Museu da Pessoa

Nascem Flores

autoria: Museu da Pessoa personagem: Elaine Alves Xavier

10 anos da Fundação Gol de Letra
Depoimento de Elaine Alves Xavier
Entrevistada por Nádia Lopes e Ricardo Pedroni
São Paulo, 23/06/2009
Realização Museu da Pessoa
Entrevista: FGL_HV008
Transcrito por Tereza Ruiz
Revisado por Ligia Furlan

P/1 – Elaine, bom dia.
R – Bom dia.
P/1 – Obrigado por você ter aceitado o nosso convite, tá?
R – Imagina.
P/1 – Para começar nós gostaríamos que você dissesse o seu nome completo, o local e data de nascimento.
R – Tá. É Elaine Alves Xavier, eu nasci em 1974, aqui em São Paulo mesmo.
P/1 – Que dia você nasceu?
R – 27 de dezembro.
P/1- Em São Paulo mesmo. Que lugar de São Paulo?
R – São Miguel.
P/1 – São Miguel. Nome dos seus pais?
R – É Valdomiro e Rita.
P/1 – Você pode falar o nome inteiro deles?
R – Valdomiro Alves Xavier e Maria Rita Carvalho.
P/1 – Qual é a atividade profissional dos seus pais?
R – Minha mãe era ascensorista, hoje ela está aposentada. E o meu pai, pedreiro.
P/1 – E seus pais são de São Paulo mesmo?
R – São de São Paulo.
P/1 – Nasceram em São Paulo?
R – Não, minha mãe é da Bahia e meu pai é de Minas.
P/1 – E você sabe quando que eles vieram pra São Paulo?
R – A minha mãe veio com uns 12 anos. Agora, o meu pai eu não sei muito, porque eles são separados e não tenho muito contato com ele.
P/1 – Ah tá. Você também não tem ideia como eles se conheceram?
R – Não.
P/1 – E faz tempo que eles são separados?
R – Eu tinha dois anos.
P/1 – Ah.
R – Ela casou novamente, eu tinha sete anos quando... Ela está com esse meu padrasto até hoje.
P/1 – Você tem irmãos.
R – Não, filha única.
P/1 – E assim, como é que... Você nasceu em São Miguel, né? Você viveu sempre em São Miguel?
R – Não. Eu nasci em São Miguel, mas acho que eu fiquei uns dois anos, depois vim pra Zona Norte mesmo, mas não me lembro o bairro.
P/1 – Não, tudo bem. Mas a sua infância foi na Zona Norte?
R – Isso, começou na Vila Ede, depois da Vila Ede foi a Vila Albertina.
P/1 – Tá. Na Vila Ede você morou até quantos anos?
R – Eu acho que até uns nove, dez anos.
P/1 – E você lembra da sua casa lá na Vila...
R – Lembro.
P/1 – Como é que era?
R – Era pequenininha, pequenininha, bem assim... Eram dois cômodos bem apertadinhos, a cozinha era um ovo. Aí eles... Meu padrasto e a minha mãe compraram o terreno na Vila Albertina e foram construir. Eles ainda foram primeiro e eu fiquei com a minha tia um ano, depois eu fui morar definitivo. Entrei na escola João Ramos, onde foi a minha dificuldade, porque eu falei: “Nossa, como é que eu vou sair? Moro num lugar... Como é que eu vou ter amigos?”. E aí não, assim, foi totalmente diferente do que eu pensava, o pessoal da Vila Albertina é muito caloroso. Eles... Nossa, chega uma pessoa nova, dão toda atenção. Pensei que eles iam me excluir, e foi totalmente diferente.
P/1 – Porque você chegou lá com uns nove anos, né?
R – Isso.
P/1 – Você tinha os seus amiguinhos lá da Vila?
R – É. E eu falei: “Nossa! Pronto, vão me excluir...”. Ainda mais pelo fato de eu ser filha única, ainda tem esse problema. Aí eu falei: “não, vai ser difícil”. Depois foi totalmente diferente.
P/1 – E você lembra das brincadeiras de infância?
R – Ah lembro; amarelinha, elástico, vôlei na rua.
P/1 – Como é que era o elástico?
R – Eram duas meninas de cada lado, uma ficava no meio, pulando o elástico. Era muito bom!
P/1 – Isso tanto na Vila Ede, na Vila Albertina a mesma coisa?
R – Isso, nos dois, é.
P/1 – Você sentiu muita diferença de um local pro outro?
R – Bastante, bastante.
P/1 – O que era diferente?
R – Porque assim, eu morava... Na Vila Ede eu morava numa avenida, então tudo era próximo. Quando eu fui morar pra Vila Albertina não tinha mercado perto, tudo era longe. E assim, era muito barro, barro pra tudo quanto é lugar. E a escola também muito longe, então eu estranhei muito. E até assim, as músicas também eram diferentes.
P/1 – Como é que era...
R – Porque onde eu morava era mais um lado de pop, rock. Quando eu mudei pra Vila Albertina era o samba. Então nossa, eu estranhei muito!
P/1 – Mas você aprendeu rápido?
R – Até hoje eu prefiro samba (risos).
P/1 – Aliás, tem alguma escola de samba ali?
R – Tem, tem duas.
P/1 – Ah, e qual é o nome?
R – São União da Vila Albertina e Tradição da Vila Albertina.
P/1 – Você chegou a ter contato com essas escolas?
R – Até saio, até hoje.
P/1 – Você começou a sair na escola?
R – Eu saio na União, é.
P/1 – Ah é?
R – Eu e meus filhos.
P/1 – Mas você começou jovenzinha saindo nessas escolas?
R – Não, comecei faz uns três anos. Um colega convidou os meus filhos, eles queiram ir; pra eu deixar eles irem eu tinha que ir, aí eu tive que sair pra eles poderem ir.
P/1 – E você tem o samba no pé?
R – Mais ou menos (risos).
P/1 – Deixa eu voltar um pouco pra sua infância. Como era o dia a dia na sua casa? Porque a sua mãe era ascensorista, né?
R – Isso.
P/1 – E seu pai pedreiro... O seu padrasto, pedreiro?
R – É. O meu padrasto trabalhava em fábrica e ela era ascensorista. Então eu ficava sozinha o tempo todo. Eu ia pra escola, tinha que arrumar a casa porque ela trabalhava. Era um pouco solitário. A minha amiga, Madalena, que assim, que tinha mais contato, era que nem irmã, então eu ia muito na casa dela, ela vinha muito na minha casa, e era assim.
P/1 – E a escola você falou que era distante, né?
R – Bastante.
P/1 – Como você fazia pra ir? Como era o percurso pra ir até a escola?
R – Ah, eu descia, ia na casa da Madalena, e a gente ia pra escola.
P/1 – Iam a pé mesmo?
R – Ia a pé, não tem nem como pegar ônibus.
P/1 – Ficava... Quer dizer, a gente não conhece muito a Vila Albertina, mas a gente sabe que tem muito morro, né?
R – Isso.
P/1 – Era pra baixo, pra cima...
R – Era pra baixo, na hora de voltar que era o problema. Mas era bem distante, e a escola aonde eu estudava na Vila Ede era pertinho. Então era tudo perto! Quando eu mudei, que eu vi que eu tinha que andar até lá, falei: “Não, vou desistir de estudar!”.
P/1 – E você falou que não era asfaltado ainda, né?
