Museu da Pessoa

Ferramenta de mudança

autoria: Museu da Pessoa personagem: José Eraldo da Silva

Projeto Memória nos Bairros
Depoimento de José Eraldo da Silva
Entrevistado por Cláudia Leonor e Stella Franco
Local: Estação Brás de Metrô
São Paulo, 20/09/2000
Realização: Museu da Pessoa
Código do depoente: MT_HV005
Transcrito por Marisa Montrucchio
Revisado por Ana C Calderaro e Teresa de Carvalho Magalhães

P/1 - Vou pedir para o senhor falar de novo o nome completo do senhor, o local e a data de nascimento.

R - Antônio José Eraldo da Silva, nascido na cidade de Itabaiana, em 12 de agosto de 1940.

P/1 - E o senhor tem um apelido?

R - Aqui no Brás me chamam de Ferramenta.

P/1 - Por quê?

R - Porque eu trabalhava com ferramenta e depois foi que eu passei a trabalhar com outras coisas. Então o pessoal achava meu nome difícil. Sempre achavam Eraldo difícil o nome, então chamavam de Geraldo. Então fizeram Ferramenta. Acharam que era mais fácil.

P/2 - E todos os vendedores daí têm um apelido? É comum?

R - É comum.

P/2 - Ninguém se chama pelo nome?

R - Não. Pelo nome, não. Normalmente, no meio dos ambulantes ninguém se conhece por nome, é sempre por apelido. E ninguém sabe o endereço de ninguém. Eu vou dar meu endereço para quê? Só por curiosidade. Não precisa. Se houver a necessidade, tudo bem, eu levo até a pessoa em casa. Mas não tem precisão, não tem necessidade.

P/2 - E como vocês escolhem os apelidos?

R - Ninguém escolhe. A gente diz “vamos chamar assim”, aí pega. Então outros chamam. (risos)

P/1 - E o nome dos pais do senhor?

R - José Cardoso da Silva e Josefa do Sacramento Silva.

P/1 - E o senhor Zé Cardoso, o que ele fazia?

R - Era cozinheiro naval.

P/1 - E onde ele servia?

R - Na Marinha do Rio de Janeiro.

P/1 - E onde ele trabalhava? Ele trabalhava lá?

R - Não, ele não ficava lá.

P/1 - Não ficava?

R - Não, era só de passagem. Gostava era do Rio de Janeiro. Trabalhou e faleceu no Rio.

P/1 - E o senhor nasceu em Itabaiana? O senhor lembra de como era a cidade?

R - Eu saí cedo de lá. Hoje ainda tenho lembrança de alguma coisa. Mas dizem cidade que está tão diferente. Eu não conheço. A minha esposa já foi. De vez em quando vai. Eu não fui. Economicamente eu não me mexo porque acho que não tenho condição econômica de me mexer.

P/1 - E quais são as lembranças que o senhor tem de Itabaiana? O senhor tem alguma lembrança?

R - Tenho alguma lembrança de quando era criança: o quintal, a casa que era enorme. Aqui em São Paulo a gente passou a morar em um banheiro. Lá o quintal era enorme, a casa era enorme: tinha quarto, tinha corredor, tinha sala, tinha varanda. A cozinha tinha despensa, que era um outro quarto chamado de despensa. O quintal era enorme. Nessa cidade onde eu morei essa casa era grande, tinha um terreno do lado, tinha uma porção de tipos de árvore: mangueira, cajueiro, mamoeiro. Eu via cantar passarinho, via flores, era um porção de coisa que a minha mãe cuidava. Até uma cabra para tirar leite tinha. Tinha fonte.

P/2 - De água?

R - É, a cacimba, tinha isso.

P/1 - O que é cacimba?

R - Uma fonte. Eu me lembro dessa casa, mas foi pouco tempo que eu fiquei lá. Quando eu estava com cinco ou seis anos já vim embora. Meu pai foi nos buscar.

P/1 - E os irmãos do senhor? Eles são mais velhos ou mais novos?

R - Eu sou o mais velho.

P/1 - O senhor?

R - É. Eu tenho o meu irmão homem, que é o mais novo, e depois vem quatro irmãs.

P/1 - E como é que era a convivência de vocês?

R - Não, nesse tempo éramos só eu e duas irmãs. Não tinha tanta gente assim, nem lembro direito, mas eram só três. Mas me lembro de quando eu cheguei no Rio de Janeiro. Meu pai nos levava para passear. Eu conheci o Pão de Açúcar, o Corcovado, esse lugar no Rio de Janeiro. Muito bom de praia. Fomos a Santos também. Morei em Santos. Quero dizer, cheguei a morar em Santos. Eu me lembro que ele nos levou a um restaurante, foi nos dar coca-cola, todo mundo bebeu a coca-cola certo e eu só conseguia soprar. Era garrafa e não lata. Um canudinho! Eu só conseguia soprar, não conseguia engolir a coca-cola com canudinho. (risos) Só soprava! (risos) Então eu pedi um copo e consegui beber. (risos) Todos bebiam a coca-cola direitinho e eu não.

