Museu da Pessoa

O vendedor de móveis

autoria: Museu da Pessoa personagem: Abrahão Joseph Epelboim

Memórias do Comércio da Cidade do Rio de Janeiro
Depoimento de Abrahão Joseph Epelboim
Entrevistado por Paula Ribeiro e Carlos Kessel
Rio de Janeiro, 08/07/2003
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: MCRJ_HV034
Transcrito por Eliana Almeida de Souza Rezende
Revisado por Luiza Gallo Favareto


P/1 – Boa noite Abrahão.

R – Boa noite.

P/1 – Gostaria de começar a entrevista pedindo que você nos forneça o seu nome completo, o local e sua data de nascimento, por favor.

R – Abrahão Joseph Epelboim, nascimento em 17/06/1935 na cidade do Rio de Janeiro.

P/1 – O nome dos seus pais, por favor.

R – (Fru? ou Saul Epelboim (Hana?) ou Ana Epelboim.

P/1 – E os avós, Abrahão? Você conheceu, lembra deles, sabe o nome deles?

R – Infelizmente não os conheci, porque sendo de origem israelita meus pais eram imigrantes fugitivos dos países de origem. Apenas tenho conhecimento dos nomes dos meus avós maternos e paternos. Por parte de pai (Avrun?) Epelboim e por parte de mãe (Israel Mortco Abulhak?), ambos de origem romena ou romaica.

P/1 – Tá jóia! Agora um pouco sobre os teus pais, você conhece a origem, quando eles vieram, de onde eles são?

R – Meus pais, se não há uma falha de memória, chegaram ao Brasil por volta de 1927, fugindo, como já havia dito, do país de origem.

P/1 – Que é qual? Qual é o país deles?

R – Papai nasceu numa aldeia que chamava-se Rotino, próximo a Bucareste, na condição regional de Bessarábia, e mamãe, também próximo a um lugar denominado (Britchon?), também sob domínio romeno e na chamada Bessarábia, que significa além da Arábia.

P/1 – Então conhece um pouco do processo migratório dos seus pais? Por quê que vieram para o Brasil e onde foram se estabelecer?

R – Papai, segundo narrativas do próprio, foi ao país – após vagar numa série infinita de países, como Suíça, Alemanha, França e outros mais países – só eram recebidos e tratados como turistas, nunca tiveram a acolhida do generoso povo brasileiro, onde fincaram o pé, trabalharam e criaram família. Haja visto, eu tinha uma irmã, atualmente falecida, e eu que continuo sendo membro da família Epelboim.

P/1 – Como era o nome de sua irmã, Abrahão?

R – (Rifka Epelboim?) ou traduzido, apesar de que nome não se traduz, aportuguesado Rosa... Rosa Epelboim.

P/1 – Então conta um pouquinho qual era... Teu pai veio morar onde? Veio morar no Rio? Que bairro ele foi morar?

R – Papai... Eles vieram morar no Rio por chamado de um tio meu, que na época chamava-se Carta de Chamado, do qual eu levo o nome em homenagem ao mesmo. Nós de origem judaica, sempre damos o nome a um novo membro em homenagem a um ente falecido. Joseph nada mais é do que um nome de origem russa José, que era o meu tio por parte de minha mãe que o chamou. Esse tio veio posteriormente a falecer por causas desconhecidas e não houve mais conhecimento nem de quando ele se ausentou do Brasil, refugiando-se em Montevidéu, na capital uruguaia e perdeu-se o contato total, porque a família de meus pais eram grandes e na Segunda Guerra Mundial toda a família foi dizimada tanto de parte de papai como de mamãe. É... Voltando à pergunta original, você pode me lembrar qual foi?

P/1 – Qual era o bairro que os seus pais foram se estabelecer?

R – Papai erradicou-se provisoriamente, papai e mamãe erradicou-se num bairro próximo ao Méier, chamado Todos os Santos, entre Méier e Engenho de Dentro. Morando praticamente de favor em, como diríamos hoje num termo de estudantes, em república. E naquele tempo, a colônia judaica quando chegava algum membro da mesma, as pessoas tinham o bom senso – coisa que não existe hoje – e a civilidade e o princípio de humanidade de hospedá-los gratuitamente até que conseguissem algum trabalho. Mediante esses conhecimentos todos, papai foi apresentado a determinados lojistas que por esse meu tio que abriu uma linha de crédito para o papai poder comprar alguma mercadoria e tornar-se mascate, ou seja, vendedor ambulante, atual camelô. Profissão de meu pai com muito esforço, muito sacrifício, que nós sabemos como conseguiu, graças a Deus pela acolhida do povo brasileiro, pela acolhida da índole brasileira, pelo sentimentalismo, de todos os princípios brasileiros do qual eu me orgulho por ser brasileiro também tornou-se a Pátria querida deles. E daí constituíram família: minha irmã, eu.

P/1 – Você nasceu nesse bairro, Abrahão?

R -

Nasci em Engenho de Dentro... Minha irmã também nasceu no Engenho de Dentro e mais tarde conseguiu comprar um terreno depois de morar em vários locais como inquilino e até como favorecido por favores dentro de amigos da colônia. Porque, se não me falha a memória, mas tinha certas agremiações que apoiavam os imigrantes e os ajudavam financeiramente em todas as suas necessidades familiares até a pessoa alcançar um trabalho, um sustento, uma maneira de sobreviver para sustentar a família. Papai fez de tudo na vida, vendeu panela, na época já rapazola, ajudei já menino – panela que naquele tempo chamava-se chaleira brasileira – era a fábrica de panelas em São Cristóvão, na Rua Figueira de Melo. Papai vendeu guarda-chuva, vendeu roupa, vendeu relógio, vendeu tudo. E um fato interessante que o papai sempre contou, numa das primeiras saídas dele para fazer uma tentativa de trabalho oferecendo alguma coisa ao povo, ele estava com uma laranja e queria um canivete para cortá-la e dirigiu-se à uma banca de sapateiro – coisa que hoje não tem – e pediu um cavanhaque. E o sapateiro não sabia o que ele queria... Cavanha… Ele queria um canivete para cortar a laranja, e começou a gozá-lo: “Gringo, safado, sem vergonha. Vem aqui para o Brasil, não sei o quê...”. E no fim, tornou-se amigo de papai e entendeu que papai gesticulou que o desejo dele era cortar a laranja, ele não queria cavanhaque, ele queria canivete. Por isso ele dirigiu-se ao sapateiro. Papai fez de tudo, isso aí é um detalhe que acredito que é um detalhe pessoal. Eu sou suspeito em opinar porque eu sou de origem israelita, mas acredito que ele cumpriu a missão dele de nos educar nos melhores colégios, nos dar uma formação muito boa em questão de princípios de moral, de religiosidade, de cidadania, amar a terra que nós nascemos da qual nós nos orgulhamos e também dentro dos princípios judaicos. Merece nota dez como pai, e minha mãe também merece nota de como mãe, porque sempre foi – vou usar um termo Yiddish Mama, uma mãe verdadeiramente judia.

P/1 – Agora eu queria que você contasse para a gente como são um pouco das suas lembranças do Bairro do Engenho de Dentro, na sua infância?

R – O Bairro do Engenho de Dentro sempre foi, e será... Até hoje eu conservo essa casa em função de ter feito uma promessa que eu honro muito e procuro cumprir com muito sacrifício até hoje a casa em que nós nascemos, e a mamãe ao fazer a passagem, eu a prometi que enquanto eu vivesse eu zelaria pela casa, porque à duras penas foi feita pelos meus pais de tijolo em tijolo, como se diz, primeiro um quartinho, depois outro quartinho e depois uma copa, porque não tinha cozinha, não tinha banheiro e isso foi feito durante décadas até se construir uma casa da qual nós nos orgulhamos por termos nascido, criado e vivido durante muito pouco tempo com meu pai. Porque meu pai faleceu em 1959, aos 53 anos. E eu continuei como filho, como varão dentro do princípio judaico eu assumi a responsabilidade da família.

P/1 – Como são as suas lembranças de infância? Moravam outras pessoas da comunidade judaica? Você tinha um pouco dessa vizinhança judaica?

R – O Engenho de Dentro sempre foi um bairro muito bem situado próximo ao Méier da qual a colônia judaica sempre teve uma posição de destaque depois de Madureira, que a colônia judaica, digamos assim maciça dentro da região central era Madureira, como na região da Leopoldina era Ramos, Olaria e Penha. Engenho de Dentro é um bairro intermediário entre, desculpa, em cata... Isto está sendo gravado?

P/1 – Não tem problema! A gente...

R – Desculpa também?

P/1 – Desculpa também! Está desculpado.

P/2 – Mas pode ser informal!

R – Estou me saindo bem?

P/1 – Está ótimo! Estou adorando!

R – Eu falo muito, heim?

P/1 – Mas pode deixar que a gente...

R – Posso florear à vontade?

P/2 – A gente corta...

P/1 – Não, a gente te corta.

R – É... O bairro de Engenho de Dentro, próximo ao Méier, era um bairro de predominância muito comercial, como é até hoje e...

P/1 – Você lembra desse comércio de lá?

R – Lembro.

P/1 – Depois você conta um pouquinho...

R – E também... Falando em comércio, nada poderia ser mais distante do que agregar comércio à colônia judaica. Comércio, naquela época, era dominado totalmente pela colônia judaica no Méier.

P/1 – Ah é?!

R – Família (Arcader?), Família (Palakimi?), da qual tínhamos uma Sinagoga na Rua Magalhães Couto, no Méier, próximo à Xavier da Cruz. Tínhamos um Colégio israelita onde eu estudei, chamava-se (Colégio Israelita Brasileiro Hainacubialik?), na Rua José Veríssimo, 36. Atualmente é um prédio... Foi extinto há muitos anos. Eu me lembro muito da (Lean Goldan?) e me lembro muito do homem que era muito ruim, era Diretor, que Deus o tenha... Me deu muito beliscão, doutor (Moisés Frideman?) que talvez, o nosso amigo (Carlos Kessel?) através da senhora mãe dele deve lembrar-se do doutor (Frideman?), (Moich Frideman?), era um precursor na época da cultura judaica no Rio. Esse colégio foi extinto por várias razões, depois transferiu-se para o centro israelita do Méier, na (Rua Lucidio Lago?), que tornou-se o chamado Grêmio do Méier, como havia também o (Grêmio Cabiras?) e outros clubes no Rio de Janeiro de origem judaica. Ao terminar o Ginásio eu fui para o Colégio Padrão da Zona Norte, é até hoje, chama-se Colégio Metropolitano. Estudei no Metropolitano, cursei Ginásio e Científico no Metropolitano para sair numa tentativa em Curso Superior na qual eu não tive condições de concluir por agruras de destino, de vida. Lembro-me bem que toquei violino muitos anos, como todo o membro de família israelita sempre se dedicava à instrumento musical. Papai tocava violino, minha irmã tocava piano e eu tocava violino.

P/1 – Pois é Abrahão, vamos fazer o seguinte, me conta um pouco às memórias da sua casa, na sua infância no Engenho de Dentro. Como era esse ambiente de música, esse ambiente um pouco das tradições judaicas, uma festa de Pessach, me conta um pouquinho disso?