R – Não, não era, era tudo barro. Pra gente chegar à escola... Você tinha que quebrar, tinha umas quebradas que a gente tinha que entrar, era bem difícil.
P/1 – Nossa, e quando chovia?
R – Piorou. O barro... A gente ficava com o pé todo vermelho.
P/1 – Não chegava a escorregar? Porque descida...
R – Escorregava (risos). Na escola também tinha uns barrancos que a gente brincava lá, chegava tudo sujo.
P/1 – Você entrou na escola com quantos anos?
R – Acho que eu tinha uns dez, uns dez anos.
P/1 – Dez. O nome da escola?
R – João Ramos.
P/1 – João Ramos? Escola Estadual?
R – Isso.
P/1 – É da Vila Albertina mesmo?
R – Isso.
P/1 – Essa escola existe até hoje?
R – Existe.
P/1 – Como era essa escola?
R – Ela é uma escola municipal, e é bem grande, com bastante árvores, é uma... A quadra também é grande, é bem legal lá. É assim... É próximo de casas boas, mas classe média. E assim, a maioria das crianças tinha... A única opção era lá, mais perto. Hoje não, hoje tem o ESAC, é um pouco mais próximo, mas antes tinha que andar até lá.
P/1 – E nessa escola você fez até que série?
R – Fiz até a oitava.
P/1 – E dessa época da escola, o que você lembra de marcante pra você?
R – Ah, tudo. As brincadeiras, as amizades... Porque lá era um pouco diferente da Vila Ede, as crianças eram... Não eram assim tão apegadas. Já na Vila Albertina as pessoas eram mais amigas. Então lá tinha bastante amigas, muitas mesmo. E assim, a gente foi indo de uma sala, todo mundo junto, era difícil um desmembrar do outro. Então acho que isso que também fez mais a união. Depois, quando chegou na oitava que ficou mais difícil, que aí uns foram pra um lado, outros foram pro outro, cada um foi pra uma escola.
P/1 – Dividiu o grupinho, né?
R – É.
P/2 – E os professores, teve algum que te marcou?
R – Ah eu... De Matemática. Ele era muito assim... Porque eu não gostava muito de matemática, até hoje eu não sou muito chegada, mas ele ensinava brincando. Ele ensinava de uma forma diferente, tinha muito contato com a gente, então ele ia assim... Eu lembro que ele ia em cada carteira – e eu já estava na sétima série – e ensinava mesmo, e brincava muito. Ele, acho, que mais marcou.
P/1 – Você lembra o nome dele?
R – Ai, não lembro.
P/1 – Mas teve uma festa de formatura dessa escola?
R – Teve, teve a festa de formatura.
P/1 – E como foi isso?
R – Foi nas Palmas, foi próximo. A gente se organizou, fizemos festa pra poder ter a formatura, e...
P/1 – Arrecadar dinheiro?
R- Isso, pra arrecadar. Fizemos até... Ai credo, até desfile de moda. A gente teve que fazer desfile de moda, tudo...
P/1 – Na escola mesmo?
R – É. Cobrando a entrada pra que a arrecadação... Pudesse fazer a formatura. E a gente fez, foi super bom o dia da formatura, todo mundo bonitinho, vestido, tudo. Teve o baile, que era... Foi na igreja, e já foi no salão da igreja, foi muito legal.
P/1 – Bom, você era uma das que desfilaram, que era alta assim, né?
R – Ah é, por isso que eu falo “credo” (risos).
P/1 – Como que é isso? Tem algum episódio na escola em função disso?
R – É que assim, na minha época eles faziam muita coisa lá, hoje em dia eu acho que não tem, mas fazia cantar, apresentações, as crianças dançavam. E aí inventaram essa de desfile de moda, mas foi super legal. Hoje eu lembro, dá pra dar risada.
P/1 – Deixa eu voltar um pouco para a Vila Albertina. Você falou que sentiu uma diferença da Vila Albertina em relação a essa... Ao jeito, ao calor humano, no caso, né?
R – É.
P/1 – Fale um pouco mais sobre isso.
R – É, porque onde eu morava era tudo mais fechado. As pessoas trabalhavam, não era... A Vila Albertina é diferente, um conversa com o outro, um vai na casa do outro. E onde eu morava não, era tudo mais fechado, as pessoas trabalhavam, as crianças não tinham contato um com outro. Na Vila Albertina não, podia brincar na rua... Porque também não tinha muito carro. Onde eu morava era rua fechada, não era aberto, hoje é aberto. Então a gente ficava o tempo todo brincando na rua, brincava de bola, não tinha problema de carro, né? A recepção também, das pessoas, bem legal.
P/1 – E tinha alguma atividade, tipo assim, uma festa do pessoal, mesmo?
R – Então, tinha, porque assim, na igreja tinha o grupo de jovens, da Nossa Senhora Aparecida. E a gente começou a participar, e a gente fazia festa, fazia bailinhos no salão da igreja. O padre era bem pra frente, sabe? Então ele deixava a gente fazer as nossas festas, fazia festa para as crianças. A gente fazia os bailes, e a arrecadação desse baile era para as crianças no dia das crianças.
P/1 – Vocês compravam presentes?
R – Isso, comprava brinquedo, cachorro quente, a gente fazia um monte de coisas.
P/1 – Para as crianças do bairro?
R – Para as crianças do bairro. E é isso que era legal, porque todo mundo se unia pra poder dar alguma coisa para as crianças.
P/1 – E isso ainda acontece?
R – Pouco, mas... Acontece um pouco, porque tem a pastoral da criança, hoje tem a pastoral da criança, não dá para todas as crianças, mas é legal.
P/1 – Bom, e depois que você saiu da escola, o que você foi fazer da vida? Oitava série...
R – Depois da oitava série a gente foi... Ficou aquela turminha, nós nos juntamos, fizemos vestibulinho na Amenaide, lá no Tucuruvi...
P/1 – Menaide o que é, uma escola?
R – É uma escola.
P/1 – Menaide?
R – Amenaide.
P/1 – Amenaide.
R – E aí outros foram pro Arnaldo, pro Rui Barbosa. Assim, são escolas próximas, porque na Vila Albertina mesmo não tem. E umas três... Não, uma só, porque o resto foi desmembrado, foi pro Amenaide. Algumas a gente se encontrou lá, poucas, umas que já tinham saído, a gente... Já estava no segundo, a gente estava no primeiro, a gente encontrou lá. Outros não, foram pra escolas próximas também.
P/1 – São escolas estaduais?
R – São escolas estaduais.
P/1 – E tinha vestibulinho pra escola estadual?
R – Tinha. É porque era técnico.
P/1 – Ah, então era curso técnico?
R – Era, curso técnico.
P/1 – E você escolheu um curso técnico?
R – É.
P/1 – Qual você escolheu?
R – Secretariado.
P/1 – Qual que era a ideia que você estava... Você pensava mesmo em ser secretária?
R – Eu pensava (risos). Não tinha nada a ver comigo, mas eu pensava. Fiz tudo, foi legal, cheguei a fazer até estágio de secretariado, mas não era ainda o que eu queria.
P/1 – Você fez estágio numa empresa?
R – Fiz na Secretaria da Fazenda.
P/1 – E como foi?