P/1 - E o senhor gostou da Coca-Cola?

R - Naquele tempo gostei.

P/1 - Engraçado. E o senhor lembra da viagem? Como é que foi essa ida para o Rio? Como foi que vocês vieram?

R - Eu me lembro que até Salvador viemos de carro. Agora, de Salvador para o Rio foi de navio. Eu fiz três viagens de navio na infância.

P/1 - E como eram os dias no navio? Do que o senhor se lembra? Havia brincadeiras? Vocês corriam?

R - Não tinha nada.

P/1- Nada?

R - Eu não lembro. A última viagem de navio saiu de Santos. Não... Foi do Rio para Espírito Santo. Do porto de Espírito Santo foi para Salvador. Eu me lembro que eu me vacinei no Espírito Santo. Me lembro que foi um lugar em que me vacinei, não sei onde foi. Sei que eu me lembro bem do prédio da Prefeitura em Santos. Passando por lá tinha uma senhora vendendo uns lenços e minha mãe comprou um lenço vermelho. Eu me lembro que nesse dia nós saímos na rua para nos vacinar. Saímos, eu me vacinei e no caminho eu fiquei com febre e só dormia. Me lembro que a minha mãe falou. Estranhou porque eu nunca dormia de dia e eu era o mais agitado — o contrário —, não parava durante o dia. E nessa viagem dormi. Mas foi efeito da vacina.

P/1 - E, Ferramenta. Você chegou no Rio de Janeiro com quantos anos, mais ou menos?

R - Quando eu cheguei no Rio pela primeira vez foi quando ainda falavam em Guerra. Que tinha Guerra. Eu ia comprar as coisas e só comprava pela metade. Qualquer coisinha se comprava pela metade, porque tinha Guerra.

P/1 - Tinha racionamento?

R - É.

P/1 - E vocês foram morar onde no Rio?

R - Moramos no Méier e depois em Duque de Caxias. Até hoje minha irmã tem casa lá. Meu pai deixou [a casa] em São João, onde mora minha irmã e meu irmão. Depois eu voltei e fiquei em Aracaju. Saí fora da família, e isso foi um problema porque meu pai e minha mãe ficaram preocupados. Mas eu saí fora.

P/1 - Quantos anos o senhor tinha quando o senhor saiu da família?

R - Catorze.

P/1 - Catorze anos... E por que o senhor foi para Aracaju?

R - Porque eu não conseguia disciplina. Meu pai dava ordens, minha mãe dava ordens e eu não achava bom. Eu ficava sozinho. Fiquei sozinho. Então eu fui para lá. Em Aracaju morei com parentes e não deu certo. Depois eu vim para o Rio de Janeiro, [teve] aquela insistência, mas não me acostumei a morar com a família, só me acostumei sozinho. Eu sozinho consigo pensar, consigo saber o que fazer. Agora, se eu fico controlado... Eu não conseguia. Então, quando eu voltei para Aracaju, foi muito bom porque [tinha] uma pessoa que cuidava de mim, a Iolanda. Então eu pude ler um pouco mais, eu pude desenvolver o gosto pela leitura. Foi onde desenvolvi o gosto pela leitura. Eu trabalhava, mas a ajudava no serviço que tinha na livraria que tem em Aracaju, na rua Goiás. E o livro que eu queria eu pegava, encapava e lia. Ali mesmo eu conheci o espiritismo kardecista — apesar da livraria não ter nada a ver com o centro [espírita]. Vendiam todo e qualquer livro. Pela a convivência com pessoas diferentes eu mudei todo meu modo de pensar. Mudei meu modo de pensar porque eu experimentei fumar e imediatamente eu deixei de fumar. Fumei para ser homem, depois deixei para ser homem. Eu comecei a mudar e a inverter tudo. Tanto que eu digo que a coisa mais difícil é o homem ser homem, porque na formação física que a natureza fez, todos são machos. Mas na maneira de tomar decisão a maioria do povo não é [macho]. Porque o indivíduo é egoísta... Selvagemente egoísta! O indivíduo procura enganar os outros. Tudo isso é errado e tudo isso é o que a maioria faz. Em todos os segmentos sociais: o grande, o pequeno. É um “cambalacho” que não é brincadeira. Eu li O livro dos espíritos, outros livros espíritas e coisas que ajudaram muito na minha formação. Tanto que em todo lugar em que eu trabalho ou ando o pessoal me olha pra ver se eu estou lendo uma coisa. Então o pessoal: “O que você está lendo? O que é isso?” Todo mundo fica curioso com o que eu faço ou deixo de fazer. Eu noto isso, eu vejo. Até com o que eu como, o que não como, o pessoal fica curioso. (risos) Até nisso. Qualquer coisinha que fizer certo ou errado... Parece brincadeira! Por causa do meu modo de falar, de ser, eu não consigo ser diferente. A minha mulher se assombrou comigo depois que ela casou: “Você era assim antes de casar?” (risos) Eu digo: "Eu não sou candidato a santo e nem a vereador, então não preciso enganar ninguém." A maioria da gente tem que ter uma visão das coisas. A gente tem que ser calculista se puder, se souber ser, mas tem que analisar, tem que pensar: “Hoje estou assim. Por que estou assim? E amanhã? Como posso estar?” Tanto que eu me cuido, na parte da saúde. Tenho alguns livros de medicina alternativa, livros que ensinam remédios, essas coisas. Eu, para ficar doente, é difícil. É difícil e desafio. Passo pouco.

