Museu da Pessoa

Mapeando os minérios do Brasil

autoria: Museu da Pessoa personagem: José Thadeu Teixeira

Projeto Vale Memória
Depoimento de: José Thadeu Teixeira
Entrevistado por: Elaine Barroso e Paula Ribeiro
Local de Gravação: Rio de Janeiro
Data: 09 de outubro de 2001
Realização: Museu da Pessoa
Código do Depoente: CVRD_HV127
Transcrito por: Ana Carolina Carvalho
Revisado por: Bruna Ghirardello

P1: Bom dia, a gente começa sempre pedindo a todos os entrevistados que se apresentem dizendo nome, data e local de nascimento, por favor.

R: José Thadeu Teixeira, 04 de julho de 1944, cidade Cruz Alta, Rio Grande do Sul.

P1: Qual o nome de seus pais?

R: Crescêncio Teixeira e Poeta Mendes Teixeira.

P1: Eles também são de Cruz Alta?

R: São de Cruz Alta.

P1: A família toda é do Rio Grande do Sul?

R: Toda.

P1: Você conhece um pouco a história da sua família?

R: Muito pouco. Muito pouco. Eu conheço a história dos meus avós, mas só até eles, para trás, não.

P1: Você podia contar um pouco, por favor?

R: Não, os meus avós maternos vieram de, são de Cruz Alta e ele era carpinteiro, que eu me recordo, ela era doméstica, de origem, eu acredito que a origem deles era de origem portuguesa, depois que os pais deles vieram de São Pedro, uma cidade perto de Santa Maria, interior do Rio Grande do Sul. Esses eu conheci, eu não conheci os avós paternos. Eu me lembro do meu avô só quando ele estava... já me levaram ele, quando eu tinha uns... as primeiras lembranças de infância, quando ele estava morrendo. Minha avó não conheci, eram do interior da cidade e deviam ser pequenos proprietários rurais. Dos avós o que eu me recordo é isso aí, eu me recordo muito pouco, principalmente do paterno, eu convivi com o avô materno, cheguei a conhecê-lo.

P1: E seu pai? Qual era a atividade dele?

R: Sapateiro.

P1: E sua mãe?

R: Doméstica.

P1: Você sabe como eles se conheceram?

R: Em Cruz Alta, de alguma maneira, eu não sei. Eles falam mas eu... não tinha nenhum evento assim que marcasse o conhecimento, que eu me recorde, como eles se conheceram.

P1: Você tem irmãos?

R: Nove. Nós somos em nove.

P1: E você, qual...

R: Sou o mais velho.

P1: E quais as lembranças que você tem da infância, de Cruz Alta, você morava na cidade?

R: Morava na cidade e, lembranças comuns, eu gostava de jogar futebol, sempre gostei muito de jogar futebol e eu fiz o que chamavam de ginásio na época, no Colégio Marista, que era privado, mas o meu pai era sapateiro do internato, então eles me davam uma bolsa e eu fiz o ginásio lá, sem pagar esse colégio. E o científico, eu fui para a escola pública, então, também em Cruz Alta e... Mas as atividades principais, eram as coisas normais da época, né?

P1: Como é que era um pouco a cidade, era perto daquela região de Missões?

R: Perto da região de Missões, a cidade de Coxilha, que chamam, um local alto, 700 metros de altura, a topografia ondulada e terra roxa, terra muito escura, muito argilosa, então a roupa ficava sempre vermelha, sempre suja e muito vento. E no tempo de estudante, viajava muito pouco, não conhecia quase nada ao redor, uma coisa até contrastante, porque depois eu fui fazer Geologia, né?

P1: E como era a cidade, as lembranças que você tem? Do comércio, das diversões?

R: As diversões era época de reunião dançante, de... Mais ou menos, era isso. Fora das atividades, fora do estudo assim, a minha grande diversão mesmo era jogar futebol. Eu jogava muito!

P1: Você tinha algum time que você torcia?

R: Eu cheguei a jogar no juvenil da cidade, que era um... Naquele tempo, naquela época, era um centro importante para o futebol do Rio Grande do Sul, era provavelmente a terceira força, hoje não é nada, mas naquela época, era. E eu fui, cheguei a ser juvenil do time principal antes de ir para Porto Alegre.

P1: Era uma cidade que tinha muitos imigrantes ou filhos de imigrantes?

R: Não, não. Ela tinha alguns imigrantes, mas não era característica de imigrantes, era uma cidade mais antiga. Era cercada de região de imigrantes, por exemplo: Ibirubá era uma colônia alemã, Panambi era uma colônia alemã, Ijuí era uma colônia misturada de tudo, alemães, italianos; mas Cruz Alta tinha pouco, apesar de ser a maior cidade da região na época, 70 mil habitantes, que tem até hoje, não evoluiu, todo mundo foi embora, hoje continua com a mesma população, está o mesmo panorama.

P1: Sua família ainda está lá?

R: Não, foi para Porto Alegre, com o tempo, os irmãos foram indo, estudando e levando os pais para Porto Alegre.

P1: Cruz Alta é a cidade do Érico Veríssimo?

R: É a cidade do Érico Veríssimo, inclusive o meu filho tem o nome em homenagem a ele, meu filho nasceu na época em que ele morreu.

P1: Vocês conheciam, tinham amizade com a família?

R: Não, não, não. Eu tinha amizade com uns sobrinhos dele que estudavam no mesmo colégio, os filhos do Érico Veríssimo, esses eu cheguei a conhecer.

P1: E ele era um personagem comentado na cidade, o Érico?

R: Incrível, muito pouco. Mesmo no meio dos professores nossos, era tão pouco expressivo, tinham tão pouca cultura que não comentavam, não davam tanto valor como eu acho que tinham que ter dado, deram depois, depois que eu saí da cidade, tem museu, tem tudo, tem a história do Érico Veríssimo.

P1: Você chegou a ler os romances do Érico.

R: Quase tudo, se faltou alguns... eu li quase todos, que eu me recorde, os mais importantes eu li.

P1: E o que mais lhe marcou na literatura do Veríssimo?

R: Não... A trilogia do O Tempo e o Vento e o, como é o nome do penúltimo livro, antes do Solo de Clarineta? É o Incidente em Antares, foi os que mais marcaram, mais do que o Solo de Clarineta. Solo de Clarineta eu não achei interessante porque era mesmo só a biografia dele, alguns aspectos, mas o O Tempo e o Vento é impressionante, muito bom.

P1: E você se identificava com os personagens que encontrava?

R: Não, eu gostava de analisar em função do que era, do que teria sido o Rio Grande do Sul antes de mim, os primórdios do Rio Grande do Sul, as pessoas, como envolvia a personalidade das pessoas, a cultura das pessoas, era um retrato, um retrato muito bonito até, onde o nome dos componentes era o retrato, era uma paisagem, era o panorama de tudo, da revolução do Rio Grande do Sul.

P1: Tadeu, como é que era um pouco a sua casa, vocês eram nove filhos, como é que era a disposição, era uma casa grande, pequena?

R: Modesta, de madeira, como quatro, cinco quartos, simples, bem simples.

P1: Como é que vocês se dispunham em casa? Como é que eram os quartos?

R: Eram os quartos, dois em dois, dois quartos para a molecada, dois quartos para as meninas, dividido.

P1: E você foi quando para Porto Alegre, com que idade?

R: Eu fui... Ih, agora vai a data, né, lembrar da data direitinho, em 1963.

P1: Você tinha que idade?

R: Eu tinha 18 anos.

P1: E por que que você resolveu ir para Porto Alegre?

R: Eu tinha que fazer o curso, eu terminei o científico, tinha que fazer a faculdade. Naquele tempo ocorreu um fato interessante, que hoje eu não sei avaliar, começou a Universidade Santa Maria, começou nessa época e a maior parte de meus colegas foram para a Santa Maria, fazer vestibular lá, eu não sabia nem disso e eu tinha parentes em Santa Maria, podia ter ido para lá, tinha os irmãos dos meus pais que moravam lá, mas por pouco de não saber, de não me ligar nas coisas, não tinha orientação, né, eu fui para Porto Alegre. E também porque eu me inteirei, eu já tinha feito umas duas viagens para Porto Alegre, já conhecia um pouco, tinha parentes lá, e eu me inteirei da... das matérias, naquele tempo, eles distribuíam um, uma publicaçãozinha de cada vestibular, vestibular de Engenharia, Engenharia Mecânica, Engenharia Civil, Medicina, Arquitetura, enfim, eles davam um encarte, eles vendiam um encartezinho, que dava física, química, matemática, dava todo o roteiro das matérias que ia cair no vestibular. Aí eu peguei esses roteiros, eu sabia que não queria fazer Medicina, queria fazer, ou Engenharia, talvez até Arquitetura, apesar de eu não ter nenhuma tendência para desenho, mas eu pensava. Quando eu analisei as matérias, o conteúdo de cada curso, o que que ia cair no curso, eu vi que Geologia casava com as deficiências do meu curso, o que eu tinha dado de bom casava mais com o currículo da Geologia, né? Por exemplo, a parte de cálculo, eu tinha muito pouco cálculo, nesse colégio estadual, os professores iam embora, não substituíam, então, alguns professores eram melhores e eu tinha muita aptidão para física e matemática e a parte de física e matemática que caía no vestibular de geologia eu tinha feito direitinho, a parte de biologia, eu estava razoável, então, eu fui para Geologia, fui ver o que é que era Geologia, achei que dava e fui fazer Geologia em função disso. Eu fui mais ou menos, eu fui mais prático do que atrás de uma concepção teórica, era o que eu podia fazer, o que eu tinha mais chance.

P1: E como foi mudar para Porto Alegre, era muito diferente a cidade?

R: Muito diferente. Eu gostei, as vezes que eu fui para Porto Alegre, eu gostei de Porto Alegre, cidade maior, mas não tinha problema nenhum de um caipira sobreviver lá, né? Eu tinha uma tia minha que me apoiou no começo, quando eu fiz vestibular na casa dela.

P1: Ficava aonde, em que região?

R: Em Porto Alegre? No bairro, num bairro ali quase no centro de Porto Alegre. E em função disso aí, eu passei no vestibular, então eu tinha um componente muito importante em Porto Alegre, marcou muito a minha vida, que era a Casa do Estudante Aparício Cora de Almeida que existe até hoje, que era uma casa mantida pela universidade, foi doada por particulares e a reitoria, a universidade em si sustentava a casa, dava verba e os próprios estudantes administravam e faziam uma pré-seleção em função do grau de pobreza, faziam uma ficha, né. E então eu passei no vestibular e entrei na Casa do Estudante e no primeiro mês, então, eu saí da casa da minha tia e fui para essa Casa do Estudante e isso foi muito bom, porque eu não dependia de ninguém, com pouco recurso eu conseguia sobreviver, dava aula particular, fazia o que desse para poder ter um pouquinho de recurso e também na Geologia, teve ano que eles davam bolsa de estudo, pouquinho, não me recordo qual era a relação do dinheiro. Com isso, consegui sobreviver bem.

P1: Qual foi a faculdade federal?

R: Hum?

P1: Federal, Faculdade federal?

R: Como? Eu não entendi a pergunta.

P1: Era a Universidade Federal do Rio Grande do Sul?

R: Federal do Rio Grande do Sul. E com isso eu consegui sobreviver razoavelmente bem e a Casa foi uma espécie duma parte importante da minha formação porque era um grupo que tinha que ser solidário, cada mês um grupo administrava o restaurante, administrava a lavanderia, administrava a rotina da casa, pagava as contas etc e tal. E além disso, tinha o convívio com os estudantes das outras, dos outros cursos, medicina, engenharia, filosofia, então formava um grupo muito interessante de convívio nessa época, né, então foi muito bom, muito importante essa Casa do Estudante para mim.

P1: E funcionava no Campus?

R: Não, era fora. Era no centro de Porto Alegre, é até hoje na Rua Riachuelo, muito próxima da Borges Medeiros.

P1: Vocês tinham atividades assim políticas naquele momento?

R: Tinha e como! Muito.

P1: Do que se tratava as discussões, eram de ordem política, se tratava...

R: Essencialmente política, porque era no tempo de, como é que se diz, marcante, muito marcante a divisão de direita e esquerda. Na geologia, era um grupo esquerdista por natureza, tinham poucas pessoas que não eram de esquerda, dava para contar nos dedos e geralmente a Geologia era muito ativa politicamente, programando discussões e palestras e também passeatas. Tinha o problema da ditadura, em 1964 veio o golpe, né, nós participávamos, tinham atividades, colegas nossos foram diretores do conjunto, eu não me lembro mais os órgãos como era, congregava todos os universitários, né, e nós estávamos sempre na frente disso aí.

P1: Se falava de política de minério, de exploração de minério nessa época entre os órgãos?

R: E muito. Naquele tempo, nós, qual era a batalha? Minerobrás.

P1: Em que consistia a Minerobrás?

R: Era a nossa expectativa de que fosse criada uma Petrobrás de minério, uma estatal para minérios, a nossa... Uma das bandeiras políticas nossa era essa, e foi alvo de, eu me lembro que foi alvo de discurso de formatura de turma, era um negócio meio importante, tinha textos, estudos, uma série de coisas, um aspecto interessante é que, com tudo isso, eu me formei em 1967, não houve, até devo confessar que não houve repressão à nossa turma, fez uma miséria lá e não houve nenhuma repressão. Depois que nós saímos, parece que aí o negócio foi mais violento, mas não tivemos nenhum colega preso, nenhum colega foi ao DOPS, nenhum. E logo que nos formamos, um caiu na clandestinidade, desapareceu, só voltou a aparecer como secretário da Erundina, Delmar Marques, e assim foi, mas enquanto alunos, não. Não, não sofremos repressão.