R – Nós nunca fomos ortodoxos ao pé da letra, nem radicais, nunca fomos carolas, digamos assim, mas todas as festividades de origem judaica eram preservadas como Pessach, Yom Kippur, (irochachaná?) e outras... (píran?)e (sinrastorá). Não sei se falo os termos corretos, e por aí afora. Mamãe sempre foi Yiddish Mama como eu já frisei e tinha o prazer de receber quem nos visitava com (pletxalah?) que era um biscoitinhos feitos pela própria e (anguemass?)... (anguemass?) não deixa de ser uma compota que ela fazia que eu não posso me lembrar que eu vou começar a chorar... De jabuticaba, ameixa, ou de pêra. Isso era tradição (mitaglusteia?), (aglusteia?) quer dizer, um copo de chá. (Mistspléxala?), (petsxala?) são biscoitos. Isso tudo era feito pela mamãe e nós tínhamos o maior prazer em receber sempre visitas ou da colônia, ou não da colônia e no final tinha um recital, minha irmã tocando piano, eu tocando violino, e papai também tocando violino. Isso era a minha casa no dia-a-dia... Papai sempre procurou dar o melhor para a família, o melhor para os filhos. Mamã nunca soube sair para comprar nada, para pesquisar um sapato, ou um botão, ou uma roupa, uma camisa, ou uma anágua ou uma

combinação – vocês hoje não vão saber o que é isso, mas antigamente se usava combinação, anágua e outras coisas mais...

P/1 – Mas teu pai comprava para ela?

R – Papai fazia todas as compras, mamãe sempre teve graves problemas de saúde e depois da gestação da minha irmã papai criou a minha irmã até o meu nascimento... Minha irmã era cinco anos mais velha do que eu e em função da gravidade da doença da mamãe, papai saía de bicicleta para vender prestação e improvisou no guidão da bicicleta um banquinho onde ele colocava as mamadeiras e minha irmã, que saía junto com ele para bater de porta em porta para vende à prestação. Isso todo o bairro de Engenho de Dentro, quem está vivo recorda do Saul vendedor de prestação. Quando a mamãe se recuperou um pouco tornou-se grávida de mim. Moravam em uma avenida que eu não... Diz que eu não me lembro dessa época... O nome independentemente se é Abrahão – que

vem a ser Adolfo – tinha um vizinho de origem também israelita e uma família que se chamava Família Brás, era composta de três rapazes, um deles Adolfo e outro Júlio, e se não me falha a memória, o outro Jacó. E minha irmã era muito ligada à esse Adolfo. E quando a mamãe estava me esperando, então ela queria que a mamãe tivesse um menino e que o menino chamasse Adolfo. Então, em função disso eu sou Abrahão, como já disse, em memória ao meu avô paterno, mas traduzido - porque não se traduz nome - mas dá por metamorfose, dá-se Abrahão e Adolfo. Talvez até Adolfo em função de que ela queria tanto que fosse um homem e pelos laços de amizade com esse menino que era Adolfo. A nossa infância foi muito boa, eu praticava todos os esportes. Sempre morei em frente a um

colégio grande, chama-se Rio Grande do Sul, existente até hoje. Apesar de que hoje o nome é Colégio Londres... É Colégio Roma. No mesmo local, já disse a vocês que eu preservo a casa... Aliás a minha cachaça semanal, todo o

fim-de-semana eu vou ao Engenho de Dentro, procuro rever alguns amigos,

já se foram a maioria, mas a casa eu fiz até recente uma reforma e estou pretendendo alugá-la e estou cumprindo a promessa que eu fiz à minha mãe.

P/1 – Queria que você contasse um pouquinho as memórias do comércio nesse bairro, comércio no Méier, como você falou, um pouco do Engenho de Dentro, na sua infância.

R – O comércio no Méier era um comércio muito forte, do qual eu tinha conhecimento apenas por, digamos, estudar no Metropolitano, hoje é o Shopping do Méier e ainda existe o Colégio Metropolitano nos fundos do Shopping e tornou-se um bairro, como vocês bem sabem de destaque, um bairro residencial de Zona Norte. E o comércio era muito ativo, com várias lojas de expoente...

P/1 – Como quais?

R - Confeitarias, cinemas... Eu me lembro bem do Cinema Para Todos, que hoje parece-me uma Igreja Universal e na Rua Lucídio Lago concentrava-se o maior núcleo de comércio. Tinha as lojas de construção Américo Aires. Tinha a Colegial (lojas inexistentes), e outras mais que eu não me recordo. Muita joalheria que era típico da colônia judaica, muita loja de móveis também típica da colônia judaica, casa de roupas... Muitas. Mas não era uma frequência minha com experiência dirigida, dimensionada, pois eu não realizava compras, não fazia atividades de pesquisa comercial. Sabia porque eu estudava no Metropolitano, como todo o rapaz... Tinha a Casa Paris em frente à Ponte do Méier, famosíssima, tinha a Mademoiselle Modas e nós como todos os rapazes que tem ideia de jerico na cabeça ficávamos em frente à Ponte do Méier para ver as meninas subirem as escadarias que existe até hoje lá para a gente ver as perninhas delas. Aí ficávamos em frente, na loja da Casa Paris, tinha ali próximo ao (Colégio Leverge?), tinha o Colégio Dois de Dezembro do lado oposto ao Méier e tinha o Colégio na Rua Joaquim Méier, se não me falha a memória de origem religiosa, era

só do sexo feminino.

P/1 – Você falou em uma confeitaria... Você lembraria o nome?

R – Uma confeitaria muito famosa que eu não me lembro o nome. Não me recordo, ao lado do Cinema Para Todos.

P/1 – Não tem problema.

R – Era confeitaria, se eu não me engano, Parcial, não, não tenho lembrança, não tenho certeza do nome.

P/2 – Você soltava pipa, jogava bola?

R – Joguei bola, soltei pipa, aliás fui um vababundinho que não queria nada com Colégio, não queria nada com estudo. Esse colégio em frente a minha casa era um centro de atividades de toda a vizinhança periférica, ao redor. Era vôlei, era basquete, era bola, o bairro era tradicional em foguetórios, em balões em festas juninas nós éramos tradicionais dentro da cidade do Rio, e toda a comunidade participava, os carnavais... Famosos carnavais da Rua Doutor Bulhões, da Chave de Ouro no Bloco Vai Quem Quiser, do tempo em que na Quarta-feira de Cinzas saía o Bloco Especial, até que houve várias perseguições policiais e tomaram-se atitudes de quebra-quebra e outras coisas mais. Até que esse Bloco veio aos poucos se desfazendo e todos os residentes do bairro lembram-se...

P/1 – Que nome é o Bloco?

R - Desse tradicional Bloco é Vai Quem Quer ou Vai Se Quiser... Algo assim. A Chave de Ouro com o Bloco do Germano, eram aqueles bonecos grandões, altões. Isto tudo patrocinado por várias entidades da comunidade que eu prefiro não citar nomes.

P/2 – Comunidade judaica?

R – Não, mas eu não quero citar porque era... Bicheiro, Mirim, Guido, eu não quero nem mencionar nome. Os desfiles eram sempre acompanhados...

P/1 – Você participava?

R – Eu participava como expectador e dos ensaios...

P/1 – Ah!

R – Existe uma Escola de Samba que é tradicional no Engenho de Dentro que funciona até hoje que chama-se Escola Gurupu, Grupo Recreativo Escola de Samba Arranco, ainda tem até hoje...

P/2 – Do terceiro grupo, né?

R –É, é. Foi desclassificado...

P/2 – Foi desclassificado do Engenho de Dentro?

R – Tínhamos a Praça Rio Grande do Norte que reunia todas as atividades também numa praça pública...

P/1 – Você sabe sambar, Abrahão? Fala.

R – Eu não vou te dizer que sei, porque não sei e nunca fui muito entusiasmado, entusiasta à danças e outras coisas mais. Eu sempre fui muito, digamos assim, namorador e mulherengo e outras ocupações, nunca fui de...

P/1 – Mas você brincava o Carnaval?

R – Pouco. Eu gostava muito de ver, porque era costume na rua levar-se as cadeiras de casa, da varanda. Nós tínhamos uma... A casa está lá às ordens... Temos uma varanda com aqueles móveis que existiam de ferro, poltronas de ferro, com aquelas mesas de ferro toda trabalhada, então nós levávamos as cadeiras para a Rua Adolfo Bergamini, é a rua principal do Engenho de Dentro, onde as Escolas do bairro desfilavam. Então madrugada à dentro nós íamos apreciar: eu, papai, minha irmã e todas as famílias dali locais, residentes, víamos os desfiles das Escolas e das brincadeiras de rua – Carnaval que hoje não existe mais. Muito interessante...

P/1 – Abrahão, você falou dos móveis na casa, você sabe onde seus pais compravam móveis nessa época?

R – Olha, os móveis lá da casa eu os tenho, penso eu que os tenho guardado num depósito em São Paulo, onde um amigo meu (David Transportes?), uma sala colonial brasileira que eu preservo, eu penso que preservo, porque mamãe faleceu com a casa toda montada, já morava em Niterói, eu já tinha casado – eu casei-me em 1966 – e esses móveis eu mantive a casa durante quatro anos desocupado o apartamento que ela residia por não ter coragem de ir ao mesmo. Até o lustre da sala era colonial, com aqueles pingentes imitando velas lacrimejantes e esses móveis encontram-se... Penso eu que estejam ainda no depósito. Mas antes disso, nós tínhamos muito pouco móveis. Papai sempre foi um homem muito sacrificado, sem muito recursos, e tudo o que nós tínhamos era investido na família. Até que foi-se aos poucos refazendo a casa, reformando e dando alguma coisa de melhor conforto para a mamãe, como sempre disse à vocês, papai sempre honrou muito os princípios familiares. Tivemos carro – naquela época quase ninguém tinha - tínhamos telefone – que quase ninguém tinha. E na localidade, papai era apelidado como o gringo que salvava todo mundo, a vizinha que ia ter neném o carro do gringo que levava para a Assistência do Méier, o Fulano que caía no quintal o carro do gringo que levava para socorrer, e por aí afora...

P/1 – Mas seu pai conseguiu ter tudo isso como prestamista?



R – Como prestamista, um homem que tocava os sete instrumentos... Quando o negócio estava fraco, eu o ajudava, pegava uma maleta e saía para afinar piano. Consertava automóveis... Papai era o homem dos sete instrumentos. Fazia de tudo.

P/2 – E ele aprendeu isso ainda na Europa?