P/1 - O que é que o senhor toma? Toma chá?

R - Não. Normalmente eu não tomo nada, eu só me alimento. Eu não como carne.

P/1 - Não come carne?

R - Não. Minha carne eu compro na rua Santa Rosa, carne vegetal. E comer carne, sinceramente, aquilo me repugna... Não consigo! E eu aprendi isso ainda lá em Aracaju, quando estava com quinze anos, em livros que eu lia de signo, esotéricos. Tudo isso me ajudou muito.

P/1 - Com quinze anos o senhor parou de comer carne?

R - Mais recentemente, depois que eu comecei fazer corrida, eu parei de tomar refrigerante. Desgasta as articulações da pessoa. Parei também.

P/1 - E nessa época que o senhor começou ler esses livros espíritas, o senhor se tornou espírita?

R - Com o tempo eu me tornei, só que não levei a sério, era criança. Depois foi que eu levei a sério. Só que eu não freqüento direto o porque é o seguinte... Alguém frequenta o centro para ter um conhecimento, ter uma religião qualquer. Quando eu estava solteiro eu frequentava. Casado eu deixei de frequentar porque quando as coisas começam a faltar e não vão muito bem, a mulher fica falando: “Não sei para que você lê tanto e não sei para quê você vai para o centro e não resolve problema nenhum. Não melhora de vida, tá sempre ruim, sempre pobre, sempre na pior.” Mas não bem é por aí. Como toda religião, porque ela vai na igreja católica.

P/1 - Ela é católica?

R - É. Qualquer religião. Não é por isso. E ela tem medo de ir no centro espírita kardecista. Não pega livro para ler.

P/1 - Por que ela tem medo?

R - Eu não sei, é infantilidade da pessoa. A pessoa não quer ter trabalho de pensar. É infantilidade. Então acha que se vai nesses lugares é para ficar rica, é para ficar sabidos. A riqueza é uma consequência. Então ocorre um acidente com a vida, de trabalho. Por exemplo, pessoas que estudam. O que acontece? Ganham dinheiro e ficam ricos, mas é uma consequência do estudo. A pessoa não correu atrás do dinheiro. Agora, quando corremos atrás do dinheiro é que não ganhamos dinheiro. É uma ilusão correr atrás. E eu corro atrás, não tem outro jeito, porque eu não vou parar para estudar, eu tenho 60 anos, quero viver o dobro ainda. Tenho que trabalhar e pronto, ajudar os outros.

P/2 - Falando em estudar, você estudou em Itabaiana ou no Rio de Janeiro?

R - Não, em Aracaju

P/2 - Quantos anos você tinha quando entrou na escola?

R - Eu já estava bem crescido, tinha 14 ou 15 anos.

P/2 - E aí você fez até...?

R - Eu fiz até o segundo ano, não fui pra frente.

P/2 - Você fez até o segundo ano, entendi. E você se lembra dessa escola?

R - Lembro: escola pública, noturna. A pessoa que cuidava de mim, lá em Aracaju, a Iolanda, falou assim: “Você não vá para Rio de Janeiro nem para lugar nenhum”, porque lá o pessoal só falava do Rio, não falava de São Paulo. “Você não vai. Você primeiro estuda, faz o curso primário, aprende datilografia, fica quite com serviço militar. Ou serve ou pega o documento e vai embora. Você chega lá e ainda é menor, ninguém vai querer lhe dar emprego. Lhe dão emprego mas não registram na carteira”. Pela insistência da minha família eu vim para o Rio. Resultado: não conseguia emprego com carteira registrada, não consegui conciliar trabalho com estudo. Lá em Aracaju eu conseguia trabalho e estudo porque a cidade era pequena e tudo era perto. Eu só pegava condução para trabalhar e voltar se eu quisesse, senão tudo dava tempo.

P/2 - E onde o senhor trabalhava? Na livraria?

