Museu da Pessoa

Mogi das Cruzes, China

autoria: Museu da Pessoa personagem: Guilherme Gorgulho Braz

Projeto: CTG - Imigração Chinesa
Depoimento de Guilherme Gorgulho Braz
Entrevistado por Grazielle Pellicel e Genivaldo Cavalcanti
Locais: São Paulo (SP) e Campinas (SP)
Data: 9 de setembro de 2021
Realização: Museu da Pessoa
Código da entrevista: PSCH_HV1110
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Grazielle Pellicel

P1 – Oi, Guilherme! Tudo bem com você?
R – Tudo bom, Grazielle.
P1 - Ah, que bom! A gente começa pelo básico: você poderia falar seu nome, local e data de nascimento?
R – Meu nome é Guilherme Gorgulho Braz. Eu nasci em Mogi das Cruzes, estado de São Paulo, no dia três de setembro de 1976.
P1 – Qual o nome dos seus pais?
R – Meu pai se chamava Álvaro Luiz Braz Filho, falecido já, e minha mãe se chama Vânia Maria Gorgulho Braz.


P1 – E o que eles faziam?
R – Meu pai era advogado. Veio de uma família simples, mas batalhou bastante e acabou se formando em Direito. E nasceu em Mogi das Cruzes, mesmo. Teve uma carreira como advogado. A minha mãe é professora universitária, aposentada já, e também nascida em Mogi das Cruzes.
P1 – E a família deles também já era do [estado de] São Paulo, ou vieram de algum [outro] lugar?
R – A família do meu pai era de portugueses. Ele tinha, dos dois lados da família, ascendência portuguesa. A minha avó é paulista, meu avô também, mas os avós do meu pai eram portugueses dos dois lados, tanto o lado materno, quanto paterno. Meus avós, pais do meu pai, têm ascendência portuguesa. Do lado da minha mãe, meu avô era nascido em Minas Gerais, na cidade de Cristina, no sul de Minas, e a minha avó era nascida em São Paulo, do lado materno. E acabaram indo pra Mogi das Cruzes, onde os meus pais nasceram.
P1 – Sua família tem algum costume especial?
R – Costume especial. A minha família é muito ligada em música. Então, a gente sempre tem a música como uma coisa que une a nossa família. Tanto [que] meu pai gostava muito de música, colecionava discos, gostava muito de ouvir bossa nova, MPB. Então, em casa, nós crescemos sempre nesse ambiente musical. Apesar dele não tocar nenhum instrumento, mas gostava muito de música. A minha mãe também canta muito bem, nas reuniões familiares, gosta muito disso também. E tem um tio que toca também, foi músico profissional por muito tempo também. Então, nas nossas reuniões familiares, a gente sempre tinha essa música como uma coisa em comum, que animava muito as nossas reuniões, né? Eu sempre gostei muito de música, por conta disso também. Depois, fui aprender a tocar bateria e me interessar por outros instrumentos também, pra dar vazão pra esse lado artístico da música.
P1 – E quando criança, você gostava de ouvir histórias? Eles te contavam histórias?
R – Sempre gostei de História, né? Desde garoto me interessei no colégio, por essa disciplina e gostei muito, me interessava muito sobre... Eu procuro ouvir, sou uma pessoa que gosta bastante de ouvir as pessoas, de ouvir histórias. Eu não sou tanto de falar, eu sou muito mais de ouvir. Isso acabou ajudando meu lado profissional, depois, como jornalista, né? E meu pai, como advogado, sempre lia muito, se interessava muito também por notícias e sempre trazia o jornal pra casa. Então, ele tinha esse hábito. Eu comecei a me interessar pela leitura de notícias a partir desse hábito do meu pai. Agora, a questão da história, assim, meus pais não eram muito de rememorar histórias. Isso é uma coisa que depois eu fui puxar um pouco. Sempre me interessei também por genealogia, fui puxar as raízes da família. Aí que eu comecei a ir atrás, um pouco, de ouvir tia avó, outras pessoas, minha mãe. Isso depois que meu pai já tinha falecido, mas é uma coisa que sempre me interessou.
P1 – Guilherme, você tem irmãos? Se sim, quantos são?
R – Eu tenho um irmão, chamado Vinicius. Ele é mais velho, quatro anos mais velho que eu.
P1 – A convivência de vocês é boa?




R – Sim, a gente tem bastante proximidade. Apesar de termos jeitos bem diferentes de ser, eu sou um pouco mais tímido, reservado e o Vinicius é muito mais expansivo, né? Mas a gente, sempre, desde a infância, teve bastante proximidade. Na adolescência também, apesar de eu ser quatro anos mais novo, eu comecei a ter amizades em comum com ele, então gostava muito também de estar junto com ele.E ele também sempre gostou de música, canta também. Gosta de cantar, muito. Então, a gente acabou frequentando ambientes em comum e ele é jornalista também, ele acabou se formando antes de mim. Na verdade, foi mais uma coincidência, não foi tanto uma influência pelos gostos em comum que a gente tinha e, com isso, acabamos ficando muito próximos, por essa afinidade, contato, pela forma de pensar parecida, que nós temos, né? Então, isso foi muito bom.
P1 – Você se lembra da casa da sua infância?