R – Foi super legal, porque quando eu cheguei, aquela fila imensa pra ver quem ia entrar. Aí eu falei: “Ai mãe...” – minha mãe foi comigo, né – Falei: “mãe, eu não vou conseguir, porque eu estudo em escola estadual, eles não vão me pegar.” E tinha muita criança de escola particular. Aí a gente fez tudo, uma provinha, tudo, teve entrevista. Aí eu consegui passar. E assim, era um meio período, era das oito ao meio dia, e à tarde vinha outra. E assim, eu me lembro da minha coordenadora, muito legal, me ajudou muito, ela me... Todo tempo ela: “olha, você tem que agir assim, você tem que atender telefone assim...”. Ela me ajudou muito, arrumava cursos de computação pra mim. Todo o tempo ela estava ali do meu lado. Quando eu saí, todo mundo chorou, teve festa, foi muito legal.
P/1 – Durante quanto tempo foi o estágio?
R – Foi um ano.
P/1 – Remunerado?
R – Não.
P/1 – Não era remunerado?
R – Não.
P/1 – Nossa! Bom, você estava na escola... Foi durante o período da escola?
R – Foi.
P/1 – Então você não tinha concluído, você ainda estava estudando?
R – Estava estudando ainda.
P/1 – E como era seu dia a dia, então? A Secretaria era longe da sua casa?
R – É.
P/1 – Como é que era isso?
R – Então, como eu sou sozinha, eu tinha que me virar. Eu pegava ônibus, tudo normal. O primeiro dia eu fui... Porque eu estava muito nervosa, minha mãe acabou me levando, mas depois não, depois eu ia sozinha, e trabalhava das oito ao meio dia na Secretaria da Fazenda, depois ia pra casa comer alguma coisa e à noite ia pra escola.
P/1 – Nossa, você dormia bastante tarde, né?
R – É.
P/1 – E levantava muito cedo.
R – E levantava cedo.
P/1 – Deu pra segurar?
R – Deu.
P/1 – E você conseguiu terminar esse curso?
R – Terminei. Terminei, tudo, fiz...
P/1 – Teve uma formatura também...
R – Não, a gente optou por não ter formatura, só foi uma festa numa pizzaria, todo mundo comeu, pronto.
P/1 – E nessa época você tinha um grupo de amigos que você saía?
R – Tinha. Tinha uma... Lá conhecemos uma pessoa da Vila Albertina que a gente não conhecia, eu e a Madalena. E a gente fez amizade com essa menina, até hoje eu tenho amizade com ela. Fizemos amizade com o pessoal da Vila Zilda, porque lá, como é Tucuruvi, vem um monte de gente de vários bairros. E ainda temos contato, mais por orkut, tudo, mas ainda a gente sabe o que um está fazendo, o que o outro... Se vai ter alguma festa.
P/1 – Como eram as suas diversões, nessa época?
R – Nessa época era engraçado, porque nós tínhamos um professor de... Ah do que ele era, meu Deus? Eu acho que ele era de História. Ele levava a gente muito em museus, nosso passeio era museus, visitar locais culturais. Quando a gente tinha passeio, era o maior divertimento, porque saía todo mundo junto, dava certo de todo mundo sair, porque cada um tinha a sua vida, era difícil da gente poder se encontrar. E assim, o que mais tinha contato foi onde a gente morava mesmo, né, com os moradores.
P/1 – Então os passeios eram muito pela escola também?
R – Isso. E às vezes de sexta-feira a gente saía, ia pra uma pizzaria que tinha de frente à escola. Era assim, com o pessoal da escola era assim. Mas com as meninas que moravam na Vila Albertina não, a gente ia pra barzinhos em Santana, aí já era diferente. Essa minha colega, o pai dela era muito bravo, então não deixava ela sair, e eu tinha que ficar, a muito custo, conversando com ele. A gente... Pouco ela saiu, coitada! Quase que ela não saiu, mas todo tempo eu ficava ali no pai dela. E ele confiava muito em mim, então acho que é por isso que algumas vezes ele deixava sair, outras vezes não.
P/1 – Porque na Vila Albertina as coisas são meio longe até pra sair, né? Pro pessoal sair, não é?
R – Verdade.
P/1 – E como é que é... Pelo menos o que a gente ouve falar é que a Vila Albertina tinha um problema muito sério de criminalidade...
R – Isso. Era sim, por isso o pai da Madalena não deixava muito sair. Porque assim, eu morava lá em cima, ela morava na rua de baixo, e a outra morava mais embaixo ainda. Então era um pouco distante, então pra vir embora o pessoal tinha medo. Quando tinha alguém de carro, tudo bem, deixava, mas quando não tinha, não dava.
P/1 – Então era melhor nem sair de casa?
R – É, porque como lá era... O índice de tráfico era grande, e assim, tinha uma escola que era perto, mas só que ninguém queria estudar lá, porque...
P/1 – Que escola era essa?
R – Era onde é a Gol de Letra hoje.
P/1 – Hum, ninguém queria estudar nessa escola?
R – Não, porque lá estava no meio mesmo da favela, no meio mesmo. E onde tinha tráfico na frente, tráfico do lado, tráfico atrás. Eles mesmos entravam lá, era... Tinha, às vezes, até tiroteio dentro da escola, então...
P1 – Você lembra dessas coisas...
R – Lembro.
P/1 – De algum episódio?
R – Assim, eu lembro que... Como eu não estudava lá, eu ficava sabendo, e a rua era dividida, não tinha aquela abertura, depois da pedra não tinha uma abertura, depois que abriu, lá era fechado. Então minha mãe falava: “Para aquele lado você não vai, lá é muito perigoso.”. Então a gente quase nem andava para aquele lado, mas a gente sabia que tinha tiroteio, que teve uma vez que entrou um bandido se escondendo do outro, entrava lá pra se esconder, e as crianças estudando. Então passava muito perigo quem estudava ali. Por isso que depois de um tempo foi desativada, porque as pessoas foram evitando ali.
P/1 – Foram abandonando a escola.
R – É.
P/1 – Nossa, imagine os professores.
R – Era um problema.
P/1 – Sim, fica complicado mesmo.
R – Muito complicado.
P/1 – E assim, namorado, como é que foi isso?
R – É, assim, a gente... Como eu ia em barzinho – a Madalena foi um pouco mais complicado, coitada, porque ela só saía quando eu saía e assim, nem todos os dias ela podia sair. Chegava sexta, tinha que conversar com o pai dela pra ver que dia que ele ia deixar ela sair. Muitas coisas ela perdia, ela ficava muito triste, e foi nessa época do Amenaide mesmo que ela começou a namorar, aí a gente tinha que redobrar o pai dela. Quer dizer, ela namorava de segunda à sexta, porque final de semana não tinha como. Agora, eu não, a minha mãe era mais liberal, eu podia sair, ela confiava totalmente em mim. Também eu falava: “Oh, estou em tal lugar.”. Eu estava, então acho que por isso que ela confiava muito em mim. E foi no barzinho de Santana que eu conheci esse meu marido...
P/1 – Como era o nome dele?
R – Paulo. Eu o conheci, depois o irmão dele veio tocar nos barzinhos da Vila Albertina, que fizeram. Não deu muito certo, mas no começo... Tudo dá certo no começo, depois começa a briga, começa a ter tiro, aí acaba. As pessoas não sabem se divertir. Mas aí foi indo. Quando a gente terminou o colegial, cada um foi trabalhar, cada um foi pro seu lado, a gente não tinha condições de fazer uma faculdade, então teve o trabalho de cada um...
P/1 – Você também foi trabalhar?
R – Eu também. Eu trabalhava... Depois que eu fiz a Secretaria da Fazenda, que eu terminei o estágio, eu fui trabalhar... Acho que trabalhei no PCdoB, de secretária...