R - Não, ajudava lá no sábado porque não trabalhava. Mas a durante o dia e a noite eu ficava lá.

P/1 - E como o senhor conheceu a Dona Iolanda?

R - Entrando na livraria para comprar livro eu a conheci. A primeira vez em que eu entrei parecia até que a gente se conhecia há muito tempo. Me fizeram um convite para ir lá no centro, eu fui. Fomos eu, ela e a Maria Dias e ficamos amigos, e então não parei. Fiquei amigo da família e pronto. Todo mundo. Nisso eu conheci um bocado de gente. Eu vim pro Rio... Não dava certo no Rio. Passei em São Paulo pensando em melhorar e retornar para lá [para Aracaju]. Só que aí eu comecei a cair. Por isso não retornei mais. Senão eu retornava, ficava lá.

P/2 - Ia para Sergipe?

R - É, porque morando em Aracaju, eu trabalhava e estudava muito. Eu podia ir em reunião porque lá eu tinha vida social, ia no centro, na Mocidade, ia para a praia. Tudo ficava perto, tudo fácil. Muito lugar em que a gente andava não tinha condução. Não precisava tomar condução. E não tinha tanta condução como deve ter hoje. Mas era fácil, eu conseguia conciliar as coisas. Aqui em São Paulo eu não consigo conciliar trabalho e estudo porque passa uma hora, uma hora e pouco dentro da condução, tem greve de condução, o salário e a moradia. Quando eu estava sozinho eu pensei: “Poxa, eu vou estudar”, mas então não estudei porque eu trabalhava nesse serviço, e [trabalhar de] ambulante é um serviço inseguro. Ficar correndo do “rapa”, perde mercadoria e tem e o prejuízo. Então eu inventei a ideia de casar. (risos) Namorar é uma coisa pesada, uma responsabilidade pesada. Aí é que não dá mais [para estudar], de jeito nenhum. Fica complicado, em casa: “Precisa disso, falta isso, dá dinheiro para isso...”, parece que fura a nossa cabeça. Eu leio porque respirar é uma necessidade temos. Comer, se alimentar é uma necessidade, então ler para mim é a mesma coisa. Eu fico sem ler e me sinto depresso. Eu acho uma irresponsabilidade deixar de me alimentar ou querer não respirar porque eu vou morrer. Eu acho uma irresponsabilidade para mim não ler porque já tenho um conhecimento e o conhecimento é uma responsabilidade. Não posso deixar de ler.

P/1 - Que tipo de livros o senhor gosta mais?

R - História geral! Eu leio tudo, tudo. Histórias passadas do Brasil. Eu leio tudo.

P/1 - Você gosta?

R - Gosto. Eu leio muita coisa, mas eu leio tudo aprendendo tudo. Tem muita coisa que é bobagem para mim, mas tem muita coisa séria, também.

P/1 - E o senhor frequenta algum lugar espírita aqui em São Paulo?

R - Esporadicamente eu frequento. É como eu falei a princípio. Eu não vou assiduamente. Quando, caso assiduamente, vou na Rua das Carmelitas, numa travessa da Rua Tabatinguera. Fica atrás da Secretaria da Fazenda, eu ia a Federação Espírita. Assim que eu casei, parei, porque começaram esses problemas. A mesma coisa do ler. A mulher vê que eu fico lendo e não faço nada. Você quer que eu faça o quê? Quando leio não estou ficando sem trabalhar. Se tem um tempo para ler, ela reclama. Se vou ao centro, ela reclama. Eu não sei por que estamos indo para trás... Não melhora nada. É isso que me retrai, me deixa deprimido, se não tiver cuidado. Eu entendo de um jeito e ela entende de outro. Vai fazer o quê?

P/1 - Ferramenta, você veio do Rio para São Paulo quando?

R - Em janeiro de 1959. No dia primeiro de janeiro de 1959 entrei em São Paulo.

P/2 - Dia do Ano Novo?

R - É, dia primeiro. No trem conheci um miserável igual a mim que falou assim: “Você vai para onde, hein?” Ele me pegou e falou: “Ah, vamos para um albergue” Fomos para o albergue e nunca mais eu vi a pessoa. No dia seguinte eu fui para Imigração, na Rua Almeida Lima e fui para o interior. Imediatamente me mandaram para o interior.

P/1 - A Imigração? O que era esse lugar?

R - Na Rua Almeida Lima, 820.

P/1 - E o que se fazia lá?

R - Mandavam as pessoas para as fazendas. O primeiro lugar em que eu trabalhei foi em Pinheiros.

P/2 - Desculpe, mas como o senhor ficou sabendo da imigração? Eu perdi essa parte.

R - No trem, a pessoa que me falou do albergue disse: “Você vai dormir, vai não sei para onde.” Não sei onde era esse albergue.

P/1 - O senhor nem se lembra mais...

