Museu da Pessoa

Novos tempos, novos comércios

autoria: Museu da Pessoa personagem: Gabriel Gustavo Daniel

P/1 – Gabriel, fala pra mim o seu nome completo, local e data de nascimento pra ficar registrado.

R – Meu nome é Gabriel Gustavo Daniel, nascido e criado em São Paulo, capital.

P/1 – Que dia você nasceu?

R – Eu nasci no dia 15 de junho de 1988.

P/1 – E o seu pai, qual o nome dele?

R – Juan Ruben Miguel Daniel. Argentino, nascido em Buenos Aires em oito de fevereiro de 1940.

P/1 – A família inteira dele é da Argentina?

R – Não, não, não. Putz, aí já é um catadão grande. Os pais do meu pai eram alemães judeus e fugiram da guerra em 37, 38, já sabia-se que entrariam num processo de guerra, de perseguição e eles fugiram pra Inglaterra. Lá eles tiveram a Miriam, que é a minha tia, e da Inglaterra eles vieram pra Argentina. Tinham amigos, alguma coisa assim, e vieram pra Argentina e meu pai nasceu na Argentina e ficou lá por 18 anos. Aí ele veio pro Brasil na casa de uma amiga da mãe dele, tal, pra passar férias, acabou ficando, depois voltou pra Argentina, casou, teve o primeiro casamento e tudo o mais. E depois só veio a voltar pro Brasil em 70 e pouco, já com 30 e poucos anos e aí ficou.

P/1 – Em São Paulo.

R – Em São Paulo mesmo.

P/1 – E a família do seu pai, você sabe o que ela fazia, do que eles trabalhavam?

R – A minha avó eu não sei te precisar. O meu avô trabalhava com cavalos.

P/1 – Como assim?

R – Cuidava de cavalo, tinha cavalo. Não sei te explicar bem, mas eu sei que ele trabalhava com cavalos.

P/1 – E o seu pai na Argentina falava como é que era na Argentina quando ele trabalhava?

R – Meu pai já trabalhou em um milhão de coisas diferentes, mas na Argentina ele passou mais a parte de juventude, tal. Um momento até muito conturbado politicamente na Argentina, também com perseguição a judeus, conviveu com perseguição a nazistas que fugiram da Alemanha e foram pra Argentina, então era um momento bem conturbado.

P/1 – Ah, é? Ele falava isso.

R – Sim, sim, sim.

P/1 – Aí ele ficou até com 18 anos.

R – Com 18 ele veio pro Brasil, aí ficou um ano, uma coisa assim, no Brasil, voltou pra Argentina e depois voltou pro Brasil dez anos depois.

P/1 – E ele trabalhou com muitas coisas, você falou.

R – Muita coisa, muita coisa. Ele já trabalhou com comércio de eletrodomésticos com vinhos, com transportes, com plantação agrícola, já fez tudo, muita coisa.

P/1 – Isso na Argentina?

R – Não, muita coisa aqui no Brasil, já. A representação de vinhos foi aqui no Brasil, transportes foi aqui no Brasil, plantação de alho ele teve no Paraná, bastante coisa.

P/1 – E a sua mãe, qual é o nome dela e como ela é?

R – Célia Maria Ortega. Minha mãe nasceu em 1954 em Itapetininga, aqui no interior de São Paulo, e se formou em Direito na faculdade, mas não sei se chegou a exercer de fato. Não lembro trabalhos anteriores até o momento em que de fato, desde 94 que ela trabalha aqui na Cerealista Barroso, trabalhou com meu pai durante muito tempo. Meu pai se aposentou daqui, agora trabalha com meu irmão e tudo o mais, já há 20 anos.

P/1 – Você sabe como seu pai e a sua mãe se conheceram?

R – Acho que num bar, alguma coisa assim. Mas foi acaso, não tinham amigos em comum, nada assim.

P/1 – E foi muito tempo atrás?

R – Acho que foi uns dois anos antes do meu irmão nascer, foi em 83, não lembro bem.

P/1 – Mas já era o segundo casamento, né, que você falou.

R – Foi o segundo casamento.

P/1 – E desse casamento nasceu quem?

R – Desse casamento com a minha mãe?

P/1 – É.

R – Nasceu o Rafael e eu, só.

P/1 – Você e seu irmão. Ele é mais velho que você.

R – Ele é mais velho.

P/1 – Quantos anos?

R – O Rafa é de 83, 32, vai fazer 33 no final do ano.

P/1 – E quando você nasceu vocês moravam onde em São Paulo?

R – Quando eu nasci de fato a gente morava em Aldeia da Serra. A gente morou lá até 94. Foi quando meus pais se separaram e a gente veio pra São Paulo. Meu pai continuou lá até 98, alguma coisa assim.

P/1 – Então você teve a sua infância em Aldeia da Serra, é isso?

R – Ah, não bem infância, porque em 94 eu tinha seis anos só, então eu tive uma parte em Aldeia da Serra. Foi muito mais finais de semana que eu passava com meu pai, mas não, a maior parte da minha infância foi realmente em São Paulo. A parte que eu me lembro.

P/1 – Você não se lembra muito de Aldeia da Serra.

R – Não porque eu era muito pequeno, cara. Eu lembro, mas assim, putz, eu era muito pequeno. Eu vim pra São Paulo em 94, eu entrei na pré-escola, antes da primeira série, eu era muito pequeno.

P/1 – Mas o que você se lembra de lá?

R – Da casa. A gente morava numa casa legal, de jogar bola, pouca coisa.

P/1 – Os seus pais se separaram e vocês foram morar em São Paulo, você, seu irmão e sua mãe.

R – Isso, a gente veio pra cá.

P/1 – Onde vocês foram morar?

R – A gente foi morar em Moema.

P/1 – Aí você ficou um bom tempo lá?

R – Cara, eu morei em Moema a minha vida inteira, até janeiro desse ano, eu mudei pro Itaim Bibi agora, mas morei em Moema minha vida inteira. Morei em vários prédios, em uma rua, outra, morei em quatro prédios diferentes. Mas sempre em Moema.

P/1 – Sempre em Moema. Qual foi o primeiro apartamento que você morou, onde é que era?

R – Era na Avenida Jacutinga, um predinho.

P/1 – Como é que foi crescer lá?

R – Como é crescer dentro de um prédio, assim, é uma infância de apartamento, com os amigos do prédio, joga bola com a galera do prédio, normal, tranquilo. Um bairro tranquilo tem tudo perto, fazia natação, essas coisas todas. Normal.

P/1 – Você brincava de alguma coisa que você gostava?

R – Gostava de jogar bola, cara. Gostava de jogar bola, jogar tênis, gostava de esportes em geral.

P/1 – Como era esse apartamento?

R – Não sei te descrever, cara, normal. Apartamento. Três quartos e uma sala, uma cozinha.

P/1 – E você falou que começou a estudar. Onde que foi?

R – Pueri Domus em Aldeia da Serra. Depois quando a gente foi pra São Paulo eu fiz Pueri Domus aqui na Verbo Divino, até a oitava série. Aí o colegial eu fiz no Colégio Stockler.

P/1 – E como era o Pueri Domus?

R – Eu gostava bastante, cara. O colégio era bem grande, bastante gente, tinha um monte de quadra, tinha olimpíadas do colégio contra os outros colégios. São três Pueri Domus, juntava e tinha jogo contra. Puta, era um colégio bem legal, bem legal mesmo. Eu não gostaria de ter saído, mas eu saí porque ele estava em um processo de decadência muito grande, estava muito fraco. Pensando em vestibular, faculdade.

P/1 – Não ia dar.

R – Pra você ter uma ideia, ele estava numa debandada muito grande. Quando meu irmão se formou no Pueri Domus ele tinha cinco ou seis salas de terceiro colegial e quando eu estava na oitava série o primeiro colegial tinha duas salas. Já não tinha mais aluno. Tinha muito aluno e de repente começou todo mundo sair do colégio. Estava realmente em um processo de decadência muito grande, então a gente, entre uns oito, nove amigos decidimos sair, saiu todo mundo junto para o mesmo colégio.

P/1 – E como era a relação com seu irmão nessa época? Vocês faziam tudo junto?

R – Cara, era boa. A gente nunca brigou, mas não era fazer tudo junto, tinha uma diferença de idade relativamente grande que vai se encurtando conforme vai passando o tempo, mas na época era relativamente grande. Então são quatro anos e meio, quase cinco anos. Putz, quando você está no colégio faz muita diferença, os assuntos não batem, as turmas não se conversam. Mas com o tempo isso foi se encurtando. Hoje a gente trabalha junto, é sócio.

P/1 – Vocês iam como pra escola, a pé?

R – Não, minha mãe deixava a gente.

P/1 – No Pueri Domus tem alguma história que você lembra que te marcou lá?

R – Não, cara. Muito marcante não.

P/1 – E nessa época você lembra de algum professor que você gostava, alguma matéria que você gostava já, desde o início?

R – No colégio?

P/1 – No Pueri Domus ainda.

R – Educação Física (risos), acho que era. Não lembro de nada muito marcante no Pueri de professores. Lembro de alguns professores, mas mais porque lembro, nada muito marcante, nada muito formador de caráter.

P/1 – Você sempre gostou de esporte mesmo, você falou.

R – Sempre gostei de ver, de jogar.

P/1 – Você joga mais futebol, você falou?

R – Agora não jogo mais nada, cara. Eu operei os dois joelhos já e preciso operar o direito de novo, o ligamento rompido. Agora faço cada vez menos, mas acompanho muito.

P/1 – E por que você teve que operar tanto o joelho?

R – Porque eu rompi o ligamento cruzado do esquerdo jogando bola e do direito fazendo boxe. E do direito de novo fazendo boxe de novo. Então eu preciso dar um tempinho.

P/1 – Você torce pra que time?

R – Torço pro São Paulo.

P/1 – Você já foi assistir jogo?

R – Vou muito assistir jogo, muito.

P/1 – Até hoje?

R – Até hoje. Quarta-feira passada estava lá, teve jogo da Libertadores. Eu vou bastante.

P/1 – E você disse que machucou o joelho, você fez boxe, até quando foi isso?

R – Fiz boxe até... a primeira vez que eu rompi fazendo boxe foi em 2013, eu já fazia boxe há uns três anos e fiz boxe até o ano passado, quando coisei de novo.

P/1 – Como é que foi passar do futebol pro boxe?

R – Normal, normal. O futebol é um negócio que demanda muito pra você conseguir jogar, você junta uma galera, precisa alugar um espaço. O boxe simplesmente se inscreve e vai. Você faz os seus horários, enfim, é muito mais simples. Jogar bola é um negócio que é difícil, cara. Já tentei, a gente tentava muito, um milhão de vezes virar mensalista em algum lugar mas é difícil, mas alguém não vai, mas alguém não pode. E conforme vai passando o tempo vai ficando, sinceramente, cada vez mais difícil, o pessoal, cada um tem um horário de trabalho, tem gente que nunca sabe que horas vai sair. É diferente daqui, deu cinco horas, baixou a porta, acabou, fechou. Muitos amigos têm empresas e não têm horário nem pra chegar, nem pra sair. Então é difícil, realmente.

P/1 – E é o pessoal de onde, do Pueri Domus que você está falando?

R – Não. A maioria dos meus amigos hoje é mais pessoal da faculdade.

P/1 – E como é que surgiu essa ideia de fazer boxe? Não, eu quero fazer esse esporte.

R – Surgiu porque a gente ia na academia da esquina de casa, parecia legal, o professor era muito bom, fui fazer uma aula teste, gostei.

P/1 – Do que você gostou no boxe?

R – Da dinâmica do negócio. É muito dinâmico, um monte de processo pra fazer, bastante inteligente. É um esporte bem legal, bem estratégico.

P/1 – Você tem algum ídolo no boxe?

R – Não, não, não. Não tenho ídolos. Tem alguns caras que eu acompanho, mas não sou fã de ninguém.

P/1 – E de futebol?

R – De futebol, se eu pudesse colocar um cara mais do que o Rogério, que é o maior ídolo do meu time, mas assim, em futebol, um cara que eu olhava e falava: “Puta, esse cara é foda”, é o Romário.

P/1 – Romário.

R – Romário era muito mito, cara. Mas hoje não tenho grandes ídolos, mas acompanho todos os caras que jogam no meu time.

P/1 – E você saiu do Pueri Domus e foi pra?

R – Stockler.

P/1 – Como era esse colégio?

R – Cara, um colégio pequenininho ali no Brooklin, tem duas salas pra cada série, 20 pessoas por sala e total foco em vestibular, essas coisas. É um colégio bem puxado.

P/1 – Me fala um pouco como era esse colégio.

R – Um colégio pequeno, muito focado em vestibular, em estudo, essas coisas. Um colégio cheio de matéria, com uma dinâmica um pouquinho diferente, os professores não tinham mesa, dinâmica um pouco de cursinho, só que primeiro, segundo e terceiro colegial.

P/1 – E mudou muita coisa do Pueri Domus até esse Stockler? O que você sentiu?

R – Mudou tudo. Eu estava num colégio gigante que só de quadra esportiva acho que já era maior que o Stockler. O Stockler era uma casa, praticamente, uma casa com umas salas de aula, é (risos). Mas não me incomodava muito, não, na verdade a gente saiu do Pueri porque quis, uma decisão consensual. A gente saiu em uns oito ou nove caras. Então foi bom, não foi ruim, foi uma coisa que a gente escolheu. Hoje em dia eu olho pra trás e falo: “Putz, não escolheria de novo”. Muito noiado com vestibular, as coisas acho que tinham que ser um pouquinho mais... Mas também não teria ficado no Pueri, não sei o que teria feito.

P/1 – E que você ficou três anos se preparando pro vestibular, né?

R – Não, eu fiquei os três anos em um colégio focado em vestibular, eu nunca me preocupei muito com vestibular, tanto que eu fiz só um vestibular, nem prestei Fuvest, nunca foi meu grande foco. Eu queria ir para um colégio bom.

P/1 – Mas nessa época tinha alguma coisa que você pensava que você queria fazer mais? Um emprego, uma profissão?

R – Não, não, não. Nunca foi claro pra mim o que eu queria fazer, nunca. Tanto que eu fiz duas faculdades, fiz um e depois fiz outra.

P/1 – E quem saiu com você do Pueri Domus pro Stockler, foram seus melhores amigos?

R – Na época eram meus melhores amigos. Hoje um deles continua sendo, os demais eu tenho pouco contato, pouco ou nenhum. Porque, putz cara, as pessoas vão formando personalidades distintas ao longo da vida e quando você é novo isso não fica tão claro, mas depois quando você começa a ficar mais velho você começa a ver uma série de valores que não batem, assuntos que não têm nada a ver e acaba se distanciando.

P/1 – E você estava no seu último ano e o seu pai ou a sua mãe falaram: “Ah, você tem que prestar alguma coisa”.

R – Não, jamais, nunca. Nunca, nunca, nunca tive esse tipo de pressão ou papo em casa, jamais, jamais, jamais. Quando eu mudei de colégio eu mudei porque eu quis, quando eu fiz o vestibular eu fiz porque eu quis, quando eu quis fazer a outra faculdade foi porque eu quis. Este tipo de pressão ou papo eu nunca tive.

P/1 – Sua mãe não ficava muito em cima.

R – Não, zero, zero, zero.

P/1 – E o que você fez nesse último ano, no terceiro ano?

R – Normal. Sofri pra caralho no colégio porque era o ano mais difícil, tinha a porra dos simulados pra caceta e tá lá, quase tomando pau. Mas foi isso. Eu fiz normal. Na época eu resolvi fazer Comunicação Social na ESPM. Prestei ESPM, só ESPM, passei, entrei.

P/1 – E como é que foi o dia que você entrou na ESPM?

R – O dia do trote, né? Ah, normal, sei lá, meio sem emoções assim. Um negócio que eu acho besta pra caralho, então não é um negócio que me emociona, mas ao mesmo tempo tinha que ir, então, uma situação meio constrangedora, mas eu fui. Nunca dei trote e acho um dos bagulhos mais bestas que tem.

P/1 – E você entrou na sala e como é que era, tinha muitos alunos?

R – Normal, tinha uns 30 alunos. E não conhecia ninguém, fui começando a conhecer as pessoas e tal. Muita gente diferente, totalmente diferente do colégio.

P/1 – Ah, é? Como assim?

R – Tinha gente que vinha do interior pra estudar. E uma outra galera, totalmente diferente. Ninguém era do Stockler, ou ninguém era do Pueri, então puta, outras cabeças, outra maneira de pensar, outros papos. Interessante, legal.

P/1 – Você achou interessante então essa...

R – Achei, achei.

P/1 – Você aprendeu alguma coisa com esse pessoal? Quem que era, dá um exemplo, que era diferente assim, por exemplo, um cara do interior.

R – É, pô, era um cara de Araraquara. Tinha uma menina também de Bauru. Pô, sei lá, legal, engraçado o sotaque do cara, dá risada das histórias. A gente teve um _0:21:06_, que é um jogo universitário, foi em Araraquara, a gente foi, conheceu a casa do cara. Foi legal, foi legal.

P/1 – E como é a ESPM?