R – Sim. Eu nasci na mesma casa [em] que minha mãe mora até hoje. Então, minha família se mudou pra essa casa quando meu irmão nasceu. Eles moravam em outra casa, em Mogi das Cruzes mesmo. E depois, um pouco antes de eu nascer, [quando] minha mãe já estava grávida de mim, eles se mudaram pra essa casa, no bairro de Mogilar. É a casa que minha mãe vive, desde então. Então, é uma casa presente a vida inteira na minha vida, como trazendo as lembranças da infância, da vida com meu pai também e tudo o mais que a gente fez, ao longo dessa vida.
P1 – E como é que era a sua relação com o bairro, a rua, suas brincadeiras favoritas?
R – Quando eu me mudei pra essa casa... Quando eu nasci, minha família já estava morando nessa casa. Ainda era uma rua de terra, apesar de ser bem próxima do Centro de Mogi das Cruzes - fica não mais do que dez minutos de caminhada até o Centro da cidade -, mas era uma região ainda que estava crescendo, né, nos anos setenta. E tinha muita criança, muita brincadeira ali. A gente brincava num tempo que dava pra brincar muito na rua ainda, que a gente tinha essa convivência, liberdade, que é uma coisa boa, de uma cidade como Mogi das Cruzes, mais periférica, na Grande São Paulo, mas que tinha um clima de interior bastante, ainda, naquela época, né, nos anos setenta. E a minha casa era ao lado de uma igreja chinesa, Igreja Presbiteriana de Formosa. Então, também havia um convívio, nem tanto na rua, nesse ambiente de colegas, das crianças, mas, depois, numa fase posterior, de colégio, em que a gente tinha bastante contato com a comunidade chinesa. Ao longo da vida toda, a gente teve esse contato com as pessoas frequentando a igreja chinesa ali, que é um ponto bem importante, um centro de culturas deles também, ali.
P1 – E desde essa época você tinha algum sonho de ser alguma coisa quando crescesse?
R – Olha, eu nunca fui muito, talvez, de ter esse tipo de ideia que as crianças têm, às vezes, de pensar numa carreira, numa coisa que eu quisesse ser, mas eu sempre me interessei por história, pelo jornalismo, por política também, eu sempre li bastante política. Então, desde a juventude, eu sempre me interessei e gostei de acompanhar o que se passava na vida política do país, entender o que acontecia e cogitei, talvez, de fazer Direito também, um pouco pela influência do meu pai e um pouco por essa vontade de trabalhar com a escrita, né, com redação, uma das disciplinas que eu sempre gostei mais, também, na escola. Tinha esse tipo de inclinação. A coisa da cultura também, que foi muito forte na minha vida. Eu sempre me interessei muito por cultura, gostava de ler a respeito de bastante assuntos diversos relacionados a cultura e música, principalmente. Então, de uma forma natural, eu pensava que, talvez, na carreira de jornalismo, pudesse ser uma coisa interessante, mas isso só foi se delinear mais na adolescência, um pouco mais no colegial.


P1 – E, passando pra escola, assim, você tem alguma... A primeira lembrança da escola?




R – A primeira lembrança que eu tenho talvez seja de algumas unidades de pré-escola, que eu, agora não me lembro exatamente qual foi a ordem, mas eu me lembro de ter estudado em pelo menos duas escolas de ensino infantil, uma muito perto da minha casa, aqui. Isso eu tenho, talvez, as primeiras lembranças disso. Talvez eu lembre [mais de quando] já [estava] com cinco anos, seis anos, estudando nessa escola que era bem perto de casa. E depois numa outra também, mas no bairro do Socorro, que eu estudei por um tempo também, que é um pouco mais distante. Basicamente, são essas as lembranças, assim, né? Depois que eu fui, a partir da primeira série, quando eu fui entrar na escola mesmo, fui pra um colégio particular, o Colégio São Marcos, porque minha mãe era professora lá. Então, eu acabei fazendo a minha formação inteira nesse colégio, muito por conta da bolsa também, da minha mãe e meu irmão também estudou lá, então foi uma coisa mais presente na minha vida, depois, essa vivência.
P1 – E, nessa época, teve alguma matéria, além de História, que você falou que você gosta muito, [e algum] professor que te marcou?
R – Eu tenho... Tive ótimos professores de História e de Redação também, então eu acho que isso sempre contribui pro interesse do aluno pela disciplina. Acho que isso me ajudou bastante. Difícil apontar algum professor especificamente, mas, na formação inicial, eu tinha uma professora, na primeira série, chamada Elci Magora, que foi... Bom, naquele primeiro momento que você está sendo acolhido, na primeira série, mudando um pouco de vida, né, está levando os estudos mais a sério, diferente da pré-escola, que foi uma professora que acolheu muito, uma professora que era muito carinhosa, atenciosa e acho que me ajudou muito na formação. Então, isso acho que foi importante, mas era um momento ainda que os professores davam todas as disciplinas, nas séries iniciais. Acho que eu lembraria dessa professora Elci, que foi muito marcante na minha vida.