R - Isso em 1959. No dia seguinte eu parei na Imigração. Não me lembro mais. Eu sei que parei na Imigração. Da Imigração eu fui para o interior.

P/1 - Eles arrumaram uma fazenda para o senhor trabalhar?

R - Ia uma leva de gente para essas fazendas.

P/2 - Quantas pessoas?

R – Olha, acho que mais de 20 pessoas. Muita, muita gente. Chegamos na estação, ficamos lá, e à noite vieram nos buscar. Esperamos o dia todinho. Uma pessoa — uma senhora —,

já de tarde chegou, saiu de lá, e pediu para trazer nos café e pão. A gente tinha acabado de tomar café e chegou um homem para nos levar no caminhão para Fazenda São Pedro, no município de Irapuã. Propriedade de Manoel Pedro Reverendo Vidal, que dizia morar em São José do Rio Pardo. Mas não pagava ninguém.

P/1 - Não pagava? E o senhor trabalhava em quê?

R - Limpando pé de café. Não pagava ninguém. Trabalhamos um dia, uns foram embora, outros ficaram. Lá era bravo.

P/2 - Por quê? Era puxado o serviço?

R - Não pagava. Eu insistia pra receber e falavam: “No tempo do pai do fazendeiro a gente amarrava.” Levou a gente no lugar e mostrou: “Aqui neste cruzeiro.” Tinha uma igrejinha onde tinha um presépio. “A gente amarrava aqui”. Agora a gente só manda embora. __________________________ Saímos de lá à noite, em um dia de domingo, debaixo de trovoada, para não apanhar. Foram uns doze que saíram de lá.

P/1 - E o senhor voltou para São Paulo?

R - Não, não tinha como voltar. Eu não tinha dinheiro. Então ficamos por lá. Quando eu saí do Rio para cá, saí sem dinheiro também.

P/2 - O senhor não veio com nada de dinheiro do Rio para cá?

R - Para a passagem e, sim, um pouquinho. Só dava para comer alguma coisa.

P/2 - E dava para comer lá na hospedaria?

R - Lá eles davam uma refeição e ainda diziam: “Quem quer mais, volta para buscar.” Esse trabalho da Imigração, ou particular ou por parte do governo, foi um negócio bom. Quando mandavam para fora cada um fazia o que queria. Sem experiência, eu aprendi muito como peão. Então eu aprendi que as pessoas não sabem tomar decisões. Porque o homem bravo ou seja lá o que for: tem que ser inteligente, tem que ser sabido. Não adianta ser bravo. Lá fora a gente era valente um para o outro, era bravo. Mas quando chegava naquele que mandava, que dava ordem, então não fazia nada. Saía de lá e apanhava. Trabalhei num lugar em que eu apanhava. Se eu fugia eles iam atrás, pegavam, traziam, batiam. Eu dormia amarrado. Não queriam que saísse. E em outros lugares em que trabalhei. Era para trabalhar, não era para sair. Se saísse, eles iam atrás.

P/1 - Isso no interior de São Paulo?

R - No interior de São Paulo.

P/1 - Em que cidade?

R - No Paraná, também. E mais uma vez eu não me dava bem com os outros. Quando eu saía sozinho eu me saía bem. Sozinho eu me saí bem todas as vezes. Teve lugar em que eu não recebia e não me deixavam ir embora. Mas e eu ia embora. Sozinho eu chegava longe e com os outros eu acabava me perdendo.

P/1 - Eles ficavam lá?

R - É, eles voltavam. Aí não dava. Por quê? Porque eu não tinha a consciência que tenho hoje. Hoje na idade em que estou, tenho uma consciência das coisas, tenho uma visão das coisas. Tudo pelo que eu já passei, se tivesse que passar agora, eu iria agir diferente. Eu via pessoas, homens, que estragavam tudo. Não sabiam fazer nada. Porque ao invés de sair, aceitavam aquilo. Eu trabalhei em lugares aqui em São Paulo, no Paraná e no Mato Grosso que quando aceitei diziam: “Fulano chegou depois de mim e já tem tudo isso de dinheiro e eu não tenho nada.” Trabalhava em lugar que o indivíduo dizia assim, para acertar as contas: “Você não sabe fazer conta, você tem a cabeça quente de trabalhar no sol.” Mesmo na construção civil eu já passei por isso. Um empreiteiro baiano, aqui em São Paulo, na cidade de Mogi, quando eu estava trabalhando naqueles andaimes por fora, disse: “Você tem a cabeça quente de ficar no sol”. Eu explodi. Eu já estava com 39 anos. Eu explodi. Só que não explodi certo.

P/1 - O que o senhor [fez]?

R - Eu peguei, escarrei na cara do sujeito e peguei um pedaço de pau. Ele correu, veio com a polícia, me levou preso e eu apanhei a vontade.

