Museu da Pessoa

O portuguesinho do navio

autoria: Museu da Pessoa personagem: Cesário dos Santos Rodrigues

P - Primeiro, gostaria de agradecer ao senhor por estar aqui conosco hoje passando a sua história pra gente. E para um efeito de identificação, gostaria que o senhor falasse o seu nome completo, a data e o local do seu nascimento.

R - Meu nome completo, Cesário dos Santos Rodrigues. Local de nascimento, Portugal, Sendin, Viseu. Viseu, a Capital. Nasci em primeiro de abril de 1950.

P - Cesário, antes da gente começar a falar da sua vida, eu gostaria que você falasse um pouco da sua família, o que você sabe dos seus avós, um pouco dos seus pais. Conta um pouco pra gente.

R - Muito bem, Danilo. A minha família é uma família muito antiga porque o meu pai era de uma família enorme de 16 pessoas, espalharam-se pelo mundo, alguns em Portugal, outros para o Brasil, Canadá, Alemanha, França, enfim. A família da minha mãe é uma história diferente. Minha avó veio para o Brasil com os meus bisavós e na época conheceu um brasileiro, casaram-se. Mais tarde os meus bisavós voltaram pra Portugal, pedindo pra que deixassem levar a filha mais velha pra que eles não ficassem sozinhos e também tivessem alguém pra eles cuidarem e participarem juntos dessa comunhão familiar, vamos dizer assim. Então, a minha mãe voltou pra Portugal, ela nasceu no Brasil e voltou pra Portugal. Lá ela cresceu, formou-se a família, dona Luci conheceu o seu Firmino e veio a família, mais oito filhos, na verdade dez, dois morreram pequenininhos com febre amarela. Eu nem os conheci, eram mais velhos. Como muitos imigrantes, não apenas de Portugal, mas do mundo, existe um sonho na América, seja América do Norte ou América do Sul, e o meu pai quis vir para o Brasil pra tentar dar uma oportunidade à própria família, aos próprios filhos. Ele veio para o Brasil e ficou cinco anos longe de nós, principalmente dos mais novos e de minha mãe. Porque ele foi mandando vir os mais velhos. Então, veio a minha irmã mais velha, Alice, veio depois o Secundino, depois a Alzira, depois o Antonio e aí vim eu, que sou do meio, e vieram os meus irmãos mais novos, junto com a minha mãe, cinco anos após o meu pai ter vindo. Então, tudo isso foi uma caminhada, eu tinha na época 12 anos de idade. Essa foi a caminhada da família. Você falou de avós, os meus avós, eu não conhecia pessoalmente os avós maternos porque estavam no Brasil e foram falecendo porque eram pessoas antigas. Os avós paternos eu só conheci a minha avó, mas já tinha 97 anos, me lembro inclusive que eu vi ela falecendo, justamente por ser uma família de muitos irmãos, muito antiga. Foi isso, Brasil com 12 anos de idade, vou fazer 60 agora dia primeiro, são 48 anos de Brasil, pela lei da vida, sou mais brasileiro que português (risos), mas lógico que a gente nunca esquece as origens, amo esse país como qualquer brasileiro, mas amo Portugal também, com certeza.

P - Você sabe em que o seu pai veio trabalhar aqui?

R - Meu pai veio trabalhar em uma padaria como funcionário dessa padaria, entrou lá como ajudante. Meu pai era pastor de ovelhas em Portugal. Nós morávamos em uma cidade pequena e o meu pai tinha um rebalho de ovelhas. E tinhamos algumas terras lá. Tudo lá é muito pequeno, não é como no Brasil que é tudo grande, né? Na verdade vivíamos da agricultura, da terra e da lã das ovelhas, o leite. Minha mãe fazia um queijo maravilhoso, aquele queijo fresco fantástico, eu adoro queijo até hoje (risos). Então, essa preocupação do meu pai em oferecer aos filhos uma oportunidade que ele lá não poderia... Porque não é fácil ser pastor de ovelhas naquelas montanhas, com neve, com vento, com calor e com chuva. Ele fez isso, veio e foi mandando vir os irmãos até poder mandar todo mundo. Não tinha posses pra mandar a família toda, porque realmente é uma luta, é uma coisa de guerreiro mesmo, você trabalhar pra poder trazer a família pra que todos possam ficar juntos.

P - Queria que você contasse um pouquinho da sua infância.

R - A minha infância em Portugal?

P - Sendim...

R - É, Sendim. A minha infância e o que eu posso lembrar é que eu, menino, ainda pequeno, como meu pai era pastor de ovelhas, eu era muito agarrado ao meu pai. Por que eu era muito agarrado ao meu pai? Talvez porque ele era o homem que saía de casa pra trabalhar, minha mãe tava em casa direto. Então, o meu pai saía e precisava se esconder, precisavam me enganar para que eu não fosse correndo chorando pra ir com o meu pai. E às vezes o meu pai, eu acho que ele via o filho pequeno que gostava tanto dele, ele ficava (risos) sem jeito de me carregar e acabava me levando. Eu me lembro de ir nos ombros do meu pai, lá usa-se uma palavra, (muçarrico?) (risos) e fazia acampamento com cabanas em determinados lugares da terra. E nós tinhamos quatro ou cinco cachorros pastores, cachorros grandes pastores, eu digo que eles ajudavam a cuidar do gado porque lá na Europa, em Portugal, Espanha, tem muito lobo, e o lobo, faminto, ataca realmente o rebanho. Então, você tem que ter animais que enfrentam os lobos e automaticamente avisa. E nós tinhamos uma cachorra grande, da raça Collie, quem assistiu Lessie vai lembrar da cachorra que eu to falando, era a cópia perfeita da Lessie. E sem nunca ter sido adestrada por profissionais, essa cachorra era fantástica, parecia um ser humano. Ela ficava comigo tomando conta até que eu acordasse, quando eu acordava, meus pais, meus irmãos mais velhos, alguns primos, já tinham saído com o rebanho e eu tinha que voltar pra casa porque eu não sabia onde eles estavam, ela vinha comigo até chegar em casa, chegando em casa, ela pulava em mim, me lambia e... corria e voltava pra se encontrar com o rebanho e o meu pai, com o pessoal. Eu fiz isso algumas vezes e é uma história muito interessante. Aos sete anos o meu pai veio para o Brasil, eu entrei na escola, fiz lá todo o primário, saía da escola e tinha que ir pra terra, pra ajudar os mais velhos. E isso foi acontecendo até os dez anos, quando o meu irmão mais velho mais próximo a mim, o Antonio, veio para o Brasil, ele tinha 16 e eu tinha dez, e aí, com dez anos eu me senti o homem da casa. E eu tinha que fazer serviço pesado, não é como hoje que se fala aqui de trabalho escravo. Não, fazia aquilo porque eu queria fazer, tinha vontade de fazer, queria ser o homem da casa. Era uma coisa minha, uma inspiração natural, eu sentia que tinha que ajudar a minha família. E a gente fez isso durante dois anos, trabalhando muito duro, muito difícil, carregando pinheiro no ombro pra cortar lenha, aquela coisa toda, até que com 12 anos o meu pai finalmente, já com ajuda dos irmãos, mandaram passagem pra que todos nós pudessemos estar juntos novamente. E aí, foi aquela passagem no navio, dez dias, saímos de Lisboa, passando por Ilha de Madeira, chegando em Salvador, passando pelo Rio, depois vindo até chegar em Santos. Foram dez dias muito interessantes, eu tocava gaita no navio porque desde pequenininho, o único brinquedo que eu ganhei foi uma gaita de boca, lá chama-se realejo. E os adultos lá, às vezes, me pegavam, me sentavam em um lugar alto e eu ficava lá tocando, como diz em Portugal, o fado, e eles dançando. Chegava a machucar o lábio de tanto tocar. E eu sempre fui um garoto que tive muita, sei lá eu, acho que tive muita sorte nesse aspecto, tinha muita facilidade em arrumar amizade com crianças e com adultos, era muito legal. Foi muito interessante, pela primeira vez conheci italianos falando uma língua diferente. Tinha um garoto italiano no navio, nós fomos jogar pebolim, eu nunca tinha visto uma mesa de pebolim na minha frente, o único brinquedo que eu ganhei foi um apito e essa gaitinha que eu ganhei depois. Não tinha brinquedo, tinha que fazer meus próprios brinquedos, pegava casca de melancia, cortava com canivete, fazia um carrinho. Porque não tinha, lá a vida era diferente. Imagina uma mesa de pebolim, né? E eu e o italianinho fomos jogar, eu não entendia italiano e ele não entendia português, imagina a situação. Conclusão, começamos a brigar, brigar mesmo Ele começava a me xingar, eu xingava ele e partimos pra briga. E isso causou uma coisa fantástica no navio: os adultos começaram a divertir-se com a nossa situação, então, eles já se preparavam para o encontro do portuguesinho com o italianinho, toda vez que os dois se encontravam era guerra (risos). E eles fizeram uma vez uma brincadeira que amarravam as mãos das pessoas e você tinha que comer macarrão como se fosse um cachorro, comendo macarrão em um recipiente com as mãos amarradas, que ganhava o prêmio. E quem eles colocavam perto um do outro? Italianinho e portuguesinho (risos), ambos da mesma idade. E eu me lembro até hoje que nós estávamos lá disputando quem comia mais macarrão, um olhava pro outro, eu lembro bem daquela situação do animal, do cachorro como eles ficam (risos). E nós acabamos deixando o macarrão de lado e a briga começou na base da cabeça porque as mãos estavam amarradas, era uma coisa incrível. E acho que não nós machucávamos muito porque as pessoas seguravam logo em seguida. Mas isso aconteceu praticamente os dez dias de viagem, eu não vou dizer dez, mas oito pelo menos, aconteceu isso. E por coincidência, quando eu chego no Brasil vou morar de um lado um japonês e do outro um italianinho. É incrível como as coisas realmente acontecem na vida da gente. Mas aí, peguei amizade com todos e começou um mês após eu fui trabalhar.