P/1 – Mas como é que você foi parar?
R – É porque assim, minha amiga tinha me contado, a irmã dela trabalhava no PCdoB e eles estavam precisando. Acabei entrando lá, fiquei... Acho que eu fiquei uns seis meses, que eu ia trabalhar pra uma... Eles tinham feito uma conferência, e eu ia trabalhar só na conferência. Aí eu trabalhei seis meses, o fechamento da conferência foi na praia, aí a gente foi pra praia. Foi super diferente, foi legal. Depois da conferência...
P/1– Espera, só uma coisinha, onde ficava essa sede do PCdoB?
R – Na Liberdade, hoje acho que nem tem mais.
P/1 – Ah, então você se deslocava bastante, né?
R – É.
P/1 – Era uma novidade?
R – Andava muito.
P/1 – Uma novidade pra você.
R – É. E depois fiquei grávida.
P/1 – Espera aí, no PCdoB?
R – É, eu fiquei grávida.
P/1 – Na época do PCdoB?
R – Eu terminei a conferência, tudo, e não voltei mais a trabalhar, porque...
P/1 – Aí você casou?
R – Eu casei.
P/1 – Você estava com quantos anos?
R – Tinha 19.
P/1 – Hum, e a sua mãe?
R – Com 21... Tinha 19 quando eu comecei com esse meu namorado, com 21 eu fiquei grávida.
P/1 – Certo.
R – Aí casei, né? (risos)
P/1 – Mas sua mãe aceitou numa boa?
R – É, não tinha... Vai fazer o que? Já estava grávida mesmo, né? Aí me fizeram casar mesmo, no papel, porque eu não queria, mas fizeram, olha aí que... Acho que eu estava imaginando. Casei, tudo. Claro que no começo tudo muito lindo, maravilhoso...
P/1 – Aí você foi morar na Vila Albertina mesmo?
R – Não, eu morava no Tremembé até arrumar a minha casa que é onde eu morava, minha mãe foi pra cima...
P/1 – Que era na Vila Albertina, né?
R – Isso.
P/1 – Então você foi para o Tremembé só pra dar tempo...
R – É, até arrumar minha casa. Arrumou, eu voltei e aí fiquei grávida de novo. Eu tive meu filho e logo um ano depois, eu acho, um ou dois anos depois, eu tive a minha menina. Aí fui tendo! Tive mais um menino, aí do Paulinho pro Fernando foram seis meses de diferença.
P/1 – Então durante esse período você só ficou em casa, praticamente.
R – Nossa, foi.
P/1 – Foi?
R – Foi, terror.
P/1 – Quantos filhos então?
R – Cinco.
P/1 – O nome dos filhos e a ordem.
R – O Felipe é o mais velho...
P/1 – Quantos anos?
R – Hoje ele tem 13 anos. A Jade tem 11 anos, o Paulo tem 10, o Fernando tem sete e o Rodrigo está com seis.
P/1 – Deu cinco?
R – Cinco.
P/1 – Então você ficou esse tempo em casa, né?
R – Sem trabalhar, dependendo de marido. E aí dificuldades vindo, porque era muita gente. E também as brigas vieram junto, porque ele não deixava trabalhar, porque eu tinha que ficar com as crianças. Eu arrumei creche e ele não queria deixar, e foi indo... A Jade foi a primeira a entrar na creche, o Felipe não chegou...
P/1 – Creche do bairro, mesmo?
R – É. O Felipe não chegou, porque o Felipe, como eu estava trabalhando, então o Felipe deu... Teve mais privilégios. Ele teve fraldas caras, tudo. Depois veio a Jade, coitada, aí foi piorando. E eu coloquei ela na creche, depois coloquei os outros, só que pra eu trabalhar, só se fosse diarista, porque ele não deixava fazer mais nada. Eu tinha que ser abaixo dele, não poderia ser acima. Como ele era pintor, eu não poderia ser acima dele, tinha que ser abaixo dele. Então o meu negócio de auxiliar de escritório, secretária, esquece, porque ele não ia deixar nunca. Aí eu fiquei um tempo, aguentei, depois, logo quando eu tive o meu último, que é o Rodrigo que hoje tem seis anos, quando ele tinha dois anos começaram as encrencas, porque eu comecei na Gol de Letra.
P/1 – Quando o Rodrigo tinha dois anos. Isso foi mais ou menos quando?
R – Foi a minha separação.
P/1 – Foi?
R – Foi, faz quatro anos que eu separei.
P/1 – Quatro anos?
R – É.
P/1 – Mas você já tinha ouvido falar da Gol de Letra?
R – Então, teve um... Assim...
P/1 – A Gol de Letra já estava no bairro?
R – Já, já.
P/1 – Você se lembra de quando ela foi para o bairro?
R – Não lembro, eu não lembro. Eu sei que quando eu soube da Gol de Letra, que o pessoal falava: “Ah, põe o Felipe no Gol de Letra”. Acho que foi em 2000... Em 2004, não, acho que foi 2004, por aí, que eu conheci a Gol de Letra.
P/1 – Ah, você conheceu em 2004?
R – É. Porque era muito fechada, eu quase não podia sair, porque o meu marido era... Não deixava muito eu sair. Então o único lugar que eu ia era pra creche levar as crianças e voltava. A Jade entrou, o Paulinho, o Fernando e o Rodrigo. O Felipe, pelo fato de já ter passado a idade, quando fui eu não consegui a vaga. Aí o Felipe entrou na... Quando o Felipe entrou na EMEI, depois foi pra escola, foi quando eu conheci a Gol de Letra, que o pessoal: “Ah, faz inscrição na Gol de Letra que aí pelo menos ele vai pra lá. É muito bom, e você está querendo trabalhar.”. Ele foi... Não, antes, acho que eu fui... Eu fui primeiro? Não, ele foi primeiro. Aí na creche tinha assim... Só que eu colocava ele lá, não tinha muito contato também dentro do Gol de Letra, e eu levando os meninos na escola, eu era do grupo de mães da creche, então a gente era um voluntariado, a gente ajudava tudo na creche, aí começou vindo gente do Gol de Letra pra creche. Eles colocavam cartaz, sempre tinha Gol da Mulher, tudo. Só que eu nunca participei, porque não tinha como, não deixava... O meu marido não deixava. Uma colega minha falou assim: “Olha, está tendo... Está tendo inscrição pra ser agente social. Você não quer entrar?”. Eu falei assim: “Mas como é que é?”. Ela falou: “Ah, trabalha meio período, eu tenho certeza que o seu marido vai deixar você trabalhar na parte da manhã, se... É melhor, vê lá se você consegue.”. Eu fui, fiz inscrição, tudo. Aí teve entrevista...
P/1 – Você lembra como foi a entrevista?
R – Dinâmica. Eu lembro que foi a Valéria que fez, que hoje acho que ela é coordenadora do FAC, eu acho. Então foi a Valéria que fez, e tinha muita dinâmica. Eu falei: “Imagina que eu vou passar! Eu há tanto tempo fora de escola.”. É assim, com dinâmica eu não era de me expressar muito bem. Eu falei: “Imagina que eu vou entrar.”. Passou, a Valéria me ligou, falou assim: “Olha, você foi... Foi uma das que vai entrar, você está a fim mesmo?”. Eu fui. A Valéria conversou comigo, me mostrou toda a Fundação, que eu não conhecia muito.
P/1 – O que você achou?
R – Maravilhoso, tudo maravilhoso.