R – Cara, a ESPM é um grande colégio, ela tem esse clima de colégio, o que de certa forma pra mim é um lado um pouco negativo, ela não é tão faculdade. Então ao mesmo tempo que eu conheci um monte de gente diferente, mas um monte de gente diferente dentro de um universo limitado. A gente não está falando de um universo PUC, Mackenzie que você conhece realmente gente totalmente diferente. A ESPM é um universo muito mais limitado, segmentado por grana, é diferente. Não tem ninguém na ESPM que trabalha pra pagar a faculdade, trabalha de dia e faz a faculdade de noite, não tem. É um perfil de gente pasteurizada e um ambiente pequeno também, com uma quadra central onde todo mundo fica lá na hora do intervalo, um coisa bem colégio assim, mas com uma galera mais heterogênea do que a galera que eu estudava no colégio. Foi bom, foi legal, a faculdade é bem legal, conheci gente pra caramba, que pra mim foi o mais importante ter conhecido um monte de gente legal que hoje está em um monte de lugar legal. Então eu tenho amigos trabalhando no Google, tenho amigos trabalhando em grandes empresas, são contatos que você tem e formam parte da sua rede de contatos, são pessoas que daqui cinco a dez anos podem ser pessoas bastante importantes, entendeu? Então eu acho que você tem uma rede de relacionamentos muito interessante fazendo a ESPM. São pessoas que em grande parte vão estar em evidência na carreira profissional, então é uma puta coisa legal também.

P/1 – E como eram as aulas, as matérias de Comunicação Social?

R – Puta, tem todo um lado de formação que é uma base, tem Antropologia, Sociologia, essas coisas. E aí tem um lado mais específico, é Marketing, Publicidade mesmo. Tem essas duas...

P/1 – Essas duas linhas.

R – Que na verdade é Propaganda e Marketing.

P/1 – Só tem um outro nome.

R – Falam Comunicação Social, mas na verdade é Publicidade.

P/1 – E o que você via em Comunicação Social que você falou: “Não, vou fazer esse curso agora”? O que chamava a atenção?

R – Eu achava que era um lugar onde pessoas comunicativas teriam talvez algum fit, teria sentido fazer. Eu gostava de escrever e não queria ser jornalista, então eu falei: “Pô, talvez faça sentido”.

P/1 – Por que você não queria ser jornalista?

R – Nunca tive essa vontade, não era uma carreira que me chamava a atenção. Então achei que Publicidade fosse uma coisa que eu gostasse mais.

P/1 – E desses dois lados da ESPM que você falou você gostava mais de algum deles?

R – Eu gostava muito mais do lado formativo, Antropologia, Sociologia, essas aulas eu gostava muito. Foi aí que eu comecei a me dar conta que eu não gostava da Publicidade (risos). Mas aí foi um outro processo.

P/1 – E do que você gostava dessas aulas de Antropologia, Sociologia?

R – Puta, eu achava interessantaço, cara! Os pensamentos, os caras, as análises, eu achava fantástico. Acho ainda, só que na época eu estudava aquilo, lia os livros.

P/1 – Teve algum autor ou professor ou texto que você goste bastante, alguma linha?

R – Pô, cara, eu tive aula com o Clóvis de Barros Filho, quem não conhece deveria conhecer, que é um monstro, cara, um monstro. Um professor da USP, foi no Jô Soares duas vezes. Agora ele está mega em alta, na época ele não era conhecido. E ele apresentou pra gente conceitos muito interessantes de ética e de comunicação, muito interessantes mesmo. Coisas como Escola de Frankfurt e tal.

P/1 – Adorno, esses caras?

R – Adorno. Bem, bem legal.

P/1 – Então foi um curso bem profundo por um lado.

R – Foi, foi, foi. Assim, pra quem tinha interesse e ia atrás, total, total.

P/1 – E você fez alguma pesquisa lá dentro, foi seguir algum professor ou algum tema específico. Tem TCC lá?

R – Tem. Tem TCC, tem TCC. TCC você pode escolher fazer uma análise de uma empresa, ou de um produto, ou de fazer uma tese, ou fazer um projeto empreendedor. E a gente fez um projeto empreendedor em grupo na época.

P/1 – E como é que foi esse projeto?

R – A gente fez a análise da viabilidade da abertura de um hostel na cidade de São Paulo, isso em 2010, tinha só 13 hostels aqui em São Paulo.

P/1 – Ah, é?

R – Agora já tem mais de 40. Na época tinha só 13 e a gente falou: “Pô, já que a gente vai ter que ficar um ano fazendo esse negócio, vamos fazer um negócio que talvez a gente possa depois até colocar em prática”. E fizemos e foi super bem, ganhamos prêmio de melhor projeto, foi bem legal.

P/1 – Você fez com quem esse projeto?

R – Eu fiz com quatro amigos.

P/1 – E você fez algum estágio nesse período da faculdade?

R – Fiz um estágio numa agência. Odiei. Saí. E depois fui trabalhar em outros lugares, mais relacionados à gastronomia.

P/1 – O que você não gostava em Publicidade?

R – O que eu não gostava?

P/1 – É.

R – Puta, o conceito de Publicidade em si.

P/1 – Ah, é?

R – Chegar numa agência e, sei lá, ter que escrever um texto pra vender fralda, assim, sei lá, entendeu? E a maneira como as pessoas lidam com o negócio. Tipo, o cara que é do Departamento de Marketing da Pampers, ele está fazendo um lançamento de fraldas e ele está tão noiado naquele negócio que aquilo vira um bagulho muito importante. Enquanto na real, meu, foda-se, tá ligado? É fralda, velho, compra a sua ou compra a outra. As pessoas começam a trabalhar em determinadas empresas e se envolver com determinadas marcas ou produtos e aquilo vira um produto mega importante: “Fudeu! É pra ontem! Tem que sair o negócio”. Meu, calma cara, é só um picolé. Eu acho que o Marketing e a Publicidade caminham lado a lado com uma maneira de pensar que eu acho que é muito estressante, muito noiada, meu, menos.

P/1 – Você acha que não precisa tanto esforço para um produto.

R – Não, eu acho que precisa, de fato se você quer vender você precisa estar na cabeça do cara, do consumidor, não sei o quê, não sei o que lá. Mas também precisar eu já acho que não... tá errado de certa forma. Mas enfim, é o mundo em que vivemos, não dá pra lutar contra, só não gosto, então preferi ir trabalhar com outra coisa.

P/1 – Entendi. Então você trabalhou em agência e não gostou.

R – Não gostei, não gostei. Eu gostava de escrever mas não gostava de briefing, entendeu? É diferente você gostar de escrever, você escrever pro jornalzinho da faculdade, você escreve o que você quiser e você ter um briefing pra falar de um produto. E aí você tem que construir um texto baseado naquilo. Então você está cerceado pelo que o cliente quer, ou pelo que o briefing manda, isso não me dava tesão nenhum.

P/1 – Entendi. Você escreveu pro jornal da ESPM?

R – Escrevia, escrevia groselha só.

P/1 – Como assim? (risos)

R – Ah, nem lembro. Qualquer bobagem, sei lá, escrevia bosta. Mas escrevia.

P/1 – E como é que surgiu esse negócio de escrever na sua vida?

R – Não tenho a menor ideia, cara, a menor ideia. Sempre gostei, sempre gostei. Sempre gostei e sempre escrevi bastante. Agora eu não escrevo mais nada, minha letra você vai ver que é um garrancho, até a minha letra ficou ruim. Agora não escrevo muito, só escrevo no Facebook, posto. Mas não textão, zero, só groselha também, só pra passar o tempo.

P/1 – Mas o que você escrevia antes?

R – Putz, cara, não lembro bem. Coisas da época.

P/1 – Mas você comentava o que acontecia, era isso?

R – Acho que coisas da época, se ia ter um evento, uma festa, se teve, alguma coisa assim. Se acontecia alguma coisa politicamente. Foi na época que tinha muito pano pra manga também pro Lula, história do Mensalão. Escrevi algumas coisas assim, nada muito sério, nada grave.

P/1 – Você gostava era de escrever, o que importava era escrever.

R – Gostava de escrever.

P/1 – Isso começou com leitura também? Você lia muito?

R – Talvez. Cara, eu não lia muito, não, eu lia normal. Eu lia três, quatro livros no ano, que é o que eu leio até hoje, não lia muito, não.

P/1 – Teve algum livro que te marca, algum autor, alguma coisa?

R – Putz, estou pensando aqui. Tem alguns livros que eu gostei bastante de ter lido. Laranja Mecânica foi um deles. Como é que chama o do Caco Barcelos, da Rota? Foi outro.

P/1 – Rota 66.

R – Rota 66. Aí também li O Abusado depois, porque eu tinha gostado do outro. É, foram alguns livros que de certa forma gostei bastante de ter lido, que me fizeram pensar: “Pô, abriu o olho um pouco”. O Laranja Mecânica tem uma pegada bem crazy, você fala: “Puta”. E livros de bobagem, Luís Fernando Veríssimo lia bastante porque achava engraçado, livro pra ler numa passagem.

P/1 – E o que você assistia na época da infância? Você lembra de ter assistido na TV alguma série, alguma coisa?

R – Scooby-Doo. Friends, essas séries americanas. Friends assistia, não lembro outra série americana que eu tenha assistido na época da infância, não. Assistia Friends, desenho, normal. Aqueles desenhos japoneses que passavam...

P/1 – Anime?

R – Não, aquele de futebol, Supercampeões. Sei lá, acho que era isso. TV Colosso. E hoje assisto série pra caramba, assisto Jornal da Band, assisto ESPN demais, Bate Bola, sete, oito, Bate Bola nove, Bate Bola dez. Linha de Passe. Assisto muito ESPN, cara. Muito, muito.

P/1 – Por que Jornal da Band e ESPN?

R – Porque o Bate Bola termina às sete e o Jornal da Band começa às sete e dez, aí já emenda um no outro.

P/1 – E tem alguma série ou filme que você tenha assistido esses anos...

R – Tenho. House of Cards, Game of Thrones, várias, várias. Suits, How I met your mother. Sou bem seriefilo, assisto bastante.

P/1 – E você passou da ESPM e você falou que trabalhou muito com Gastronomia, é isso?

R – Isso. Cara, no final da ESPM eu comecei a estudar Gastronomia, fazer um curso numa escola pequena aqui em São Paulo, em paralelo. A ESPM era à noite e eu fazia o curso de manhã.

P/1 – Ah, você já fazia...

R – Já, junto. ESPM era à noite, só sete e meia as aulas. E aí comecei a trabalhar, fazer uns estágios pontuais em Gastronomia. Trabalhei aqui no Mercadão, numa banca de peixes.

P/1 – Ah, é?

R – É (risos).

P/1 – Como é que foi?

R – Foi legal, cara, fiquei dois meses aí numa banca de peixe do Renato Rabelo. Ele veio aqui semana passada. Foi legal, cara, porque eu queria aprender, queria ver como fazia os negócios. Eu não queria só trabalhar na cozinha em si, queria aprender os processos desde o início. Ah, foi legal pra caramba porque lidava com o público também. Legal, puxado, entrava aí cedaço, mano, cheiro de peixe desgraçado, véio, na roupa inteira, na mão inteira. Não saía. Por dois meses eu cheirei a peixe mesmo. Aí fui trabalhar num açougue ali perto do aeroporto de Congonhas também, pra fazer a mesma coisa só que com açougue, também foi legal. Um açougue de um cliente aqui da Barroso. Eu já conhecia o cara: “Pô, posso ir aí?” “Lógico”. E aí trabalhei em dois restaurantes, Café Jornal e La Tambouille, aqui.

P/1 – Em São Paulo.

R – Isso. Aí eu fui pra Espanha, estudei Gastronomia de fato. Aí fiz um novo curso na Espanha, numa cidadezinha perto de Barcelona, eu fiquei dois anos lá. Fiz esse curso por um ano e trabalhei por mais um ano, curso integral.

P/1 – Vamos voltar então pro curso de Gastronomia. Sempre te chamou a atenção Gastronomia ou foi uma coisa que começou?

R – Cara, eu sempre gostei mas nunca tinha visto isso como uma possibilidade real de profissão, de carreira.

P/1 – Sempre gostou de cozinhar.

R – Sempre gostei de comer.

P/1 – De comer (risos).

R – Sempre gostei de comer. Meu pai sempre cozinhou bem e a gente, quer queira quer não, respirava muito isso porque eu tinha uma empresa de temperos e especiarias da família. Então em casa era bastante normal ter contato com produtos que as pessoas normalmente não tinham, então já tinha essa formação caseira, mas aí foi na faculdade que eu comecei a perceber que não era Publicidade que eu queria, então, o que eu queria? Fui me descobrindo dentro da Gastronomia.

P/1 – Eu esqueci de te perguntar, vocês cresceram com a empresa do seu pai, vocês iam muito na empresa dele?

R – Cara, eu ia às vezes.

P/1 – Era onde aqui?

R – Era aqui na Santa Rosa, sempre foi.

P/1 – Sempre foi o Barroso.

R – Sempre foi. E, cara, eu vinha às vezes e comecei a vir mesmo quando meu pai teve uma cirurgia e ficou afastado alguns meses, teve uma cirurgia de coração, tal, aí eu comecei a vir, eu e meu irmão e tal, foi em 2008, 2009, eu ainda estava na ESPM.

P/1 – Pra ajudar?

R – Pra ajudar. E aí meu irmão ficou mesmo, desde então, ele que toca. Meu pai se aposentou e eu voltei pra cá há dois anos.

P/1 – Pro Brasil.

R – Voltei pro Brasil há três e voltei pra Barroso há dois.

P/1 – Você acha que mudou alguma coisa na sua formação essa coisa de ter vários temperos em casa? Você falou um pouco disso. Como era a presença do negócio do seu pai na vida de vocês?

R – Puta, era algo próximo, não era uma coisa distante, era uma coisa que a gente sabia, conhecia, já tinha vindo. Meu pai sempre quis que alguém levasse a empresa depois. Ele nunca quis, na verdade... ele tem o seguinte pensamento: não desperdice os teus melhores anos trabalhando pra outras pessoas. Ele fala: “Teus 20, 30 anos é quando você mais vai trabalhar, vai render, vai ter força, disposição e vontade de fazer as coisas. Não perca isso trabalhando pra outro cara que nunca vai te pagar o que você merece”. Essa é a cabeça dele. E acabou dando certo (risos). Eu não compartilho tanto desse pensamento, mas de fato acabei tendo um futuro empreendedor, acabou vindo uma raiz disso. Mas trabalhei já pra outras pessoas.

P/1 – Por que você não concorda com esse negócio?

R – Porque não necessariamente você vai ser o cara mais competente pra ser o seu próprio patrão, cara. Não necessariamente você tem maturidade, inteligência, capacidade e repertório, bagagem, experiência pra ter seu próprio negócio. Não necessariamente você vai ter já um negócio da família já esperando pra você. Não necessariamente você vai conseguir trabalhar com alguém da sua família. Era muito complicado quando meu pai estava aí, em termos de mentalidade, é brutal a diferença. Muito diferente. Já eu com meu irmão é mais próximo, mas a gente pensa diferente em bastante coisa. E não é, é família. É difícil, cara, não é pra qualquer um, não é um negócio muito simples, porque não é um negócio separável. Eu chamo minha mãe de mãe no trabalho, entendeu? Não é separável. Falo: “Ô mãe! Mãe!”, parece que eu estou em casa, mas estou no mezanino chamando ela que está lá embaixo. Então é um negócio que não é dissociável, quando tem um estresse, tem um estresse. Com a tua mãe, ou com teu pai, ou com teu irmão, entendeu? Não é que você chega em casa e acabou. Não, se rolou, rolou. Então não é o melhor dos mundos, longe disso na verdade até. Mas também não é o pior.

P/1 – É engraçado você falar isso porque ninguém fala uma coisa dessas. Tem muita gente que herda os negócios do pai aqui na zona cerealista. Então tem esse conflito mesmo, uma coisa que é...

R – É evidente que tem. E quando você herda uma empresa, você herda uma filosofia já, já existe um modus operandi já. E aí você não simplesmente muda isso da noite pro dia, você tenta moldar aquilo à maneira como você pensa, acredita. Meu pai era contra ter site, cara! Eu pus site na empresa em 2009, ele era contra. Ele falou: “Você vai por esses e-mails aí? Você vai por, então você que, tó, eu não vou nem olhar”. Meu pai usava máquina de escrever ainda, cara, em 2009.

P/1 – Em 2009?!

R – 2009. Emitia nota fiscal na máquina de escrever. Pô! É todo um negócio, cara. Meu pai está com iPhone agora, mas não tinha, tecnologia era inimigaça, era um negócio...

P/1 – Você teve que dar pra ele o celular.

R – Agora ele já é muito mais íntimo de tecnologia, manda e-mail direto, manda WhatsApp, manda foto, mas até cinco anos, seis anos, sete anos atrás era nada, cara, não tinha computador! Não tinha computador em casa.

P/1 – Em casa.

R – Na dele, né? Não tinha computador. Então era um negócio completamente...

P/1 – Mas como é que era mais especificamente a cabeça dele pros negócios?