P1 – E na adolescência, você começou a ter mais amigos, sair com as pessoas?
R – Eu tinha alguma dificuldade nesse colégio particular, que era um colégio muito elitizado e eu não me sentia muito acolhido, eu tinha outros interesses. Era um tipo de sociedade, grupo social, que eu não me enquadrava muito, então, com os colegas. Até uma fase do ginasial, até que eu tinha bastante interação, tal. Mas quando você se aproxima um pouco mais da pré-adolescência, essas coisas começaram a me incomodar um pouco mais. Então, eu não tinha muitos amigos na escola, mas eu acabei me aproximando muito dos amigos do meu irmão, que tinha relação com a música e isso também me ajudou bastante. Eu acabava tendo interesses um pouco fora da escola, né? Fui me interessar por "skate", fui andar de "skate", um pouco por volta dos doze anos, coisas que estavam um pouco fora do grupo lá da minha escola. E a música. Com doze anos, eu comecei a me interessar por música, ouvi pela primeira vez. Eu lembro muito claramente, assim, a primeira vez que eu ouvi o primeiro disco… O quarto disco do Led Zeppelin, que foi uma coisa que me marcou. Nossa, isso... Parar pra prestar atenção em música. Antes, você ouvia música, consumia as coisas um pouco mais sem muito interesse, sem muita pesquisa e a partir de então, isso, eu comecei a gostar muito. Sempre pesquisei e eu não sou uma pessoa que tem uma memória muito boa pra muitas coisas, mas pra música eu tenho uma memória muito boa. Eu me lembro de datas, de discos. Então, começou isso por volta dos doze anos. Aí eu comecei a me interessar, pensei talvez num instrumento [e] cheguei a estudar, talvez um pouco antes dos doze, fiz pouquíssimas aulas de violão, pra tentar ver se esse era o meu instrumento. Não me dei muito bem com o violão, mas depois eu me inscrevi numa escola de bateria e fui começar a aprender e esse, realmente, é o instrumento que eu gosto, que tenho até hoje, me motiva. Então, acabei me identificando e depois fui montar bandas, participar de grupos com amigos e tal. Até [que] a gente tocou bastante por aí. Então foi uma coisa que acabou abrindo meus laços de amizade e meus vínculos.
P1 – E, Guilherme, quando você começou a trabalhar, seu primeiro emprego? Você lembra também com o que gastou o seu primeiro salário?
R – Olha, eu me formei no colegial... Meu pai faleceu no final de 1993, teve um infarto repentino, fulminante, e depois eu terminei o último ano do colegial, em 1994. Depois que eu me formei, foi um ano difícil, de adaptação da família, por conta da perda do meu pai de uma forma muito abrupta, né, que ninguém imaginava que isso pudesse acontecer pra uma pessoa que tinha saúde, apesar de ter pressão alta, mas era uma pessoa muito saudável, e depois disso eu terminei o colegial, mas pensei em talvez não começar a faculdade inicialmente, em esperar um ano, pra eu pensar exatamente o que eu gostaria de fazer. Surgiu a oportunidade e comecei a procurar emprego, né? Aquela coisa: quando você tinha dezessete pra dezoito anos, acho que eu já tinha dezoito anos e comecei a buscar qualquer tipo de trabalho. Quando você não tem experiência, eu fui procurar emprego de "office boy". No final, acabei não conseguindo nada, por alguns meses, mas surgiu um concurso pra prefeitura de Mogi, de agente de tributos imobiliários, era fiscal, uma função de fiscal, principalmente relacionado à cobrança de Iptu. Eu prestei esse concurso e acabei passando em primeiro lugar, nesse concurso. Então, foi uma motivação bem grande eu já ter o que era um salário bom pra época, prum cargo de servidor municipal e, com isso, eu acabei ficando cinco anos trabalhando na prefeitura, mas, exatamente, esse primeiro salário, eu não me lembro o que fiz. (risos)
P1 – E quando que surgiu o interesse por jornalismo?
R – Então, o jornalismo eu já tinha essa ideia, já era uma das carreiras que eu pensava em seguir. No colegial, teve uma disciplina com um professor de História, Haroldo - eu gosto muito dele, ainda tenho contato com ele -, e que tinha noções de jornalismo. Tentava, de alguma forma, dar algum encaminhamento na carreira profissional futura dos alunos do segundo grau e isso já foi uma experiência interessante. Então eu cheguei a escrever no jornal do colégio também, publiquei uma ou outra reportagem, alguns textos opinativos também. Acho que a gente estava na época do "impeachment" do Collor, então foi uma coisa muito intensa também, ver a movimentação política, né? Ao mesmo tempo que tinha o movimento das pessoas que eu via também, os colegas interessados nisso, mas são pessoas que nunca tinham se interessado por política e estavam falando sobre ir pras ruas e tal, com o movimento contra... Fora Collor. E isso é uma coisa que marcou, porque eu já tinha muito interesse por política, já estava lendo muito sobre isso, acompanhando, né? E essa questão do jornalismo, então, acho que foi natural, de surgir esse interesse. Eu comecei a trabalhar, aí decidi prestar a faculdade pra estudar lá em Mogi das Cruzes mesmo, acabei prestando vestibular pra Universidade de Braz Cubas, que eu fiz o curso de jornalismo lá.