P - Esse navio, o que era?

R - Era um navio italiano, se chamava Frederico C, na época era uma linha de navios muito legal, bacana. Apesar de meu pai e meus irmãos tomarem o cuidado para que nós pelo menos estivessemos em um navio um pouco mais confortável do que eles vieram, porque o deles era um pouco pior. O nosso não era de primeira viagem, mas pelo menos viemos em um navio...

P - Divertido (risos).

R - Divertido. Era um navio grande, muito interessante a viagem de navio. Muito legal. O que eu participei nessa viagem... A tempestade, a água batendo e eu passando a mão pra sentir o sabor da água de sal, porque lá eu morava nas montanhas, né? Em determinado ponto da viagem tinha um cardume, aquilo não era mais cardume, era uma nuvem sob o mar, era uma quantidade de atum tão grande, mas tão grande, que parecia uma coisa assim, que você via mais atum do que água, de um dos lados do navio, uma coisa fantástica. Subiam e desciam, era uma coisa. Todo o navio... Eu falei, “poxa, se não fosse um navio grande virava, né?” Porque você olhava, via aquele monte de gente, todo mundo olhando. Algumas pessoas naquela época tinham máquina de fotografia e estavam lá, e o pessoal do navio aproveitando pra pescar (risos). Mas era uma coisa fantástica, é uma viagem fantástica, principalmente para um garoto de 12 anos, eu e meus irmãos mais novos que nunca tinham visto o mar na frente. Então, tudo isso, toda essa novidade, de você sair de uma cidadezinha pequena nas montanhas, chega em Lisboa que é uma capital com um outro formato, tinha que ficar uns dias lá casa dos tios. Aí, venho de navio, chego em São Paulo, minha família, meus pais foram me buscar de kombi na época. Família grande, tudo de kombi, né? (risos). Então, veio aquela turma toda dentro daquela kombi, com cortinha. Era uma kombi de luxo (risos). E chegando em São Paulo, a visão dessa cidade imensa, essa cidade tão grande, tão maravilhosa, apesar de ter tantos problemas. Pra mim é tudo uma novidade, imagina um mês e meio após chegar ir trabalhar no centro da cidade com aqueles prédios imensos, que eu nunca tinha visto, aquela floresta de prédios, aquela coisa realmente tudo novidade pra mim, tudo, tudo, fantástico.

P - Cesário, o senhor consegue descrever os primeiros dias aqui?

R - Aqui?

P - Aqui, chegou em São Paulo, como foi esse dia?

R - Danilo, a emoção do novo, da chegada a um país diferente, principalmente aonde você ia encontrar a maior parte da sua família, o seu pai (chora). Ainda consegue me emocionar. É uma coisa indescritível, uma coisa difícil de você falar a emoção que você sente, é muito emocionante. A separação da família, o novo, tudo essa novidade, toda essa coisa imensa. Eu realmente acredito que deva ser mais ou menos como a situação de hoje, de um de nós, que nunca viu o outro lado, ser jogado dentro do Amazonas e ele lá vai ficar assustado, talvez, com tudo aquilo que vai ver. Deve ser mais ou menos essa sensação, pra você ter mais ou menos a noção do que deve ter sido na época pra mim. Eu digo que deve ter sido porque eu não vou conseguir exatamente definir com exatidão aquilo que aconteceu na época, mas sei que foi muito grande essa emoção. Foi muito grande, foi muito interessante conhecer minha nova casinha, diferente de lá, porque lá era uma casa de pedra, bem antiga, totalmente diferente. E aqui, a casa de tijolo, você não via o tijolo, pelo menos na minha eu não via. É um outro formato, tudo é diferente, tudo é diferente. Lógico, que se eu tivesse vindo da capital de Portugal não seria tão diferente, mas eu vim do que chamamos lá de aldeia, né? Pra mim era realmente tudo muito diferente, pra mim, para os meus irmãos e pra todos.

P - Onde era a casa de vocês aqui?

