente contava o tempo para chegar na fazenda, porque era muito mais animado, pô, Itabira, eu fui estudar em Itabira, Itabira em 1948 não tinha nada, tinha um cinema e a vida para a gente que estava acostumado com aquela liberdade, preferia a vida de fazenda.

P/2 - O senhor tem lembranças da Vale na cidade de Itabira na infância?

R - A Vale praticamente não existia, estava iniciando, praticamente não era nem conhecida, o que a gente via em Itabira, operários totalmente vermelhos com o pó do minério de ferro, era um trabalho praticamente manual, e ainda o trem não chegava a Itabira, o minério saía de caminhão até a estação do Desembargador Drummond, deve ser meu parente, não sei, lá em Nova Era.

P/1 - Drummond é muito comum em Minas, né, é uma família só?

R - Não, é como Itabira, Itabira tem muito, começou pelo poeta, aliás, começou não, um deles, né?

P/1 - Quem é o poeta?

R - Carlos Drummond de Andrade.

P/1 - E aí o senhor estava fazendo a escola, ia para a fazenda nas férias.

R - E depois entrei na farra porque... Não me arrependo não, foi um aprendizado também, né?

P/1 - O que o senhor quer dizer com isso?

R - Ah, aprender viver, né, meninos, de 11, 12 anos, no caminho onde a gente morava tinha 16 estudantes, todos vizinhos, quase todos da mesma família, meus primos em primeiro e segundo grau. A gente procurava o caminho do ginásio mais longe, passando e dando a volta pela zona boêmia. Quase todo o dia a gente chegava no ginásio com as mocinhas correndo atrás da gente com a vara. Mas é sempre, isso foi principalmente no último, quando chegou o boletim no final do ano, reprovado, passei em canto e música, canto e desenho, aí como prêmio eu fui para o colégio de padre interno.

P/1 - E lá quando o senhor estava nesse ginásio, moravam onde, numa casa?

R - Na casa de uma tia.

P/1 - De uma tia.

R - Que tinha um filho, que era um colega também, também porque tomou bomba.

P/2 - Colega de farra também?

R - O outro meu primo só passou em canto, o meu tio gozando comprou um cavaquinho deu para ele: “Não sabia que tinha um gênio musical em casa.” (risos) Entregou para ele um cavaquinho e ele teve tanta raiva que fez o cavaquinho em pedaços em pouco tempo.

P/2 - E o colégio interno seu Domingos, como é que foi, foi muita diferença?

R - Ah, foi, era um trabalho, colégio de padre, talvez aí que eu deixei até, que eu fui criado como católico frequentando, ia à missa aos domingos, né, na fazenda não porque infelizmente não tinha missa todo o domingo. E aí você rezava de manhã, tinha missa toda a manhã, antes do café, na hora do café tinha uma Ave Maria, ia para a aula, Ave Maria, terminava o estudo tinha Ave Maria, ia para o estudo, Ave Maria, almoçar, jantar, e a noite também tinha. Eu fui saturado com a carga pesada de...

P/1 - E o ambiente no colégio, como é que era?

R - Era severo, mas a gente sempre arranjava um jeito de... E era um colégio afastado da cidade, tinha um pomar imenso, a gente chegava ao refeitório, as laranjas maduras no pé e... Quando muito dava uma laranja para a gente, a gente saía a noite ia roubar laranja e escondia no pátio, sacos de laranja de... Praticamente era uma fazenda e o campo de futebol ficava uns dois quilômetros do colégio, todo o domingo a gente ia jogar futebol nesse campo. E aí tinha uma cerca de arame, caía na vila e aí descobrimos também que a gente podia roubar galinha do colégio e levava lá nessa vila e pedia às mulheres para fazer para a gente, enquanto você jogava futebol, elas cozinhavam uma galinha. Isso foi uma continuidade também de...

P/1 - Isso foi até que idade?

R - Até os 16 anos, aí eu fui para Belo Horizonte, fazer o científico.

P/2 - E por que essa ida para Belo Horizonte?

R - É porque naquela época as cidades do interior de Minas nenhuma tinha científico, são poucas cidades que tinham o curso científico, só tinha o curso, era o ginasial, que até hoje eu faço um pouco de confusão, é o...

P/2 - O primeiro grau.

R - Primeiro grau.

P/2 - Que hoje é ensino fundamental. Em Belo Horizonte o senhor foi morar na casa de quem, como é que era?

R - Não, em Belo Horizonte, morei primeiro numa pensão. Depois, junto com meu irmão e alguns amigos fundamos uma república de estudantes, nós éramos dez na república, alugamos um casarão.

P/2 - Onde lá?

R - Na Rua Tomé de Souza, quase esquina, perto do Minas Tênis Clube, de modo que a gente frequentava o Minas, todo o mundo entrou como sócio, e aí tinha a hora dançante, tinha um restaurante. A república, a gente tinha cozinheira, cada período, que eu não lembro mais tempo, tinha um presidente da república, que era o responsável pelas compras, fazer conta, para administrar, isso...

P/1 - E funcionava?

R - Funcionava muito bem, procurar empregada, quando a empregada ia embora.

P/1 - Isso nós estávamos em que ano mais ou menos?

R – Isso estamos em 1953, 1952, 1953. 1954, o suicídio de Getúlio, nós achamos muito bom porque não teve aula, (risos) todo o mundo bateu palma: “Oh, feriado.” Aí houve um movimento em Belo Horizonte dos operários, aí a gente começava a gritar: “A polícia vem aí.” Saia todo o mundo correndo, vinha cavala...

P/2 - E vinha mesmo?

R - Vinha.

P/1 - Não foi nessa época que foi escrito aquele livro Hilda Furacão?

R - Não, Hilda Furacão foi bem depois.

P/2 - Foi depois.

P/1 - Foi 1960, anos 1960.

R - Não, não Hilda Furacão foi escrito depois, a notícia...

P/1 - Bom, escrito, mas...

P/2 - É ambientado.

R - Não essa história sempre aconteceu. O escritor Roberto Drummond, meu primo primeiro.

P/1 - Pois é, exatamente.

R - E ele conta um caso também de uns nordestinos que ele comprou.

P/1 - No livro?

R - No livro ele cita, ele vai em Montes Claros e compra, isso no dia que ele chegou e me chamou eu fui junto com ele lá para visitar essas pessoas.

P/2 - Mas conta essa história direitinho aí para a gente.

R - Ele era jornalista, trabalhava no Binômio, e veio a notícia que eles estavam vendendo, tinha um comércio humano de migrantes no Brasil todo, né, aí ele foi em Montes Claros, passou por fazendeiro e comprou um casal de nordestinos e levou para Belo Horizonte, publicou no jornal, mas antes de publicar esse casal ficou, digamos, escondido numa casa por furo jornalístico, né, e depois que ele terminou, eles receberam, essas pessoas foram trabalhar em ferro, ele arranjou para ele ferro, para a fazenda onde nós nascemos, que era do nosso primo, foi trabalhar com

as pessoas que foram trabalhar lá. Isso foi em 1953 também.

P/2 - Então ele ambienta a história da Hilda Furacão nesse período, né?

R - Não, mas no livro depois ele mistura, Hilda Furacão surgiu depois, a história de Hilda. Mas isso é uma história que nessa fase de Belo Horizonte, 1953, 1954, sempre tinha essa notícia: “Ah, uma moça de família foi para a zona.” Naquele tempo a zona boêmia era uma, como se diz, uma instituição geral em todo o Brasil, em todas as cidades. E, por sinal, até um ambiente gostoso, a gente todo o mundo frequentava.

P/2 - Na rua Guaicurus?

R - É, e tinha o Montanhesa que era um dancing, com a melhor orquestra de Minas Gerais, era uma orquestra excelente. Eu não tinha 18 anos, quando ia, escondia, aí que fiquei conhecendo um conterrâneo que era policial, aí eu bati um papo com ele, nesse lugar eu ficava protegido, não tinha 18 anos e estava frequentando aquele ambiente, mas era correr. (risos)

P/2 - Nessa época o senhor só estudava?

R - Só estudava.

P/1 - E aí o senhor se formou no científico mesmo?

R - Não, aí quando eu resolvi estudar Geologia, e tinha o curso em Ouro Preto, eu fui fazer o terceiro, ah, não, entrei para o exército, aí fui obrigado, o exército me pegou, isso foi em 1900 e... Poderia fazer se CPOR, mas eu teria que ter feito alguma documentação que eu não fiz, aí eles me pegaram para ser soldado do regimento lá. Íamos ficar nove meses, aí houve a eleição do Juscelino, na eleição, como soldado eu fui para Montes Claros, para garantir a ordem em Montes Claros, que eram quinze dias, dormindo no chão, quando eu estava para sair, eles fizeram aquele movimento para não deixar Juscelino tomar posse e o General Lott depôs o Café Filho, aí eu saí de Belo Horizonte e vim parar no Rio para garantir a posse de Juscelino, eu sou revolucionário também.

P/1 - Mas por falar em presidente, eu acho que a gente interrompeu, o senhor estava contando a correria do Getúlio?

R - Não, mas isso foi antes.

P/1 - Antes, claro, mas o senhor não terminou o episódio.

R - Aquilo foi só no dia do suicídio de Getúlio houve uma movimentação, comícios, os operários, digamos, os trabalhadores que...

P/2 - E foi feriado?

R - E foi feriado, a aula foi suspensa que ele se suicidou de manhã, nove horas da manhã. E naquele tempo a notícia era mais lenta, acho que foi de madrugada, chegou a Belo Horizonte nove horas da manhã, aqui no Rio aconteceu eu acho que quatro, cinco horas da manhã, né, a notícia chegou em Belo Horizonte às nove, oito, nove horas.

P/2 - Mas voltando ao final do segundo grau, hoje segundo grau, o senhor terminou isso me Belo Horizonte?

R – Não, terminei lá, esse ginásio, em Conceição do Mato Dentro, chamava Ginásio São Francisco, Ginásio Franciscanos.

P/2 - Tá, depois o senhor foi estudar em Belo Horizonte?

R - Em Belo Horizonte, morando em república.

P/2 - Isso aí o senhor fez até?

R - Aí eu fiz o primeiro científico, aí tive que entrar para o exército, ia estudar a noite, mas aí não consegui, com esses movimentos de viajar, eu perdia muita aula, porque levantava cinco horas da manhã, para ir para o exército, saía cinco da tarde, começava estudar sete até às onze da noite e ainda tinha, os bailes que tinha, não aguentava, fisicamente foi impossível fazer as duas coisas, aí perdi mais um ano. Aí terminado o exército eu fui fazer o terceiro científico em Ouro Preto para fazer, preparar para o vestibular e aí passei um ano em Ouro Preto fazendo o terceiro científico e um cursinho preparatório para o vestibular. Felizmente terminei e passei, aí foi um período também, e nesse ano, o curso de Geologia eram quatro anos, era um curso intensivo de quarenta horas de aula por semana e aquela vida de Ouro Preto era mais ou menos conhecida, né?

P/1 - República?

R - República, muita farra também.

P/1 - Dava tempo de estudar um pouco?

R - Estudava. Felizmente eu terminei o curso sem perder nenhum ano e nem uma matéria, digamos, em dependência, aquele tempo a gente podia perder e ficar em dependência, eu tive uma segunda época só. Eu falo que o exército me deu responsabilidade, depois do exército eu resolvi criar juízo.