P1 – E nesse período de faculdade, sua vida mudou bastante?
R – Mudou, principalmente porque eu trabalhava e estudava também. Por mais que eu morasse relativamente perto, tanto do trabalho, quanto da faculdade, isso tornou as coisas um pouco mais complicadas, no sentido de ficar mais corridas, mas não chegou a ser um problema. Mas você acaba se ocupando mais, talvez deixando em segundo lugar outras coisas que você fazia mais, como tocar, essas coisas, essas motivações mais de prazer da vida, né?
P1 – Teve algum outro momento que te marcou, nesse período, e te influenciou profissionalmente?
R – Quando... Um momento importante foi, bom, eu acabei fazendo a faculdade e aí entra um pouco a questão também do interesse pela cultura chinesa. Eu estava, acho, no último ano da faculdade... Não, foi um pouco antes. Em 1997, eu sempre acompanhava os jornais de Mogi das Cruzes, de São Paulo, lia bastante e gostava muito de História e, dentro da prefeitura, havia também um museu de História, dentro do prédio da prefeitura, e o arquivo municipal também ficava nesse mesmo andar lá da prefeitura. E eu, sempre interessado, comecei a ir atrás, um pouco, de História, conhecer o acervo, buscar o que havia lá de interessante e isso acabou sendo uma motivação muito interessante. Em 1997, foi publicado um artigo de um historiador que tinha uma coluna no jornal "Diário de Mogi", em Mogi, chamado Isaac Grinberg, e ele escreveu sobre um pintor chamado Zhang Daqian. No Brasil, ele é conhecido como Chang Dai-chien. Até então, é como eu o conhecia. É um personagem muito interessante e muito curioso. Ele foi um dos principais artistas chineses do século XX e morou por vinte anos em Mogi das Cruzes, entre os anos cinquenta e setenta. E essa história me chamou muito a atenção, porque é um personagem tão rico, tão importante, ligado à cultura. Mogi tem uma colônia chinesa importante, também tem uma colônia japonesa ainda mais numerosa aí, desde o início do século XX e a gente conhece muito coisa da cultura chinesa em Mogi, tem festas tradicionais da cultura japonesa em Mogi, mas a cultura chinesa não tinha tanta, pelo menos, relevância pro público externo, vamos dizer assim, pra quem estava fora da comunidade chinesa. E esse personagem era incrível. Pra mim era uma pessoa que renderia, jornalisticamente, muita coisa. E eu, atrás de histórias, interessado nisso, acabei pensando que poderia ser um tema importante e interessante, pra eu buscar uma apuração jornalística. Eu acabei, então, fazendo... Isso foi em 1997, que eu li esse artigo e, na sequência, houve outros artigos que foram publicados sobre ele, no mesmo jornal, então acabei me interessando mais sobre a história. Em 1999, no meu último ano de faculdade, eu resolvi fazer um trabalho, uma reportagem sobre o Chang Dai-chien e, com isso, eu fui atrás de fontes, de pessoas que tinham trabalhado com ele, de filhos - ainda havia uma filha dele que morava em Mogi das Cruzes -, então tentando buscar fontes e buscando contatos que pudessem me ajudar a resgatar essa história, porque ele é praticamente apagado da história de Mogi. Não há nenhum nome de rua, nem de praça, de escola, que remeta a ele, nenhum tipo de memória que lembre a sua história. Então, isso me chamou muito a atenção, que era importante resgatar essa história da imigração chinesa, tendo como foco principal o Chang Dai-chien. E eu escrevi essa reportagem pra um trabalho de um curso, de uma disciplina e depois eu percebi que a história tinha rendido muito e seria interessante abrir um pouco mais isso. Naquele mesmo semestre, eu acabei fazendo uma outra reportagem e oferecei pra agência Estado do jornal "O Estado de São Paulo". Uma agência de notícias. Eles se interessaram e publicaram a reportagem, então foi a minha primeira publicação, ainda na faculdade, profissional, com uma importância maior, assim, e ligada ao Chang Dai-chien. Então, desde o início da minha história como jornalista, eu já tenho essa ligação com ele. E isso teve alguma repercussão, pequena, mas, pra mim, muito importante, pra quem estava começando e interessado nessa carreira, né?








P1 – E desde criança você teve convivência com imigrantes chineses ou filhos de imigrantes?
R – Como eu disse, eu morava... Existe ainda a igreja ao lado da casa da minha mãe, a Igreja Presbiteriana de Formosa, então a gente sempre tinha contato ali, com as pessoas, mas os chineses, em geral, são mais fechados e também tinha a dificuldade de idioma, né? Então, não tinha muito contato. Eles tinham dificuldade, em geral, com o português, não tinha tanto acesso assim. Tanto que eu acabei indo uma vez ou outra, na vida, entrando lá na igreja. Não lembro por que motivos especificamente, talvez pra buscar fontes, já quando eu estava fazendo as reportagens sobre o Chang, talvez algum motivo antes, anterior, que não me recordo. Mas daí, no colégio, quando eu entrei no colégio, aí tive bastante contato com os chineses, porque havia muitos colegas estudando lá, né? Não havia também tanto intercâmbio assim, por conta dessa dificuldade de idioma, que a maioria deles tinha, mas eram pessoas que estavam convivendo no mesmo ambiente que a gente. A gente sabia e tinha proximidade nesse sentido, de estar sempre por perto.
P1 – E a questão de celebração, assim, da cultura chinesa em Mogi? Tinha alguma festa, alguma coisa assim, deles, mesmo?
R – A cultura chinesa, eu desconheço. Eu sei que havia celebrações dentro dessa Igreja Presbiteriana de Formosa, que é o principal centro cultural deles, então eles tinham atividades lá, festas, eles faziam lá, mas nada que fosse muito aberto ou, se fosse aberto, talvez não tivesse despertado nosso interesse. Mas eu acho que, em geral, eles faziam as comemorações mais voltadas pra comunidade, mesmo, chinesa, que começou a ser mais numerosa a partir dos anos cinquenta, em Mogi das Cruzes. E isso eu estou falando, já, dos anos setenta, começo dos anos oitenta, quando eu estava convivendo ali, na minha infância. Então, não havia muito isso e a cidade, talvez por ter, também, uma presença maior de japoneses, com as suas festas e as suas tradições em destaque maior, acabou encobrindo um pouco isso. Então, não sei se fosse diferente, talvez houvesse, de alguma forma, um intercâmbio maior, mesmo, cultural.