R – Aprendeu isso tudo na Europa, porque lá as escolas eram escolas profissionalizantes. O primeiro emprego do meu pai foi numa firma chamada (Sandsaürer?), na Suíça, com aqueles caminhões que aqui no Rio nós tínhamos um caminhão antigo do açúcar Pérola, até bem pouco tempo, eu soube que estava em exposição no Museu, que a transmissão era feita através de corrente como se fosse de bicicleta, com rodas maciças. Isso foi um dos primeiros empregos do meu pai. Meu pai fazia marcenaria, carpintaria, mecânica e outras coisas mais em função da capacidade dele, da inteligência. Tem até um fato muito interessante para falar para vocês, essa casa era conhecida como a casa do muro falso no Engenho de Dentro. Aí vocês vão perguntar por quê? Porque como o papai sempre teve carro e a casa tinha quatro colunas na frente, na entrada, com uma árvore chamada Fícus, não sei se vocês sabem o que é? E entre as colunas existiam uns caibros de ligação... Isso aqui é a coluna e aqui tinha uns caibros de ligação, e um portão central que era o portão de entrada dos transeuntes, dos pedestres e não tinha lugar para guardar o carro. E papai não queria mexer, não era possível mexer nessas tais colunas em função da documentação oficial da casa para não mexer na fachada ou na frente da casa. Então o que ele fez? Um caminhão vindo trazendo material, ele mandou esse caminhão derrubar uma coluna. E derrubou essa coluna e criou uma coluna totalmente em madeira revestida de folha de zinco e fez uma mistura que até hoje ninguém conseguiu saber o que seja, mas eu ajudei a peneirar algo que se chamava cimento armado e ele colocou uma pasta com cola, não sei o que ele inventou, porque isso durou anos à fio e essa coluna abria-se para fora, evidentemente, ocupava um ângulo de torção até coincidir com o muro do vizinho e dava acesso para o carro. E a Revista Cruzeiro, na época, fotografou essa casa. Porque ela tornou-se famosa, todo mundo que passava via o carro lá dentro e dizia: “Que burrice! O cara fez o muro e não tirou o carro!” (Risos)

P/1 – Ah entendi!

R – Porque esse muro abria, ele criou dobradiças de, como era? Uma extensão muito grande e esse portão, digamos assim, portão tornou-se pesado, ele criou dobradiças de feixe de mola de caminhão. Uma parte abria para fora e outra abria para dentro. Isso durou até nós mudarmos ao... Quando eu casei em 1966, aí o material começou a deteriorar, a chapa apodrecer e outras coisas mais, e então eliminou-se esse portão.

P/2 – Você tem essa revista?

R – Não. O cupim... Tinha um quarto e nós tínhamos uma estante da Cacique Móveis, uma das fábricas importantes no Rio, era na Rua Dona Romana Lins de Vasconcelos, proprietário era o senhor (Ivaldo Shubak?), um alemão que morreu agora recentemente, e eles tinham uma mata própria em Linhares...

P/2 – Espírito Santo.

R – No Espírito Santo. E tinha outra mata enorme em São Mateus, também Espírito Santo.

P/1 – Interessante.

R – Então, isso está sendo muito bom, essa entrevista, porque eu estou puxando muito pela memória e estou me recordando de coisas muito boas, principalmente dos meus pais e da minha família.

P/1 – Agora eu queria te perguntar o seguinte, Quando você sai do Méier já havia o Shopping Center do Méier?

R – Quando eu saí do Metropolitano...

P/1 – Você lembra disso?

R – Não. Eu saí do Metropolitano logo uns dois ou três anos após as instalações... O terreno por ser um terreno grande e muito bem localizado na Vieira da Cruz foi vendido e foi erguido o Shopping Center, e o Colégio Metropolitano ocupa, onde ocupava anteriormente a Praça toda de Esportes, na parte posterior do Shopping, dando para a Rua Lopes da Cruz, que antigamente ia da Dias da Cruz para a Lopes da Cruz. Hoje ele ocupa a grande área na Rua Lopes da Cruz e recentemente comemorou setenta anos de existência.

P/1 – Você foi? Teve comemoração ou alguma coisa?

R – Não. não, não. Não fui, mas vi... Como é que se chama?

P/1 – Vídeo?

P/2 – Outdoor...

R – Outdoor. Inclusive na Rua 24 de Maio existe ainda um Outdoor pela comemoração de setenta anos do Colégio Metropolitano.

P/1 – Você saiu que ano? Em que ano você sai dessa área da cidade? Que ano você saiu? Sessenta e...

R – Saí do engenho de Dentro?

P/1 – É.

R – Saí do engenho de Dentro, casei-me em 1966, saí do Engenho de Dentro... Mamãe foi para Niterói em 1966, quando casei. O engenho de Dentro me traz grandes recordações pelas amizades, pela convivência que eu tinha... O Engenho de Dentro sempre foi comércio muito apagado, muito fraco, quase que inexpressivo, digamos assim, como hoje também o é, pior ainda. E tínhamos de destaque algumas pessoas no ramo moveleiro como o seu (Leigo Arcader?), que é avô de um grande expoente na área médica, chama-se doutor (Jacob Arcader?), ex-diretor do Hospital Israelita do Rio de Janeiro. Tínhamos outros, tínhamos uma fábrica de móveis chamava-se Tocantins, em frente à Estação Engenho de Dentro, tinha uma fábrica de móveis também, chamava-se Invicta – também todas dirigidas por pessoas da colônia. Inclusive essa Tocantins era dirigida, por um hoje membro da família da cadeia de lojas... Ih esqueci. Essa grande aí de móveis, dá um encarte no Globo aos Domingos, Toque a Campainha!

P/2 – Toque a Campainha.

R – Da (Família Uderman?). Era (Bernardo Chingris?) e (Raul Uderman?), Fábrica de Móveis Tocantins.

P/1 – Aonde?

R – Na Estação... Em frente à Estação Engenho de Dentro. Tinha Fábrica de Móveis Aimorés, especializada em móveis chipandelle, também na Avenida Mário Cavalcante próximo à uma padaria tradicional que chamava-se Príncipe da Beira. Tínhamos uma loja de móveis do seu (Davi Waisman?) e tínhamos uma outra em frente que chamava-se, do seu Pinho – não me lembro o sobrenome. Tínhamos a loja de guarda-chuva do seu (Scourique?), (Isaac Scourique?), tínhamos uma relojoaria pequena que eu não me lembro o nome, uma relojoaria de destaque chamava-se Relojoaria Nova York, em frente a Estação junto ao Café famoso também, Sul de Minas.

P/1 – Mas isso no Méier?

R – Engenho de Dentro.

P/1 – Engenho de Dentro? Puxa, então tinha comércio.

R – Muito inexpressivo, muito inexpressivo. Tinha fábricas em função de que tinha um parque muito grande que é tradicional Oficina Ferroviária do Engenho de Dentro, hoje é o Museu Ferroviário.

P/1 – Que bacana!

R – Em frente à Estação... E esse bairro me traz grandes recordações pelas minhas amizades, por tudo, pela minha casa, pela nossa criação... Eu tinha bicicleta, da qual eu tenho ela até hoje, é uma bicicleta Phillips de quadro duplo guardada no quarto dos fundos dessa casa, guardada com várias coisas do meu falecido pai, do tempo de oficina. Meu pai teve também é... Militando em oficina mecânica, papai sempre se dedicou à várias atividades, como eu já frisei. E mamãe sempre dedicada a ocupações domésticas, como excelente dona-de-casa, não somente de origem judaica, mas de um modo geral… Passamos muitas privações na nossa educação, passamos muitas privações no nosso modus vivendi, mas só temos orgulho pelos pais que tivemos.



P/1 – Você então acaba o Colégio Metropolitano e vai trabalhar, vai entrar numa Faculdade, como a tua vida encaminha?

R – Encaminha que eu fiz um curso num vestibular, passei, e depois não pude continuar em função de que eu fiquei doente, eu contraí uma doença infecto-contagiosa, que eu prefiro omitir e o tratamento durou alguns anos... O papai despendeu o que tinha e o que não tinha para época para eu sobreviver, graças à Deus eu sobrevivi e depois papai veio à falecer por várias tentativas de tratamento. Infelizmente na época não... Um quadro não definido, mas acredito eu que já era doença maligna e aos 53 anos veio a falecer e eu toquei a vida. Papai na época também tinha uma grande clientela, até fora do Rio, Siderúrgica em Volta Redonda e na Baixada, na Presidente Dutra, nos postos de gasolina e tudo. Eu peguei o carrinho dele, um Fordinho 1937, que eu mantive até há alguns anos atrás, esse carro ficou na minha garagem onde eu resido hoje, e sempre achincalhado e sempre advertido pelos outros condôminos e tal, guardado... Eu tive que vendê-lo.... Doei até para o Museu do Automóvel em Brasília.

P/1 – Como é que eram essas memórias de você dando continuidade ao trabalho do seu pai? Qual era a mercadoria que ele negociava...

R – Eu passei a negociar com tudo. Relógio, roupa, o que o cliente pedia... Um Shopping, tem tudo. A gente comprava e revendia e pagava no cartão, um cartãozinho que se chamava um cartão... A gente ia receber, o cara dava dois mil réis naquele tempo por semana, a gente dava baixa no cartão, pagamento semanal. Mas vamos lá, isso depois de algum tempo, eu já vim trabalhar na Tonelux...

P/1 – Que ano foi isso, Abrahão? Pra gente poder...

R – Eu não me recordo...

P/1 – Mas a década, diz?

R – Papai vivo ainda eu vim trabalhar no Catete na loja que chamava-se Móveis de Ferro Batido Leão, de propriedade de seu (Aron Judah Rosental?), (Aron Yudah?) em hebraico não seria Judá seria (Yudah Rosental?), por isso o nome Leão que não tem nada haver, mas Aron ________ como ele chamava ___________ ser Leão, então ele botou o nome de Leão que era, digamos hoje uma subsidiária ou revendedora da Fábrica de Móveis Tarzan, localizada no Engenho Novo, na (Rua Sousa Barros?), inclusive que vem a ser contraparente desse que eu citei há pouco do seu... Como é que eu falei?

P/1 – Arcadade...

R – Não, não, não! Parente desse pessoal da ___________________.

P/1 – Uri...

R – (Uderman?)!

P/1 e P/2 – (Uderman?).



R – Dono da fábrica de móveis.

P/1 – Qual era o endereço? Na Rua do Catete, qual era o número, você lembra?

R – Onde hoje é Caixa Econômica Federal. Se não me falha a memória, 134. Não! 132... 132.

P/1 – E o que se vendia de móveis nessa época, como é que era o comércio de móveis nessa época? Você está falando década de sessenta, é isso?

R – Antes.

P/1 – Década de 1950?

R – É década de 1950 e pouco... O forte no Rio de Janeiro em móveis, a Meca dos móveis era a Rua do Catete. Todos vinham de todos os pontos do Brasil para comprar móveis no Catete. Ninguém pensava em móveis sem aliar a Rua do Catete ao produto. Nós tínhamos casas como a Bela Aurora Móveis, nós tínhamos casas como a Nova Era Móveis, nós tínhamos casas como a Brasileira do Catete, tínhamos casas como a Renascence e outras mais.

Dentro dessas minhas citações encontram-se as de maiores destaque, não menosprezando as menores.

P/1 – E como eram esses móveis? Era madeira... O que era um mobiliário moderno nessa época?

R – A grande predominância na época eram móveis de estilo...

P /1 – O que era?

R - Ninguém pensava em móveis modernos. Era estilo Luiz XV, Luiz XVI, Luiz Felipe, estofados em veludo, em capitonê, em franjas, em detalhes cheios de... Como que eu diria o termo?