P/2 - Disciplinou?

R - Disciplinou, começa fazer tudo bem feito, hora de estudar, estudar, hora de trabalhar, na hora de, não podia esquecer que tinha que ter um momento de farra, de descontração, de diversão, né?

P/1 - E como é que o senhor achou a vida lá em Ouro Preto assim, como foi, o que o senhor achou de mais marcante?

R - Olha, é uma pergunta difícil, que a vida foi, digamos, uma vida muito boa, o espírito, o companheirismo ele era muito grande e a amizade, isso, as festas, os bailes. É uma vida totalmente diferente do mundo de hoje, não tinha droga, a única droga que tinha era bebida, né, e bastante.

P/2 - E o pessoal fumava muito ou não, cigarro mesmo?

R - Não, cigarro, normal, eu não sei naquele tempo a maioria fumava, né, hoje que mudou um pouco, mas naquele tempo o cigarro era muito mais difundido.

P/1 - E o que aconteceu de mais marcante nesse período, na escola ou na cidade?

R - Olha, talvez assim que eu lembre um pouquinho como marcante foi quando o Jânio renunciou, naquele tempo o movimento estudante, político estudantil era muito forte. A gente participava também em Ouro Preto, a noite, curso de alfabetização de adultos, eu fui professor alguns meses, subia num morro daquele para alfabetizar adultos.

P/2 - Como voluntário?

R - Como voluntário. Cada turma, a gente tinha três, quatro professores com a mesma turma, cada dia ia um, era o que podia fazer para... Mas isso tivemos que interromper porque surgiu a campanha que a gente estava, era um bando de comunistas que estavam...

P/2 - Doutrinando.

R - Doutrinando. Não tinha nada a ver.

P/1 - Mas isso era só em Geologia?

R - Não, isso era um...

P/1 - Toda a escola?

R - É.

P/1 - Engenharia também.

R - Todo o mundo, era um movimento do centro acadêmico dos estudantes. A gente andava uns dois, três quilômetros, subindo o morro, dava duas horas de aula e voltava, isso pelo menos duas vezes por semana, uma ou duas vezes, eu não lembro mais, mas normalmente duas. E tinha aquela turma que era bastante eclética, pessoas de 50 anos, de 15 a 50 anos numa sala e o interesse e a vontade de aprender. Fizemos isso seis meses e tivemos de parar, não tivemos jeito de continuar, isso foi... Aí veio a renúncia do Jânio Quadros e a campanha para a posse do João Goulart, eu estava no centro acadêmico quando ele foi invadido pelos soldados do exército, que em Ouro Preto tinha uma companhia de comunicação, interessante que o comandante era um tenente jovem e tinha muito contato com a gente estudante, ele não fez violência, mas dissolveu, aí, como sempre, cantamos o Hino Nacional, ainda naquele tempo o militar se enquadrava quando ouvia o Hino Nacional. Isso foi, assim, um fato acho que bastante marcante, o resto era companheirismo, a vida em Ouro Preto, e a gente ficava preso, ninguém tinha muito dinheiro para viajar, a gente chegava em Ouro Preto passavas três, quatro meses sem sair, e com isso esses vínculo ficava muito mais forte. E Ouro Preto era uma cidade, digamos, com 400, 500, a escola de Minas em Ouro Preto não tinha mulheres estudantes, só homens, de modo que o equilíbrio em Ouro Preto era sempre quebrado, faltavam mulheres, então era o produto mais disputado em Ouro Preto eram as moças, quando chegava turista a gente ficava assanhado, era disputa de turistas. (risos) A gente aprende se defender.

P/1 - É, e fazia serenata para as moças da cidade?

R - Não, serenata, eu nunca fui muito de serenata, serenata acabava sempre em cachaça. (risos)

P/2 - Seu Domingos, e porque a escolha pela Geologia?

R - Essa é uma pergunta até interessante, eu já estive me perguntando o porquê. A região lá da fazenda onde eu nasci e vizinha à fazenda do meu pai é uma região que tem muito pegmatito com pedras coradas, principalmente alga marinha. E meu pai era sócio junto com um primo dele num pegmatito desse, e quem tomava conta era um senhor parente nosso que tinha estudado em Ouro Preto, ele já bastante idoso, ele estudou alguns anos Engenharia de Minas, mas naquele tempo Ouro Preto tinha curso de Odontologia. E ele queria casar, e naquele tempo o curso de Engenharia era muito pesado, demorava mais, passou, formou em Odontologia para casar, mas a vocação dele era mineração, ele abandonou a profissão e foi virar garimpeiro. E era uma pessoa muito culta e um papo excelente, eu lembro que, nas minhas férias, eu ia para a fazenda do meu tio, onde tinha esse pegmatito dele, e a noite, no inverno, fazia aquele fogo para assar uma linguiça e bater papo, eu com meus oito, nove anos escutando as histórias desse personagem.

P/2 - O senhor lembra o nome dele?

R - Ele chamava, o apelido era Bisó, mas Gladstone Drummond, ele tinha sido colega do Getúlio Vargas em Ouro Preto, inclusive aquele caso, quando Getúlio esteve fugido de Ouro Preto, ele estava lá, quando Getúlio matou uma pessoa em Ouro Preto, um estudante, numa briga.

P/1 - O Getúlio esteve em Ouro Preto?

R - É, ele fugiu, ele e os dois irmãos tiveram que sair de Ouro Preto fugidos.

P/1 - Mas o que ele fazia em Ouro Preto?

R - Ele foi estudar lá em Ouro Preto. Ouro Preto recebia alunos do Brasil todo, né, a Escola de Engenharia de Ouro Preto.

P/1 - Esse seu parente sabia dessa história?

R - É foi na época dele, eu lembro quando surgiu essa história pouco tempo eu falei assim: “O Bisó já tinha me contado isso.”.

P/2 - E nessas rodas de conversa, despertou?

R - Aí eu costumava passar um dia com ele na escavação vendo, tirando alga marinha e aquilo...

P/1 - Foi ali né?

R - Veio e depois passou, quando eu cheguei ao segundo científico que eu comecei a pensar: “O que eu vou estudar?” Eu estava no segundo científico, quando aí Juscelino criou, foi Juscelino já tinha tomado posse, criou os cursos de Geologia no Brasil, que até então não tinha curso de Geologia no Brasil. Aí eu escrevi para a escola de Ouro Preto perguntando qual que era o programa, naquele tempo o serviço público respondia...

[Troca de fita]

R - ...e mandou, eu falei não, aí eu resolvi, fui fazer o terceiro científico em Ouro Preto e prepara para o vestibular de Geologia.

P/1 - E gostou do curso assim, achou apaixonante, como é que é?

R - Gostei, faria de novo. Agora, hoje, eu não sei porque o mercado de trabalho está tão ruim que eu não sei que está todo mundo abandonando.

P/1 - Lá também a turma de Geologia tem fama de ser muito mais politizada do que o geral dos estudantes?

R - Não, hoje eu não sei, na época eram todos a mesma coisa, não tinha, em Ouro Preto já era bastante, em Geologia talvez um pouco mais.

P/1 - É que na USP tem essa fama.

R - Um pouco mais, porque em pouco tempo nós conseguimos que o, era um curso novo a gente participava do centro acadêmico, no início não podia nem votar, nem ser candidato, porque, apesar de ser aluno da escola, era um programa a parte em que o Ministério da Educação, o curso era de responsabilidade direta da chamada CAG, Campanha de Formação de Geólogos, tinha bolsa de estudo, no primeiro ano 100% dos alunos tinham bolsa de estudo, quando eu entrei já era 30% só, no terceiro ano, foi reduzindo. Aí conseguimos que um colega passou a ser presidente, nós começamos a ter direito a voto e ser votado e na primeira vez tomamos conta do diretório acadêmico, fizemos greve, nós realmente. Eu fui responsável pela campanha interna, publicidade interna dentro da cidade Ouro Preto da greve.

P/2 - E a greve pleiteava o que?

R - Na época tinha o negócio de votação, representatividade no conselho de administração, que era a greve chamada de um terço de votos, e de moralização, tinha uns professores que não dava aula e passava todo o mundo, nós queríamos que expulsasse esses professores da escola e conseguimos, pelo menos conosco esses professores não deram aula, não aceitamos. E depois também eu passei a ser o responsável pela a publicidade externa, aí eu fui para Belo Horizonte, porque eu tinha uns contatos nos jornais, algumas namoradas que trabalham jornalistas, aí...

P/2 - O primo.

R - Mas o primo, ele estava no outro jornal. Mas consegui, o fato é que... Mas no fim era muito movimento, no fim eu ficava conhecendo bastante gente, foi um período bastante animado.

P/2 - E como era o mercado de trabalho para o geólogo?

R - Estava iniciando, mas no último ano, em outubro, eu já tive de optar pelo emprego que eu queria.

P/1 - Já tinha emprego para escolher?

R - É. Aí eu fui trabalhar na Petrobrás, que eu estava querendo ir para África.

P/1 - Fazer o que na África?

R - Espírito de aventureiro, eu sempre tive vontade, tinha muita vontade de trabalhar. Eu fui, a Petrobras apareceu, eu falei: “Só se for para trabalhar na Amazônia.” Aí falei, então tem, ninguém quer ir para Amazônia, falei assim: “Mas só vou para a Petrobrás se for para trabalhar...” Aí fui para trabalhar na Amazônia, onde fiquei três anos e meio. Minha mãe falava: “Mas você tem a Vale aqui em Itabira encostado.” “Não, eu quero longe.”.

P/2 - O senhor tinha esse espírito de conhecer outros lugares?

R - Ah, sim.

P/1 - Nessas alturas ali em Itabira como é que estava a atividade da Vale?

R - Já tinha crescido bem, né, já tinha se organizado, né, que os primeiros anos a Vale, faltava dinheiro, não tinha mercado, não tinha transporte, né, a Vale já estava organizada já, com pessoal de nível superior. No início tinha muito estrangeiro que chegou lá em Itabira, né, dinamarqueses.

P/1 - Mas esses estrangeiros chegavam para?

R - Trabalhar na Vale, porque não tinha mão-de-obra especializada no Brasil, né, muito pouco.

P/1 - E bom, aí o senhor foi para a Amazônia?

R - Fiquei três anos e meio na Petrobrás.

P/2 - Como é que foi o seu trabalho na Petrobrás?

R - Era um trabalho duro, que a gente ficava 45 dias no mato, a cada 45 dias, com 24 horas de disponibilidade para a empresa, não tinha para onde ir no meio do mato.

P/1 - Aonde na Amazônia?

R - Aí eu rodei do Piauí ao Acre.

P/1 - E como é que era seu trabalho, qual era sua missão?

R - Na Petrobrás?

P/1 - Sim, na Amazônia.

R - Eu trabalhava com perfuração de poços de petróleo, responsável para ver se tivesse petróleo, para tomar as precauções, medidas de segurança que tem que fazer, e os testes que tem que ser feito para avaliar a possibilidade de petróleo se tivesse, né?

P/2 - E o resultado disso?

R - O único óleo produzido no Norte até hoje, fora guaraná, teve um de Nova Olinda que acabou, depois disso foi comigo na costa do Maranhão.

P/1 - Achou?

R - Achou, mas não foi econômico.

P/1 - Não?

R - Não, em 1965, já era 1965.

P/2 - Não pode ser explorado, né?