P/2 - Onde o senhor ficou?

R - Na cidade de Mogi.

P/1 - Em Mogi?

R - Em 1969. Eu tenho esse registro na carteira de trabalho.

P/2 - Do dia que o senhor ficou preso há passagens?

R - De quando eu trabalhei lá, eu tenho registro na minha carteira de trabalho na firma. Na firma está registrada. Trabalhávamos sem documento assinado. Depois disso, entramos presos às sete horas da noite. Eles ficavam rodando a noite todinha com o carro. Meia-noite em ponto entravam na delegacia, e [a gente] apanhava à vontade de cacete, onde pegassem. O soldado PM pegava e batia à vontade. No outro dia, uma roda de uns 13 paisanos ficou interrogando, mas foi mais gente, não fui só eu. Ficaram interrogando um, interrogando outro, porque fomos acusados de roubo. Eu falei: “O negócio é o seguinte, ele tem que estar aqui.” Ele não foi. Ele pegou, acusou de roubo. Ele que não pagava, era pilantra. Resultado: ele registrou a carteira e não nos mandou a embora, nos deixou no trabalho. Nisso eu cobrei, fiquei sabendo onde ele morava em São Vicente. Descobri, consegui o endereço, consegui saber que ele tinha um carro. Fazia um ano que estava na auto-escola e não conseguia tirar a carta. (risos) Eu tirei carta de habilitação em 1973 mas eu demorei uns quatro meses.

P/1 - E o homem não conseguia?

R - Eu tirei rapidinho, em 1973. Já em 1969, quem dirigia o carro dele era um soldado que morava vizinho a ele, e ele não conseguia. Então eu descobri que o apelido dele era “Boca de Traíra”, um bandido que eu não conhecia, da década de 1960. Eu voltei ao local de trabalho depois saber disso, peguei e falei para todo mundo sobre isso. Então eu retorno a Santos. Em São Vicente ele chegou e me localizou na rodoviária. Era uma casa. Hoje a rodoviária deve ser diferente, mas era uma casa, um salão onde o pessoal comprava as passagens. Ele chegou lá com uma pastinha: “Você vai na minha casa, lá no serviço da noite e não sei o quê, não sei o quê”. “Quando o meu dinheiro que está no teu bolso vier para o meu, aí você fala comigo.” E ele me ameaçou: “Vou mandar lhe prender, vou lhe bater.” “Espera aí, você tem um ano na auto-escola, e um carro. Quem dirige seu carro é o vizinho, seu apelido é Boca...” O cara saiu rapidinho que nem...

P/2 - O senhor descobriu rapidinho toda a verdade sobre o cara.

R - É. Então o cara saiu fora. O cara não pagava, o cara era bandido mesmo, e tem muitos desses assim. Eu trabalhei em muitos lugares em que não recebia dinheiro, só que com esse eu já fiquei mais esperto, porque a vizinhança dele ficou sabendo, o local de trabalho, os outros empreiteiros do prédio.

P/2 - E isso da construção civil era onde?

R - Em Mogi.

P/2 - Mogi das Cruzes. E o senhor dormia lá?

R - Dormia na obra porque era solteiro. Tinha que fazer isso porque era o certo. Se hoje em dia eu trabalhasse em lugares assim, iria procurar a autoridade certa para denunciar. Ainda hoje existe muito trabalho escravo. Eu até gostaria do acaso, das circunstâncias me levarem a um lugar de trabalho escravo assim, onde eu já passei, que eu já vi na televisão, no jornal. Eu não tenho medo. Se eu saio procurar uma autoridade certa para denunciar. Como eu já procurei e já aconteceu. Eu trabalhava em um lugar, dava parte porque não recebia e me falavam assim: “Você já pegou o que é seu e saiu de lá? Se não pegou vá lá pegar e vá embora, porque se vier reclamação contra você, você vai ficar preso e vai apanhar”. E eu não recebia o dinheiro, eu ia agir. Eu li muito aquele livrinho de bolso de FBI. Eu li muito, e aquilo põe muita coisa dentro da cabeça da gente, muita minhoca. E a minhoca sai pulando no chão (risos). Então se eu caio em um lugar desses, eu não tenho medo! Vou falar a verdade e dou endereço. Na rua Senador Paulo Egídio tinha um escritório de advogado. Eu compro o Diário Popular, procurando serviço. Vou lá, eles pegam o documento e fazem a ficha. Mas não existe. Então me mandaram pra um lugar perto de Arujá. Dizem que há 120 quilômetros de distância de Arujá. E lá eles não pagavam.

P/1 - Era construção também?