P1: Algum professor em especial marcou a sua formação?

R: Nós tínhamos um aspecto interessante, nós não gostávamos de nenhum professor, e na nossa formatura só foi um, só um professor, que nós convidamos. Não, que não convidamos - o que nós convidamos, não foi.

P1: Quem que vocês convidaram?

R: Nós convidamos o Bortoluzzi, eu acho que já faleceu, e esse não foi. E o diretor da escola, que nós não convidamos, que brigávamos, foi. E hoje eu dou um valor danado para ele, hoje não, depois, porque a repressão não funcionou em cima dessa vez porque ele nos encobriu e não falou.

P1: Quem foi o patrono da sua turma, você lembra?

R: Otto Maria Carpeaux.

P1: Conta um pouquinho essa homenagem, por que convidaram?

R: Não sei. Acho que era uma pessoa expressiva da época, pensador, né? Acho que foi isso. Nós não queríamos colocar ninguém da universidade, essa era uma questão fechada, então, procuramos, alguém sugeriu e toparam, nós topamos.

P1: No seu período de faculdade, alguma cadeira específica lhe interessava mais? Você foi se aproximando de alguma especialidade?

R: Não, mas as cadeiras essenciais do curso, Petrografia, começar por Mineralogia, Petrografia Estrutural, tudo que dissesse à Geologia. Todas as cadeiras penduricalho, como chamávamos as que só compunham o currículo, não me atraía muito, mas as de Geologia, eu gostava de todas, apesar de alguns professores não serem bons, mas não tinha problema nenhum.

P1: E o mercado de trabalho, como é que era na época?

R: Era bom, excelente.

P1: Quais as oportunidades que vocês tinham?

R: Bom, na nossa época, vamos fazer um resumo para te dar um quadro da época, depois continua até melhor, às vezes, piorou, depois melhorou, até ficar ruim com o tempo, né. Mas na época, nós nos formamos em vinte e sete, não é? E foi feito um curso para a Petrobrás antes de nós nos formarmos, coisa interessante, né, não tínhamos nos formado ainda, ainda estávamos fazendo exame de algumas matérias e eles fizeram um curso, fizeram um concurso. Então, eu acho que dos vinte e sete, uns vinte fizeram o concurso e sete foram aprovados para a Petrobrás e eu não fui, eu não fui aprovado, eu fiquei muito nervoso, se fosse, eu teria ido para a Petrobrás. Me atrapalhei muito e não fui aprovado. Aí o restante, o Eugene Tolbert, que era o gerente da United States Steel, da Meridional Mineração, ele selecionava, estava começando o segundo ano do empreendimento no Brasil, e ele selecionava os geólogos dele, perguntando para os professores amigos dele de cada faculdade. Então, ele ia a São Paulo, tinha uns amigos, uns professores amigos, indicavam um ou dois, foi a Porto Alegre, tinha o Roberto Issler que era amigo dele, pedia para indicar dois ou três e eu fui indicado pelo professor para a Meridional. Então para a Meridional, nós fomos dois ou três, naquela mesma época começou o DMPM, a CPRM, que era a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais e também o DMPM ampliou muito o quadro, então a maioria foi para no DMPM, CPRM e não faltou emprego nenhum: em seis meses estavam todos empregados, acho que três meses.

P1: E você já conhecia a Meridional, quer dizer, era a primeira vez que você...

R: Nadinha, nem tinha ouvido falar, mas era muito, como estudante de geologia, por ser do Estado do Rio Grande do Sul, um isolamento danado, pouca gente podia fazer um estágio, arranjar uma passagem, por falta de iniciativa nossa, falta de conhecimento e pelo isolamento em si, né, poder conseguir um estágio e sair de lá e lá não tinha nada que fazer como estágio. Eu fui por indicação do professor, eu era um dos melhores alunos da área, ele era professor de Geologia Econômica, eu era um dos mais, todo mundo era bom aluno na época, eu estava entre os melhores da época, mas não era o melhor, mas ele tinha, ele gostava de mim, me indicou.

P1: E você foi antes de terminar o curso ou depois da formatura?

R: Não, não, logo depois, dois meses depois da formatura.

P1: E você foi para onde?

R: Eu vim primeiro para o Rio de Janeiro, fiquei uns dois, três meses fazendo um aprendizado de interpretação de fotografia aérea com um consultor estrangeiro, da Meridional, que ela trouxe, então, nós pegamos as fotos de Carajás, que já existiam e esse cara interpretou Carajás, fez a interpretação com base na informações de campo e tecnologia de interpretação. E eu fiquei junto dele aprendendo esses dois, três meses, ele fazia, eu ajudava ele, fui aprendendo a fazer a interpretação e depois disso, fui para Carajás direto.

P1: Então, Carajás já havia sido descoberta?

R: Já, eu fui um ano depois da descoberta. A descoberta foi em 1967, né? Eu fui em 1968.

P1: E isso já era conhecido no Brasil, na época?

R: Já, já tinha, no meio geológico, já, né? Para fora da atividade geológica, pouca gente conhecia, mas no meio geológico, já era conhecido, sim.

P1: E isso, profissionalmente era um desafio para você, quer dizer, você era jovem, estava começando a sua vida profissional, quer dizer, ir para Carajás?

R: Era um enorme de uma oportunidade, quer dizer, eu tive um pouco de sorte, para não dizer muita sorte, era uma, digamos assim, se... Eu não tinha uma noção exata do quanto a posição minha era boa, antes de eu entrar, depois de eu entrar, eu senti que eu estava numa posição de proa e pouca gente estava, primeiro por estar numa empresa multinacional de ponta, por ter tido um treinamento excepcional no começo, de foto, de interpretação e em seguida, ir para Carajás trabalhar. Acho que a maior parte dos geólogos da minha turma que estavam, foram para o setor público DMPM, CPRM, gostariam de estar no meu lugar, com certeza.

P1: E essa era uma tecnologia nova na geologia? De fotointerpretação, ou não?

R: Não, não era nova, não, mas eu não fiz só fotointerpretação, aprendi ali aquilo, depois fui trabalhar normalmente em Carajás.

P1: E depois você foi direto para Carajás?

R: Direto para Carajás.

P1: E qual foi a impressão ao chegar?

R: Ah, um impacto, né, sai do Rio de Janeiro direto para a selva, uma clareira imensa, eu cheguei em Belém às 10h30 da noite, 11h30, fui para o hotel, me apresentei no escritório às 8h da manhã e a uma hora da tarde saiu o avião para Carajás. Me levaram, né, então eu cheguei praticamente direto do Rio para a frente de trabalho num meio isolado, completamente isolado porque ainda não tinha estrada, nem pista, a pista era particular da Meridional, que o Breno deve ter contado, não era a atual clareira, era uma primeira clareira, N1, que tem aquela foto ali da casa. Então, eu fui direto para lá.

P1: Como é que foi esse teu primeiro contato com aquela região de Carajás? O que você sentiu?

R: Eu tenho uma coisa comigo até hoje, que se eu tenho uma tarefa, eu tenho que executar, então eu encarei assim, eu não olhei para nada, no começo, eu não olhei muito para o impacto, né, quando eu tenho que encarar, tenho que executar, aprender, então vamos enfrentar. Não pensei muito, francamente, nos prós e nos contras. Fui lá e tratei de fazer o meu trabalho e tratar de me adaptar com o calor, com a selva. E Carajás tinha uma grande vantagem, ele era, o acampamento básico não era selva, era em cima da clareira, né, então não tinha selva, selva, mas tinha o calor, e também tinha muito apoio, por exemplo, andar... eu só caminhava o essencial para o mapeamento, o helicóptero me deixava naquele ponto. Então a fase ruim da Amazônia, que eu peguei depois e muitos pegaram, a maior parte pegou, que é o acesso ao local de trabalho, que desgasta, que dá... Que é ter... Trabalha, vai caminhando no mato, quilômetros e quilômetros com a mochila nas costas, ou sobe um rio dias e dias para chegar no local de trabalho, eu não tinha esse problema, eu cheguei no helicóptero, apesar de o helicóptero ser uma casquinha de ovo, vagabunda, que hoje eu não entraria, né, _____________, mas eu na época achei que aquilo me facilitava uma (roda?), quer dizer eu só andava para mapear e voltava, andava para mapear e voltava, não tinha acampamento isolado no meio do mato, né. Depois sim, aí começou, começou depois quando fui para Buritirama, o apoio era de helicóptero, mas o acampamento era no meio do mato, aí a turma escutava aquele som de bicho a noite inteira, uma barulhada que você não sabia o que é que era no começo, tinha que aprender.

P1: E quem estava no acampamento no momento em que você chega?

R: Hum?

P1: Quem eram as pessoas que estavam no acampamento?

R: O pessoal de apoio, o pessoal de... os cozinheiros, o pessoal de campo, que cortava picada, topógrafo, os figuras, os caras que tinham que estar lá, os pilotos de helicóptero, mecânico de helicóptero, o pessoal de apoio e três ou quatro geólogos.

P1: Como é que era esse acampamento, você pode descrever um pouquinho?

R: Todo, todo era pau a pique, todo de lona, o primeiro alojamento foi aquela casa de zinco que fizeram em Carajás, né, que está aí na foto, todo, todo de lona e armação de madeira do lado redonda, coisa mais simples possível.

P1: E alimentação, abastecimento, como era...

R: O abastecimento era de avião, então tinha conserva, né, quando o avião chegava tinha carne, né, mas depois era na base da conserva. Mas sempre tinha avião seguido, então não havia muito problema nessas primeiras etapas, eu estou falando das primeiras etapas. E aí também tem um aspecto importante, mais profissional, né, não tanto de chegar lá e ter o impacto da coisa: eu cheguei lá tinha uns... já tinham passado pela serra uns quinze geólogos estrangeiros e brasileiros e alguns foram e saíram, que eram outros, né, vieram uns cinco ou seis ainda e o programa geral era mapear as principais ocorrências de ferro, de oeste para leste, então eles começaram a N1, depois N2, N3, N4 era a quarta clareira e era a maior, era do porte da N1. E eu cheguei lá o mapeamento estava começando na N4 e não sei por circunstâncias qualquer, todos os gringos foram embora, os demais geólogos tiraram folga ou pediram demissão e o Breno adoeceu, eu fiquei sozinho dois meses depois de chegado lá, só eu com 20, 100 pessoas no acampamento. Então eu estava, o mapeamento estava no meio da clareira N4, então eu fui mapear a N4 sozinho, o corpo que chamava N4 oeste, depois que é o corpo de minério agora, que está sendo lavrado hoje, o primeiro mapeamento foi meu e eu fiz sozinho, todos os outros mapeamentos foram conjuntos, aquele eu fiz sozinho, eu

fiquei um mês sozinho lá.

P1: Já era sabido o potencial?

R: Já, nós tínhamos idéia, todo mundo tinha idéia, era muito grande, mesmo eu como recém-formado tinha noção que o negócio era grande demais.

P1: Como é que você trabalhava sozinho?

R: Não, primeiro o tempo que o pessoal passou lá, passou me explicando como é que mapeava o John Tremaine me treinou, o Breno me treinou, aí depois eu tinha que sair sozinho fazendo o meu trabalho. Depois de aprender, era sozinho, eu tinha a linha topográfica marcada lá no campo com os piquetes, com arco, você saía com o seu auxiliar, seu auxiliar era um braçal, só para pegar na trena, marcava os contatos, via as principais estruturas, era um trabalho rotineiro de geologia.

P1: E o pessoal de apoio era local, ou enfim, era do Pará, da onde que era?

R: Era do Pará, o pessoal de nível mais baixo, todo do Pará, o piloto de helicóptero era do Rio.

P1: E eles contribuíam de alguma forma com o trabalho?

R: Não, técnico, só de, por exemplo, andar comigo, ou cortar mato para fazer a topografia, o topógrafo ia antes fazia o levantamento, depois eu ia mapear. Isso eu fiquei até o final do ano, no final do ano de 1968, eu fui para o que chamavam de Programa de Procura do Manganês, o Tolbert teve que dividir a equipe em duas, uma equipe continuava no ferro, que já estava descoberto e já estavam fazendo os primeiros furos, os primeiros trabalhos de pesquisa. E outra equipe ia continuar procurando manganês que era o objetivo principal da Meridional e eu fui para essa equipe.

P1: E onde se localizava?

R: Na região de Carajás, na área chamada Buritirama. Nós fomos para Buritirama, que era uma serra orientada onde começou a surgir indícios de manganês, aí o Breno era o principal líder, eu fui junto com o Breno. O Breno escolheu dois e eu fui com ele. Aí eu... descobrimos um corpo de manganês que hoje é o segundo depósito da região, no primeiro ou segundo dia de trabalho eu descobri esse corpo. A área já era, já tinha sido descoberto manganês, mas não um depósito, o primeiro depósito foi eu que descobri, D5 atual, quando passei para o manganês, já em 1969, já em 1969.

P1: Quando se descobre uma incidência grande de minério, tem algum tipo de comemoração, ou algum tipo de...

R: Não.

P1: Não?

R: Só mais a conversa entre nós mesmo, fulano descobriu isso, sicrano descobriu aquilo, devia ser dada importância, mas não é dada, a não ser um reconhecimento muito grande, no caso de Carajás, o Breno, pelo reconhecimento da região em si, não só a descoberta do ferro.