P/1 – O que mais te chamou a atenção a hora que você conheceu?
R – Como o meu filho entrou, então assim, eu não tinha muito contato, ainda era casada, não podia participar de muita coisa, pouca coisa que a gente participava. Então eu não conhecia lá dentro, eu só colocava ele lá... Só conhecia pouco, até a secretaria só, eu conhecia. Quando eu fui conhecer lá dentro, o pessoal lá de trás, que é o da comunicação, tudo... Pra mim foi tudo lindo e maravilhoso, foi um sonho. E assim...
P/1 – Só uma coisa, o seu menino entrou antes que você?
R – Entrou antes que eu, só que eu não tinha muito contato lá com o Gol de Letra. E ele gostava muito. Pra mim ele lá dentro era tudo, porque eu era muito fechada, eu não queria aquela vida pra ele. Porque o pai dele... Eu já estou... Eu imaginava ele grande. Falei assim: “Se o pai dele hoje me prende, vai prender eles até, né?”. Pra convencer ele também foi difícil, ainda mais porque o Felipe era o mais velho, é o que ele tem mais contato, que é o xodozinho do pai, então era um problema. E eu fui abrindo a cabeça dele, falei: “Não, o menino precisa, tudo.”. E ele sempre quis ir pra creche e nunca pôde entrar, porque pra ele creche era tudo! Quando ele entrou na escola, pra ele foi maravilha, porque não tinha contato com outras crianças, a não ser os irmãos dele. Quando ele entrou no Gol de Letra também foi... Pra ele custou muito. E ele tem uma bronquite terrível, então o dia que ele está com bronquite ele: “Ai mãe, não posso ir, não sei o que.”. Tinha que segurar ele em casa. Mas quando eu entrei no Gol de Letra, que eu fui conhecer verdadeiramente o Gol de Letra, por trás, como é que é o trabalho. E assim, eu... As agentes sociais... Não tinha tanto contato com as crianças, mas com as famílias das crianças. A gente só tinha contato mais no lazer, aos sábados, que é pra criança de sete em diante. Não, de sete não, era menos, de dois em diante, que a gente tinha o cantinho dos bebês. E era um sábado só para as crianças, das duas às cinco, então era o dia que a gente tinha contato com as crianças. Mas durante a semana não, era mais com a família, era fazer inscrições para as crianças que queriam entrar, era visitando a família pra ver quem é que iria entrar.
P/1 – Mas tinha... Você teve um treinamento?
R – Tive, a gente tinha muito.
P/1 – Como foi esse treinamento?
R – A gente tinha palestras, tinha... Logo quando a gente entra, a gente vê o que as outras faziam, que era das Mulheres em Ação, que logo que eu entrei já tinha acabado.
P/1 – Ah, tinha acabado?
R – Tinha, tinha acabado, não tinha mais as Mulheres em Ação...
P/1 – Então acabou em 2004?
R – Eu acho que sim, se não foi antes. Quando eu entrei já não tinha Mulheres em Ação, eram agentes mesmo, e as mais antigas, que era a Gerusa... Ela contava um pouco do que acontecia na Mulheres em Ação. Ela contava o que eles faziam, tudo, uma ajudava muito a outra. E eu não conhecia aquele lado de lá da Vila Albertina, conhecia pouco.
P/1 – Que até então você não fazia essa visita, né?
R – É.
P/1 – Como foi? Você se lembra da primeira visita?
R – Lembro, lembro. Eu lembro que tinha... Ah, como é que é o nome dela?
P/1 – Foi na Vila, mesmo?
R – Tinha, é, tinha uma menina que fazia tudo, as visitas, porque ela trabalhava na área de serviço social mesmo. Então a gente ia com ela e ela fazia as perguntas. Eu lembro que eu entrei na primeira casa, que eu acho que foi na Pedro Vaz, e eram ruas que eu não entrava, quase que eu não entrava. Uma porque era perigoso na época, então a gente não entrava, com medo até, porque a gente sabe que tem muito ponto ali de tráfico. Eu falei: “Meu Deus do céu, e agora?”. E eu fui vendo que não tem... É assim, eles respeitam muito as pessoas que estão com a camiseta do Gol de Letra. Eles respeitam muito, você pode entrar: “Ah, as meninas do Gol de Letra.”. Deixa entrar: “Olha, as meninas vão passar.”. Porque teve uma época que tinha aqueles cachorros Pit Bull, então todo mundo tinha aquele cachorro, o pessoal lá do tráfico tinha também, então pra gente passar a gente ia passar pelo cachorro. Quando ele dizia: “Ah, não, é as verdinha.”. “As verdinha” que era agente social. “Pode deixar passar.”. E muitas vezes a gente entrou em casa que a gente sabia que tinha, e pra falar a verdade, eles atendiam a gente até muito melhor do que aqueles que não... Que não eram do tráfico. Eles atendiam a gente assim, de uma maneira que a gente falava: “Nossa, a gente foi nessa casa e que a gente estava com tanto medo e eles trataram a gente melhor que umas casas que a gente vai que tratam a gente mal, né?”. Fomos aprendendo, hoje eu vejo que discriminação é totalmente diferente do que eu imaginava, que a gente fica com medo mesmo, e não, eles são pessoas como outras, só que estão ali, fazendo uma coisa que pra eles pode ser certo.
P/1 – E como era a abordagem? Você chegava na casa e o que você perguntava? O que era?
R – A gente tinha que fazer a pergunta: quantas pessoas tinha na casa, como fazia pra sobreviver, se tinha algum... Se a criança tinha problema de saúde, se alguém da casa tinha problema de saúde, como era a vida... Porque a gente tinha que saber até o ambiente, se tinha muita rachadura, se tinha muito mofo. A gente tinha que anotar tudo, porque são 600 crianças esperando pra entrar.
P1 – Ah, então isso era pra poder fazer a seleção das crianças? Vocês tinham uma lista das crianças inscritas...
R – É, e tinha que... A gente visitava todas pra saber quem a gente ia colocar ali. E tinha que ver quem estava num estado pior, porque pra poder entrar a gente tinha que selecionar quem estava mesmo em estado de risco, o que era difícil, porque a maioria estava do mesmo jeito.
P/1 – E como é que fazia pra selecionar?
R – Então, a gente ia (ver?) quem estava ali na lista, via, pegava cinco, aqueles que estavam melhor, assim, de... Estavam melhorzinho, que dava ainda pra levar, a gente ia pondo pra trás. Aqueles que a mãe trabalhava, ficava sozinho, a gente colocava na frente. Que muitas vezes até não trabalhava, mas não tinha o que comer dentro de casa, então a gente colocava eles na frente, porque aí dava pelo menos um suporte pra aquela criança sair dali.
P/1 – Elaine, deixa a gente retomar um pouco a sua atividade, a sua experiência como agente social. Conta um pouco mais como é que eram essas idas nas casas...
R – É, tinham casas que ainda eram de madeira, às vezes era só um quartinho, e fora ficava a pia, ficava a …Tinha as coisas da cozinha dentro desse quarto, mas a pia ficava fora. Muitas vezes tinha muita louça, rato passando por cima das louças, e a gente gritando de medo, porque, né, imagina um rato assim. E a gente muitas vezes também não encontra a família, é difícil de achar, porque trabalha. A gente tinha que ir à noite, entrar no meio da favela à noite, atrás das pessoas era mais a nossa dificuldade, mas graças a Deus, pelo fato da... Estar vestida com a camiseta – porque tinha que estar –, então o acesso era mais fácil, dentro mesmo da favela, no meio das entradinhas.
