Museu da Pessoa

Histórias para mais de um livro

autoria: Museu da Pessoa personagem: José Trajano Reis Quinhões

Projeto Conte

Sua História
Depoimento de José Trajano Reis Quinhões
Entrevistada por Felipe Rocha e Renata Pante
São Paulo, 06 de junho de 2018
Realização: Museu da Pessoa
PCSH_HV682
Transcrito por Rosana Rocha de Almeida
Revisado e editado por


P/1 – Zé, primeiramente, obrigado por estar aqui hoje, nessa manhã calorosa, em São Paulo, a gente sempre começa perguntando seu nome completo, local e data de nascimento.

R – José Trajano Reis Quinhões, 21 de outubro de 1946, Rio de Janeiro.

P/1 –

Fala um pouquinho pra gente sobre os seus pais, o nome deles, quem eles eram, o que faziam?

R – Bom, meu pai tem o mesmo nome que eu, Trajano, como meu avô também era Trajano, todo mundo pensa que Trajano é sobrenome, mas é nome, vem de um imperador de Roma, lá de trás. Meu pai Trajano Garcia Quinhões e minha mãe Nilza Reis Quinhões. Meu pai era professor de história, depois ele foi diretor do Patrimônio Histórico do Rio de Janeiro, do Arquivo Histórico do Rio e chegou a ser lá vice-reitor da faculdade de arquitetura por causa da cadeira do patrimônio histórico, lá do Fundão. Minha mãe era dona de casa, depois numa época ela fez um curso e virou professora de... naquela época chamava-se artes aplicadas, mas no meu tempo era trabalhos manuais. Aula pra normalista, pra ensinar a fazer alguma coisinha com as mãos pra depois passar pros alunos. Isso era o casal. Casaram muito cedo, em Campo Grande, que é um bairro da zona rural do Rio de Janeiro, tem gente que chama Zona Oeste, tem gente que chama Zona Rural, eles vieram de lá e casaram lá cedo e saíram lá e eu nasci um ano depois.

P/1 – Você sabe como eles se conheceram? Tem alguma história disso?

R – Não tenho a menor ideia. Sei que minha mãe era muito bonita, chamava muita atenção, as fotos dela surpreendem até hoje. Meu pai já não era bem o caso, deve ter sido uma luta conquista-la, viu?

P/1 – (risos)

R – Mas ganhou a guerra. Mas não sei. Mas Campo Grande, naquela época, não era um lugar grande, era um lugar pequeno, não é como hoje que é muito populoso, então de modo geral as famílias... se cruzava com as pessoas na rua, no clube, não era uma coisa assim difícil de cruzar. Tinham poucos colégios! Então deve ter sido por aí, algum encontro na rua.

P/1 – Você mencionou seu avô que tinha o mesmo nome, você sabe um pouco dessas origens familiares? Traçar um pouco de onde vem sua família?

R – Não sei, esse meu avô Trajano não é um avô muito querido por mim, é um lado que eu sempre tive um pouco de pé atrás com ele. O outro lado não, o Zé Reis, que é o pai da minha mãe, estou até escrevendo um livro sobre ele, mas não é sobre ele. Eu inventei um personagem chamado Zé Reis, baseado nele, mas não é ele. Tem muito dele. O Zé Reis, pai da minha mãe, era uma figura muito terna assim, um cara muito... ele me fascinou muito quando ele passou a tomar conta da fazenda do irmão dele, chamada Forquilha, em Rio das Flores, que é divisa do Estado do Rio com Minas e ele ficou muitos anos morando nessa fazenda como administrador e lá que de garoto passava as férias. E passava muitos vezes lá, porque antigamente as férias eram janeiro, fevereiro e julho, fora natal, ano novo, carnaval e pá-pá-pá, imagina, passava muitos meses do ano na fazenda. Então a ligação com o Zé Reis, que era um cara muito carinhoso, foi muito grande. Ao contrário desse Trajano que era um sujeito mais bruto, policial, sabe? Duro! Cheio de netos também, era aquele cara que não dava muita bola pra neto. Ao contrário da mulher dele, mãe do meu pai, que era Vitória, vó Vitória, que era aquele tipo de mulher da época que ficava costurando o dia inteiro pros netos, fazendo blusa pra um, camisa pro outro, calça pro outro, ela tentava ser mais simpática, mas também não foi uma avó assim... também a desculpa que tinha muitos netos. Era outro mundo, era um outro... mas o Zé Reis, na fazenda, a gente tinha mais tempo com ele, sabe? Esse lá de Campo Grande, porque ele morou a vida inteira em Campo Grande, esse Trajano, o Zé Reis não, saiu, né? Aí quando a gente ia pra Campo Grande visitar esse avô e essa avó, pais do meu pai, eu... iam todos os netos, então dividia as atenções, ficava uma coisa meio... ao contrário do outro que você ia e a coisa era mais pra você! Era mais queridinho assim. Mas todos em Campo Grande, aliás, o Zé Reis é mineiro de Matias Barbosa, que é uma cidade vizinha a Juiz de Fora, cidade menor, quase que pertence a Juiz de Fora mas é um município próprio. O Trajano não, o Trajano é aquele cara produto da zona rural do Rio. Mas o Zé Reis foi morar em Campo Grande e aí a Nilza, que é o nome da minha mãe, e o Trajano se conheceram.

P/1 – E como você descreveria seus pais?

R – Meu pai tem muito traço desse avô, do pai dele, né? Não só o nome. Meu pai era um cara muito rígido, muito sério e eu até brinco que meu pai quando estava muito feliz cantava “No rancho fundo”, que é uma música (cantarola) “no rancho fundo...”, se você tá feliz batuca um negocinho, né? Mas ele enchia os pulmões, que era a música da época também, Silvio Caldas cantando! Mas era um sujeito muito estudioso, professor de história, tinha muito livro em casa, lia aqueles livros imensos de história. Tinha mais livro que outra coisa. Esse lado dele era muito interessante. E foi um cara também que fez eu torcer pelo América, pai e filho tem muito essa coisa do filho torcer pelo mesmo time do pai, né? Quando a gente foi morar na Tijuca, eu tinha sete anos, antes nós morávamos no Méier, que é um bairro do Rio, eu nasci no Méier. Do Méier nós fomos pro Rio Comprido, o Rio Comprido é próximo à Tijuca. Aí nós fomos quando minha irmã nasceu... eu tenho uma irmã, por parte de Nilza e Trajano eu tenho uma irmã, Maria de Fátima. Quando ela nasceu a casa ficou pequena e mudamos pra Tijuca, em frente ao América, que até hoje é meu time do coração, que eu falo muito do América, escrevo sobre o América, o pessoa me para na rua: “E o Ameriquinha, como é que vai?”, nasceu graças a meu pai. Então esse lado do meu pai, de ter me transformado num amante do América, me levar ao Maracanã, o gosto pelo futebol! Ele foi muito importante

pra mim e nesse lado também do estudo, um sujeito sério! Agora, em termos de costume, vamos dizer assim, era muito conservador. Caretaço, vamos dizer assim, ao contrário da minha mãe. Minha mãe já não era minha avó, entendeu? Minha mãe já era de uma outra geração, então já dava seus pulinhos, vamos dizer assim, era mais insinuante. Mas aí meu pai se separou da minha mãe, muitos anos depois, eu já tinha uns 20 anos ou mais e aí ele casou de novo e teve três filhos, que são meus irmãos. Mas eu tenho pouco contato, tive pouco contato com esses irmãos. Como naquela época... bom, até hoje se tem muita, mas naquela época quando se separava era separação braba, né? Era uma coisa de cortar relações. Hoje em dia você se separa, tem muita gente que ainda faz isso, mas tem muita gente que continua amigo. Tem o momento da separação que enroscou, mas depois você continua, ainda mais quando tem filho no meio. Continua frequentando a casa, os filhos se juntam e tal. Mas foi uma separação assim, chata, então ele me preservou esses três filhos, meus irmãos. Então, por muito tempo na minha vida eu considerava que minha irmã era única, Maria de Fátima, filha do meu pai e da minha mãe. Eu sabia, conhecia de leve esses irmãos, com o tempo, veja você, hoje em dia eu sou amigo deles! Nós ficamos amigos depois de velho, eu bem mais velho. Tem um que se chama Trajano, veja, eles gostam do nome!

P/1 –(risos)

R – Trajano, que é um cara muito legal, morava em Brasília e agora está morando no Rio, tem duas filhinhas. Tem o Marcos, que é o do meio e tem a Cristina, que não é Trajano!

P/1 – (risos)

R – São os três irmãos que eu tenho por parte de pai. Minha mãe não, nunca mais teve filho. Então na verdade eu tenho quatro irmãos, duas moças e dois rapazes.

P/2 – Como era a relação com a sua irmã quando vocês estavam crescendo?

R – Quando estava crescendo era tudo bem, com a diferença de sete anos, eu era o irmão mais velho, né? Era legal, mas era uma diferença de sete anos, então gerações diferentes, elas com as amigas delas e eu com os meus amigos e tal. Chegou uma época, mais velho, aí que a gente se separou um pouco, ela foi morar nos Estados Unidos e eu vim morar em São Paulo, aí a gente se aproximou muito mais nos últimos tempos, quando minha mãe começou a ficar muito doente e ela morando com a minha mãe. Mas teve uma época na vida que

a gente foi muito unido, porque quando meus pais se separaram, na separação, eu virei o dono da casa, o homem, chefe da família. Aí eu botei pra quebrar! Tudo que meu pai não deixava, agora vai! E eu sempre fui muito ligado em música e minha irmã canta, cantou profissionalmente nos Estados Unidos e tal, aqui no Brasil um pouco e aí eu comecei a levar pra casa todos os meus amigos de música e a gente ficava até de madrugada, minha casa virou um ponto, um “point”. Aí o Aldir Blanc, o Guarabira, Sueli Costa, Ivan Lins, Gonzaguinha, todo mundo lá pra casa. Eu não sei como os vizinhos aguentavam, mas a música nos uniu muito e eu comprava muito disco, aqueles músicos que estavam surgindo, aquela coisa. Minha irmã ficava encantada com aqueles meus amigos, namorou até alguns. Então foi uma fase de muita aproximação. Depois ela passou sete ou oito anos nos Estados Unidos, nos últimos tempos ela passou a morar com minha mãe, minha mãe ficou muito doente, minha mãe morreu há uns cinco anos e aí a gente ficou bem junto, eu ia visitar minha mãe, ficava ali com ela e tal e agora, nos últimos tempos, depois que minha mãe morreu, ela continua morando nesse apartamento, virou meu porto seguro no Rio de Janeiro. Quando ela morava com minha mãe eu ia pro Rio de Janeiro mas não ficava na casa deles, eu ia pra um hotel ou casa de amigos, agora quando eu vou pro Rio eu fico no apartamento, que é na Tijuca, meu bairro querido. Então eu vou pro Rio e sempre fico na casa da minha irmã, fico na casa da minha irmã! Então virei tijucano de novo e sempre na casa da minha irmã.

P/1 – E é natural voltar pra esse apartamento?

R – É, esse apartamento não era nosso, o apartamento que nós fomos criados, esse dos músicos, era outro lugar, próximo a esse. Esse ela mora já há alguns anos, não remete a infância esse aí, não remete a infância. Mas o lugar sim, a Praça Afonso Pena, o apartamento você abre a janela e vê a Praça Afonso Pena, foi a praça

que a gente foi criado. Esse apartamento é mais próximo daquele apartamento que eu fui morar com meu pai quando ela nasceu! Lembra que ele me levou pra conhecer o América? É próximo desse, depois a gente mudou pra outro.

P/1 – Queria aproveitar e voltar um pouquinho, você falou que nasceu no Méier, você ficou por lá quanto tempo?

R – Não lembro!

P/1 – Pouquíssimo...

R – Não lembro porque com sete anos eu fui pra Tijuca, fui do Rio Comprido pra Tijuca, então devo ter nascido no Méier e saído de lá com uns quatro anos, por aí. O Millôr Fernandes, grande Millôr Fernandes, nasceu no Méier. Ele faz uma brincadeira, ele que era um grande frasista, esse negócio todo, ele fala: “Nasci no Méier aos sete anos de idade”, então nasci no Méier, com certeza, aos quatro anos de idade, cinco anos.

P/1 – E aí você vai pra Tijuca e a Tijuca...