R - Fisicamente. Mas fizeram, a imprensa principalmente do Maranhão e depois nacional, fez um estardalhaço muito grande que seria, na época, não lembro mais nem o país que foi citado como referência, né, típico assim: o “novo Kuwait” no Maranhão, né, mas não era Kuwait.

P/2 - O senhor fica lá até que ano?

R - Eu fiquei até 1966, quando entrei na Vale. Aí eu fiquei noivo, porque a vida era assim: 45 dias no meio do mato, 15 dias em Belém ou então pegar um avião, eu optava na época, ficar 90 dias e 30 dias de folga, a cada 90 dias, aí pegava o avião.

P/2 - E ia para?

R - Vinha para Itabira e ficava rodando, se ganhava um salário muito bom, na época que eu trabalhava na Amazônia tinha um salário 50% acima, mesmo na Petrobrás, acima de outras regiões, né, o risco, eu tive oito malárias, tinha um risco muito alto, mas a gente acostuma.

P/1 - E outras coisas marcantes que aconteceram nessa busca e perfuração?

R - Olha, foi uma escola muito boa, porque no meio do mato a gente ficava muitas vezes, eu trabalhei numa região na Amazônia, rio Urupadi, na época era Estado do Amazonas, mas hoje eu olho no mapa está no Pará, mas é aquela parte Pará, Amazonas, quase chegando em Mato Grosso, naquela ponta. Nesse local, naquela época usava comunica rádio, usava uns Philco chamado Transglobo grande, a gente só conseguia pegar voz da América, BBC de Londres, de vez em quando pegava algumas rádios brasileiras, e não chegava revista, esse lugar era tão isolado que nem o pagamento da Petrobras chegava, correspondência não chegava. Quando eu cheguei lá, época de cheia, chegamos com um rebocador, uma embarcação de porte médio, para sair eu gastei três dias viajando de motor de popa para chegar no rio Maués paras pegar um catalino hidro-avião para gastar três horas de voo para chegar em Manaus. E estivemos perdidos, porque no último, saímos de motor de popa, pegamos um rebocador, porque o rio estava tão seco que ele encalhou no lago, ficamos um dia nesse movimento, daí onze horas da noite saímos de motor de popa, lua cheia, daí o comandante falou assim: “Ah, vocês vão gastar cinco horas até o local de pouso do avião.” Aí não levamos nada de comer, porque cinco horas de tempo, só que cinco horas duraram 14 horas, assim: “Estamos perdidos, sem...” Eram uns dez homens em dois barcos com motor de popa, sei que por sorte, se a gente perdesse aquele avião era mais uma semana no meio do mato, depois de sessenta e tantos dias, sem ver uma mulher, mulher é um produto. (risos) Por sorte o avião estava atrasado, nós já chegamos, aí estava todo o mundo praticamente só de cueca, porque o rio seco, muitas vezes tinha que entrar na lama para puxar o barco que encalhava, porque os rios do Amazonas secam muito. Sei que nós chegamos, na hora que avistamos o avião estava descendo, na hora que ele pousou no rio, foi todo o mundo pulando na água para tirar a lama do corpo e entrando de cueca dentro do avião para vestir ali dentro.

P/2 - Com medo de perder o avião?

R - É, não podia perder. Mas o fato é que eu cheguei em Manaus sem dinheiro, que naquele tempo não tinha cheque especial, nem cartão de crédito, e a Petrobrás tinha um alojamento, tinha casa e comida, mas a gente naquela hora não estava querendo casa e comida, e nisso de três dias lá eu não encontrei uma pessoa conhecida para me emprestar um dinheiro, não tinha como.

P/2 - E como que o senhor fez?

R - Ah, eu fiquei no alojamento, ia para o resto, esperar um avião, que ficamos três dias para pegar um avião para Belém, não tinha avião todo o dia.

P/1 - Era o fim do mundo.

R - Era.

P/2 - Mas e com o dinheiro como é que ficou?

R - Almoçava e voltava ao alojamento, almoçava e só tinha onde almoçar e jantar.

P/2 - Mas para sair de lá, o senhor precisava do dinheiro?

R - Não, a passagem aérea estava lá também, a Petrobrás colocava, só que não tinha dinheiro, né, era aflição. Aí na hora que eu entrei na escada para entrar no avião eu encontrei um conhecido, ele me emprestou dinheiro para passar o fim de semana em Belém, que banco também estava fechado.

P/1 - Aí veio para São Paulo, bom, para Minas?

R - É, depois peguei um avião, vinha a cada noventa dias.

P/2 - E como que o senhor conheceu sua esposa?

R - Olha, a minha esposa eu conheci numa festa lá na fazenda, foi por coincidência, essas festas assim de fazer em julho.

P/2 - Ainda jovem, bem mais jovem?

R - Não, tinha sido pouco tempo antes, eu era estudante em Ouro Preto, a gente continuava fazendo a festa, uma prima primeira dela casou com meu irmão, daí ela foi à fazenda.

P/2 - E o senhor começou a namorar com ela e namorava?

R - Não ficava conhecendo, eu comecei a namorar depois de formado.

P/1 - Você casou quanto tempo depois, se casaram?

R - Uns cinco anos, quatro, cinco.

P/1 - De namoro foi tudo isso?

R - É, mas não pode ter muita pressa. (risos)

P/2 - Mas o que levou o senhor a sair da Petrobrás?

R - Nada, depois que eu fiquei noivo era um estilo de vida que não me agradava muito, esse negócio de ficar 45 dias, deixar a mulher em Belém, longe.

P/1 - Nem chegou a acontecer isso, né?

R - Não. Aí eu vim, aí eu procurei a Vale numa dessas vindas, acertei, ficou mais ou menos, tinha possibilidade, fiz o exame psicológico que tinha que ser feito, psicotécnico, e voltei para o Norte. Na outra, no meu retorno, aí eu vim de folga de 30 dias e 30 dias de férias, e nesses 60 dias acertei tudo, tanto que eu saí da Petrobrás no dia 5 de junho, eu lembro até hoje, porque é muito fácil, punha a data de entrada na Vale, eu entrei na Vale no dia 6 de junho de 1966, quer dizer que ficou muito fácil de guardar, e eu saí da Petrobrás no dia 5 de junho, um dia antes, acertei de modo que eu não fiquei um dia desempregado.

P/2 - É, e para onde que o senhor foi pela Vale?

R - Eu fiquei em Itabira, naquele tempo praticamente a Vale só tinha, digamos, mineração era só Itabira.

P/1 - Em que ponto estava a mineração em 1966?

R - Olha, quando eu entrei, eu fui o décimo empregado de Nível Superior em Itabira, mas tinha praticamente muita pouca gente, eu acho que dezoito, talvez nem isso. A Vale produzia seis milhões de toneladas de minério por ano, é o que ela produz por mês hoje, foi quando a Vale, o grande salto da Vale foi em 1960 e 1970, né?

P/2 - Quer dizer, quando o senhor entra na Vale, qual era a função, tinha uma função específica?

R - Eu fui trabalhar na parte de pesquisa e minério de ferro, a Vale não conhecia as suas jazidas ainda, porque o Cauê era uma montanha de minério de ferro, naquele ritmo, não tinha trabalho de sondagem e não precisava também, era uma montanha que tinha puro minério de ferro de mais alto teor, quando produzia um milhão de toneladas naquilo daria, só o pico daria para 200 anos, não precisava, mas na hora que começa a passar para seis milhões programando para dez, o negócio, o ritmo, aí nós tivemos que correr.

P/2 - A capacidade operacional aumentou.

R - O mercado foi aumentando.

P/2 - O mercado aumentou, aí aquela reserva já se tornou insuficiente.

R - É, daria para dez anos, vinte anos. Aí o banco japonês que ia financiar, banco mundial, tinha que provar que tinha reserva para aquela escala, para justificar o investimento.

P/1 - Aí teve que procurar?

R - Não, conhecer se a gente saber quanto tinha e poder planejar, né, que não sabia.

P/2 - E o que foi?

R - Aí tinha todas as jazidas de Itabira, Cauê, Conceição e em toda a parte, né, eu trabalhei muitos anos nisso, eu fiquei cinco anos em Itabira, mexi muito, depois eu fui para Belo Horizonte para chefiar a parte de minério de ferro no Brasil todo, antes era só Itabira, minha chefia foi parte pesquisa em Itabira.

P/2 - O senhor participou da implantação da usina de concentração de itabirito em Itabira?

R - Quem fez o estudo de itabirito fui eu, em 1969.

P/2 - Como? Fala um pouco para a gente sobre isso.

R - Isso ficou pronto em 1969, eu entrei na Vale em 1966. Em 1969, eu fiz o relatório falando o quanto de itabirito friável que tinha, aí que a Vale fez, ia dar nos números, em 1969, chegamos ao número final, e tinha reserva suficiente para operar por mais de vinte ou trinta anos, naquela escala desejada, economicamente viável, isso ficou pronto em 1969. É até interessante, eu não tenho, mas não sei onde está guardado, esse quadro de reserva daí, hoje não existe mais, praticamente já exauriu toda a reserva do Cauê, terminado o Cauê, uma parte do Cauê, aí tinha Conceição também, foi feito a mesma coisa e depois indo para Belo Horizonte, aí outros geólogos tomavam conta com a supervisão minha, partimos para outras áreas, tinha Ibipeba, que hoje está quase acabando também, Piçarrão que a Vale lavrou, que já acabou e várias jazidas aí. Em 1970 surgiu Carajás, né, maio de 1970.

P/2 - Aí o senhor já estava em Belo Horizonte, estava indo para Belo Horizonte?

R - Eu estava indo para Belo Horizonte, tanto que começou em maio de 1970 não, quando foi em, agora eu estou em dúvida, cinco anos, eu faço uma relação Copa do Mundo do México, que eu tinha um geólogo que estava com passagem comprada para ir para a Copa do Mundo no México, aí mandamos ele para Carajás, ele não pode ir.

P/2 - Em Itabira como é que era a vida do senhor lá?

R - Ah, eu casei logo depois, eu entrei em junho, casei em dezembro de 1966, quinze dias depois minha mulher ficou gravida, com vinte meses de casada, dois filhos, estava apressado. (risos) Mas era uma vida, assim, calma, né, no início trabalhava desde, começava sete horas da manhã, todo o mundo trabalhava, depois passou para oito, e trabalhava-se ao sábado também, até ao meio-dia, daí com o tempo o trabalho no Brasil foi sendo humanizado, né, que antes.

P/2 - O convívio com o colega de trabalho?

R - O convívio era muito bom, né, o trabalho de sábado resumia mais que se tivesse uma reunião, né, um convívio social na sala Helder Zenóbio, que era o chefe da mineração, ali às dez horas tinha um detonação de explosivos na mina, foi por questão de segurança todo mundo tinha que afastar, a gente batia, dez horas a gente chegava ao escritório dele em frente ao Cauê, batia um papo até ao meio-dia, ali você resolvia os problemas da Vale, era uma dinâmica de grupo, e que promovia a integração, era muito interessante isso. Saía dali tinha a piscina, tinha um clubinho no domingo, churrasco, não fazia uma festa, aniversário de menino, todo o mundo com menino pequeno, sempre tinha aniversário. E aniversário de criança, eu lembro lá em casa, quando meu filho fez um ano, dez horas da noite estava chegando gente, os meninos dormindo e a festa ia até cinco horas, o que se bebia era cerveja, naquele tempo não usava uísque ainda não, uísque foi um costume posterior.