Cheio de apetrechos, cheio de guere-guere e outras coisas mais… Muita “frescura” Frescura entre aspas, né? Não é frescura, não querendo dignificar nada do ramo. Frescura com relação à detalhes, pompas, pompons e não sei mais o quê... Capitonado – móvel capitonado é aquele tradicional botãozinho com casa de marimbondo. Estilo Luiz Filipe, estilo chipandelle, estilo Luiz XVI. Isso faz me lembrar muito, como você indagou o mobiliário da minha casa, o mobiliário da minha casa foi adquirido numa das maiores fábricas do Rio na época para o colonial brasileiro, a fábrica chamava-se F. Nunes e Gonzalez, em Bonsucesso na Avenida Itaóca. Papai comprou esses móveis em função de ser prestamista, e como ele vendia móveis também, então ele arranjou com um dos sócios que era espanhol uma modalidade grande de pagamento, então ele comprou... Porque isso na época era a coqueluche do momento, os móveis coloniais.

P/1 – Mas um prestamista vendia móvel como? Ele, por exemplo, tinha um catálogozinho? Como que ele oferecia o mobiliário para o cliente?

R – Não, não tinha nada disso. O catálogo era lábia, conversa, ir na loja do Seu Salomão à mando do Seu Saul, que vai o Seu João. Aí chegava lá, olhava os móveis, via... O Seu Salomão mostrava tudo, tomava nota, depois Saul ia lá e sabia...

P/1 – E ganhava a comissão?

R – Não senhora. Sabia que o Seu João viu e mediante o que o Seu João viu vai entrar a lábia do vendedor para convencer o Seu João à adquirir aquele móvel. Então o Seu Saul comprava os móveis e revendia para o Seu João...

P/1 – Entendi.

R – Isso era a tática do prestamista em várias lojas. Papai fazia terno também, tinha o alfaiate, ele vendia o corte de casimira, ele ia na Rua Tomé de Sousa, próxima à Rua da Alfândega, próxima à Rua Senhor dos Passos e tinha um atacadista de tecidos – que naquela época os tecidos eram todos importados, só se pensava em tecido brasileiro da famosa Fábrica Aurora, que era a detentora da melhor casimira, que chamava-se Casimira Aurora – então o papai tinha um mostruário dos tecidos, levava à sua casa, você escolhia o tecido, ele marcava na cartela qual era o tecido e já avisava lá o dono da loja de tecido, do Seu Moisés que o Seu João ia lá comprar o tal tecido... Ou se não, papai ia lá, já sabia qual era a medida que o alfaiate – na época era um senhor português, Seu Pereira que fazia as roupas para a clientela do papai e de outros prestamistas – então comprava a quantidade de tecidos e revendia.

P/1 – Entendi.

R – E vendia à prestaturras, ou seja, à prestação.

P/1 – Abrahão, voltando então ao Bairro do Catete. Vamos então falar do Bairro do Catete.

R – Essa agora já está cheia de mim!

P/1 – Não!

P/2 – Não, eu estou achando interessante esse jeito aí de vender coisa que não dá para carregar.

R – Panelas ele carregava. A gente pendurava no lombo, no costado. Papai sempre teve carro, então carregar... Botava no carro e levava. Papai, eu esqueci de dizer, teve motas... Meu pai teve muita mota, teve uma mota que chamava (Mota Com Sai de Cá?), vocês não sabem nem o que é isso.

P/2 – Eu sei!

R – É aquele barquinho do lado...

P/2 – Isso.

R – E o papai tinha uma DKW, era da polícia não sei aí de que país, ele arrematou num leilão lá do Banco do Brasil com os conhecimentos dele, que essa mota na época tinha até marcha-ré, porque as motas não tinham tinham marcha-ré, como hoje também não tem. E tinha arranco. Naquele tempo já tinha arranque, não era (quiqui?).

P/2 – Sei.

R – A primeira moto que papai teve chamava-se (Saxi-Motor?). Era uma moto tipo dessa aqui que lançaram aí, Gulliver, você pedalava para depois ela pegar.

P/2 – Sei.

R – Saxi. Depois o papai teve uma DKW, depois chamou-se DKW... Não era nada de DKW Auto-Union.

P/2 – Fez depois a (Demagueti?)?

R – Depois papai teve uma moto que chamava-se Royal Enfield.

P/2 – Nossa, então ele gostava muito de moto.

R – De mota... E depois teve essa grandona, e foi acidentado, foi atropelado andando e vendendo lá em Realengo, Bangu, não sei o quê... O caminhão deu uma cipoada... Ele se arrebentou todo, mas não deixou de andar de moto. Depois tinha carro. Nós tivemos um Fordinho, chamava-se Ford Baby, baby porque era pequetitinho...

P/1 – Mas agora vamos lá... Vamos voltar então... Você diz que vai trabalhar numa loja de móveis, mas falou também na Tonelux...

R – Eu, depois que saí dessa loja que houve um problema que eu prefiro não mencionar... Uma falta de critério dessa pessoa que eu citei, dono que não fez um acerto normal e correto comigo... Papai interferiu e houve até uma desavença pessoal que papai queria partir para uma atitude mais enérgica, mas os vizinhos lá contiveram os ânimos e tal, e eu saí.

P/1 – E o que era a Tonelux nessa época?

R – E depois, muito tempo depois... Eu não me recordo bem se foi muito tempo depois ou foi algum tempo depois... Não me recordo. Essa transição realmente eu não me lembro. Eu depois fui trabalhar na Tonelux Eletrodomésticos. É a loja que hoje é ocupada pela (Telerio?), na Rua Senador Dantas. Essa loja vendia de tudo. Era como se fosse hoje um Magazan.

P/1 – O que era tudo?

R – Tudo... Eletrodomésticos, lavadoras. Eu comecei numa sessão que tinha lavadora, não era Brastemp. Tinha uma lavadora, não me recordo o nome, tínhamos geladeira da Frigidaire, era fabricada pela General Motors, uma concessão da Chevrolet do Brasil, tínhamos geladeira Philco, Crosley, (Chelvator?) e por aí afora. Rádios, pilhas... A pior sessão para se começar era a sessão de pilha, para todo mundo que te... Pilha e saber o que é bom e botavam na sessão de pilha para você começar. E você mesmo fazia, você tinha que chegar cedo, trabalhar de gravata, fazer a limpeza da sua sessão. Era

uma

firma super, super, super organizada. Vendíamos fogões, vendíamos enceradeiras Epel, Lustrene - que não existe mais no mercado...

P/1 – Memória boa, hein?

R - Vendia, mas não está boa não porque eu queria me lembrar o nome das máquinas, mas eu esqueci. Máquinas de lavar...

P/1 – Como é que era a propaganda da Tonelux.

R – Tonelux era feita a propaganda através da Neide Aparecida...

P/1 – Conta como é que era.

R – “Tonelux! Tonelux! A mais bonita loja da cidade!” Esse era o jingle da Tonelux. Era uma firma super organizada e não sabemos porque cargas d’água, ou quais são realmente os motivos nem... Não é nossa área saber de determinadas particularidades que essa firma foi extinta.

P/1 – Você trabalhou quantos anos lá?

R – Eu não cheguei a trabalhar anos, trabalhei um ano.

P/1 – E aí você voltou...

R – E aí voltei para o Catete...

P/1 – Para que loja?

R – À chamado de uma pessoa que na época era vizinha dessa firma Móveis de Ferro Batido Leão, era o Seu (Périts Zerzer?) que vêm a ser por afinidades distantes... Nós o chamamos de (Xisbrider?), quer dizer, irmão de navio, que vêm a ser tio entre aspas, porque não tem nada de sangue. É o Seu... É o falecido Seu (Périts Zerzer?), Casa Aron, Rua do Catete, 132. Colado a esse que eu saí por questões de divergências salariais.

P/2 – O irmão de navio é a pessoa que veio com seu pai da Europa?

R – Exatamente.

P/2 – No mesmo navio...

R – É, é. (Xisbrider?)

P/1 – Os imigrantes. E que ano você foi trabalhar nessa Casa Aron?

R – Eu não me lembro, tenho que consultar a carteira. É... Eu trabalhei nessa casa, inclusive muitos anos, e entrei como simples vendedor e depois pelo desenvolvimento na casa, uma casa muito modesta, muito humilde, muito simples... Ele foi colchoeiro muitos anos – naquele tempo se trabalhava muito com colchões de crina, colchões de capim e os panos eram famosos, panos damasquinho, damasco e outros referenciais que eu não me lembro. Zebra, listras... Eu, modéstia à parte, desenvolvi um trabalho muito bom, muito correto ao passo de que os próprios filhos sempre, como até hoje, seu... um dos que eu posso citar Seu Naum, que é o dono da Mobiliária Real, que vêm a ser praticamente contra-parente meu. O desenvolvimento da empresa, da firma, foi tão boa para a época que eu fiz uma guinada depois de alguns anos e introduzi uma linha diferente, como armários da Móveis Suero, como armários - não me - lembro mais os nomes - móveis de beliche para quartos de empregada e armários para quarto de empregada. Beliche da Fábrica Cacique, que eu citei antes na Rua Dona Romana, do senhor (Evaldo Chubak?). Fábrica de Móveis Valéria que eu comecei a botar os armários também, e Camas Dragoflex que era dominante no mercado de estofados, Indústrias Drago em Benfica. E tinha cama de quarto de empregada, aquelas camas dobráveis, chamavam-se Camas Dragoflex, que hoje é tido como cama de campanha, aquelas de ferro com molas, camas lonadas. Eu botei uma linha total diferente de armários, de camas e de produtos mesclando com a tradição dele que eram colchões e guarda-comida com tela de aramezinho cruzado na frente, com uma gavetinha para guardar talheres e o que me lembra muito que ele tinha um gato que chamava-se Marinheiro, um gato preto que ficava sentado em cima de um armário na porta de entrada. Eu trabalhei muitos anos lá. Lá eu conheci minha atual esposa, lá não, através de um trote dado por lá conheci minha atual esposa.

P/1 – Como é o nome dela?

R – Alice, que eu prezo, que eu amo, que eu idolatro, que é a minha companheira, minha mãe, a mãe dos meus filhos, a minha santa e quem eu não dispenso um segundo sequer na vida e casaria hoje com a mesma mulher tantas vezes quantas forem necessárias.

P/1 – Bacana!

R – Há 37 anos que eu sou casado e feliz. Eu casaria 37 anos com a mesma mulher... 37 vezes com a mesma mulher! Seu Perez sempre me deu a maior força, amava minha mulher, acompanhou o nascimento do meu primeiro filho, Jaime, frequentava minha casa... Infelizmente também já fez a passagem. Um homem muito bom, trabalhei muitos anos com ele, se não me falha a memória, até sessenta... Eu casei em 66, parece-me que eu entrei em 1959 ou 1960 e trabalhei até... Não me recordo, tenho que ver na carteira, acho que até 1969... Já casado, morando em Copacabana, já sendo pai e nessa loja realmente uma grande experiência que eu adquiri, que eu não citei para vocês foi o meu tempo de viajante na Mesbla, foi o melhor Colégio que eu tive na minha vida. Mesbla S.A que eu tenho de ser o meu primeiro emprego constando em carteira assinada pelo falecido doutor Hélio Beltrão, foi Ministro, se não me falha a memória...

P/2 – De desburocratização...

R – Desburocratização. Uma pessoa fora de série em todos os princípios...

P/1 – O que ele era da Mesbla?