R – Ah, a Tijuca até hoje eu tenho uma ligação muito grande com a Tijuca. Eu tenho um livro chamado “Tijucamérica”, que eu conto a minha ligação com o bairro e a minha ligação com o clube, juntei numa palavra só, tijucamerica, claro que o livro eu inventei, é um livro fantasioso, eu ressuscito todos os jogadores do América dos tempos idos, ressuscito meu pai e os pais dos meus amigos, pro América ser campeão de novo. O América vira campeão de novo, o Maracanã lotado de torcedor do América de todos os tempos! Claro, se juntar todos os mortos o América ficou com mais torcida que

o Flamengo!

P/1 –

(risos)

R – Não queriam deixar o América participar, eu apelo pro Papa, Federação, a CBF, mas acaba o América jogando com um morto vivo, é campeão... os caras jogavam e se recolhiam, jogavam e se recolhiam, não falavam com ninguém, era tudo morto!

P/1 – E nesse começo, quando teu pai te leva, qual o momento que o América te pega assim?

R – Todos os dias pegava. Porque o América não era um time de futebol, o América era um clube. Então o América tinha ali um campo de futebol e jogava ali, mas era o clube que tinha o futebol de salão, tinha o basquete, tinha a piscina, então qual era a melhor coisa do mundo? Chegar do colégio, deixar a pasta e correr pro América! Então eu joguei basquete, joguei futebol de salão, nadava, tinha um cinema! Então todos os dias aquilo ali te conquistava. Por outro lado, aos domingos, tinha o time jogando. Time jogando e durante a semana os caras treinando ali, jogador ficava na esquina! Tinha um bando de jogador que morava na esquina de casa, uma pensão. Você via os jogadores ali na porta, ficava amigo dos jogadores, né? Era uma outra Tijuca, um outro América, outro... isso acabou! Hoje tem um clube social lá, fechado, caindo aos pedaços, o corpo de bombeiros interditou, porque o campo de futebol já tinha saído de lá pra outro lugar, desse outro lugar foi pra Baixada Fluminense, onde é o campo hoje, onde o América não tem raiz nenhuma, não tem Tijuca nenhuma no meio. O tijucano mudou muito, o tijucano, de maneira geral, não saia da Tijuca, ele tinha raízes fincadas na Tijuca. O avô era da Tijuca, o pai era da Tijuca e ele era da Tijuca e o sonho dele era continuar na Tijuca! Chegou uma hora que o sonho do tijucano passou a ser morar na Barra da Tijuca, que não tem nada a ver com Tijuca. Barra da Tijuca é Miami, né? Nem considero Rio de Janeiro, é Miami. E o tijucano, o cara que virou tijucano... tijucano é uma ascensão social, tá? Você ir pra Zona Sul, Barra etc. E quem foi pra Tijuca foi o suburbano, o cara de Madureira, de Bonsucesso, Olaria, pra ter uma ascensão, porque a Tijuca virou um trampolim social. Só que esse cara que foi ele já levou a paixão pelo Flamengo, pelo Vasco, ele não tem nada a ver com a historia da Tijuca e do América. O América era o segundo time de todo mundo porque era todo mundo dali e esse cara que vai pra Tijuca e o América numa situação muito ruim, não tem nada a ver com América, nem o América joga mais ali. Então a Tijuca e o América já romperam.

P/1 – Desse momento dessa Tijuca antiga que você tá falando, você falou que estava sempre encontrando jogadores, tinha algum ídolo? Algum ou alguns...

R – Tinha, todos eles quase. O Leônidas da Selva! O Leônidas da Selva é engraçado porque era um negão muito forte e naquela época a gente chamava de tanque, era o centroavante, fortão, tinha um peito de pombo, que chama assim e ele tem

historia magnifica do futebol, ele era meio trapalhão, ele fazia gol mas era meio trapalhão, não era craque. Era trapalhão mas fazia gol. Ele jogou um jogo pela Seleção Brasileira, foi um combinado lá que sobrou pra ele, e o Zizinho, que era um dos maiores jogadores de todos os tempos do futebol brasileiro, até virei amigo dele no calor da profissão, no intervalo do jogo – essa história ficou famosa – ele chega pro Zizinho – o Zizinho era um craque, jogava onde queria – ele falou: “Mestre, não dá bola limpa pra mim! Dá mais pro zagueiro, porque aí eu trombo com ele e me garanto”

P/1 – (risos)

R – Então não podia dar bola limpa, que ele não sabia dominar, mas estava acostumado com o zagueiro e vinha com aquele bábápá derrubando tudo e ele é autor de um gol inédito na história do futebol, na excursão do América pela Europa, ele fez um gol plantando bananeira. A bola veio, ele passou da bola, aí ele botou duas mãos no chão e as pernas ficaram pra cima, a bola bateu no calcanhar dele e entrou. Foi o gol plantando bananeira. Foi carregado em campo, na Turquia, fez um sucesso danado. Tinha o Alarcon, um jogador argentino, que de vez em quando ia jogar pôquer lá em casa com o meu pai. Quebrou a perna dele, uma história maluca, um jogo América e Flamengo, a final, quebraram a perna dele, ele era o craque do América, foi a melhor de três. Terminou empatado, América e Flamengo, foi um jogo histórico. Naquela época o América era américa, era um time importante. Campeonato de 55, era praxe naquela época, campeonato de um ano terminar em janeiro ou fevereiro do ano seguinte, então ficou américa e flamengo empatado, foi melhor de três jogos, se vencesse dois não tinha terceiro. Primeiro jogo, na quarta-feira, Flamengo um a zero, no domingo América cinco a um, aí jogou na quarta pra decidir, América tomou de quatro a um porque

aos 15 minutos quebraram a perna do Alarcon, o cara não foi expulso e naquela época não tinha substituição, América ficou com dez. Então, durante anos e anos e anos e anos a torcida do América, quando jogava América e Flamengo, hoje nem joga mais porque o Flamengo tá na segunda divisão do Rio, a torcida levantava, aqueles mais velhos: “Vocês quebraram a perna do Alarcon!”, isso 20 anos depois!

P/1 – (risos)

R – É uma coisa que a gente carrega até hoje a raiva do Flamengo porque quebraram a perna do Alarcon, em 56, veja você. É um dos meus ídolos.

P/1 – Você falou que mudou o estádio e tal, mas como era ver o jogo lá na Tijuca? Os jogos do América?

R – O maior espetáculo da terra! Você imaginou você ver um jogo de futebol, valendo, na frente da sua casa?! Vamos comparar aqui, você

morar na Rua Javari hoje. Você mora na Rua Javari, em frente ao Juventus, você

atravessa e o jogo tá lá. Não é sensacional? Era assim. Então aquele pessoal chegando com bandeira, bumbo, cantando, América! Camisa! Era um espetáculo. Descendo do bonde, na época era bonde, ou ônibus, que festa.

P/1 – Você lembra como era o estádio?

R – Ah, pequenininho, pequenininho. Tinha uma barreira, o estádio era o seguinte, pra rua tinha uma sede social na frente, aí depois vinha um campo, o campo terminava numa barreira de terra, muita gente não pagava, entrava, conseguia entrar e ficava vendo o jogo nesse morro, nessa barreira. Era conhecido. O gol do lado da barreira, você entrava lá. Ah, foi minha vida muitos anos isso. Depois o América foi pro Andaraí, tentou fazer uma grande sede social, foi um fiasco e o que seria o campo foi comido, vendeu pra prédios que foram construídos ali, estão construídos até hoje. América foi pro Andaraí, que é um bairro próximo à Tijuca mas ali fez um campo mas um campo precário, com arquibancada de madeira e tal. Aí vendeu esse terreno, onde era o campo, e foi pra Baixada Fluminense onde tá lá há muitos anos. Mas na Baixada Fluminense é a mesma coisa que fosse aqui, na Vila Madalena o estádio, a Tijuca fosse aqui, aí faz o campo em Osasco. Não dá, não tem ligação com a história, né? Eu sou sala de imprensa lá, meu nome é sala de imprensa do estádio. O Giulite Coutinho foi presidente do América, o cara tinha dinheiro, ajudou, botou dinheiro, construiu o estádio, o nome do estádio é Giulite Coutinho, ele foi presidente da CBF também. De vez em quando ele me ligava, eu falei: “É o estádio falando com a sala de imprensa”, eu brincava muito com ele! “Alô, aqui é a sala de imprensa e estou falando com o estádio”.

P/1 – E qual o jogo do América que te emociona mais de lembrar?

R – Ah, eu descrevo com muita força, o último campeonato do América, carioca! Depois o América foi campeão em 74 da Taça Guanabara, 82 a Taça Rio, agora, o Campeonato Carioca, o último, vejam vocês, 1960. É duro, é duro seguir nessa paixão e não acontecer. Na verdade ele é campeão carioca mas o título é do Estado da Guanabara, que foi o primeiro ano que o Rio de Janeiro tinha deixado de ser Distrito Federal, a Capital foi pra Brasília e jogavam os times do Rio: Flamengo, Vasco - Campeonato Carioca – América e Fluminense, eu tinha acho que 12 anos, não sei, e claro

esse jogo é marcante. A torcida do América era grande, teve festa na sede até de madrugada! América era campeão, foi a única experiência que eu tive na vida de ver meu time campeão, foi inesquecível. América perdia de um a zero primeiro tempo e virou pra dois a um, empate era do Fluminense, ainda teve a virada, ainda teve a virada. Foi muito... fui com meu pai, com meus amigos, meus primos, meu tio. De noite meu pai fez festa em casa! Minha mãe deixou eu ir pro clube, me atirei na piscina, voltei todo molhado! Aquele dia podia tudo.

P/1 – (risos)... Maravilha. E dessa infância na Tijuca quais as suas brincadeiras favoritas, além do clube você gostava muito de fazer alguma outra coisa? Como era a vida no bairro?

R – O clube preenchia, de modo geral, todas as atividades, porque tinha cinema! Todo domingo tinha cinema e o cinema era legal, mesmo que o filme fosse uma merda, antes do filme tinha seriado. Tinha mania de seriado, vocês não pegaram isso. Agora tem séries, né? Mas naquela época tinha seriado. Então passava “Flash Gordon”, por exemplo, “Flash Gordon no Planeta Mongo”, sei lá, então todo domingo era um capítulo diferente, então às vezes você ia só pra ver o seriado. Ah, você jogava futebol de salão, basquete, tinha bailes. Os bailes no América, Eddy Lincoln, grande conjunto... Eddy Lincoln só ia quando era aniversário, era um conjunto mais poderoso. Steve Bernard, não sei o que. A preparação pra festa. Mas a Praça Afonso Pena foi muito importante, aquele papo de praça ali e a Praça Saens Peña, que é uma outra praça. A Afonso Pena é ao lado do América, onde mora minha irmã. A Tijuca tem uma praça muito famosa chamada Praça Saens Peña, porque a Tijuca é um bairro muito grande, vamos dizer que desse lado ele começa no Rio Comprido, logo depois tem o túnel ali do Rebouças e vai até subindo pro Alto da Boavista, você vê que é uma extensão grande. A Praça Saens Peña fica mais lá pro lado de cima, não é no Alto da Boavista mas é caminho pro Alto da Boavista e essa praça foi muito famosa, até hoje existe a praça e tal. Mas tá ali camelô, muita igreja evangélica, farmácia pra burro! Mas onde tem essas farmácias e essas igrejas, eram cinemas. Então tinha 12 cinemas ao redor da praça, 12 cinemas! Mas cada cinema mais luxuoso que o outro, Metro, Tijuca, Carioca, América, Avenida, Olinda, então a Praça Saens Peña era conhecida como a Cinelândia da Zona Norte, que a Tijuca é Zona Norte, porque a Cinelândia

no Centro, naquela época onde reunia o Teatro Municipal, o cinema Odeon, até hoje onde tem estreias lá, vários, Cine Metro, Metro Passeio, então tirando a Cinelândia, o lugar que concentrava essa riqueza cultura cinematográfica era a Praça Saens Peña, então ir à Praça Saens Peña, oh! Ia de bonde, ia ao cinema, geralmente quinta-feira ia porque eu estudava no São Bento, né? Só estudei no São Bento, que é livro, o terceiro livro, e quinta-feira não tinha aula, então eu pegava o bonde e ia ver, e o Metrô trocava de filme na quinta-feira, se o filme fosse próprio pra minha idade, porque às vezes o filme era impróprio pra 18 anos, né? Mas de modo geral não era, então pegar o bonde, ir ao cinema no Metro, filme novo, saia de lá tomava sundae de chocolate no Paleta, que todo mundo ia, uma lanchonete incrível! E na hora de voltar pra casa no bonde comprava uma pipoca, pipoca Copacabana, não é essa pipoca que tem milho assim, é uma pipoca meio rechonchuda, meio borracha! Eu adorava aquela pipoca, parecia um cogumelo, vai! Parecia um cogumelo, esse cogumelo mais cheinho. Baita programa.