P/1 – As pessoas já estavam esperando vocês ou era uma coisa...
R – Não, muitas vezes não, porque às vezes as crianças iam ter passeio, tinha que ter autorização, a gente tinha que levar, tinha que achar... É, autorização de imagem também, porque a gente tinha que levar pra eles assinarem. Então a gente tinha... Às vezes ligava o dia inteiro e não conseguia. “Ah, então você mora onde?”. Quem morava mais perto acabava indo. Às vezes, quando era noite, tinha que ir de duas, então combinava uma com a outra pra poder, à noite, achar a assinatura do pai, do responsável.
P/1 – Nossa, que situação difícil, né?
R – É difícil, porque a maioria trabalha... Se acha à noite mesmo, as pessoas.
P/1 – E você chegou a ter algum problema com alguma família? Alguma discussão?
R – Não, não, não, sempre me atenderam bem. É mais no dia de visita, porque no dia de visita, de inscrição... Porque eles acham que a gente tem que estar lá, fazer a inscrição, e acha que no outro dia tem que estar dentro do Gol de Letra.
P/1 – Hum, eles não sabem que tem a seleção?
R – Eles sabem, mas querem entrar de qualquer forma, aí eles não entendem que tem muita criança e poucas vagas.
P/1 – O seu filho passou por essa seleção?
R – Passou.
P/1 – E depois que você viu esse processo todo, como é que você se sentiu?
R – Nossa, no dia que eles foram em casa falei: “Ai meu Deus, tomara que chamem ele.” Aí ela veio, na época estava meu marido ainda em casa, ela veio, conversou, tudo, olhou toda a casa e... Tudo que um dia eu fiz, o mesmo nervosismo que eu falava: “Será que eu falei alguma coisa errada? Será que está tudo certo?”. Tudo que... A entrevista que eu fiz um dia eu passei.
P/1 – Você imaginava que você ia fazer isso?
R – Não, nunca imaginava. Não imaginava que eu ia um dia... Ia estar ali, fazendo parte ali do Gol de Letra. E é engraçado que todo mundo que entra pra trabalhar no Gol de Letra parece que vira uma família, que é difícil de você estar fora depois. Você sempre está ali... Já faz uns dois anos que eu saí do Gol de Letra, um psicólogo me ligou perguntando de uma criança que estava no Gol de Letra, eu falei: “Mas sabe o que é que é? Eu já não estou mais no Gol de Letra.” Aí ela: “Mas você tenta encontrar tal pessoa? Porque ele não está vindo.” Aí eu falei assim: ”Mas nossa, por que que você não ligou no Gol de Letra?”. “Não, porque essa criança tem muito vínculo com você.” Que era uma criança que eu levava no psicólogo. “E eles não estão vindo, então eu achei mais fácil ligar pra você”. Aí eu tive que ir lá na casa da mulher... Primeiro eu avisei no Gol de Letra, depois eu fui na casa da mulher, avisei pra ela que ela tinha que levar a criança e que ela estava querendo desistir... Depois nem sei se ela levou, mas eu tentei fazer a cabeça dela de continuar o tratamento.
P/1 – Ah, então você cria uma relação mesmo?
R – Cria, cria.
P/1 – Que se mantém...
R – É. Na época que essa criança... Que eu saía pra levar ela em consulta, eu nem conhecia, não tinha muita amizade com a avó – porque era a avó que ficava com a criança –, eu não tinha amizade. Nossa, depois tudo era eu. Ela: “Ai, vamos comigo, não sei o que.”. Tudo era eu, então eu ia, porque também se eu não fosse, a criança acabava não indo. E ele com a avó não obedecia a avó, mas ele me obedecia, me respeitava. Então acho que é por isso que ela preferia que eu fosse.
P/1 – Então a atividade de vocês era fazer essas visitas e tinha essa atividade também.
R – É, porque assim, tinham crianças que nem esse menino, ele tinha que fazer o tratamento, a avó não sabia muito andar de ônibus, também se a gente não fosse, ela esquecia os dias. Então a gente pegou a criança, porque... Pra poder fazer o tratamento certo. A gente ia levar no psicólogo, chegamos a levar no psiquiatra, fazer exame de sangue, muitas vezes a gente tinha que levar. Marcava, nós mesmos marcávamos e nós mesmos levávamos.
P/1 – Quais eram todas as atividades da agente?
R – A agente social tinha que fazer a pré-visita, que era para as crianças que entravam. Tinha que fazer também... Organizar alguns papéis de dentro ali, da gente mesmo, que a gente usava... Iam levar as crianças caso passassem mal ou alguma coisa, no Gol de Letra a gente levava até a casa da criança. Algumas crianças faziam tratamento, a gente levava também. Também negócio de falta de crianças, de presença, falta, era a gente também que fazia.
P/1 – A visita pra saber o que está acontecendo?
R – Isso, a gente pegava as faltas... Contava as faltas das crianças, quando a criança estava faltando muito a gente ia lá saber por que estava faltando, que se faltasse também ia perder a vaga, porque tinha muita gente querendo entrar. Então a gente tinha que ver o que estava acontecendo. Fazia a parte da escovação também, ajudando as monitoras, a gente fazia parte, e...
P/1 – Como é que é a escovação? Vocês escovam mesmo ou vocês ensinam?
R – Ensina a escovar. Está ali orientando eles como escovar, porque tem uns que iam lá, só escovava os dentes da frente, tchau. Então a gente estava orientando: “É assim, assim.”. Organizando a fila, porque é alvoroço. Então a gente organizava certinho a fila e... Deixa eu ver o que mais que a gente fazia... Quando tinha que, também... Porque assim, todo ano as crianças que estão pra sair vão pra França, vão pra Suíça, então a gente ajuda ali na documentação, o que eles precisam, pegar autorização. A gente faz muito disso.
P/1 – Ah, todo ano que tem essa atividade?
R – Todo ano, todo ano eles vão pra Suíça e pra França.
P/1 – Ah, é um intercâmbio anual mesmo?
R – Isso, anual, todo ano tem aquele grupinho que vai. Pra Suíça, nossa, eles adoram. E tem mães que deixam, tem outras mães que não deixam. Então a gente tem que ver tudo isso. Também tem os visitantes, que vão conhecer o Gol de Letra. A gente vai e... Antes éramos nós que apresentávamos todo o Gol de Letra, depois, agora que mudou. E ficou só das agentes sociais mostrarem a comunidade por volta do Gol de Letra. Então a gente fazia um tour na Vila Albertina, não sei se ainda faz, mas fazíamos um tour apresentando tudo em volta do Gol de Letra.
P/1 – Legal. Uma coisa, não sei se você chegou a pegar isso, teve uma situação que alguém comentou com a gente lá... A gente estava fazendo uma pesquisa lá sobre a escovação, porque tinha casos de ter casas que o pessoal tinha uma escova de dente pra toda família.
R – Tinha.
P/1 – Você lembra disso também?