R – Ele era Diretor Geral do Departamento Pessoal. Ele e o doutor Romário, que era um Delegado, não sei se já aposentado exercendo profissões. Era digamos assim, uma pessoa de cor, mas fabuloso em todos os princípios educativos, morais... Eu cito de cor, porque era difícil naquele tempo ocupar um cargo de destaque como o doutor Romário tinha. Era o assessor do doutor Hélio Beltrão, que era um dos Diretores da Mesbla, não sei me referir certo se era o Diretor Pessoal, sei que quem me entrevistou…
Eu fiz um curso na Mesbla, esse curso teve um período de 64 dias de adaptabilidade, eu nunca tinha trabalhado, aliás foi meu primeiro emprego, meu pai ainda era vivo. E eu não sabia de nada na vida, o que custava, o que não custava, o que era, o que não era... E fui trabalhar após a aprovação, fiz um estágio aqui, a Matriz era Rio no prédio e eu era subordinado ao departamento entre o nono e o décimo andar, nós cognominávamos a Ponte de Waterloo, era o DEV e o DEVI. DEV é uma sigla de Departamento de Escritório de Venda, DEVI é a sigla de Departamento de Venda Interior. Eu era subordinado a esses dois departamentos, não é preciso dizer à vocês que vendia de uma agulha a um avião. Era o slogan da Mesbla.

P/1 – Ah, era o slogan.

R – É, desde uma agulha a um avião. E realmente foi a melhor escola que eu tive na minha vida em todos os setores. Em tudo, tudo, tudo que eu conheci, que aprendi, vivi, convivi com dinheiro, passando fome, porque nós vendíamos, cobrávamos e eu quebrei várias vezes o carro e fiquei preso em pirambeiras, em rios, em cidades sem comunicação, tipo Virgínha – não confundir com Varginha, porque Varginha é cidade grande. Virginha é lugarejo, é entre Itanhandu e Itamonte. E aprendi muito, como disse à vocês, e tive um grande chefe que chamava-se Camilo Gramani. Fui trabalhar no interior, fazendo todo o Sul de Minas.

P/1 – Vendendo e cobrando?

R – Vendendo e nós vendíamos e cobrávamos...

P/1 – De lojistas?

R – Somente no atacado. Tinha todas as sessões ao meu encargo e de novo, e isso antes do Seu (Zetserem?), bem antes. De novo... Realmente com meu esforço as condições...

P/1 – Mas que mercadoria era? Só para exemplificar um pouco...

R – Pois é, nós trabalhávamos com todos os setores. Eu trabalhava com peça, rolamentos e freios, eu trabalhava com a linha Chrysler, a linha

Chrysler era uma firma de automóveis, é uma firma de automóveis que abrangia Dodge, (Desoto e Paymot?). Eu trabalhava com a linha da Cadillac, Buick e LaSalle.

Trabalhava com a linha toda de importados. Eu trabalhava com a linha Ford, Mercury e Lincoln. Isso tudo eram produtos automobilísticos. Eu trabalhava com a sessão bateria, rolamento e freios, eu trabalhava com montagem de pós-serviço da Wainer do Brasil, eu trabalhava com a sessão agrícola que nós vendíamos desde arados até tratores, bico de arado Jaguar Dynamic, tratores (Alcharlamer?), e Oliver e outros mais.



P/1 – Quer dizer, a Mesbla vendia esses produtos para essa...

P/2 – Ela importava...

P/1 – Ela importava e vendia para essas...

R – A Mesbla era uma das maiores importadoras do Brasil. E o meu maior concorrente era de São Paulo, chamava-se Dias Garcia, quando eu chegava numa cidade, se o Dias Garcia passava antes eu ficava chupando o dedo, mas se eu passasse antes ele ficava chupando o dedo, era nossos concorrentes máximos, eram expoentes máximos de atacado no Brasil. Mesbla não tinha filiais. Nós tínhamos escritórios de vendas espalhados em todo o Brasil. Eu era cediado em Itajubá. Itajubá é uma das cidades grandes do Sul de Minas, onde tem uma grande Faculdade, diga-se de passagem, é uma Faculdade de Engenharia, se não me falha a memória, Eletrotécnica... Acho que é Eletrotécnica. E trabalhei na Mesbla, me distingui, modéstia à parte tive uma posição de destaque, cheguei à Supervisor Geral de Zona. Zona no caso é Região, e por aí afora.

P/1 – Eu queria voltar...

R – Voltando ao Catete...

P/1 – É, então vamos voltar... Quando é que você entra na Icaraí Móveis? Qual é o endereço da loja de Icaraí Móveis?

R – Eu entro na Icaraí Móveis ao sair do Seu (Zedezer?), por questões de despejo no imóvel ele terminou com as atividades por ser um homem enfartado, os filhos tinham outra ocupação, donos da Mobiliária Real, um deles ainda é o detentor da Empresa, mas na época a Mobiliária Real era uma Empresa de destaque no ramo moveleiro no Rio de Janeiro, do falecido senhor José Feldman.

P/1 – Ah?!

R – José Feldman não, espera aí, Feldman é médico. Apaga isso aí. Não era José Feldman, não. Daqui há pouco eu vou me lembrar. (José Benifeld?).

P/2 – Benifeld...

R – Muito bem. José Feldman... (risos) Deus me livre, Deus me livre. Resumo, daí eu saí para trabalhar no Parque de Móveis Laquê à convite do Seu (Beret Volt Fuss?). Rua do Catete, 136.

P/1 – Esse ramo todo assim... Tem uma presença judaica muito forte, né?

R – Todo o Catete... 99,9% do ramo moveleiro no Catete era de origem israelita.

P/2 – Mas interessante que também no subúrbio tinha muito judeu.

R – Predominava todo o ramo moveleiro, como determinadas atividades de, digamos assim, de armazém, hoje em dia não tem botequim, porque hoje estão fazendo essa enquête para determinar os melhores botequins da cidade, que no caso então o sinônimo é o bar, mas o negócio é botequim mesmo. Era a predominância da colônia lusitana. A colônia moveleira era dominada por israelitas.

P/2 – Por quê? Você tem alguma ideia de porquê os judeus acabaram se estabelecendo...

P/1 – É um ramo trazido da Europa ou é um ramo novo que se constitui no Brasil?

R – Eu acredito que seja por razões... Digamos assim, eu vou levar até para um terreno de brincadeira, eu quero que vocês desculpem... Por razões como todo judeu inteligente, meteu-se o Moisés numa loja, ficou lá, deu-se bem... O Salamon foi atrás, o Saul foi atrás e por aí afora. E quando foi ver tinha mais judeu no ramo do que a propriamente a loja. Só tinha judeu. Eu não acredito que tenha outra vinculação a não ser essa. Como também se dedicou muito fortemente ao ramo industrial moveleiro, diga-se de passagem, não só o ramo comercial, mas também dentro do quadro industrial. A maioria das fábricas de móveis era de origem israelita, como, Maracanã era do (Klein?), essa que eu já citei era da (Uderman e Chigre?) e outro grupo, a Aimoré também era de judeu, e (Móveis Histoliar?) era judeu, (Móveis Brunsport?), Móveis Botija judeu, e por aí afora. O único que realmente eu conheci que não era judeu, nós tínhamos esse atual móveis (armeios) circular, Móveis Tocantins, que é o Móveis Cacique que eu já falei, (Oswaldo Shubak?), alemão, e... (Sueiro?), que por incrível que pareça é de origem lusitana, mas o nome dele era (Abrahão Sueiro?), eu acredito até que seja do novo cristão, e por aí afora. Mas as grandes fábricas (Canhon?), já falei né?

P/1 – Já.

R – Brunsport, Botija, Tocantins, Aimoré...

P/1 – Essas fábricas estavam em que bairro da cidade?

R – Ah, o bairro... Não tinha um bairro...

P/1 – Não tinha um bairro dessa fabricação?

R – O famoso (Móveis Lomasinski?), Lomasinski, não precisa dizer mais nada. Tradicional dentro das classes altas de elite do Rio tudo era Lomasinski. Lomasinski era um quarteirão em São Cristóvão. Trabalhei com cama patente, vocês nem sabem o é que é isso! ____________ S.A, São Paulo cama patente faixa azul, no (Seu Pedts?). Eu introduzi a cama patente. Trabalhei com... Eu forneci móveis para o falecido doutor Carlos Lacerda, eu forneci móveis para a dona Letícia, esposa dele quando ele construiu o famoso e histórico triplex na Praia do Flamengo que deu uma zorra total aqui na administração pública do Rio.

P/1 – Então conta qual foi o móvel que o Lacerda comprava.

R – Comprou armários de empregada, comprou camas beliche. Eu montei a parte desse triplex, era a parte superior, evidentemente, do apartamento para acomodação dos serviçais. Como vendi também para Janete Clair, na Ladeira, na Lagoa... Como é que chama? Quem vai para a Ladeira do Sacopã... Agora esqueci. Ladeira que não tem saída, do falecido Dias Gomes e da Janete Clair. Dias Gomes, o famoso dramaturgo, escritor. Janete Clair, a escritora, a novelista e uma série de pessoas.

P/1 – Como é que era? Vocês desenhavam móveis? Faziam por encomenda? Os móveis eram de madeira, era de ferro? Como é que era isso?

R – A loja... Não. Essa firma de ferro eu já mencionei...

P/1 – Sei, mas... Saiu de linha.

R – Não, saiu da rotina, porque eu não me dediquei mais a essa linha... Depois eu fui trabalhar com móveis de pinho. No seu Perez que era quarto de empregada, armário de guarda-comida com tela, sem tela e fui especializando a loja e melhorando o padrão da loja apesar de que a loja é… Quando chovia você não tinha onde se guardar, porque tinha goteira para tudo que é lado, um prédio muito velho, que depois como eu já disse foi despejado, fizeram uma obra de reestruturação. É de um grupo famosíssimo e fortíssimo, é uma das maiores pessoas da sociedade brasileira, chama (Maria Teresa Fontes Willians?), viúva do embaixador dos Estados Unidos John Williams. Ela está sempre nas colunas sociais... Esse prédio a Caixa Econômica adquiriu, reformou e funciona hoje a Caixa Econômica, no 132 e 134.

P/1 – Mas assim, como é que foi o modismo do móvel. Quer dizer, me interessa essa coisa do ramo... Qual foi a moda na década de 1970, 1980?

R – Ô dona Paula, o ramo era muito diversificado em relação às lojas. Porque as categorias das lojas não eram especificamente com vários itens de especialidades. Uma se dedicava à colchões, àquela se dedicava à armários, uma outra se dedicava à camas. Não tínhamos a diversificação que hoje você entra numa loja e existe vários padrões e critérios a serem seguidos. Você é uma loja - digamos essa loja que eu citei - era uma loja simples, de pequeno porte, uma loja humilde, mas quem queria colchão ia na loja do Seu Perez, quem queria colchão de crina, loja do seu Perez, quem queria colchão para quarto de empregada, a loja do seu Perez, e outras colchoarias que tinha no Catete, do seu Aníbal Rabelo, que não era de origem judaica, não precisa nem citar, o nome já diz... Aníbal Rabelo também era uma colchoaria famosa.

P/1 – Quer dizer, a Rua do Catete tinha as lojas de móveis, depois as colchoarias, você tinha esses outros produtos ligados ao móvel...

R – As principais lojas de móveis do Rio, como eu já mencionei várias sem querer omitir outras, nem tão pouco desmerecê-las, eu citei as lojas de expoente...

P/1 – Não... Entendi...