P1: E a comunicação, como é que era nessa época?

R: Rádio, já tinha uma boa comunicação, a comunicação era boa, era outra questão que não salientei nas facilidades nossas, além do helicóptero, era o sistema de comunicação, que era perfeito para a época, era o melhor rádio que tinha. Eles compravam rádio com gerador pequeno e se falava com os acampamentos.

P1: Mas notícias de fora vocês não tinham?

R: Tinha com o rádio comum à pilha, fazia parte do dia a dia da turma.

P1: E esse acampamento, como é que era? Era igual ao outro?

R: Não, bem mais rústico, mais isolado e mais localizado dentro da mata, na beira do Itacaiúnas, um pouco fora e os outros, aí cada vez deslocava para acampamentos pioneiros mais precários, mas sempre com o apoio de helicóptero.

P1: E havia contato com por exemplo, indígenas, era próximo de alguma tribo?

R: Era próximo, mas nessa época eu não tive não. Eu só vim ter depois lá em Surucucus, em 1978, que é outro projeto, aí não. Nós sabíamos da aldeia Cateté que é perto, no alto da Itacaiúnas , mas nunca... O Breno fez contato com eles, a equipe pioneira fez, mas eu não fiz, na nossa turma, já não fez contato, isso é de 1968 para frente.

P1: E quanto tempo você fica nesse projeto de manganês, quanto tempo você fica?

R: Eu fiquei no manganês até ir para Rondônia, eu fiquei no manganês até setembro, agosto de 1969, fiquei só um período lá, daí eu fui para Rondônia pelo Grupo Paranapanema. Saí da Meridional, fui para Rondônia pelo Grupo Paranapanema, trabalhar em estanho. Aí sim a situação é bem mais precária no começo, né, porque aí não tinha helicóptero, havia um pequeno avião monomotor, é um trabalho totalmente diferente daquele. Aí fui pesquisar estanho, cassiterita, com um forte convívio com garimpeiro, que eu nunca tinha visto, garimpeiros atrapalhando o trabalho, nós trabalhando e eles explorando próximo e eu fiquei quase dois anos lá, em Rondônia, trabalhando no Mato Grosso, mas próximo de Rondônia, no Amazonas, próximo a Rondônia mesmo, sediado em, a base era Porto Velho, era o começo da época do estanho ali em Porto Velho.

P1: E como é que era esse contato com os garimpeiros, e de que forma eles atrapalhavam, enfim?

R: Não, eles faziam um trabalho paralelo para eles, quer dizer, tinha zona de garimpo, eles estavam lá garimpando e nós pesquisando, meio junto, um pouco separado, pesquisando, fazendo sondagem, principalmente sondagem.

P1: E em relação a esse depósito, D5, qual a importância desse depósito?

R: Ele é o segundo depósito de manganês no país hoje, só não é explorado porque não é da Vale. Com o tempo, quando a Vale comprou Carajás da Meridional, que eles eram sócios na Amazônia Mineração, aí a Vale, numa certa época, comprou Carajás, a parte da Meridional, da United States Steel, mas Buritirama não entrou no negócio e depois a Meridional vendeu para outros grupos. Até hoje não é da, não faz parte dos direitos minerais da Vale do Rio Doce, ele chegou a ser aberto lá, mas depois parou, porque os donos não conseguiram fazer um acordo de transporte com a Vale, aí não viabilizou ele, mas é um depósito interessante, tem uns quinze milhões de toneladas de manganês, não é tão ruim, não.

P1: É expressivo!

R: Se, se fizerem um acordo com a Vale, de transporte, ele volta a ser econômico.

P1: E no caso do estanho, quer dizer, modifica muito a questão do trabalho?

R: Modifica bastante, é outro, é um trabalho bem diferente, que era um depósito mais, naquele tempo era um depósito aluvionais, então tinha que trabalhar praticamente dentro das drenagens, tinha outra metodologia, mais sondagens, menos mapeamento, aí eu... em Carajás, na época, tinha um componente que não nos atrapalhava, em Rondônia atrapalhou muito, que era a malária, lá tinha malária, em Carajás não tinha malária. E lá eu peguei duas, uma malária lá. A primeira malária, eu peguei lá em Rondônia.

P1: E você foi tratado em Porto Velho?

R: Em Porto Velho. E esse Grupo Paranapanema, era o mesmo dono, depois quando eu voltei para Paranapanema em 1984, eu voltei para o Grupo Paranapanema depois do Docegeo, era o mesmo grupo que eu trabalhei lá na época, então eu praticamente tive dois empregos: Meridional Vale do Rio Doce e Paranapanema, em épocas alternadas.

P1: E você passa quanto tempo nesse trabalho de estanho?

R: Eu fiquei dois anos lá em Rondônia, trabalhando para a família Lacombe, para o Grupo Paranapanema. E depois, nesse final desses dois anos, a Vale do Rio Doce estava organizando a Docegeo, essa história que o Breno deve ter contado para vocês, e eles chamaram o Tolbert para organizar o programa e Tolbert foi atrás da equipe dele, a equipe dele era o Breno e eu, os principais, depois tinha o Otávio, o Marcos Albuquerque. Mas os essenciais do Tolbert as figuras proeminentes dele era o Breno e eu, e o Walter Hirata, também, éramos nós três. Então, eu me comuniquei com eles, estava em Rondônia, eu entrei em contato com eles e eles me ofereceram a oportunidade, aí eu já tinha dois anos de Rondônia: “Chega, eu vou votar para lá”, a turma, o programa era bom, então eu vim, voltei para Belém para começar a Docegeo. Era o início da Docegeo em julho de 1971.

P1: E em que consistia a Docegeo?

R: A Docegeo era um grupo que a Vale do Rio Doce instituiu para procurar cobre, procurar ouro, que a Vale queria diversificar, o programa era idéia do Eliezer Baptista, então, o José Eduardo Machado era geólogo da Vale, que criou, que também comprou essa idéia, foi praticamente o fundador da Docegeo, quando eu fui atrás do Tolbert para o Tolbert fazer o programa, tinha que organizar o programa técnico e operacional e depois a Vale bancou o programa, então nós fomos chamados.

P1: E era a primeira vez que uma mineradora no Brasil fazia, criava uma...

R: Um programa de exploração.

P1: Um programa de exploração.

R: Exploração que nós chamávamos era procura de minério, não é lavra, é procura. Era a primeira vez e do porte da Vale do Rio Doce, né, depois a Vale, voltando um pouco para o tempo político, seria a nossa expectativa de Minerobrás.

P1: E como é que era isso profissionalmente, quer dizer, isso sim era um desafio, essa idéia de trabalhar na Docegeo? O que é que representava como geólogo...

R: Não aí nós tínhamos plena noção da História, nós sabíamos o nosso papel.

P1: Da História. Qual era o papel?

R: Nós sabíamos que nós tínhamos alguma coisa, a parte mais importante do país na mão, a gente sabia disso, que tinha a melhor oportunidade, nós tínhamos plena noção disso, com o pouco de experiência que nós já tínhamos de vivência profissional, aí nós fomos sabendo do desafio que nós tínhamos.

P1: E o programa contemplava exclusivamente a Amazônia, ou era todo o país.

R: Não, era todo o país, mas muito mais para a Amazônia. E também porque as pessoas que o Tolbert tinha trabalhado foram

para a Amazônia, os outros que ele escolheu, algumas pessoas para a Bahia, outras para Goiás, mas o time dele mesmo antigo foi para a Amazônia, ele mandou para lá.

P1: Mas já era sabido que era uma grande reserva mineral, a Amazônia?

R: A gente tinha noção do ferro, né, tinha comparação, coisa e tal, tinha uma idéia muito, não era uma idéia muito aprofundada, mas nós tínhamos uma idéia razoável para a época, né, para o conhecimento da época, nós tínhamos um conhecimento razoável de que lá era o lugar. E também tinha outra questão básica é que foi criado nesse meio tempo uma tal de Amazônia Mineração que era a Vale mais a United States Steel, quando começou a Docegeo ainda existia essa, então, eram dois grupos atuando lá, a Amazônia Mineração e a Docegeo. Como o Breno tinha saído da United Steel, eu saí, eu já estava em Rondônia, já tinha saído há muito tempo, ele não pode ir para Belém no começo como o Tolbert queria, tiveram que deixar ele uns seis meses de molho em algum lugar, ele foi para a Bahia, então eu fui encarregado de ficar, de organizar o escritório, o lugar dele, sabendo que dali a seis meses, ele chegava e ia ser o chefe. Mas nós éramos, nós sempre trabalhamos juntos, então não havia problema, então eu organizei o escritório nos primeiros seis meses e botei a “geologaiada” no campo, depois ele chegou e já estava um... mas eu arrumei a estrutura como ele gostaria que fosse, eu já sabia como ele queria.

P1: E como que se sistematizou o programa de pesquisa? De que forma, eram equipes?

R: Já era um programa que previa um trabalho a médio prazo, o programa que o Tolbert, foi o Tolbert que fez o programa. Então, não era para trabalhar um ano e parar, nós tínhamos um período aí de quatro, cinco anos para não descobrir nada, mas a Vale sabia disso, então nós tínhamos essa segurança, ninguém ia nos cobrar no primeiro ano descobrir alguma coisa, não tinha isso não, nunca foi nos cobrado nada na Vale do Rio Doce. Tinham noção de que o trabalho era a médio prazo, a médio ou a longo prazo, foi por médio prazo, ou por sorte ou competência nossa, ou foram as duas coisas juntas.

P1: E como foi esses primeiros anos, como é que ele se organizou?

R: Nos localizamos mais em questão geográfica e em função de Carajás e em função do oeste de Carajás, e em função do norte da Amazônia, nós delegamos, tinha alvos específicos, regionais, e um geólogo comandava uma equipe de três, quatro geólogos em cada conjunto dessas áreas.

P1: E quais foram os principais projetos?

R: O Projeto, que nós chamávamos de Iriri, que era o meu; Xingu, que era do Hirata, o Projari, que era do Décio, e tinha outro componente importante que foi onde deu os primeiros resultados, bauxita, bauxita no Paragominas São Bento estava começando, ainda era um depósito, mas não tinha começado a lavra, mas surgiu bauxita em Paragominas, então outra equipe foi jogada para lá, e foi onde nós obtivemos os primeiros resultados bons.

P1: E a sua experiência no Projeto Iriri, como foi?

R: Aí já foi depois, quando o Breno chegou. Aí eu passei a ser chefe do Projeto, tinha que ir para frente, pesquisar na frente, usando geoquímico.

P1: Onde se localizava?

R: Na região do rio Iriri, afluente do rio Xingu.

P1: Conta um pouquinho para gente, José Thadeu, como é que foi essa experiência, como é que eram os alojamentos, como é que eram um pouco essa entrada, essas caminhadas, como é que era?

R: Por mais rústica possível, o menor... para dar uma dinâmica para o Projeto, o que nós tínhamos que fazer era amostragem e mapeamento, e para isso tinha que andar rápido, nós não nos preocupávamos em fazer um acampamento bom, era um acampamento bem pioneiro mesmo. Bem pioneiro, e um acampamento base, geralmente, ou dois, onde o helicóptero se apoiava no centro da área, ou próximo da área, onde chegava o apoio principal e o resto era apoiado pelo helicóptero o mais rápido que pudesse, para poder se desenvolver o trabalho de coleta, de seguimento corrente, de amostra de solo, geoquímico em geral, e andar e mapear. Tinha a topografia, a equipe de topografia o mais expedita possível, tudo isso, um trabalho bem pioneiro.

P1: E em Iriri, era que tipo de minério que vocês procuravam?

R: Nós estávamos, em toda a região, nós procurávamos cobre, sulfetos, o objetivo básico era procurar cobre e zinco, depois que veio o ouro. O ouro veio porque nós encontramos ouro, tropeçamos, aí é que começamos a desenvolver o ouro.

P1: E qual a incidência de cobre nessa região que você...

R: Não, de agora... Hoje, por exemplo, é a segunda região do mundo, só. Na época, não sabíamos de nada. Com o tempo é que isso foi chegando lá, hoje, depois do Chile, é a principal, não minas de cobre, mas depósito tem cinco ou seis que ainda estão incubados, ou algum já começando a lavra e assim vai. Mas, isso foram onze anos.

P1: E nesses acampamentos assim, vocês comiam o que?

R: Caça, e o arroz com feijão e farinha, era muito braçal, tinha que ter farinha, senão não dava, e farinha dura bastante, também; e conserva. O arroz e o feijão tradicional.

P1: Mas qual caça?

R: Caça, mutum, macaco, porco, porco-do-mato, queixada, Caititu, coisa assim, raramente pesca, mais era caça, mesmo. Mas, conserva pesada também, quando não dava para caçar, o trabalho era muito rápido e pouca gente, era conserva mesmo.

P1: O trabalho era rápido, por que?

R: Tinha que cobrir muito área, você não tinha a descoberta em si, você tinha que varrer uma área para chegar na descoberta, tinha que primeiro chegar numa anomalia, um indício de mineral, primeiro você não tem nada, então tem que dar um jeito de achar uma anomalia, como é que você vai procurar? Vai amostrar, fazer amostragem de solo, de seguimento corrente, fazer geoquímica, que nós chamamos, então para isso, tem que andar. Você não tinha um alvo ainda bem definido, com o tempo é que vieram os alvos.

P1: E essa outra, você falou na Amazônia Mineração, ela era, existia um concorrente, por exemplo?