P/1 – Que tipo de filme você gostava de ver? Tinha algum gênero que era mais... que a molecada animava mais?

R – Não... eu gostava de musicais, né? Gene Kelly! Adorava ver o Gene Kelly dançar. Gene Kelly, gostava de filme de mocinho, chamava filme de mocinho, western. Sempre gostei muito de cinema, né? Naquela época, um pouco assim como a política, a gente gostava dos atores. Então falava pro outro: “Ih, já viu o filme da Elizabeth Taylor novo aí?”, opa, vamos lá! Tinha muito isso.

P/1 – As revistas até focavam muito nisso!

R – É, é. Agora, além do Metrô, que passavam os filmes da Metro, aquele que tinha o leão rugindo, você tinha o Carioca onde passava outros estilos de filme. O América, que não tinha a ver com o América, mas o nome era América, outro tipo de filme. O Olinda! O Olinda passava mais filme espanhol, mexicano. Aí criaram o Art Palácio, que só passava filme francês. Então foram várias épocas da minha vida, porque quando passou filme francês no Art Palácio eu já estava trabalhando. Eu comecei a trabalhar com 16 anos, mas passava aqueles filmes da nouvelle vague, aquela coisa toda. Esse tipo mais de garoto era mais na Metrô, no Carioca e no Olinda.

P/1 – Você falou do São Bento, você estudou lá a maior parte do tempo então, qual a lembrança que você tem de lá, dessa passagem pelo colégio?

R – Ah, mas aí é muito grande!

P/1 – (risos)

R – Tá no livro! Deu um livro e não deu tudo no livro, porque eu criei uma história, foram oito anos que eu estudei lá.

P/1 – Então me conta o que você não contou no livro! (risos)

R – Não, porque no livro eu invento uma história, invento que eu sei de um campeonato que tem em Londres e o walking futebol, existe o walking futebol, é um futebol pra velho, não pode correr, só pode andar, existir existe, mas eu inventei que saiu no jornal, eu li uma nota, isso é invenção, que ia ter um campeonato mundial de walking futebol e boa parte das pessoas que estavam se inscrevendo eram grupos que estudou junto, estudaram juntos, você tá velho então tem que ter estudado com alguém... opa, vou atrás do pessoal! Nós tínhamos um timaço de futebol, vou atrás desse pessoal pra ver se a gente disputa esse torneio lá em Londres. Então o livro é um retorno ao encontro com esse pessoal que estudou junto, eu preservo o nome de todos eles. As outras pessoas que aparecem no livro eu falseio o nome, mulher, filho, conhecido... mas os nomes dos colegas são os mesmos. Aí conto a história... estudar em colégio de padre, como o São Bento, era uma experiência muito diferente da maioria dos amigos. Os amigos todos estudavam em colégio ou público ou colégio particular, que era mais, vamos dizer, não era tão severo! O São Bento, pela própria estrutura do colégio, ele preservava uma coisa cerimoniosa. O São Bento, que é tido como uma das melhores escolas do Brasil, sempre ganha do ENEM, essa coisa toda, é no alto de um morro, uma construção onde tem uma igreja, onde tem um mosteiro! Essa construção é de mil seiscentos e pouco! Uma das construções mais antigas do Rio de Janeiro e de lá você vê a Baía de Guanabara toda! Então isso já era uma coisa... e o colégio ali. Era o colégio, o colégio é de mil oitocentos e pouco, mas a igreja e o mosteiro de mil seiscentos e tanto, então você vê a Baía toda, você vê Niterói lá, os navios passando, a ponte... depois com o tempo a Ponte Rio-Niterói, aeroporto! Então você ter um mosteiro e uma igreja toda folheada de ouro, aquele canto gregoriano era uma coisa que você ia pro colégio meio assim, né? E os padres, tinha muito padre, eles moravam ali, né? E você subia a ladeira, um negócio, parecia que você estava num filme! Muito rigoroso.

P/1 – Essa coisa do ensino religioso era muito presente? Como vocês lidavam com isso?

R – São Bento sempre foi muito caretão, mas isso fazia bem pra gente, de uma certa forma. Uma coisa que irritava a gente e sacaneava muito a gente, e sacaneiam até hoje os alunos do São Bento é que não tem menina. É um colégio masculino. É o único colégio desses de padre que não tem menina. O Santo Inácio, que era o nosso maior rival, que era de jesuíta, rival no futebol, né? Tem. O São Vicente de Paulo tem. Lá nunca permitiram, pela coisa de ser mosteiro, aquela coisa toda. Mas o ensino era muito rigoroso. O cara saia do São Bento e ninguém fazia cursinho, essas coisas. Saia direto pra faculdade, em primeiros lugares e tal.

P/1 – Teve algum professor que foi marcante lá dentro?

R – Tem pelo lado ruim. Dom Irineu, ele só gostava dos alunos cu de ferro, né? E a gente que era da turma do balacobaco, jogava futebol, ele não queria muita conversa. Perseguia, eu acho. Mas teve o Dom Timóteo, Dom Timóteo era um cara muito legal. Depois ele foi abade lá em Salvador e ele protegia muita gente perseguida pela ditadura! Uma figura muito interessante mas ficou pouco tempo dando aula pra gente. E teve Dom Lourenço, ele foi reitor durante 46 anos do colégio. Um cara austero, grande, médico, sabe? Ele chegava e a gente morria de medo. Os grandes professores do colégio não foram nem monges, foram professores a paisana, vamos dizer assim. Eu, por exemplo, não fiz faculdade. Eu saí... eu não estudei! Antigamente era assim, você tinha o primário, o admissão, ginásio e científico ou clássico. Eu entrei no São Bento e o São Bento não tinha primeiro e segundo ano, eu entrei no quarto ano, o primeiro ano lá era o terceiro, eles não gostavam de ter criança muito pequena. Eu entrei no segundo ano deles que é o quarto, eu fiz o primeiro, segundo e terceiro em colégio ali perto de casa e tal, e pra entrar no São Bento você tinha que entrar em colégios que te preparavam para fazer a prova do São Bento, que já era rigorosa pra entrar. Ai eu entrei no quarto ano, fiz quarto, aí fiz o quinto ano, ou admissão, aí os quatro anos de ginásio, aí teria três anos de científico, eu fiz o primeiro, quando estava acabando o primeiro, eu ia ser reprovado, estava mal em física e matemática, era péssimo!

Fiquei com medo daquilo ali e aí fui... não sei como é que meu pai deixou! Fui pra um colégio qualquer desses, noturno, na Tijuca. Aqueles colégios a gente chamava de boate ou então “pagou-passou”, você não precisava ir lá. Prova ia passando um pro outro na prova, uma vergonha! Vergonha total! Total. Passei, evidentemente, também se não passasse naquele colégio tinha que ser internado!

P/1 – (risos)

R – Aí estava virando um vagabundo, né? Com 16 anos! Aí meu pai falou com um primo meu, que trabalhava no Jornal do Brasil, Luiz Orlando Carneiro, se não tinha alguma coisa pra eu fazer lá no jornal. Aí meu primo falou: “passa lá”, Jornal do Brasil era um grande jornal da época, Folha, todas essas coisas... Estadão ainda tinha um nome mas Folha não era nada naquela época. Era Jorna do Brasil, que era muito mais forte que o Globo inclusive, na época. Aí eu não sabia bater a máquina, nada. E ele: “Você gosta de fazer o que? Você gosta de esporte, né?” “Gosto”, aí me botou lá no esporte. Fiquei estagiando lá, isso com 16 anos e não sai nunca mais.

P/1 – Que ano que era, Zé?

R – 1963, com 16 anos. Aí com 17 fui contratado e aí já dá cinquenta e tantos anos de profissão. Eu me lembro que fui cobrir uma Seleção Brasileira no Uruguai, com 17 anos, tive que ter autorização do meu pai pra viajar, no juizado de menores pra poder viajar sozinho, quer dizer, desacompanhado dos pais, fui com um fotógrafo.

P/1 –

E o que você fez com o primeiro salário que você ganhou?

R – Certamente devo ter enchido a cara!

P/1 – (risos)

R – Enchido a cara ou comprado um sapato do Moreira, sapato do Moreira era um lugar que fazia sapato sensacional e todo mundo tinha. Isso eu boto no livro. E tinha um cara, que era o Flavinho Fiuza, tá vivo até hoje, encontrei com ele, foi no lançamento do livro e tal, jogava bola pra burro! Aquelas figuras geniais, porque ele foi da Seleção Brasileira de Vôlei, era craque no futebol, craque no futebol de salão, um dos criadores do futevôlei no Rio! Mas ele ia pro colégio com o sapato do Moreira, um sapato de camurça do Moreira, todo mundo podia ter um de couro, preto ou marrom, mas o de camurça era mais caro e era objeto de desejo. Eu não sei se eu comprei esse sapato... e ele jogava bola com esse sapato!

P/1 – (risos)

R – No recreio, campo de terra! Pra ele dane-se. Pra gente era aquela coisa pra festa e tal. Não sei se eu comprei um sapato do Moreira, mas talvez tenha comprado em sonho.

P/1 – Antes de entrar nessa parte do jornalismo, já que a gente abordou, fala um pouco desse time de vocês! Era o Beneditinos mesmo?

R – Não, beneditino porque eram alunos, São Bento Futebol Clube. A gente não era o time do colégio, era um time de alunos do colégio. A gente fez um time, jogava aos sábados, geralmente. Jogava em tudo quanto era canto, em Campo Grande, no subúrbio, jogamos muito contra o Santo Inácio, no campo do Santo Inácio!

P/1 – Que era o grande rival?

R – É, a gente não jogava no nosso campo porque o campo do São Bento não dava pra jogar 11 contra 11, um campo pequeno e tinha uma árvore que atrapalhava de um lado. Então a gente jogava sempre fora. E aí fizemos uma grande amizade, porque era uma amizade que além de estudar junto tinha o time de futebol, no dia que não tinha aula saia todo mundo junto, era uma farra.

P/1 – E era um timaço?

R – Era bom, era bom. Tinham craques, né? Wilson Onça, o Flavinho Fiuza, esses eram craques mesmo, inclusive seguiram depois, não foram profissionais mais jogaram assim como titulares de futebol de praia, em grandes times! O Aterro, tinha um campeonato famoso no Rio que era do Aterro, grandes times de todos os bairros, o Wilson Onça foi craque lá, campeão várias vezes, o Flavinho Fiuza também, o Marcus Aníbal foi mais da praia. Jogaram muito futebol de salão. Jogavam muito! Esses, se quiserem, teriam sido profissionais, mas um virou médico, outro engenheiro, aquela coisa.

P/1 – E você jogava em qual posição?

R – Eu de lateral direita, eu não jogava nada, eu era técnico do time. Eu escalava. Eu sempre tive uma liderança assim, mesmo quando eu saí do colégio, tinha ainda o segundo e terceiro científico pra concluir e eu já estava trabalhando no Jornal do Brasil, mas eu continuei jogando e sendo técnico do time enquanto o pessoal estava no segundo e terceiro científico.

P/1 – E como foi começar a trabalhar? O que mudou em relação a antes?

R – Mudou tudo, mudou tudo. Você era estudante e de repente vira um cara trabalhando numa redação de jornal e com a idade que eu tinha, eu virei um cara adotado pelos maiores! Tive muita sorte. Todo mundo me tratava como irmão mais novo ou sei lá, pra ter uma ideia de como era o negócio, depois de uns seis meses, eu saia toda noite com os caras, tudo mais velho, né? Aí conheci os bares, festas e tal. E ia muito pro Lamas, Lamas é um bar que tem até hoje, não é o mesmo Lamas mas é o Lamas, trocou de lugar mas a estrutura é a mesma. Era um bar de jornalistas, todos fumando, não fechava de madrugada, era uma boemia danada. Aí meu pai foi lá, meu pai foi no jornal e eu morri de vergonha. Foi lá na seção perguntar se pra ser jornalista tinha que chegar todo dia de madrugada e de cara cheia!