R – Cara, meu pai é muito bom de negócio, disso eu não posso reclamar. Ele é bom de ir atrás dos caras, de achar os caras, ele fez muito negócio, cara. Então de fato ele entregou uma empresa super saudável, uma empresa que estava redondinha, não tem muito a acrescentar.

P/1 – E era Barroso na época dele que começou, ele trabalhava com quê?

R – Ele trabalhava com alho e cebola.

P/1 – Alho e cebola só.

R – Alho e cebola.

P/1 – Importação ou era atacado?

R – Importação e tudo o mais. Mas aí ele começou a se ligar que cebola se não vende estraga e perde a mercadoria e tal. Ele que começou aqui na rua com essa história de temperos, especiarias e principalmente misturas, isso ninguém fazia.

P/1 – Mistura, como assim?

R – Mistura. Por exemplo, pegar a salsa, pegar o alho desidratado, misturar e vender alho salsa ou vender com outro nome, vinagrete, entendeu? Chimichurri, salsa, cebola e bacon, todos os produtos que ele criou e todo mundo da rua começou a copiar, porque começou a ver que vende.

P/1 – E que ano mais ou menos foi isso que ele começou?

R – Noventa e pouco, comecinho dos anos 90.

P/1 – E foi dando certo então.

R – Foi, foi, pra caramba.

P/1 – Conta mais um pouco como é isso, ele trocou de alho e cebola pra tempero, mas onde é que ele arranjava os temperos?

R – Aqui já tinha o pessoal, os corretores e quem ia trazer e tal, já conhecia as pessoas.

P/1 – Quais eram os principais produtos que ele vendia?

R – Cara, o principal produto que mais vende até hoje e sempre foi é o cominho, cara. Vende muito. Agora não consigo nem te precisar números, mas são toneladas por mês, toneladas. Vende muito.

P/1 – Mas como que era a clientela dele na época, que você sabe?

R – Cara, a maior parte da clientela que é a que vende até hoje são feirantes. Esse pessoal de feira livre, mas não a feira livre de Moema que você vai comer pastel, mas feira livre na Zona Leste, umas feiras grandes mesmo, vende tempero pelo copinho e vende muito, vende muito, muito. Muito ao ponto de que vem um cara que vem e compra 50 quilos de cominho pra repor o que ele vendeu na feira ontem, sendo que ele vende tudo em copinho, copinho de café, cara. Então quantos copinhos de café o cara não vende pra dar 50 quilos. Pra dar dez quilos de coentro, coentro é leve. Dez quilos de coentro é tipo um travesseiro, cara. E o cara vende um copinho. Então assim, vende e vende muito.

P/1 – Mas esses temperos são nacionais, são internacionais?

R – Ah, tem de tudo, tem de tudo.

P/1 – Está misturado.

R – Tem tempero que é nacional e tem muito tempero que é internacional. Acho que a maioria é internacional. Se tiver que colocar uma porcentagem, acho que a maioria é internacional. Mas tem coisa nacional.

P/1 – Vocês são um pouco importadores também.

R – Sim, sim. Ou compra de importadoras, tem bastante importadora aqui na região. A gente tem algumas importações próprias, mas só dos produtos que a gente vende muito, porque aí você traz, você traz um container, não dá pra você trazer só um pouco. Os produtos que vendem muito, cominho, a gente traz. Agora muitos produtos que você só precisa de dois sacos, dez sacos, aí compra dos importadores, que os caras importam, trazem o container e distribuem pra todo mundo.

P/1 – É uma importação de atacado.

R – É, total.

P/1 – Agora vamos voltar só um pouco pra sua vida na culinária. Você cresceu nesse meio que seu pai cozinhava e tal, você se inspirou bastante nele pra começar ou não?

R – Não, não. Só gostava de comer, mas não era uma coisa tipo: “Ah, quero ser”...

P/1 – E você fez onde?

R – Fiz na Espanha, cara, uma cidadezinha perto de Barcelona.

P/1 – Qual é o nome da cidade?

R – Chama Sant Pol de Mar. É uma cidadezica mesmo de três mil habitantes, tem um hotel escola lá, eu fiz lá.

P/1 – Como é que foi? Foi bom?

R – Pô, foi bem legal, cara. Um mundo totalmente novo pra mim, foi bem legal.

P/1 – Você já tinha conhecido a Espanha antes?

R – Eu tinha feito intercâmbio pra lá na época da faculdade, eu tinha ficado seis meses em Madri. E já conhecia, falava espanhol, foi um facilitador. Mas Sant Pol de Mar é completamente diferente, saí de uma cidade de onze milhões de habitantes para uma de três mil. É diferente.

P/1 – Como é que era?

R – É diferente, é outro ritmo. Domingo não existe, domingo é feriado, não tem nada aberto. Das duas da tarde às cinco e meia também não tem nada aberto, tem a siesta. E depois das oito também não tem nada aberto. É outro mundo, é outro mundo. Uma cidade, um país... um país não, porque isso é mais dos pueblos, são essas cidadezinhas pequenas, nas grandes cidades não tem como.

P/1 – Não tem siesta?

R – Alguns lugares têm, mas a maioria não. Mas domingo é feriado e isso não importa, pode ser em Barcelona, pode ser em Madri. Tem lá o El Corte Inglés que é como se fosse o principal centro comercial e ele fecha. Não é que nem aqui que você vai no shopping e está aberto domingo. Fecha, simplesmente fecha, domingo não tem nada. Tem restaurante, tal, mas comércio, não tem nada.

P/1 – E como é essa cidade? Tem três mil habitantes, mas ela é...

R – Uma cidadezica de praia, cara, a uma hora de Barcelona de trem, indo em direção da França. É bem Catalunha, Catalunha. Uma cidadezica de praia com um hotel escola e pouca coisa mais.

P/1 – Você ficou um ano lá?

R – Fiquei um ano lá.

P/1 – Como é que foi o curso? Você aprendeu o quê lá?

R – Tudo cara, tudo, tudo, tudo. Desde o básico ao mais avançado, desde do prático até o teórico, literalmente tudo. De nutrição a estudo de custos pra montar um cardápio. Tudo, tudo, tudo. Era período integral, das nove às seis, todo dia.

P/1 – Mas como é essa parte prática, teórica, o que é básico?

R – Prático é desde como é cortar uma cebola, como fritar uma cebola, tudo. E o teórico tem muita teoria em cima de parte de segurança alimentar, parte de nutrição. Aí tem toda uma parte de explicar como é cada produto e por que tal coisa acontece, por que tal coisa não acontece. Cozinhar é muito fácil, é muito simples porque tem processos que são muito claros. Então realmente assim, se você sabe fazer o negócio é muito difícil você errar, porque de fato é um processo muito claro. O problema é que tem muita gente que não sabe, esse é o negócio (risos). E tem muita gente que cozinha da vida, da vó, ou fez uma faculdade meia boca, que todas aqui no Brasil são uma bosta, então, realmente, forma muita gente ruim, com pouca capacidade teórica. Porque o prático e uma aplicação da teoria, cara, tão simples quanto isso.

P/1 – Tem uma diferença entre uma pessoa que faz uma faculdade e uma pessoa que nunca fez?

R – Ah não, total. Total, total. Pessoa que nunca fez uma faculdade não tem condição de ser um chefe de cozinha de um restaurante, entendeu? Pode até ser, mas não reune atributos para, porque você precisa saber coisas importantes que acontecem, você pode matar uma pessoa, entendeu? Você pode, se não souber lidar com temperatura, com armazenamento, com coisas, que isso é importante, que não é só cozinhar, fazer um bagulho gostoso, tem muita coisa importante atrás disso, muita coisa. E muita gente que não está preparada pra isso, pra assumir essa responsabilidade.

P/1 – Tem alguma coisa que te marcou muito nesse curso? Alguma passagem que você se lembra desse aprendizado?

R – Puta, o curso inteiro me marcou muito, não tenho um momento assim.

P/1 – Quem faz esse curso? Mais ou menos, qual é a composição da turma? Tinha muito brasileiro?

R – Não, zero, não tinha nenhum brasileiro.

P/1 – Sério?

R – Nenhum, só eu. Ah, tinha mexicanos, venezuelanos, peruano, espanhol. Tinha um cara da Romênia, tinha uma galera mix, total, total.

P/1 – E você fez amigo lá?

R – Fiz, pra caramba, pra caramba. Amigo peruano, fiz amigo mexicano. Morei eu, o mexicano e esse romeno. Quando a gente foi pra Barcelona a gente alugou um apartamento, os três, cada um trabalhava num restaurante. Na verdade eu e o mexicano trabalhávamos no mesmo restaurante e o romeno trabalhava em um outro restaurante. Então a gente alugou um apartamento junto.

P/1 – Como é Barcelona?

R – Cara, uma cidade muito tesão, mas é uma cidade um pouquinho provinciana. Depois de dois anos você começa a perceber que as coisas se repetem. Não é que nem aqui, não tem o dinamismo que tem São Paulo. Não acontece tanta coisa nova a todo tempo como acontece em São Paulo ou em outras cidades com uma dinâmica maior. Até morei em Madri e Madri é mais dinâmica. Barcelona é um pouquinho provinciana, são as mesmas coisas de sempre.

P/1 – Tipo o quê?

R – Puta, se você vai pra uma balada, vou te dizer, vai ser a Opium ou a Sutton, são as duas baladas que têm pra ir. Eram em 2007 e continuam sendo hoje, entendeu? Aqui em São Paulo, puta, eu nem sei uma balada, uma hora abre uma, fecha outra, nem sei. Sabe, cada hora, cada final de semana é um negócio diferente, sempre tem um bar novo, um restaurante novo, um projeto novo de um negócio, sabe, que os caras estão trazendo de fora. Um jantar escondido, sabe, essas coisas? Aqui tem muito. E lá tem muito pouco, lá tem bem menos, esse dinamismo. Lá é tudo meio que, como se já estivesse tudo meio que estabelecido, entendeu? É aquilo.

P/1 – É aquilo já.

R – É aquilo. Mas quando aquilo é novidade, aquilo é muito tesão, é muito tesão. Mas depois fica um negócio meio...

P/1 – Parado.

R – É, meio rotineiro já.

P/1 – Mas aconteceram coisas novas quando você estava lá? Apareceu um restaurante novo? Ou uma festa.

R – Ah, aparece, mas nada espetacular. Mas aparece. Nada muito marcante.

P/1 – Mas você com certeza visitou lugares lá, as casas do Gaudi, Parque.

R – Sim, sim, roteirão clássico. Fiz todo o roteirão clássico, eu fui uma dez vezes, de ir amigo visitar, eu ia fazer tudo de novo.

P/1 – Mas você gostou da cidade.

R – Gostei, gostei. Sinto falta do modo de vida, de poder andar na rua a qualquer hora, de ir a pé pro trabalho, de não ter carro, de viver com qualquer grana. Cara, qualquer grana na Espanha, qualquer trampo que você tiver ali, puta, você divide um apartamento com alguém e você vive legal. Come em um restaurante por 12 euros, sabe? Você vai pra praia com uma cerveja na mochila e é isso.

P/1 – É um estilo de vida diferente.

R – Um estilo de vida totalmente diferente. É que restaurante é fora de parâmetro, trabalha-se muito, muitas horas, tipo, 14, 16 horas. Agora normalmente não, putz, tem um pessoal que trabalha normal, sabe? Deu a hora de sair, deu a hora de sair, não é como aqui. Pô, tenho amigo que vara a noite no trabalho, cara! Lá não existe isso, lá deu a hora, deu a hora, acabou. Vou pra casa, tomar um café. Seis e meia, sete horas da noite os cafés são lotados, tá todo mundo tomando uma cerveja, todo mundo tomando uma cerveja. De dia de semana, tal. Não tem essa, não tem essa. E oito e meia, tal, o pessoal vai pra casa. Janta-se tarde lá, então o pessoal fica na rua, tem vida, eu digo, você não está tão escravo do rolê. Lá o trabalho vem depois e aqui o trabalho vem antes. Essa diferença de filosofia de vida também pega bastante. Aqui, porra, não dá pra andar na rua. Nem queira vir pra cá à noite, essa rua do Lucas aqui atrás, vai morrer, vai levar um tiro.

P/1 – De noite.

R – Cara, é foda. E precisa de carro pra tudo, você não consegue ir pra lugar nenhum, não tem uma porra de um metrô. É ruim, cara, é ruim.

P/1 – Trânsito.

R – Eu nem pego tanto trânsito, mas o modus operandi disso tudo, entendeu? É ruim, é ruim, a gente não tem... qualidade de vida zero, zero, zero, zero. Isso evidentemente que eu sinto falta, muito mais do que a cidade de Barcelona, tal, eu sinto falta dessa qualidade de vida, de viver, de ter uma capacidade melhor de fazer qualquer coisa. E aí tem as outras vantagens de você estar na Europa, você pega um avião e você está em outro país em 40 minutos, você tem essa possibilidade. A gente teve uma semana de férias, a gente pegou um carro, em cinco horas a gente estava em Mônaco, de Barcelona a gente foi até Mônaco, que é quase Itália, e veio voltando a costa francesa inteira. Em cinco horas. Pô, em cinco horas aqui, no máximo eu vou pro Rio de Janeiro. Lá, meu, eu saí de Barcelona, fiz Espanha, fomos até o final da França e voltamos, parando em Cannes, em um monte de lugar legal pra caramba. Marselha e tudo o mais. Mas isso independe, isso não é um problema do Brasil, isso é uma felicidade que se tem por estar lá, uma vantagem. Isso é bacana, mas não é por isso também, é mais essa questão de qualidade de vida.

P/1 – Mas o clima você não sentiu? O verão muito calor, o inverno muito frio.

R – Ah, sim, sim. Mas não me incomoda. Nem o muito calor e nem o muito frio, não me incomoda.

P/1 – E no verão o sol cai lá o quê, às oito horas?

R – Dez horas da noite. É maravilhoso, maravilhoso. E a cidade enche pra caramba, cheio de turista, cheio de gente na rua. Meu, pra quem tinha 22 anos na época, cara, porra, legal pra caramba. Legal pra caramba.

P/1 – Mas fala pra mim como foi trabalhar. Esse restaurante que você trabalhou em Barcelona você ficou quanto tempo lá?

R – Eu trabalhei seis meses em um e seis meses em outro.

P/1 – Qual era o primeiro, como é que era?

R – O primeiro chamava Blanc, era um restaurante dentro do Hotel Mandarin lá de Barcelona, que é um hotel cinco estrelas, bem legal. E o segundo chamava Abat, que é também um hotel com restaurante. Acho que é o melhor restaurante da cidade, um puta restaurante.

P/1 – E como era o cardápio desse primeiro?

R – O primeiro era um restaurante francês com uma pegada um pouquinho espanhola, mas clássico francês. E o segundo era mais uma cozinha de vanguarda, um pouquinho mais moderna e tal.

P/1 – Explica pra gente como é essa coisa das escolas culinárias, como é isso aí?

R – Cara, escola francesa é uma escola clássica, da onde surgiram todas as bases da Gastronomia. Teve um francês, chama Antoine Carême que foi o primeiro cara a escrever um livro não de gastronomia, mas reuniu os conceitos e colocar isso num livro. E aí veio um outro cara que chamava

Auguste Escoffier que escreveu o guia da culinária francesa, que é até hoje a bíblia da gastronomia e tal, que é de fato pegar e escrever todos os processos, como se faz e tal. Como se faz um caldo, como se faz uma sopa, como se faz um molho de tomate. E colocou todos esses processos dentro de um livro. E aquilo virou uma referência. Cada um fazia e aquilo virou: “Ó, é assim que tem que fazer, faça assim”, entendeu?

P/1 – Que ano mais ou menos foi isso?

R – Mil, oitocentos e bolinha, 1890, por aí.

P/1 – Então essa é a escola francesa, mais ou menos?

R – Essa é a escola francesa, que depois sofreu uma revolução total nos anos 70 com a nouvelle cuisine, que é a nova cozinha francesa, que pegava assim: os pratos eram servidos normalmente em bandejas, em panelas, coisas coletivas e em comida muito abundante. E a nouvelle cuisine, o que ela fez? Ela pegou e começou a servir os pratos em pratos, direto pro cliente, e em porções reduzidas, individuais. E pegou uma cozinha que era muito pesada, de muita gordura, e começou tentar trazer para um lado um pouquinho mais leve, é uma cozinha um pouquinho mais saudável, um pouquinho mais leve, melhor apresentada, foram os primeiros caras que se preocuparam de fato com apresentação, como montar um prato, foram os primeiros caras. Dois deles são os pais do Claude Troisgros, Pierre Troisgros e o outro cara, esqueci o nome, que são do Claude Troisgros da GNT e tal. São caras que foram muito importantes, o mais importante deles foi o Paul Bocuse, foi o cara que ficou mais em evidência nesse processo todo, é vivo até hoje, tem quase cem anos e também é um dos nomes lendários de gastronomia.

P/1 – E a culinária espanhola, como é que é? Estou te perguntando assim, se você achar que está meio massante, mas a entrevista é assim mesmo.