R – Agora, eram lojas... A Bela Aurora era uma loja que ocupava da Rua do Catete à Rua Pedro Américo. Ia por trás do Distrito onde existe hoje a revendedora Honda, na Rua Pedro Américo. Na época tudo pertencia à Bela Aurora. A Bela Aurora começava na Rua do Catete e atravessava a Rua do Catete, e ia sair na Rua Pedro Américo. Até hoje tem o estacionamento ao lado da loja de motos. Aquilo tudo era a Bela Aurora... A Bela Aurora não tinha... Você entrava para comprar na Bela Aurora você comprava carpete, cortina, tapete, móveis, bando de cortina, passamanaria... Você comprava tudo. Aquilo era tempo que se entrava num apartamento e se decorava da entrada à saída, não tinha por onde correr, não tinha por onde escapar. Você tinha tudo dentro de uma loja tipo Bela Aurora, da Família Voloch.

P/2 – Tinha muito das pessoas irem casar e ir numa loja dessa e encomendar...

R – Exatamente. Quem pensava em casar, principalmente pessoas não residentes no Rio, como era praxe, não sei se usei o termo certo, a Meca dos Móveis no Brasil era o Catete. Não existia, como hoje existe nas capitais de outros Estados, lojas de destaque. Todo mundo de interior, ou não digo só interior, de outros Estados vinham ao Rio para fazer suas encomendas para casamento. E tinha que pedir... Já tinha que pedir decorador, nessa loja tinha equipe de arquiteto ou até, entre aspas que não fosse arquiteto, mas se diziam arquitetos. Eles sugeriram, faziam, aconteciam e como seu Carlos citou, não só de fora, mas aqui do Rio também. Casalzinho de noivo ia escolher, ver, fazer, acontecer... Cama, criado-mudo, armário, isso e aquilo outro... Então Catete era a Meca dos Móveis, e toda a rua, porque a predominância de móveis no Catete era, digamos assim, ponto forte da rua do Largo do Machado à Glória.

P/2 – A rua toda?

R – A rua toda, mas o ponto maior era a concentração de onde tinha a Correia Dutra, que tinha a Renascence, enorme. E a Renascence vem para a Correia Dutra por desapropriação do metrô. Porque aquela parte toda sentido Glória, Largo do Machado, sentido Glória do lado direito... Aquilo tudo foi desapropriado pelo metrô. Aquilo tudo eram lojas, tudo desapropriado. Tudo.

P/1 – Você acha que a chegada do metrô ajudou, interferiu de alguma forma nesse mercado moveleiro?

R – Nós sofremos muito. Eu, principalmente na firma que eu estou até hoje, trabalhei durante quatro anos com uma passarela apenas, sem exagero, de quarenta a cinquenta centímetros na porta da loja, sobrevivemos e a maioria não sobreviveu.

P/1 – Fala um pouquinho da loja Icaraí Móveis, por favor... Quando foi fundada, por quem foi fundada...

R – A Icaraí Móveis pertencia a seu (Israel Rissin?) do qual eu tenho boas recordações, era um homem muito bom, um homem compreensível, um homem de grande valor, e conheci depois que se tornou o genro dele, o seu Júlio Arari, que recentemente faleceu e sempre foi uma loja de bom expoente, passou por grandes momentos difíceis, contornou-os... O seu Júlio teve um desenvolvimento muito bom, modéstia à parte, eu não poderia omitir porque se eu não der valor a mim ninguém dá e eu estou passando por esta fase de que não dão valor mesmo. Então eu contribui muito para que a firma evoluísse, cresceu...

P/1 – É de quando ela, você sabe? Foi fundada quando?

R – Eu acredito que deva ter sido fundada... Porque chamava-se Importadora de Celulóide e Plástico e sofreu um incêndio que acabou com tudo. Ficaram nem as paredes, só o terreno. Então seu Israel reergueu a firma... Era um homem muito bom, mas não com muitas atividades propensas ao comércio... Um homem muito bom, mas... Burocraticamente honestíssimo, correto, uma pessoa fora de série e o Júlio era o namorado da filha, e tornou-se noivo e dentro da tradição judaica ele entrou para a firma para trabalhar com o sogro e tal... Levantou depois que o sogro morreu, realmente a firma não estava numa fase boa e teve uma boa estrela sempre e teve boas colaborações, eu sou suspeito em falar, não só minha, mas eu acredito muito minha, porque desde a primeira filial foi com a minha ajuda e com o meu aval.

P/1 – Qual é o endereço lá?

R – Rua do Catete, 133.

P/2 – E tinha filiais também?

R – Temos filiais...

P/1 – Aonde?

R – A primeira Filial foi Barata Ribeiro, 90... Graças à minha direta participação. Direta que eu digo em questões financeiras...

P/1 – Hum?!

R – É. Porque realmente poucos fazem isso, né? Filhos para pais, ou pais para filhos, irmão para irmão, realmente...





P/1 – Você nunca quis ter o seu negócio, Abrahão? Ou nunca se interessou?

R – Eu nunca tive oportunidade de tê-lo e também sou muito cauteloso e muito medroso. Muito mais medroso do que cauteloso. Então quem tem medo se trumbica. E é isso aí… Eu sempre procurei ajudar os outros, como ajudei...

P/1 – Ainda existe essa filial? Copacabana...

R – Não, essa filial é na [Rua] Barata Ribeiro, 90 foi extinta, depois abriu-se outra filial. A Barata Ribeiro, 334 e existe...

P/2 – Aquele início da Barata Ribeiro também tinha muita loja de móveis...

P/1 - Também tinha loja de móveis... Lado esquerdo, assim né?

R

- Depois da Barata Ribeiro, 272, depois Tijuca, que não tem mais, depois uma em Niterói que também não tem mais, e outra em Niterói que ainda continua.

P/2 – Por quê esse nome Icaraí? Por quê se escolheu esse nome?

R – Eu não sei porque o seu Israel escolheu esse Icaraí, mas parece-me que havia uma sala que ele comprava de um determinado fabricante, ele gostava da sala, a sala vendia e ele botou o nome, e a sala chamava-se Icaraí. Não sei porque...

P/2 – O conjunto para a sala toda chamava conjunto Icaraí.

R – A sala de jantar. Voltando para o Catete...

P/1 – Você trabalha há 34 anos, é isso, lá?

R – Na Icaraí.

P/1 – Na Icaraí. Você trabalha há 34...

P/2 – Na Rua do Catete. Quer dizer, você está lá desde a época do Getúlio…

R – Assisti todas as comemorações no Palácio da República.

P/2 – Ah é?

R - Assisti, infelizmente, vários levantes, assisti um corre-corre: “abre, fecha, fecha, abre”, tanque na rua, saco de areia na esquina da Silveira Martins, de manhã a troca da guarda... Todo dia eu via porque o doutor Getúlio vinha à sacada cumprimentar o povo na troca da guarda do Batalhão, se não me falha a memória. Eram uns soldados com uns botões todo dourados, com cavalo, Batalhão, não me lembro se era Batalhão Imperial... Eu prefiro não falar, para não falar besteira. Assisti o doutor Café Filho quando tomou posse interinamente...

P/2 – Você estava na… Na época daquela crise em 1954 do suicídio...

R – Sempre, sempre no Catete. Conheci o motorista do Getúlio, o Gaúcho, comia comigo na esquina da Silveira Martins com Rua do Catete. Conheci o Ciro Monteiro, o famoso Formigão, cantor que batia na caixa de fósforo... Era meu amigo de tomar chope na esquina da Silveira Martins com Catete. Conheci a Odete Amaral, que era esposa dele, se eu não me engano, cantora. Conheci o Manuelzinho Araújo, o rei das embolada também da Silveira Martins, do Catete. O Gregório Fortunato, figura de expoência na política quando houve o atentado ao Major Rubens Vaz, também do palácio do Catete, na gestão do doutor Getúlio Dorneles Vargas.

P/2 – Você se lembra desse dia, do dia do suicídio? Você estava trabalhando?

R – Lembro, lembro. Nereu Ramos também. Quando assumiu também estava presente, doutor Juscelino Kubitschek...

P/2 – Tomou posse lá.

R – Também! E infelizmente, vocês hão de convir que não é fácil me recordar de tanta coisa ao mesmo tempo, e de improviso. Eu não sei se eu estou me saindo mais ou menos...

P/1 – Está saindo muito bem!

P/2 – Eu só perguntei por conta desse dia para saber o dia que...

R – Está mais ou menos no esquema, ou está…?

P/1 – Não, não, está ótimo!

P/2 – Está ótimo!

P/1 – Mas assim, por exemplo, a Rua do Catete em algum momento político as lojas de móveis tiveram que fechar?

R – Nessa parte que o Carlos indagou há pouco, nesses levantamentos de ditadura, digamos assim. E antes da tragédia do doutor Getúlio, sempre... Na posse do Jango houve aquele levante, aquele quebra-quebra... Houve vários quebra-quebras, houve tumulto. Por isso que eu citei há pouco, durante uma semana fecha, abre, fecha, fecha quinhentas vezes, quinhentas vezes e força de expressão. Um número infinito de vezes e os soldados orientados por… O Comando Superior passava nas lojas e mandavam encerrar as atividades e nós encerrávamos. Tinham várias leiterias importantes, porque a colônia judaica toda se reunia.

P/2 – Leiteria.

R – Leiteria... Aí você vai dizer, mas por quê tem que ver leiteria... Do lado da loja dum famoso, porque não se pode deixar de dar o valor a esse senhor, chamava-se (Jorge Shineider?), dono da Nova Era e do lado tinha a Leiteria Mineira, ou Sul Mineira, não me lembro... Onde se tomava coalhada, que é típico da colônia judaica, tomava-se (milar?), que é leite.



P/1 – Você falava idis na Rua do Catete?

R – Sempre se falou idis.

P/1 – Você negociava em idis às vezes também?

R – Não. Os comerciantes entre si falavam idis. Os comerciantes entre si, porque a colônia toda predominava. Então, era de hábito de alguns comerciantes, até anti-estético sair da loja dele, ir até um certo trecho para olhar de loja em loja se está com gente, se está sem gente, se vende, se não vende (risos). Ele ia com a mão no bufante andando daqui para lá e na volta ele vinha pela calçada oposta vindo de lá para cá, para olhar se na loja do Salamon tem gente, se na loja do

(Yoseph?) tem gente, se na loja do (Moich?) tem gente, porque na loja dele não tem gente. Mas ele esquecia que ele saindo da loja poderia ter gente mas não tinha quem atendesse (risos).

P/1 – Abrahão, agora eu queria que a gente focalizasse um pouco a questão do comércio propriamente desse bem, do móvel. Nesses trinta anos, na sua opinião, o que mais mudou nesse ramo?

R – Olha Paula, sinceramente... Mudou muito, mudou muito. O cliente hoje tem muito mais conscientização do que adquiri, muito mais conhecimento, apesar de que a categoria do produto é totalmente diferente. Você, nesses anos todos que eu labuto na área, pode-se considerar aqui, antigamente o produto era artesanal, hoje o produto é totalmente industrial. Você entra numa fábrica, um operário faz apenas, às vezes apertar um botão. Entra um pedaço de madeira numa extremidade e sai um móvel pronto na outra extremidade. Então eu sou suspeito em dar uma opinião profissionalizante com mais....

P/2 – Mas olha só, poder aquisitivo, nível cultural... Você acha que tem uma mudança na clientela...