R - Rua Muniz de Sousa, número 10, Cambuci. Em frente ao Senai. Eu brinquei muito na frente daquele Senai. Cambuci, próximo ao Parque da Aclimação, pelo menos tinha um lugar bonito pra ir brincar, ia remar. Naquele tempo ainda tinha uns barquinhos de remo, nós íamos lá brincar. Não podia pescar, mas nós pescávamos escondidos porque os guardas lá não deixavam, mas moleque, sabe como é que é, sempre tem um jeitinho de pescar. Na época não era como hoje, tirando que eu tive que trabalhar muito cedo, era uma criança como todas as outras, querendo criar amizades, jogar bola, soltar balão, jogar bolinha de gude, peão, eu era muito bom em peão, era campeão (risos). E aquelas brincadeiras de criança, naturais. Fora disso, a diferença foi que trabalhar aqui em São Paulo, no Brasil, era uma brincadeira ao que eu estava acostumado, eu trabalhava lá na lavoura. Foi quando eu conheci também, já era conhecido dos meus pais, uma família, na verdade uma família muito curta, era apenas marido e mulher, um casal, também de portugueses, que eram nossos vizinhos, seu Côrrea e a dona Maria, e o seu Côrrea também foi com a minha cara, por algum motivo, e falou: “Ô menino Queres trabalhar?”, eu falei: “Quero”, “Vou te arrumar um emprego”. E ele me arrumou esse primeiro emprego na Rua São Bento, na Casa Paiva, 259. E aí, começou, então, a minha história. Eu entrei nessa empresa, tive que ter autorização do Juizado de Menores, do Meritíssimo Juiz de Menores pra poder trabalhar, e com autorização, também, do meu pai que era o responsável. Eu comecei a trabalhar nessa casa, o meu pai tinha me comprado um terninho. Até hoje, eu tenho um metro e setenta, não sou muito alto, imagina com 12 anos, não tinha nem pescoço, mas tinha lá a gravatinha e tal. E eu comecei a trabalhar. E eu era muito interessado, pra mim aquele trabalho era brinquedo, era moleza, pelo que eu estava acostumado a fazer. Eu era muito disposto, corria, eu era ligeiro, e com isso conseguia angariar a simpatia das pessoas que trabalhavam lá, principalmente dos mais velhos, né? Eles me tratavam com muito carinho, pra uns era “Portuguesinho”, pra outros “Cesarinho”, era difícil alguém me chamar Cesário. E nessa época a magazine era muito grande, essa Casa Paiva, que não existe mais, era muito antiga. Eu ficava em pé lá próximo à seção de tecidos. Tinha seção de tecidos, seção de brinquedos, seção de perfumaria, de cama e mesa, tapetes, cortinas, enfim, era uma magazine completa que oferecia tudo. Eu ficava em pé, a mãozinha pra trás feito um soldado, os clientes entravam, tocavam a campainha e eu corria pra pegar mercadoria e levar na seção de pacotes. Algumas clientes que já eram tradicionais nem saíam para pagar no caixa, davam o dinheiro para mim, eu passava no caixa, pagava, ia na seção de pacotes com o canhoto, trazia a mercadoria já embrulhadinha e entregava pra cliente, ela agradecia, eu ganhava uma caixinha de vez em quando. Quando eu ganhava a caixinha, era a forma de eu ir no Largo do Café, próximo, e comer um doce de chocolate coberto com açúcar, eu adorava aquilo ali, aquilo era fantástico. Porque minha mãe só me dava o dinheiro certinho da condução. Eu não tinha um centavo a mais pra nada, dinheiro pra condução. O meu salário tinha que entregar o envelope fechadinho em casa, então, se eu gastasse o dinheiro da condução em outra coisa eu tinha que ir a pé, da rua São Bento até a Muniz de Sousa no Cambuci. Fiz muitas vezes isso (risos). Quando o cliente me dava uma caixinha, naturalmente eu ficava feliz, ia lá comer aquele doce, que doce maravilhoso (risos). Talvez hoje não fosse maravilhoso, mas naquela época era demais. E entre esse meu trabalho, eu tinha duas horas de almoço e eu gostava muito de ler gibi. Na época tinha gibi do Fantasma, Flash Gordon, Zorro, enfim, tinha uns gibis. Eu adorava ler gibi, por sinal até me ajudou a desenvolver a minha leitura na minha carreira de vendas, né? De vendedor e gerente de vendas. Isso me ajudou muito na época de fazer reuniões com o meu pessoal e com a minha equipe, eu senti que o gibi, além de estudar a noite, me ajudou muito a desenvolver na escola e me dava bem na hora de ler algo lá na frente, era uma maravilha. Adorava ler gibi, então eu trocava, na saída da São Bento, ia até na Praça Ramos, perto do Anhangabau, fizeram hoje essa praça enorme, tem ali uma fonte. E tinha uma banquinha de jornal. O senhor da banca já me conhecia, então, ele falava: “Se você não estragar o gibi, eu deixo você ler e você só me dá, não me lembro na época, era como se fosse hoje 25 centavos, só pela troca, então, você não precisa ficar me pagando o gibi toda hora. E eu ia lá, lia o gibi rapidinho, bonitinho e isso realmente era uma forma de eu desenvolver a leitura. Nessa vida toda, ainda com 12 anos, logo no início, eu tinha, como disse, uma certa obsessão, como toda criança tem, 12 anos ainda é uma criança, por não ter tido brinquedos na minha vida, e eu via alguns brinquedos e os meus olhos brilhavam de vontade de ter um brinquedo. Eu lia gibi e na época comecei a assistir televisão na casa desse vizinho e tinha o filme do Zorro, e o Zorro tinha um revólver lindo, maravilhoso, uma estrela, aquela coisa toda. Era o Zorro e o Tonto, branco e preto. E eu tinha uma obsessão por aquele revólver. Não que eu tinha na minha mente a idéia de matar, pelo amor de Deus, Zorro era o mocinho, né? Eu via aquele revólver e ficava encantado com aquilo. E numa determinada época, um mês ou dois próximo a dezembro, ao Natal, a empresa comprou uma quantidade grande de brinquedos e vieram esses revólveres do Zorro, e parecia de verdade, vinha com a espuleta, com cinturão. Eu vi aquilo, eu fiquei bobo, fiquei encantado, obcecado, eu queria um revólver daquele. Só que aquilo começou a virar uma obsessão pra mim. Bom, como eu tinha facilidade em andar dentro da empresa carregando mercadoria pra tudo quanto era lado, eu consegui ter a coragem, pela obsessão da vontade de ter o brinquedo que eu nunca tinha tido, consegui ter a coragem, coragem errada, mas, de tentar pegar aquele revólver. Falar uma palavra horrível, roubar, aquele revólver que era a única maneira de eu ter aquele revólver. Na cabeça de uma criança de 12 anos era roubar aquele revólver, olha só. Talvez eu não tinha ainda me preocupado com essa idéia, roubar, mas eu precisava ter aquele revólver, era uma coisa incrível. Eu peguei a caixa do revólver misturada a outros papéis e levei lá para o fundo, para a seção de expedição, passava uma porta de vidro, me lembro até hoje apesar de fazer muito tempo. Aí, tinha os banheiros masculinos, tinha o depósito onde jogavam todo o papelão, e eu levei a caixa pra lá. Levei a caixa pro banheiro, tranquei ele dentro do banheiro, tirei o revólver, peguei a espoleta, coloquei o cinturão e comecei a brincar com o revólver e pápápá, dei três tiros de espuleta. Eu dei os três tiros de espuleta com o revólver e nesse momento eu comecei a tomar consciência do que eu estava fazendo. Aí foi duro, nesse momento que eu percebi falei: “Pera aí, o que você está fazendo? Você está fazendo tudo ao contrário daquilo que te ensinaram”, daquilo que, principalmente minha mãe, que tinha ficado mais tempo comigo, o meu pai veio pro Brasil quando eu tinha sete anos. Minha mãe, humilde, simples, me ensinou a ser correto, direito, não pegar nada dos outros e eu estou pegando uma coisa que não é minha, eu estou tentando roubar uma coisa da empresa que eu trabalho. Aquilo começou a me dar uma tremedeira, começou a mexer comigo de uma forma tal que eu senti uma sensação esquisita, aquilo parece que o mundo desabou sobre a minha cabeça. Aí, eu levei o revólver, arrumei bonitinho, tirei a espuleta que tinha estourado, vamos dizer assim, guardei o revólver direitinho na caixa e voltei. Porque é muito mais fácil voltar que sair. Voltei, coloquei no lugar e senti um alívio tão grande, uma coisa assim, tão maravilhosa, que eu falei: “Pronto, corrigi o que eu tentei fazer de errado”. Eu não tinha nem pensado na consequência. Como é que eu ia depois sair com aquele revólver? Mas na hora não tinha pensado em nada, eu só tinha pensado que eu queria aquele revólver. Bom, passaram-se alguns dias, tinha uma cliente maravilhosa, uma senhora alemã, dona Alice, ela inclusive é xará da minha irmã mais velha, dona Alice. E a dona Alice era uma cliente fantástica, ela comprava seda, aquelas sedas maravilhosas, e o senhor que tinha lá dentro que a atendia também era alemão, era sobrinho dela. Então, tinha português, o seu Freitas, o seu Castro, tinha brasileiros, e tinha o alemão sobrinho dela. Era uma senhora maravilhosa. E eu sempre ia lá pegar os pacotes pra ela, ela levava conta de água, luz, na época eu ia no banco pagar. Quando ela ia lá, a festa estava feita porque eu ia comer o meu doce de chocolate, aquela coisa toda. A dona Alice chegou pra mim, gostava muito de mim, ela chegava lá, pegava na minha bochecha: “Como é que está, Cesarinho?”, aquela coisa toda. Aí, um dia ela chegou pra mim e falou: “Cesarinho, vem cá”. Ela sentada, como estamos aqui, tinha o balcão e tinha o senhor (Blinder?) do lado de dentro. Ela: “Eu tenho um neto da sua idade e eu gostaria de dar um presente pra ele. Aqui tem a seção do brinquedo. Você me ajudaria a escolher um brinquedo para o meu neto? Você tem algum brinquedo que você acha que ele vai gostar porque ele tem a sua idade”. Eu falei: “Ah, dona Alice, tem um maravilhoso que eu sei que ele vai adorar”. Eu fui lá, corri, peguei e trouxe o revólver pra mulher. Ela falou: “Você acha que ele vai gostar?” “Tenho certeza”. A mulher falou assim: “Então, faz o seguinte: pega duas caixas, fala pra moça tirar a nota tal, leva, manda embrulhar pra presente, separado os dois brinquedos” “Tudo bem, dona Alice. Marli, tira a nota de dois revólveres aqui”. Marli era a moça que vendia o brinquedo. Aí, eu peguei os pacotes, fui na seção de pacotes, mandei embrulhar pra presente, ela me deu o dinheiro, eu fui lá, paguei, paguei as sedas, os tecidos que ela estava comprando, trouxe os tecidos, os dois pacotes de presentes e entreguei pra dona Alice. A dona Alice pegou os pacotes, “Muito obrigado”, me deu uma caixinha e ficou lá conversando com o sobrinho, eu pedi licença, fiquei lá fazendo o meu trabalho, campainha toca, eu vou lá, corro, pego o pacote (risos), enfim. Aí, a dona Alice levantou-se, ia saindo e me chamou: “Cesarinho, vem cá” “Pois não, dona Alice?” “Isso aqui é seu”, e me deu o revólver. Aquilo, realmente, pra mim, como eu comentei pra vocês, foi o maior exemplo da minha vida, de que a gente deve fazer o que é certo, nunca fazer o que é errado porque se nós fizermos o que é certo, nós vamos receber coisas boas. Se fizermos coisas erradas, gente, de uma forma ou de outra nós vamos receber coisas ruins. A mulher me deu o revólver, eu não acreditava. Aquilo foi uma coisa assim, depois de eu ter passado por aquilo que eu passei, aquela coisa toda, e de repente aquela senhora maravilhosa me dá um revólver. Eu não acreditava Agradeci muito a dona Alice, ela foi embora. E, depois de toda essa situação, eu fiquei pensando: “O que eu vou fazer com esse revólver? Tenho 12 anos, trabalho em uma empresa, quero continuar trabalhando, crescendo, eu não tenho tempo pra ficar brincando de revólver”. Depois de toda aquela vontade imensa de ter aquele revólver. Aí, eu pedi para o senhor Freitas, o chefe da seção de tecidos que era um português da Ilha da Madeira: “Senhor Freitas, eu posso trocar esse revólver por um corte de tecido pra fazer uma calça?”. Ele falou: “Eu vou falar com o seu Almeida”, que era um dos donos, “mas eu acho que pode sim, não tem problema”. Depois de tudo o que eu passei, de tanta obsessão por aquele brinquedo, aquele revólver, eu acabei trocando o revólver por um corte de calça e mandei fazer. Naquele tempo não era como hoje que se compra praticamente tudo pronto. Mandei fazer a calça e usei aquela calça por um bom tempo. Pra mim, entre tantas coisas que aconteceram na minha vida, dessa idade dos 12 até hoje, quase 60, mas esse foi uma das coisas que mais marcou a minha vida, pra uns pode não ser nada importante, mas pra mim, foi realmente nesse momento que eu aumentei minha fé, acreditei que realmente Deus existe, Deus está aí pra apoiar os seus filhos, todos eles, sejam humildes, ricos, mais ou menos, mas principalmente aqueles que se comportam bem. Então, esse foi o maior exemplo da minha vida. Aí, eu continuei na minha luta lá por mais três anos, depois saí porque a empresa era muito antiga, já tinha 153 anos na época, era uma coisa da época das charretes, descarregando mercadorias, senhoras com aqueles vestidos até os pés, aquela coisa, tinha as fotos, era uma coisa muito, muito bacana, muito bonita. Acabou fechando, talvez porque não se atualizaram, né? Aí, fui trabalhar em uma outra empresa de tecidos, na Martins Costa, onde hoje é a prefeitura, na Brigadeiro, de lá eu fui trabalhar no Cambuci em uma outra loja, e sempre estudando à noite, formei-me desenhista, fui trabalhando como desenhista, mas não ganhava o suficiente e comecei a trabalhar em vendas na mesma empresa e, três anos depois virei supervisor de vendas, apesar de jovem. Casei-me muito cedo, com 22 anos. Enfim, entrei na área de vendas, acabei trabalhando em multinacionais, entrei como vendedor, saí como gerente, aposentei-me com 47 anos de idade, trabalhando na (Sigran?) do Brasil, foi a última empresa que trabalhei. (Sigran?) é a dona da marca Whisky Chivas, Chivas Regal, Royal Salute, Cohen, Glenlivet, Something Special. Os nacionais, Natu Nobilis, Orloff, Passport, enfim, uma série de produtos. Vinhos Almadén, Forestier. Trabalhei até os 47 anos. Depois de me aposentar, logo em seguida eu tive a infelicidade de perder o meu filho mais velho em um acidente de carro, o Júnior, com 24 anos de idade. E no ano seguinte, a empresa estava sendo vendida pra outra empresa, ninguém sabia, nós não sabíamos de nada, mas a empresa tava sendo vendida e eles começaram a mandar as pessoas embora. Mandaram meu diretor primeiro, quando não tem diretor, já sabe que mais cedo ou mais tarde chega a tua vez. Aí, saí, a empresa me mandou embora, me chamou, tal, direitinho. Comecei a procurar emprego, já com 48 anos, e por incrível que pareça, no Brasil, pessoas com mais de 35 anos já são velhas para o trabalho e tinha algumas dificuldades. Achava alguns, mas eu ganhava menos e pra ganhar menos do que eu ganhava também não aceitei. Foi quando resolvi, junto com mais dois amigos, partir para um negócio próprio. E aí, nós abrimos o primeiro Magic Chicken, que é o frango mágico, trabalhamos muito os três, dia e noite. Éramos garçons, barmans, fazíamos um pouco em cada lugar, ajudávamos na cozinha, cada um se esforçando muito pra que a gente pudesse realmente ter uma marca série, uma marca hoje no mercado consagrada, apesar de serem cinco casas, teve uma que nós vendemos, a de Moema, mas continua com a nossa bandeira, Magic Chicken. Então, hoje nós três somos donos de cinco restaurantes, não existe aquela coisa de ser rico, coisa parecida, não, mas estamos em um conforto, graças a Deus, legal. Continuamos trabalhando muito, os três, somos três sócios que nos damos muito bem, nos respeitamos muito e estamos aí, trabalhando com a família, os netos crescendo, enfim. Apesar de muita coisa que aconteceu na vida, tanto coisas boas, mesmo eu tendo perdido, tendo essa ferida grande de ter perdido o meu filho, mesmo assim eu me julgo um homem feliz, de sorte, por tudo o que eu passei e onde estou hoje, me julgo um homem de sorte. Principalmente pela família que eu tenho, pelos amigos, pela mulher que eu tenho, por todo esse pessoal, inclusive, por conhecer vocês aí (risos), pessoas maravilhosas.