P/1 – (risos)

R – Eu morri de medo, de vergonha. E eles: “Não, a gente sai com ele aí, pode deixar que a gente trata bem ele”, mas pra você ver como era o negócio. Eu descobri um mundo novo, era um mundo novo, era muito jovem 16 anos! Sabe? Os caras tudo de vinte e tantos, sei lá o que, nego era advogado ou jornalista formado, já estava há anos na profissão. Levavam pra cima e pra baixo. Me ensinaram não só na profissão como na vida, companheiro de vida. Não tinha ninguém da minha idade lá.

P/1 – Como era a redação do Jornal do Brasil?

R – Só tinha fera, praticamente. Os grandes jornalistas brasileiros trabalhavam lá. Um até que morreu recentemente, o Dines, o Dines era chefe de redação nessa época. Então os grandes jornalistas brasileiros trabalhavam lá, você conhecia de nome. Por exemplo, Nelson Pereira dos Santos, que morreu também há pouco tempo, um cineasta, era redator do jornal! Então você convivia com esse pessoal. E outros que recebiam por matéria assinada por fulano, beltrano... algum tempo depois eu fui deixando também de ser garoto,

também, né?

P/1 – Você lembra qual foi a primeira matéria que você escreveu?

R – Não, não lembro. Mas deixei de ser garoto! Eu fiquei no Jornal do Brasil até 1969, quase 70, nós fomos em bando pro Correio da Manhã, que era um jornal não tão forte, mas fez uma proposta muito boa pra muita gente, estava passando por uma reforma, aí nós fomos lá pra cobrir a Copa, no México. Aí eu fui pro México meses antes da Copa, porque como a gente não era do Correio da Manhã, a gente tinha

que credenciar o pessoal novo, arranjar hotel, carro, eu fui cuidar dessa infra aí. E a Seleção foi um mês antes, por causa da altitude, depois teve a Copa, que durou um mês, aí depois nós ficamos... passei uns três meses no México em 70, mas cobri pelo Correio da Manhã.

P/1 – Foi a primeira Copa que você cobriu?

R – Foi, primeira Copa.

P/1 – E como foi?

R – Ah, essa deu tudo certo, Brasil ganhou, tinha Pelé, né?

P/1 – (risos)

R – Em plena ditadura, eu fui pra torcer contra, eu e um bando de gente. Ditadura braba, aqueles filhos da puta, ahm... primeiro jogo foi contra a Tchecoslováquia. Não estava rosnando, a gente era até amigo dos jogadores, né? Tostão, meu querido amigo até hoje. Mas a Tchecoslováquia fez um a zero e quando Brasil empatou a gente deixou tudo de lado, gritou “gol” e vamos nós! Vrummm... mas é uma Copa inesquecível porque o Brasil ganhou, o México é um país que adotou o Brasil, o torcedor, logo que o México saiu, todo mundo torcia pelo Brasil e a primeira vez que você cobre uma Copa do Mundo, uma Copa daquelas, pô, foi sensacional!

P/1 – E como o México te acolheu nessa cobertura?

R – Eu gostei tanto, tinha

uma época que todo lugar que eu gostava eu queria ficar! Eu acho que eu pirava um pouco. “Vou morar aqui no México”, dizia assim, o pessoal me achava maluco... “Acho que vou ficar aqui, é gostoso aqui, né?” Claro que eu voltei, não fiquei, mas quando acabou a Copa fui uns dias pra Acapulco com uns amigos do jornal, pra conhecer um pouco mais o México.

P/1 – Qual a cena inesquecível dessa Copa, dessa primeira Copa que você cobriu?

R – Ah, tem várias, tem várias! Olha, nós jogamos... nós fomos Campeões Mundiais também lá, os jornalistas brasileiros. Tem um campeonato de jornalistas paralelo à Copa e nós ganhamos do México, da Inglaterra e tal. Quando o Brasil foi campeão teve uma festa no hotel logo depois do jogo, os jogadores estavam fazendo a festa e muita gente querendo entrar, dentro do hotel, não na porta, mas dentro do hotel tinha uma boate famosa, muita gente no corredor querendo entrar e tal, eu cheguei atrasado, tinha que fazer outra coisa, não sei, aí na confusão de entrar, me lembro que o Félix, goleiro, me viu, me puxou e me jogou lá pra dentro e essa festa foi inesquecível! Porque só tinha jogador, naquela época muita gente de música morava no México, brasileiros moravam... até o João Gilberto morava no México nessa época, evidentemente que ele não foi, sempre foi esquisito. Mas estava o Simonal, estava o César Camargo Mariano com o grupo, excelente César. Tava... não sei... um grande grupo e jogadores cantando e todo mundo festejando, foi muito legal. Mas a dificuldade de trabalhar naquela época era muito grande, não é como hoje, hoje é moleza. A comunicação pra passar matéria do México pra cá, você imagina em 70! Hoje você entra com internet pelo meio da rua, pelo celular, você vai e manda e tal. A gente...o Brasil ficou em Guanajuato, Guanajuato é uma espécie de Ouro Preto do México, cidade histórica. Brasil treinou lá durante uns 20 dias. Como é que a gente mandava matéria? O Jornal do Brasil, ex nosso jornal, que era um jornal rico, instalou telex no hotel dos jornalistas, primeiro telex da história de Guanajuato. Era motivo de visitação da população, ia lá ver o telex, um hotel no alto assim e tinha um teletipista. Todo o pessoal escrevia as matérias, davam pro teletipista e ele passava... perfurava uma fita no telex. Aí perfurava a fita, aí colocava a fita aqui, discagem telefônica e mandava pro jornal. E nós, tinha que ter alguém na Cidade do México, as matérias frias, que a gente chamava, que eu escrevia, eu ditava a matéria pra esse cara que estava na Cidade do México, ele anotava, aí ele ia pros correios e telégrafos, pro telex público fazer isso. O Jornal do Brasil fazia isso no hotel. Olha o tempo que levava! Você escreveu a matéria, ditar a matéria pelo telefone, o cara anotar no outro lado, ele ia até o correios e telégrafos, perfurar uma fita... e outra coisa, a discagem não era imediata. Se você pedisse uma ligação do México pro Brasil levava umas seis ou sete horas. Mesmo aqui no Brasil, na cobertura que a gente fez da Copa de 66, eu não viajei pra Inglaterra mas cobri o Brasil todo aqui, Caxambu, Lambari, Serra Negra, você pedia uma ligação de Serra Negra, vamos dizer, pro Rio, aí a telefonista: “É uma espera de cinco horas”, era muito louco, muito louco.

P/1 – E como é essa questão, você pegou bem... foi o período que você pegou de trabalhar durante os anos de chumbo. Essa questão tanto... você falou que foi irritado pra Copa, meio contra, como era essa coisa do nacionalismo e da relação com o esporte, que sempre teve um patrocínio grande da coisa do Estado do esporte!

R – As pessoas que pedem intervenção militar não tem ideia do que é viver sob uma ditadura braba, não tem a menor ideia. E aquele cretino do Zezé de Camargo disse que não houve ditadura no Brasil. O cara não tem ideia. Mesmo essas idas pro Lamas, que a gente ia, não sei o que, a gente ia falando baixo. A gente sempre achava que na mesa do lado tinha alguém ouvindo e isso era muito ruim, porque às vezes tinha mesmo mas às vezes não tinha e a gente achava que aquele cara estava ouvindo a conversa e ia dedurar pra algum lugar. Não que você fosse um perigoso terrorista, mas falava-se coisas que não era pra se falar. E o pessoal, o jornalista, era um profissional muito visado, porque estava em contato com as notícias e aquela coisa toda. E muita gente também pegou em armas! O Gabeira, por exemplo, era do Jornal do Brasil. Quando ele sequestrou o Elbrick, o embaixador americano, ele trabalhava com a gente. Cansamos de fazer reunião com o Gabeira. Só não sequestrei o Elbrick porque não quis ir adiante lá no grupo dele, mas a censura, você não podia publicar as coisas. Todo jornal tinha uma lista de assuntos proibidos, que não podia falar disso, não podia falar daquilo. Você quando saía tinha que falar baixo, você desconfiava das pessoas! Quando eu fui pro Correio da Manhã, a situação estava mais braba, toda semana tinha um: “Ih, fulano tá preso”, o DOPS, inclusive, era pertinho de lá. “Tá lá no DOPS” “E o outro?” “Sumiu! Foi se esconder não sei onde”, era assim. Era esse clima de terror que se vivia. Era muito complicado, muito complicado. Agora, no Jornal do Brasil e no Correio da Manhã, ao mesmo tempo que era muito complicado você tinha solidariedade, havia uma resistência de gente mais velha, de gente ativista, então que organizava passeatas, manifestações, então você encontrava uma solidariedade grande ali. Vamos dizer, o Jornal do Brasil, por exemplo, era na Avenida Rio Branco, no Centro do Rio de Janeiro, na principal rua, uma das principais vias. Todas as manifestações eram ali, porque é caminho pra Cinelândia e a Cinelândia era um palco, até hoje é palco das manifestações, onde tem a Câmara de Vereadores, então era... não dá pra descrever direito a sensação, era de medo, de terror, de não saber o que ia acontecer, o futuro! Será que nós vamos viver assim a vida inteira! O que fazer? Pegar em armas ou não pegar, ir pra guerrilha ou chorar um amigo desapareceu! Desconfiar de pessoas que não precisava desconfiar mas era obrigado a desconfiar porque sei lá se o cara é um dedo duro ou não é. Muita gente pagou o pato, dizia: “Cuidado com aquele cara heim”, o fake News! Aquele cara, cuidado! O cara sofria. Então viver num ambiente assim é terrível, são anos inesquecíveis pro lado ruim da vida.

P/1 – E além dessa questão do impacto direto no seu trabalho diário, o que você considera que o regime desfavoreceu quanto, a por exemplo, ao esporte? Você estava cobrindo...

R – Não tinha impacto diário, direto, não tinha. Tinha na vida. Você não era um cara normal. Sabe? Você saia de casa desconfiado. Você não saia... sabe? Toma um banho e sai na rua como um dia normal! Todos os dias eram anormais. Você ficava se perguntando: “Será que prenderam alguém hoje? Será que vai sair mais algum ato institucional? Será que vai ter mais censura?”, censura não tinha com esporte, censura tinha proibindo isso e aquilo. Teve uma luz no fim do túnel quando foram botar o João Saldanha de técnico, em 69. Que era comunista, era um cara amigo nosso! Mas logo caiu, lógico. Era até uma contradição botar o João Saldanha de técnico da seleção. Ele caiu, entrou Zagalo e Zagalo foi Campeão do Mundo. Mas era muito ruim! Mas no dia a dia do trabalho não tinha. O viver é que era difícil.

P/1 – E o pessoal que era esportista e era ativista contra o regime, como era essa questão de acompanhar esses caras?

R –Tinha pouco. Como hoje! De modo geral, o esporte é um bando de alienado, né? Compromissados com... alguns explicam que tem o negócio do patrocínio, não quer se expor muito! Acabam se expondo depois que encerram a carreira até. Você vê, se pegar o esporte hoje, quem é que se expõem? Tinha o Paulo André, que tentou fazer o grupo lá, sofreu com isso, acabou indo jogar na China. O Diogo Silva, do tae-kwon-do, Jonas Maranhão da natação... são exceções, né? A Jaqueline, a Isabel do vôlei, que foram pessoas combativas! Mas o combate era assim, era contra o patrocinador, contra o presidente da Federação, contra o presidente da Confederação! Mas aquela rebeldia era uma que atrás disso tem uma coisa contra o governo, contra a ditadura, não expunha isso mas tinha. Mas o esportista, geralmente, é um travado nesse sentido. Afonsinho, meu amigo Afonsinho, até sábado fiz uma palestra com ele no Sindicato dos Advogados, que ganhou o passe livre.

E depois de muitos anos o meu amigo Sócrates, né? Sócrates era grande amigo, morei com o Sócrates na Itália, morei nove meses com o Sócrates.

P/1 – Como você conheceu ele?