R – Tá. Cara, a culinária espanhola é muito local, varia muito, a Espanha inteira varia muito de um local pro outro, a Espanha é um país muito disforme. Não existe uma culinária espanhola. O povo fala paella, mas a paella é um prato valenciano, em outras partes da Espanha nem se come muita paella, ou não é tradicional. Então depende. Em Barcelona tem um monte de coisa porque tem uma pegada catalã e tem alguns pratos bem típicos. E Madri tem outra coisa, em San Sebastian tem outra coisa, então varia muito, não tem uma identidade única. É que nem no Brasil, cara. Você pode falar feijoada, mas, puta, em São Paulo se come uma coisa, em Minas Gerais se come outra, em Porto Alegre outra, na Bahia outra, tudo completamente diferente. E é isso. A Espanha é igual.

P/1 – Então nesse primeiro restaurante você cozinhava mais a cozinha francesa mesmo.

R – Isso.

P/1 – Foi puxado lá, quem era o chefe?

R – Cara, tinha um chefe francês, chamava Jean Luc Figueras, que era uma monstro, muito bom, muito bom. O cara muito bom, ideias muito boas. E era tudo aquilo que você ouvia falar que na cozinha era, sabe? É um louco, jogava as coisas, arremessava as coisas, quando os negócios davam errado jogava fora. Era um cara completamente alucinado, mas era meio que aquilo que eu tinha lido nos livros, entendeu? Eu tinha ouvido falar, era aquilo mesmo, aquilo era verdade. Então pra mim, vivenciar aquilo foi legal pra caramba. Apesar de (risos).

P/1 – Você leu no livro isso aí? Que livros? Esse que você falou?

R – Não, não, não. Tem um livro que chama Cozinha Confidencial de um chefe que chama Anthony Bourdain, é um apresentador de TV hoje em dia, e o livro é mais ou menos os bastidores de uma cozinha. E isso também nunca ninguém tinha escrito e o cara escreveu o que é uma cozinha, como funciona, quem que trabalha na cozinha. E é bem isso, puta, as pessoas mais heterogêneas que você possa imaginar. Nego doido pra caramba.

P/1 – Fala um pouquinho desses bastidores, como é que foi, pelo menos nesse restaurante? Você trabalhava com muita gente?

R – Trabalhava com muita gente. Trabalhava com cara da Polônia, tinha dois italianos doidos, puta, tinha uma galera.

P/1 – Como vocês se conversavam?

R – Em espanhol, todo mundo falava espanhol. Malemá todo mundo falava espanhol. Mas era engraçado cada um, os caras muito alucinados.

P/1 – Era muito rápido.

R – Cara, cozinha é muito dinâmico, era muito puxado. Diferente no Brasil, lá as pessoas te cobram muito, tipo, você fazer um negócio errado é tipo: “Velho, vai embora, você não serve pra isso, volta pra casa”, ou “Vai procurar outra profissão”. É maçante o negócio. Aqui não existe isso porque não existe essa cultura. Aqui se você falar isso prum cara, no outro dia ele não olha na sua cara, entendeu? Lá não, lá é isso, terminou e vamos tomar cerveja. E aqui as pessoas levam isso muito pessoal, isso eu até já comentei com o André, a maneira como você tem que lidar com as pessoas aqui, ela é isso, aqui pra empresa também. Se eu fosse aplicar o que eu vi em cozinha aqui, quando fazem uma cagada, eu ia mandar tomar no cu. Porque lá é assim: “Ah, vai tomar no cu, caralho! Não sabe fazer! Você é burro? Já te mostrei mil vezes”. Era assim, na cozinha era assim. Mas aqui, se você fala dessa maneira com uma pessoa você quebra ela. Ou ela vai se sentir revoltada, vai ficar puta, ou ela vai ficar destruída mesmo, chocada e vai levar isso pro lado pessoal, entendeu? Vai levar pro pessoal, como se ela de fato fosse pior porque ouviu você falar um negócio pra ela. Então aqui você tem que tratar as pessoas na maneira, primeiro, como deve ser tratada, esse mundo de cozinha é alucinante, é um negócio totalmente fora da normalidade. Mas mesmo que não fosse xingamento, vamos dizer, mesmo que você vai dar uma crítica ou fazer uma reclamação, você tem que fazer de uma maneira velada. Pra mim é muito difícil, cara, eu gosto de tratar pouco com o funcionário, gosto de estar sempre com a porta aberta aqui para o que eles precisarem, mas eu não gosto de coisa errada. E aí eu sou um pouco explosivo e me irrita, me irrita ter que falar três vezes a mesma coisa, então eu deixo muito disso pro André, que me cansa, sabe, os mesmos erros. Até hoje, até hoje eles me passam os pesos dos negócios errado porque não conseguem tarar o potinho. Pô, isso me cansa, cara, ter que falar isso toda vez, me cansa. Então é difícil, mas aqui tem que ser de uma maneira velada porque existe um problema de educação no país e aqui a gente lida com pessoas mais simples. E como você não tem educação você não constrói, é mais difícil você desenvolver uma formação, dentro da sua formação de caráter, uma maturidade. Então você tem 40 anos mas tem uma inteligência emocional, cara, muitas vezes de criança mesmo, às vezes chora na sua frente. Porque você falou que fez um negócio errado. E aí você vai ver ele está chorando, cara. Você sai, daí você volta, passa ali e ele está chorando e alguém consolando. Não é culpa deles, é um problema estrutural do país, a gente não oferece educação, as pessoas não conseguem se desenvolver interiormente, não têm inteligência emocional, não têm maturidade. Não é porque tem filho e tem 40 anos que é maduro, entendeu? Emocionalmente são muito frágeis, então você fala um negócio, puta, ele pode gostar de você, você fala um negócio e acabou, nunca mais, nunca mais vai gostar de você. Tipo, acabou naquele dia, naquele momento. E vem trabalhar e vai na tua casa. Isso acontece bastante, bastante. Então eu tento ser o mais flexível possível, cara, porque eu entendo isso, entendo claramente que não é culpa deles, estamos num processo muito, muito longo e muito longe do ideal. E não vai ser o impeachment que vai mudar, vai demorar muito, muito, muito, muito. Porque pensa que tudo isso que eu falei são pessoas que têm filhos e criam. Você cria uma criança dentro das percepções que você tem do mundo e você apresenta um mundo que você é capaz de apresentar. E eles apresentam um mundo de merda, de sofrimento, de fome, de escola bosta, de violência, de não ter dinheiro pra comprar um presente e disso, cara. Como é que você educa uma criança se você não tem educação? Você pode passar valores morais, o que é certo e errado, não roube e não mate, ok, mas isso deve ser a primeira página do livro de como ensinar. E o resto do livro, cara? É isso, então, puta, a gente tem pessoas simples trabalhando aqui e essas pessoas simples têm filhos e esses filhos, a chance de sucesso é baixíssima cara, é baixíssima. Não é nula porque a gente vê por aí que tem casos, exemplos e tal. Mas cara, é baixa, infelizmente. Eu pretendo, não sei, se um dia eu conseguir, a empresa crescer, a gente de alguma forma tentar contribuir pra que isso... mas hoje está fora da minha realidade, hoje eu consigo contribuir empregando, é o máximo, infelizmente.

P/1 – Mas você tem o sonho de tentar ajudar isso na questão educacional.

R – Cara, não é um sonho, eu acho que seria uma coisa justa e bacana a se fazer, entendeu? Não sei nem como, um dia, talvez. Talvez surja essa oportunidade. Como eu falei, conhece várias pessoas, tem uma rede de relacionamento, de repente alguém vem com uma ideia, fala: “Ô, vamos fazer tal coisa”. De repente, não sei. Hoje está fora do meu alcance.

P/1 – Mas lá era diferente, né, você falou. Lá na Espanha, nessa questão.

R – Na Espanha é totalmente diferente. O cara ganha o mesmo salário e se quiser ele sai e foda-se, muda de emprego, não está nem aí. Ele tem essa capacidade.

P/1 – Autonomia.

R – É! Ele tem essa autonomia. Muito mais maduro o processo, as pessoas interagem de maneira diferente no trabalho. Da maneira como muita gente interage aqui, mas é que aqui eu estou falando, a gente lida com pessoas simples. Você vai numa empresa, vai no Google, é normal, e se tiver que peitar o chefe, ou expor uma opinião, discutir, ter um argumento, as pessoas têm, isso o tempo inteiro, normal. Mas isso é 10% do Brasil, o resto é resto.

P/1 – Mas você lembra de alguma passagem que você passou nesses restaurantes, pra exemplificar isso que você falou, de um cara errar uma coisa, ou o cara tacar prato?

R – Ah sim, sim, sim, sim. O cara mandou uma sopa errada. Na verdade é um prato que vai com um caldo e aí não tinha o tal caldo e ele mandou com outro caldo. E, puta, o chefe experimentou, olhou, tacou a colher no cara. Aí saiu, jogou o prato longe e foi até o negócio do cara e começou a descascar, descascar. E era um prato catalão. E o cara que mandou era mexicano. Ele falou assim: “Mas o pior é que a culpa é minha! De deixar uma porra de um mexicano fazer um prato catalão!”. Xingava o cara. E aí ele saiu engatinhando. Aí ele agachou no chão e saiu engatinhando. Saiu da cozinha. E não voltou mais.

P/1 – Não voltou?

R – Não voltou, só no outro dia. Mas esse cara é completamente alucinado. Eu estou falando cozinha, tem muito nego que bebe e cheira cocaína, então a galera é mais alucinada, cara. É outro mundo. Esse cara era alucinado. E era velho já e já era famoso, já tinha história.

P/1 – E como é que foi pra você? Você tentava não errar muito, você errou muito?

R – Ah, errei pra cacete, eu tomei pito pra caralho, meu! Uma paciência, mas era isso. Um cara virou pra mim e falou: “Cara, larga, esquece, você não vai conseguir. Você não serve pra isso, vai fazer outra coisa, nem vem amanhã”. E dois meses depois ele falava... Porque a cozinha é dividida em seções, em partidas chama. Então a gente estava na de carnes, daí dois meses depois ele falou pra mim: “Pô, você já pode ficar aí com o negócio de carnes que você já faz o bagulho todo sozinho”. Eu era tipo assistente dele. “Não, já sabe fazer tudo”. Mas é isso, entendeu? Mas em outro cenário... por isso que eu falo, eu já ouvi cada bosta que, meu, porra, então eu não tenho problema em falar. E não me leve a mal, mas aqui não dá pra você virar para uma pessoa e falar: “Cara, nem aparece pra trabalhar amanhã, de tão ruim que você é”. É pesado. Na verdade é um negócio que você não tem que falar pra ninguém, mas acontece. Dentro daquele meio era relativamente normal.

P/1 – Mas o que você pensou quando ouviu essas coisas?

R – Preciso vir e fazer o negócio direito. É isso.

P/1 – Ele tinha falado pra você não voltar?

R – “Ah, nem vem, você é muito ruim, não dá, não dá”.

P/1 – Mas o que você falou? Não, vou vir mesmo assim.

R – Não, na hora você não fala nada, né? Na hora você só fala: “Sim, beleza. Sim, ok, entendi, errei”. Tudo aquilo que ele falou: “Beleza, errei”. Se ele tiver falado: “Tá errado”, ou tudo aquilo que ele falou, pra mim seria a mesma coisa. Ia falar: “Beleza, vou fazer certo”, ponto.

P/1 – Não passou na sua cabeça não voltar.

R – Não, não, jamais. Nem fudendo. Jamais.

P/1 – Por que?

R – Porque eu estava lá pra aprender, cara. Eu não podia me constranger com meus erros, eu estava lá pra aprender, errar faz parte.

P/1 – E depois você foi pra outro restaurante e era do mesmo jeito?

R – Era na mesma pegada. Ah, lá praticamente tudo é nessa mesma pegada. Europa em geral as cozinhas são assim. Em alguns lugares até pior, na França é até mais puxado. É o aprenda na porrada, entendeu? E é assim, cozinha é assim, a maioria dos lugares é assim.

P/1 – MasterChef não é nada perto disso.

R – Não, não. MasterChef é amador, são os cozinheiros amadores, não são os chefes de cozinha. É muito parecido com aquele Hell’s Kitchen do Gordon Ramsay, que é o cara xingando. Aquilo lá é fato, não é um personagem, aquilo lá é um chefe de cozinha gringo. Lá, você vai na Europa é esses caras mesmo, mesmo. Que ele xinga as mulheres de vaca gorda, é assim, na Europa é assim mesmo. Então simplesmente tiraram ele, simplesmente botaram uma câmera praticamente, porque é exatamente assim. E o programa é legal porque eles pegam uns caras ruins mesmo, pra dar merda que é pro cara se estressar, e o cara se estressa pra caralho. Engraçado. É bem parecido, depois puxa no YouTube lá pra você ver.

P/1 – E me explica um pouquinho, até pra quem não conhece, que vai ficar registrado, como é que funciona? Você falou que funciona em partidas a cozinha.

R – São praças, né? Partidas é em espanhol, em português chama praças. São praças: peixe, carne, cozinha fria, que é garde manger, é onde faz as saladas, e aí tem a parte de confeitaria, onde faz as sobremesas. É dividido por setores, setorizado, só isso.

P/1 – Mas pratos que passam por muitas praças?

R – Não, depende, depende. Tem duas maneiras: ou você é da praça de carnes e todos os pratos de carne você faz. Ou existe uma outra maneira de dividir a cozinha, que é por ingredientes, então você só faz os molhos, o outro só faz os grelhados, o outro só faz as frituras, o outro não sei o quê. E aí junta tudo no prato no final, entendeu? Que é uma maneira mais antiga de trabalhar, é um pouquinho mais difícil também. É mais fácil você ter um, saiu tal prato é você que faz, se vira negão. O outro precisa que tudo case perfeitamente porque na hora que terminou de grelhar a carne o molho tem que estar quente, a guarnição tem que estar pronta, o cara que está fazendo uma batata aqui, a batata precisa estar pronta exatamente na hora. Ou vamos dizer que é uma carne que vai com uma massa. O cara tem que botar a massa pra cozinhar exatamente na hora certa. Por que? Um pouco antes vai ficar dura e se ele pôs depois vai ficar molenga. E é meio sem escapatória. O que não dá é pra carne estar pronta e o cara falar: “Não, preciso de dois minutos pra cozinhar a massa ainda” “Mas a carne vai esfriar”, entendeu? É um negócio que tem que casar perfeitamente, então é um negócio mais complexo.

P/1 – Que depende da equipe toda.

R – E é nisso que dá pau, que dá estresse, que dá gritaria, é isso. Isso rola muito em cozinha. Mas quando você está fazendo um prato inteiro também não quer dizer nada, porque um pedido tem vários pratos, uma mesa de quatro pessoas cada um pediu uma coisa. Às vezes o cara pediu uma salada, o outro cara pediu uma carne. A salada só pode sair quando a carne estiver pronta. Não é tipo recebi o pedido, vou fazer a acabou. Não, você tem que se organizar porque se você temperar a salada antes e ela ficar muito tempo temperada as folhas morrem. Então não adianta você fazer e deixar dez minutos lá e: “Já fiz, já fiz, tá aí. Quando a carne estiver pronta”. Não, você tem que ficar se comunicando com o cara: “Quantos minutos pra carne?” “Dois minutos” “Ah, dois minutos, então vou fazer a salada”. Entendeu? Então é uma engrenagem mesmo, é um negócio que tem que rodar junto. E é nisso que dá todos esses estresses. E mesmo que não dê estresse é gritaria e coisa porque eu preciso saber, cada um precisa saber um negócio, é um lugar que tem muita comunicação, o negócio tem que funcionar junto, os pratos têm que sair juntos, todos quentes.

P/1 – Entendi. É bem interessante.

R – É bem louco o negócio, cara, é bem louco.

P/1 – Você sente falta desse ambiente?

R – Cara, eu sinto falta de cozinhar, mas é um negócio que acabou, um rumo que eu acabei tomando. Aqui no Brasil é uma profissão muito mal remunerada e eu era muito novo, três anos atrás quando eu voltei, pra abrir um restaurante. E trabalhar numa cozinha aqui você ganha 1 mil e 200 reais e pra mim não ia dar. Então eu resolvi tentar trilhar um caminho próprio dentro de Gastronomia, uma coisa que eu gosto, mas que não é cozinhar, é o mais próximo disso, mas não é cozinhar.

P/1 – Antes de entrar na BR, que é a parte final aqui, tem alguma parte da culinária que você gosta mais? Você falou que ficou na seção de carnes lá.

R – Eu gosto de pratos salgados, eu não faço doce, mesmo, eu nem sei fazer doce. Mas dentro disso não tem nada muito específico, não. Nem italiana, francesa, não, nada muito específico.

P/1 – E teve algum prato que você falou: “Não, fiz e ficou legal”, e é a primeira vez que ficou bacana, que você não tomou pito, sei lá como foi isso aí. Que você ficou feliz.