P - Seu Cesário, eu posso retomar algumas coisas?

R - Com certeza, o que você quiser.

P - Você falou de desenho, como era isso? De onde veio essa inspiração, era do gibi?

R - Não, desde menino eu sempre gostei de desenhar. Mesmo nas montanhas eu desenhava no chão com pauzinhos, tal. Vindo para o Brasil, a pouca oportunidade que tinha de ir à praia, gostava de desenhar na praia, fazer moldura de mulheres na praia com areia. Sempre gostei da Arte. Música também eu sempre gostei. Então, eu me formei desenhista na Poliarte São Paulo, dois anos e meio de curso, quase três anos. E naturalmente procurei emprego como desenhista. Eu trabalhava ainda como vendedor na Casa Formosa, no Cambuci, vendedor no balcão, vendendo roupas, tecidos de todos os tipos. Procurei e vi no jornal: “Cobasil indústria e comércio de luminosos, procura desenhista”, tal, tal, tal, layout. Eu fui lá, no início da Via Anchieta, na parte urbana, não na parte de pista. Acabei fazendo o teste lá e passei como desenhista, eu desenhava layouts. Porque hoje é tudo feito no computador, mas na minha época era tudo feito na mão mesmo, com pincelzinho, com guache, nanquim, com compasso, nós fazíamos todo o layout. Então, você é dono de uma empresa e você quer fazer um luminoso na frente da sua empresa, ou em letras de metal, ou em acrílico. O vendedor ia lá, tirava as medidas, por exemplo um banco, e eu fazia o layout na frente, “Banco Itaú” “Banco Bradesco”, fazia o layout, levava pra aprovação. O layout era feito dentro de uma escala de um por dez, um por vinte, ou fosse o que fosse e a empresa fazia o luminoso depois do layout aprovado. Então, você tinha que levar a cópia fiel para o cliente da forma como ia ficar o luminoso na frente da empresa dele. Eu fiz isso durante um ano, eu adorava desenhar, adorava. Eu só tinha um problema, eu tinha muito energia, até hoje eu tenho. Eu vou fazer 60, mas eu acho que eu parei lá pelos 30, mais ou menos (risos). Brincadeira, mas eu realmente tenho muita energia. Imagina eu com 19 anos de idade. Então, eu adorava desenhar mas eu não conseguia ficar preso em uma cadeira o dia todo desenhando. Então, de vez em quando eu pedia rapidinho pra tomar um café, saía e ia dar uma volta no quarteirão, correr, pra poder soltar aquela energia que eu tinha, era uma coisa incrível. E eu comecei a perceber que eu tinha que procurar alguma coisa que eu pudesse, de alguma forma, gastar a minha energia, que eu não ficasse sentado o dia todo. Como eu ganhava pouco, fui pedir aumento. E o administrador da empresa, o doutor (Minei?), era japonês, começou a fazer um monte de perguntas pra mim. Colocou as mãos no queixo, sobre a mesa, fazendo um monte de perguntas, por que eu queria ganhar mais. E eu, já tinha acho que na veia aquela coisa da venda, comecei a falar. Eu parava porque falei, “esse japonês vai me mandar embora, né?”, eu parava de falar e ele: “Não, fala mais, fala mais”. Eu falava e ele: “Você precisa ser vendedor, você vai ser bom vendedor. Quer ganhar mais? Precisa ser vendedor”. Aí, ligou pro dono da firma, o seu Arnaldo Kojima, ligou pro chefe de vendas, e eu acabei aceitando o desafio. E valeu a pena, valeu a pena porque acho que em dois meses eu já estava ganhando acho que cinco vezes mais o que eu estava ganhando como desenhista. TROCA DE FITA

P - Cesário, voltando. Você foi pra área de vendas, estava vendendo o quê?

R - Vendendo luminosos.

P - Ah, você trocou Antes você mandava pra eles...

R - Isso Antes eu fazia o desenho e após eu passei a fazer a própria venda desses luminosos. Naturalmente eu levava alguma vantagem sobre os outros vendedores, apesar de eu ser o caçulinha da turma, porque naquela época eu tinha 20 anos, e lá tinha pessoas que tinham a minha idade hoje, mais de 50 anos, 40 e pouco, 30 e pouco. Eu era o único menino que tinha lá, menino no bom sentido, era homem, mas caçulinha. Mas eu tinha a vantagem de fazer o rascunho na hora para o cliente. Eu ia visitar o cliente e falava: “Olha, vai ficar mais ou menos assim”, pegava o papel, fazia o rascunho e dava uma idéia. Ele já se empolgava com a idéia. Eu falava, vou trazer um desenho mais perfeito, de como vai ficar, o senhor vai ver, vai acabar gostando e a sua loja, sua empresa vai melhorar muito mais, o senhor vai vender muito mais porque ela vai atrair mais as pessoas. E eu consegui realmente, com muita luta, não tinha carro, trabalhava a pé, com uma dificuldade tremenda no início. Depois de dois ou três meses eu já estava ganhando bem mais do que eu ganhava como desenhista, mas até chegar lá, trabalhando a pé, andando de ônibus. Eu me lembro de uma passagem fantástica, eu estava em Santo André, fui atender a um cliente lá na Senador Fláquer, ele queria um luminoso. E acabou chegando a hora do almoço, eu tava com uma fome terrível, eu queria comer e só tinha dinheiro pra condução, pra pegar o ônibus de volta (risos). E aí, o que eu iria fazer? Eu olhei lá, tinha um troquinho, eu passei na pastelaria de um chinês que tinha lá, “bom, dá pra comer um pastel”, e pedi um pastel. Pedi um pastel, não tinha dinheiro pra comprar o refrigerante, então, pedi um copo de água. “Por favor, me dá um copo de água?”. Comi aquele pastel, tomei um copo de água. Gente, pelo amor de Deus, antes eu não tivesse feito isso. Ganhei uma tremenda dor de barriga, foi terrível, foi terrível. Olha, pra voltar pra casa, o ônibus passando por aqueles buracos e eu pensava, acho que não vou aguentar (risos). São coisas fantásticas que jamais, se eu morrer com 90 anos eu vou me lembrar dessa história, o que eu passei naquele ônibus porque eu comi um pastel com copo d’água. Passei por muitas dificuldades mas aquela vontade de vencer, de fazer uma coisa sempre útil, sempre preocupado em trabalhar, nunca em fazer alguma coisa ruim, trabalhando de dia, estudando à noite, essa dificuldade enorme. Fui, fui e consegui vencer. Dois anos depois eu consegui comprar o meu primeiro fusca, meu primeiro carrinho. Isso em 72, eu comprei um Fusca do ano 70, fusquinha branco com os bancos bege, não era couro, era aquele corvim que imita couro. Aí, sim, já com o carro, comecei a poder visitar mais empresas, mais indústrias, eu saía pra fora de São Paulo, ia nas indústrias, aqueles luminosos enormes pra colocar em cima do telhado. Ganhei a concorrência no Banco Bandeirantes, trocava todos os luminosos do Banco Bandeirantes, São Paulo, interior de São Paulo, ia lá, tirava as medidas direitinho, mandava o layout, ia lá, aprovava, uma vida maravilhosa. Isso até os 25 anos. A empresa cresceu, resolveu comprar um prédio em São Caetano. Além desse prédio tinha uma pequena indústria de móveis. Aí, o seu Arnaldo Kojima e a esposa dele, a dona (Mirtes?), compraram esse prédio. E o que aconteceu? Com o tempo eles assumiram uma dívida muito grande, acabaram pedindo dinheiro pra agiota e, infelizmente, na época, e eles não conseguiram superar essa dívida e a empresa começou, infelizmente, a andar pra trás em vez de andar pra frente. Nessa época, eu já como supervisor, fiquei até quando podia ficar, mas, conversei com eles e eles disseram: “Não, você foi bacana demais, não abandonou o navio, ficou aí o máximo que pode, mas, realmente, a empresa não tem como superar porque nós devemos muito dinheiro”. Eu saí na época, ela ia fechar, como fechou depois. Procurei outro emprego, vi um anúncio e fui na ______ Brasil, consegui passar lá, em 220 candidatos consegui ficar entre os 12. Dos 12 eles fizeram uma reunião grande e ficaram seis na seleção. Fui para um curso em Nova Friburgo, um curso de vendas, foi a primeira vez que eu andei de avião, de São Paulo ao Rio de Janeiro, atravessei a ponte Niterói, também pela primeira vez, fui lá na Nova Frigurgo, no Hotel (Saint Sussir?), nas montanhas do Rio. Ficamos lá durante 13 ou 15 dias em um curso de vendas. Mas depois de um tempo, eles queriam que eu viajasse, acabou não dando certo. Eu saí e fui trabalhar na Destilaria Stock do Brasil, empresa de bebidas, dos licores Stock, Saint Remy, naquela época ela distribuía a marca Campari. Lá eu entrei como vendedor de novo, em uma multinacional, entrei com 26 pra 27 anos. Com 29 eu fui promovido a treinador, foi nessa época que eu tive que parar com escola à noite, com tudo porque fui chamado, eu tinha que aceitar a promoção pra ganhar mais ou continuar como vendedor. E na época o gerente nacional, que virou diretor comercial, Dougla de Morais, fez pessoalmente o convite pra que eu fosse promovido a treinador e tinha que viajar o Brasil todo dando treinamento a vendedores fracos e vendedores novos dentro da empresa. Então, eu viajava com uma máquina de escrever, uma Facit, na época em uma caixinha, com a minha malinha, viajava, ia daqui pra Salvador, pro Recife, pra Fortaleza, Porto Alegre, ia treinar as pessoas, sem nunca ter ido ao lugar, saía dando treinamento pra todo esse pessoal, ficava uma semana treinando aquela pessoa, de segunda a sexta, dormíamos quase sempre no mesmo hotel, mas tinha que treinar, saía com a minha agente anotando tudo o que eles faziam pra poder corrigir depois o que estava errado porque eu estava mais preparado do que aquele vendedor, por isso que eu estava treinando. Passei o ano fazendo isso, aí fui promovido a gerente de filial, supervisor de vendas de filial do interior de São Paulo, sul de Minas e Mato Grosso, foram mais cinco anos viajando e cuidando de toda essa área do interior, sul de Minas e Mato Grosso, encontrava com a minha equipe, viajava Campo Grande, Cuiabá, Corumbá, essa loucura toda, estrada, avião. Aí, fui transferido pra São Paulo. Fiquei 15 anos nessa empresa, gerenciei a área que nós chamamos de “Ponto de Consumo”, de dose, que são os bares, aqui, Vila Madalena tem muitos bares, tal. Gerenciei essa área por um bom tempo. Após 15 anos fui convidado pra trabalhar como gerente de vendas do Café Jardim. Eu fui pra Café Jardim, trabalhei dois anos e meio. A Campari veio para o Brasil, montou a indústria, tirou Campari da Stock, que era uma concessão e me convidou. Eu saí do café e voltei pra bebida, mais dois anos e meio na Campari. Aí, tinha vindo a separação do primeiro casamento e eu tinha comprado o apartamento, porque deixei a casa pra esposa e pros filhos. E eu queria comprar de novo mais uma casa. E peguei aquela época de inflação, aquela loucura toda. Nessa situação difícil, a empresa não podia aumentar a mim porque teria que aumentar todos os cargos que tem em todo o Brasil, então eu falei: “Sinto muito, vou dar um mês para vocês arrumarem outra pessoa, e vou embora”. Inclusive, acabei indicando um amigo meu que tinha trabalhado comigo na empresa anterior, o Mauro, até hoje ele está lá na Campari. Eu saí e fui trabalhar no Café Bom Dia. Fui ganhar mais, consegui resolver meus problemas pra pagar a prestação do apartamento (risos). Aí, fiquei mais um tempo no Café Bom Dia, Café Bom Dia pediu concordata, olha só a situação. Depois de um ano eu voltei pra empresa de bebidas, a (Sigran?), que foi essa última que eu falei, onde eu me aposentei. Finalmente ela foi vendida pra ______ Martin, pra francesa, e aí, como eu falei, nós partimos pro nosso negócio próprio, até hoje, dia 23 de julho deste ano, 2010, vai fazer 12 anos que estamos com as casas do Magic Chicken.