P1 – E a partir daí, você começou a estudar mais sobre a China? Se interessar mais?
R – A partir de então, eu comecei a perceber a quantidade de aberturas diferentes que esse personagem do Chang Dai-chien permitia pro Brasil, né? Pro intercâmbio cultural. E ele era um ícone, desde a China Continental. Ele saiu depois da Revolução Comunista, em 1949, acabou vindo morar primeiro na Argentina, em 1952. Ficou um ano e meio, mais ou menos, na Argentina e depois ele se mudou pra Mogi das Cruzes, em 1954. E é uma pessoa que tinha um contato com a cidade, as pessoas mais antigas. A minha própria mãe lembra dele andando pela rua, que era uma coisa muito destacada, porque ele era uma figura muito diferente. Ele tinha uma barba muito longa, ele usava uma bata, aquelas roupas tradicionais chinesas, mesmo, desde o século XIX. Ele mantinha aquela tradição, tinha essa vontade, dentro da cultura que ele admirava, chinesa e da tradição, da manutenção da cultura dele, mesmo. Uma pessoa que buscava não se aculturar, não absorver, não quis aprender o português, nem o espanhol e depois nem o inglês, quando foi morar nos Estados Unidos. Então, ele tinha esse contato com a cidade, apesar que a cidade, depois que ele foi embora, se esqueceu um pouco dele, né?
P1 – Você chegou a viajar pra China?
R – Eu, a partir dessas reportagens iniciais, fiz em 1999 essa primeira reportagem pra agência Estado, depois eu comecei a trabalhar na prefeitura de Mogi entre 1995 e 2000. Acabei pedindo exoneração da prefeitura de Mogi, porque surgiu uma oportunidade no jornal "Gazeta Mercantil". Eu fui aprovado num processo seletivo, pra ser "trainee" do jornal "Gazeta Mercantil", no começo de 2000, janeiro de 2000. Era um curso de um mês e foi muito importante pra minha formação, porque, durante a faculdade, como eu trabalhava na prefeitura e fazia faculdade à noite, eu não tinha tempo pra fazer estágio. Então eu tinha que ter outras alternativas, como fazer essas reportagens como "freelancer" e não fazer um estágio, propriamente dito. E, quando surgiu essa oportunidade na "Gazeta Mercantil", alguns dos "trainees" que fizeram esse curso, foram chamados, contratados pra trabalhar no jornal. E eu comecei a trabalhar, no começo de 2000, fiquei mais ou menos seis meses trabalhando lá, na área de finanças, num caderno meio árido pra quem não tinha experiência e tinha interesses mais voltados pra cultura e outras coisas, que não tanto a economia, apesar de eu gostar de ler sobre economia também. Mas, ao longo dos anos, eu fui fazendo outras reportagens, sempre tendo o Chang Dei-chen como personagem central. Depois, eu fui trabalhar na "Folha de São Paulo", em 2001, eu entrei, primeiro no Caderno de Economia e depois eu fui trabalhar no Caderno de Cultura. Em 2003, eu fiz uma reportagem sobre o Chang, falando sobre os vinte anos da morte dele: como ele continuava um personagem esquecido no Brasil, vinte anos após a morte dele. Isso foi uma reportagem muito interessante, porque abriu um pouco mais o meu foco e, sendo um jornal grande também, eu tinha mais tempo pra apuração e oportunidade pra fazer entrevista com pessoas, inclusive, do exterior, por telefone, mas, mesmo assim, fiz os contatos e consegui entrevistar pessoas do exterior, filhos do Chang que moravam na Califórnia, entre outras pessoas. E foi importante porque, a partir daí, eu comecei, percebi que eu podia ter um interesse maior nessa história. Anos depois, eu fui me interessar pra estudar mandarim. Fiz o curso durante quase três anos, porque eu percebia que, pra pesquisa, seria importante, né? Essa é uma das barreiras também, pra esse intercâmbio cultural, de entender a cultura chinesa, que é tão diferente da nossa. A questão do idioma era uma coisa central nisso e as fontes também, tinha muita coisa, muito livro publicado, muitas reportagens, mas em chinês e eu precisaria ter o mínimo de compreensão, pra poder ter um acesso maior a esse material. E, ao longo dos anos, eu fui fazendo as reportagens. Nessa reportagem da "Folha de São Paulo", em 2003, foi interessante porque, a partir de um levantamento bibliográfico que eu fiz, de reportagem dos anos sessenta e cinquenta, consegui identificar que havia um quadro que havia sido doado pro museu, pro Masp. Um quadro do Chang, dos anos sessenta. E que depois esse quadro foi doado pra um museu de Porto Alegre (RS), a Pinacoteca Ruben Berta, no final dos anos sessenta, dentro de um projeto do jornalista e empresário Assis Chateaubriand, dono do Diários Associados, que estava criando os museus regionais. Ele já tinha criado o Masp, em São Paulo, e criou um projeto pra descentralizar a cultura no país, com museus fora do eixo Rio-São Paulo, uma forma de levar a cultura e as artes plásticas pra outras regiões. E a Pinacoteca Ruben Berta foi uma delas. O Chateau era próximo do Chang, era uma pessoa que se interessava muito por arte. O Chang teve muito contato com o Chateau e esse quadro foi doado, só que daí eu entrei em contato, quando eu fui fazer essa reportagem, em 2003, e esse quadro tinha desaparecido, não fazia parte do acervo. Em nenhum museu do país havia um quadro do Chang. Isso era muito curioso. Só que, quando eu entrei em contato com a direção do museu, da Pinacoteca Ruben Berta, eles me informaram: “Olha, nós não temos nenhum quadro desse artista aqui, mas nós temos um quadro de um pintor chinês que nós não temos a identificação e eu tinha o nome do quadro, da reportagem da época e, a partir de então, desse meu contato, a Pinacoteca Ruben Berta procurou uma pessoa que pudesse ler chinês, pra ler as inscrições que estavam escritas no quadro, algumas inscrições e, a partir da descrição que eu dei, se identificou que era um quadro do Chang, realmente. Então, a partir de 2003, eles colocaram esse quadro dentro do acervo e ele ficou por décadas como um quadro de autoria desconhecida, na reserva técnica do museu, sendo que era um dos quadros mais valiosos do acervo dele. E depois foi avaliado em cerca de oitocentos mil reais, porque os quadros do Chang Dai-chien são muito valorizados. Nos últimos vinte anos, ele acabou crescendo muito... Ele sempre teve um espaço importante dentro da China, dos colecionadores de arte chinesa, mas, nas últimas décadas, a arte chinesa cresceu muito no mundo, ocupando um espaço que antes era ocupado pelos europeus e norte-americanos. E, desde a última década, principalmente, o Chang cresceu muito no mercado. Os quadros dele são muito valorizados. Tanto que, em 2011, ele chegou a ser o artista mais valorizado em leilões em todo o mundo, à frente de nomes como Picasso, Andy Warhol ou qualquer outro nome que você imagina que pudesse estar entre os mais valorizados. Isso em 2011. Depois, em 2016, isso aconteceu novamente: ele ocupou o topo do "ranking" dos artistas mais valorizados em leilão, que mais venderam, que tiveram uma receita maior em todo ano, em leilões em todo o mundo. Então, um personagem desse e a gente sabe também que tem muitos quadros dele com pessoas do contato dele em Mogi das Cruzes, em São Paulo, em outros lugares, porque ele era uma pessoa muito generosa, doava muitos quadros, acabava dando de presente pras pessoas, então tem, realmente, acervos importantes em coleções particulares de famílias que, às vezes, nem sabem tanto o valor que essa obra tem, como no caso da Pinacoteca Ruben Berta. Então, isso foi muito curioso, como um quadro tão valioso pudesse estar obscuro lá. E tem muito a ver com a nossa incompreensão da cultura chinesa, também, e a dificuldade de intercâmbio entre as duas culturas.
P1 – Foi a partir daí que você começou a ter uma relação com o Tai [Hsuan An]?
R – Isso foi posterior. Eu fiz algumas outras reportagens, ao longo... Isso foi em 2003, depois eu fiz algumas outras reportagens ao longo dos anos, mesmo depois que eu saí da “Folha de São Paulo”. Depois eu acabei indo trabalhar na Unicamp, prestei um concurso lá em 2009 e entrei em 2010. Depois eu fiz uma reportagem para o jornal da Unicamp, sobre o Chang também, e eu tive contato com o principal pesquisador, que tinha dedicado um trabalho ao Chang Dai-chien, que era o professor José Roberto Teixeira Leite, crítico de arte e professor aposentado da Unicamp. Ele escreveu um livro muito importante de referência pra pesquisa da China no Brasil, chamado “A China no Brasil”, que foi resultado da tese de doutorado dele, que ele defendeu na Unicamp, em 1992, e depois lançou como livro, em 1999. Então, esse livro foi importante pra eu ter contato com outras fontes, já que era a única obra que tratava do Chang Dai-chien no Brasil. Depois, alguns anos depois, o próprio professor Teixeira Leite, com quem eu tenho bastante contato até hoje, me falou sobre o professor Tai, que morava em Goiânia (GO), que tinha sido discípulo de um discípulo do Chang, o professor Sun Chia Chin. Inclusive, eu o entrevistei, ele faleceu em 2010 e eu cheguei a entrevistá-lo em 2005, em São Paulo. Mas eu acabei não tendo contato com o professor Tai, só mais recentemente que nós nos aproximamos, eu acabei entrevistando-o nas minhas pesquisas e a gente conseguiu ter um pouco mais de contato.