R – Eu era editor de esportes da Folha, da Folha de São Paulo e aí o Sócrates estava no auge. E aí eu me fascinei pela figura e tal, quis conhecer o Sócrates. Aí fui entrevistar ele, entrevistei uma vez, aí entrevistei uma segunda vez, ele com o Afonsinho, os dois médicos, barbas, rebeldes e tal. Me lembro do restaurante lá no Bixiga. Aí ele estava indo pra Europa jogar na Fiorentina quando eu saí da Folha. Eu saí da Folha e resolvi morar na Europa, falei, “Tá jogando lá o Zico, o Sócrates, o Falcão, pêpêpê, posso mandar umas matérias e tal”, aí acabei cruzando com ele lá e de tanto ir na casa dele e voltar pro hotel, “Ah, fica aí!”, de noite! Acabei morando lá. Foi uma experiência incrível.

P/1 – Como que é morar com o Sócrates?

R – Ah, imagina, morava o Sócrates, uma mulher e quatro filhos, eu com uma namorada na época, e ele treinava, jogava e eu ia com um grupo de amigos ver os jogos. Quando acabava o jogo, ao invés dele voltar no ônibus do time, isso em Milão, onde fosse o jogo, ele voltava com a gente no carro. Primeira providência era parar num posto de gasolina e comprar um bando de latinha de cerveja pra ele tomar. Aí vinha feliz da vida, fumando, tomando cerveja, estava feliz! Ah, figura muito generosa, cara inteligente, fora de série! Inesquecível. Agora, uma vida muito louca. Carnaval, por exemplo, resolver dar baile de carnaval na casa dele. A casa era no alto de um morro, tipo numa vila, legal. A imprensa toda do lado de fora, querendo entrar, televisão, rádio, jornais. Ninguém entrou! Por que? Foram jogadores brasileiros, foi o Zico, foi o Junior, foram os jogadores brasileiros que jogaram e se hospedaram no hotel perto, onde até era a concentração do Fiorentina e todo dia iam com a família pra festa na casa do Sócrates. Sócrates passou dias, me lembro, gravando que a gente comprou serpentina, gravamos música de carnaval! Decorou a casa com bola de encher! E os jogadores italianos, né? Alguns campeões do mundo jogavam no Fiorentina, o Galli, o Massaro, o Antognoni, fora o Passarella que jogava e foi campeão do mundo, imagina a imprensa do lado de fora! Agora, o Sócrates era muito maluco, era muito interessante. Depois de tudo arrumado, ele falou: “Mas tem um problema, Trajano, não tem lança perfume. Carnaval sem lança perfume não dá!”, eu falei: “Como vamos pensar em lança perfume aqui, rapaz? Na Itália?” “Nós vamos dar um jeito”, aí ele teve uma ideia, tinha um cara, tinha uns amigos italianos que estavam sempre na casa dele, Giacomo, Giuseppe e tal. E tinha um, que eu esqueço o nome, que era cabeleireiro, que a Regina, mulher dele, ia sempre no cabeleireiro lá, no salão. Ele falou: “Laquê!”

P/1 – (risos)

R – Olha só! Fomos lá no salão do cara: “Vem cá, você tem laquê aí, não tem? Dá a caixa de laquê”, laquê de várias cores, amarelo, verde, azul, sei lá o que e tal. Aí todo mundo que entrava na casa o Sócrates botava aquele laquê aqui e dava pro cara cheirar, quando você via no meio da festa estava todo muito com nariz amarelo, outro com nariz azul, outro nariz verde e quem é que estava assim? Os grandes jogadores do mundo!

P/1 – (risos)

R – Aí outra coisa que ele fazia, cortava gravata. Os jogadores italianos foram de gravata. Imagina você, baile de carnaval. Aquelas gravatas italianas, caríssimas! Ele ficava com a tesoura na mão. Os caras: “Não, pelo amor de Deus, foi minha mãe que me deu!” “Foda-se, baile de carnaval não pode ter gravata”

P/1 – (risos)

R – Esse era um pouco do espírito dele. Uma vez eu falei pra ele assim: “Magrão, gozado, a gente toma tanta cerveja” comprava de garrafinha e às vezes deixava do lado de fora e estourava quando estava frio, chegava no dia seguinte e várias tinham estourado “você não tem chope aqui?” “É mesmo, chope!”, bom, aí fomos lá embaixo, no largo lá, porque não era em Firenze, era em Grassina, que é um Distrito mais assim rural de Firenze. Comprou um barril de chope da Becks, cerveja belga e o cara sempre trocava. Então ficava na cozinha já aquele barril de chope. Foi a única casa que eu vi com um barril de chope lá na Itália e permanente! Não era só pra festa, era diário. Café com leite, pão e tal e a Becks!

P/1 – (risos) Qual foi o papo mais bacana que você teve com o Sócrates?

R – Ah, papo de amigos, muitos, né? Muitos, muitos! Tem uma coisa legal que ele falou que eu falo pras pessoas porque é interessante isso. Uma vez ele queria ir embora, não estava satisfeito lá, ele foi porque foi ganhar dinheiro, aquela coisa toda, no Brasil o negócio de Diretas Já aquilo incomodava! Ele também estava apaixonado, o casamento estava uma merda, sabe? Tinha apaixonado por uma moça que tinha ficado aqui. Mas eu falei com ele sobre jogar futebol, né? Qual foi o lugar mais prazeroso que ele tinha jogado, se na Seleção, no Corinthians... ele falou: “Nem Corinthians e nem Seleção...”, quando ele jogava em Ribeirão Preto tinha um campeonato, ele era estudante de medicina e tinha um campeonato de usina, tem muita usina! Então tinha um campeonato de usinas, nas fazendas, cada usina contratava, pega na faculdade os bons da cidade e tal e ele adorava aquela época de jogar campeonato de usina! Eles iam de caminhão, em cima do caminhão, tudo cantando, pra jogar numa fazenda, depois tinha churrasco, cachaçada, aquele negócio todo, música e voltava pra casa muito feliz. Esse momento ele guardava com mais... porque tinha o compromisso descompromissado, né? gozado isso. Um cara que chegou no Corinthians, na Seleção, não sei o que...

P/1 – E o movimento da democracia você acompanhou um pouquinho?

R – Sim, aquela matéria que eu fui fazer com ele foi sobre isso. E ele com o Afonsinho depois, porque o Afonsinho tinha ganho passe livre, porque o Afonsinho já era tido como contestador. O primeiro jogador brasileiro a ganhar o passe livre, porque ele entrou na justiça comum e ganhou. Aí virou um símbolo, virou música do Gil, “Prezado amigo Afonsinho”, tem filme, tem tudo. Queriam que ele cortasse a barba e o cabelo e ele não ia fazer isso. Zagalo queria, botou ele no banco de reserva, não deixou jogar, ele entrou na justiça comum e ganhou direito, ganhou passe. Aí com esse passe ele jogou no Santos, jogou no Flamengo, jogou no Fluminense, jogou no Vasco. Passou a ser um sujeito livre, ao contrário dos outros que tinham passe preso ao time. Virou um símbolo.

P/1 – Aí você saiu da Folha, foi morar com o Sócrates, depois quando você volta?

R – Ah, aí eu volto... eu trabalhei em tanto lugar que não sei a ordem cronológica. Eu já tinha trabalhado no Rio no Jornal do Brasil, Correio da Manhã, trabalhei no Globo, repórter da geral, aí fui ser chefe de redação do Jornal dos Esportes, que tinha na época, trabalhei na sucursal do Placar, aí pintou um jornal no Paraná, criar um jornal em Londrina, diário, chamado Panorama, só com um bando de maluco. Fui. Jornalistas magníficos, magníficos! Talvez a melhor equipe assim de qualidade que eu tenha trabalhado. Aprendi muito com eles. E quando acabou lá, esperamos chegar as máquinas, começar o jornal e enquanto as máquinas não chegavam a gente fez curso com gente do lugar e tal, viajamos pro interior do Paraná. Porque quando o jornal saiu, o jornal era normal, standard, mas saiu com vários tabloides com economia do Paraná, aventura, pesquisa sobre o que a cidade achava dela mesma, sobre tudo, sobre droga, sexo, rock’n roll, o diabo. Foi um trabalho magnífico mas quando acabou lá, que nós resolvemos dar por terminado, a maioria era de São Paulo, aí o pessoal: “Você vai pro Rio? Vai com a gente pra São Paulo!”, aí que eu vim pra São Paulo. Aí foi morar todo mundo junto aqui na Vila Romana, era uma casa que um tinha alugado na Vila Romana, tinha porão embaixo, uma casa enorme. Aí vim morar aqui. Aí voltei pro Rio algumas vezes e tal, mas a primeira vez que botei o pé em São Paulo foi aqui. Aí a gente fazia juntos um jornal que chamava na época imprensa nanica, imprensa alternativa, que era um jornal contra a ditadura, contra o momento. Que era um jornal chamado EX, tinha o Movimento, tinha o Opinião e tinha o EX, que era um jornal mais desbundado, assim, o Movimento e o Opinião eram muito do partidão, muito sério, a gente não só cutucava como tinha coisa de costumes. A gente tinha muita coisa com Caetano, com Gil, com Jorge Mautner, sabe? Macalé, com Zé Celso! Era o ambiente assim do jornal e era na Rua Santo Antônio a redação, ali no Bixiga. Foi uma época muito diferente. Muito diferente. Mas foi aí que vim morar em São Paulo, 1975, eu acho.



P/1 – E como foi pra um carioca, tijucano...

R – Sempre gostei de São Paulo, eu voltava pro Rio... “Mas você mora em São Paulo, como aguenta aquilo?” “Mas estou me dando bem, as pessoas me tratam bem, eu gosto”, porque tem muito aquela imagem do carioca que o cara está na praia todo dia. O cara que não mora em frente à praia não vai à praia todo dia não, porra! Sabe? Aliás, eu sou cidadão paulistano, eu ganhei o título, agora. Agora não, já tem uns anos, eu ganhei o título de cidadão paulistano. Então posso dizer que sou paulistano também. E ganhei no Rio a medalha... é uma medalha que é a maior comenda que tem, que como não podiam dar o título, porque eu já era carioca, eu até esqueço o nome da comenda. Porque sempre tem algum parlamentar que tem que sugerir, no caso foi o Freixo lá no Rio. Então ganhei essa medalha. Tenho a medalha no Rio e o título de cidadão paulistano.

P/1 – E qual seu lugar favorito aqui em São Paulo?

R – Rapaz... casa! Você vai ficando mais velho e quer ficar em casa! Mas eu sou muito... eu gosto da Vila Madalena, muito. Mas não daquela Vila Madalena, aquela parte de cafajestada lá embaixo, que fica aqueles bares com 500 cretinos na rua e as mulheres, aquela paqueração horrorosa! Pagode alto, sertanejo universitário uma merda! Não. Eu gosto da coisa mais terna da Vila Madalena, que é um bairro que lembra muito alguns bairros fora do Brasil. Outro dia, no feriado, a minha rua, por exemplo, não tem nenhum bar, eu moro embaixo do Fórum ali... muita gente andando, assim, os barezinhos, restaurantes simpáticos! Você tem tudo na Vila. Tem livrarias, você tem o Cine Sala, você tem barezinhos, restaurantes legais, gente bonita! Pode passear a pé. Meio chato passear a pé porque é muito sobe e desce, mas tem um espírito legal, né? Eu gostava muito de ir ao Pacaembu, mas agora o Pacaembu não tem tanto jogo assim. E eu não vou muito a jogo porque enchem muito o meu saco, o pessoal pega muito no pé. Mas eu gostava de ir ao Pacaembu, acho um estádio lindo, bom de ver jogo! Eu gosto do Centro, não o Centro que anda muito relaxado, muito... dá até dó, você encontra um cara drogado na rua, um cara no crack! Mas no Centro tem coisas magníficas! Outro dia fui na Casa de Francisca, num show, pô, a casa é maravilhosa! Você vai comer no Almanara velho lá, você vai... tem um restaurante que eu gosto muito, não vou muito mas quando vou eu prezo muito, é um restaurante antigo espanhol, Fuentes! Atrás do Teatro Municipal, tem um puchero sensacional! Santa Cecília é um bairro que eu acho que tem coisas interessantes agora também. Ah, São Paulo é isso, São Paulo tem muita coisa pra se ir ao cinema, comer, beber, passear. Até andar na Paulista de domingo não é ruim.

P/1 – (risos)

R – Dependendo do ponto de vista! Se você tá liberto, vamos passear, andar um pouco.

P/1 – Aí você vem pra São Paulo e aí começa a trabalhar aqui na Folha etc...