R – Teve. Porra, teve uma vez. Esse chefe Jean Luc Figueras tinha feito uma salada de tomate lá que ia com atum, tal e ele tinha montado no prato de um jeito. E pouco a pouco os caras foram mudando o jeito, porque achavam que era mais bonito assim, assim, assim. E chegou uma hora que não tinha mais nada a ver com o que ele tinha feito mas estava até mais bonito. E saía essa salada todo dia, toda hora. E ele via o negócio todo dia, toda hora. Só que um dia ele estava puto com qualquer outra coisa, pegou o prato e falou: “Mas desde quando essa salada de tomate?”, arremessou o prato. “Não sabe fazer uma porra de uma salada de tomate, caralho!”, não sei o quê. Aí eu estava nessa praça e falei: “Dá aqui, dá aqui, dá aqui que eu vou fazer porque eu lembro”. E fiz. Eu fui levar pra ele com o cu na mão e os caras falaram: “Vai lá, vai lá”. Cheguei e ele: “Porra, isso é uma salada de tomate”. Isso pra mim, pô. Porque ou era isso ou tomar uma pratada na cabeça, entendeu? E foi logo no meu primeiro restaurante, então era um negócio que eu esperava, foi legal.

P/1 – E agora fala um pouquinho mais como é que foi trabalhar aqui, que você falou que foi no Mercadão e tal. Fala um pouquinho mais.

R – Foi divertido, cara, foi muito novo.

P/1 – Foi antes da Espanha, né?

R – Foi, foi, foi. Cara, foi tranquilo, não me colocavam muitas responsabilidades, eu meio que fazia o que eu queria, ou ficava aprendendo do lado da pessoa o que eu queria, se no outro dia eu queria estar com outra pessoa. Não tinha uma cobrança. Nego olhava e falava: “Você está aqui porque você quer, você vê aí, não estamos te pagando”, então, tipo, faz o que você quiser. Até se eu quisesse sair mais cedo ou chegar mais tarde era uma decisão minha. Ou: “Ah, puta, quarta-feira não vai dar para eu ir” “Beleza”, ninguém dependia de mim.

P/1 – Mas você aprendeu bastante coisa com peixe?

R – Ah, aprendi, aprendi. Aprendi a limpar peixe, a limpar camarão, a limpar lula, coisas que eu nunca tinha feito, entendeu?

P/1 – E depois você foi pra onde?

R – Depois eu fui pra um açougue.

P/1 – Como é que foi isso aí?

R – Foi legal, aprendi os cortes de carnes, as diferenças, em como afiar uma faca direitinho. Aprendi bastante coisa.

P/1 – E você já foi pra Espanha um pouco preparado?

R – Já, já, já. Já tinha feito um curso, já tinha trabalhado em dois restaurantes aqui também.

P/1 – Como é que foi aqui?

R – Muito mais tranquilo, cara. Aqui na cozinha tem muita galera nordestina, uma galera super do bem, dá risada, não tem nada a ver com a Europa, é outro clima, é outro clima. Mas também é sério, também dá alguns estresses porque o modus operandi é igual, o que muda é a forma como as pessoas se relacionam. Mas o prato tem que sair junto, tudo aquilo que a gente acabou de falar é a mesma coisa. Então, óbvio, dá estresse e tal, mas é uma galera super do bem, super do bem.

P/1 – Você trabalhou onde aqui?

R – No Café Jornal, que era um restaurante em Moema, e no La Tambouille, que é uma restaurante bem tradicionalzão aqui na Nove de Julho, bem tradicional nesses dois.

P/1 – Servia o que nesses dois?

R – Um era uma comida meio... Café Jornal é meio um pouco de tudo assim, umas coisas meio árabes, tem um pouco de tudo. E o La Tambouille era cozinha francesa.

P/1 – E teve alguma equipe que você falou: “Essa equipe agora, nesse ponto eu estou afinado com o pessoal”?

R – Ah, cara, a maioria dos lugares quando eu saía eu já estava em um momento super bem amarrado ali.

P/1 – Tem alguma outra passagem que você gostaria de falar na cozinha, ou que você se lembre?

R – Não.

P/1 – Tá. Então você voltou pro Brasil depois da Espanha. Que ano que foi?

R – Não. Depois da Espanha eu fui pro Peru trabalhar em um lugar lá três meses, em Lima.

P/1 – Em restaurante também.

R – É. Depois eu fui pra Nova York trabalhar em um lugar também três meses e aí eu voltei pro Brasil, em 2013.

P/1 – Antes de voltar pro Brasil fala um pouquinho como foi Peru e Nova York.

R – Peru foi totalmente diferente, eu tinha feito um amigo peruano e ele me arrumou um trampo num restaurante lá, eu falei: “Beleza, então vou para aí”. Aí aluguei um quarto lá, num apartamento e fiquei lá três pra quatro meses.

P/1 – Você ficou em que cidade, na capital?

R – Lima. E foi uma experiência diferente. Um país, primeiro, onde se come muito bem, comida muito boa, muito boa. E cara, um país que, sério, até eu conhecer um peruano era um país que eu achava que Peru era tipo a Bolívia, tá ligado? “Deve ser um lixo, vou chegar lá e vai ter lhama na rua”. Lima é uma puta cidade, é uma cidade de costa, eu não sabia, ela dá pro Pacífico, tem toda uma falésia assim, relativamente bonito, não bonito pra caralho mas bonito. Dá pro Pacífico, tem uns bairros bacanas pra morar, uns lugares legais pra ir, os restaurantes descolados, tem um pouco de tudo. E tem uma parte tradicionalzona também, bem, bem forte. É uma cidade legal, gostei, gostei de morar lá. Trabalhava bastante lá, lá trabalhava de segunda a sábado, só o domingo descansava mesmo. E tinha esse meu amigo, tal, que também era um facilitador pra conhecer gente e tal, foi legal. E aí Nova York foi porque eu queria trabalhar em mais algum lugar diferente, queria morar na cidade e aí meio que juntou as duas coisas. Tinha uma amiga e um amigo meu morando lá só que esse amigo ia sair. Aí quando ele saiu eu entrei no lugar dele nesse apartamento, dividia com essa amiga minha e trabalhei num restaurante lá no Harlem.

P/1 – No Harlem. E você morava onde?

R – Eu morava na 83, que é lá pra cima também, perto do Central Park mas lá pra cima. E o Harlem já é bem mais pra cima, o Harlem é na 125. Eu trabalhei lá no restaurante que misturava tudo. O chefe era nascido na Etiópia só que ele foi adotado por pais suecos e foi criado na Suécia, só que estava radicado em Nova York, já morava em Nova York há vários anos. Então o cara tinha comida sueca com africana, com umas referência de Nova York dentro do bairro mais emblemático de Nova York, na maior Malcolm X Avenue. Era bem legal, só tinha negão no restaurante, o público era negro total. E o restaurante cheio pra caralho, todo dia era cheio pra caralho. Nova York foi uma experiência legal, a parte gastronômica muito mais fraca que a Europa, a maneira como os caras trabalham é mais parecido com aqui do que com Europa. Tem muito imigrante na cozinha, então assim, tem muito cara desleixado, tem muito cara que só está lá pra receber o salário e mandar pro México, sabe? Muito jamaicano, mexicano, puta treta do caralho. Mexicano é muito racista.

P/1 – Sério?

R – Muito. Eles odeiam negros. E falam. Isso é um fato. Aliás, isso é uma coisa que eu fui descobrindo morando na Espanha, que eu conheci muito sulamericano, que tem muito país sulamericano que não tem negro praticamente. E os caras são racistas mesmo, falam macaco, os caras são muito loucos, um negócio assustador até. E no México, que porra, os caras têm uma raiz indígena fortíssima, então por que, da onde? Mas são mesmo. E lá no restaurante na hora que a gente ia comer, puta, de um lado os mexicanos e do outro os negão. E os brancos em outro lugar também, que eram os chefes e tal. Mas é isso, os jamaicanos de um lado, os mexicanos do outro. E eu entrei no negócio sem saber porque eu falava espanhol, então eu trocava ideia em espanhol com os mexicanos. No primeiro dia que eu fui comer os caras:

“Senta aí, senta aí, senta aí”. Aí eu sentei. No segundo dia os caras: “Senta aí”, tal. E aí eu comecei a me ligar mesmo, que o bagulho, os caras estavam me chamando ali, tal, mas que era um bagulho de segregação total, era muito louco, os caras se odiavam na cozinha.

P/1 – Saía briga?

R – Ah, saía, saía. Os caras mandavam tomar no cu. Mas os jamaicanos também, os caras muito preguiçosos, mano, os caras só estavam lá só pra ganhar dinheiro. A cozinha ali era muito mal gerida, tinha muito mais funcionário que precisava. Trabalhei em cozinha na Espanha com um terço dos funcionários que tinha uma cozinha muito mais foda, muito mais difícil, que tinha muito mais trabalho. Lá tinha muito trabalho porque era muita gente, mas os pratos eram relativamente simples. Meu, tinha muita gente trabalhando, sei lá...

P/1 – Não precisava.

R – Não precisava e não sei se é assim em todos os restaurantes de Nova York, mas é mais fraco. Tanto que o restaurante tinha aquela letra A da vigilância sanitária que eles põem, que em teoria era melhor, e era, porra, sujo. Comparado com Europa. Europa, bicho, os caras são chatos com negócio, tem que ser perfeito, tem limpeza de câmara fria e o caralho direto, direto. Geladeira. O negócio tem que ficar brilhando, brilhando, brilhando. E durante o serviço. Durante aquele caos todo ainda tem que estar tudo limpinho, organizado, paninho dobrado, tal. Lá era uma zona. E era o melhor, eu falava: “Caralho, então os que têm B eu não vou nem entrar, velho, não vou comer num lugar assim”. Ainda por cima tem isso, os caras ficam com A, B e C. Ou seja: “Tá limpinho mais ou menos,

mas beleza”, tá ligado? É bizarro, estranho isso. Acho que deveria ser ou sim ou não, né? Ou pode ou não pode. Mas eles classificam assim.

P/1 – E como era Nova York, você gostou da cidade?

R – Pra caceta, pra caceta. Porra, é um filme ambulante, cara. Um cenário totalmente reconhecível. Você chega lá, parece que você já foi. E aí você começa a ver todo aquele negócio, todos aqueles ícones que você via na TV, é muito doido, cara. E acontece muita coisa, e tem muita coisa nova. Uma cidade legal, legal. Eu fiquei três meses só, então não estressa, não cansa, você vive o negócio mais intensamente, não dá tempo de enjoar. Se eu tivesse ficado três meses em Barcelona eu só ia ter achado extraordinário, entendeu? Acho que é um pouco isso.

P/1 – Como foi a cozinha no Peru?

R – Foi muito bom, muito bom, aprendi muita coisa de comida peruana que ninguém sabe fazer. Ninguém sabia, na Europa, x, nego não sabe nem o que é direito.

P/1 – Mas como é a cozinha peruana?

R – Cara, ela tem um lado total dessa parte de ceviches e tal, mas ela tem um outro lado de comida meio de montanha andina, que são os cozidos lentamente, tem os molhos que eles fazem com os ajis, as pimentas lá que nem sempre são picantes, um molhos de aji, uns cozidos de ora, umas batatas doidas que têm lá, bastante coisa. Tem bastante coisa que é parecida com aqui.

P/1 – Ah, é?

R – Usa bastante mandioca, usa bastante batata doce, tem bastante tubérculos que a gente tem também, só que eles têm outras variedades. Então tem bastante coisa que é similar. Aí tem esse lado do frescor também, que tem os ceviches e tal. Mas o ceviche é uma parada, tem mais 99 e boas pra caramba. E é animal, é animal..

P/1 – E como era a dinâmica lá no restaurante?

R – Pauleira pra caceta também, o restaurante era lotado, todo dia e era muito trabalho, muito trabalho, muito trabalho. Esse era muito trabalho mesmo. Talvez tenha sido o lugar que eu mais trabalhei assim.

P/1 – Sério?

R – Trabalhar mesmo, eu suava bicas, não aguentava mais.

P/1 – E foram três meses.

R – Bolha no pé. Puta, foram três meses só, três pra quatro meses, foi quase quatro meses.

P/1 – Servia o que lá, comida peruana.

R – Comida peruana toda, mas servia de tudo. Comida peruana, mas de tudo, tinha uma praça que só fazia os ceviches, tinha outra que fazia os cozidos, tinha outra que fazia os arroz, tinha outro cara que fazia os salteados, que eles fazem bastante coisa com wok, que é aquela panela chinesa. Tem uma influência japonesa e chinesa muito grande. Eles têm muita imigração japonesa e chinesa. Tem uma Liberdadezinha lá, Chinatownzinha, um bairro japonês e tal, com os restaurantes e tal, bem legal, bom pra caceta, pato à pequim, tem um monte disso lá. É engraçado, eu também não tinha essa ideia. Não achei que ia chegar lá e encontrar chinês, tá ligado? E tem um monte, um monte.

P/1 – E o chefe era o quê?

R – Lá o chefe era peruano.

P/1 – E a dinâmica era legal, todo mundo peruano?

R – Todo mundo peruano, todo mundo peruano. A dinâmica era menos organizada do que outros lugares que eu já trabalhei, mas muito trabalho. E dava certo.

P/1 – E de Nova York você voltou pro Brasil?

R – Aí de Nova York eu voltei pro Brasil, eu já estava muito tempo fora, já queria voltar. Já sentia falta, entendeu?

P/1 – Você tinha ficado quantos anos fora?

R – Ah cara, quase três.

P/1 – Você não tinha voltado pro Brasil.

R – Eu fui no meio de 2010 e voltei no comecinho de 2013.

P/1 – Sem nem ter pisado no Brasil.

R – Não, pisei, pisei uma vez em janeiro de 2012, um negócio assim.

P/1 – E como é que foi voltar pro Brasil depois? Você voltou pra onde, o que você sentiu?

R – Eu voltei pra São Paulo, normal. Ah, depois que passa a saudade, que era o que você sentia, aí depois você fala: “Putz”. A questão é que no Brasil estão todos meus amigos, é difícil você abrir mão disso por uma qualidade de vida ou pelo que seja, cara. São as suas raízes, são as pessoas que você se relaciona, você fala todo dia. Não é tão, tão simples assim. Então, pô, ao mesmo tempo que eu acho que morar aqui está longe do ideal, eu nem me vejo envelhecendo aqui, mas também não consigo imaginar. Acho que se for pra sair teria que ser formando uma família, porque sair sozinho é muito difícil. Chegar lá, fazer amigo e tudo o mais. E eu fiz amigos, quando eu fiz intercâmbio e depois quando eu fiz o curso, eu te falei mexicano, venezuelano, são todos temporários, nenhum morava lá, todos os caras foram pra lá. Então teve uma época que o cara que era o meu melhor amigo foi embora, ele tinha que voltar. Então, tipo, não é que você fez amigos e agora estou saindo com esses caras, galera gente boa pra caralho e beleza. Não, você faz amigos temporários também, os caras vão embora também. Então às vezes você constrói, começa a construir um negócio começa tudo de novo. Então é difícil, cara, sair do país não é fácil, não, mas foi a melhor coisa que eu fiz.

P/1 – E você voltou, o que você pensou em fazer? Você ia cozinhar?

R – Cara, eu voltei e estava meio sem saber o que fazer, enquanto não sabia o que fazer comecei a trabalhar aqui, na Barroso.

P/1 – Seu irmão já estava na frente?

R – Meu irmão já estava desde 2009. E aí surgiu uma oportunidade de me associar a um chefe de cozinha, chama Raphael Despirite, eu conheci por um amigo em comum e ele estava começando um negócio de jantares itinerantes, chamava “Fechado pra Jantar”, que era um projeto de jantares itinerantes. Fazíamos eventos, jantares em lugares que não são restaurantes, tipo, uma livraria, num prédio abandonado, num prédio em construção, já fizemos em um monte de lugar. No Centro Cultural. Pegava por três noites, fazia um restaurante. Levava as mesas, levava tudo, os fogãozinhos de escoteiro, fazia um restaurante, fazia um jantar pra 70 pessoas e era legal pra caralho. Então surgiu essa oportunidade da gente fazer o negócio junto, ser sócio, empresa, tal, junto com mais duas pessoas e aquilo virou uma empresa mesmo. E eu fiquei de 2013, 14 fazendo isso e aqui na Barroso. Na Barroso eu ficava até duas da tarde, depois eu ia pra empresa. Por quê? Mas não era só nos dias que fazia os jantares, a gente fazia eventos corporativos, fazia casamentos, fazia um monte de coisas. E fazia proposta pra empresa. Então tinha todo um trabalho de escritório que eu comecei a fazer também. Eu saí da cozinha e além de cozinhar nos jantares tinha todo um trabalho de escritório, de excel, de papapa papapa. E aí foi que eu comecei já a ficar meio a meio, fazia anos que eu não tinha essa responsabilidade de mexer numa planilha, não era a minha responsabilidade, era dos chefs. E aqui, dentro do Fechado pra Jantar, começou a ser minha responsabilidade. Tinha um cara de financeiro que manjava muito disso, me ajudou muito e eu comecei a entender melhor como funcionava e não sei o quê, não sei o que lá e, não digo tomar gosto pela coisa, mas ver como era importante e fundamental. A BR Spices surgiu de uma ideia que eu tive, eu falei: “Porra, acho que a gente podia pegar os produtos que a gente já vende, só que pôr numa embalagem bonitinha e vender para um público que a gente não atende. A gente não vai nem virar concorrente de nós mesmos, a gente trabalha com esse público e agora a gente vai ter esse público também. Era um ganha-ganha.