P - Eu fico curioso pra saber como é que é esse mundo da venda. Porque você tinha o diferencial de fazer os luminários porque você conseguia convencer já mostrando um laytout, tal. Daí, você foi muito pra área de bebida e café, e tudo representa, tem o lobby da empresa, trabalhar como representante, como era isso? Você tinha que encontrar outros vendedores, tinha a concorrência.

R - Com certeza. Eu digo uma coisa pra você. Fazendo um resumo, meu amigo, eu diria pra você que a venda é uma coisa fantástica, na época de hoje nós temos muitos vendedores técnicos, mas existe uma coisa que é a essência do vendedor, que é algo que está encravado dentro da tua alma, sabe? Que está dentro de você. E quando você é um vendedor por excelência, você nasceu com essa marca, você tem algo dentro de você que impulsiona a você concretizar aquilo que você está determinado a fazer. Então, é uma coisa que cresce dentro de você. “Não, mas eu não quero” “Por que não, se isso, se aquilo”, você dá as razões de compra que ele tem que ter. É o que eu digo, existe a diferença entre ser apenas um vendedor técnico, você vende uma máquina e você conhece a máquina, e ser um vendedor por excelência. Porque antigamente, não tão antigamente, tinha muitos vendedores que eram vendedores natos, que inclusive não tinham faculdade, alguns tinham o primário, mas tem a venda dentro de si. E a venda é algo que cresce dentro de você, é como se você estivesse em um tatame, eu fiz caratê também, enfrentando um inimigo. Você vai porque você quer vencer. E a venda você só se sente vitorioso quando você conseguiu vender alguma coisa. Eu acho que uma das principais coisas que você tinha que ter em sua venda era você conhecer aquilo que você vendia. Então, se você vendia gim, você tinha que saber que o gim era feito a base de ervas, de coentro, de zimbro. Vendia Campari, tinha que saber que é feito de ervas, com 60 e pouco tipos de ervas diferentes, que era feito com cochinila, que é o que dá aquela cor maravilhosa, vermelha, do Campari, que era adicionado o álcool, o açúcar, o tempo que ele ficava, infusão. Whisky você tinha que saber as destilarias na Escócia, como é feito. Tudo isso, você tem que conhecer o que você vende, pra que você seja um vendedor de sucesso. Se te fazem uma pergunta: “Esse copo foi feito de que forma?”. Você tem que saber que foi feito de areia, de alguma coisa. Você tem que saber o porquê daquilo. Então, é muito interessante, você conhecer, essencialmente, aquilo que você vende. Aí, você acaba tendo sucesso.

P - E você pode nos contar uma venda que foi aquela situação interessante, marcante?

R - Olha, a venda que eu fiz, que marcou muito na minha vida, e eu tenho vergonha até hoje, você vê que eu não to contando venda de sucesso, porque venda de sucesso, graças a Deus tive muitas, fiz muitas vendas fantásticas. Então, tenho que contar a que me envergonhou. Ainda na empresa de luminosos, voltando ao meu primeiro estágio de vendas externas porque internas eu já tinha vendido tecidos e roupas. Uma empresa grande de Campinas chamou a empresa, que queria fazer um luminoso grande em cima da empresa, um luminoso metálico. É um luminoso que hoje em dia custaria o valor de um veículo popular, na faixa de uns 30 mil hoje, vamos dizer assim. E eu fui fazer a venda. Quando eu chego lá, tinha mais ou menos umas dez pessoas, em uma mesa enorme. Diretores da empresa, tãrãrã, porque era um investimento grande pra empresa, 30, 40 mil, então, eles queriam saber detalhes. E muita pergunta de uma vez só, eu ainda garoto, nessa altura devia estar com uns 22 anos. Mas por incrível que pareça, em um determinado momento, deu-me ali uma reação, acho que uma pergunta que me fizeram que eu não soube responder, eu senti a minha voz falhar, não por emoção, como já senti assim, mas senti a minha voz falhar porque eu engasguei, eu senti que a minha voz mudou (risos). Ali, eu falei: “Meu Deus do céu, o que está acontecendo?”. Eu fiquei, por alguns segundos, em um túnel sem ver a luz do outro lado, eu não sei o que aconteceu ali. Enchi o pulmão, dei uma respirada, acabei fazendo uma brincadeira, bati as mãos na mesa lá e fiz uma brincadeira. Eu não me lembro com exatidão o que eu falei, mas lembro que falei, “Gente, não é fácil um homem só jogar contra um time inteiro do outro lado”. O pessoal entendeu, começaram a rir, quebrou o gelo e a coisa evoluiu novamente e nós conseguimos, inclusive fizemos o negócio, mas foi uma situação que eu não gostaria de passar na minha vida nunca mais. Agora, vendas boas, apenas uma rápida. Eu fiz uma venda muito boa uma vez para as lojas do Carrefour, e como era uma venda grande em que haveria participação na TV, que eles fariam propaganda na TV na época do café. Eles reuniam todos os gerentes em um dos Carrefour para que fosse pedido tantas toneladas pra cada loja. E aí, eu estava na loja do Carrefour Aricanduva, com todos os gerentes das lojas e minha venda tinha que ser um sucesso. E com aquele monte de homem, mas ali foi ao contrário. Ali, sozinho, em uma das cabeceiras daquela mesa enoooorrrme, tinha lá não sei quantos homens, um batalhão, e eu tinha que fazer a venda pra todo mundo, eles me apertando de tudo quanto era jeito, porque eles tentam sugar você ao máximo e você tem um limite pra chegar. Em determinado momento eu abri meus braços aqui e falei: “Meu amigo, já dei tudo o que vocês querem, só falta vocês me crucificarem agora, como fizeram com Cristo. Daqui pra frente, amigos, só crucificando” (risos). Eu fiquei com as mãos abertas, dessa forma, e eles acabaram rindo, brincando e pararam de me pedir mais coisas pra fechar negócio. Fizemos o negócio, que eles chamavam de plataforma, que é aquele destaque no supermercado, em terminais aquele espaço grande. Então, realmente, essa foi realmente uma das vendas de sucesso. Graças a Deus, tive grandes passagens, com grandes sucessos, abertura de clientes quase impossíveis de se abrir, eu chegava lá com o meu jeitinho, com humildade, de coração, chegava lá e acabava conseguindo executar a venda. Nunca com rancor, nunca com metidez, se é que a gente pode falar assim, sabe aquele cara que chega lá todo metido? Não. Sempre com muita humildade, muito jeitinho, com educação, desde a recepção até o final, até chegar nos que iriam decidir. E, graças a Deus, graças a isso, eu consegui angariar a simpatia de algumas pessoas que geram o elo entre você e a pessoa que iria decidir. E essas pessoas acabavam me ajudando a chegar lá, talvez até pela forma que eu falava com essas pessoas, de tratar da melhor forma possível e como cavalheiro realmente. Cavalheiro jovem, que foi se tornando mais maduro, mas sempre com muito respeito ao ser humano e às pessoas, isso, com certeza. Apesar de ter um sangue guerreiro, que era um guerreiro na hora que precisasse, mas sempre com muita humildade no coração, vendo as coisas pelo lado bom, não pelo lado ruim.