P/1 - E o senhor, que ano que nasceu seu filho?

R - 1967.

P/1 - Então havia muita convivência, né?

R - Havia, logicamente convivência muito intensa, dá muita disputa também, muita discussão, mas que terminava no serviço mesmo, isso talvez tenha sido um ponto, discussões, de certo modo, discordâncias técnicas.

P/1 - Mas em assunto de trabalho?

R - De trabalho.

P/2 - E para o senhor voltar a morar ali, trabalhar ali na região, da sua infância, quer dizer, retornando a Itabira?

R - Eu passei alguns anos sem ir até lá não, indo pouco, mais visitando alguns tios que moravam lá, foi interessante. Aí meus pais tinham mudado para Itabira, quando eu fui trabalhar meus pais já moravam lá em Itabira, meu pai continuava na fazenda, mas minha mãe foi para a cidade.

P/1 - E como é que foi seu casamento, no dia do casamento?

R - Um calor insuportável, (risos) um verão bravo, casei em dezembro, e casamento é negócio muito chato, começou com negócio de igreja, eu falei: “Olha, se tiver de confessar, eu não caso na igreja.” Eu fui radical, aí: “Não, o padre lá não exige essa questão de confessar.” “Então vamos casar nessa igreja.” Meu casamento, cinco horas da tarde, naquele tempo eu acho que não casava depois das seis, então agora, não sei bem. Depois teve uma recepção, depois viagem em lua de mel, uma semana, eu tinha uma semana de folga.

P/1 - Foram para onde?

R - São Lourenço.

P/1 - Depois de uma semana trabalha?

R - Trabalha.

P/1 - E o senhor ficou lá em Itabira até que ano?

R - Até, aí nasceram os dois meninos, nasceram lá em Itabira, eu fui para Belo Horizonte em junho de 1971.

P/2 - Mas, seu Domingos, em Itabira, como era a relação da Vale com a cidade?

R - Era muito ruim.

P/2 - Era ruim?

R - De certo modo, sempre deixou a desejar.

P/2 - Da empresa para a cidade.

R - Com a comunidade.

P/1 - Como assim? Explica melhor, por favor.

R - É um negócio difícil, eu já parei para pensar muitas vezes, ali tinha a comunidade achando que a empresa fazia pouco pela cidade, e tinham razão porque ela acabava fazendo projetos lá, onde acabava levando muita gente, Itabira hoje tem muita favela em decorrência de serviços que a Vale fez lá, juntou muita gente para trabalhar e depois que terminou a implantação, eles perderam o emprego e foram morar em favela, a comunidade sempre... A questão de poluição atmosférica, de explosões, rachadura em casa. E a Vale nunca, principalmente na época do regime militar, que se fazia, desapropriava, um simples ato do presidente mandava desapropriar, fazia e a discussão de indenizações era um negócio meio violento, a gente procurava amenizar isso, a pessoa recorria, ia na justiça, a gente tentava, mas era quase que um poder divino, e isso sempre...

P/2 - Era agressivo para a comunidade.

R - A comunidade achando que a Vale devia fazer mais e a Vale achando que estava dando mais do que merecia, a questão do equilíbrio é sempre muito difícil, né? E eu como sendo morador, eu ficava numa situação muitas vezes...

P/2 - Constrangedora.

R - Não chegava a ser constrangedora, o que eu tinha que falar eu falava, muitas vezes eu ouvia pessoas de lá falando: “Você está exigindo demais na minha concepção.” E muitas vezes eu falava: “Olha, eu acho que a pessoa tem razão.”

P/1 - Mas a comunidade não se beneficiou de empregos também?

R - Sempre beneficia, mas isso é um negócio difícil, né, porque o emprego é uma necessidade da empresa e do empregado, a empresa no meu ponto de vista não está fazendo favor em dar emprego, emprego é uma necessidade dela.

P/1 - Agora poluição e todas essas coisas, a Vale não se preocupava com esse negócio de?

R - Não tinha preocupação ambiental. Eu lembro mesmo o pensamento meu, digamos, o comportamento dos técnicos, que eu fui um deles lá, a gente não tinha a mínima preocupação, a preocupação ambiental é um negócio recente, na época não existia. É um grande problema que tinha na região de Itabira, o fino do minério de ferro era carreado por chuva, enxurrada, ia para os córregos e saía assoreando os riachos todos em volta de Itabira. Isso gerou uma série de demandas contra a Vale, a Vale teve que indenizar aqueles terrenos que foram prejudicados.

P/2 - Demandas de particulares?

R - Demandas de particulares contra a Vale. Inclusive muitas vezes morriam animais, né, principalmente o boi, boi gosta de tomar água quente no lugar mais raso, na hora que bebia aspirava também o pó do minério de ferro, aquilo, o óxido de ferro ia para o intestino da vaca, com o suco gástrico aquilo virava uma película de limonita em volta de tudo aquilo chamado bucho da vaca, né, que é grande, aquilo vetrificava e o animal morria de inanição. Meu pai mesmo tinha uma fazenda próxima lá também, ele teve, aí foi amigável, levou, o veterinário fez, 18 vacas morreram de inanição.

P/2 - E a empresa indenizava?

R - Indenizava.

P/2 - Como que a população se manifestava, havia já uma imprensa na cidade, ou representantes da comunidade?

R - Não. O superintendente da Vale era praticamente um senhor, um colonizador, né, o prefeito da cidade não tinha expressão nenhuma. Devia ser hoje, feito hoje, que o superintendente procura o prefeito que marca audiência, era o prefeito que pedia audiência, o superintendente via quando podia receber o prefeito da cidade.

P/1 - Era uma coisa autoritária.

R - Autoritária.

P/1 - Mas era o regime militar na época?

R - Não sei se é, eu entrei em 1966, já, era o regime militar. Mas apesar de ser civis, né, mas sempre tinha uns coroneizinhos.

P/1 - Era a cultura do, né?

R - É. eu lembro depois um fato que um coronel veio me procurar, isso já no Regime, 1976 lá em Belo Horizonte, perguntando se tinha comunistas entre os geólogos que trabalhavam, se eu soubesse de alguma coisa, aí eu virei: “Escuta, se eu fosse preocupar com isso eu ia ser militar, ia ser policial, isso não é função minha.” A gente recebia muitas vezes: “Esse geólogo não pode ser contratado pela Vale, ele é esquerdista.” Era assim.

P/1 - E a Vale tinha que aceitar isso?

R - Eu nunca aceitei, eu recebi uma vez mas como eu não estava precisando, e talvez essa pessoa, mesmo se fosse, eu não conhecia, não tive oportunidade, não sei, mas eu nunca preocupei...

P/1 - Mas passava pelo senhor essa coisa de aprovar ou não?

R - Não, eu tinha que contratar os geólogos.

P/1 - Então é o chefe da firma?

R - Eu contratava, eu pedia para contratar, a escolha final era minha.

P/2 - Isso já em Belo Horizonte.

R - Já em Belo Horizonte.

P/2 - E quando o senhor vai para Belo Horizonte, o senhor vai assumir algum cargo?

R - Eu fui ser, antes em Itabira eu chefiava um grupo de pesquisa de minério de ferro em Itabira, quando eu fui para Belo Horizonte eu assumi o grupo de pesquisa de minério de ferro no Brasil todo, que aí passou a incluir Itabira, Timbopeba, Guanhães, Carajás, onde tivesse, né?

P/2 - Como eram essas pesquisas?

R - Ah, basicamente, trabalho de campo, geólogo no campo, fazendo mapeamento, depois sondagem, amostragem e os testes de laboratório, relatório final.

P/2 - Sempre focando minério de ferro?

R - Era para minério de ferro, sempre minério de ferro.


[Troca de fita]

P/2 - Já existia algum outro tipo de pesquisa, de outros minérios nessa época?

R - Em 1971, quando eu fui, se criou a Docegeo para mexer com pesquisa de outros materiais que não minério de ferro. A Docegeo foi criada, excluindo minério de ferro.

P/2 - O senhor foi, mas o senhor não participava da Docegeo?

R - Eu participei da, digamos, dos estudos iniciais, eu cooperei na fundação e cheguei a trabalhar, quando eu fui para Belo Horizonte eu fiquei seis meses acumulando a chefia do minério de ferro e a chefia do escritório da Docegeo em Belo Horizonte e com a pesquisa em Minas Gerais toda.

P/2 - Entendo.

R - Acumulando função.

P/2 - Entendo. Com essa distinção, a Docegeo pesquisaria outros minérios.

R - Era assim, inclusive separado, né, era complicado, porque eu ficava de manhã na Vale, fisicamente a Docegeo em outro prédio, em outro endereço, eu tinha que, na parte da tarde, ir para a Docegeo, assinar cheque, eu tinha que fazer tudo. Digamos, cheque tinham que ter duas pessoas, tinha o administrador, e eu tinha que aprovar o relatório, aprovar orçamento semanal, porque fazia orçamento, e ficava muito difícil, eu tinha que viajar pela Vale, descalçava cá, eu tinha que viajar pela Docegeo, e ficava...

P/2 - E isso foram seis meses?

R - Eu acredito que seis meses, a um pouco mais um pouco menos, mais de seis meses foram, agora eu, eu acredito que foram seis meses.

P/2 - E aí estruturada a Docegeo, o senhor continuou só com a pesquisa de minério?

R - Só com minério de ferro da Vale.

P/2 - E o que que foi levantado nessa pesquisa de minério de ferro além das jazidas já existentes, né, outras foram descobertas?

R - Minério de ferro não tinha muito que descobrir, eram todas as ocorrências conhecidas, não se sabia quanto tinha, digamos, qualidade e quantidade, né.

P/1 - Mas o senhor quer dizer que não existe mais minério de ferro no Brasil a não ser nesses pontos já descobertos?

R - Ah não, o minério de ferro, praticamente o que existe é conhecido, assim, em termos de ocorrência.

P/1 - De ocorrência que eu pergunto.

R - É conhecido, agora muitas vezes...

P/1 - Mas tem outros lugares, não só Carajás e Itabira, nesse país enorme, não tem mais.

R - Não em quantidade assim é basicamente, não Itabira, quadrilátero ferrífero que pega, a região de Carajás é do tamanho mais ou menos do quadrilátero ferrífero de Minas Gerais, que aí pega as jazidas da Vale, da MBR, da CSN e de outras mineradoras, Ferteco, Samitri, Samarco, digamos, a grande reserva é da MBR, quem tem mais minério de ferro em Minas Gerais é a MBR não é a Vale.

P/2 - Em Minas Gerais.

R - Em Minas Gerais. Agora em Carajás está na mão de uma empresa só, a Vale teve a sorte de Carajás, sorte assim, quem descobriu foi a Meridional United State Still, a Vale ficou como sócia de 50%, depois os americanos acharam que não valia nada, venderam para a Vale e a Vale ficou sozinha.

P/2 - Com a descoberta de Carajás é 1970, que o senhor falou...

R - É, Carajás foi descoberta em 1967. A Vale entrou em 1970.

P/2 - É que a Vale entrou, isso. O que que muda no centro de pesquisa de minério? Muda alguma coisa?