R: Não, não a Amazônia, ela era só para cubar o ferro, o ferro descoberto em Carajás, ela era específica para aquele ferro, mais nada e para o manganês. Para não dizer que ela não descobriu nada, ela descobriu o depósito azul de manganês, o da equipe da Amazônia, que depois, virou só da Vale, mas não tinha uma concorrência com eles, não. Eles eram só para aquilo ali, só que não era só Vale.

P1: E o geólogo ele trabalha com essa possibilidade, quer dizer, de ser o projeto que possa encontrar uma grande quantidade de mineral ou não, e que ela pode ser explorável ou não, isso faz parte do cotidiano do geólogo?

R: Mas claro! Mais erra do que acerta, né? Ou então acerta um depósito que não vai ser jazida, né, só é um depósito pequeno ou teor baixo, ou coisa assim. Jazida é exceção, a maioria erra, não acerta.

P1: E qual o contato que o geólogo tem, por exemplo, com o pessoal, com os engenheiros nessa fase de exploração, existe algum tipo de contato?

R: Não, só no final que eu desenvolvi isso na outra parte do meu currículo, na parte da Paranapanema. No começo, são só geólogos, você descobre um alvo, você vai detalhar, detalha um alvo, vai cubar uma jazida, a jazida é boa, aí começam a entrar os engenheiros para fazer a etapa que nós chamamos de desenvolvimento, que ali você pega um depósito, vai amostrar ele, vai fazer testes de beneficiamento, testes metalúrgicos, porque esse minério pode não ser bom para metalurgia, ou para o fim dele, então você precisa testá-lo e para definir também se ele for testado e for bom, para definir que equipamentos tem que comprar para desenvolvê-lo e tem que instalar esses equipamentos. Então essa etapa de desenvolvimento tem uma interface grande entre o geólogo e o engenheiro, isso eu fiz muito na Paranapanema.

P1: Em Iriri, você passa quanto tempo?

R: Em Iriri, eu fiquei pouco tempo, eu fiquei acho que um ano e meio, dois anos, e nesse meio tempo, eu era substituto do Breno também, quando ele saía, ou de férias, ou de folga, eu ficava no lugar dele, desenvolvia uma atividade de campo, mas também ajudava ele no gerenciamento da turma.

P1: E essa turma, ela se encontrava assim, trocava experiência?

R: Trocava. Sempre. Isso é a vantagem da Docegeo, sempre, desde o começo, e não era comum na outras empresas, mas sempre tinha, desde o início.

P1: E que tipo de troca vocês faziam?

R: Cada um expunha o que fez, discutia o teu resultado, mostrava como fez ou como não fez, o outro dizia que estava errado, estava certo, dava opinião, por que eu não fiz de outra maneira, por que que não atacou outra área, por que que priorizou uma área, sempre foi motivo de discussão de equipe, independente de chefia, qualquer um podia dar opinião, desde o início até hoje.

P1: Você disse, o Breno saía de férias, você também saía de férias, você morava aonde, você já tinha família, já tinha família constituída?

R: Claro, morava em Belém. Tinha. Eu casei em Belém, quando saí da Meridional para Rondônia, já fui para Rondônia casado.

P1: Como é o nome da esposa?

R: Carmem Célia Martins Teixeira.

P1: Ela é da onde?

R: De Belém.

P1: De Belém. Você a conheceu lá?

R: Conheci.

P1: Quando trabalhou...

R: Na Meridional.

P1: Na Meridional. E a família ficava em Belém, você vinha regularmente?

R: Vinha. Agora, como chefe do Projeto, eu não tinha um período muito definido, mas o geólogo de campo era quatro por um, quatro semanas por uma, era o normal e é até hoje. Agora, eu era chefe de projeto, então eu fazia o meu programa e como eu tinha que ajudar o Breno, ia nos outros projetos, então não tinha uma rigidez, essa coisa toda.

P1: Depois desse projeto, você vai para onde?

R: Depois, eu fiquei, eu fui... eu fiquei, como nós chamamos depois de, além do Iriri, que não deu muito resultado, quase nenhum, eu fiquei depois no que o Breno chamou, Expedição Geral e na região Pará-Maranhão, fui tentar outras áreas fora de Carajás, ficou um grupo por ali, por Carajás e Xingu e eu fui buscar outras áreas, enquanto a turma ficava ali.

P1: Cobre também?

R: Hum?

P1: Cobre também.

R: Depois disso, eu tive um aspecto importante, que eu fui parar em Goiânia, porque saiu um chefe do distrito de lá por um tempo e eu fui substituí-lo, então, eu fiquei dois anos em Goiânia, depois de 1974, aí não me lembro bem das datas, 1974, 1976. E Goiânia era um distrito interessante, porque tinha muito, quase o mesmo número de geólogos de Belém, com tecnologia totalmente diferente, chefia totalmente diferente e abrangia até o sul do país, ia até o Rio Grande do Sul, e eu fui, eu fiquei dois anos lá, mudei toda a programação, mudei toda a tecnologia de trabalho, não achei nada, mas fiz uma revolução.

P1: Então, conta um pouquinho da revolução. E outra coisa interessante também, quer dizer, é essa divisão por distritos, quer dizer, então Centro-Oeste era outra área? O Senhor pode contar um pouquinho como era e qual foi essa revolução que você fez?

R: O Centro-Oeste era o melhor distrito porque ele emendava o Mato Grosso, Goiás, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. E o Rio Grande do Sul, na época, tinha muita fama de que tinha o depósito de cobre, tinha uma mina de cobre, então era um local para procurar cobre, então tinha uma concentração de geólogos no Rio Grande do Sul e o resto era muito… a diferença do trabalho deles, eu digo de um distrito para outro, que nós sistematizávamos levantamentos regionais, eles iam, a turma de Goiás ia mais em cima de informação, olha eu ouvi falar que tem cobre lá, ia uma pessoa lá visitar. Eu ouvi falar que zinco lá não sei aonde, ia uma pessoa. É outro enfoque, não era errado, mas era outro enfoque, nós não concordávamos com aquilo, então era eu, eu redirecionei os projetos em três ou quatro projetos regionais, onde tinha mais locais de ocorrência, se fosse só vivitar ocorrência, eles ficavam malucos como eles ficaram, e o projeto do Rio Grande do Sul, já tinha uma sondagem exploratória para procura de cobre e não tinha nenhum alvo, eu parei, parei uma perfuração para mica parei também, porque não tinha nada, eles estavam furando coisas que não tinham significativo, não ia dar em depósito, furei tudo! Depois, voltei para Belém, mas deixei o projeto, deixei o distrito totalmente diferente, coloquei o laboratório de geoquímica, que nós tínhamos em Belém, tinha ajudado a montar, eu implantei um lá também e deixei parecido com a metodologia de trabalho do distrito da Amazônia.

P1: Qual a importância desse laboratório?

R: Na época, nós tínhamos que coletar centenas, milhares de amostras, tinham que ser analisadas, já tinha laboratório no país que podia fazer isso, mas como é que, imagina mandar uma amostra de Belém para um laboratório de Minas Gerais, do Rio ou São Paulo, né, era mão-de obra, demorava a voltar e essa coisa toda. Então, surgiu um químico que queria ficar no Brasil, em Belém, McManus, William McManus e surgiu quando coincidiu com a ideia nossa de fazer um laboratório, da idéia do Breno de fazer um laboratório, aí fomos fazer o levantamento, não era

muito investimento e tínhamos a mão-de obra, que era essencial, uma figura extraordinária, muito bom, muito competente, a nível mundial, com todas as tecnologias de análise que pouca gente tinha no país, na cabeça dele, então, colocamos o laboratório.

P1: Quem era ele?

R: William McManus, já morreu. E aí colocamos o laboratório lá, que foi um aspecto importante de agilizar o trabalho, agilizar o resultado, e também criava uma maior participação dos geólogos, que ficavam mais entusiasmados de ter o resultado mais rápido, senão a amostra ia hoje, só voltava seis meses depois, e a motivação ia embora, né?

P1: E havia um incentivo por parte da empresa para esses laboratórios, para essa pesquisa?

R: Sempre houve, não houve problema, tanto é que me deixaram fazer, o Breno fez lá e eu fiz em Goiânia. E também o laboratório da Vale do Km 14 começou a nos atender também, então nós tínhamos, a Docegeo como um conjunto tinha laboratório em tudo quanto era lugar.

P1: Agora, essa experiência de trabalhar, era cerrado ali? Goiás...

R: A maior parte era cerrado.

P1: A maior parte cerrado, quer dizer que você saía de uma região do país e ia para uma totalmente diferente.

R: Totalmente diferente.

P1: Totalmente diferente. Então, conta um pouquinho para gente como é que era esse trabalho de campo, por exemplo, a natureza, as pessoas do local, a comida.

R: É, era... havia um convívio maior com o pessoal da região, com os fazendeiros, aí começou a aparecer a figura do fazendeiro, pequeno proprietário, grande proprietário, com as pequenas cidades, né, então havia esse tipo de convívio, era diferente da Amazônia, carro que na Amazônia era barco, helicóptero que ia, no Centro-Oeste era carro, Goiás era Toyota, Rural Willis, aqueles carros antigos, que eu já não me lembro mais, tudo isso era o nosso meio de trabalho, meio de acesso às regiões, então o trabalho do geólogo era um pouco diferente, a orientação era um pouco diferente, em vez de ter o piloto do helicóptero apoiando ele, era ele o motorista, navegando, não sabendo onde está, se orientando e procurando saber onde coletar as suas amostras, etc. Era diferente. Muito mais concorrência com as outras empresas também, isso aí, né, nessa época, foi diferente de Carajás, do Amazonas.

P1: Como é que se dava essa concorrência, quer dizer, acorria de vocês estarem, você e a concorrência num mesmo campo, procurando a mesma coisa, como é que se dava isso?

R: Não, até estranho porque de fato não era para ser, porque uma vez que fez o pedido de pesquisa para a DMPM, a área é tua, não precisava estar, mas a turma achava que tinha que esconder informação um de outro e quando surgia uma informação básica, mesmo que não fosse área tua, tu ia lá para ver para poder extrapolar para a sua área, então tu entrava na área dos outros, os outros entravam na tua área, né, confusão de gente! Aí tinha a Metagua que era a estatal de lá, né, do Estado e atuava muito.

P1: Metagua?

R: É, cansamos de tropeçar com geólogo da Metágua por aí. E de outras empresas, né, que trabalhavam na região, como a Inco.

P1: Mas vocês omitiam informações?

R: Ih! Roubava informação, aquelas coisas...

P1: Como é que funcionava isso?

R: Uma bobagem da gente, não tinha muito fundamento não! Todo mundo queria descobrir alguma coisa, então qualquer informação era importante, todo mundo ia atrás de informação.

P1: Mas, o pessoal da região também contribuia para isso, ou não, não tinha conhecimento?

R: Não tinha, não tinha conhecimento, não.

P1: E em relação aos fazendeiros, como é que era esse contato?

R: É interessante, por exemplo, no Rio Grande do Sul era mais, era extremamente difícil, de Goiás extremamente, muito fácil, Goiás não havia problema nenhum, Goiás, Mato Grosso, entrava em qualquer área sem problema nenhum, para Santa Catarina, também não havia problema, mas o Rio Grande do Sul era problemático, sempre foi, os fazendeiros eram mais... se achavam muito donos, então controlavam melhor suas posses e, não sei se algum geólogo fez um mal trabalho no passado ou eles não gostavam mesmo, muitos impediam o acesso, muitos, até hoje, persiste isso até hoje no Rio Grande do Sul. Agora, isso, Goiás nunca houve dificuldades, Minas Gerais também não houve dificuldade, não havia dificuldade, explicando para os proprietários, “sou fulano de tal, faço isso, sou geólogo, vim aqui ver…” não tinha problema nenhum, muito difícil ter problema.

P1: Mas, tinha, assim, por exemplo, eles convidavam vocês para entrar, tinha uma recepção mais...

R: Não, nem nós queríamos para evitar um, aí não dava bom resultado, primeiro porque o geólogo não ia querer, ficava mais social, não ia querer trabalhar ir para o campo ficar... então, não era, não fazia parte do, tinha um convívio, mas não estreito. A não ser depois, quando virava um projeto de cubagem, de avaliação, aí sim, era na terra de alguém, aí tinha um contrato para alugar a terra do cara e um convívio maior, mas fora disso, não.

P1: E você fica quanto tempo em Goiânia?

R: Dois anos. Quase dois anos. Aí eu voltei para Belém, aí que depois surgiu esse Projeto Surucucus, que eu tomei conta, e o Projeto de estanho que eu tomei conta, Antônio Vicente, e depois, Serra Pelada.

[Pausa]

P1: Bom, Thadeu, você então retorna para Belém, você vai para Antônio Vicente e Surucucus, né, para estanho, né?

R: São dois projetos de estanho.

P1: Você pode contar um pouquinho para a gente como é que foi essa experiência, por favor?