R - Não, era fazenda, eu não sabia. Não pagavam. Trabalhava, trabalhava e não pagavam. E eu tenho um defeito, tinha um defeito: a língua solta. Eu não sabia, então havia pessoas que me chamavam de doido por eu falar. No serviço eu ficava conversando com todo o mundo, explicando as coisas, fazendo política, porque era época da ditadura. Não tinha consciência disso, senão até ia me cuidar. Tinha um indivíduo que queria fazer a cabeça dos outros, um jagunço. E acabava o domingo sem receber dinheiro — porque eles não pagavam. Domingo eu fui a um boteco, fui caminhar. Era o dia de não trabalhar. E eu fiquei sabendo de uma coisa —

porque eu não sabia nada. Quando eu cheguei uma mulher falou: “Você mora por aqui?” “Eu trabalho numa fazenda assim e tal.” “Ah, é?” “É.” “Lá não tem um rapaz assim, que fala isso e isso? Pois fale para ele ir embora, pelo amor de Deus, porque vão matar ele.”

P/2 - E era o senhor?

R - É. Eu digo: “Tá bom, vou falar.” A mulher me falou, eu fiquei achando bom. Ela até me lembrou o tipo da mulher, alta, forte. Não sei se tinha descendência de italiano ou português, mas ela me fez lembrar a minha avó materna. A feição, o jeito, tudo. Simpatizei com ela. E ela me falou aquilo. Fui comprar o que? Pão e doce para comer porque aqui a comida era pouquinha, dava fome. Isso foi no domingo. Na segunda-feira me mandaram embora. “Tudo bem, paga meu dinheiro.” “Não, você deve não sei o quê. De jeito nenhum”

P/1 - Mas devia por quê?

R - Comida, bebida...

P/1 - O senhor comprava lá?

R - Não, não. O colchão em que eu dormia, ele mandou tirar. “Mas como eu levava o colchão.” “Põe nas costas dele.” “Mas de que jeito?” “Esvazia, joga fora e põe no bolso o colchão.” Ele foi falando um monte de palavrões. Foram muitos bichos bravos que eu soltei lá. O cara ameaçou com tiro e depois não estava com arma nenhuma. Eu fui cauteloso, me controlei com uma faquinha pequenininha. Encostado nele, ele facilitou, não tinha arma nenhuma. O outro pegou no porta-luvas do carro. “Não tem arma.” Foi aquela briga. Eu não sei, hoje em dia eu digo... Poxa, como é que eu fazia aquilo? Eu era maluco mesmo! Ele me pagou, só que a peãozada não se meteu. Passado não sei quanto tempo, eu encontro um peão de lá. Ele me viu na rua mas eu não conheci ele. Ele me reconheceu e falou: “Oi, fulano de tal!” “E como ficou lá?” “Olha, depois que você foi embora de lá, chegou outro para trabalhar pior do que você, que falava mais coisas. E todo mundo recebeu o dinheiro.” Porque ele não pagava. Nisso, sem dinheiro, sem experiência e sem saber pensar nada, saí pro Paraná. Cheguei ao Paraná, e apareceu um indivíduo [me chamando] para ir trabalhar em uma fazenda. Eu aceitei, foi muito boa a proposta.

P/2 - E pagavam?

R - Não. [Um] chegou para mim e falou assim: “Olha, eu vi aquele homem conversando com você, ele é bonzinho. Mas lá ninguém recebe dele e eles matam as pessoas lá!” Eu abracei o peão e falei: “Meu amigo, que beleza o que você está me falando, vamos pra lá.” Eu fui. Realmente ninguém recebia mesmo, não cheguei matar ninguém, mas eles costumavam matar.

P/2 - Mas quando o senhor foi para o Paraná?

R - Assim que eu entrei em São Paulo. Em 1961 eu comecei a entrar no Paraná. Ia para o Paraná, vinha para São Paulo. Eu tinha serviço num lugar e no outro.

P/2 - O senhor ia para onde precisavam?

R - É. E quando eu fui trabalhar ninguém recebeu dinheiro nesse lugar. Só que eu pegava e fazia política lá. Só que ninguém tinha coragem de reagir. “Era todo mundo sair junto que recebe. Se não receber, a gente…”

P/2 - E o senhor era ligado a algum partido ou associação?

R - Não, eu era ligado a nada.

P/2 - Era por sua conta?

R - Era por minha conta. Se a gente era ligado, tinha que reagir, coordenar. A gente precisa fazer e não faz nada. Eu não nasci para ser ligado, não tinha jeito.

P/2 - E depois do Paraná?

R - Me lembro que eu andei, mesmo quando era religioso.

P/2 - Entendi. E depois que o senhor sai do Paraná vai para qual outro lugar?

R - Depois do Paraná eu vim para São Paulo. Fui para o Mato Grosso, fui para Goiás, fui para Rondônia...

P/1 - Procurando emprego, trabalhando em fazenda?

R - Eu não entendia nada, infantilidade da pessoa, infantilidade...