R – Ah, aí comecei a trabalhar na Folha... na Folha eu trabalhei três vezes. Pedi demissão, aí fui morar na Bahia, aí me pegavam lá e traziam de volta. Folha, trabalhei de diretor da Bandeirantes, TV Bandeirantes. Trabalhei na TV Globo, fui chefe do Globo Esporte. Trabalhei... que mais aqui? Ah, na Isto É! Na Veja! Nem gosto de

falar, mas trabalhei!

P/1 –(risos)

R – Naquela época era menos isso aí. Trabalhei na Veja. Trabalhei... ah, na TV Cultura, fazendo Cartão Verde, anos e anos. Trabalhei em produtoras. Trabalhei em muito lugar aqui. Até que surgiu o negócio da ESPN, há 22 anos, 23, sei lá

P/1 – Quando foi isso? 96?

R – Não, 94 pra 95. Primeiro ano não foi ESPN, foi TVA Esporte. Era uma parceria da Abril com a ESPN, aí me chamaram... TV a cabo naquela época ninguém dava bola. Inclusive ESPN chamavam de “espem”, até hoje a gente brinca com os mais antigos: “Vamos lá na espem?”, você ligava pra alguém: “Aqui é da ESPN” e o cara ”Espem?”, achavam que era Escola Superior de Propaganda e Marketing”, aquela coisa toda. Mas aí, o que aconteceu? Um amigo meu, que tinha estudado comigo no São Bento, não dessa turma do colégio, mas contemporâneo de São Bento, jornalista, ele morava aqui há muito tempo em São Paulo e trabalhava na Abril, ele era chefe na Abril, de um departamento lá. Quando a Abril fez a TVA, chamaram ele pra chefiar, mas ele não era um cara de televisão. E ele lembrou de mim, eu aparecia no Cartão Verde e tal, todo mundo via, porque como não tinha TV a cabo ou você via Cartão Verde ou a Mesa Redonda do Avalone, na Gazeta, era assim. Hoje você tem três canais da ESPN, três da Fox, três da SporTV, é diferente. O mundo mudou. Pra fundar a TVA Esporte. Aí eu fui atrás, mas a dificuldade de levar gente naquela época! Você convidava o cara e o cara: “Ah, não.”, por exemplo, a Cultura começou a mandar gente embora, você chamava o cara que estava desempregado! “Vamos lá pra TVA Esporte?” o cara “Não, estou esperando talvez uma proposta da Globo, da Bandeirante”, então no começo foi difícil montar uma equipe. Aí no ano seguinte, como dava confusão... o que era a TVA Esporte? Ela entrava dentro da ESPN, vinha a ESPN dos Estados Unidos, transmitindo jogo da NBA, jogo de sei lá o que e aí a gente comprou Campeonato Carioca, Campeonato Paulista, Campeonato Brasileiro e entrava, interrompia o que estava passando e o cara que estava vendo parava no meio, sem a menor explicação! Dava uma confusão dos diabos. Aí chegou-se à conclusão de manter-se aquele canal, ESPN e aí ficou, ESPN e ESPN Brasil, foi criada ESPN Brasil e aí foi mais fácil levar gente, o pessoal começou a acreditar e tem gente que tá lá até hoje. Aí foi, a ESPN Brasil foi crescendo, crescendo, crescendo e hoje é poderosa. Tem vinte e poucos anos! Eu tinha

saído da chefia alguns anos atrás, fiz um acordo pra ficar só como comentarista, aí o contrato acabou, renovamos o contrato até o final da Copa agora, mas aí resolveram me mandar embora. Os caras que eu botei lá me mandaram embora. Alegando que os americanos não estavam gostando da minha postura política, me envolvendo demais, me chamaram lá! Eu fiz discurso na rua! Eles sabiam o que eu tinha dito num dia que subi num caminhão aí, nem eu lembrava o que tinha dito! (risos)

P/1 – (risos)

R – E uma vez que eu esculhambei também no ar, no Linha de Passe, a produção do programa quando levaram o Danilo Gentilli! Eu falei: “É uma vergonha pro canal trazer um idiota como esse, a favor do estupro e tal”, bom, deu merda! É um retrato na parede agora, a única coisa que eles não podem me tirar é que eu criei aquilo lá, né? E dei emprego pra maioria que tá lá até hoje. Eles tem demitido muita gente da antiga, mesmo gente bem mais nova mas com muitos anos de casa, é uma tendência profissional hoje, tanto que a gente está se reunindo agora pra fazer uma cobertura de Copa ao contrário, pra ver se não fica fora da Copa. Uma anti Copa, pegando esse pessoal que trabalhou lá durante muitos anos.

P/1 – No começo da ESPN como é que era? Você falou que teve uma certa resistência mas que conseguiu montar uma equipe...

R – Ah sim, é que TV a cabo era um negócio que pouca gente tinha! Claro que muita gente tem hoje em dia, mas não é uma coisa que você diga que todo mundo tem no país, ao contrário de Estados Unidos e outros lugares. Mas naquela época, você imagina, era uma coisa muito de poucos! Poucos tinham TV a cabo. Você tinha que explicar como é que era! Hoje não, o prédio já sai e já tem TV a cabo. De um modo geral, o seu ciclo de amizade, classe média, tem TV a cabo. Pra ver futebol, pra ver séries, sei lá o que. No início o pessoal tinha TV a cabo pra melhorar imagem da TV aberta. Esse era o objetivo maior. Até hoje a maior audiência da TV fechada é a TV aberta, por causa da qualidade da imagem, mas hoje em dia você tem geração da ESPN, garotos que começaram a gostar de futebol por causa da ESPN e por causa da SporTV. E hoje muita gente não passa sem série de TV, sem filme, sei lá, Now, essas coisas todas.

P/1 – E começou também essa coisa de ter uma cobertura com vários canais, né?

R – É, a ESPN tem três, a Fox tem dois, a SporTV tem três, chega na Olimpíada a SporTV vira 20, né? Então você tem uma oferta muito grande e alguns esportes conquistaram o brasileiro, como NBA no basquete, o Super Bowl junta gente pra ver junto! Era uma coisa inimaginável há alguns anos! Juntar gente pra ver o Super Bowl? Passa até no cinema hoje em dia! Tem tempo que passa.

P/1 – E dessa longa carreira, Trajano, qual foi o programa que você mais gostou de participar, de fazer parte?

R – Eu trabalhei um tempo com meu grande mestre que é o Darci Ribeiro. O Darci tem uma frase que ele fala do fazedor, eu sou muito mais fazedor do que qualquer outra coisa. Então aquele Trajano que aparecia no ar e que aparece, não é o cara que eu gosto. Eu apareci pra comentar, pra não sei o que, por uma necessidade, deu certo e tal. Mas o que eu gosto mesmo é de implantar, é de fazer. Então ter feito a ESPN pra mim é muito mais importante do que qualquer programa que eu meti a cara. E o que é fazer um canal de esportes? Não é só implantar o canal, tem momentos do canal... você organizar uma cobertura de Copa do Mundo, por exemplo! Organizar uma cobertura de Olimpíada em Pequim! Isso é fascinante! Você levar 50 pessoas pra China. Tem os precursores, os caras que vão antes, vão montar um estúdio, escolhe o estúdio, não é isso. Vamos decorar o fundo, roupa, quem é que vai. Posição no estádio, que tipo de cobertura. Isso aí que é o legal pô! Vamos bolar uns programas próprios pra durante a Olimpíada, com o mesmo nome. Começa quando? Um mês antes? Esse fazer aí que é o legal, isso não tem preço. Por isso que estou juntando a turma agora, falei: “Vocês acham que vou ficar fora da Copa? Mentira, vamos fazer do nosso jeito”, claro, de uma forma precária, sei lá o que, mas vamos estar juntos. Ninguém vai pra lá mas vamos... pra ter ideia, primeira matéria que a gente vai fazer... a Copa começa no dia 14, a gente vai fazer uma matéria que é preparativos pra Copa do Mundo, vai sair no dia 13 essa matéria, é um jardim que tem, um jardim russo que tem aqui em Franco da Rocha. Então o Elvidio vai com o câmera, tem que pegar um ônibus, depois pegar um trem, pega um outro ônibus e chega lá no Jardim Russo. Então já é um outro espírito. A gente queria fazer uma matéria pra acompanhar os jogos do Brasil naquele acampamento dos sem teto lá em São Bernardo, mas não tem mais, eles ganharam terra e tal. Mas talvez a gente faça um jogo do Brasil no acampamento do MST! Pode fazer outro andando de Metrô durante o jogo. Uma coisa que não vamos fazer tipo Festa de Achiropita, que eu sempre brinquei que aquela Festa de Achiropita você não precisa mandar nego todo ano. Pega a fita...

P/1 – (risos)

R –

... do tempo de fita ainda, pega a fita de dez anos atrás, vai ter as mulheres pegando o tomate, esfregando, cantando, o repórter: “Quantos quilos de tomate? Que legal! Vamos cantar!”, lá, lá, lá... uma merda! Essa cobertura de Copa vai ser a mesma coisa, uma família que vê junto o jogo e não sei o que e tal, com o cachorro fantasiado. Tá sem clima, mas vamos lá, o cachorro com a camisa amarela, o pai, a mãe, a avó, a mãe preparou um estrogonofe em homenagem a Rússia, ou então uma vilazinha aqui, Vila Zelina que não é bem russo, mas é do leste europeu. Vai ficar por aí.

P/1 – E como é pra você, que você teve esse momento de chamar de cisão com a ESPN, esse momento que o Brasil vive hoje, toda essa questão de política e você se colocar politicamente dentro do jornalismo?

R – Sabe o quê que é? Chega uma certa idade que você tem que se posicionar de vez. Você não sabe quanto tempo você vai durar. Não to dizendo que eu vou morrer amanhã, nem quero! Mas no momento que você vive, eu vou esperar até quando pra me posicionar? Até quando eu vou ficar esperando uma situação que eu não gosto, que eu reprovo e vou ficar guardando? Não! Eu vou me soltar, eu vou testar, eu vou falar, vou abrir o bico em todas as nuances que forem abertas pra mim. Se isso tem um preço que eu to pagando hoje, dane-se! Mas por um outro lado me dá mais satisfação. Eu tenho muito mais gente que reconhece na rua, que vem me cumprimentar e tal do que naquela época do esporte. Porque aquela do esporte ficou, o cara que gostava, continuou gostando, o cara que não gostava, continuou não gostando. E ganhei um outro lado, que é o ativismo. Então você sai, tem gente também que critica. Mas o que crítica é meio covarde, porque ele critica muito na rede social. Aí te chama de canalha, cafajeste, safado, vai pra Cuba, vai pra Venezuela, essas coisas todas. Mas o pessoal que fala pessoalmente é muito acolhedor. “Estamos juntos!” “Que legal que você tá com a gente!”, esse tipo de coisa.

P/1 – Você mencionou o Paulo André, a Joana Maranhão. Você acha que o esporte tem uma potência que pode ser utilizada aí?