P - E Cesário, da onde vem a idéia do Magic Chicken? Como foi desenvolver e chegar nisso que foi diferente de tudo o que você já tinha...

R - A idéia do Magic Chicken já vinha de família, inclusive tem uma foto minha aí. Como eu te falei, meu pai já havia trabalhado em uma padaria, depois teve seu negocinho junto com meus irmãos. Meus irmãos mais velhos são também comerciantes do ramo, tem restaurantes, tem motel, então, isso já estava nos irmãos mais velhos. Eu, de qualquer forma, já estava ligado a isso. E a uns anos atrás, quando o meu filho, que eu perdi no acidente, ficou maior de idade, eu queria montar um negocinho pra eles, um bar, mas como ele veio a falecer depois, eu acabei dando, não foi nem vendendo, acabei dando aquilo lá. E o mais novo, cinco anos de diferença pro mais velho, não tinha condições de tocar aquilo sozinho, eu trabalhava como gerente de vendas, de final de semana tinha que estar trabalhando ali direto, era muito puxado. A minha esposa acabou me ajudando lá, era muito puxado, muito complicado, e parece que ali foi uma das coisas que eu vi na minha vida que não iam pra frente. Porque eu via em alguns momentos que quem devia estar ali era o meu filho mais velho, e ele não estava ali. Então, não era, parece que não era o lugar de ninguém se o meu filho não estava ali. E aquilo, parece que não tinha que ser. Então, acabei passando aquilo até para um amigo dele, arrendei lá, no fim acabei perdendo tudo aquilo lá. Não me arrependo, perdi, perdi, não é problema, enfim, que Deus ajude essa pessoa que acabou me deixando lá na bancarrota como se fala, mas tudo bem, como eu disse, eu sempre fui um guerreiro e parti para outro negócio. Mas o que eu quis dizer é isso, que o Magic Chicken, de certa forma, essa coisa de partir pra restaurante, pra choperia, já estava na minha veia de alguma forma, até pela família. Nas minhas férias, quando era garoto, ia ajudar meus irmãos lá nas lanchonetes deles na época, então, já havia isso na família. E quando nós partimos pra coisa, o meu sócio, junto com outro amigo, um dos meus sócios era da rede Barateiro de supermercados, o Ademir. Ele também entrou menino lá e acabou saindo como diretor comercial. E o outro é o irmão dele, o Dario, que também trabalhava na área de vendas. E esse meu sócio, junto com o Edgar que era o filho de um dos donos do Barateiro, abriram uma quadra de futebol society, nós jogávamos futebol society na época. E lá montaram uma lanchonete. E um outro amigo, que trabalhava na Bombril, trouxe uma receita dos Estados Unidos do frango croquete, que é o Magic Chicken, e da polenta, que é o grande sucesso da nossa casa, que foi aí que nós começamos. Ele começou a trabalhar lá, ele deu para o meu sócio e eles começaram a fazer isso na quadra. E eu também experimentei o tal do frango e da polenta e também gostei muito. Eu jogava lá toda sexta e domingo. E foi indo, quando eu fiquei desempregado e o irmão desse meu sócio também estava desempregado, foi quando nós falamos: “Chega de trabalhar para empresas, para os outros, vamos trabalhar pra nós mesmos, acho que tá na hora de fazer o nosso próprio negócio”. Foi quando nós partimos pra nossa primeira casa, começamos a procurar um ponto, o meu sócio achou um ponto, chamou-me, eu fui lá, pulei a grade, olhei, vi, falei: “É aqui”. Foi muito legal, eles falaram: “Tem certeza?” “Tenho certeza”. E foi a primeira casa da Basílio da Cunha, a menor de todas, e lá nós começamos a nossa história. Como eu falei no início, muita luta, eu era garçom, era barman, atendia as pessoas na entrada, queimei uma vez a minha mão na feijoada, porque a feijoada com aquele réchaud, e o fogo, eu joguei o álcool, acabou pegando fogo na mão. E pra não jogar o álcool nas pessoas, porque a casa tava lotada, coloquei o recipiente no chão e apaguei o fogo embaixo do braço (risos). Histórias fantásticas comigo, com meus sócios. E foi assim. Foi um sucesso depois de uma luta grande. Aí, o Barateiro foi vendido pro Pão de Açúcar, o meu sócio não quis ir para o Pão de Açúcar e saiu, o Ademir, e foi também trabalhar junto conosco. Eu ia fazer compras no Sam’s, ia com o meu Santana 2000 levantado, o porta mala cheio de mercadorias (risos), então, tinha que fazer tudo, era uma loucura. Mas nós conseguimos vencer essa etapa da vida. E, da primeira, compramos a segunda, até fui eu que fui pra lá, segunda no Cambuci, Moema a terceira, a quarta da Mooca, também fui abrir a da Mooca, a única que eu não fui abrir foi a de Moema, que foi o meu sócio Ademir. Depois foi abrir a Aricanduva e, finalmente, a Nazaré, onde eu estou hoje. Então, foi dessa forma que fomos para o Magic Chicken, Danilo, se é que eu respondi a sua pergunta, respondo muito, né?

P - Eu vou dar uma guinada então, a gente focou bastante essa parte profissional, queria voltar um pouco pra questão da família. Primeiro, como você conheceu a sua esposa.

R - Qual delas? (risos).

P - A primeira e depois a segunda (risos).

R - A segunda vai ficar brava, hein? (risos). Mas ela sabe, é uma mulher inteligente, graças a Deus. A minha primeira esposa eu conheci de uma forma romântica, uma forma até engraçada. Na verdade, a minha irmã mais velha foi quase como uma segunda mãe, pela diferença de idade. A minha irmã mais velha é quase 15 anos mais velha que eu, naturalmente casou-se muito antes e ela e o meu cunhado até hoje trabalham no ramo de confecções. Eles começaram com a própria confecção, J. Matos, que é o nome do meu cunhado, João de Matos, e, por uma questão de sensibilidade, ou, apesar de portugueses, são inteligentes (risos), que me perdoem os patrícios, estou brincando, também sou português. O pessoal brinca que o português é burro, tal, por isso estou brincando. Mas eles perceberam que era mais fácil eles montarem as camisas para outras confecções de nome, já famosas, do que eles trabalharem com seu próprio produto, que teriam que conquistar o seu próprio espaço no mercado. Então, eles começaram a produzir, a costurar pra grandes empresas que existem no mercado, e até hoje, eles tem lá em torno de 50, 60 mulheres trabalhando lá em um salão grande, e até hoje eles estão dentro do ramo. Naquela época a minha irmã comprou uma casa no Parque São Lucas, eu morava junto com os meus pais na Vila Ema, nós tinhamos saído do Cambuci e meu pai tinha comprado uma casa na Vila Ema e nós fomos morar na periferia, um pouco mais longe, aqui no Cambuci era mais próximo ao centro. E minha irmã comprou essa casa, uma casa grande, espaçosa. Mas minha irmã e meu cunhado queriam modificar a frente, ainda tinha aquela sacada meio antiga, com colunas, tal, e eles queriam modificar a frente. Como eu naquele tempo devia ter uns 17 anos de idade, gostava, adorava baile, a minha diversão era dançar e namorar, era muito namorador (risos). Então, o meu cunhado pediu pra mim: “Ô Cesário, se você e seus amigos derrubarem essa frente, porque isso não precisa ser pedreiro, eu deixo vocês fazerem um baile antes de mudar pra cá”. Naquele tempo fazia-se muito aquele baile familiar, uma turminha na casa de um, na casa do outro. Bom, enquanto nós estávamos lá com uma marretinha e derrubando tijolo, tinha umas garotas que moravam ali na rua, que até então nós não conhecíamos e ficavam lá jogando peteca e, ao mesmo tempo, paquerando lá os quatro garotões, mais ou menos naquela faixa de idade. Eu gostava muito de cantar, cantei em coral de igreja, coral de colégio e a gente ficava cantando aquelas musiquinhas da época, principalmente Roberto Carlos, Paulo Sérgio e alguns outros cantores da época, Erasmos Carlos, Wanderley Cardoso, Jerry Adriani, enfim, época da Jovem Guarda. A gente cantando, as meninas lá na frente, aquelas risadinhas, aquelas coisas. Como eu sempre fui cara de pau, no bom sentido, quando tinha que fazer alguma coisa, ia fazer. E eu fui convidar as meninas para o baile, que nós iamos fazer depois de terminada a reforma. Como era ali no pedacinho delas, elas aceitaram. E nisso ocorriam as paqueras, foi aí que eu conheci a minha namorada na época, a primeira esposa, Soiane. Uma moça muito bonita, loira, olhos claros, ela ficava envergonhada, ficava toda vermelha, isso me chamou a atenção. Apesar que eu achava ela muito metida e ela me achava, como falam hoje, galinha. Porque antes de eu namorar com ela andei namoricando duas amigas dela. Porque eu fiquei sabendo no meu bailinho, por uma irmã dela, pequenininha, que elas tinham apostado quem iria namorar comigo, então, eu namorei com duas antes de namorar com qual eu queria realmente na época. Mas no fim, acho que essa coisa dela me achar galinha e eu achar ela muito metida era o que estava aproximando na época as duas pessoas. E chegou um dia, aquilo foi indo muito tempo, essa paquera, mas, ao mesmo tempo, com raiva, é uma coisa estranha. Aí, chegou um dia que nos encontramos e aconteceu um beijo ali do nada, sem palavra, sem nada. E começou a nossa história. Namoramos um tempo, aí, ela ficou grávida, porque era difícil naquele tempo, a mulher era mais preservada. Hoje em dia a gente sabe que o sexo está mais liberado, naquele tempo era mais difícil. Mas, dizem que água mole em pedra dura tanto bate até que fura, e eu consegui depois de algum tempo, aquela coisa de jovens, do amor, enfim, aconteceu, e ela ficou grávida e eu casei com ela, tivemos dois filhos e ficamos juntos por 12 anos. Depois de 12 anos, essas minhas viagens todas, ela sofria muito, acabou criando um clima meio chato entre nós e acabamos nos separando. Eu separei, conheci uma outra moça depois, a Dorinha, uma professora, ficamos juntos durante uns quatro anos, mas ela queria ter filhos, eu fiz vasectomia e também acabou não dando certo, eu falei: “Seja feliz, você é jovem e linda, casa com alguém que possa te dar filhos porque eu não vou poder porque fiz vasectomia”. Então, separei-me dela também, e veio a atual, a Silvânia, Silvânia Felix de Carvalho, hoje ela tem uma loja de móveis e decorações na Bom Pastor e estamos juntos já vai pra 20 anos, mas sem filhos pela própria situação. Mas ela aceitou-me como sou, sem poder dar filhos pra ela, e nós estamos vivendo há quase 20 anos e estamos lá os dois.