P/1 – Antes de você continuar, queria voltar para você falar um pouquinho lá dessa empresa que você abriu.

R – Do Fechado Pra Jantar era isso. Éramos quatro sócios, fazia esses jantares, fazia eventos corporativos e também fazia casamento, fazia um monte de coisa. Lançamento de edifícios. Um monte de coisa. A gente fazia o buffet ou às vezes a gente organizava o evento inteiro, tinha um cara de produção, tinha um cara de financeiro, tinha eu que era meio coringa nas duas e tinha o chefe de cozinha, que tinha um restaurante, tem um restaurante, e

usávamos o restaurante dele de base pra fazer. E nesse negócio que fala restaurante, a comida já chegava 80%, 90% pronta. Ali era só finalização.

P/1 – Teve algum lugar inusitado que vocês foram quando vocês eram itinerantes.

R – Muito. Muito. A gente fez no alto do Vidigal, no meio da favela lá no alto do Vidigal. A gente fez no Centro Cultural Oscar Niemeyer, em Goiânia. A gente fez, putz, no andar de baixo do Teatro ECO, na Consolação.

A gente fez dentro da Livraria da Vila, ali na Alameda Lorena. Era só lugar inusitado, na verdade, todos eram inusitados. Fez no último andar do prédio terminando a construção. A gente fez lugar demais... O que mais? A gente fez dentro de uma loja na Oscar Freire, uma loja de utensílios de cozinha, chama Zwilling.

P/1 – E chamava a atenção do pessoal que passava?

R – Pra caramba! O que está acontecendo aí? Só que era um jantar com pré-venda, já tinha vendido tudo, comprava na internet e ia.

P/1 – Sempre fechava tudo.

R – Sempre, sempre. É que era pouca gente, 60 lugares, três noites, são 180 pessoas. É pouca gente.

P/1 – E qual era o cardápio?

R – Ah, variava muito.

P/1 – O público também variava, né?

R – O público era variado. A gente só tentava sempre fazer alguma coisa, nunca colocar coisas muito polêmicas, entendeu? Porque é um negócio que é um número fechado, são 60 pessoas, todos vão comer necessariamente a mesma coisa, não existe a possibilidade de mudar, não existe. Então tinha que ser uma coisa que todo mundo gosta. Não vou botar a rã porque vai ter gente que não vai comer, que tem gente que vai ter nojo. Era basicamente dentro daquela quadradinho que você sabe que todo mundo gosta e a gente ia alternando e tentando fazer algumas coisas diferentes. Porque fazia parte da atração ter algumas coisas diferentes, mas dentro de um universo entendível. Não adianta fazer buchada, entendeu? Não adianta. Por mais que você fale: “Meu, tá muito bom, não tem como o cara não gostar”. Vai perguntar o que é, fala buchada...

P/1 – Como é isso?

R – O quê

P/1 – Essa questão cultural, né, até?

R – É assim, cara, é assim. É como é, é cultural. Falta referência, falta coisa. Tem muita gente que não tem interesse. Eu divido casa agora com um amigo meu e ele é assim, o cara só come bife, batata frita e pão de queijo, universo não foge... e miojo. Come miojo até hoje, um cara de 30 e poucos anos e come miojo em casa. E é isso, não tem muito interesse, não tem vontade de experimentar. Vai comer uma ostra? Não vai comer nunca, entendeu? Nunca. Porque não tem interesse. É cultural porque aqui a gente não tem esse, um negócio tão arraigado assim, enraizado, de formação gastronômica mesmo. Eu fui ter fora. Apesar do meu pai cozinhar em casa, ok, mas ele cozinhava quase sempre a mesma coisa, não tinha uma formação familiar ou, puta, um negócio, não faz tanto parte do nosso dia a dia, tirando arroz e feijão. É diferente, sei lá, maneira como lida é diferente.

P/1 – Eu queria voltar pra isso depois, mas eu vou encaixar mais pra frente. Então você começou da Spice e você falou do público, né? Eu não entendi direito, já tinha o público e você...

R – A Barroso é atacadista, não é? Ou atacarejo, ela vende as coisas no varejo, mas é só no granel, mínimo de meio quilo, não sei o quê, não sei o que lá. Esse é um público que compra pra revender. A BR Spices vende pro público final, entendeu? O produto que você compra você usa, enquanto a Barroso vende pra quem vai revender, quem vai empacotar. No caso a Barroso vende pra gente e a gente vem, põe num potinho e vende pra você, entendeu? A Barroso está no meio do processo, a BR Spices já está um passo a frente, está um canal

à frente.

P/1 – Vocês venderiam para uma pessoa que chega aqui, entra e quer comprar um negócio.

R – Sim, sim, sim. No caso a nossa ideia hoje não é essa, a gente vende pra supemercados que vendem pra essas pessoas.

P/1 – Restaurante também?

R – Mas o que eu estou dizendo... não, restaurante, não. A diferença é a gente vende o produto final, a Barroso não. Se o supermercado comprar da Barroso é pra pôr naqueles potões e aí ele vai pesar na hora com o cliente. A gente vende produto final, pronto, acabado, ele abre a caixa, põe na prateleira e acabou, é isso. A gente está em outra ponta da cadeia.

P/1 – Entendi. E da onde veio essa ideia? Você falou um pouco.

R – Do momento em que a Barroso já estava bem e eu queria cumprir mais funções lá dentro. E aí eu falei: “Pô, vou fazer um negócio diferente, que dá para eu fazer mais coisas. Vamos fazer um negócio diferente”. E aí surgiu a ideia e foi andando. Foi um ano até sair do forno, demorou, demorou. Porque era uma ideia, porque eu também estava em outra empresa ao mesmo tempo, então precisava, tinha pouco tempo, na Barroso tinha muito trabalho, então coisa que foi sendo devagarzinho, devagarzinho. Não tinha pressa também, não tinha pressa. Teria pressa se não tivesse trabalho. Não tinha, a gente já tinha muito trabalho já, mas eu achava que dava pra evoluir, como deu.

P/1 – Você achou que o momento na zona cerealista, você conseguiu tirar proveito do momento, é isso?

R – Não. A BR Spices independe da zona cerealista, na verdade. Ela nem tem muito a ver com os comércios que têm aqui, é outra coisa. Poderia ser em qualquer outro lugar, é que pra gente é um facilitador estar aqui porque está ao lado da Cerealista Barroso, porque vira e mexe eu tenho que ir pra lá. Pô, são empresas irmãs, então é uma mão na roda uma estar ao lado da outra. Mas o nosso público não é público de zona cerealista, nem só o cliente final, que poucos vêm pra cá e quando vêm é de sábado e a gente não abre. E nem o comprador do supermercado, o comprador do supermercado recebe os clientes, ele não vai até. Você tem que ir lá apresentar o produto e vender e pa pa pa. Ou muito online, e-mail pra caramba, eu recebo e-mail todo dia de gente que tem um empório, que tem uma loja e quer por os produtos. Nem precisaria dessa parte, é que essa parte pra nós é uma vitrine, entendeu? Ali a gente conseguiu estampar o que é a marca, daí aqui pra trás é produção. Pra mim é muito mais uma vitrine do que uma loja. Ali ficou, vamos dizer, o mood, o espírito da marca está ali, tem o logo, tem as prateleiras de madeira com as coisas estilizadas, tem os temperos, é um pouco o que a gente acredita, o que eu quero passar da marca pras pessoas, essa imagem, que é uma marca nova, que é descolada mas que é preocupada com apresentação, com aparência, que é limpo, bacana, é essa a ideia que eu quero passar pras pessoas essa ideia que eu tenho da marca, então é um pouco isso o que tem aqui na frente.

P/1 – É meio que diferencial, né?

R – Eu não conheço nenhuma outra marca que tenha essa pegada em temperos e especiarias. Tem outras marcas que têm coisas muito parecidas, mais legais até. Pega um Suco do Bem, tem uma pegada mega descolada, entendeu? Independente do que vem dentro da caixinha, mas a comunicação é super bem feita e dá uma sensação de que é bacana, legal. Eu queria que as pessoas tivessem esse tipo de percepção da marca, entendeu? Que não importa o que tem dentro, eu vou comprar esse negócio porque esse negócio é legal. E se o que tiver dentro for bom, melhor ainda. E é bom, entendeu? Pra gente isso é melhor ainda porque a gente acredita muito nos produtos, muito. Não tem um produto em linha que a gente não acredita. Na verdade, tenho muito mais produtos de linha na Barroso e aqui praticamente a gente afunilou: “Esses são os melhores, o que dão mais certo, eu tenho certeza que se o cara comprar vai gostar”. Então a gente conseguiu afunilar isso pra só ter os produtos mais bacanas mesmo, eu não tenho dúvida se o cara comprar o tempero sírio ele vai amar, porque é um puta produto. E além de tudo é bem apresentado, é uma marca legal, bonita. E isso tem aberto muitas portas pra gente, muitas portas, um negócio que eu não esperava. Acabamos de exportar agora pra Nova York, para um cliente lá. O cara viu no Instagram, entrou no site, mandou e-mail, quer ter o produto. E isso porque é imagem, não tem outra explicação, ele não experimentou o produto, ele quer ter porque o logo é bacana, porque o potinho é bonitinho e acabou, é isso. Ele nem comeu o produto, como é que ele vai saber? Mas ele quer porque aquilo de certa forma, ele acha bacana ter no comércio dele, ele acha que as pessoas vão comprar, vão achar legal, vão gostar. Então tem aberto muitas portas e isso pra gente, pô, legal pra caramba.

P/1 – Isso vem muito da ESPM, você não acha?

R – Tem. Cara, essa preocupação estética é um negócio que vem da ESPM, sim. Isso é Comunicação. Mas aí eu faço a comunicação da forma que eu acredito, esse é o bacana de você ter o seu próprio negócio, que aí você não está cerceado por um briefing, por um modus operandi ou por uma maneira de pensar de uma empresa, ou de um chefe, ou de um departamento. Aqui a gente fez o que a gente quis fazer. E tem dado resultado.

P/1 – E quais são os produtos que você mais vende hoje?

R – Puta, chimichurri, páprica defumada, lemon pepper, vários. Tenho os moedores de Sal Rosa do Himalaia vende pra caramba. Tem tempero tártaro, tem o tempero sírio, o curry, garam masala, são todos produtos que a gente desenvolve, são todas receitas nossas. Óbvio, cada um tem uma receita de curry, mas a gente tem a nossa. A gente tem a nossa de garam masala, não é que eu compro curry e revendo, a receita é nossa, a gente que faz, desenvolve. Se precisar ajustar a gente ajusta. Se tiver uma reclamação, tá muito picante, vamos ver isso aí, é uma coisa que a gente consegue ajustar, é um produto nosso, 100%. Isso também é uma vantagem e uma responsabilidade.

P/1 – E como vocês preparam? Você vai lá e prepara, vê a quantidade de cada ingrediente, é isso mesmo?

R – Isso. Faço um teste, pego os produtos que eu acho que tem que misturar, faço um teste. Pego um bowlzinho, misturo, vou vendo os pesos e depois aplico isso numa escala de produção, numa batida de 100 quilos. A gente faz e vê se deu certo porque às vezes a proporção não é necessariamente, quando você bota isso numa escala não combina, não dá certo. Se você pôs um pouquinho de pimenta nesse potinho, misturou e tá beleza, só que aí você multiplicou por dez tudo e essa pimenta ficou, puta, é muito, é muito picante. Aí você ajusta. É um processo artesanal, cara, é um processo bem artesanalzinho, o que eu gosto, isso é uma parte que eu vivi na gastronomia, é um negócio que eu gosto de fazer. É por isso que eu digo, eu não estou em cozinha, mas eu estou o mais próximo possível do que eu poderia estar não trabalhando em restaurante. Eu sinto falta de cozinhar, mas as satisfações e os prazeres que eu estou tendo com a BR Spices não têm preço. As portas que está me abrindo, as possibilidades que a gente vê para um futuro bacana pra empresa, isso não tem preço. E você vê o sucesso de uma coisa que você construiu? Pô, isso é muito legal, muito legal! Você vê um cara comprando em Alagoinhas, você vê que o meu produto está no Maranhão, cara. Sabe, alguém lá em Belém do Pará vai entrar no supermercado e comprar um negócio que foi eu que fiz, cara. Isso é muito doido. E isso é muito legal, isso é muito legal.

P/1 – Vai estar na comida do cara, né?

R – Vai estar na comida do cara, na casa do cara. O cara posta no Instagram, marca a gente. Pô, isso é muito legal, cara, você está fazendo parte da vida das pessoas do nada. Cozinhando eu atingia as pessoas que iam comer no restaurante, fazia a comida que o cara ia comer, mas agora está numa escala, meu, estratosférica. Eu mandei o negócio pros Estados Unidos. Daqui a pouco, já pensou, vou começar a mandar pra China, sei lá, entendeu? É muito doido isso. Um negócio que a gente fez, pô, é muito legal, é uma satisfação, a galera pegar o potinho, postar e falar: “Ó que bonito!”, é uma satisfação, foi um trabalho, meu, um puta trampo achar o pote, achar a tampa, fazer do jeito que a gente queria, aprovar o logo, foi um baita trampo. E é um trampo de gosto, né, gostei e não gostei. E quando a gente falou: “Gostamos” e você vê que seu gosto coincide com milhares de pessoas, que aquilo que você achou legal, bacana: “É isso”, é isso para um monte de gente, um monte de gente pega e fala: “Porra, que legal”. E isso é legal, isso é bacana.

P/1 – Você já foi em algum lugar assim, olhou e tinha um produto seu?

R – Já! Pô, lugar que eu não tinha vendido. Eu tinha vendido para um distribuidor e o distribuidor vendeu para esse lugar, um hortifruti do lado da minha casa. Eu estou lá procurando gergelim que eu queria comprar pra fazer não sei o quê e o cara: “Não, é aqui na seção de temperos”. Eu chego lá e estão meus produtos. Uai, eu não vendi pra esse cara. Aí eu mandei o WhatsApp pro distribuidor na hora: “Ô, você vendeu pra cá?”, ele falou:”Vendi” “Cara, irado”. Cheguei lá e estava lá o produto. Legal, legal pra caramba. Você ver seu produto na prateleira é legal pra caramba. Ainda não estou num Pão de Açúcar da vida, mas pô, quando você vai nesses lugares e você encontra, é legal.

P/1 – Você falou que tem Instagram da empresa e tal.

R – É, o Instagram é a principal ferramenta de comunicação que a gente usa. É direto com o público. Instagram é legal porque a pessoa te segue, ela só vê as coisas se ela te seguir. Então ela escolheu te seguir e ver as coisas que você posta. E pergunta e você responde, é um trato direto com o cliente, é como se você estivesse realmente num chat com a pessoa. E eu gosto muito da ferramenta. E é um puta canal de comunicação, a gente está com quase 100 mil seguidores, está com 93 mil pessoas que seguem o Instagram da BR Spices, isso também já é legal pra caramba. E toda hora tem comentário, toda hora tem inbox que as pessoas mandam perguntas e fotos, enfim, então tem um trato. E eu acho muito importante a gente ter isso mesmo, ser um negócio que é próximo. E se um dia a empresa crescer muito, muito, muito e tiver um departamento, eu quero que tenha um cara que cuide disso mesmo, valendo.

P/1 – Redes sociais.

R – É, que não seja um negócio pasteurizado, sabe? Que não seja um negócio copy paste, que seja um negócio que realmente, pra cada pessoa uma resposta, um negócio que a pessoa se sinta atendida de fato, como se a marca fosse uma pessoa e ela tivesse falado com a pessoa de fato, não com uma máquina, não com um computador, ou não com uma resposta padrão, mas com a pessoa. Você poder saber que se der um pau você vai lá falar com a pessoa é uma segurança até que você tem, pô, é legal. Você tirar uma dúvida e do cara te responder a toa a dúvida pessoalmente, porra, eu gostaria muito de ter essa relação com diversas marcas, entendeu? Então é um negócio que eu vejo que tem que ter assim, tem que ser cordial, bacana, legal com os caras, eu acho que isso é fundamental, faz parte dos valores que a gente tenta passar.

P/1 – E o que você acha dessa questão da comunicação social numa empresa? A maioria das que estão aqui nem ligam pra isso, eu imagino, pra site, por exemplo. Como foi esse negócio do site, do Instagram?