P1 – E você percebe... A gente consegue ver que tem muitas diferenças entre a cultura chinesa e a brasileira, mas existe alguma semelhança?
R – Tem muita semelhança. Isso eu fui descobrir na primeira viagem que eu fiz pra China, em 2017, com a minha companheira, Maíra. Nós fomos pra província natal do Chang Dai-chien, a província de Sichuan, no sudoeste da China, e nós fomos muito bem recebidos. Isso foi uma surpresa muito agradável, do calor humano, do contato que as pessoas têm. Apesar dessa questão, dessa tendência que nós temos aqui, de achar que os orientais são mais fechados, mas os chineses têm um calor humano diferente, uma coisa de humor muito parecida com a nossa, de festejar muito, de estar muito reunido durante as refeições, de fazer muitos brindes, o tempo inteiro. É uma coisa, um costume deles que acaba unindo e tendo uma coisa prazerosa de estar junto com eles, né? Então, isso foi uma coisa que marcou muito, apesar de todas as diferenças culturais, linguísticas, de visão de mundo, que isso é uma coisa difícil, às vezes, pro brasileiro entender, a bagagem cultural, filosófica, de formação. Os chineses vêm de uma origem, uma raiz totalmente diferente da nossa, vem do confucionismo, do taoísmo, do budismo, que isso muda a forma de se ver o mundo e aqui a gente tem as nossas heranças gregas, filosóficas e uma forma de pensar mais o indivíduo, o individualismo e o oriental, o chinês, principalmente, tem essa coisa mais holística, de ter uma visão mais que engloba outros elementos e não apenas o indivíduo. Então, isso é uma coisa que, ao longo do tempo, eu fui percebendo, da dificuldade que nós temos no Brasil, talvez, de entender o que é a realidade chinesa, o mundo chinês, porque os valores são diferentes. Nós somos seres humanos, temos necessidades e vontades similares, mas temos uma forma de ver o mundo muito diferente. Isso não tem que ser uma barreira, é uma coisa que pode nos aproximar, só que é necessário conhecimento, compreensão, integração, de alguma forma. Eu acho que a cultura é um elemento central nesse contato. O Brasil tem muito do interesse comercial e econômico na China, nas últimas décadas, mas o lado cultural acabou sendo relegado a um segundo plano e o Chang Dai-chien pode ter um papel importante disso, dentro dessa reaproximação, a cultura, as artes e outros tipos de manifestações culturais, eu acho que podem aproximar essas duas culturas, né? E mostrar que nós não somos tão distantes assim.
P1 – E tem algum outro momento inesquecível que você teve nessa sua viagem?
R – Eu, como já estava há muito tempo pesquisando, eu fui em 2017 a primeira vez, mas já pesquisava desde 1999, então é curioso, porque tinha sempre a sensação que não havia tanta repercussão, interesse e eu estava insistindo num assunto que eu sabia que era importante, um personagem que era importante. Nosso país tem uma infeliz tradição de não preservar a memória, a cultura e a história - Mogi das Cruzes não era diferente disso - uma visão muito conservadora que atrapalha esse tipo de intenção de união, através da cultura e das artes, mas eu chegar lá e me aproximar de pessoas que estudavam o Chang Dai-chien, que se interessavam pela arte dele, foi muito importante. Conhecer o lugar onde ele nasceu, um centro de memória dedicado a ele. Depois, numa segunda viagem que eu fiz, em 2019, foi comemorado 120 anos de nascimento dele, conheci a abertura de um museu também, novo, que foi criado lá. Uma casa que ele morou também, antes de vir pro Brasil. Então, isso tudo foi muito marcante. Ele era uma pessoa muito ligada às artes, mas também à religião, de uma forma ampla, tanto o taoísmo, quanto o budismo e ele, em vários momentos da vida dele, na China Continental, buscou viver em monastérios, em templos taoístas ou budistas, pra poder pintar com tranquilidade, principalmente em momentos que a China vivia a guerra sino-japonesa, a partir de 1937 até 1945. Eu pude conhecer alguns desses templos onde ele viveu e então isso foi muito marcante, pra gente que não conhece tanto da cultura chinesa, poder estar presente e conhecer esses templos. Um desses templos, na província de Sichuan, é um dos berços do taoísmo, então, um local muito importante. É muito emocionante você poder conhecer esse lugar. Tinha, quando eu fui, em 2017, com a minha companheira, apenas uma placa lá no quarto que ele viveu, que ele ficou alguns anos morando nesse templo. Depois de alguns anos, esse templo foi... Esse cômodo, lugar onde ele vivia, foi restaurado e hoje tem um memorial a ele, mas tinha algumas fotos, em 2017, sobre a vida do Chang. E lá isso no topo, no lugar mais alto de um memorial que tinha dentro desse templo. Pra nossa surpresa, a gente chega lá e encontra uma foto do Chang em Mogi das Cruzes, no topo desse templo. Então, isso foi uma coisa muito marcante, muito curiosa da gente ver, apesar da história ser tão pouco lembrada e a história do Chang no Brasil é muito pouco conhecida na China. Isso foi um dos motivos do interesse, também, da minha presença lá, pra falar um pouco sobre ele lá, então eu acabei dando palestras, participando de eventos, lá, tanto em 2017, quanto em 2019. E em 2017 eu acabei recebendo o título de pesquisador associado do Centro de Pesquisas Chang Dai-chien, que existe um centro de pesquisa dedicado apenas a ele, na Universidade Normal de Neijiang, que é a cidade onde ele nasceu. Então, tudo isso foi muito importante, uma aproximação e eu tenho contato com o centro de pesquisa até hoje, desenvolvendo as minhas pesquisas, trocando informações. Isso tudo foi muito marcante e, além de tudo, foi importante. Eu me sentia muito sozinho aqui, falando sobre Chang Dai-chien, no Brasil, sobre a cultura chinesa, sem muita reverberação. Chegar lá, ver que tinha tantas pessoas interessadas e um centro de pesquisas inteiro dedicado a ele foi bem marcante.
P1 – Guilherme, você falou bastante sobre a sua companheira. Como é que vocês se conheceram?
R – Nós nos conhecemos em Mogi das Cruzes mesmo, em 2004. Já começamos a namorar logo em 2004. O nome dela é Maíra de Campos Padgurschi. Ela... Nós temos muitas pessoas, muitos amigos em comum, muitas pessoas que a gente conhecia, mas a gente não tinha tido muito contato antes disso e depois a gente começou a namorar, em 2004, e, bom, eu já sabia, na verdade, isso, mas nós temos alguns ancestrais em comum na família também, né? Mas não numa proximidade muito grande. Meu avô, na verdade, veio do sul de Minas. Ficou órfão de mãe muito jovem e veio de Minas pra Mogi das Cruzes com a avó da Maíra. Então, tinha uma proximidade, assim... Acabamos não convivendo, por conta disso, que era um pouco mais antigo na família, esse contato, mas, basicamente, foi assim.
P1 – Tem alguma coisa que eu não perguntei, que você acha importante comentar?
R – Alguma coisa importante? Eu acho que só queria lembrar um pouco essa história do meu pai, que foi uma pessoa muito importante, era uma pessoa muito próxima da minha vida e que partiu quando eu tinha dezessete anos e isso foi um pouco difícil de lidar, porque era uma pessoa que eu tinha mesmo amizade. Além de ser meu pai, era meu amigo, tive uma proximidade grande. Mas é importante lembrar e saber como foi importante aproveitar o convívio que nós tivemos ao longo desses anos, porque ele trouxe muita coisa que eu trago comigo até hoje, então, esse amor pela música, o jeito de ser também, eu sou muito parecido no jeito de ser, as pessoas próximas falam que eu sou assim, [que] eu tenho muita coisa dele. Então, isso é uma coisa que foi muito importante na minha vida e eu acho que marca a gente. Espero que eu seja um pai tão bom, no futuro, quando eu tiver meus filhos, assim como ele foi pra mim.
P1 – E no seu trabalho hoje, quais são as principais atividades?