P - Como a conheceu?

R - Quando era gerente de filial, supervisor de vendas da Stock do Brasil o escritório de vendas era na Aclimação, ali na Avenida Aclimação. Algumas vezes, na hora do almoço nós iamos almoçar na José Getúlio e ela trabalhava lá, ela era menina ainda porque ela é 19 anos mais nova do que eu. Ela trabalhava no escritório de uma dentista, doutora Cléa. Na hora do almoço ela também ia na José Getúlio, na Avenda Aclimação, almoçar. E algumas vezes nós nos encontrávamos e começou aquele negócio: “Oi” “Bom dia, boa tarde”. Sabe aquela coisa? Aí, um dia, tinha uma farmácia, na própria José Getúlio, o meu chefe na época, o senhor Sebastião Realino Carneiro da Silva, ele tava meio forte e quis se pesar. Então, entrou na farmácia pra se pesar. E ela e a amiga dela estavam nessa mesma balança. Aí, nós ficamos aguardando. Eu, como já cumprimentava de longe, aproximei-me e brinquei, homem de vendas, tinha facilidade em conversar, falei: “Você não precisa se pesar, você está elegante”, ela uma pessoa magra, elegante. E ela me chamou de atrevido, mas no fim riram, brincaram, foram embora e nós nos pesamos. E isso foi indo, foi indo, e um dia nós nos encontramos, por incrível que pareça, em uma discoteca que como eu vendia bebidas, nós forneciamos, como eu falei, pra bares, restaurantes, supermercado, atacado, discotecas. E eu tinha uns amigos que tinham uma discoteca grande ali na Vila Maria, nessa época eu estava como gerente de vendas do Café Jardim. Então, como estava ali próximo, eu estava solteiro na época, saí do Café Jardim e fui lá visitar o dono dessa discoteca e quando entrei, quem eu vejo? A Silvânia, minha atual esposa. Porque ela tinha uns amigos e amigas que trabalhavam com Moda, e ia ter um desfile lá e ela foi pra lá. E lá eu acabei, do nada, me encontrando com ela. Como ela também morava na Aclimação, eu acabei oferecendo uma carona pra ela, no final ela largou os amigos e amigas e veio comigo. E aí começou o nosso namoro. Nós marcamos pra comer uma pizza, com a pizza veio uma garrafa de vinho, e o vinho acaba empolgando um pouco as pessoas (risos) e nós começamos o nosso namoro, depois de uns dois anos começamos a morar juntos e estamos até hoje, e eu espero que chega, né? Terceira mulher, eu espero continuar com ela até o final e eu acho que ela também espera isso de mim (risos). E, se Deus quiser, nós vamos continuar juntos, nós somos felizes (risos).

P - Aí, uma pergunta mais delicada, a questão com o seu filho, né? O senhor disse que ele teve um acidente...

R - É, muito triste...

P - Como foi essa situação?

R - Ahhh, o meu filho, na época ele sentiu que aqui em São Paulo estava muito difícil a vida, ele já havia sofrido um assalto com a moto dele, vieram dois rapazes tentando assaltar ele. Ele muito legal, muito bacana, amigo de todo mundo, mas, ao mesmo tempo tem o lado guerreiro dele. E quando o cara encostou o revólver ele puxou o revólver do rapaz e a arma disparou e pegou um dedo dele, deixou esse dedo dele um pouco torto, assim. E ele falou: “Pai, acho que se eu continuar em São Paulo vai acabar acontecendo alguma besteira. Eu falei com a Cíntia”, a namorada dele, uma moça muito bonita, “ ‘Cíntia, nós vamos mudar pra Joinville, nós vamos viver juntos em Joinville’. Você me ajuda a montar um negocinho lá?”. E eu não tava com aquela bola toda, mas tinha uma reserva porque sempre procurei fazer uma poupancinha de alguma forma, e falei, lógico que ajudo, qual pai ou mãe não vai ajudar o filho? E ele se mudou com a Cíntia pra Joinville porque tinha uns tios dele por parte de mãe que moravam lá em Joinville, ele tinha ido passear lá e adorou aquilo lá. E foram pra lá. Ele vendeu o carrinho dele, comprou uma kombi na época. Uma kombi por que? Ele ia montar um negocinho lá e tinha que ter um carro que pudesse carregar as coisas pra ele. Ele comprou essa kombi, foi pro sul com ela: “Vou fazer minha vida lá em Santa Catarina”. E lá ele montou uma lanchonete a beira de um lago, lá, eu nem cheguei a ver o local. E ele ia buscar mariscos no Porto de São Francisco. Lá em Joinville tem um porto, vocês devem ter ouvido falar, e ele ia buscar esses mariscos. E numa dessas idas ele sofreu o acidente. Alguns detalhes do acidente eu sei porque foi muito próximo ao... Lá tem os voluntários, não sei se são bombeiros voluntários que tem em Joinville, alguma coisa assim, tem um posto de policiais voluntários, tem uma coisa diferente lá. E eles perceberam como é que aconteceu o acidente, ele ia buscar os mariscos, estava sem cinto de segurança, uma kombi que já é um veículo meio perigoso e disse que dois cachorros grandes saíram de uma casa. Lá era um local que estava em obras, o cachorro grande conseguiu soltar da coleira e foi atrás do cachorro menor. E passaram na frente dele, eles viram ele virar o veículo nesse momento, o veículo pegou pedras, tinha um barranco que ele desceu, capotou, infelizmente ficou em coma e aí, eu perdi o meu filho. Triste, duro é você viajar de São Paulo e chegar e ver aquele corpo do seu filho imóvel e não poder fazer nada. Esse foi o lado mais triste da minha vida, foi esse (choro). Mas Deus é quem sabe, né? Desculpa, desculpa.

P - Imagina, seu Cesário.

R - Mas quando eu entro nesse campo é difícil, é difícil, por mais que já vá pra 11 anos é difícil ver a imagem do meu filho.

P - Até vou me justificar aqui, porque no fim é uma história de vida do senhor, então, a gente tenta pegar as...

R - Faz parte.

P - Exatamente.

R - Tua pergunta, ela faz parte, acho que você tinha que fazer, mas realmente, acho que esse é o lado mais triste. Perdi o meu pai, perdi a minha mãe, mas é uma tendência natural você perder os seus pais, mas quando você tem na sua vida uma inversão de valores nesse aspecto, é muito difícil. Eu torço muito pra que pais não passem pelo que eu passei porque é muito difícil, muitos passaram, passam e passarão, mas seria maravilhoso se ninguém passasse por isso, que a ordem, realmente, de seguir o seu rumo, que os mais velhos, a gente tratasse com carinho até o último dia, mas não os nossos filhos, os nossos netos, é muito triste. Masss, nessa hora nós temos mais uma vez, acreditar em Deus e dizer que, como a gente vai aprendendo todo dia, ninguém sabe nada, eu estou aprendendo a cada dia, e eu aprendi também que foram-se daqui mas nasceram em outro lugar e é nisso que a gente tem que acreditar, que eles nasceram em outro lugar, que ele está vivo em outro lugar. E um dia eu poderei de novo abraçar os meus pais, o meu filho e todos que já se foram. E é isso que nos dá tranquilidade pra continuar a nossa luta, porque enquanto estivermos aqui temos que fazer pra que nossa vida seja a melhora possível, então, vamos em frente. TROCA DE FITA

P - Bom, seu Cesário, a gente já está indo já para uma parte mais de finalização da nossa entrevista. Queria que o senhor falasse de hoje, conta um dia seu pra gente aqui, o seu cotidiano?