R: Posso, não cronológico, Surucucus primeiro porque é uma questão interessante, por estar numa região isolada no oeste de Roraima, no domínio dos índios Ianomâmi, então, nós estávamos, nós chegamos lá com o apoio da FUNAI, era uma clareira, local da FUNAI e local das ocorrências de estanho, era na borda de uma clareira semelhante a de Carajás, mas então, tinha um descampado com uma pista de pouso grande e o acampamento da FUNAI e duas ou três tribos de índios Ianomâmi situados como se fosse ao redor de um círculo onde o centro era a FUNAI, a instalação da FUNAI, essas tribos eram hostis entre si, andavam nus, índio mesmo, era totalmente diferente dos índios que a gente tinha tido algum contato ou ouvisse falar em Carajás, e nós tínhamos que ter intérpretes e a instrução era não dar nem... era a política da FUNAI, totalmente correta, porque antes tinha havido um garimpo em Surucucus, antes de nós chegarmos lá, era a cassiterita, e o governo fechou o garimpo e uns dois ou três anos depois, nós aparecemos lá, como os garimpeiros davam de comer para os índios, os índios paravam de plantar, então, cortavam o vínculo deles com a natural de alimentação, porque achavam que o branco ia dar para eles, então, a instrução da FUNAI era não dar nada para os índios, que eles estavam em fase de voltar às suas, seus hábitos comuns, então, pela primeira vez em acampamento de frente, nós tivemos que fechar todos os alojamentos, fechar a cozinha, fechar o depósito, principalmente, então, inventamos, improvisamos com folha de zinco em bobina, chegava lá, abria aquelas folhas e passava ao redor da casa, para vedar para os índios não entrar, se deixasse aberto, eles iam deitar na sua rede, roubar a sua rede, a rede onde dormia, iam na cozinha, roubavam tudo, eles não querem saber, eles não têm noção de... do que é que pode, o que é que não pode, para eles pode tudo. Então, teve esse convívio com os índios, completamente diferente. O trabalho em si, não teve problema nenhum de trabalho, era uma sondagem semelhante a que se fazia em Rondônia, bem semelhante, tinha as equipes estruturadas bem semelhante, tinha as equipes todas estruturadas bem direitinho, agora o convívio com os índios é que era a particularidade.

P1: Cercado com o quê, eu não entendi.

R: Alumínio, chapa de alumínio, que a gente pregava ao redor da parede, né, geralmente os nossos acampamentos eram abertos, só com uma parede de palha, aquele não, tinha que isolar e passar cadeado, para não permitir que eles tomassem sua comida, não por causa de nós, por causa da política da FUNAI. Então, era um convívio difícil porque os índios, os mais próximos eram da tribo mais covarde e os mais, nós estávamos entre uma tribo que era metida a valente e uma tribo covarde, os valentes nunca nos incomodaram, os covardes viviam nos enchendo a paciência dentro do acampamento e gostavam, tinha um cacique, acho que era Salomão, o nome dele, um sujeito alto, velho, eu chegava, ele ficava no meio da cerca e queria que eu fosse falar com ele, que eu era o chefe e ele era o chefe, então chefe tem que falar com chefe e eu não me atinava para aquilo, nem queria falar com ele, depois fui aprender que tinha que falar com o Salomão, aí eu dei uma grande mancada, ele estava no.. na hora que eu cheguei ele estava no acampamento com meia dúzia de índios nus e ele com uma menininha de uns sete ou oito anos do lado dele, aí eu fui tentar agradá-la por meio de um intérprete, falei: “A filha dele é bonitinha, né, a garota.” Não era filha, era candidata, era noiva dele que ia crescer, estava com sete ou oito anos, esperando fazer não sei que idade para ser a mulher dele, uma das mulheres. Não prestou o papo! Ele não gostou! (risos) E então, o cuidado era esse em Roraima e os depósitos eram bons, mas nós... a Vale depois resolveu parar o projeto com certa dose de razão, achando que tinha que manter os índios isolados, que eles não iam, não se propôs a desenvolver a jazida, está lá até hoje, eu acho que não era correta a idéia, não. Porque depois eu fui ver, a mineração controlada é melhor do que garimpeiro, depois os garimpeiros voltaram lá e fizeram um estrago, se tivesse a mineração, tinha um isolamento como tem o exemplo do Pitinga com os índios Atroari, Waimiri-atroari e o próprio exemplo de Carajás com os Cateté, com a aldeia Cateté, Xikrin, a mineração é organizada, não agride o índio, tem as suas limitações, enquanto que o garimpeiro vai... como no Surucucus nós achamos que sair era melhor, não é, a longo prazo não foi melhor, não, mas não voltamos para Surucucus.

P1: E as comunidades indígenas, elas têm noção do que que é mineração, ou não?

R: Não. Nenhuma, não tinham noção nenhuma. Hoje, por exemplo, depois eu volto no Pitinga aí eles têm noção, hoje, naquela época, não tinham, os Atroaris Waimiris têm noção.

P1: Mas se empregava mão de obra indígena?

R: Não, de jeito nenhum! Não, de maneira nenhuma! E, bom, o interessante de Surucucus é isso, depois parou. Depois, Antonio Vicente. Antonio Vicente era um... nós tínhamos encontrado ocorrência de cassiterita, estanho na região do Xingu, num local chamado Antônio Vicente, depois, os garimpeiros invadiram uma parte, então quando nós voltamos lá, houve um convívio garimpeiro e as atividades das empresas, mas deu para conviver com esses devidos problemas, né, e nós tínhamos uma maneira de administrar aquele dia-a-dia, eram as empresas detentoras dos direitos minerais comprar aquela cassiterita. Aí nós restringimos o comércio, ficaram só as empresas detentoras comprando, mesmo que não fossem atividades específicas da Docegeo para poder controlar o garimpo e não deixar que expandisse, então a Docegeo comprou cassiterita uma certa época e eu coordenei essa compra em Antônio Vicente, além da atividade de pesquisa. Usaram aviãozinho para transportar o estanho para a cidade lá do sul do Pará, Redenção, Conceição do Araguaia, e dali ia para o Sul e a empresa vendia. Aí, conseguiu-se eliminar o garimpo e concluir a pesquisa e depois, essa área foi vendida para Paranapanema.

P1: E como se dava esse contato com o garimpo, eles eram organizados?

R: Tinha, na produção eles eram organizados, na vida era um horror! Aí, tinha prostituição, tinha cachaça, tinha de tudo, drogas, como sempre. Mas a produção deles era bem racional, tinha um, como é que se diz, um empresário entre aspas que tinha um recurso, pegava e investia, pegava dez ou doze garimpeiros, ele ganhava metade do lucro, a outra metade era dividida entre os garimpeiros, ou então, pagava uma diária e não dividia nada, havia uma maneira de convívio comercial ali entre eles e produziam, não havia problema não.

P1: Vocês conviviam, por exemplo, com essas pessoas? A moradia?

R: Esses fatos que tu vê aí no Xingu é tudo daquele tempo, essas figuras foram chefes do garimpo, comerciantes, eram essas pessoas.

P1: Tinha algum chefe mais...

R: Ah, sempre tinha dois ou três mais expressivos, né? Sempre tem, nunca um só, sempre tem, um ex bandido, ou um líder que não era normal, sempre tinha umas figuras.

P1: E você negociava com esses empresários na compra da cassiterita?

R: Isso. Nós comprávamos deles.

P1: E havia qualquer tipo de barganha?

R: Não, não. Era bem definido, o processo comercial era bem definido, tinha que atingir uma determinada qualidade de cassiterita e tinha os índices lá bem fáceis de definir, em função do teor de estanho, o DMPM atuava como mediador se havia problema, nunca houve problema não. E o Antônio, além disso tinha a cubagem dos aluviões em si que a equipe de geologia fazia, que era o trabalho nosso mesmo, né, normal, com acampamentos bem pioneiros, bem simples, e chegamos a essa reserva de cassiterita que foi vendida para Paranapanema, que hoje já se extinguiu, já tiraram tudo o que tinham que tirar, foi um caso de uma empresa que a gente viu nascer, de um depósito mineral que nós cubamos, avaliamos, a empresa vendeu, veio outro grupo, tirou, extraiu, foi mina e pronto, esgotou a reserva, no oeste de Carajás, já bem na região do Xingu. E depois disso, então, nós desenvolvemos com o babaçu, que foi um... lá já havia uma pesquisa para ouro, foi identificada uma reserva para ouro, Projeto Andorinhas, e houve o início, foi o embrião da produção de ouro da Vale do Rio Doce, Ulisses Freitas era o engenheiro de minas da época e comandava isso sediado no Rio e eu dava apoio para eles lá, fazia o interface do distrito com o Rio, o Ulisses pelo Rio e eu pelo distrito.

R: Eu ajudei o pessoal do Ulisses e do Zé Adolfo ( Divaco?), na época. Esse Zé Adolfo, depois virou presidente da CGO, o Ulisses virou diretor da Vale. E, terminado o babaçu, terminado não, enquanto se implantou essa lavra experimental para ouro, incluindo lavra e beneficiamento para ouro, estourou Serra Pelada. Aí o Breno me deslocou para Serra Pelada, tinha uma equipe lá do Projeto Aquiri, que estava fazendo pesquisa não na Serra Pelada, mas na região. O Breno primeiro colocou essa equipe lá e depois viu que ia ser muito complicado ter o convívio de uma equipe de pesquisa lá, solta lá, com atividade garimpeira se multiplicando. Aí eu tinha na época, estava para, fui fazer uma operação de ouvido em Porto Alegre, tive um problema auditivo, quando eu voltei então o Breno me designou para coordenar Serra Pelada. E foi na explosão de Serra Pelada. Eu cheguei na época que estourou. Na época que o governo tomou conta, através de seus órgãos, "n" órgãos como controlados pelo SNI. Um tal de...Coronel, Coronel Curió, né? E eu estive presente no dia que o Curió invadiu o garimpo e tomou conta do garimpo. Aprendeu não sei quantas toneladas de ouro, e eu não esqueço disso: nós estávamos voando de helicóptero para... A equipe já estava lá para, aí um aspecto importante antes, para entender: nós recebemos de novo a incumbência de comprar ouro. Como já tinha cercado um garimpo de estanho e controlamos estanho, o governo nos botou na história para comprar ouro para tentar, e tirou os comerciantes. Porque era uma infinidade de comerciante de ouro. E gente de todo lado, usando jatinho nessa confusão que o Curió, nós montamos um escritoriozinho vagabundo de compra, um casebre, numa semana, e na outra eu e o Zé Adolfo, aí o José Adolfo (Divaco?) era do...como o Ulisses era do ouro de Babaçu, o Zé Adolfo era do ouro de Serra Pelada, era a pessoa que coordenava no Rio. E o Breno designou eu de Belém. Fui eu e o Zé Adolfo lá para ver, para tomar conta do assunto, da nossa parte, né, aquela bagunça, nós não comprávamos ouro, todos os comerciantes compravam. Aí pegamos o helicóptero fomos para lá. E chegamos lá estava tudo parado, não tinha um avião na pista. Nada, nada, nada, nada, nada. Achamos muito estranho aquilo lá, e o pessoal na pista andando para lá e pra cá. Aí ninguém entendia nada, tinha um repórter de televisão, eu vou recordar o nome que era importante, estava lá preso, ruim da cara porque o avião não tinha ido buscar ele. Neri? Ah, eu não...vou lembrar dele daqui a pouco...fazia umas reportagens especiais.

P1: Sebastião Neri?

R: Hã?

P1: Sebastião Neri?

R: Não, acho não era Sebastião Neri, não. Fazia umas sobre a Amazônia, impactantes.

P1: Ah, é Neto. Amaral Neto.

R: Não, não, não, não. É capaz de ser o Sebastião Neri. Eu vou lembrar o nome dele mais tarde. Esse cara estava...dizia que ia processar o DAC, que ninguém tirava ele de lá. Estava louquinho para sair de lá. Aí eu e o Zé Adolfo conversamos um com outro que: "Isso aqui está muito complicado, Zé, vamos lá em Marabá, ver o que fazer." Não era comum o helicóptero ir a Marabá. Mas como não tinha nada, estava em Serra Pelada e fomos, de helicóptero. Chegamos em Marabá, o Curió tinha intervido e tinha pegado todos os comerciantes de ouro de Marabá e tinha prendido. E apreendeu ouro, e parou a cidade, parou...mandou parar avião, não teve...o SNI tinha intervindo o órgão, entre aspas. A Polícia Federal, todinha, fez uma intervenção e não deixou ninguém sair. Então, nós chegamos lá e tomaram nosso helicóptero. (risos) Mas nós já, nem nos preocupamos com o helicóptero, alguma coisa, e eu já conhecia o Curió lá de (Reumaria?) de Babaçu. Ele já circulava na região e de vez em quando, para disfarçar, passava no nosso acampamento e pernoitava lá. À toa, né, ele não tinha nada que ver com o nosso trabalho. Mas ele sabia que lá era um órgão certo do governo, uma empresa do governo, então ele ficava lá. Então eu já conhecia o Curió.

P1: E ele fazia que atividade, nessa época, o Curió?

R: Ele era de informação, ele vivia na região. Aí ele usava o nome de Doutor Luchini ou Major Luchini, uma coisa assim. Aí eu perguntei para o cara: "Olha tá procês...nós estamos presos?", "Não, não é preso, não, é apreendido, é segurar o avião." Aí eu falei: "Escuta, onde é que tá o centro da coordenação disso aí?", "Tá lá no GETAT." "Por um acaso é o Curió?" "É." "Então nos leva lá, por favor." Aí ele: "Vamos logo lá." Aí chegamos lá fomos muito bem recebidos, claro: "Não, não te preocupa." e pá pá pá, pá pá pá.

"Eu tomo conta." "Empresta o helicóptero? Que eu vou dar uma viagem, pegar mais coisa..." "Pega o helicóptero." Não sei o quê... Aí nós entregamos o helicóptero. Aí no dia seguinte ele baixou em Serra Pelada com o nosso helicóptero, e prendeu o resto dos caras lá. E esse repórter, de tão bom repórter que era, que não viu o fato, saiu no primeiro avião que apareceu. Perdeu o barco da história, podia estar lá na hora da invasão. Acho que é Sebastião Nery...acho que vou...