R - Não, mudou muito pouco por que antes a gente já fazia trabalho com base, digamos, geograficamente disperso, quando eu já estava em Belo Horizonte tinha um grupo em Itabira, que a gente chamava grupo de prospecção, os nomes variaram conforme a época, né. Quando tinha que fazer reestruturação, o salário estava baixo, a gente mudava de nome para justificar um, sempre uma melhoria. Tinha Itabira, tinha Guanhães, teve Porteirinha, no norte de Minas, que tem uma reserva grande mas a qualidade é ruim, Guanhães, Morro do Pilar, Conceição do Mato Dentro, voltei novamente lá, revi meu ginásio e o resto, Santa Bárbara, o resto do quadrilátero ferrífero que é bem grande e Carajás que foi, digamos, todo tamanho do quadrilátero numa região que, no início, não tinha sistema de transporte, era totalmente precário, a gente chegava em aviões pequenos, descia numa pista natural, numa clareira lá, andava-se de helicóptero, de teco-teco, e era um trabalho bastante árduo e difícil, né?

P/2- Então, ir a Carajás era para dimensionar as jazidas?

R - Dimensionar as jazidas, saber quanto de minério existe e a qualidade, né.

P/2 - O senhor lembra desses números? O que que foi dimensionado nessa época?

R - Ah, lembro, né, Carajás total dá dezoito bilhões de toneladas e com minério acima de 64, 65% de ferro, só foi visto o que era baixo, não se avaliou e acho que até hoje ninguém fez esse trabalho que não tem muito sentido.

P/2 - E como que o senhor via a descoberta, não a descoberta, mas a Vale cuidar desse minério de ferro em Carajás, o que que isso significava?

R - Não, a gente enxergava já que era o futuro da Vale, né, é onde a Vale poderia crescer e sobreviver por longo tempo, né.

P/2 - O senhor participou da implantação do projeto da terra Carajás?

R - Isso já foi bem depois. Em 1980, quando eu vim para o Rio eu fui trabalhar na implantação do projeto Carajás, eu fiquei um ano e pouco, eu trabalhei na parte de, fiz reavaliação da jazida de N4...

P/2 - N4E.

R - N4E, para ver a situação real da posição do corpo de minério, junto com a equipe relativamente grande.

P/2 - Um estudo mais detalhado, é isso?

R - Mais detalhado e uma revisão de todas as informações.

P/2 - Por quê?

R - Ah, porque estava implantando, checar se aquela escolha era realmente a melhor e por quanto tempo daria e o que que precisava fazer nos outros, né.

P/2 - Quer dizer, essa estava reavaliando uma avaliação feita pela própria Vale, ou pela Meridional.

R - Não, o relatório já foi participação nossa, já a Vale era na época, era feita pela Amazônia Mineração, que era 50% da Vale e 50% da Meridional, tinha equipe. Na época do relatório eu fiquei em Belém um mês, na época do relatório final.

P/2 - Então o senhor ficou no Centro de Pesquisa Mineral até que ano?

R - Até 1980, o Centro de Pesquisa mudou de nome, separou, depois ficou só, por que antes tinha um Centro de Pesquisa Mineral que tinha, vamos chamar, um Departamento de Geologia e um Departamento de Tecnologia que era o laboratório do quilômetro 14. Isso ficou muito tempo assim, depois separou, ficou a Geologia, agora eu estou, na época Carajás ainda era o Centro de Pesquisa, com as duas divisões, eu ficava na parte do minério de ferro e o Márcio Paixão, que era, no laboratório.

P/2 - Até 1980.

R - Data é um negócio complicado.

P/2 - É quer dizer, por que o senhor sai de lá, então vamos refrescar a memória. Por que o senhor sai do Centro de Pesquisa e vem para o Rio?

R - É aí tinha, houve um retorno, é foram questões pessoais, inclusive desavenças pessoais.

P/2 - Lá dentro do Centro?

R - Não, não lá dentro, entrou uma pessoa nova e houve atrito, né.

P/2 - Com o senhor diretamente?

R - Não, essa pessoa, não com ela, mas uma pessoa com quem eu já tinha atrito de longa data, né. No fim vim parar no Rio e foi bom porque, mudança é sempre boa, né, na época foi um pouco traumático, mas...

P/2 - Então o senhor foi transferido para o Rio, não foi uma opção sua.

R - Não, fui transferido, fui transferido, mas recebi um convite da pessoa que ia ser responsável por Carajás, para ir para o projeto Carajás, na implantação.

P/2 - Aí...

R - Aí eu fiquei um ano.

P/2 - Lá em Belém?

R - Não, eu fiquei aqui no Rio, um ano e pouco no projeto Carajás.

P/2 - Aí o senhor veio então para a Amazônia Mineração?

R - Não, eu vim para a Vale. Eu vim para a Vale.

P/2 - Entendo. Mas para trabalhar com o projeto...

R - Ah, mas eu fiquei sentido da Amazônia Mineração, espera aí, são as pequenas variações que a gente acaba esquecendo. Eu fiquei na Amazônia, aí fiz essa revisão, quando estourou Serra Pelada, eu fui em Serra Pelada nas primeiras semanas.

P/2 - É, então conta um pouco isso aí.

R - Ah, não, já estava, mas participei pouco por que desde o início, eu tenho até esse documento, que eu acho Serra Pelada foi uma sucessão de erros, não é à toa que chegou nesse ponto. Quando eu cheguei lá o garimpo estava no início, aquela corrida, aquela euforia, os militares chegando, eu falei isso é um trabalho inglório, poucos vão ganhar dinheiro, vai ser um centro de corrupção, acabou sendo, né, para eleger o Curió, etc, etc, vai custar, digamos, o país pagou muito caro por isso, nós pagamos, todo mundo, né, eu levantei tudo isso, aí...

P/2 - Teve espaço para o senhor colocar?

R - Eu coloquei no documento, não foi lido, não foi lido, mas...

P/1 - Nem pela Vale?

R - Não, pela Vale foi, mas o SNI é que estava comandando, né, é isso, e gozado que procurando nesses documentos que eu perdi, eu achei a pasta eu achei essa carta ontem, que eu fiz esse relatório da minha viagem lá, em 1980.

P/1 - Quer dizer, o senhor previu que não ia dar certo, o SNI não tomou?

R - Ah, não sei se isso chegou no SNI, mas eles não ouviam ninguém não, a prepotência era muito, o Coronel Curió, Curió era o codinome dele, né, foi para lá para tomar conta virou chefe de garimpo, se elegeu deputado federal; socialmente aquilo é um desastre, trabalho escravo, quantidade de gente que perdeu vida, não digo diretamente, mas indiretamente por doenças, era um trabalho...

P/1 - Eu vi fotos impressionantes daquilo ali, parece a construção das pirâmides, vai.

R - É a construção das pirâmides é filme de Cecil B. DeMille, né, que a gente vê, mas não sabe se é real, depois que saiu esse livro agora desmistificou um pouquinho, não sei se a senhora leu a série do Ramsés aí...

P/1 - Que série, do que o senhor está falando?

P/2 - Os livros do Egito.

R - Dos livros que saíram, cinco livros, série Ramsés, isso tira um pouquinho. Mas todo mundo imagina como construção da pirâmide, a primeira vez que eu vi uma foto, eu tenho uma guardada.

P/1 - Foi um caso sério, Sebastião Salgado fotografou coisas impressionantes?

R - Fazer aquilo era um trabalho miserável, aquilo...

P/1 - Quer dizer, o senhor já tinha previsto? Qual era a solução que o senhor teria indicado para aquela jazida?

R - Aquilo era da Vale, era jazida da Vale.

P/1 - Sim.

R - É, a solução era não deixar o garimpo, fazer um negócio mecanizado, como país civilizado desde o início.

P/1 - E seria rentável?

R - Ah, seria.

P/1 - Teria sido, quer dizer.

R - Teria sido, né. Teria dado emprego, um trabalho com dignidade, o que teve ali, não teve dignidade nenhuma, né. Depois só voltei em Serra Pelada já no final, já praticamente nos estertores do garimpo, né?

P/1 - E acontecia o que nesse momento, quando o senhor voltou?

R - Não, não acontecia nada, estava todo o mundo vivendo na miséria, os poucos que tinham lá, né, foi na tentativa de retomada de Serra Pelada pela Vale.

P/1 - Houve uma tentativa?

R - A Vale retomou, gastou muito dinheiro e não deu em nada, mas aí já foi, depois que eu saí, eu não sei.

P/2 - Bom, e no Rio, vamos falar um pouco sobre trabalho.

R - Trabalho, quando eu cheguei, a implantação do Projeto Carajás, eu mexi nessa reavaliação e fui responsável também pela implantação do suplemento de material de construção, brita para a ferrovia, que era um problema sério, que chamava o efeito de ponta, só tinha pedreira possível e em São Luís ou em Carajás, mas para usar a de Carajás, precisava de brita, você tinha que estar a ferrovia lá pronta. E a Vale chegou a estudar levar brita de navio de Vitória, que não tem rocha lá no Norte, né, aí tem umas pequenas, como fosse antigas ilhas, antigo tipo Pão de Açúcar, próximo a São Luís, com rochas maiores, sedimentos, era um mar que tinha umas ilhas, ficaram aquelas pontas. Estudamos conseguir lá em Rosário, abrimos uma pedreira em Rosário, e a ferrovia foi construída com o laço ferroviário dessa pedreira. Depois abriu outra chegando em Carajás. Agora dentro de Carajás, material de construção, areia do rio, em Carajás não tem areia também, areia do rio Tapajós não pode ser usado em concreto, o DNER tinha feito uma ponte, ela caiu, porque tinha um material que reage com cimento, você tem que pôr um preparado, não fica muito caro, aí eu tive que arranjar uma solução em Carajás. Então areia fina pegava com granito, britar para fazer brita, o pó se classificava, misturava

com areia fina, fazia uma areia artificial, Carajás foi construído com areia artificial praticamente. Eu só fiquei um ano, e depois estudei também na ferrovia o problema de lastro ferroviário, lastro não, sub base, lastro nem sei mais essas coisas, passei. Foi um ano e pouco. Eu achando que o minério de ferro acompanhava pouco mais aí. E depois eu fui trabalhar, passei seis meses numa parte energética da Vale, tentando implantar a utilização do carvão de babaçu, isso não foi para frente, que o babaçu é uma matéria-prima renovável, dá um carvão de excelente qualidade, carvão, é eficaz inclusive, mas tinha o problema da coleta. E a Vale estava muito interessada na época, tinha gente para exportar, substituir o carvão vegetal pelo carvão de babaçu. E podia fazer um negócio assim: a parte, o épicarpo, nem sei o nome mais, o mesocarpo do coco dá um amido com muita proteína vegetal que serve para a alimentação de animal, a parte dura vira o carvão e a amêndoa pode virar óleos, combustíveis, sabão, de uso industrial, aproveitamento, ou então se o carvão, o coco é pequeno, carboniza o coco e tudo vira carvão. E estudamos uns seis meses, fizemos, vimos que é viável, chegamos a fazer exportação de teste. E daí eu recebi um convite e fui trabalhar, o diretor de operações da Vale me convidou para trabalhar com ele, para ser o chefe do gabinete dele, era o chefe da assessoria do diretor de operações, que era o homem forte da Vale, que tinha 70, 80%, aí eu fiquei três anos e meio nessa atividade, acompanhando aí todo o trabalho, Sistema Sul e Sistema Norte, já próximo de ser inaugurado o norte dessa parte, mina, ferrovia e porto. Fazia reuniões mensais com todo o mundo, viajava de um lado para o outro, foram três anos e meio que eu trabalhei na época com o Schetino, Francisco José Schetino. Aí se criou a área de ouro na Vale em 1985, e nesse período que eu estava na área de operações o ouro era uma palavra proibida dentro da Vale, eu gastei dez anos para a Vale se interessar por ouro.