R - O meu cotidiano hoje, meu amigo, depois de tantos balanços pela vida, tantos vai-e-vem, hoje eu sou um homem que de certa forma me sinto, acho que nenhum ser humano chega a se sentir totalmente realizado, por isso somos lutadores, continuamos sempre trabalhando, sempre lutando, mas eu sinto bem, me sinto confortável em relação a minha vida profissional, a minha vida familiar, gostaria de ter mais tempo pra minha família, para os meus netos. Faço o que eu posso, mas sei que não faço tudo o que deveria fazer, mas amo o meu filho que graças a Deus está vivo, amo meus netos, minha nora, amo minha família toda, eu amo as pessoas, na verdade eu acho que eu tenho muito amor dentro de mim, graças a Deus. Mas de certa forma me sinto realizado porque aquele menino simples que veio lá das montanhas de Portugal conseguiu, pelo menos, ter um lugarzinho ao sol. Hoje eu tenho minha casa aqui em São Paulo, um apartamento bom, graças a Deus, tenho minha casinha no litoral, uma casa boa, confortável. Hoje eu trabalho, continuo trabalhando muito. Aliás, estou aqui nessa maravilha de entrevista e, ao mesmo tempo, não posso deixar de me lembrar do meu dever lá na casa onde eu fico, apesar de ter bons gerentes, bons funcionários. Eu trabalho ainda em torno de 12 horas por dia, mas hoje eu e os meus sócios conseguimos ter dois dias de folga por semana, então folgo segunda e terça, desço, vou pro litoral. A minha mulher também consegue desviar-se pelo menos um ou dois dias da loja, também consegue descer comigo, ficamos lá, renovamos as energias, molhamos os pés na água, ou o joelho, ou o corpo todo, enfim. E hoje a minha vida é essa, o meu trabalho, continuo trabalhando apesar de aposentado, aposentado entre aspas, pras empresas que eu trabalhei, com 47 anos, mas continuo trabalhando muito, sempre. Acho que todos nós devemos fazer isso, o ser humano não pode parar. Não pode: “Ah, aposentei-me, vou sentar em um banquinho de praça, vou ficar contando histórias, jogando baralho e doença”. Não. Nós temos que falar de vida, de saúde, de coisas boas, coisas positivas, temos que ter prazer em receber as pessoas que vão nas nossas casas. Por isso eu tenho esse compromisso com os nossos clientes, eu fico na porta do nosso restaurante recebendo as pessoas, cumprimentando as pessoas, dando a mão pra todo mundo, alguns ficam até assim, acham meio estranho porque não estão acostumados a todas as casas aqui que aconteça isso, ainda mais com esse negócio de gripe e tal, alguns ficam com receio (risos), mas a gente tem o gelzinho lá pra passar na mão, inclusive para os clientes. Mas eu faço questão, sim, de cumprimentar todos os nossos clientes que vão lá nas nossas casas, tem até uma comunidade coreana que criaram um site lá, “I love Magic Chicken”, “Eu amo Magic Chicken”, e elas às vezes falavam dos tiozinhos, porque são jovens de 17, 18, 15, 20 anos. Então, eles falavam: “Tem aquele tiozinho que cumprimenta a gente à moda antiga”, que é essa coisa de cumprimentar todo mundo e acho que tudo isso é uma conquista que você tem. A gente percebe que pessoas boas, famílias, tanto jovem, criança de colo, carrinho, pessoas idosas. Eu tenho muito carinho por todo esse público porque eles vão a nossa casa e também demonstram esse carinho com a gente. E quando nós não estamos lá o pessoal cobra: “Onde você estava, que eu vim tal dia e você não estava Pôxa”. Isso é uma riqueza, mais do que qualquer valor, dinheiro, essa riqueza de você ter amigos, ter pessoas, mesmo novas na sua vida, mas que você sente que se sentem bem indo onde você está, que gostam de conversar com você, gostam de te ver, e eu acho que isso realmente me dá muita alegria. E eu confesso aqui pra vocês, é difícil eu falar isso, mas eu vou falar pra vocês. Eu acho que muito desse sucesso que nós tivemos nessa nossa empreitada, muitas vezes eu senti meu filho comigo, ali do meu lado, me dando força, me dando vontade de sorrir pras pessoas, de passar uma imagem legal pras pessoas, eu senti muitas vezes essa presença do meu filho ali do meu lado. E quero continuar sentindo sempre de uma forma positiva, de uma forma legal, né? Então, é isso meu amigo, minha vida atual é essa, trabalhar, trabalhar, dentro do possível ter um pouquinho de lazer na minha vida, ver os meus netos, poder, se eu puder, graças a Deus meu filho e minha nora estão seguindo suas vidas, trabalham os dois, mas dentro daquilo que a gente pode fazer pelos netos, que todo avô é coruja, adora os netos, a gente vai também participando. Tenho dois netos maravilhosos, o Richard e a Isabelle, adoro, amo de paixão essas crianças e a gente sente isso neles. Então, apesar dos traumas da vida, eu me acho uma pessoa feliz.

P - Cesário, você voltou pra Portugal, pra cidade?

R - Por incrível que pareça, meu amigo, não. Talvez porque eu vim menino, talvez porque a minha família toda veio pra cá e eu tinha 12 anos, então, todos esses 48 anos de uma vida nova aqui. Eu vou, com certeza eu vou. Era para eu ter ido ano retrasado, passado, esse ano (risos), e ainda não deu certo. Talvez porque esse ramo da gente também prende muito a gente, as pessoas vão falar, “Pôxa, eu tenho isso e isso e vou”. Não sei, talvez por isso, porque você não tem lá um filho, uma mãe que você vai ter um motivo mais forte pra você visitar. Mas eu queria sim, ir na minha terra, visitar, chegar em Lisboa, alugar um carro, ir lá na casinha onde eu nasci, ver aquela casa feita de pedra, ir lá nas montanhas, ir lá em uma pedra enorme que tem lá na minha cidadezinha que a gente chamava de Castelo. Poder ver aquilo onde você nasceu, onde você andou com o pé descalço, onde você correu, onde você muitas vezes machucou os dedos dos pés batendo em pedra, correndo (risos). Lógico que eu tenho uma saudade imensa dentro de mim mas, ao mesmo tempo, por incrível que pareça, eu ainda não tive essa oportunidade. Mas eu vou (risos).

P - O caratê, abandonou?

R - Como eu falei, eu sempre fui coração e guerreiro. Ou seja, amigo de todo mundo, mas não venha pra cima que eu sou bravo (risos). Com todo esse coração bom, de gostar das pessoas, mas na hora de ser guerreiro eu sempre fui guerreiro. E eu acho que na minha época eu fiz caratê pra ver se eu até acalmava porque quando algum rapaz mexia comigo, olhava torto, eu era terrível, brigava muito, era briguento. Então, a arte marcial te direciona, te disciplina, e você acaba realmente tendo o controle das suas emoções. Ninguém é de ferro, não totalmente, mas ela te dá uma tranquilidade tão grande na hora do perigo que ela faz com que você realmente tenha essa calma. E eu fiz caratê por quase 15 anos, passei a professor de caratê shotokan. Tenho marcas até hoje, no pé, no dedo, um corte aqui, da época, porque é um caratê pra valer, a arte marcial pura, e nós não fazíamos arte marcial com protetor, é ao vivo e a cores mesmo (risos). Então, foi uma parte em minha vida que eu sempre tive essa coisa dentro de mim, de guerreiro para o trabalho, guerreiro para a vida e também guerreiro dentro da luta (risos).

P - Gibis, deixou de lado?

R - Deixei, porque chega uma época que você é obrigado a parar. Eu operei os dois joelhos, os dois meniscos. Caratê quase 15 anos, futebol quase a vida toda, chega um dia... Amigo, um bom carro que você compra, chega uma hora que você tem que trocar a peça, né? E eu tive também, operei dois meniscos e o médico, o grande doutor Marcos falou: “Amigo, vai com calma agora”. Então, hoje eu tento fazer algum esporte que não necessite de impacto, de tanta força. Mas eu ando de bicicleta, caminho muito. Às vezes arrisco ainda correr um pouco, mas o joelho realmente... Mas ando muito de bicicleta, chego no litoral, ando 18, 20 quilômetros de bicicleta, entro na água, adoro fazer exercícios, chega na água, seja... Enfim, eu não sou uma pessoa parada, levanto de manhã, já faço meus exercícios antes de ir pro trabalho. Uma coisa que faz parte da minha vida é a movimentação do corpo, não ficar parado. Senão a gente enferruja, né? Não pode parar. Ferro, enferruja e é forte, né? (risos).

P - Bom, teve alguma pergunta, alguma coisa que a gente não perguntou para o senhor, que o senhor gostaria de falar pra gente, alguma passagem?

R - Olha meus amigos, eu acho que não, acho que você foi bastante perspicaz, fez perguntas que talvez eu nem tivesse falado de algumas etapas da minha vida se você não tivesse perguntado. Acho que você, realmente, perguntou bastante, acho que eu falei. Lógico que a nossa vida, de quase 60 anos, tá aí, to pertinho, dia primeiro de abril (risos), é tanto tempo que se eu fosse contar todos os detalhes realmente nós teriamos que ficar aqui pelo menos, sei lá eu, uma semana, falando de toda a vida, toda a história detalhada. Mas, resumindo, acho que nós falamos e o que você perguntou, realmente resume bem essa parte da minha vida, essa história principalmente, nessa terra, nesse São Paulo que eu amo e que eu volto a repetir, tem tanta coisa maravilhosa apesar de também termos coisas aqui que nos fazem sofrer. Mas é uma cidade que eu amo muito e vou amar até partir pra outra, né? (risos).

P - Em nome do Museu da Pessoa eu gostaria de agradecer muuito a entrevista, foi muito legal. Obrigado.

R - Eu que agradeço a vocês, muito obrigado, um abraço a todos.