P1: Nery (Viriato?)?

R: Não, não. Eu acho que Sebastião Nery, mesmo...

P1: É, ele era um jornalista dessa época...

R: Aí ele entrou, tomou conta, e nós começamos a atividade de compra de ouro, apoio ao garimpo, coisa que não era atividade da Docegeo, nós tínhamos que fazer todo o apoio ao garimpo. Apoio às atividades dos orgãos que estavam lá: nós tínhamos que preparar a refeição, dar água, energia para Caixa Econômica. Para o...Instalaram lá Caixa Econômica Cobal, a...Correio telégrafo, um monte de...esses órgãos principais e mais alguns secundários...Receita Federal...tinha um bando de gente. Então nós tínhamos que dar todo esse apoio. Fazia um orçamento, eles aprovavam qualquer orçamento que eu fizesse, mas tinha que dá todo o apoio que eles quisessem, na hora que eles quisessem.

P1: Que tipo de apoio?

R: Luz, água, alimentação, carro, atividades mais loucas que possa imaginar, como por exemplo, tirar água do garimpo. Às vezes, a água empoçava, o garimpo ia afundando, nós tivemos que criar um grupo lá para tirar água do garimpo. Esgotar o garimpo. Comprar bomba, botar operador, fizemos milhares de coisas. Além de comprar ouro, que era uma quantidade exorbitante, e além de eu ter que fazer a pesquisa. Ainda tinha que coordenar minha pesquisa lá, que eu estava furando, cubando ao redor da serra, quando dava. Então, todas essas, nós tínhamos todas essas atividades. E cada vez o negócio ia aumentando mais, aumentando mais, aumentando mais. Toda dia aumentava. E até fazer estrada, mandamos fazer estrada. Foi colocado no fim, lá no meio para o fim do garimpo a rede de transmissão. Que tinha chegado a rede de transmissão em Parauapebas, em Carajás, e dali voltou uma redezinha, eles pagaram a rede lá, o governo pagou a rede. Nós mandamos, nós que coordenamos a execução. Mandaram fazer uma estrada. Tudo isso nós fizemos, para apoiar o garimpo. Aí surgiram, entende? Aí teve a visita do Figueiredo lá, a primeira vez, tá? Nós quase implantamos uma mina, aí o Curió botou o Figueiredo a segunda vez lá, e nos...com aquilo ali botaram o Figueiredo no colo. Aí cortaram o nosso barato de colocar mina, mas a mina já estava sendo implantada. Tinha um...Nós fizemos, trabalhamos. Fizemos um acordo com o governo que ia ficar dois anos em dois anos, saia o garimpeiro, entrava a mina. Mas não tiraram dez mil garimpeiros de jeito nenhum.

P1: Dez mil garimpeiros, naquela época?

R: É, mais ou menos. Talvez até 15. O Curió teve sete mil votos lá. Não sei se...é mais ou menos esse lado. E por isso que o...por causa da promessa do Curió com o presidente, que levaram o presidente lá nos cortaram a onda de nós fazermos a mina. Não tiraram os dez mil garimpeiros coisa nenhuma. E aí começamos comprando dois quilos por dia, terminamos comprando 20 quilos por dia, um dia eu cheguei comprar, nós chegamos comprar 330 quilos.

P1: De onde vinham esses garimpeiros, vinham de todo lugar no Brasil?

R: Todo lugar, mas essencialmente do Maranhão, 90 %. O braçal mesmo era maranhense. Mas aí tinha dono de barranco, proprietário disso, proprietário daquilo, aí tinha todo lugar.

P1: E a imagem da Serra Pelada era exatamente aquela que veiculava na mídia? Ou seja,

de muitos homens de muito...especialmente das fotos, por exemplo, do Sebastião Salgado em que tinha um volume enorme de pessoas trabalhando? Era isso mesmo?

R: Era aquilo. Aquelas fotos todinhas. Eu não trouxe foto de muita gente trabalhando, trouxe aquela da retomada do Porto do Rebaixamento, que dá para ter uma idéia pequena, de uma época, depois multiplicou. Depois daquela, daqueles “n” degraus, que você viu ali, ali era tomado de gente. Quando voltou ao do rebaixamento, que você vai ver ali, tem metade dos degraus tomado por gente, né? Um mês, dois meses depois já era tudo. Era aquela imensidão, sim. Sem dúvida, era aquilo mesmo. Gente carregando saco nas costas, que não tinha maneira de mecanizar, de botar nem um caminhão para carregar o minério nem nada, nada, nada. Era tudo nas costas e as escadas. Aquelas fotos de escadas verticais, era aquilo ali. Exatamente aquilo. E aí que lá no fundo ____ ficava a água ia acumulando e eu tinha a nossa equipe tinha que bombear aquela água dali. Dez, cem metros de altura _____ um trabalho descomunal.

P1: Em relação a compra do ouro, como é que se dava esse processo, esse volume enorme de valores?



R: Era interessante, foi uma operação, digamos assim, que nós criamos entre nós mesmos, incluindo a figura que eu te falei antes: William McManus, que era o químico nosso, ele bolou uma maneira de fundir o ouro, porque nós não...eles não queriam que circulasse mercúrio, que mercúrio, em qualquer garimpo, circula mercúrio, mas naquele não se criou mercúrio, o governo não deixou. Então a maneira de comprar sem impureza era fundir o ouro. E fundir pequenas porções era uma desgraça. Fundir um quilo tudo bem, mas fundir, o coitado chegava lá com duas gramas, era uma quantidade sempre pequenina e virava uma bolotinha assim. Era um parto fazer aquilo. O McManus bolou uma maneira. Com um maçarico de óxido de acetileno fazia uma chama e com um cadinho pequeno fundia até uma grama de ouro, e nós fazíamos aquilo ali, aquela operação não sei quantas vezes por dia com dois, três caras no maçarico, depois ia para balança, então nós criamos uma, o Zé Adolfo e eu criamos uma, com o McManus, logicamente, né, criamos uma bancada de trabalho. Ia primeiro um, o cara lá fundindo, depois aqui pesando, e o outro lá pagando. E uns dois meses depois, o Zé Adolfo resolveu que nós não pagávamos mais em dinheiro. Que era um negócio maluco pagar em dinheiro. Para nós era mais fácil pagar em dinheiro. Mas, contabilmente, para efeito de segurança e tudo. Aí resolveu pagar em cheque. Botamos uma bateria de fazedor de cheque, (risos) dentro da estrutura. Então tinha uma turma que só fazia cheque, outra conferir, então era uma linha de montagem. O termo é esse: uma linha de montagem. Começava lá no maçarico, ia para balança, vinha para o cara da conferência, o cara fazia o cheque e o outro pagava. E fizemos isso.

P1: Mas eles eram tão organizados como o outro garimpo? Eles tinham a organização dos garimpeiros.

R: Muito mais caótica. De produção era uma coisa maluca. Muito caótica. Mas tinha, tinha os donos de cada barranco. E eu sei que a Docegeo fez todo esse trabalho, de comprar ouro. compramos trezentos quilos de uma vez, em um dia, e fundia, fazia essas bolotinhas de ouro ou uma barrinha ou...dependendo da quantidade. Aí depois, nós fizemos isso por dois anos.

P1: Depois transportava para onde?

R: Depois ia de avião para Belém. E essa de trezentos quilos, por exemplo, terminou a compra, eu não esperei nada, tinha nada programado, terminou lá pelas duas, três da tarde...acho que três horas estava tudo sacramentado. Tudo pago, os caras estavam fazendo festa, já tinha ido gente para Marabá. Me deu na cabeça: não, não vamos ficar com esses trezentos quilos aqui. Fazer o quê aqui? Para atrair perigo? Mesmo que tenha todo esse mundo de gente aqui. Mesmo que tenha a Polícia Federal, mesmo que tenha o SNI. Aí peguei o avião, botei o ouro dentro do avião e fomos embora. As quatro e meia, cinco e meia da tarde o ouro estava dentro do cofre da Docegeo em Belém. E coisas assim, o jeito era esse ai, ir inventando, fazendo na hora, fazendo tudo que eles pediam. Que o SNI pedia e que...mas foi uma experiência violentíssima. Não sei se valeu a pena por que para Docegeo, para Vale era questão política, a gente fazia aquilo mas tinha o apoio do governo para o desenvolvimento da Vale, para o trabalho da Docegeo. Na época parece que valeu a pena. A Vale tomou mais força com o governo do Figueiredo. Teve alguns proveitos disso aí. Mas foi um trabalho gigantesco para enriquecer meia dúzia de garimpeiros. E para...não era o nosso trabalho. O nosso trabalho era fazer a cubagem que nós fizemos. Furamos, fizemos 4 mil metros de sondagem, cubamos, e depois se perdeu também. Mas Serra Pelada deu, foi uma experiência que não.... Eu fiquei uns, depois que eu saí, eu fiquei um tempão sem falar em Serra Pelada, nem olhar foto. Não queria mais pensar naquilo, não. Não chegamos a botar...nosso objetivo era fazer a lavra, né, nos cortaram.

P1: Carajás já era operante?

R: Carajás estava em implantação.

P1: E como era o convívio com Carajás?

R: Não, totalmente isolado. Nós tínhamos o convívio nosso, Docegeo. Às vezes, eu ia lá pedir apoio das oficinas e todos eles davam. Mas felizmente os garimpeiros não passaram lá para Carajás. Não iam para Carajás. Isso talvez foi uma das coisas boas que nós conseguimos com a SNI, que a SNI apoiou o isolamento de Carajás. Carajás foi feito, continuou sendo implantado lá, separado, em isolado.

P1: Mas, nesse caso, a pesquisa geológica, isso que você diz, quer dizer, que não se deu continuidade?

R: Nós cubamos às jazidas para virar uma mina. Só não se deu continuidade a implantação da mina. A mina já estava sendo implantada. O equipamento já tinha chegado lá para montar. A barragem de regência já estava sendo feita. Já estava começando a estrutura de mina. Os escritórios já estavam começando a ser feito, quando nos tiraram. E o objetivo do nosso trabalho era justamente chegar na...e como e lá se na outras experiências com a compra do ouro nós controlamos e tiramos garimpeiros, ali nós não tivemos sucesso.

P1: Por quê?

R: Político. O Curió conseguiu virar, levou o presidente pela segunda vez, aí o presidente desfez todo o nosso...a promessa de nos passar a jazida.

P1: Ah, depois daquele período de dois anos que você falou?

R: Quer dizer, aí cortou aquilo ali, acabou. Depois disso ainda teve em Cumaru, que teve uma experiência semelhante, mas bem menor, que tinha um garimpo de ouro lá. Levaram a estrutura de Serra Pelada para lá. Eu, nós implantamos e caímos fora, mas chegamos a trabalhar em Cumaru do mesmo jeito. Fizemos toda uma estrutura lá, montamos, botamos uma compra de ouro e entregamos para Caixa Econômica. Fizemos a mesma coisa. Só deu muito trabalho de implantação, mas nenhum para posterior, porque quando nós vimos o que podíamos passar e eles aceitassem que nós passássemos nós caímos fora. Mas Serra Pelada não, né, tivemos que agüentar um tempão lá. E foi um trabalho pesadinho.

P1: E depois de Serra Pelada, você?

R: Depois eu saí. Aí eu vim para Paranapanema.

P1: Como é que surgiu o convite?

R: Surgiu porque eu já tinha trabalhado na Paranapanema. E tinha um geólogo amigo meu, que era o geólogo chefe, Ademar Coelho, ele tinha ganho royalties das áreas que ele descobrisse. E ele descobriu Pitinga. Então com royalties ele achou, achou e com justa razão, que estava feito, que não precisava e mais nada. Se bem que o doutor... Tiraram metade dos royalties dele, mas mesmo assim ficou bem. E ele me convidou para ir para lá que depois ele sairia e eu ia ficar no lugar dele. Então eu fiquei um tempo em Belém e depois eu fui para São Paulo. Eu entrei para... E entrei também para duas coisas: para substituir ele ao longo do tempo, que o doutor Otávio, o dono, me conhecia, já tinha trabalhado na empresa, então ele me convidou com a indicação do dono. O dono que me indicou: “Aquele lá serve.” Aí eu era amigo do Ademar e trouxe. E também porque eles tinham descoberto uma importante ocorrência de cassiterita lá em Pitinga e tinha que fazer um trabalho que não era um trabalho... Eles estavam treinados a trabalhar no aluvionar e descobriram uma ocorrência primária. Então eu fui com as duas missões: fazer a cubagem do primário que eles tinham descoberto, que era muito grande, era o maior depósito de estanho do mundo. Até hoje ainda é. Apesar de 20 anos de lavra. E depois substituir o Ademar em São Paulo, ficar de geólogo chefe do grupo Paranapanema. Então eu fiz isso. Fui direto para Pitinga, morando em Belém. Tinha outras áreas de pesquisa, mas essencialmente o Pitinga. Espalhei geólogo pela Amazônia toda, mas o trabalho essencial foi em Pitinga. Fizemos a pesquisa, entregamos o relatório para o DNPM, foi se implantada a lavra de depósito primário, e aí eu fui para São Paulo, chefia o grupo de São Paulo. Aí eu trabalhei muito em ouro, estanho... Ouro de aluvião, ouro primário, diversas áreas de pesquisa. Inclusive na Guiana, na fronteira com a... Com a cubagem de ouro na Guiana, operação Internacional. Apoiado do Brasil. trabalhei num monte de área na Venezuela e na Colômbia, mais na Venezuela. E no Peru e na Bolívia, pela Paranapanema, estanho. Então desenvolvia todo o trabalho a partir de São Paulo depois.