R – Poder, pode, o problema é como, quando e com quem. Agora, ganhei outros amigos. Eu comecei a conviver com gente que eu não convivia pessoalmente. O próprio Lula. Agora que eu criei o negócio do Ultrajano, como é que eu criei o Ultrajano que eu faço hoje em dia? Nem fui eu que criei não, foi a moçada que trabalhava comigo, falou “Você não pode ficar parado, vamos fazer um negócio aí!” Aí inventaram um nome, botaram o site, o Face e eu entrei na história. Aí tivemos a ideia de fazer Na Sala do Zé, que é a cereja do bolo, dentro do Face, dentro do You Tube e tal. Aí começou a ter programa. Aí levamos lá o professor... começamos timidamente, professor Pasquale, pessoal de música, o Arismar do Espírito Santo, não sei o que. Aí levamos não sei mais quem, até que levamos o Lula, que foi uma surpresa pra todo mundo, o Lula na tua casa? A vizinhança até ficou arrepiada lá, porque já foi o Lula, já foi o Ciro Gomes, já foi a Manuela d’Ávila, já foi o Boulos! Até, depois eu conto a história do... até o João Roberto Marinho foi por engano, o dono da Globo! Mas aí começou. Pra dar um incremento, eu botei o JB que é um cara meio maluquinho, crítico gastronômico ao contrário, fazendo comida. Aí ele levou o Jefferson Rueda lá da Casa do Porco, que é casado com a Janaina lá do Dona Onça. Levou o Checho aqui da Comedoria Gonzales, levou a Talitha lá do Conceição Discos. Então ficou um negócio diferente de todo mundo aí. E começou a dar certo. Agora, saiu caro, você tem que montar uma estrutura maior. Eu faço a TVT que é um programa diário de segunda a sexta, 15 minutos, da minha casa, uma câmera aqui como nós estamos, o Pedro Link que é um garoto que trabalhou com a gente que é um gênio, ele monta uma estrutura pra gente poder entrar ao vivo. Ele desmontou um mochilink e deixou lá em casa. Esse mochilink, tem vários mochillinks alugados pra ESPN, pra SporTV, festas e tal. Ele monta, qualquer problema, liga pra ele no celular, ele tá na rua e vem. Quando tem Na Sala do Zé, ele leva um switcher portátil que ele tem, é uma estrutura maior. Porque nessa estrutura só cabe uma câmera. Entra ao vivo, coloca vídeo, coloca tudo, mas uma câmera. Pra botar a segunda, teria que mudar placa, essas coisas. Mas quando tem Na Sala do Zé, já são duas câmeras, mais uma outra câmera, tem 6 microfones, luz, aí já começa a pesar um pouco o aluguel. Mas agora deu uma parada, por causa da Copa né? Eu entrei com o negócio do Catarse pras pessoas ajudarem um pouco, agora o dinheiro que entra do Catarse dá pra pagar o site, porque tem a moçada que faz o site. Aliás tem um que tá atrás de mim agora (Risos). E a Sala do Zé eu vou parar. Agora eu fiz com o Lula, com o Ciro, com a Manuela, aí fiz com o Juca, tinha lançado o livro, professor Pasquale, levamos músicos. Com o Boulos eu não fiz Sala do Zé, eu fui jogar botão com ele. Joguei agora domingo a noite num lugar, que eu gosto de jogar botão. Botão vem desse tempo... que eu gostava de fazer, você lembra que você perguntou? Jogar botão! Eu tenho até hoje os times. E eu sou conhecido por jogar botão, as pessoas sabem que eu gosto. Tanto que eu joguei com o Boulos, tem um bar aqui na Pompeia chamado Arquibancada, botões clássicos, que tem mesas e tem a sala José Trajano lá com o time do América. Enfiei 4 a 1 no Boulos pra ele deixar de ser bobo!

P/1 – (Risos) E claro, você joga com o América?

R – Claro, é um time bonito que eu ganhei! Tenho vários times do América, mas esse é o mais bonito. Eu tenho uma maletinha meio ridícula assim, parece aqueles médicos, aquele negócio de filme que vai com a maletinha. É o time de botão ali dentro!

P/1 – E como que foi entrevistar o Lula?

R – Lula foi ótimo por que... aí tem coisas boas. O Lula fez 8 quilos de rabada e levou a rabada, porque falou que devia pra mim e pro Juca. Ele já tinha sido condenado, veja você! Achei que ele nem ia, condenado em primeira instância. Aí a Rosana comprou 4 quilos de... não é purê, como que é?

P/1 – Polenta?

R – Polenta! E o cara deu mais 1 quilo, porque é um cara de esquerda aqui da... tem um restaurante italiano ali na João Moura, o Buttina, que é bom o restaurante. Então ele, sabendo que era pro Lula, ele deu mais 1 quilo. E compramos, foi até um fora danado, compramos agrião. Porque você come rabada com polenta e agrião. Bom, acabou a entrevista, pepepé e tal, vamos comer e tal. A Rosana levou pra mesa o agrião como se fosse salada. Ele falou “Vocês não conhecem nada! Tem que pegar o agrião e jogar dentro do molho da rabada e abafar.” Aí pegamos, jogamos tudo dentro do molho. Pra esquentar esses 8 quilos, que era um negócio desse tamanho assim, teve que botar em duas bocas. E tava ótimo, ele que fez! E o zelador do prédio que é pernambucano como o Lula, ficou pé atrás com o Lula “Você quer que eu marque alguma coisa?” Eu disse “Não, vai chegar, bota na garagem” Chegou o Lula, saiu um cara, motorista e segurança. Ele achou que era uma parafernália. Eu falei “Se chegar gente aí, imprensa, aí a gente chama, a gente desce e tem um pessoal que segura”. Mas ele era meio reticente. Na hora da rabada, eu chamei ele pra comer. Então o Lula ficou numa cabeceira e ele ficou na outra. Isso pra ele rapaz, inesquecível! O Lula contando história, o zelador sentado na cabeceira, pernambucano, falou que lembrava o pai dele, adorou, tirou foto, um dia inesquecível pro Alex! E o prédio, agora veja como são as pessoas hoje em dia, aí saiu uma senhora, que eu acho que é até juíza, foi reclamar com o Alex, porque apareceu lá no – porque o prédio é terceirizado, a segurança é terceirizada. Tem o Alex, tem o faxineiro, mas a segurança que fica dentro da casinha ali é de uma empresa. E o cara da empresa sabendo que o Lula ia, o chefe das moças que ficam lá, resolveu ir lá pra tirar uma foto com o Lula, botou um terno da empresa com os negócios aqui. Essa juíza viu o cara lá, chegou pro Alex pra reclamar de que não pagava condomínio pra pagar segurança especial pro Lula, sei lá o que. Aí o Alex “Minha senhora, ele veio aqui por conta dele pra tirar foto. E outra, eu to de férias. Quando acabar minhas férias a senhora reclama comigo.” Ele estava de férias, ele mora lá né? Mas você vê como que as pessoas são né? A história do João Roberto Marinho. Em meio a isso tudo, Lula, Ciro Gomes, não sei o que, toca a campainha, estava com uns amigos em casa, falei “Atende, pega aí”... campainha não, interfone “Vê aí quem é!” aí o cara “Diz que é o João Roberto Marinho”. Eu falei “Sobe, manda subir”. Que é o dono da Globo, um dos filhos. Eu falei, deve ser algum cretino amigo querendo fazer uma sacanagem! Quando eu abri a porta, eu ia até dar aquele ah! Sabe como é? Mas era o próprio! Aí eu falei “Você?!” Ele falou “É Trajano”, ele me conhece. Eu falei “Você quer entrar?”, pensei - que merda que eu fiz, o que esse cara tá fazendo aqui? Aí ele falou “Já vi que eu vim no apartamento errado!” Eu falei “Eu desconfio, mas querendo entrar...” Ele falou “Não, eu conheço a sua casa. Eu vi o programa do Lula.” Aí eu falei “Já sei aonde você vai, você vai no Giannetti né?” Eduardo Giannetti, economista, filósofo, que mora lá. Ele falou “Vou lá” eu falei “Manda um abraço pro Giannetti, ele tá me devendo um jantar” Que ele fez a campanha da Marina, quebrou a cara, tá me devendo um jantar. Até hoje! Mas o engraçado é que eu tenho um tapete escrito entre sem temer, quer dizer, entre sem Temer. E ele conversou comigo o tempo inteiro em cima desse tapete. Se eu tivesse tirado uma foto do dono da Globo em cima desse tapete, se eu soubesse que ele ia lá, eu ia ganhar prêmio, faturava com essa foto! Então o prédio fica em polvorosa com essa coisa de chega o Lula, chega o Ciro, chega a Manuela. Engraçado.

P/1 – Então, falando um pouco mais aí sobre essa questão, que são vários elementos, como que é fazer jornalismo com esse cenário que a gente tem hoje?

R – Primeiro que eu acho que eu não faço jornalismo não. Eu acho que quando você entra na história que eu entrei, eu acho que é uma coisa tão engajada que é como se fosse uma missão. É um posicionamento, você entendeu? Que eu utilizo a minha profissão, o meu conhecimento profissional pra me manifestar. Não vamos chamar de jornalismo tradicional. Aliás, o jornalismo tradicional também e merda é a mesma coisa hoje! Muito comprometido, aquela coisa toda. Eu acho que é uma postura, é isso aqui, vou caminhar por aqui. É onde eu posso me manifestar, através do que eu sei fazer, que é jornalismo. Então é enxergar o jornalismo de outro jeito, não é uma coisa tradicional, comum. Eu e muita gente tá fazendo isso, não é um privilégio meu, muitas pessoas estão fazendo. Você tem hoje vários blogs, sites, você tem desde o Mídia Ninja, Jornalistas Livres a Tijolaço, a Nocaute, 247, Brasil sei lá o que, Cafezinho, Conversa Afiada. Tem 500 mil! Ainda bem que tem!

P/1 – Com certeza. Mudando um pouco de assunto, quando que começa a ideia do Zé Trajano escritor, quando que você lança o primeiro livro? Por que escrever?

R – Esse primeiro livro é uma história que eu contava pra todo mundo e todo mundo dizia, sabe aquela história que você conta pra todo mundo e falam “Isso dá um livro, por que você não escreve?” E ficou se arrastando durante anos. Um dia eu escrevi. Tomei coragem. Aliás, eu nunca me senti um escritor, eu acho que eu tenho boas histórias pra contar. Escritor eu acho que é outra enfermaria, escritor é um nível, é um pessoal que vive de literatura, Milton Hatoum sabe, é gente desse... você tem tanta gente. E jovens que estão escrevendo muito bem aí. É outra enfermaria. Eu acho que eu tenho boas histórias pra contar. Aí eu resolvi escrever esse Procurando Monica – o maior caso de amor de Rio das Flores. Se passa em Rio das Flores, onde o Zé Reis, que eu falei dele aqui, eu ia pra essa fazenda, a Fazenda da Forquilha e tinha na Fazenda São Policarpo a Monica, que era da avó dela, dos avós. Uma história parecida com a minha. E eu me apaixono por ela e resolvo contar esse caso, deu tudo errado! Os bailes de carnaval daquela época, aí ela pega um navio, vai pra Europa numa excursão, eu vou atrás, achando que na excursão eu me daria bem. Fui preso na Itália, que eu briguei com a polícia lá, fui condenado a 6 meses de cadeia! Mas não cumpri os 6 meses não, cumpri uma semana. Fiquei no presídio de Belluno, fui preso em Cortina d’Ampezzo, onde filmaram Pantera Cor de Rosa, aquela estação de neve, lugar chique pra burro! Então a história é minha perseguição à Monica, nada dando certo e aí eu falei com a minha filha Marina, eu tenho dois filhos que moram em Londres há muitos anos, contei pra ela. Ela falou “Por que você não manda pra ela o livro, o que você já escreveu?” Eu falei “Ah, mas eu não vejo ela há 40 anos, não sei dela! Sei que ela teve filho, casou com um cara, não sei.“ Aí eu pensei, é uma ideia boa. Aí eu descubro que ela mora em Teresópolis, mando pra ela o que eu já tinha escrito. E ela começa a entrar em contato comigo. Esse mandar pra ela e entrar em contato vira a segunda parte do livro, eu boto tudo no papel, que eu mando o livro, o que ela fala, o que ela achou, que não é bem isso e aquilo. Até que a gente marca um encontro, tá tudo no livro. A gente marca um encontro, depois de 50 anos, sei lá. É uma merda o encontro! Mas pro livro foi ótimo! Mas então o livro acaba com esse encontro, mas no livro, como é um romance, eu deixo no ar, falo “E agora?”, termina assim. mas no dia a dia não deu nada, quer dizer, eu até levei ela na... ela veio pra São Paulo, tinha um irmão que morava aqui, aí ela me ligou. Eu falei “Então vamos jantar né?”, a gente não se via há tantos anos, era pra conversar. E tem um restaurante que chama Forquilha aqui embaixo, perto da igreja da Cruz Torta. Eu falei “Vamos lá. Não era Forquilha a fazenda? Então pelo menos em termos de nome, constrói uma história.” Pro livro ficou legal, então foi isso. Encorajado pelo primeiro, tomei gosto, escrevi o segundo, que é o Tijucamérica. Continuei tomando gosto, escrevi Os Beneditinos. Agora que acabou, to escrevendo o quarto. Que aí você vai pegando o embalo, vai peando um pouco mais de jeito. E é legal, porque ocupa a cabeça. Esse que eu to escrevendo agora, você tem que ler muita coisa, não ler o livro inteiro, mas ler trechos de coisas que servem como pesquisa. Você viaja, você misturando ficção com realidade, você viaja, você pode botar o que você quiser! Tá morando em Marte! Então é um exercício muito legal. E depois do livro pronto também, vem aquele lado do exercício da vaidade, tem noite de autografo, tem o cara que manda um recado que leu e gostou. Eu não ia a Belo Horizonte há 500 mil anos, fui pra Belo Horizonte lançar lá, achei bom, aí fui pro Rio numa feira de livros, fui pra São Carlos, na faculdade, sábado agora vou pra biblioteca pública não sei de onde. Você começa a viver uma outra vida, um outro universo. E depois de 3 livros, já consideram você escritor né? você já entra num outro hall assim. É legal, muito legal! É outro ramo.