R – Tinha casos que a gente tinha que estar ali orientando. Como tem é... Uma vez, não sei... Não, duas vezes por ano a OdontoPrev vinha e saía distribuindo pasta de dente, fio dental e escova de dente para as crianças. Então esse dia a gente vinha, trabalhava no sábado, que aí aproveitava o sábado do lazer. A gente fazia toda a escovação, e vinha criança, vinha criança. Uns pediam: “Ah, posso levar para o meu irmão, não sei o que.” E a gente acabava dando, porque cada um tem que ter a sua escova, porque senão a cárie vai pegado todo mundo. Mas tem família que é assim, tem família que não tem nem... Nem fala pra escovar os dentes, muitas vezes tinha criança que só escovava no Gol de Letra, que em casa não escovava. Então a gente orienta bastante pra que eles saibam que tem escovação. Tem que fazer, tem que cuidar, senão vai perder, e aí vai... E aí é pior, né?
P/1 – E você trabalhou durante quanto tempo como agente, lá?
R – Dois anos. Eu fiz dois anos.
P/1 – Você fez dois anos, depois você saiu?
R – É, eu fiz dois anos, quando terminei, eu já tinha mandado currículo pra tudo quanto é lugar.
P/1 – É que você cumpriu os dois anos que é o período?
R – Cumpri.
P/1 – E assim, quando você estava fazendo essa atividade, você estava sentindo já uma identidade? Assim, tinha se achado nessa atividade?
R – Nossa, demais, foi aí que eu me achei mesmo, porque... Foi mais no lazer, aos sábados, que a gente lidava com as crianças, e no lazer aos sábados a gente tinha que contar história para as crianças. Tinha a parte de videogame, tinha que jogar futebol, e que eu não sabia jogar. E tinha que aprender, tinha que ser goleira, porque muitos iam sozinhos, não tinha ninguém pra brincar e queria brincar com a gente. Então a gente tinha que estar ali junto mesmo, interagir com a criançada toda. Mostrava outras possibilidades de brincar, tipo queimada. Algumas crianças voltar a brincar de boneca, porque tem muitos que não brincavam. E joguinhos de... Como é que fala? De, tipo, Banco Imobiliário mesmo, que tem que parar quieto ali e jogar, dominó. Então a gente ia lá, tinha que sempre estar inventando uma brincadeira nova. Corda, que a criançada às vezes não sabia, a gente ensinava ali, porque parece que com o tempo as crianças não vão querendo essas brincadeiras, então a gente resgatava essas brincadeiras.
P/1 – Legal. Como é que você combinava esse seu trabalho de agente social com os seus filhos? Os cinco filhos.
R – Então, nos sábados... Assim, durante a semana, como eles estavam na creche, não tinha problema, e no sábado eu levava eles.
P/1 – Ah então você levou a família pra Gol?
R – Isso. E era um tempo que eu brincava junto com eles, então dava pra conciliar os dois, que era... Eles precisavam desse tempo, né, deles. E eu lembro que o Rodrigo era muito pequenininho, ele tinha dois anos, foi logo quando eu separei e... Ele era muito pequenininho, aí eu colocava ele no cantinho dos bebês, e nem sempre eu ficava nesse cantinho, porque a gente tem que estar... Um dia é um, outro dia é outro. E as meninas me ajudavam muito: “Não, pode deixar que eu fico aqui com ele!”. E assim, me ajudou muito nessa parte, porque aí eles ficavam ali, a minha filha também ficava ali com ele, e foi muito boa essa época.
P/1 – Desse tempo que você conviveu com a Gol de Letra, você sentiu muitas mudanças na Gol de Letra?
R – Bastante, porque logo quando o Gol de Letra veio, que era uma escola, começou a conscientização dos jovens, porque os jovens ficavam sem fazer nada, não tinha nada assim, porque além de não ter emprego, eles não tinham o que fazer, não tinha um curso, não tinha nada. Então ficavam na rua o tempo todo, aprendendo o que não deve, estando ali, disponível pra outras coisas. Com a vinda da Fundação oferecendo cursos, foi tirando aqueles jovens que não tinham nada pra fazer, que ficavam na rua o tempo todo. Então foi indo, cada um... Foi tendo saraus, então os jovens participavam de saraus. Os jovens tinham cursos de fotografia, começaram... Porque eles gostam, bola, basquetebol, vôlei, futebol. Então ali já era um meio deles não estarem ali, estarem aprendendo novas coisas. Então foi mudando bastante.
P/1 – E o bairro, mesmo, você também sente uma diferença?
R – O bairro também, porque assim, tem o grafite né, os jovens adoram grafite. Ao invés de pichar, então começaram a fazer grafite. Nossa, a gente, tem hora que a gente olha: “Nossa, mas que lindo, não sei o que.” Então mudou muito. Tem até uma praça, é tipo uma praça, onde é uma pedra. Lá teve um dia que os jovens do Gol de Letra foram lá, limparam toda a praça, pintaram o muro, colocaram até assim pra não estar quebrando as árvores, pra conscientizar outros. Então houve muita, muita mudança mesmo.
P/1 – E existe uma relação desses jovens assim, os que estão na Gol e os que não estão? Existe uma troca?
R – Existe, existe sim, porque... Eu sei que existe porque quando tem festa no Gol de Letra, todo mundo: “Olha, vai lá, vá ver o trabalho que a gente faz, é legal.”. E assim, muitos que eu vejo, um chama o outro e acaba entrando na Fundação. É uma troca legal entre eles mesmos.
P/1 – E pra você, assim? Porque você, nossa, foi uma reviravolta na sua vida, não foi?
R – Foi. É, porque logo quando eu entrei no Gol de Letra, eu fiquei um tempo, e aí a gente tinha terapia comunitária. Eu nem sabia o que era terapia comunitária. Então comecei a participar, e lá eu encontrei pessoas que tinham o mesmo problema que eu e que tinham saído desse problema. Eu não me dava bem com o meu marido, mas eu tinha que viver ali, porque na minha cabeça eu tinha que viver com ele, porque eu tinha cinco filhos, não tinha saída nenhuma, eu tinha que aguentar ali. E ele também, uma hora também ficava lá que não queria mais que eu fosse pro Gol de Letra, porque ele estava achando que eu estava acima dele, eu não podia estar acima dele, porque ele era totalmente machista. E eu fui tomando... Tendo autonomia, fui vendo que eu podia, e vendo que eu tinha que ter o meu espaço. E com ele não tinha como. E eu fui conversando com ele, abrindo o olho dele, que se ele não mudasse que não ia dar mais. Ele não entendeu, e eu acabei me separando, tive, assim... Com essa minha separação, as pessoas me apoiaram muito, tive muito apoio. Tanto das pessoas da Fundação quanto das pessoas que eu conhecia da creche, tudo, tive muito apoio. Então pra mim até foi mais fácil, foi um alívio. Tanto alívio pra mim, e eu fui vendo que pros meus filhos também era melhor, porque o que eles estavam vendo dentro de casa não estava dando. É briga o tempo todo, pra eles foi melhor. E foi através de terapia, de muita conversa. A gente também tinha palestras, aí eu fui vendo, fui vendo e foi abrindo minha cabeça. Aí pronto, aí eu já queria voltar a fazer faculdade, fazer um monte de coisas. E a primeira coisa eu tinha que procurar, assim que eu saísse do Gol de Letra, procurar um serviço onde eu pudesse voltar a fazer faculdade. E aí, do que, né? O que é que eu iria fazer, né? Porque o meu sonho antes era ser veterinária, mas aí eu vi que não tinha jeito, porque eu não ia ter condições, tudo. Aí já acabou o meu sonho ali, depois que eu comecei a ter filho que eu falei: “Vixe, eu nunca vou fazer!”. Minha autoestima estava lá embaixo, conforme eu voltei pro Gol de Letra, minha autoestima cresceu. E eu comecei a ver que eu me identifico muito com as crianças, que tanto na creche quanto... Eu era voluntária lá na creche, né? Aí eu vi que eu me dava muito bem com eles também, que eu tinha uma facilidade de conversar com eles, com os adolescentes no Gol de Letra, eles me procuravam muito pra conversar. Aí uniu. Eu comecei a procurar, comecei a mandar currículo nessa área do terceiro setor. Mandei, e foi quando esse abrigo me chamou. Fiz teste, fiz tudo, passei e estou até hoje lá.