R – Cara, redes sociais é uma coisa que faz parte do meu contexto, pra mim é muito... eu tenho Facebook, tenho Instagram, na real eu só tenho essas duas, não tenho Twitter, mas tenho, uso e gosto. Tem muita gente que tem problemas, não gosta ou acha que é errado, ou acha que tem que usar menos. Eu acho que muito pelo contrário, eu acho que a gente está inserido em um mundo que, cara, cada vez mais vai ter isso. E nadar contra é você estar indo contra uma coisa que de fato o caminho é esse, cara. Tipo, você pode não gostar, mas o caminho é esse. Eu não acho errado, eu acho que é simplesmente uma nova realidade, a gente está inserido em uma nova realidade, da qual isso aqui pra mim é uma extensão, eu estou muito no celular, toda hora, porque estou respondendo coisas no Instagram,

porque tem gente que vem falar no WhatsApp, porque eu mando WhatsApp pro meu irmão, a gente troca ideias de coisas pelo WhatsApp. Então isso aqui pra mim é uma extensão do corpo, isso aqui é um negócio que eu uso muito, então está na palma da minha mão eu conseguir falar com qualquer cliente, então eu uso mesmo, eu acho que é uma ferramenta

que realmente está na mão pra quiser usar. E eu acho fundamental porque as pessoas querem falar com você. Primeiro, muitas pessoas só conhecem a gente por isso, se eu estou aqui, eu não tenho site, eu não tenho uma rede social só vai me conhecer quem passar aqui, ou quem comprar o Guia Mais, sabe? Aqui é uma infinidade de possibilidades. E outra, você trabalha a qualquer hora, de qualquer lugar, o que é uma vantagem. Vou viajar amanhã ou vou viajar quarta-feira, eu vou ficar uma semana fora mas vou ter acesso a tudo o que está acontecendo. E vou continuar criando conteúdo e gerando conteúdo porque está na minha mão o negócio. Então de certa forma eu consigo falar com meu público independente de ser de segunda à sexta das 7 às 17. E isso eu acho fundamental, num mundo dinâmico do jeito que está, em que as pessoas, todo mundo tem um celular, todo mundo tem um smartphone praticamente. Aliás eu estava ouvindo hoje a notícia que caiu drasticamente o número de vendas de PC, de computador. Porque também, cara, com um celular desses, às vezes com um tablet você nem precisa de computador em casa. Se você tem um computador no trabalho, você já tem, em casa não precisa, cara, você fica no celular ali. Eu não uso computador em casa, por exemplo. Eu vejo os e-mails no celular e tudo o mais. Então, isso aqui todo mundo tem. E você está a dois cliques de poder achar: “Putz, cadê a empresa? Como é que chamava aquela empresa mesmo?”, você está a dois cliques de me encontrar, pô, eu quero estar lá, eu quero que você me ache. Então eu acho fundamental ter. Faz parte do contexto, não é nem de negócio, faz parte de uma nova realidade de vida, cara, é assim que as pessoas se comunicam e se relacionam. Pô, tem aplicativo de encontro, as pessoas se encontram se conhecem assim. Certo, errado? Cara, não tem certo e errado, era de uma forma e agora existem novas possibilidades. Só isso.

P/1 – E tem gente que resiste muito a isso aqui, você acha?

R – Aqui? Ah, tem gente que não é familiarizado com a tecnologia, né? É o que eu estou

te falando, meu pai agora que está começando a ficar. E tem gente que mesmo sendo minimamente familiarizado não divide esses valores todos que eu te falei, então é melhor nem ter mesmo. Não tem paciência, não está nem aí, então assim, se você não se importa realmente não faz tanto sentido você ter o negócio.

P/1 – E você vê mais ou menos da sua infância, que o seu pai te conta que mudou a relação entre o vendedor e o cliente, você acha que mudou ou não?

R – Não, existem novos canais de comunicação, mas o vendedor e o cliente vai ser sempre a mesma coisa, o cara quer um bom produto por um bom preço, é isso. E um bom atendimento. É isso. É que nem você ir num restaurante, você quer comer bem, pagar um preço justo e ser bem atendido, é isso e vai ser pra sempre. É o que qualquer um quer, independente da loja que você for você quer pagar um preço bacana, você vai pedir um desconto, isso é pra todo mundo, cara, em qualquer loja e qualquer negócio. Pagar bem, ter um bom retorno e ser bem atendido. Também não adianta pagar bem, ter um bom produto e o cara te manda à merda, entendeu? Então, tem essas três coisinhas e isso é pra qualquer negócio.

P/1 – Você acha que dá pra fazer amizade no negócio? Com cliente.

R – Dá, dá, dá. Sem dúvida.

P/1 – Você conseguiu fazer esses anos?

R – Cara, tem pessoas que eu sou amigo e eu nem conheço. Os distribuidores de Minas Gerais que eu nem conheço os caras, mas a gente é amigo, troca mensagem, fala: “Pô, quando vier pra São Paulo vamos nos encontrar”, não sei o quê. É um cara que faz negócio comigo e se tiver que zoar quando o Atlético Mineiro eu vou zoar, entendeu? E são pessoas que pô, e eu nem conheço.

P/1 – Engraçado. Tem muita gente que tem nostalgia de um tête-a-tête. A gente tem entrevistado gente de 80 anos, 83 e tem uma reclamação sobre isso.

R – Sobre...

P/1 – Sobre um cliente não é mais seu amigo, você não sabe de onde ele vem, tal, mas você está mostrando outra coisa, entendeu?

R – É porque, de fato é o que eu falo, essas ferramentas ajudam muito. Nostalgicamente. Por exemplo, eu interajo com pessoas, com amigos antigos no Facebook, que faz anos que eu não vejo, mas eu nem sinto isso de tanto que você troca ideia ou comenta num negócio, então você se sente próximo do cara sem nem estar, entendeu?

P/1 – Companheiro.

R – Você acompanha, troca ideia, sabe o que o cara faz, onde ele trabalha, sabe tudo, interage com essa pessoa de certa forma e não vê a pessoa há três anos. E é normal, e é de boa e quando encontra nem parece que faz tanto tempo porque vocês sabem. Não é aquele: “Caralho, quanto tempo que eu não te vejo! Tá fazendo o quê da vida?”. Não, entendeu? Então eu acho, são ferramentas. Então o cara que não tem isso, de fato, o cara não vê o cara há três anos é como se tivesse morrido, nunca mais viu não sabe nem se está vivo. São maneiras que a gente se relaciona diferente, são coisas novas. É tudo muito novo, bicho, então está todo mundo meio entendendo o que é e como funciona, mas eu penso um pouco pra esse lado, eu não sinto falta, às vezes, de encontrar pessoas porque eu troco ideia toda hora com a pessoa e às vezes faz tempo que eu não vejo. E com cliente, putz, não sei, eu acho que eu tenho mais facilidade, mais ferramenta de comunicação e tal, acho que é um pouco isso. Se você for parar pra pensar entre telefone e o cliente que vinha na loja, pode ser realmente, faz sentido, mas eu nunca tive essa relação.

P/1 – É outra geração.

R – É, eu sou de outra geração.

P/1 – Agora, quanto a relação sua com a zona cerealista, que você diz que querendo ou não você está nesse espaço aqui, tem uma história e tal.

R – Ah não, tipo, eu sou de casa, eu venho pra cá desde que eu era pequeno, independente de vir muito ou pouco. Aqui eu me sinto em casa. Conheço um monte de gente, sempre vinha pra cá, vou a pé pra 25. Pra mim isso aqui é um negócio muito realidade. Às vezes eu vejo amigo meu falando: “Puta, tenho que ir lá na 25 comprar não sei o quê”, como se fosse um puta de um rolê. Pra mim é aqui, eu vou, fui sexta-feira. No Mercadão eu já trabalhei também, então, tipo, aqui é tipo jogar em casa. Rua Santa Rosa. E é a mesma galera de sempre, né cara?

P/1 – Ah, é?

R – Ah, aqui é uma galera de sempre.

P/1 – Quem, por exemplo?

R – Ah, tá ali o Sidnei do alho com a Zi. Aí encontra o cara da Kombi que é o Biro, aí vem aqui e encontra o Richard, aí vai almoçar e são os mesmos caras ali no restaurante. É a mesma galera, cara. Então é bacana, bacana, bacana.

P/1 – Como é que foi crescer no Brás?

R – Cara, legal, legal. Porque te dá valores que talvez você não teria construído em outros lugares. Você vê, não tem muito glamour, entendeu? E isso pra mim sempre foi importante, o fato do dinheiro lá em casa, sabe, ser um negócio que meu pai não era executivo de uma multinacional, não andava de BMW e trabalhava em um puta escritório da Faria Lima, entendeu? Então isso pra mim era importante, isso construiu valores, você entender de onde vem o dinheiro e como que são as pessoas e os negócios. Acho que você começa a dar mais valor pro negócio, é respeitar um pouco mais as diferenças, acho. É um negócio que eu penso que foi bom porque você vê que o mundo não é um conto de fadas, é aqui. E porra, do lado da loja tem um mendigo e os teus clientes são pessoas simples, os feirantes são pessoas simples mas que vêm, que compram e que pagam tuas contas, cara. Então você começa a dar valor pra isso. Você não olha para um feirante e fala: “Ah, o feirante”. Porra, é o cara que paga a tua conta, você respeita aquilo. Eu acho isso importante. São valores que eu gostaria de dar pro meu filho, um dia quando eu tiver um filho que ele dê valor pro negócio que ele tem, que respeita as pessoas que têm menos. Isso eu acho fundamental e eu acho que ter vindo ao Brás ou ter vivido isso ajudou a construir esses valores dentro de mim, muito mais do que ter morado em Moema e ter feito um colégio no Brooklin, sabe? Muito mais.

P/1 – Você tinha sempre esse contrapeso, então?

R – Sim, eu tinha sempre essa balança. E isso pra mim é importante. Porque se você for depender de morar em Moema e de fazer ESPM, você tem 90% de chance de ser um mauricinho alienado, é foda.

P/1 – Teve alguma coisa que você viu na infância até hoje aqui no Brás que te marcou, alguma situação?

R – Não, situação não.

P/1 – É mais o convívio mesmo.

R – É mais o convívio. É um processo, né?

P/1 – E mudou muito aqui desde que você...

R – Não mudou nada, cara. Pra mim não mudou nada.

P/1 – É?

R – Dos anos 90 pra cá, de olhar. O que eu posso te falar dos últimos dois anos é mais vazio, isso aqui era um fervo maior, tinha mais gente, mais cliente, mais não sei o quê, agora é mais vazio, mais parado. Tinha mais carreta, agora é um pouquinho mais parado porque de dois anos pra cá economicamente o país deu uma murchada. Não posso reclamar nem pela cerealista e nem pela BR Spices, a gente tem exatamente o que eu estou te falando, a gente tem site, tem e-mail, não sei o quê. Então não é tanto mais o cliente que entra na loja, a BR Spices é zero, entendeu? Então se diminuiu um pouco o movimento aqui pra mim não é muito, não são meus clientes. Se entrar dez pessoas num dia na loja aqui é muito, então pra mim não muda. Mas eu vejo que a galera reclama, meu, o povo reclama. Bom, a arte do povo aqui é reclamar, né? Puta, o povo só reclama. Mas é engraçado, eu me divirto com isso porque você senta no almoço, você ouve as mesas do lado, é só bucha, é só reclamação, nunca vi, os caras, é sempre só reclamando. Esses veiãos, nossa, os veiãos reclamam de tudo.

P/1 – De que está parado?

R – De que está parado, de não sei o quê. Não, reclama de tudo, o Parmera, do não sei o quê, não sei o que lá. Mas tem uma pegada nostálgica também, né cara? Todo mundo gosta de reclamar e tem muita gente que reclama também pra saber como está o outro.

P/1 – Ah, é? Como assim?

R – Ah, dá uma instigada assim pra saber se está ruim também, se não sei o quê. Tem gente que fala que está ruim só pra dar uma instigada ali pra saber se tá ruim também, se não sei o quê. Tem gente que fala que tá ruim só pra parecer que tá ruim porque se falar que tá bom...

P/1 – Cresce o olho.

R – Tem, tem, tem. Tem isso aí. Os velhos são espertos, bicho, os velhos são espertos.

P/1 – Você fica de olho nessas coisas assim? Porque você é mais novo, né?

R – Fico, fico, fico, fico pra caramba, pra caramba. Não quero criar nenhum tipo de atrito, não quero que ninguém olhe pra gente tipo: “Quem é esse moleque aí? Agora tá vendendo não sei o quê, porra”. Eu tento nem me relacionar com relação a negócios com muita gente, o nosso negócio independe de outros, então eu tento manter isso o mais privado possível.

P/1 – Não tem muita concorrência aqui dentro então, né?

R – Não, não. O que é bom também. A gente não incomoda ninguém, não estamos tirando o público de ninguém, ninguém está deixando de entrar na loja do lado e entrar na nossa, isso é bom, sabe? É bom.

P/1 – Mas o pessoal daqui passa, olha?

R – Passa, compra. Eu tenho clientes, cara. Tem lojas que vendem os meus produtos. E eu quero mais é que tenha. E vende mais barato que se vier alguém e entrar aqui: “Então eu vou lá porque compro”, não, aqui é mais caro, exatamente por isso, porque eu não me importo com esses dez caras que vão entrar aqui, eu me importo com os 200 que entram na loja do lado. Então eu vendo praquele cara e ele revende, é isso. E é isso que eu quero.

P/1 – E o que você acha que mudou no comércio aqui na zona cerealista, que você ouviu nesses anos todos, desde seu pai até hoje? Como é que você acha que está essa situação?

R – Cara, o negócio é que acho que aqui se fazia muito mais negócios. Acho que uma frase que vocês devem ouvir muito é tipo: “Puta, já ganhei muito dinheiro fazendo aquele negócio”, tinha muito negócio, tinha muita oportunidade, tinha muita coisa nova. Então agora acho que tem menos, tem menos oportunidades, tem menos coisas a serem exploradas, tem menos novidade. Então assim, tem algumas coisas sazonais mas são pontuais. Por exemplo, o Sal Rosa do Himalaia. O Sal Rosa do Himalaia é um negócio que começou dois anos atrás. O cara que fez esse negócio, que trouxe o primeiro container, ganhou muito dinheiro, esse foi um negocião. Mas é raro. Eu acho que antigamente tinha mais isso. Porque tudo isso que já tem hoje, imagina, não tinha. Pô, a Barroso vende 140 produtos. Vamos dizer que no começo tivesse 20. Aí vinha um cara e assim: “Pô, to com alho da China”. Agora não, todo mundo já tem o alho da China, todo mundo, já está tudo, é difícil ter uma coisa nova, que nem o sal rosa, ou que nem o goji berry foi há dois, três anos, ou a chia também. Mas é raro, é pontual. Posso te falar que da época que eu estou, de 2009 pra agora, teve o boom da chia, o boom do goji berry e o boom do Sal Rosa do Himalaia. Três grandes negócios de quem trouxe os containers ganhou muito dinheiro porque realmente vendeu muito. Só o cara que tinha vendia e realmente, porra, três negociões. Mas na época do meu pai, cara, isso devia ser direto, direto, direto mesmo. Toda hora pintava um negocião pra você fazer. E agora eu vejo que tem menos, tem menos.

P/1 – Está tudo mais estabelecido.

R – Está tudo mais estabelecido. Tanto é que agora começou um negócio de fitness, tem um monte de gente vendendo suplemento e tal. Então acho que partiu até para esse outro lado, que aí eu não manjo nada, não sei se vende bem ou não, mas eu sei que muita gente migrou, então deve vender. São algumas coisas novas aí que pode ser que estejam aparecendo, mas realmente deu uma estabilizada, tem pouca coisa nova a trazer.

P/1 – Você lembrou uma coisa legal. Você falou dos hábitos alimentares. Mas você acha que está mudando? Porque tem essa onda assim.

R – Acho, acho, acho.

P/1 – O que você acha disso aí?

R – Acho que tem uma corrente forte e que não é um modismo. Eu acho que tem um interesse estético muito grande que leva a um cuidado com a alimentação muito grande. Eu acho que primeiro vem o desejo estético de ser, ou parecer, ter uma determinada forma física e aí depois vem a preocupação. Não é que a pessoa está preocupada com a saúde e por isso se alimenta bem e por isso tem um corpo bacana. Ela quer ter um corpo bacana e pra ter um corpo bacana ela precisa se alimentar bem. Mas independente da causa, a consequência é boa. Não é uma moda, mas é uma corrente ainda pequena, que eu acho que vai aumentar, que não vai parar, mas ainda é uma corrente. É aquilo que a gente estava falando de educação. A gente não pode achar que os negócios que a gente vê, porque o Brasil... o Brasil, meus funcionários, esquece, cara. Então, puta, é uma corrente, veio forte, tal, vai ser bacana. Eu tenho os produtos fit também e vou vender e bacana. Mas pensando Brasil? Não, é irrelevante. Pensando Brasil é irrelevante. O Brasil mesmo, pô, o que mais come é sal, é sódio, aqueles temperos de um real que é puro sal. É caldo knorr de tabletinho que é puro sal, sódio pra caramba. Essas sopinhas de saquinho que custam três reais, dois reais. Um negócio que custa dois reais no supermercado, cara, com a margem do supermercado, com a margem do cara que vende, pô, o negócio de verdade custa 40 centavos, 30 centavos, menos até. Ainda tem a embalagem. O negócio não vale nada, cara! Nada, nada, é sal com corante, é isso. Então, porra, Brasil, Brasil, a gente é muito roots ainda. Eu estava vendo as fotos, tem uma chef que foi fazer um jantar naquela escola que teve a ocupação no ano passado.