P/1 – Você falou da sua filha. Quando que você tem o primeiro filho?

R – O João vai fazer 40 anos. Eu to com 71. A gente fazia uma revista chamada... a Editora Três contratou um grupo de jornalistas, pagando bem, pra fazer de novo a Realidade. A Realidade foi a revista mais importante do país, era uma revista mensal de reportagens. Fechou. Anos e anos depois, Repórter Três, tentaram reviver a Realidade, só com matérias longas, compridas, fotos, grandes fotógrafos. Durou dois números só porque acabou não vendendo o que eles esperavam. Aí nasceu o João, eu tinha acho que 31 anos, sei lá. A Marina veio alguns anos depois, a Marina é mais nova uns 5 anos ou 4. Mas eles estão desde, ele foi com 10 e ela com 7, porque a Renée que é mãe deles tinha casado com o Pedro Bial e o Bial foi ser correspondente na Europa, aquela época quando caiu o muro, lembra? E a Renée trabalhava no escritório da Globo lá, porque foi também pra trabalhar no escritório e ele como correspondente. E aí eles nunca mais voltaram. Quer dizer, o Bial voltou, já casou não sei quantas vezes, a Renée voltou, mas eles ficaram. Como o Bial ficou 8 anos lá, então o João já estava com 18, já estava pensando em faculdade, não sei o que e tal. O João tem duas meninas e a Marina tem uma menina, são minhas 3 netinhas. E é chato, você vai ter neta fora assim, inglesas, parece um charme, mas na verdade é uma merda, porque você não vê nunca ou vê pouco elas crescendo. Você vê mais de foto, quando você vai lá ou vem aqui, mas é muito pouco, você perde muito dessa... era legal se tivesse um contato né? Avô gosta dessas coisas! Neto também gosta, eu acho. Dependendo do avô!

P/1 – (Risos) E ser pai pra você, como foi?

R – É muito bom né? Aí eu tenho o Pedro que tem 24, aí foi com a Celia, que já morreu. E quando eu fui morar com a Celia, ela trouxe o Bruno, com 7 anos, que é o meu quarto filho. Então a Celia já morreu há alguns anos, o Pedro tem 24, o Bruno, eles nasceram no mesmo dia, com diferença de 11 anos, com pais diferentes! Então se o Pedro tem 24, o Bruno tem 35. E o Bruno mora em Nova Iorque também há 2 anos. Então tá todo mundo morando pelo mundo aí, só o Pedro tá perto de mim. E o João é correspondente da ESPN na Inglaterra, cobre lá o campeonato inglês e agora tá indo pra Rússia. Vai pra Rússia cobrir a seleção lá. O Pedro vai encontrar ele lá também. É a primeira Copa que eles vão e eu não vou!

P/1 – E a gente não tocou muito nesse assunto, mas como que foi a Copa aqui, como foi cobrir?

R – É a Copa que eu fiquei muito plantado aqui em São Paulo. Tinha o pessoal que andava, cobria as sedes e tal. Mas como tinha o Linha de Passe daqui, eu fui fixo aqui do Linha de Passe. As pessoas entravam, o Juca, o PVC entravam de onde o Brasil jogava. E eu entrava daqui. Então praticamente só vi um jogo ao vivo, foi no Itaquerão, Uruguai e Inglaterra. O resto eu ficava ali no estúdio, escrevendo, então não me deslocava. Então foi uma Copa esquisita pra mim. Eu já não era mais chefe, eu não me desloquei pra acompanhar os jogos ao vivo, foi uma coisa meio... mas opinei pra burro, xinguei pra burro o Brasil e tal! Mas foi diferente.

P/1 – E as expectativas pra essa de agora?

R – Ah, Copa do Mundo não tem muita diferença, são sempre os mesmos! Ou você acha que a Costa Rica vai ser campeã? A Islândia? São sempre os de sempre. Tirando a Itália que não tá, você vê pelo numero de títulos, é Brasil, é Alemanha, é Argentina, é Espanha. Aí você pode botar França, a Bélgica é sempre uma promessa, mas não acontece nada, jamais ganhou um titulo. E levando-se em conta que a Inglaterra ganhou na Inglaterra e a França ganhou na França! É isso. E quem estiver bem naquele mês, Copa é quem tá bem naquele mês! Não adianta estar bem antes ou depois. Quem estiver melhor naquele mês, dá tudo certo, leva o título.

P/1 – Um outro assunto que você estava falando bem lá pra trás, das festas que você fazia lá na casa, você e a sua irmã, chamava o pessoal ali. Você gosta muito de música. Fala um pouco pra mim.

R – Era época do violão, todo mundo sentado no chão, violão, alguém levava uma flauta, tinham vários violões, um dava um violão pro outro. Nego acabava de fazer uma música, “vem ouvir o que eu fiz” e tal. E todo mundo cantando, ou só o cara cantando, mostrando uma musica. Violão, flauta e muito uísque, naquela época a gente tomava muito uísque.

P/1 – Eu queria que você falasse um pouco, desde aquela época você coleciona discos?

R – Eu tenho muito ainda. Já tive muitos. Mas esse negócio de mudar de cidade, separação, não sei o que. E teve uma época imbecil também, que a gente trocava LP por CD. Então você chegava com 50 LPs em troca de 3 CDs! Era mais ou menos assim. Então perdi muito LP. Não valia nada, você chegava com um pacote de LPs, coisas legais pra burro e ganhava 3, 4 CDs. Hoje o CD também ninguém quer mais. E o LP virou uma coisa, o som é legal e até mais decorativo e charmoso. Infelizmente, perdi muito! Devo ter uns 300 assim.

P/1 – Tá bom ainda! Tem algum...

R – Tem de tudo! Eu gosto muito de jazz, gosto de música brasileira. Tem coisa mais antiga, já não compro LP mais. Mas tem de tudo de determinada época. Tem do Milton, do Caetano, do Chico, do Gil, mais antigos, Joyce, Maysa, Dolores Duran, Sylvinha Telles, os trios, Zimbo Trio, Tamba Trio. Aí tem jazz, Thelonious Monk, Chet Baker, Miles Davis, tem muitos.

P/1 – Jazz é o que você gosta mais?

R – É, jazz e a música brasileira. Eu gosto muito de instrumental.

P/1 – Dos seus discos, tem algum que é o xodozinho assim?

R – O Tamba, um disco do Tamba Trio, capa branca chamado Avanço, adoro esse disco! Pouca gente conhece, mas eu adoro. É aquele meu do... era um trio que eu acompanhava muito, adoro, adoro o Tamba Trio! O pessoal conhece um pouco do Tamba Trio e não sabe quem é o Tamba Trio. Aquela gravação, depois o Sergio Mendes gravou, não tem aquele anúncio do Mais que Nada? Que o futebol usou, acho que o Ronaldinho Gaúcho. Tem uma que é com o Sergio Mendes, mas tem uma com o Tamba Trio antigo, mais aquele clima assim. Foi um conjunto que era um conjunto instrumental, mas eles também cantavam, vocalize assim. E era muito, o Luiz Eça no piano era sensacional! Mas eu gosto muito de música instrumental, sou muito mais ligado em instrumental. Gosto de música dos portugueses agora, sou apaixonado por Portugal, todo ano eu vou. Carminho eu acho que canta muito bem, sou fã da Carminho, da Maria João que gravou agora, eu fiz até o texto da contracapa, gravou só músicas do meu amigo Aldir Blanc. Maria João, a cantora, ela é mais performática assim. Tem uns caras muito bons.

P/1 – Tem algum motivo essa paixão por Portugal?

R – Não, é talvez a comida, o vinho, o país que vai bem, as raízes. Eu sempre gostei de Portugal, mas agora me sinto bem lá, eu acho acolhedor.

P/1 – Só pra fechar mesmo, eu queria perguntar quais são seus sonhos, o que você espera daqui pra frente?

R – Quem sabe morar em Portugal né? (Risos) Morar em Portugal pode ser um, escrever mais livros pode ser outro. Viver mais tempo pode ser outro. Ver o América campeão pode ser outro. Esse é o mais difícil!

P/1 – Mas um grande projeto, alguma coisa que você tem feito?

R – Eu tenho feito tanta coisa legal! Esse programa do Canal Brasil que agora vai passar o último e vai repetir os 13, muito gostoso de fazer, O Bonde do Zé. Ah, eu faço radio, Zé no Rádio, podcast, com a moçada do Central 3. Ou seja, eu to me divertindo, então tá bom assim, tá bom assim. Acho que eu já fiz o que tinha que fazer no jornalismo tradicional. Criei uma emissora de televisão, fiz bons trabalhos em imprensa escrita. Pra você ter uma ideia, essa Repórter Três que durou 2 números, olha o time de repórteres qual era: Caco Barcellos, Fernando Morais, Zé Hamilton Ribeiro. Esses eram alguns dos repórteres que tinham, pra você ter uma ideia do time. Zé Hamilton até hoje aí no Globo Rural, deve ser o repórter mais velho em atividade, sem uma perna, que ele perdeu a perna na Guerra do Vietnam. O Caco maravilhoso, adoro o trabalho do Caco. Fernando Morais um escritor conhecido. Esse era mais ou menos o time. Então convivi com muita gente legal, aprendi muito. Tive bons professores, Sergio de Souza foi um mestre, morreu. Foi criador da Caros Amigos, era o texto principal, editor de texto da revista Realidade. Trabalhei com Darcy Ribeiro, quer coisa melhor do que isso? Ser braço direito do Darcy? A faculdade que eu não fiz, fiz trabalhando com o Dacy. Então tive sorte. E tive sorte de ser amigo de alguns ídolos, porque eu sou muito amigo do Tostão, por exemplo, amigo mesmo. era meu ídolo como jogador de futebol. Fiquei amigo do Sócrates que é um dos meus ídolos do futebol. Fiquei amigo do Darcy que era um dos meus ídolos de vida, como professor e tal. Chico Buarque, agora fez uma festa quando me viu, fui ver o show. Tem uns caras que gostam de mim e eu não sei por que! Por exemplo, quer ver um cara que eu tenho uma foto com ele? O Criolo. O Criolo quando me vê faz a maior festa! Eu vi o Criolo 3 vezes na minha vida pô! Então fica ótimo assim, fica mais fácil.

P/1 – Você se considera um cara de sorte então?

R – Nesse aspecto sim, nesse aspecto sim. Os filhos tudo tranquilos, quer dizer, dão aqueles problemas normais. Morando na Vila, tomando meu vinhozinho!

P/1 – Eu sei que você já deu uma serie de entrevistas aí. Queria que você falasse pra gente, o que você achou dessa experiência de contar a sua história como um todo aqui. Sei que você já escreveu sobre.

R – Eu já falei muito da minha vida pra muita gente, não é a primeira vez. Claro que cada vez que eu vou fazendo nova, eu tenho que botar coisas novas! Eu acho que ficou faltando muita coisa ainda. Por exemplo, a Forquilha que nós falamos pouco, falamos do Zé Reis, mas a Forquilha, viver numa fazenda com colono, aquelas festas com calango tocando sábado a noite, indo pra um curral, tirando leite de vaca, pro alambique, essa vida ali é um negócio muito... isso vai estar no próximo livro. É uma coisa muito intensa pra um garoto assim, a coisa que marca, que crava. Você ajudando a bater o feijão, batendo pro feijão sair da casca, andando de carro de boi. São coisas incríveis numa época da vida, coisas que hoje é quase impossível, quem vai andar de carro de boi hoje? Como que o cara vai largar o celular e o joguinho, a série e o jogo FIFA e andar de carro de boi pô? Por isso que eu acho que sou um cara de sorte, eu peguei uma época que podia sim andar de carro de boi! E viver numa fazenda desse jeito assim. Dentro da fazenda, na casa grande, tinha capela, tinha casamento, batizado, dentro da casa. Meu avô já morava na casa do administrador, a casa grande ficava lá pro irmão rico. Mas teve época que a gente ficava na casa grande também, era do lado também, fazia parte da fazenda, eu vivia dentro. Então são coisas importantes na formação da pessoa.

P/1 – Ficou faltando, mas fica o convite pra voltar a contar tudo.

R – Tá bom, legal.