P/1 – E como que é o abrigo?
R – O abrigo a gente trabalha com crianças de 0 a 18 anos, e são crianças que o conselho tutelar manda pra gente por conta da falta de estrutura da família. Muitas vezes a família tem viciados, às vezes não tem condições de alimentar a criança, de dar um estudo pra criança. Muitos são moradores de rua também, são pessoas que estão lá na rua, porque veio lá da terra deles, chegou aqui, não deu certo, então a gente procura, ali, estar com a criança, e eles se estruturarem. Se caso a família se estrutura, volta, volta pra família. Caso não vá pra adoção, a gente cuida deles. Eles vão pra escola, eles tomam banho, eles têm atividades, têm responsabilidades dentro da casa. Eles lavam louça, aprendem a lavar louça, aprendem a passar uma roupa, aprendem a varrer. Então cada um tem que aprender um pouco, porque a gente pode ajudar eles até 18, depois não dá mais. Então eles têm que aprender. E os bebezinhos a gente cuida deles até vir alguém pra adotar, até a situação deles... Ver o que se resolve, ou volta pra família, ou vai pra adoção.
P/1 – Como é que é o seu horário de trabalho?
R – Eu trabalho das sete da noite às sete da manhã.
P/1 – E a faculdade, como é que apareceu aí?
R – Então, conforme... Eu trabalhando num abrigo tinha que ter uma faculdade, tanto pode ser pedagogia, psicologia, tinha que ter o nível superior. Aí eu já me identifico mesmo com as crianças, escolhi pedagogia.
P/1 – E está fazendo?
R – Eu passei né, fiz o vestibular achando que dez anos fora de tudo isso... Aí fui lá, fiz, passei, nem acreditei, logo na primeira tentativa, que eu achei que não ia passar. E estou até lá... Até hoje lutando ali, fazendo provas, mas tudo... É o meu sonho, estou realizando um dos meus sonhos.
P/1 – Elaine, a gente está quase fechando. Você quer falar alguma coisa sobre a Gol?
P/2 – Não, da Gol está fechado já.
P/1 – Só uma coisinha, Elaine, se você pudesse traduzir a Gol de Letra em algumas palavras, como é que você traduziria?
R – Algumas palavras? É, principalmente união, o Gol de Letra... O pessoal fala: “Ah, serviu...” – o pessoal, a maioria fala – “pra retirar as pessoas da rua.” Mas eu vejo de uma forma assim, não só pra isso. O Gol de Letra veio pra ajudar a comunidade, unir mais as pessoas, se conhecer mais, porque quando eu entrei, eu não conhecia a Vila Albertina, bem dizer. Eu conhecia só onde que eu morava! Aí eu fui conhecendo outras pessoas, e assim, o contato um com o outro: “Ah, tal pessoa está precisando disso.” E as pessoas muito solidárias, um ajudando o outro. “Ah, tem criança que não tem tênis, vamos arrumar um tênis do número da criança.” E a gente aprende a conhecer, se conhecer, uns aos outros, sabendo que sempre tem um que precisa da gente ali dentro. E o Gol de Letra é ali, está ali a referência. Então o que precisar todo mundo sabe que é ali. Se precisar de que a… Tem muito lixo, precisa de uma caçamba... Porque a gente lutou muito por isso, hoje tem, hoje a gente conseguiu. Tinha uma travessinha que o pessoal... Que era um murinho, todo mundo colocava lixo, o dono já não aguentava mais, não sabia mais o que fazer. Demos a ideia de um canteiro, hoje é um canteirinho, tem flores lá que a gente nem acredita, falei: “Olha a diferença. Onde tinha lixo, que passava rato, hoje tem flores.” A Gol de Letra é uma referência ali, pra comunidade, pro bairro, pro crescimento.
P/1 – E assim, pra você, de aprendizado, o que você poderia dizer?
R – Nossa, é uma mãe, né? Porque além de... Porque eu estou com três filhos lá dentro, que gostam muito de lá. Minha filha já fala: “Mãe, quando eu sair de lá eu vou pro FAC, né?” “É, ué.”. É pra isso, crescimento da minha família, crescimento de mim como pessoa, porque foi ali que eu dei um pulo na minha vida, porque talvez se eu estivesse ainda na vida que eu estava, eu nem sei como é que eu estaria. Porque quando... Logo quando eu entrei meus filhos não tinham muito o que comer. Eu muitas vezes era vizinho, era mãe, eu dependia dos outros pra comer e pros meus filhos comerem. E eu vi que eu posso, ali eu tive minha... Através do Gol de Letra voltou a minha autoestima, aonde eu sei que eu posso e depende de mim, não adianta esperar por ninguém, que eu que tenho que ir e eu tenho que fazer, que sou eu que faço a diferença. E foi isso que o Gol de Letra fez na minha vida.
P/1 – Legal. A gente está fechando mesmo, né? Bom, a gente está fazendo esse trabalho de resgate da história da Gol de Letra, inclusive pra fazer o livro. O que você acha desse trabalho que tá sendo feito?
R – Eu acho que é bom, porque todo... Não fica só ali na Vila Albertina, quem sabe outras pessoas fazem outros Gols de Letras, né? Porque não é só ali que está precisando. A gente sabe que são vários bairros, e a gente sabe que tem pessoas que podem fazer isso e que de repente, quem sabe vendo esse trabalho, dá uma ideia de fazer um trabalho semelhante, pra poder ajudar outros bairro, não só ficar ali, na Vila Albertina.
P/1 – O que você achou de estar participando com o seu depoimento? De estar sentada aí?
R – Ah, eu achei legal. Achei bom porque através, quem sabe, das minhas experiências, possa ajudar outros também.
P/1 – É isso aí.
R – Dar uma força pra outras pessoas.
P/1 – É isso aí. Obrigada, viu, Elaine.
P/2 – Teve alguma coisa que você queria falar que a gente não abordou?
R – Ah, eu quero assim, que outras pessoas que virem, que puder ajudar... Porque todo mundo, se fizer um pouquinho, o pouquinho que a gente faz por um, por outra pessoa, é muito. Às vezes a gente, achando que é tão pouco, pra outros pode ser muito. Porque eu vejo hoje que o meu trabalho, eu sou educadora, trabalho muitas vezes com pessoas de rua, e a gente pegou um menino que tem 16 anos, que ele não sabia ler e escrever, e hoje ele fala: “Tia, muito obrigado, porque através de você que eu vou poder ajudar um dia minha mãe.”. Então é muito gratificante. Que as outras pessoas possam fazer algo, pra receber... Porque isso aqui não é dinheiro. O retorno é muito bom, porque não é... Não precisa ser em dinheiro, eu sei que estou podendo ajudar uma pessoa só pelo gesto, só por uma coisa muito simples, e quem sabe, tenham outras pessoas que possam fazer o mesmo por outros.
P/1 – Fazer diferença, né? É isso aí. Muito obrigada mesmo, Elaine.
R – De nada.