P/2 - Por que era proibido?

R - A Vale teve algumas experiências negativas, sem crítica, mas feita de maneira muito amadorística, foi em Serra Pelada que estava dando aqueles problemas todos, teve uma Serra de Andorinha, que associou com uma empresa e no fim não tinha ouro. E achava que a Vale tinha que mexer em Itabira, porque tinha aquele ouro, sempre teve lá um pouquinho, e nesse período que estava na diretoria, coloquei um geólogo para dar uma estudada.

P/2 - Em Itabira?

R - Em Itabira. Aí convenci o diretor, que era contra também, a fazer esse trabalho, aí começamos a fazer, aí paralelamente surgiu da Bahia, Fazenda Brasileira começou com a investigação de pilha, que foi o Ulisses que estava mexendo e quando, no início de 1985, a Vale achou que estava na hora de criar uma área específica para ouro, e com isso foi criado, me chamaram, me convidaram para tomar conta disso, para formular o que a Vale tinha que fazer que, na realidade, a gente tinha uma produção de quinze quilos, vinte quilos por mês na Bahia e uma produção três, quatro quilos em Itabira, e tinha a possibilidade da Fazenda Brasileira, uma mina subterrânea que ninguém sabia o que podia ser feito. Eu, que era um curioso de ouro, na época que me chamaram: “Você que mais entende na Vale.” Eu cheguei à conclusão que eu não sabia nada, digamos, o conhecimento que eu tinha mostrava que eu não sabia nada, eu era um curioso ainda, para implantar projeto, aí eu passei, foi em abril de 1985. Nesse período eu fiz contatos, visitei a Morro Velho aqui, a ____________, peguei um avião, fui para os Estados Unidos, para Nevada, de lá fui para o Canadá, rodei vinte dias em mina de ouro. Aí cheguei, quando eu voltei, falei assim: “Olha, ninguém aqui conhece nada.”.

P/1 - Por quê?

R - Porque não conhecia, ninguém não tinha experiência nenhuma, ninguém conhecia nada de ouro. Aí foi aquele trabalho, de estudar, de ver, pegar revistas, contratar construtoras internacionais, (tosse) ver quem realmente entendia disso aqui no Brasil e começamos a trabalhar. E não tem mistério, a questão é que o que se conhecia aqui no Brasil era Morro Velho, que tinha uma prática ultrapassada. Inclusive quando veio foi até interessante que o chefe da Morro Velho, o engenheiro tinha sido meu colega de ginásio em Itabira, olha a coincidência, nós fizemos exame de admissão no mesmo dia, fizemos o ginásio até o terceiro ano lá em Itabira junto, aí eu tomei essa bomba, depois eu fui encontrar com ele em Ouro Preto, ele formou dois anos na minha frente, o tempo passa e, de repente, o meu amigo. Mas no fim eu tinha muito, a disputa de empresa, né, na hora que a Vale entrou: “Ah, Vale.” E comecei a roubar gente dele também, contratar pessoas com experiência, ele ficava bravo, ficava as vezes seis meses sem me telefonar, eu falei: “Juvenil, eu não tenho culpa, estou oferecendo um salário melhor, você tem que pagar melhor o seu pessoal.” E eles tinham um trabalho assim meio escravo lá, pagavam mal, não davam treinamento para ninguém quase. (tosse) Eu comecei a pegar gente, logo projetamos a mina, aí novamente uma viagem pelo mundo para ver quais equipamentos, isso uma grande vantagem da Vale, a Vale quando quer implantar, quer implantar o melhor que pode ser implantado, não o ótimo, mas o melhor, né. Fomos comprar, fui para a Suécia, que eram os fabricantes de equipamento de mina subterrânea, visitei as fábricas, fui às minas que usavam os equipamentos para checar, para ter certeza, né, do que o fabricante fala: “Esse equipamento é muito bom.” Mas eu tenho que ver o outro lado. E buscamos, digamos, o que havia de melhor, e satisfação minha, depois a próprio Juvenil pedia estágio do pessoal da Mina Morro Velho de 150 anos, para fazer estágio de treinamento do pessoal dele em Fazenda Brasileira para mina subterrânea.

P/2 - E já estavam pesquisando outras?

R - A pesquisa era feita pela Docegeo, quando descobria aquele retrato, né, chegava a certo estágio de conhecimento, aí saía da Docegeo e vinha para a área específica no caso, né?

P/2 - Então, mas já estava aberto para a procura de outras reservas de ouro?

R - Ah, já, aí apareceu Maria Preta, apareceu Igarapé Bahia, que foi o principal, que aquela foto é de Igarapé Bahia. Isso foi um trabalho árduo, a Vale chegou em 1900 e, data para mim é uma tragédia, 1989, acho que 1989, quando fizemos o lançamento mercado futuro de ouro, a Vale precisava, faltava dinheiro em caixa para os projetos, eu já tinha tentado isso antes com o superintendente financeiro da época, ele não quis, aí entrou o Wilson Brumer como diretor financeiro, na hora que apresentei, ele topou, aí fizemos o plano de lançamento de venda futura e a Vale, em um dia vendemos 400 milhões de dólares em ouro para a entrega futura. Eu pus na frente, garanti que ia produzir, desde que não faltasse dinheiro, só que aí eu garanti dinheiro para os meus projetos também, porque vendendo 400 milhões eu até entregar, não podia vir ordem do governo: “Corta o orçamento.” No ouro não pode mexer, mas eu precisava de 200 milhões e a Vale com esse dinheiro comprou dívida lá fora, comprava, digamos, dívida brasileira, pagava 20% do valor de face do documento, a Vale comprou dívida do BNDES, do próprio governo brasileiro, juntou e financiou os outros, eram juros baratos.

P/2 - Quer dizer que foi um levantamento de capital aí, né?

R - Foi, 400 milhões de dólares, 400 e tanto, eu tenho um documento aí, o número eu não sei, eu não guardo.

P/1 - E deu um socorro geral, né?

R - Deu. Eu garanti na minha área, eu fiquei intocável em termos de orçamento.

P/2 - E a produção correspondeu?

R - Chegou no prazo certo a quantia, parece que até foi...

P/1 - Foi certinho mesmo.

R - Em cima. Eu sempre, malandramente, eu fazia as contas, vai dar 13, não, vou por 11,5 só. E no fim deu 12, eu acho, 11,5 no prazo, e depois ultrapassou, né?

P/2 - E qual que era o prazo?

R - O prazo era 12 toneladas em 1992. Eu saí antes, eu saí em 1991, em janeiro de 1991, resolvi aposentar.

P/2 - Por quê?

R - Olha, eu tinha uma proposta de trabalho muito boa, já podia aposentar, e eu sempre achei que ninguém devia ficar num cargo mais que cinco anos, eu sempre tive isso, já tinha cinco anos que eu estava na área de ouro da Vale.

P/2 - Mas não vislumbrava ir para uma outra área ou para um outro setor?

R - Não, eu achei que eu tinha, que o meu ciclo da Vale já estava se encerrando, e como eu tinha uma proposta boa. Aí depois eu fui ser presidente de uma empresa de mineração de ouro, fiquei cinco anos.

P/2 - Qual?

R - Eu fui para o Grupo ___________ Mineração do Amapá e tinha a Mineração Novo Astro, eu era vice-presidente de uma, presidente da Novo Astro e vice-presidente de uma companhia no Uruguai que estava mexendo com ouro, pesquisando de uma jazida de ouro no Uruguai que vendemos depois para uma companhia americana.

P/2 - O senhor ficou morando aonde?

R - Aqui no Rio. Aí eu ficava, pegava o avião para, era interessante, para Macapá e para Montevidéu via Buenos Aires. Isso era, pelo menos, uma vez por mês em cada lugar. Uma vez em Montevidéu tinha um problema que, burocracia, tinha uma vez, chegava de Montevidéu, “Ih, o Banco do Uruguai quer que você volte lá.” Aí pegava o avião de volta até Montevidéu e por azar naquele tempo não tinha milhagem, né? (risos)

[Troca de fita]

P/2 - O senhor ficou quanto tempo?

R - Cinco anos.

P/2 - Cinco anos. Então até 1996?

R - Até 1996.

P/2 - Sem contato com a Vale?

R - Ah, tinha um contato, encontrávamos, congresso, muitas vezes tinha alguma coisa em comum da associação dos produtores de ouro e uma relação, né, de amizade com as pessoas.

P/2 - O senhor acompanhou o crescimento da área do ouro na Vale?

R - Acompanhei. Depois fizeram mesmo nesse período, fizeram um ginásio esportivo em Fazenda Brasileira, um ginásio esportivo em Fazenda Brasileira lá na vila, colocaram meu nome, eu fui lá quando fez dez anos de produção de ouro. Aí nesse período, eu te falei, em 1988 eu fui escolhido personagem brasileiro na área de mineração por voto direto, né, por uma revista Brasil Mineral, essa revista que eu perdi, que eu não sei onde tem, na que entregou o prêmio tem meu discurso, até eu concorri, com Antônio Ermírio de Moraes, foi premiado, o Eliezer Batista, o Osíris, foi ministro, eu e o presidente da Belgo Mineira, né, candango era só eu.

P/2 - Candango?

R - Em 1988.

P/2 - E o senhor ainda estava na empresa?

R - É, pois é, pela empresa, era por causa da implantação do projeto de Fazenda Brasileira, que o projeto de Fazenda Brasileira estava assim no papel desde 1975, ninguém tomava uma decisão, não sabia, ficava...

P/2 - O senhor impulsionou e?

R - Pois é, modifiquei o projeto que se pensava, era falta de experiência, o pessoal faz no achismo e achismo não faz projeto, né?

P/2 - O senhor dimensionou, pôs tudo no papel?

R - Não, olha, o tipo de pesquisa, mudança no tipo de pesquisa para avaliar melhor todo o dia. Em 1985, eu só fui terminar com a implantação, ter a decisão de implantar a Fazenda Brasileira em 1987, eu gastei dois anos.

P/2 - Um trabalho de convencimento, né?

R - Aí em 1988 eles me escolheram por voto direto, né, dos eleitores da revista, eu sem fazer campanha, que quase que eu perdi o emprego nessa, porque lançaram a minha candidatura e do presidente da Vale, eu concorrendo com ele e eu ganhei, eu falei assim: “Eu vou perder o emprego.” Vaidade humana, e eu tenho outra expressão que eu gosto muito: “Pior coisa que existe é ciúme de homem.” (risos)

P/2 - Ainda mais ciúme profissional, né?

R - É um negócio perigoso, mas até que não teve problema não.

P/2 - Seu Domingos, o senhor acompanhou o processo de privatização, mesmo fora da empresa?

R - Acompanhei, inclusive participei de um grupo de trabalho de avaliação.

P/2 - Qual, o senhor foi convidado para fazer essa avaliação.

R - Para uma empresa aí para ver aquela documentação que estava no...

P/2 - Que o senhor achou?

R - Como?

P/2 - Do processo da privatização, o senhor concordou com o modelo que foi adotado, com a avaliação que foi analisado?