R – O poder aquisitivo realmente influenciou muito, não só no ramo moveleiro, mas acredito que em todos os seguimentos da vida brasileira. Porque hoje há mais facilidade em relação à crédito, mas há muito mais dificuldade em relação à dispor de possibilidades para adquirir certos padrões. Por quê? Porque nós passamos por uma fase que antigamente uma pessoa chegava na época natalina trocava os móveis.

P/1 – Hoje...

R – O sofá estava cansado... A pessoa, eu não vou entrar nem em outros méritos porque eu não quero me situar numa posição indelicada para dizer como é que era o negócio. A pessoa achava que o sofá já está cansado, está vermelho muito tempo na sala... Vamos trocar de cor, entrava numa loja e trocava o estofado. Hoje não há disponibilidade para isso, não é disponibilidade...

P/1 – Financeira.

R – Exatamente. Não há disponibilidade financeira com toda a facilidade de financiamento, mas existe um entrave muito sério que é a dificuldade econômica do país para todos os setores. Eu não sou aqui nenhum político para dar nenhuma avaliação política-econômica do país, eu estou apenas sendo entrevistado no setor...

P/2 – Moveleiro.

P/1 – Eu quero saber, o consumidor, na sua opinião, agora tem menos dinheiro para gastar com este produto, é isso? O móvel hoje é um bem mais de luxo, você acha...

R – É lógico! É lógico! É mais, digamos assim, um bem que pode se classificar como um bem supérfluo. Se hoje ele está com o sofá muito ruim: “Ah! Vamos botar uma capa, e vamos deixar o sofá do jeito que está e vamos investir em outra coisa”. Está bom? Está dando para sentar? Pé-pé-pé-pe-re-ré... Então vamos lá. O móvel antigamente evidente...

P/2 – Era mais importante. Desculpa te interromper...

R – Exatamente. A resistência era outra, as condições eram outras, o acabamento também era outro. Evidentemente com raras exceções hoje, não estamos criticando ninguém e nem nada.

P/1 – Claro!

R – Nós estamos focalizando a coisa por um prisma de trinta anos atrás e de hoje.

P/2 – Isso.

R – As épocas são diferentes, os produtos são diferentes, hoje existe algo no mercado que se chama descartável. É marketing! Se o cara fizer hoje um móvel para durar trinta anos ele vai falir amanhã. Ele já está falido de qualquer maneira.

P/1 – Hoje tem aquela madeira horrorosa...

P/1 – Aglomerado!

R – MDF e outras coisas mais e não vou me meter nessa seara porque...

P/2 – Uma dúvida que eu tenho, você tem aí

várias lojas exatamente uma do lado da outra... As pessoas andavam pela rua entrando numa loja e saindo e comparando preço e tudo antes de decidir, ou tinha cliente de uma loja que já sabia...

R – A maioria dos clientes eram clientes dirigidos. Como eu sou muito radical até hoje, eu tenho um barbeiro, eu tinha um alfaiate, eu tinha uma costureira, tinha uma casa que eu comprava sapato, hoje já não é assim, o povo pesquisa, o cliente hoje não é cliente de entrar na loja e comprar. O cliente hoje analisa, pesquisa, faz levantamento, está certíssimo. Aí você vai dizer: “E antes?”. Antes não era tanto assim, antes era, eu, por exemplo, a gente só comprava roupa, terno pronto na Tavares, não sei se você alcançou a Tavares, ou na – que hoje ainda existe – Adonis, muito bem. Então você tem um cliente dirigido, você tem um cliente dimensionado, tem um cliente que diz: “Eu só compro na Icaraí”. Porque o padrão da Icaraí era um dos padrões comparável à compatível com a (Renascença?) linha de alto estilo e de alta qualificação, digamos assim. Hoje nós estamos na média, por quê? Porque os móveis de estilo caíram. Hoje você praticamente não tem um estilo definido. Nem os imóveis hoje comportam este seguimento, porque eram móveis de dimensões volumosas. Você tinha que ter uma sala enorme para comportar um bufê de 2,50 m, 3,00 m. Mesas-elásticas, porque a família se reunia para o almoço...

P/1 – Fala mesa elástica é o quê?

R – Ela tem uma, duas ou três... Tem mesas que tem uma, tem mesas que tem duas tábuas sobresselentes que você reuniu seis pessoas é um tamanho, você reuniu evidentemente dez pessoas já é outro. Você coloca duas tábuas complementares. A mesa torna-se maior. Quer dizer, para isso tudo você tem que ter um espaço físico que hoje praticamente você não tem.

P/1 – As lojas de móveis mudaram também nesse sentido? São menores hoje? Vocês tem depósito...

R – As lojas hoje estão imperando muito no ramo, não as lojas de rua. O que está imperando muito hoje são os shoppings. E o pessoal, a clientela está se direcionando muito para shopping. Por quê? O shopping te oferece uma área de lazer, que você está levando o pentelho dos filhos que não dão sossego, trepam no sofá, vai aqui, vai ali... Então tem uma área de lazer para os filhos, tem uma área de alimentação para os filhos, tem um estacionamento para o carro. O cara vai para a loja e passa o dia inteiro lá olhando as coisas para se situar. Numa loja de bairro infelizmente ainda não funciona assim.

P/1 – Vocês tem estacionamento, por exemplo, na sua loja?

R – Não.

P/1 – Não. E o horário de funcionamento como é na Rua do Catete, no comércio de rua?

R – Via de regra de nove às dezenove, mas nos meus bons tempos não havia horário. Hoje as coisas são muito mais fáceis para todos os seguimentos porque o pessoal embaçado por todos os direitos, que eu aprovo, principalmente os direitos trabalhistas... E a gente, a maioria vive na base de comissão, ninguém tem um ordenado fixo.

P/1 – Nesse ramo de móveis?

R – É. Então, é aquele negócio, salve-se quem puder. Nos meus áureos tempos eu também fui bom vendedor, diga-se de passagem, e muito bom. Modéstia à parte e muito bom! Então não tínhamos hora de fechar porque às vezes entra, como eu classifico lá na firma e eles brincam comigo, às vezes entra um incauto que... (risos) Te levanta a féria do dia. Você não fez nada, mas um que está querendo um sofá para amanhã e as lojas estão fechadas... Então todo o mundo fechava a uma hora [da manhã]. Eu sempre procurei fechar depois de uma hora, por quê?

P/1 – Uma hora num sábado, por exemplo?

R – É. Por quê? Porque às vezes aquele que se propôs a comprar uma determinada peça para entregar segunda-feira, foi na loja que ele já tinha visto, está fechado. Ele vai entrar numa que está aberta. A minha estava aberta eu ia lá e clikrrr... Faturava! Nem sempre, mas são passagens que a gente cita.

P/1 – O que é um bom vendedor de móveis? Qual é a primeira qualidade? Como é que você vende um móvel?

R – Eu acho que um bom vendedor de móveis, você não está fazendo uma pergunta apropriada, digamos... Eu não estou de forma alguma te censurando!

P/1 – Imagina!

R – O que é um bom vendedor?

P/1 – Em geral?

R – Um bom vendedor não precisa ser de móvel, ele pode ser de cueca também.

P/1 – Está certo! Está ótimo! O que é...

R - O cara que entra para comprar uma cueca, como eu usava as cuecas da Zorba e o cara me convenceu a usar cueca da Adans, esse é um bom vendedor. Eu usava sapato, no meu tempo chamava-se Sotto, hoje não tem mais. Eu usava DNB, usava FOX e no tempo do meu falecido pai a gente ia comprar calçado Clark, que eram uns calçados que não eram muito... De valor porque não era uma classe popular. Depois eu comecei a usar o 007 Vulcabrás, que vocês não alcançaram. Então o bom vendedor é aquele que convence o cliente não só o que o cliente quer, mas induz ao cliente sem imposições o que ele deseja vender. Deu para entender?

P/1 – Deu. Mas o cliente do móvel, ele chega numa loja de móvel sabendo o que ele quer, hoje? O cliente sabe?

R – A maioria chega. E é o que eu te disse, hoje o mercado está completamente diferente porque o cliente já vem dimensionado, dirigido ao que ele pretende: “Eu quero um rack”. “Aquele ali”. “Não, aquele ali eu não quero, porque não é assim... Não tem para o vídeo, não tem isso, não tem aquilo, não quero assim, eu quero assado, tal”. Então ele já vem sabendo o que ele quer, não adianta você querer. Não é que antigamente a gente impingia, mas tinha condições de dar uma mexida no quadro... Hoje, você não tem muito essas condições. Você pode orientar, eu oriento. Se você vier comprar isso aqui, essa poltrona eu vou te dizer: “Ó muito boa, você gostou tal, tal, tal. Mas eu vou lhe oferecer uma que é mais confortável do que essa” (risos). “O senhor vai ver que a inclinação dessa para a sua postura”, por exemplo, mesmo entrou uma senhora, sentou-se num sofá, dificilmente eu atendo, não estou atendendo, atendo quando as duas meninas estão ocupadas e eu prefiro não falar nada disso na entrevista, depois a gente vai falar particularmente a tal fase, entendeu? Então, é...

P/1 – Aí você chegou e sentou no sofá...

R – Não. A senhora sentou e eu disse: “A senhora vai me perdoar, a estatura da senhora não se adequa...

P/1 – Ah! Mentira que você falou!

R - ...a esse sofá.

P/1 – Você falou isso?

R – Falei. Mas falei numa...

P/1 – Boa!

R – Eu tenho cliente de quarenta anos minha filha. Volta na loja...

P/2 – Alta ou baixa demais?

R – Baixa. Eu tenho clientes que voltam à mim e me reconhecem com quarenta... E eu lembro do que eu vendi.

P/1 – Esse é um bom vendedor!

R – Não, eu me considero um bom fisionomista, não tanto bem agora, porque eu não estou bem de saúde, mas sempre fui um bom fisionomista, e sempre fui um bom relações públicas, sempre!

P/1 – Aí você diz para a cliente...

R – E um bom vendedor também, é modéstia, mas é verdade.

P/1 – Não... Está certo!

R – Eu disse para ela: “A senhora vai me desculpar”. “Por quê?”. “A senhora está querendo um sofá com assento fixo. Sentou?”. “Sentei”. “A senhora já viu que esse sofá não é bom para a senhora?”. “Não, não vi!”. “Olha seu pézinho, seu pézinho não está apoiando no chão. A senhora atentou para esse detalhe?”. Aí o marido virou e disse: “Mas é isso que ela está reclamando do de lá de casa!”. Eu disse: “Então, e vai comprar um outro que é a mesma coisa?”. “Ah então o que o senhor sugere?”. “Eu sugiro um sofá de almofada solta, tanto de assento como de encosto, com uma profundidade menor e que não seja tão alto o assento. Aí a senhora vai sentar, o assento vai ceder e a senhora vai ter apoio”.

P/2 – Isso é importante, né? Coluna e tudo.

R – Para tudo, para tudo! Então não custa nada, quando o cliente quer. Mas a maioria, hoje, é um pessoal de idade, digamos até da minha idade. Mas hoje são tudo metidos a muito sabedores, e são tecnocratas, digamos assim, e são metidos a sabidões, madeira maciça... Que madeira maciça? Quem é que tem madeira maciça? Quem fez móvel de madeira maciça?