P/1 – Na Pedroso de Moraes.

R – Isso. E ela foi fazer um jantar lá. Ela entrou na cozinha, do refeitório, tal.

P/1 – Foi a Paola, não foi?

R – Foi a Bel Coelho.

P/1 – Bel Coelho.

R – E ela postou uma foto, cara, de uma lata que ela achou lá. Era uma lata de frango desfiado ao molho de tomate. Mas uma lata, cara, um frango em lata, nojento. E é alimentação das crianças, cara, vai pro colégio. Então Brasil, pensando Brasil, esse movimento é muito pequeno. Pensando pra mim como mercado é muito bom e grande até. Mas pensando Brasil, 200 milhões de pessoas, puta, é irrelevante, cara. Porque ao mesmo tempo que tem esse movimento, porra, tem um boom de hamburguerias também. Puta, todo mundo quer comer hambúrguer, faz hambúrguer. Eu tenho muito cliente butique de carne, muito, muito, então isso não para de abrir, butique de carne e churrasco. São coisas que, entendeu, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Então assim, é tão segmentado que tem essa galera, mas também tem essa e tem a outra e tem a outra. E lá embaixo, na base, tem o Brasilzão mesmo, que aí não tem modismo, come o que tem, veio, o que dá pra pagar e o que tem. Não tem essa de: “Ah, puta”. Não, bicho, é o que dá pra fazer. Se tiver mistura melhor, senão vai arroz e feijão mesmo. Não tem muito jeito...

P/1 – O Sal Rosa do Himalaia, né?

R – É, não tem Sal Rosa do Himalaia, entendeu? Por mais que pra mim seja um filão, cara, o produto que eu mais vendo é o moedor de Sal Rosa do Himalaia. Mas eu sou uma empresa pequena e, cara, quantos clientes eu tenho? Pensando em 200 milhões de habitantes? É irrelevante, chega a ser irrelevante, entendeu? Então é isso. Mas é um movimento que eu acredito, inclusive, acho que veio pra ficar, só vai aumentar e acho bom que tenha.

P/1 – De boa alimentação.

R – Sim, sim, sim.

P/1 – E essa questão da merenda?

R – Cara, assustador, né, bicho? Na minha opinião é, puta, cara. Não dá, não tem a menor condição de você desenvolver bem as tuas ideias comendo merda, cara. Não dá, não dá, não dá. Então, puta, o bagulho já está errado ali. Mesmo que os professores fossem bons e que a escola fosse boa e tal, não dá, bicho, sua alimentação é um lixo, um lixo, você fica doente porque sua imunidade... você não tem vitamina. E óbvio que isso afeta a função cerebral, é óbvio que o cara não consegue desenvolver um raciocínio, o sangue do cara não está nutrido! O sangue que irriga o cérebro do cara não tem vitamina, não tem mineral, o cara tem sono na hora que não é pra ter, o cara daqui uma hora tem fome de novo porque comeu batata frita, não alimenta. Porra, cara, puta, é uma questão filosófica até muito complexa, mas é por isso que eu falo. Eu falei assim, porra, não é Temer, Dilma, picas, cara. Educação, saúde, alimentação e aí? É o que eu falo, bicho, não vai mudar. Não vai mudar nada. Não é que não vai mudar, eu não vou ver, não vai dar tempo. Porque essa molecada de oito anos que está indo pra escola, essa molecada também já está condenada. Então realmente, quando eles tiverem 20 eu vou ter quase 50 e não vou ter visto, não vou ter visto essa geração, porra, ser o Brasil do futuro. Não vou. Porque cara se alimenta mal pra caramba porque não tem educação, porque não tem saúde, porque não tem nada, bicho, nada. O Brasil real é o Brasil da H1N1, velho, do chikungunya, da dengue, da AIDS, porque não tem camisinha (risos), sabe? Não tem educação. Meu, esse é o Brasil valendo. O resto, bicho, Temer, Dilma, Serra, Aécio... pouco muda, na minha opinião pouco muda porque nenhum, eu nunca vi uma proposta de reformulação da merenda escolar. Todas as crianças agora estudam... porque agora tem, né? “Todas as crianças estudam em período integral e todas as crianças terão uma alimentação balanceada. Equipe de nutricionistas acompanhará”. Existe? Não existe. É o maior foda-se do mundo pra... você vê que os caras pegam os pontos grandes e conseguem abordar os pontos grandes, tipo, conseguem falar assim: “Educação. Agora vai estudar período integral”. Mas dentro da Educação não muda. Dentro, o que é? Pagar bem o professor, uniforme decente pras crianças, carteira nova nas salas de aula, livros, bibliotecas, alimentação, segurança pra poder estudar mesmo e não só chegar na sala de aula e ser uma baderna. Isso não entra, então, puta, você faz o negócio, parece que, mas no fundo, no fundo é nada.

P/1 – A questão de agricultura familiar também você acha interessante?

R – Sim, sim, sim. É uma coisa que cresce muito, cara, nos Estados Unidos é um negócio que as pessoas estão fazendo inclusive em apartamentos, bicho. A questão do comer o que planta é um negócio legal, bicho, só que é aquela coisa que eu falo, bicho, não é Brasil. A gente vai ver, vai ter um amigo na Vila Madalena que faz e outro em Pinheiros e bacana, mas não é, não é, não é realidade. Nos Estados Unidos pode vir a ser, entendeu? Países de primeiro mundo essas paradas podem ser realidades. Por que? Porque os negócios são resolvidos, precisa fazer, se quiser fazer você vai fazer. Aqui a gente vai ver, vai ser um movimento, não sei o quê, tal, mas é insignificante, cara. Isso pra mim é decepcionante. São movimentos, vai ter, tal, mas não muda nós como Brasil, nós como nação, cara.

P/1 – Agora, pra zona cerealista, o que você acha que vai acontecer? Qual é a visão de futuro, primeiro pra zona cerealista?

R – Bicho, eu não sei, isso é uma puta questão porque já houve tentativas de tirar a zona cerealista daqui, né? E nunca foi pra frente. Mas já houve tentativas. Agora pegaram aqui esse espaço grande e vão fazer um SESC, aqui em frente ao Mercadão. Eu não sei se a ideia é começar a melhorar e trazer mais gente pra cá e dar uma bombada e, sei lá, dar uma reformada, sei lá se a ideia é essa, ou se a ideia é justamente o contrário, começar a trazer outro público pra cá e realmente tirar a zona cerealista daqui. Eu acho fantástico que tenha, eu acho incrível, cara, porra, na maioria das cidades do mundo não faz parte. Tem o tal dos cinturões verdes, os provedores estão fora mesmo da cidade, enfim, fazem as entregas. Não é comum, cara, você chegar numa cidade e no meio da cidade, no meio, porra, tem essa loucura desse comércio todo, isso eu acho legal pra caralho. E quem vem pra zona cerealista gosta muito, gosta muito. Agora que é Páscoa, quando foi Páscoa, a galera vem comprar o bacalhau aqui porque sabe que tem o preço melhor, eu acho isso legal pra caramba. Se fosse melhor cuidado, porra, seria um ponto turístico, as pessoas tinham que vir aqui conhecer, vim mesmo. Só que é um lixo isso aqui. O Mercadão Municipal, só tem mendigo morando em volta. Eles fazem fogueira e fica o chão queimado, tal. Cartão postal da cidade. Aí você atravessa a avenida pra vir pra cá, tem um rio de merda, aquilo é um rio de cocô nojento passando, nojento, um negócio nojento. Essa avenida do Estado é a avenida mais feia da cidade. Aí você vem aqui, atravessa a rua e pra chegar aqui você passa pelos caras do alho, todo mundo descascando alho na rua, sujo pra caralho. Aí você vem aqui, se tiver chovendo você precisa estar com a galocha até o joelho. Cara, é mal cuidado pra caralho, mas eu acho fantástico, eu acho fantástico, bicho. Porra, pouquíssimas cidades no mundo têm isso, cara, pouquíssimas. E olha que eu morei em cidade, hein, véio? Nas que eu morei nenhuma tem. Eu fui pra Istambul uma vez e tem essa pegada. Mas porra, Istambul é outra cabeça. Pouquíssimas cidades têm, cara, e você está no meio da cidade e ter uma zona cerealista, um puta de um comércio pegando fogo, produtos do mundo inteiro, porra, um monte de produto legal, acessível. Pouquíssimas cidades têm. Se aqui fosse melhor cuidado, porra, eu ia ser muito feliz, de vir do estacionamento a pé até a loja aqui e passar numa rua bacana, com uns prédios bem cuidados, com as ruas limpas, com o bueiro tapado. O bueiro lá o caminhão passou na frente, da frente da Barroso, o caminhão passou em cima, quebrou e está lá, quebrado e vai ficar quebrado sei lá quantos anos. E na esquina tem um cara que vende jaca e deixa as jacas podres dentro de um carro abandonado (suspiro). Sabe? Tesão zero, cara. Quando eu viajo assim e volto eu falo: “Nossa”. Eu volto pra cá, desço do carro: “Nossa, muito feio”. É muito feio, um ambiente muito feio, cara. Um lugar tão legal, tão, tão legal, com umas empresas tão da hora, com umas lojas tão bacanas. Você entrar numa Casa Flora, meu, espetacular, bonito pra caramba. Entra num Camanducaia também tem um monte de coisa, pô, tem queijo do mundo inteiro, um monte de coisa legal, cara, um monte de coisa legal. Só que mal cuidado, mal cuidado.

P/1 – Tem potencial.

R – Há quantos anos isso? Não é nem potencial, é um fato. É boa mas é mal cuidada. Potencial eu diria se houvesse uma tentativa de melhora e falar assim: “Tem potencial”. Potencial, se não há tentativa nenhuma, ter ou não ter é a mesma coisa, não vai mudar, está parado, está abandonado. Não está pensado. A última pessoa que veio aqui de fato foi a Marta Suplicy em 2000 e pouquinho, que fez a reforma do Mercadão, papapa, que tinha uma pegada de revitalização do centro, mas de lá pra cá, zero, rosca, nada, nada, nada, nada. Então, porra.

P/1 – E pra empresa, o que você acha que vai ser o futuro, como é que vai ser? O que vocês estão planejando?

R – Puta cara, eu estou num momento em que a empresa é muito nova e ela está numa curva de crescimento e eu não sei onde a gente está nessa curva, entendeu? Se a gente está aqui perto de estabilizar, se a gente está no comecinho dela. Então, muito difícil pra mim fazer uma previsão. A minha ideia é continuar crescendo, é entrar nas grandes redes de supermercado, é vender pro Brasil inteiro, é achar mais gente fora do Brasil que queira exportar e levar os produtos. Eu acho que potencial ela tem, cara. E putz, torcer por um cenário econômico nacional um pouquinho melhor também porque precisam me ajudar com isso, tem muita gente quebrando, tem muita gente que não paga boleto, tem muita gente que não está fácil. Por mais que a gente esteja crescendo, a gente vende pra alguém e se esse alguém está quebrando, então a gente precisa de um cenário econômico bacana pro Brasil começar a se movimentar um pouquinho mais e os clientes, porra, comprarem, pagarem em dia e não sei o quê, tal. O mercado está meio estranho e a BR Spices surgiu num mercado estranho e mesmo assim está crescendo. Então a minha esperança é de quando esse negócio começar a andar mesmo, a gente andar pra caramba. Essa é a minha esperança. Quando o Brasil voltar a ter uma curva de crescimento ou uma expectativa de melhora, a minha ideia é que a empresa, porque eu penso, se já estamos bem, crescendo agora que está uma bosta, porra, quando melhorar eu espero. Mas não sei, não sei, não sei. Do jeito que está hoje, agora, não sei, cara. Não sei se amanhã os clientes vão tudo quebrar ou a galera vai falar: “Estamos dando uma segurada” e de repente eu despenque, de repente. Não sei, me preocupo por isso, cara. A gente precisava de funcionário e eu vou pondo gente, precisava de mais um, depois precisava de mais outro. Eu vou até o limite pra por, quando está precisando muito eu falo: “Beleza, vamos pôr mais um, vai”. Porque eu não sei. Será que no mês que vem vai continuar crescendo? Será que não? Não sei. Está um momento que eu não tenho todas as cartas na mão. É uma coisa que a gente fica tentando. Mas o bom é que como já pôs, agora vai ter que dar um jeito, vai ter que crescer, bicho, vai ter que cada um se virar e arrumar cliente e vender e encher o saco dos caras que já compram, comprar mais. Vai ser na marra, mas vai ser.

P/1 – E você está com quantos anos hoje?

R – Vinte

e sete pra 28.

P/1 – Está achando muita responsabilidade pra idade?

R – Não. Não. Acho que estou na idade certa. Não, cara, zero, zero. Eu acho que sou novo, mas por sorte já vi muita coisa, já trabalhei em muito lugar, já vi muita coisa, então não, não. Não me incomoda. Idade não me incomoda pra nada, nunca me incomodou, nem pra mais e nem pra menos. Incomoda se um cara, sabe, o cara acha que você é um moleque, ou te julga pela tua idade, ou acha que... aconteceu uma vez, aconteceu na casa que eu fui alugar, o cara prometeu uma coisa, depois falou outra, eu falei: “Porra, isso aí que você está falando tá errado”, não sei o quê. Ele falou: “Cara, eu tenho idade pra ser seu pai”. Eu falei: “Foda-se, babaca também envelhece”. Esse tipo de coisa, isso me incomoda, se o cara vem e quer bancar porque é mais velho, isso me incomoda. Mas mais responsabilidade, isso não me incomoda em nada.

P/1 – E aconteceu no comércio isso, já?

PAUSA

R – Não, no comércio nunca aconteceu. O que acontece muito é de gente vir dar toque, mas isso eu acho bacana. Porque é gente que tem mais vivência, mais experiência e tal e vem, dá uns toques e tal. Isso eu acho importante, até, mas não. E nunca fui cobrado por isso, nunca foi uma questão. Meu pai nunca falou: “Quando você tiver 25 anos você pode assumir”. Não. Quando eu era moleque já queria que eu fosse, entendeu, é uma coisa que nunca tive esse tipo de pressão, então nunca tive esse tipo de incômodo.

P/1 – E seu pai fica aconselhando você e seu irmão?

R – Ah, ele participa. Participa menos agora porque mora no Guarujá, está aposentado, não vê tanto, então participa menos, mas ele tem interesse sim, sempre teve, um cara que trabalhou a vida inteira, desde os 18 até os 70, então é um cara que não sabe se aposentar. É difícil, cara, é difícil você acordar e não fazer nada. Então é um cara que vai atrás de notícia, manda notícia, vai atrás de tendência, fala: “Olha, ouvi dizer que tal coisa vai acontecer. Fica esperto, fica de olho”, não sei o quê. Ele gosta de participar. E é bom que participe.

P/1 – E você aprendeu muita coisa no comércio até agora, você acha?

R – Cara, tudo o que eu sei eu aprendi agora (risos). É tudo novo, novo, novo. Aprendi muita coisa, cara, não sabia nada. Não era minha praia. E não tem faculdade pra isso, é na marra, na vivência, então aprendi, aprendi bastante coisa.

P/1 – Última pergunta: você tem sonhos pessoais hoje? Quais são seus sonhos, seus projetos de vida?

R – Cara, sonho. Puta, não, meu. Eu tenho vontade de ter um cachorro, mas está difícil (risos). Tá difícil porque é muito tempo fora de casa. Não, não, cara. Sei lá, eu não tenho nem claro onde eu estarei daqui a cinco anos, dez anos, não sei. Mas é o que o meu pai sempre fala: “Às vezes o mais importante de saber o que você quer

é você saber o que você não quer”. Então o que eu não quero eu sei, agora o que eu não quero, onde vai ser, como vai ser, putz, eu não sei, isso eu vou deixando as coisas acontecerem. Agora as coisas que eu não quero eu sei, entendeu?

P/1 – O que é?

R – Ah, puta, insucesso na empresa, putz, um monte de coisa. As coisas ruins. Todas essas coisas eu sei que eu não quero. Agora as coisas que eu quero, putz, acho que vão acabar acontecendo sim. Ter filhos, família, tal, mas eu tenho zero pressa pra isso, zero. Acho que tem que dar tempo ao tempo e vai acontecer ou não vai acontecer. Não crio muita expectativa também.

P/1 – E como é que foi conversar um pouco? Gostou?

R – Bom, bacana, bacana. Eu falo muito cara, eu falo muito, então eu sabia já que ia demorar. Quando você falou duas horas eu falei: “Fudeu, cara”. Porque eu falo muito. Achei que era 20 minutinhos, duas perguntas e tal.

P/1 – Mas você gostou, foi uma experiência boa?

R – Não, bacana, bacana, bacana. Legal falar. Falei de tudo, hein? Caralho. Fui no Faustão lá, no Arquivo Confidencial. Não, é legal falar. E é bom porque eu fiz umas análises, consegui colocar em palavras algumas coisas que eu pensava aqui da empresa e é bom escutar. É bom, é bom.

P/1 – Tá certo, obrigado.

R – Valeu, véio. Valeu, valeu.

P/1 – Obrigado.