R - Olha, acho que tudo bem, só o que eu lamento, que eu vejo que novamente nós estamos pagando a conta que o governo brasileiro ainda tem 40% das ações da Vale e não usa o direito, nós temos 40% e ninguém fica sabendo, né, a privatização é entre aspas, não vendeu tudo.

P/1 - Não?

R - Não, 40% é da União, e a União delegou para quem vendeu o direito de fazer o que quiser com a empresa.

P/1 - Mas então a União é minoritária.

R - Minoritária entre aspas, mas individualmente é o maior acionista, ninguém tem isso.

P/2 - É o tipo de ação que foi vendido, né?

R - É.

P/1 - E como é que o senhor avalia esse estado de coisas?

R - Acho que é um descalabro da administração pública brasileira.

P/1 - Mas quais são as críticas, aprofundando um pouco mais as suas críticas?

R - Não, o sistema capitalista é esse, né, acionista minoritário não ter, isso não é só, em qualquer empresa o acionista, isso eu vi no jornal outro dia, o acionista minoritário sofre, está sempre entrando na justiça. Teve agora uma empresa, não sei se é em São Paulo, a própria White Martins que é uma empresa, estão querendo fechar a empresa mas pagando um valor muito mais baixo pela ação do acionista minoritário, tem outra empresa agora que está pagando dividendo, quem é minoritário está recebendo menos que quem é majoritário, quando devia ser ao contrário que, assim um preferencial tem direito a preferencial, para ter direito a receber dividendo.

P/1 - Fora isso o que o senhor acha que devia ter sido feito?

R - Não, tinha que vender tudo, porque que não vendeu? Então se participa do capital que participe da administração também, agora não tem competência para participar, isso é. Eu não sou contra quem comprou a Vale de jeito nenhum, eu sou contra, digamos, os nossos dirigentes em Brasília e BNDES etc., não querem nem saber que seu dinheiro, é igual a questão que nós tivemos do Banco Central Cindam Marka. Um bilhão e meio para pagar, para melhorar o salário de aposentado do INSS não tem, mas para dar para banqueiro tem, isso, como diz o Bóris Casoy, uma vergonha.

P/2 - O fato da empresa ser estatal, quer dizer, após esse período do regime militar?

R - Prejudicou muito a Vale, e tinha um custo muito alto, influência política, pedido de emprego.

P/2 - O senhor acha que isso dificultou diretamente no seu trabalho, o senhor sentia isso?

R - Ah, dificultava, de vez em quando eu precisava contratar, área nova, tinha que contratar todo mundo: “A Vale não pode contratar ninguém.” Eu estava inaugurando Fazenda Brasileira, como é que eu vou fazer, aí eu tive que criar um processo em Brasília para criar uma exceção, mas isso perdia dois, três meses, o treinamento, eu comecei a treinar gente depois do prazo. Aí fazia uma carta, a Vale me liberou: “Você pode procurar na Vale.” Fazia uma carta para Vale eu preciso de pessoas desse tanto: “Eu te pago tanto.” Recebi gente do país todo para trabalhar na Bahia, da Vale, mas não dava para resolver tudo, e muitas vezes conforme a pessoa só ia me levar problema. Conforme o nível, um cara sair, por exemplo, de Carajás eu recebia muito, porque estava todo mundo querendo sair de Carajás, uma pessoa saía de Mariana ou Itabira, para trabalhar na Bahia, o nível salarial muitas vezes sem a mesma função para o cara mudar de Estado sem infra-estrutura é muito difícil, isso prejudicou muito.

P/2 - Não compensava o salário?

R - Não, não compensava, a gente não podia pagar mais também que custo ficava proibitivo, aquela função, agora se fosse contratar em Feira de Santana, lá em Serrinha _____________, a pessoa estava no ambiente, tinha estrutura familiar de apoio, que isso é muito importante.

P/2 - Mas aí não tinha qualificação necessária?

R - Não, podia ter, mas estava proibido contratar.

P/2 - Só transferência?

R - Aí a gente cria alguns artifícios, sempre criava, né?

P/2 - Quais?

R - Tecer concurso nacional, aí eu tirei isso fora, tivesse concurso nacional, concurso local, né. Publicava no jornal da cidade que só tem gente dali. Eu precisava contratar um braçal, vamos supor, um nível de ajudante qualquer, pessoa de três salários mínimos, o mercado lá tinha muita gente para isso, agora fazer um concurso nacional, Vale não é Banco do Brasil, não é o mesmo dinheiro que pode, que a função é igual, um caixa de banco é igual em qualquer lugar, mas um equipamento, um operador de máquina de Fazenda Brasileira é diferente do operador de máquina de Itabira, uma é máquina de subsolo, outra é de céu aberto, totalmente diferente, como é que faz. Prejudicou, por ser estatal prejudicou muito.

P/2 - Pelo peso da burocracia também?

R - Pelo peso da burocracia, pela interferência e pelo, acaba o espírito corporativo que tinha, deixa de ter, de querer competir no mercado, não se cobra muito, né, muitas vezes não se manda embora, eu sempre fui advogado de mandar embora e sempre mandei, e principalmente os meus colegas de profissão, eu perdoava menos os meus colegas de profissão, eu falei: “Vocês são responsáveis pelo trabalho e por tratar bem todas as pessoas indiferente do nível.” Eu lembro uma vez que cheguei em Itabira, no tempo que eu trabalhava já em Belo Horizonte, na época eu estava em Itabira ainda, o geólogo fulano de tal destratou um motorista, eu falei assim: “Esse motorista nunca deu problema.” E o motorista quis bater no geólogo, eu lembro disso, aí eu falei assim: “Demite o motorista.” Eu falei assim: “Mas esse motorista não ia fazer isso gratuitamente.” Chamei e falei: “Demite o geólogo também.”

P/1 - Os dois?

R - Os dois, demiti os dois, e sempre. Agora eu sabia a regra, tinham pessoas que achavam que a Vale não podia demitir, eu falei assim: “Não, eu acho que a Vale tem que ser como uma empresa qualquer.” E sempre advoguei pagar bem, depois que eu fui para aí, eu pude exercer minhas ideias na mineração em Novo Aço.

P/2 - Esses resultados apareceram?

R - Quando eu cheguei lá tinham 450 empregados, mais 500, só na mina no Amapá, 500 contratados, salário lá embaixo. Aí chamei o diretor lá, que ficava lá, e falei assim: “Escuta, veja quem que a gente pode dispensar, vamos fazer primeiro na área administrativa.” Eu olhei tinham dez caciques, reduzi para três, peguei o dinheiro desses sete e distribuí para todo o mundo, eu queria reduzir custo, mas ganhando na coisa, mas o salário, dava um salário decente e condizente com a função, resultado: um passou a fazer o trabalho de três muito mais eficiente, que antes telefonava: “Ah, isso é com fulano de tal, só amanhã que ele já foi embora.” Eu falei: “não é o típico serviço público, todo o lugar que tem muita gente vira serviço público”, fiz isso. No dia seguinte, peguei o pessoal de operações, técnico, tem gente demais, vamos fazer isso, o pessoal está reclamando, o salário está baixo, mas com essa quantidade de gente, porque um empregado lá só de alojamento, alimentação e transporte custava 400 dólares por mês independente da função, e muitas vezes a pessoa ganhava naquele tempo 300 dólares e custava 400, só de alimentação e transporte e saúde, prevenção contra a malária, aquele troço todo no meio do mato, quer dizer, eu ganharia reduzindo gente, economizando os 400 dólares, eu não queria economizar no salário. No final, dos 450, nós estávamos trabalhando com 250 e a produção contínua e eficiente, eles produziam 100 quilos de ouro, passamos para 300 por mês.

P/2 - Resultados?

R - É. Aí comecei, eu quis dar incentivo de participação no resultado, a lei brasileira não permitia na época, agora já permite, qualquer coisa que passasse de 3000 reais seria britada, não poderia descontar. No fim quando a mina estava para acabar eu chamei o pessoal básico, eu falei, olha, quem ficar até o final tem, o salário vai ser aumentado e quando sair tem um prêmio extra de seis salários; ficou todo mundo até o último dia sem problemas. Foi a única mina que trabalhou até acabar com um custo baixíssimo e foi assim, acabou o minério, você está na hora de ir embora, agora com dinheiro todo mundo recebeu, todo mundo ficou satisfeito, não tivemos um caso na justiça, mandar 200 pessoas, aí eu fui o último, aí eu me demiti, falei agora eu resolvi, aí acertei a minha conta.

P/2 - Saiu, apagou a luz.

R - Apaguei a luz.

P/2 - Só um minutinho.

R - Poxa, aqui o relógio está parando, ó, ele estava cinco minutos.

P/2 - Só um pouquinho, seu Domingos, olha só, a gente... E seu Domingos qual que é a sua principal atividade hoje em dia?

R - Olha, eu levo a vida, a principal é aposentado, né, curtindo a minha aposentadoria e uma vez por mês vou ver minhas netas, né, que é a melhor coisa ter neto, um negócio muito gratificante.

P/2 - O senhor tem quantos?

R - Duas netas.

P/1 - E onde elas ficam?

R - Em Belo Horizonte. Uma está com três anos e a outra vai fazer oito, fez oito meses ontem.

P/2 - E profissionalmente...

R - Escrevo alguns artigos que não publicam, né, memórias. Fico fazendo alguns trabalhos no computador e uma consultoria eventual, mas o mercado está, o último ano enfraqueceu muito, né.

P/2 - Consultoria?

R - É consultoria principalmente na área de ouro, com essa queda do preço, né, isso todo mundo recolheu. O ouro, que era mais ou menos próximo de 400 dólares a onça, caiu para 350 e agora estão 270, 280 dólares a onça.

P/2 - É, os negócios também caíram, né.

R - Pois é, tem a crise brasileira, tem a crise, do ouro é mundial e mineração em geral no mundo caiu, digamos, praticamente, havia um artigo há pouco tempo, nos Estados Unidos não está se formando engenheiro de minas nem geólogos, praticamente quase que fechou, não tem demanda, Canadá, ainda tem mais a Austrália. Eu vi até esse artigo falando, o americano falando, que no futuro eles vão contratar no mundo onde tem, né, por que parece que nos Estados Unidos nesse ano que eu vi a estatística tinha formado 16 engenheiros de minas, um país daquele tamanho e 20 geólogos, um negócio assim. É um número, e mesmo no Brasil, vivendo aí, eu acho que agora tem uma retomada em termos de mercado de trabalho de geólogo é a parte de petróleo, né, essa abertura, mas não sei por quanto tempo isso vai durar, essa tentativa aí de, e acaba, uma vez que não tem duração, não dá tempo de formar, porque para se formar um especialista em geologia de petróleo, digamos, eu trabalhei na área três anos e meio, gasta-se, pelo menos, para ser um profissional pleno mais de dez anos.

P/2 - Não tem tempo hábil.

R - Não tem, não sei o que vai acontecer disso. Normalmente qualquer profissional nessa área técnica aí, nos cinco primeiros anos é mais de aprendizado, a pessoa tem de aprender mais do que dar, depois ele começa a ter o retorno, logicamente a pessoa faz um trabalho mais, digamos, monitorado, tem que ter alguém com experiência junto, orientando, mas, como se diz, o vôo solo. Eu acho que o vôo solo nunca devia existir, né, em qualquer profissão, né, mas para tomar as decisões, dez anos.