P/2 – Isso não existe? Nunca existiu.

R – A madeira sempre foi um compensado... Uma cadeira é madeira maciça porque ela tem que ter aquela espessura para ser uma madeira maciça. Porque você não vai botar num pé de cadeira um compensado. Mas hoje em dia, quase tudo é MDF. Você sabe o que é MDF?

P/2 – Não, explica.

R – A sigla é Madeira do Futuro. Você sabe o que é Madeira do Futuro? Em função das proibições do IBAMA e de outras áreas que não podem ser desmatadas, e não podem ser mais usado madeira e tal, então está havendo uma evolução total, porque antigamente surgiu depois do compensado o aglomerado.

P/2 – Sei.

R – O aglomerado nada mais é do que um material prensado, com resíduos de serragem, de papelão e outras coisas mais, e é o aglomerado. Depois surgiu o aglomerado especializado – é o aglomerado naval. Depois surgiu isso, surgiu aquilo. Hoje tem o MDS, que substitui isso tudo, mas de madeira mesmo mais nada! Então o que é madeira maciça? Madeira maciça, você pode - entra na tua cabeça... Você é uma pessoa que tem um certo nível cultural, um critério - você não pode pegar um tampo de uma mesa com 1,80 metro e aquilo ser maciço. É até uma afronta à um princípio de natureza. Que vai haver um fenômeno importante, tudo na vida trabalha. Então tudo de lata, não é? De acordo com a temperatura... Então o que vai acontecer nesse tampo? Esse tampo vai fletir, vai empenar, vai entortar. Então o que se chama? Se chama um tampo de compensado folheado, porque antigamente se usava a folha de jacarandá, a folha de marfim, a folha de mogno e por aí a fora. Então madeira maciça... Muito bem. “Maciço”... A cadeira, essa cadeira...

P/2 – Tem que ser maciça.

R – O pé de mesa é maciço.

P/2 – Para estruturalmente...

R – Exatamente. E você tem porte para utilizar aquilo... Maciço. Mas um tampo de um bufê, o tampo de uma mesa ele é encabeçado, ele é compensado, ele tem várias camadas de madeira e depois ele é prensado, folhado e por aí afora! Ele sai naquele bolo de campanha...

P/2 - Deu uma aula...

P/1 – Uma aula sensacional!

P/2 – As pessoas hoje em dia pechincham mais do que antigamente?

R – Não. Eu disse à você que hoje a mídia em si, e outros fatores contribuem muito para agendas serem mais equacionadas, digamos assim... Não sei se eu estou empregando um termo certo...

P/2 – Não dá para...

R – E você antes tinha o cliente que diz... Ele queria comprar, mas ele discutia o preço. Hoje você sabe que existe a etiqueta, está afixada no produto, é aquele preço, a flexibilidade é vista tanto de desconto, ou não tem flexibilidade porque está em dez vezes o financiamento… O critério é repassar o financiamento para uma financeira e ele sabe que não tem ____________. Não é aquele critério que o seu Salamon recebia o cliente, conversava com o cliente, é... “Duzentas conta. Eu vai dar cinquenta conta agora e fica devendo 150, paga cinco vezes”. Não. Ele: “Não vou dar e pépepé...”. E começava a discussão. Então no fim ele podia fazer e não fazia, e fazia mais um pouquinho mas chegava lá e fazia um desconto e acabou. Hoje não tem nada disso, porque praticamente o dono da loja, digamos assim, não tem contato com o cliente. Hoje tem um corpo de venda, né?

P/1 – No Icaraí são quantos empregados para hoje?

R – Total?

P/1 – É.

R – Dois, quatro, seis, oito... Com papai aqui nove, mais dois de Copacabana onze, mais dois treze, mais dois quinze, mais dois dezessete, vou botar vinte, mais do depósito uns dez, mais Niterói, uns cinquenta empregados. Ou mais... Eu não estou contabilizando todos.

P/1 – Vocês tem depósito onde?

R – Rua do Catumbi, 22.

P/1 – Quer dizer, a loja de você funciona como se fosse um mostruário, é isso? Tem poucas peças...

R – Não, tem muitas peças. Tem um showroom.

P/1 – Então se o cliente quiser levar...

R – Com dois, três andares.

P/1 - ...os móveis se leva?

R – Pronta entrega.

P/1 – Vocês entregam em casa?

R – Não, nós entregamos. Temos uma equipe, temos frota, caminhões, temos uma equipe de entregadores, temos motoristas, temos montadores. É uma empresa de porte, não desmerecendo outras empresas. Não é a loja pequenininha que nós tínhamos... Eu tenho até um amigo meu, não quero nem citar, é uma loja pequenininha, ele é conselheiro do SESC, (Natan Chiber?).

P/1 – E é assim... A figura do montador numa loja de móveis começa a aparecer quando? Você sabe?

R – O montador é aquele que, o cliente compra um armário...

P/1 – Eu sei!

R – O armário vai desmontado em partes, então o montador monta-o. A estante...

P/1 – Pois é, mas antigamente os móveis não eram em partes, né?

R – Não, sempre foram.

P/1 – Foram?

R – Sempre foram. É que hoje é aquilo que eu falei há pouco, entra aqui a madeira e sai lá pronto.

P/1 – Entendi.

R – Com o manuseio operacional, ou computadorizado. Acredito eu que seja tudo computadorizado na tecnologia, e a embalagem, porque a prateleira é embalada, a gaveta hoje vem desmontada e o cara monta na tua casa. As laterais, a frente, o lenço, tudo colado e não vamos entrar nesses detalhes porque isso é área técnica e não estou aqui para área técnica. Se não nego até me malha, me mata. E eu não quero nem falar nada. Antigamente não tinha nada disso. A gaveta era uma gaveta inteira. Não desmontavam uma gaveta, desmontava a ilharga do armário. O que é a ilharga do armário? A lateral, aquilo ali. Aquele lado ali chama-se lateral, aquela parte em cima chama-se chapéu, parte de baixo chama base. Então aquilo tudo era parafuso, respiga, cavina... hoje não! Vem a porta desmontada, a ilharga vem desmontada, o chapéu vem desmontado, a base vem desmontada. Então o cara vai, tem um esquema de montagem, ele pega o esquema, olha e vai montando. Tem as explicações, têm as ilustrações. Antes não, você tinha um fundo que era todo goivete, encaixado... Goivete são encaixes. Encaixa, entra tudo com parafusinho, hoje em dia não tem nada disso. Vá lá. Essa é a função do montador. O montador vai te montar a cama, a cama sempre foi desmontada porque tem que ter acesso à residência, evidentemente se ela vai... O sofá hoje também desmonta, a maior parte. Tira os pés, tira um braço aí você desmonta uma parte dele, tira o outro braço e desmonta a outra parte e isso tudo para ter facilidade de locomoção, de manuseio, transporte, acesso à residência, em função dos apartamentos. Nós temos casos que a porta tem 0,70 cm de largura, aí você tem que içar os móveis porque para passar de um compartimento para outro não tem... A porta não comporta. Mesmo você tirando a porta não dá. Você vai ter que fazer obra no apartamento para passar.

P/1 – Bom, eu acho que a conversa está ótima, mas infelizmente a gente tem que ir finalizando...

R – Tudo bem!

P/1 – Você tem alguma pergunta mais específica?

P/2 – Não, só perguntar, quer dizer, você pensou nessa área de comércio para os teus descendentes? Você achou que era bom para eles? Você prefiriu que eles adotassem a carreira liberal, você pensou nisso?

P/1 – Qual é a profissão dos seus filhos?

R – Meus filhos, um filho é Administrador, Economista, apesar de que está hoje só numa área de Administração, porque a Economia está tão boa que não sobra lugar para o Economista. E a outra minha filha é Psicóloga, fez Mestrado, fazendo hoje Doutorado, exerce a profissão. Ambos são casados, nenhum teve inclinação para seguir a

minha profissão, digamos eu até que achei que foi muito bom porque eu procurei educá-los dentro de princípios que nada tem a ver com os meus princípios. Eles também não tiveram grandes entusiasmos para isso e principalmente pela qualificação. Talvez até o meu filho tivesse essa inclinação se partisse de ser dono do negócio, mas ser empregado como eu fui eu acho que ele está vendo que não é uma boa, não.

P/1 – Abrahão, qual é o móvel que não pode faltar na sua casa?

R – Na minha casa? Você sabe do ditado, casa de ferreiro espeto de pau?

P/1 – Eu sei.

R – Então, na minha casa é isso mesmo. O móvel está sem porta, sem tinta, está lá pendurado um armário da cozinha, minha mulher não reclama, é uma mulher de paz, de bem, a gente vive maravilhosamente bem. Então eu não esquento a cabeça, ela...

P/2 – Quem escolheu os móveis da casa de vocês? Ela ou você? Ou..

R – Eu. Dentro do critério também...

P/2 – Dela.

R – É. Mas ela pouco apita porque coitadinha, pouco apita. O que resolver está bom. Eu levei trinta anos para reformar um banheiro... Eu fiz a reforma de um banheiro agora, até agora não acabou. Coitadinha, ela se acabou com essa reforma do banheiro, fiz assim mesmo porque a água quente acabou, está pior do que as minhas artérias, se não também não teria feito, morria e deixava o banheiro do jeito que está.

P/2 – Você como consumidor e tudo é exigente? Pechincha para comprar?

R – Sou. Sou muito chato, muito exigente, muito pechincheiro, discuto muito, acho ruim com ela porque ela não discute. Eu digo sempre para ela: “Eu gostaria de te pegar como cliente!” (risos).

P/1 – Ah Abrahão que ótimo!

R – Mas não pego!

P/2 – Deixa eu te fazer a última pergunta.

R – À vontade!

P/2 – O que você achou de ter podido contar, conversar sobre a tua vida, tua trajetória nesse Projeto Memórias da Cidade do Rio de Janeiro?

R – Eu achei excelente! Principalmente pela equipe de vocês, por vocês, incluindo a equipe... Extensão para a equipe e vocês entrevistadores pela simpatia e não exaustão, porque todas as entrevistas são exaustivas, e às vezes até chatas. E vocês levaram com um clima de descontração total que é o que eu preciso no momento por questões de saúde, de ordem médica e até contrariando uma ordem médica que eu não deveria ser entrevistado – eu consultei o meu cardiologista – justamente para eu não me estressar, não me aborrecer, eu falei com você que eu estou passando por uma fase de muito aborrecimento, de muita dificuldade. Dificuldade em todos os setores e só posso parabenizá-los pela conduta da entrevista e por deixar o entrevistado totalmente à vontade como vocês deixaram.

P/2 – Então tá.

R – E só posso parabenizá-los a todos e também parabenizar-me por compartilhar desse clima gostoso que vocês me proporcionaram.

P/2 – Tá, muito obrigado.

P/1 – Obrigada pelo...

R – Eu que agradeço e espero que tenha sido… Eu acredito que nós poderíamos estender por mais dois ou três dias (risos)

P/1 – Belíssimo depoimento!

P/2 – Muito bom!

P/1 – Ficar horas… Eu também acho!

P/1 – É uma pena!



R - … Porque eu ainda teria muito para contar... Muito, muito, muito.

P/1 – Parabéns pela memória sensacional, hein?

P/2 – É.

R – Obrigado.

P/1 – Obrigada, Abrahão.