P1: Mas você continuava indo a campo? Você ia...

R: Ia. Como chefe de exploração, mas indo a campo. Orientando tudo.

P1: E era uma equipe internacional ou era uma equipe brasileira?

R: Era brasileira. Eu não deixei entrar nenhum gringo. Quando queria eu contratava como consultor, não como executor.

P1: Por que isso?

R: Eu acho que na minha opinião não precisava, nós tínhamos competência para tocar. Não achava que... Tinha que dar emprego para o jovem brasileiro. Quando pegava um gringo, pegava como consultoria, numa função específica, num tempo específico. Ponto final. Funcionou bem, não tinha nenhum problema. Aí eu trabalhei muito para ouro também e muito para estanho. Estanho. Fizemos o que eu chamo de (due?) diligence em diversas áreas do Peru, da Bolívia. Minas antigas, minas novas, minas importantes. Fizemos... Depois mais tarde quando a Previ comprou a Paranapanema. Então a Paranapanema deixou de ser uma empresa familiar para ser uma empresa dos fundos de pensão, que é a segunda etapa, em 1996, né? Aí eu fui muito para o Peru. Fizemos avaliação de minas de zinco. No processo de privatização das empresas estatal. Avaliamos 3 ou 4 minas de Zinco. Ganhamos uma, mas não levamos. Problemas que não eram de ordem de pesquisa, não eram de ordem do meu trabalho. E voltamos a avaliar estanho na Bolívia. E depois avaliamos mais algumas outras áreas que a empresa quis, tentou comprar ou tentou vender, essas coisas todas. E depois... Por fim, estivemos trabalhando com metais pesados, no sul, que é a ilmenita, zirconita e rutilo. Cubei um depósito, cubamos o depósito, fizemos todos os testes, e tá um projeto pronto para a lavra, e eu estou aguardando só a licença ambiental. Que é outra experiência danada. Conviver com obter a licença ambiental. Que não é nada de Geologia mas a gente tem que se envolver com isso.

P1: Isso na época da Docegeo, se discutia sobre isso, tinha essa questão ambiental?

R: Não. Mas nós tínhamos uma preocupação nossa, particular, né?

P1: Sei.

R: Mas não havia a preocupação ambiental, a lei ambiental, começou em 1989, né? Eu não estou lembrado, mas acho que foi 1989, né? Que foi exigência fazer arrima para poder obter o decreto de lavra. Antes disso não. Mas nós tínhamos nossa preocupação, claro. A Vale já tinha muito. A Vale não pode... O pessoal não pode se queixar da Vale que ela não atuou. Mesmo sem... Antes da lei, a Vale não era uma depredadora, entre aspas, do meio ambiente. Que mais de interessante? Deixa eu ver se eu lembro de mais alguma coisa da Paranapanema. Potosí, né? Potosí foi também uma privatização da área de prata na Bolívia, no Cerro Rico de Potosí. O Cerro Rico tem estanho e prata. Então nós fomos avaliar a prata. Com a avaliação empírica, tivemos lá também.

P1: Agora o que que o senhor levou da Docegeo para essa experiência na Paranapanema? Você trabalhou por muitos anos na Docegeo, como profissional.

R: Não, eu já tinha experiência em avaliação de jazida, já tinha trabalho. Então isso aí foi importante para mim. Já tinha trabalho de pesquisa sistemática de... Porque você tem duas etapas fundamentais, resumindo no trabalho de... Que é a exploração em si... Nosso trabalho... A exploração em si, que é a procura do minério. Depois que você acha o minério, você tem que cubar, e prepará-lo para lavra. Então eu tinha experiência nessa faixa aí de cubagem de grandes depósitos.

Isso foi essencial para poder desempenhar bem as funções na Paranapanema. Agora, não quer dizer que lá eu não tenha aprendido. Aprendi muito, talvez até mais. Por exemplo, nunca tinha trabalhado com zinco, aprendi a trabalhar com zinco. Com cobre eu já tinha trabalhado, voltei a trabalhar. E essa fase de desenvolvimento, que é uma fase que eu gosto porque é a interface entre a geologia e a mineração, fiz muito na Paranapanema,

em depósito de estanho e em depósito de... Um depósito interessante. Na Paranapanema, dentro do contexto de Pitinga, que é uma área muito importante, produziu mais de 800 mil toneladas de estanho, tinha uma serra... Um local de dois quilômetros por dois, que era a zona mais rica que era a Serra da Madeira. Essa local que eu fui lá para cubar. Aí se deu, nós encontramos depois disso um, o que nós chamamos de depósito, que não existe nada igual no mundo. O único que tinha encerrou. Mas infelizmente não... Ele não se desenvolveu até hoje. Foi o depósito de criolita. É um cloreto de alumínio e de sódio. Isso não existe no mundo. E nós deixamos lá um depósito cubado de criolita. Dois depósitos. Um de veias e outro disseminado. Também foi um trabalho interessantíssimo que nós desenvolvemos na Paranapanema.

Ficou lá, mas pode ser aproveitado a qualquer hora. Além disso,

cubamos nióbio e tântalo, que hoje tão... Faz mineração de nióbio e tântalo. Junto com estanho. Então nós cubamos nióbio e tântalo e cubamos a criolita. Foi uma parte interessante da Pitinga. A Pitinga é uma, é um, a pitinga é uma província mineral importante. Também Bom Futuro. É interessante, porque Bom Futuro... Pitinga nunca ocorreu garimpo de estanho, foi uma descoberto da empresa, ela conseguiu isolar e o garimpeiro não entrou. Bom Futuro é Rondônia, no município de Ariquemes, que tem acesso por estrada. E foi descoberto pelo garimpo, pelos garimpeiros um depósito do tamanho de Pitinga, de grande porte. Mas só que pelos garimpeiros. Então eles invadiram primeiro, depois já no meu grupo comprou os direito minerais, a Paranapanema comprou os direitos minerais. Mas os garimpeiros que descobriram. Então foi uma balbúrdia. E lá eu também trabalhei. Mas lá não pudemos ter um sucesso técnico, primeiro que eles dilapidaram a jazida rapidamente, e segundo que era extremamente complicado e difícil de trabalhar. Nós precisávamos ter um tempo para fazer essa pesquisa, sem garimpeiro, sem nada. O que tinha Pitinga de geologicamente simples, lá era totalmente complicado. Então só... Lá nós tivemos mais experiência de convívio com a massa garimpeira e fizemos alguns trabalhos importantes, mas não tão importantes como em Pitinga, e nem com o êxito que tivemos em Pitinga. Mas lá eu vi de novo 20, 30 mil garimpeiros, tipo em Serra Pelada. Num mundo cão, muito pior que Serra Pelada. Lá morria gente sem controle. O geólogo que eu mandei lá a primeira vez, que não fui eu, eu mandei um geólogo, e era um cara relativamente experiente e bem vivido, o rapaz se apavorou e não queria voltar lá. Por que no caminho ele encontrou seis, sete cadáveres, no caminho. E encontrou uma pessoa carregando um saco, o cara abriu tinha 2,3 cabeças, caveiras. Então o que matavam de gente naquela época. Não tinha nenhuma condição do governo controlar. Era o governo do Estado de Rondônia que tinha que controlar, né? Era um crime atrás do outro, uma loucura, uma disputa. Prostituição, drogas, tudo que você possa imaginar. Então Bom Futuro foi uma experiência ruim, nesse sentido. E hoje ainda tá se esgotando e os garimpeiros ainda tão lavrando um pouquinho. Também na época, antes do Bom Futuro, eu vi outro garimpo interessante, que nós estávamos trabalhando na região do madeira, para ouro aluvianário aqui pela Paranapanema. No flat do rio Madeira. Mas não no rio em si. O rio é muito largo, é um mar, né, o maior afluente do Rio Amazonas. Do dia para a noite estoura um garimpo no leito, nas areias do leito do rio. Leito que nós chamamos de leito ativo. Aí você tem quatro, três, quatro metros de areia no fundo do rio e os garimpeiros, com grandes equipamentos, sugavam aquela areia, para tirar ouro. Quando eu volto lá, fui lá visitar duas ou três braguinhas que eles chamam, balsas que eles chamavam. Um mês, dois meses eu voltei lá, uma imensidão de diversos... Até iates no meio do rio. Helicópteros no meio do rio. E o rio tem quilômetros de largura. Do outro lado da margem, margem oposta, Bolívia. Então um vai-e-vem de drogas, gente morrendo toda hora, equipamentos de grande porte, lavras, dragas de grande porte, tudo uma barafunda. Aí desmantelei a equipe de pesquisa tirei de lá, desmantelei, não, desmanchei, mandei sair de lá, fechamos, saímos fora. Ficou aquele mundo cão lá mais um ano, dois. E assim como começou, desapareceu. Não teve o impacto de Serra Pelada, mas era gente da mesma ordem.

P1: Tinha potencial?

R: Tinha ouro, mas acho que esgotou o ouro. Era ouro debaixo de ouro, mais fácil de tirar. Mais fácil de extrair. Então eu vi, tive... Eu convivi com três episódios de garimpeiros de grande porte: Serra Pelada, Bom Futuro e o Madeira. O mais degradante, para mim foi o Bom Futuro. O DNPM chegou a fazer um levantamento das mortes registradas pela polícia. Alcançava o número de 700. Eu acho que foi muito mais. As mortes registradas, era uma mortandade estúpida, nenhum respeito pela vida humana.

P1: E hoje Tadeu, qual é sua atividade, na empresa?


R: Hoje? Eu estou cuidando do projeto Bujuru, que é o de minerais pesados, na região de praia no Rio Grande do Sul. Voltei, uma coisa cíclica interessantíssima, bauxita de Paragominas. Nós temos, nossa empresa tem uma participação numa parte do depósito importante. Estou cuidando disso também. Então estou voltando a uma parte que eu fazia na Docegeo, ajudava o Roberto Assad no início, que era especialista em bauxita. Agora estou voltando a cuidar disso de novo. E estão procurando sempre oportunidade de zinco para abastecer a nossa metalurgia de zinco de Juiz de Fora. O Grupo Paranapanema tem a metalurgia do cobre na Bahia e tem a metalurgia de zinco em Juiz de Fora. Então, são os três trabalhos básicos que eu estou desempenhando. Eu não tenho mais uma atividade de grande porte, como tinha na Docegeo, mas ainda tenho alguns trabalhos interessantes em execução.

P1: Você mora aonde?

R: Moro no Rio.

P1: E a família, você tem tempo para o lazer?

R: Tenho, não tem problema, não.

P1: E o que que você costuma fazer nas horas vagas?

R: Caminhar. Gosto de caminhar, ir à praia. Não tenho ido muito, mas caminhar mesmo na praia. E ler. Gosto muito de ler. Eu lia mais antes, mas agora no fim, no final, quando eu ando com mais idade tenho menos paciência para ler. Surge muito a parte, aprendizado e convívio com esse negócio da informatização tu tem que estar muito aceso, para poder acompanhar. E me toma muito a parte, me cansa muito. Então eu tenho lido menos.

P1: E tem softwares adaptados à geologia?

R: Eu entendo pouco, mas tem. Eu não domino, não, mas tem muito, muita coisa. Tanto na parte de georreferenciamento que é localização que tá, qualquer ponto hoje, a gente fala em georreferenciamento. Isso facilita a informação e depois o manuseio da informação isso é fundamental. Além da informação que tu obtém, que o jovem obtém, o ponto onde é. A partir daquele ponto você faz miséria. Então você...para cubagem futura, para plotagem de depósito. Apresentação de trabalho, tem software. Software de descrição de testemunho, software de avaliação de jazida, é um mundo. E na área de petróleo é mais ainda. Mas na nossa é bem forte.

P1: Em relação aos seus colegas de Docegeo, vocês se reúnem, se encontram ainda?

R: Eu tenho uma amizade muito amarrada com a Docegeo, ainda. O Breno é meu compadre, o Válter Hidelbrando, nós chegamos juntos na Meridional de mineração e até hoje convivemos. Entramos no mesmo dia, eu e o Válter Hidelbrando. E os colegas de campo, fizemos... as amizades que se fez em Belém são muito duradouras. Mesmo um morando num lugar ou outro a gente sempre se encontra, quando dá. E o pessoal que mora no Rio ou em Niterói, tem seguido almoço, teve na última quinta feira do mês, nós nos encontramos, mas independente da Docegeo. Encontra...um grupo sempre se encontra, na última quinta feira do mês, né, em determinado local lá do Leme. Sindicato do Chopp, acho que é Sindicato do Chopp. Eu não bebo mais, há muito tempo. Já bebi muito. Mas eu vou igual. Tomo minha aguinha com gás, refrigerante qualquer e fico lá com eles.

P1: Que vocês conversam? Qual é o papo? O papo gira em torno de quê?

R: Ah, a maior parte é passado. É lembra o feito de um o feito de outro...(pausa) o...pessoa de Minas Gerais, quando vou a Minas Gerais, que moram lá na Bahia. E tem a minha equipe que eu formei na Paranapanema que tem esse convívio também, né, apesar de ter desmanchado quase toda, ficou pouca gente em função da empresa, que não tem mais um programa de exploração.