P/2 - E com quem que o senhor mora, hoje em dia?

R - Eu e minha mulher só e uma empregada que não dorme em casa, né.

P/2 - E as horas de lazer, as atividades de lazer, quais são?

R - Lazer, eu faço é caminhada na praia, né, é ler, de vez em quando eu diminuo porque quando pega um livro interessante é aquele negócio, você não quer parar, você não faz outra coisa e um pouco de televisão, principalmente parte esportiva, né, jogo de vôlei, futebol, algum filme policial, ou eu gosto muito de navegar na televisão, nos canais, na hora que vem anuncio eu mudo de canal, eu costumo ver três filmes ao mesmo tempo, eu vou mudando e no fim dá para entender porque esses filmes são...

P/2 - Bom senhor Domingos, se o senhor pudesse mudar alguma coisa na sua trajetória de vida o que o senhor mudaria, mudaria alguma coisa?

R - Olha, se eu não falasse que ia mudar eu seria, pelo menos, muito teimoso, né, mas eu acho que mudanças radicais não digo de, porque, muitas vezes, no caminho da gente tinha muito afoito, a gente tinha atrito muitas vezes desnecessário, a gente tem hoje mais calma, mais maturidade para enfrentar, embora que coisa assim, muito atrito que eu já tive na vida profissional, discussões com os colegas de trabalho, muitas foram superadas, muito poucas ficaram, né, e as que ficaram também, isso talvez pudesse mudar, o tipo de comportamento, como atacar. Mas, digamos, o ponto positivo que eu não mudaria é o meu trato com o pessoal que sempre trabalhou comigo, o apoio total e sempre exigi respeito mútuo, não é, digamos, sempre achando que é uma via nos dois sentidos. Eu lembro em Itabira, muitas vezes, eu também não aceitava, nascia um menino me convidavam para ser padrinho e no fim já até conselheiro cheguei. Lembro uma vez um cara, um empregado da Vale chegou lá: “Ah doutor, o cara fez mal para minha irmã, o que eu faço, eu mato?”, eu falei: “que idade tem sua irmã?” - “Trinta anos.” - “Então você não tem que fazer nada, esqueça”, mas tinha disso tudo, né. Ser padrinho de batizado, eu falei assim, eu não tenho religião, não vou batizar ninguém.

P/1 - Você era muito assediado então para essas cerimônias.

R - Aparecia com frequência, mas no final já sabiam, não me...

P/2 - Facilitava.

R - É mudar, digamos, você vai aprendendo, a gente enfrenta, digamos, as barreiras que eu enfrentei de um jeito, talvez hoje eu não enfrentaria do mesmo jeito, né, isso que tentar, agora profissionalmente não sei, agora a gente tem de ver a situação do mercado, eu fui estudar geologia numa época que o mercado era, digamos, eu pude fazer aquilo que, eu nem sabia o que que era geologia, eu não conhecia, embora eu fui saber, né, mas eu acho que acertei naquilo, eu sempre gostei de fazer, digamos, eu tive sempre em paz com a minha profissão, tranquilo, tranquilidade naquilo que eu escolhi, com aquilo que eu fazia. Agora hoje eu não sei, mas também eu sou pragmático, se não dá dinheiro, a gente tem de sobreviver.

P/2 - Quais são os seus sonhos?

R - É um negócio difícil, sonho é viver muito, né, satisfeito, tranquilo e com saúde e agora se não tiver saúde, que vá embora logo, né, por que...Eu lembro de um fato, meu pai já com 75 anos, fui com ele na fazenda, lá na fazenda, ele estava fazenda um pomar, ele falou assim, “o problema dessas mudas de laranja hoje, com dez anos a gente tem de substituir tudo replantar, eu estou pensando, estou plantando hoje, daqui a dez anos vou ter que fazer…” Eu falei assim que otimista, não é que ele replantou o pomar?

P/1 - É mesmo!

R - É uma lição, né. Eu pensando comigo não falei, mas o velho está otimista, com 75 anos plantando laranjal e falando que daqui a dez anos tem que substituir, que aquelas mudas antigas, laranjais antigos eram árvores para 30, 40 anos, não é? E custava cinco, seis anos para dar fruto, hoje dá com dois, mas a vida é mais curta, né.

P/1 - Ele morreu com quantos anos?

R - Morreu com 87.

P/2 - Ainda pode colher as laranjas que ele plantou.

R - Não, colheu. E em plena atividade física, no final é que baqueou e...

P/1 - E o que que o senhor achou de dar esse depoimento?

R - Foi uma surpresa para mim porque eu acho que eu falei demais, eu não sou de falar muito, não, eu estava falando com o Gazolla de ele estar muito prolixo, gastou esse tempo todo, ele estava contando um caso, até ele lembrou um caso, eu estava presente, ele me contou aí, lá na Bahia, a gente vindo de Fazenda Brasileiro, eu, ele o Dioclécio, Ulisses, se eu não me engano, e mais outra pessoa, ou nós quatro e o motorista, de repente veio a polícia militar num carro com metralhadora e fechou nosso carro e desceu todo mundo armado, só que eles tinham assaltado um banco, numa cidade vizinha, com um carro igual o nosso, com o mesmo número de pessoas e veio da rota que nós viemos, eles tinham fugido por aquela rota.

P/2 - Que ano isso? Mais ou menos.

R - Mais ou menos 1989, 1988, 1989, 1990. Eu não lembrava, o Gazolla que me lembrou. Aí me fez lembrar de outros casos lá de Itabira, mas que não vale a pena, não merece ser contado, se for contar piada aqui...

P/2 - Quer contar alguma coisa?

R - Não. Não, é um louco que trabalhou, um geólogo que eu recebi lá, que era muito louco, já era casado e o Gazolla e os outros, tinha uma república de engenheiros, de nível superior, engenheiros e médicos da Vale, chamava Isolado, e os solteiros moravam lá, esse era um carioca que chegou lá, doido assim, como sempre era parente de um político pedindo emprego, eu recebi e era totalmente biruta, e enchiam a cabeça dele lá, no Isolado, na república, “você chega lá”, todo mundo que viaja na Vale tem direito a receber uma diária, para ajuda de custo, não importa quanto tempo fica, não era assim não, mas, “aí você vai na mina do Cauê, lá no alto, se você descer ali em baixo, ali é outro município, você desce lá, bate o martelo de geólogo daquele lado, daquela linha, daquela cerca, você foi noutro município, chega lá, vai com o Domingos, e pede uma diária, ele tem que te mandar pagar uma diária para você”. E ele enchia o saco, aí três meses venceu o contrato experimental, eu falei avisa para o senador, sei lá quem que é, que não tem a mínima condição. Isso era um ponto que muitas vezes...

P/2 - Era difícil.

R - É. Eu tive um problema na Bahia, o Sarney era Presidente da República, mandou um bilhete para a Vale, pedindo para contratar uma pessoa na Bahia. O presidente da Vale recebeu, falou assim, “Domingos, isso é com você”. Aí eu peguei o telefone, mandei o nome do cara, liguei para a Bahia, falei olha, faz um teste, vê que função que ele pode fazer, e está capacitado a fazer, chego: “ele só pode ser braçal, mineiro para trabalhar, para fazer limpeza no fundo da mina”, então contrata para isso. O Presidente da República pediu, já que tem vaga e ele pode fazer isso. Contratou. Um mês depois ele falou assim “eu sou amigo do chefão, não vou trabalhar não, eu quero emprego, não quero trabalho”, pus na rua.

P/2 - Isso criou alguma situação para o senhor?

R - Ele fez uma carta para o Sarney falando que tinha sido mandado embora por discriminação racial, que ele era preto.

P/1 - E aí?

R - Aí o Sarney mandou de volta para a Vale, aí eu falei com presidente da Vale, fala com o Presidente da República para não perder tempo com isso, rasga, determinado assunto... “termina, responde, não sei”. Muitas vezes eu simplesmente rasgava, não dava resposta, mas eu aproveitei para gozar o cara também, né. O administrador lá, chamei um advogado falei: “olha, liga para o fulano de tal que ele está sendo e manda um xerox e um fax desse bilhete, que ele vai ser demitido por segregação, a lei Afonso Arinos, dele”. Foi só brincadeira, mas não deu nada, o Sarney depois mandou o arquivo esquecer, não tinha sentido. O cara era um malandro, tem malandro de todo jeito.

[Troca de fita]

R - Então só contando um fato, aí foi talvez o dia em que eu senti mais medo na minha vida, se bem que eu senti, agora fui fazer um exame também (risos), .foi no início, a gente estava, eu e um americano da Meridional, a Meridional ainda era sócio, eles queriam vender uma jazida de manganês para a Vale lá em Carajás, que era só deles, e fomos. Foram dois sustos no mesmo dia. Entramos numa galeria antiga, que estava abandonada, para ver o minério, estava esse americano com a lanterna na frente, eu no meio e o mateiro atrás, a gente ia de helicóptero, o helicóptero pousava, a gente levava sempre o mateiro, um pouco de segurança no meio do mato, um cara mais acostumado. De repente, lá no meio, no final, uma sucuri, dentro, a galeria tinha mais ou menos um metro e meio de largura, a rodilha estava assim, a cabeça dela vai, assim, passa eu de um lado para o outro, era dessa, a rodilha dela era dessa altura e a cabeça ia (gesticula)... Ah, mas nós saímos de galope e o escoramento tinha caído, de modo que estava um tapete de madeira no chão, poderia ter outras por baixo ali e a gente pisar, a gente estava uns 150 metros da boca, né, no escuro. O gringo virou, eu virei, peitamos o mateiro, (risos) sai correndo. E depois voltamos, com calma, a gente já estava.

P/2 - No mesmo dia?

R - No mesmo. Logo em seguida vamos lá, vamos ver direito, né, aí, fique sabendo é diferente, mas esse foi um...

P/1 - Aí o que fizeram?

R - Não, olhamos e viemos embora.

P/1 - Não mataram?

R - Não, coitada estava lá se defendendo. Num ambiente onde tem rato, tem morcego, come, um calor que isso quando chove. E depois pegamos o helicóptero, quando veio as tempestades, que Carajás é área plana é um platô lá em cima, nós passamos num vale fundo vinha assim, olhamos para trás, aquela tempestade, e o piloto assim, não tinha jeito de acelerar muito o helicóptero e a tempestade chegando por trás, a gente olhando. Aí na hora que ele chegou num lugar que podia pousar, pousou e aí veio, fechando tudo, eu falei assim: “Hoje está bom.” (risos)

P/1 - No mesmo dia da cobra?

R - Logo em seguida. Essa da cobra eu lembrei. Mas agora chega.

P/2 - Mais alguma coisa?

R - Não, acho que não.

P/2 - Que o senhor achou de ter participado do projeto memória?

R - Ah, eu espero que tenha cooperado, né, não sei, foi interessante, né, é sempre... Diz que vai ficando velho quando começa lembrar do passado e o passado volta com... Digamos, até que não estou me sentindo velho não, que eu não estou lembrando de muita coisa não (risos)

P/2 - Então muito obrigada pela sua participação.

R - Qualquer coisa vocês tem meu telefone se precisar, estou às ordens.

P/2 - Tá bem, muito obrigada.

P/1 - Muito obrigada.

R - Espero que corra tudo certo.

[Fim da Entrevista]