R – Na Unicamp, eu entrei, inicialmente, em 2010, como jornalista, num “site” que cobria inovação, ciência e tecnologia, chamado “Inovação Unicamp”. Eu fiquei alguns anos trabalhando nesse “site” e depois foi criada uma revista também, “Ensino Superior”, da Unicamp, que eu também trabalhei como repórter e editor assistente. Depois houve algumas mudanças de gestão lá e foi criado um órgão chamado Fórum Pensamento Estratégico, isso acho que foi em 2013, que é um órgão ligado à reitoria, que organizava fóruns temáticos e tinha um foco muito grande em políticas públicas, em como a universidade pode ajudar na criação de políticas públicas e no debate nacional, de uma forma mais ampla, com temas diversos. E eu acabei me interessando muito sobre essas atividades e acabei escrevendo também um livro, fui incumbido de escrever um livro sobre a origem da Unicamp e a história da origem do polo de tecnologia de Campinas. Eu publiquei esse livro em 2019, chamado “Massa Crítica”. Foi meu segundo livro. Eu tinha publicado, já, um primeiro livro que foi resultado da minha dissertação de mestrado, sobre a história da hanseníase, como os jornais paulistas apoiaram a política de isolamento compulsório de hanseníase no estado de São Paulo a partir dos anos vinte e foi um drama humano muito grande, por conta dos abusos cometidos contra os hansenianos, uma doença que antigamente era chamada de lepra. Isso, eu publiquei meu primeiro livro, em 2016, chamado “À Margem das Páginas”. Então, esse trabalho de escritor também é uma coisa que me motiva muito e que me levou a um terceiro livro, que eu estou escrevendo atualmente, sobre a história do Chang Dai-chien na América do Sul. Então, eu acabei fazendo pesquisas na Argentina, onde ele morou, fazendo entrevistas e levantamento de material de bibliotecas, de acervos documentais. Lá, em Taiwan, na China e à distância, também, em outros locais, como Estados Unidos, Europa, e que deve ser meu terceiro livro. E atualmente, na Unicamp, eu acabei seguindo, depois do Fórum Pensamento Estratégico, foi criado, na sequência, esse órgão mudou de nome, chamado Centro de Estudos Avançados. Na verdade, Instituto de Estudos Avançados, que é a nomenclatura atual. E eu desenvolvo trabalho de