P1: Não tem mais?

R: Não. Então no meu grupo, né, então por isso...mas eu convivo com a… Além da turma da Docegeo a turma que eu formei, que era o meu grupo.

P1: Que que o senhor acha, assim, como está sendo estruturada, quer dizer, essa pesquisa geológica no país, quais são os rumos da Geologia, que é tão diferenciado da sua época, né, de começo.

R: É muito diferente em função da...nós temos dois efeitos negativos na atividade de exploração na terra. Que é a procura de minério. Um é o baixo valor do ouro e dos metais. e uma concentração mundial de grandes empresas. Ficou pouca empresa para procurar cobre, chumbo, zinco e ouro. Em segundo lugar, a fase de não desenvolvimento e não investimento no País. Então nós temos uma baixa mundial, em torno de procura de bens minerais, e o País em si não está investindo. Quer dizer, o País tinha que investir primeiro em mapeamento básico, levantamento aéreos geofísicos, uma série de pré-requisitos pra depois você ir para segunda fase que é a procura de minério. Então nós temos expectativas de grandes de novas descobertas, nós não esgotamos o que temos, não. Mas nós estamos vivendo um momento muito ruim. Em que não há uma atividade de exploração, com exceção do trabalho da Docegeo. Hoje, algumas empresas multinacionais, muito poucas. Como a RTZ e a Anglo América. Então mesmo as multinacionais estão mesmo mais multinacionais, não estão investindo forte no País. Estão o mínimo e sobrou a Docegeo, que essa investe forte. Então para efeito de perspectiva, de emprego de geólogo, de desenvolvimento do setor mineral, nós não estamos num bom momento. A expectativa é ruim. As equipes foram desfeitas, uma boa parte foi trabalhar num outro setor, e assim por aí vai, nós não estamos num bom momento, ok? Mesmo assim é louvável a atividade da CVRD. Isso é altamente louvável. Manter um programa de exploração, como ela está mantendo é louvável, e, melhor do que isso, ter os resultados que tem, né? Ela tá tendo agora o resultado de anos e anos de trabalho, que não pode parar e por sorte tá numa época boa de obter resultado para manter a equipe e manter o investimento que tem lá. A Vale tem uma nova frente de atuação agora, que é o cobre, né, tem diversos depósitos de cobre em Carajás, todos em Carajás. E são frutos da política a longo prazo que foi que ela traçou,

executou e manteve. Não só como estatal, mas também agora, como empresa privada. Então a atividade, o resumo é isso aí.

P1: E qual a idade dos filhos?

R: 24 e 29. A menina tem 29 e meu filho tem 24.

P1: E o que que eles seguiram?

R: A minha filha é Assistente Social. E o meu filho se formou na área de Informática e está tentando arranjar colocação. Com muita dificuldade também por que tem muita gente bem formada e bem...com capacidade igual a ele, que fez dezenas de cursos de extensão, mas tem centenas igual a ele. E o mercado é restrito, muito restrito. Por falta de...também aqui desenvolvimento. Nós estamos numa fase, para os filhos, terrível porque a gente formou os filhos, a minha filha ela, quando ela entregou o centésimo currículo parou de contar. Aí conseguiu um emprego de mil e seiscentos, mil e setecentos reais. Em São Paulo. Tá trabalhando um ano, um ano e meio, dois anos. Aí você a dificuldade de uma geração, capaz, bem formada e nenhum dos dois é relapso, são extremamente responsáveis, mas a perspectiva não é boa. Isso aí é o que os meus filhos estão vivendo acho que os filhos dos outros pais devem estar vivendo também.

P1: Em relação a sua geração, como é que você avalia isso, a sua geração era uma geração que tinha oferta de emprego, de trabalho?

R: Tinha. Todo mundo tinha. E não era só na minha área, qualquer área, qualquer sujeito que se formasse mesmo engenheiro, mesmo médico isso ai, não vi problema. Eu saí da casa do estudante, convivi com diversos, vi gente de todo lado, não vi nenhum chorar falta de emprego. Todo mundo saia e se arrumava. Um ano depois voltava lá estava todo mundo ajeitado. Tinha a sua colocação, né? Hoje eu não vejo isso. Hoje não, já a bastante tempo eu não vejo isso. Já não percebo isso.

P1: Tadeu, quais são seus planos para o futuro?

R: Não tenho. Vou trabalhando enquanto der. (risos) Eu não traço planos.

P1: Alguma coisa na sua trajetória de vida ou profissional ou pessoal que se você pudesse mudar, você mudaria?

R: Que eu deixei de fazer?

P1: Ou isso também. Que você gostaria de ter feito e não fez?

R: Ah, com certeza. Eu gostaria de ter feito um curso de pós graduação e não fiz. Na Companhia, não era a política definida da empresa, mas quem quisesse fazer, no meu caso, na posição que eu estava, com o prestígio que eu tinha, eu teria conseguido. Mas eu não quis fazer não, deixei passar o momento. Aí depois, né, não deu. Isso aí eu me arrependo. Não me fez falta dentro da profissão. Isso eu tenho certeza, porque eu convivi com diversas pessoas que fizeram mestrado e que eu ajudei, inclusive, diversas pessoas que eu ajudei. Ajudei como... mantendo como funcionário, ou ajudei no sentido de discutir tecnicamente, cientificamente a sua tese: "Ó, não vai por aqui, vai por ali, o que que tu acha, o que que tu não acha." E propor idéias, isso eu fiz. Então eu fazer uma tese, eu tirava de letra, sem problema nenhum. O problema é que eu não fiz. Não fiz, não aproveitei a ocasião, isso eu me arrependo. Que hoje seria bom para mim. Talvez eu pudesse ter uma alternativa mais tranquila de passar o fim da vida, ou coisa assim. Mas até agora não foi preciso. Até o momento não foi necessário.

P1: E a sua cidade de origem? Você volta a Cruz Alta?

R: Não. Não tenho mais nada, nunca tive. No momento que eu saí de Cruz Alta, isola, não tem mais. E no momento que meus pais foram para Porto Alegre, uns cinco ou seis anos depois, aí mesmo que eu ia lá e ia com prazer lá. Mas com o tempo, mesmo, já tinha uns quatro anos de Porto Alegre, quatro, cinco anos de Porto Alegre, para eu me afastar de lá. Os amigos continuavam, eu ia lá de vez em quando. Mas nem tanto porque nas férias tinha trabalho de campo, então não era todas férias que eram férias que eu podia ir a Cruz Alta. Quando podia ir eu ia. Mas a amizade foi, foi se escasseando, né? Aí levamos os pais para Porto Alegre. E aí nunca mais voltei. Porque o tempo, um mês, eu ia ficar em Porto Alegre, aí eu não ia tirar alguns dias para ir lá em Cruz Alta sozinho. Não tinha mais...para não ver família. Nem sei mais como é que tá a cidade, não faço idéia. Gostaria de ir. Mas não, não fiz força para ir.

P1: Então para finalizar, eu gostaria de saber o que que o senhor achou de conceder o seu depoimento para o Projeto Memória da Vale do Rio Doce?

R: Eu gostei porque foi uma oportunidade de racionalizar informação, de considerar e já que os outros colegas também tiveram essa oportunidade, né? Registrar meu ponto de vista. Da visão geral do que eu fiz, né? Eu gostei. E espero que todos da minha época tenham tido essa oportunidade. Pelo menos os mais, os que tiveram mais proeminência, né? Que cada tem uma vasta história para contar. Alguns com mais propriedade do que eu. Mas eu acredito que os da minha época eu devo os outros, os mais evidentes já depuseram. Não sei se o Armando que tá lá em atividade, que é o geólogo chefe executivo da Docegeo em Belém, em...da Vale, como um todo. Se você já fez o depoimento dele, Armando Cordeiro. E o que eu me lembro Armando, que eu recomendaria: Armando e o Gilberto Marques, que é o auxiliar, o assistente dele. O outro o Vanderlei. O Vanderlei já deve ter o dele, Vanderlei Beisiegel. acho que já deve ter feito o depoimento dele, né? que ele é importantíssimo. Hirata já fez. O outro faleceu, que era o Décio, era importantíssimo. Décio Meier. Ah, quem mais? O restante é a turma mais nova. Da minha época era esses daí. Aquela...A figura da fotografia, se não depôs, eu não achei ele, o Marcos Albuquerque, seria interessante também. É o terceiro da fotografia de Carajás, que estamos em quatro. O Otávio já depôs, o Breno, eu, agora o Marcos eu não achei ele. Eu sei que ele trocou de profissão, ele é fiscal da Receita, não sei se é estadual ou federal. Mas não tive a oportunidade de encontrá-lo. Moro, já estou no Rio há cinco anos e nunca consegui encontrá-lo. Agora a oportunidade foi muito boa foi nesse sentido aí. Foi muito oportuno. Poder registrar o que a gente vivenciou, viveu lá na região. E pela...o convívio com a Vale como um todo.

P1: Gostaria de colocar mais alguma coisa?

R: Não, acho que não. Você falou que teria que registrar também a questão da presença da minha mulher, que você falou aí.

P1: Ah, tá, então conta um pouquinho para gente.

R: É ela, nós nos casamos e quando eu fui para Porto Velho, para Paranapanema, coincidiu que eu me casei. Então eu já fui casado para lá. E a minha idéia era deixar ela em Porto Velho, trabalhar no campo, trabalhar no mato e vir a Porto Velho. Aí em um mês nós vimos que tinha um acampamento razoável lá dentro e que o trabalho estava bem centralizado, em um raio de 20 quilômetros. E eu iria ficar ali um ano, fazendo a cubagem daquela jazida de aluvião. E Porto Velho não era uma grande cidade. Pelo contrário, uma cidade bem precária. Às dez horas da noite acabava a luz e só voltava acho que as duas horas da tarde, uma coisa assim. E para uma pessoa ficar sozinha em Porto Velho, comigo trabalhando, ninguém me disse que eu não podia levar e eu levei. Entramos num aviãozinho e fomos bater lá. E no alojamento tinha tudo, tinha geladeirinha de querosene, tinha cama, o fogão, um cozinheiro, fui. Então ela conviveu comigo, os dois anos de Porto Velho, praticamente dentro do campo comigo.

P1: Uma das poucas mulheres?

R: É, era só ela na época, né? E aí de vez em quando, de dois em dois meses, de três em três meses, nós íamos para Porto Velho. Passávamos um fim de semana, alguns dias e voltávamos. Passamos um Natal e um fim de ano lá, dentro do mato, se eu me lembro bem. Saímos no Carnaval. (risos) Eu tive que fazer um esforço grande para entregar um relatório e ela acompanhou. E não foi tão, não foi uma vida ruim, não, para ela. A não ser quando pegou malária. (risos) Fora isso foi bom. Foi uma experiência e tanto. Mas pegou malária, primeiro que eu. E nós ficamos dois anos,ela ficou quase dois anos comigo, dentro do mato.

P1: Quer dizer, foi uma grande companheira.

R: Foi, sem sombra de dúvida. E no acampamento tinha garimpeiros, na primeira etapa, depois não, depois os garimpeiros foram embora, mas no começo da estada dela, ela convivia com, que tinha garimpeiada por lá, morando ao redor de uma pista. Quer dizer, o nosso acampamento era na pista, mas os garimpeiros também era na pista. Nós tinha...mas convivíamos bem, com os pilotos, com os garimpeiros.

P1: Como é que ela se ocupava, durante o dia?

R: Dava aula para a criançada, inventava o que fazer. Uma delas foi dar aula para criançada. Tinha umas filhas dos garimpeiros lá, juntava lá e dava aula. Que eu me lembro, coisas assim. Mas era mais fácil ela passar o tempo ocioso dela lá dentro do que sozinha em Porto Velho, na época.

P1: E algum filho nasceu lá?

R: Não. Minha filha já nasceu quando eu voltei para Docegeo, em Belém, quando nasceu a primeira. E o segundo quando eu estava em Goiânia.

P1: Foi bom esse período de vida, durante a Docegeo?

R: Muito bom, foi muito bom. Não tenho queixa, não, pelo contrário, foi muito bom. Eu só não continuei por dois motivos. Para...um motivo só, era dinheiro. Eu tinha o meu espaço, era o Rio de Janeiro, naquela época, estava claro que era o Rio de Janeiro, pela Docegeo. E a Docegeo era a mais mal assalariada do Grupo Vale do Rio Doce. Não era, não tinha o salário da Vale. E para vim para o Rio, com o salário que eu tinha em Belém, eu não conseguia. Não dava para viver. E como a Paranapanema me chamou, era uma empresa privada, e me ofereceu, na época eu acredito que, o dobro do salário e mais algumas regalias. Eu pedi mais algumas besteiras lá: passagem de férias para Belém, uma vez por ano, para família toda, eu pedi um monte de coisas. Inclusive um carro, me deram um carro, aí eu não tinha muito o que discutir, né? Me dava bem com o outro lado também. Com o grupo que me ofertou, já tinha trabalhado lá, me dava muito bem com eles, com o dono da empresa e com o geólogo chefe, que eu ia substituir. Não dava muito para pensar. Meu futuro na Docegeo era Rio. Então eu, ou ficava em Belém na Docegeo, ou saía pelo dobro do salário, e melhores condições e expectativa, e foi isso. E na época saiu uma porção de geólogos. Depois melhoraram o salário, claro. Depois que eu saí, melhoraram. (risos) Tá ok?

P1: Tá ótimo, então muito obrigada pela sua participação, Tadeu, obrigada.

[Fim da Entrevista]