comunicação, de toda a parte de comunicação do Instituto de Estudos Avançados, com material de reportagem, de “site”, entrevistas e todo tipo de material relacionado à comunicação.


P1 – E agora, indo pra parte final da entrevista: quais são as coisas mais importantes pra você hoje?
R – Bom, eu acho que primeiro, antes de tudo, a gente precisa ter saúde e estar perto das pessoas que a gente ama, pra gente poder ter uma vida feliz. Eu me considero uma pessoa feliz. A gente sabe que a felicidade são momentos, mas a minha vida é uma vida que eu acho que estou perto de quem eu amo e faço, tenho o prazer de fazer o que eu gosto também, trabalhar com o que gosto. Isso é uma coisa que eu acho que é importante, primordial, pra uma pessoa ter algum tipo de sucesso pessoal na vida e satisfação. Isso é a coisa mais importante. As pessoas que acordam todos os dias reclamando e pensando: “Puxa vida, agora eu tenho que trabalhar”, isso não é uma coisa que faz parte da minha rotina. Não trabalho com esse tipo de coisa. Sempre tenho prazer, porque gosto do que eu faço e gosto muito de estudar. Estou fazendo doutorado agora, na Unicamp, também. Então tudo isso eu acho que é o principal, pra gente poder ter uma vida boa e feliz, com saúde. E fazendo bem pras pessoas também, se preocupando com outras pessoas, que estão fora do nosso universo imediato também, porque a vida tem muito mais coisas do que a nossa vida cotidiana e o país que a gente vive enfrenta uma situação muito difícil, já há alguns anos, então a gente tem que perceber a importância, que tem pessoas que precisam de outras coisas e que não pode olhar só pra nossa vida, viver a vida como uma forma independente e achar que isso basta. Isso é o principal.








P1 – Quais são seus sonhos para o futuro?






R – Bom, no momento, eu estou com a minha companheira na fila da adoção. Nós estamos esperando duas crianças, já faz uns bons anos que nós estamos esperando. Esperamos que em breve isso se torne realidade, que é uma coisa que a gente tem batalhado já há cinco anos por isso e eu acho que esse é um momento que a gente está buscando há muito tempo. Já estou com a minha companheira desde 2004, a gente se casou em 2008 e é uma coisa natural. Eu também gosto muito de estudar, então, talvez, de alguma forma, ter uma carreira acadêmica está entre os meus projetos futuros também, depois que eu conseguir meu doutorado.
P1 – E sobre qual assunto seu doutorado? O tema.
R – Não podia ser outro: é o Chang Dai-chien também. (risos) O foco da minha pesquisa de doutorado é o intercâmbio cultural e artístico proporcionado pela presença do Chang Dai-chien no Brasil entre as décadas de cinquenta e setenta. Saber se ele realmente viveu uma vida isolada aqui no Brasil, como a maioria dos críticos e das pessoas que conheceram acham que foi assim ou se ele teve uma interação cultural e artística maior e teve um impacto, apesar da história não ter guardado esses momentos e muito ter se apagado, com uma propriedade que ele tinha, em Mogi das Cruzes, que era um sítio, o Jardim das Oito Virtudes, que era um local muito importante, um jardim chinês, com um paisagismo incrível, que a gente conhece as fotos e isso foi destruído por conta de uma construção de uma represa, no final dos anos oitenta. Inundou toda a área, foi tudo destruído. Então, isso, em grande parte, contribuiu pra esse esquecimento dele. E a minha pesquisa de doutorado tenta resgatar um pouco dessa história.
P1 – E, por fim, como é que foi contar sua história pra gente?
R – Eu não sou muito de falar, sou muito reservado. Gosto muito de ouvir, adoro ouvir histórias, adoro aprender, conhecer. Então, estar do outro lado não é muito confortável pra mim, mas eu acho que é importante, é interessante poder repassar, também, tudo e fazer uma avaliação das coisas que a gente fez e do quão ligado a gente é com certas coisas da vida, que, às vezes, a gente nem percebe tanto. Então, acho que isso foi bem interessante.
P1 – Então, em nosso nome e em nome do Museu da Pessoa, a gente agradece pela sua entrevista. Muito obrigada!






R – Muito obrigado vocês pelo convite, por eu poder participar aqui com vocês! Foi um prazer muito grande!
P1 - O prazer foi nosso!