P/1 - Quantos anos o senhor tinha?

R - Tinha 19 anos quando eu vim para cá… Até 1970! Em outubro de 1970 eu parei em São Paulo.

P/1 - O senhor ficou de vez?

R - Agora só saio de São Paulo para ir visitar os parentes no Rio. Morei um tempo na Vinte e Cinco de Março, no Parque Dom Pedro, e depois vim morar no Brás,

no Tatuapé, onde estou morando agora.

P/1 - E onde foi o primeiro lugar onde o senhor morou?

R - Aqui em São Paulo? Eu dormia sempre aqui no Brás, nas pensões aqui do Brás.

P/1 - Nas pensões?

R - É. Quando eu me fixei em São Paulo, eu passei a morar numa vaga mensal na Vinte e Cinco de Março.

P/1 - Perto do parque Dom Pedro?

R - É, no número 92, logo no começo do viaduto.

P/1 - Era uma pensão?

R - Era.

P/1 - Só para homens?

R - É. E de lá eu vim pro Brás e fiquei. Eu também trabalhei e morei em São Bernardo, ficava vendendo na portaria da Volks. Fiquei uns quatro meses em São Bernardo, me mudei para Santo André — que foi onde tirei a carta de habilitação em 1973 — e depois vim para cá e parei na Gomes Cardim. Hoje, a pensão em que eu morei é um estacionamento frente a rua Otávio Afonso.

P/2 - E como é que era na época em que o senhor morou, antes de ser estacionamento?

R - Era pensão. Embaixo tinha um bar, e a parte de cima era a pensão.

P/2 - E como é que funcionava no dia-a-dia, na divisão das coisas?

R - Tinha um casal lá que era responsável pela pensão. Devia ser casa alugada. Depois disso foram vendendo a pensão, e bagunçou tudo.

P/2 - Por quê?

R - Porque quando os proprietários eram aquele casal, eles ficavam e tomavam conta, era bom. O outro que comprou só queria ter pensão e nos colocava para tomar conta. Pegava uma pessoa qualquer para tomar conta e o negócio bagunçou. Depois aquele vendeu para outro e acabou a pensão.

P/1 - Quantos rapazes moravam na pensão?

R - Mais de 60 pessoas.

P/1 - Mais de 60?

R - É, às vezes.

P/1 - E quantos quartos havia, mais ou menos? Havia vários?

R - Um monte. E eu sempre, de preferência, morava em quarto sozinho.

P/1 - E no quarto sozinho dava para cozinhar?

R - Não, não podia.

P/2 - Era só para dormir?

R - É, era só pra dormir. Mas eu não queria cozinhar porque passava o dia todo na rua trabalhando, então eu tinha que comer o dia todo na rua.

P/2 - E como é que era o Brás naquela época? Faz muito tempo...

R - Em 1978, foi quando eu saí do Brás. Era muito movimentado em frente à

estação do norte. Não tinha aquele movimento de hoje, de passageiros. Ali tinha carro. Foram aterrando, só que era um lugar que tinha malandragem, tinha vagabundo no Largo da Concórdia.

P/2 - Por quê, o que tinha?

R - Na praça só. Quando eu cheguei aqui em São Paulo. Quando eu vim aqui em São Paulo, em 1966, eu me lembro que tinha um casarão. Dizem que era um teatro, mas acabou aquilo, ficou só a placa. Mas até 1978 era antigo ainda. A Praça da Sé, eu me lembro que era antiga. Tinha a parte da Igreja e dois cinema ali. Agora ficou tudo diferente, depois da obra do metrô.

P/1 - Eles demoliram ali.

R - Tinha um prédio na rua Santa Teresa. Eu estava trabalhando na Feira do Glicério no domingo, que foi o dia da implosão, e de lá o pessoal da feira escutou. Mas todos já estavam sabendo o que era, o pessoal estava avisado por rádio e jornal. Eu só fui ter televisão depois que eu casei. Quando estava solteiro não ia me preocupar em comprar televisão. Escutava rádio. Só fazia mais era ler o jornal.

Até hoje eu não consigo ficar parado na frente da televisão.

P/1 - Ferramenta, quando você veio para São Paulo de vez, você foi trabalhar com o quê?

R - Eu era peão de fazenda, trabalhava nas fazendas.

P/1 - Mesmo aqui em São Paulo em 1970 e pouco?

R - Quando eu vim...

P/1 - De vez...

R - Eu ficava procurando emprego, ficava na Praça da Sé. [Ficava] na Praça do Patriarca conversando, discutindo política. Neste mês uma pessoa chegou e me falou que eu tinha que trabalhar na feira, que ele me ensinava

a trabalhar na feira e que eu tinha que esquecer esse negócio de ir para o mato. Eu trabalhei com essa pessoa dois meses, depois eu passei a trabalhar para mim. A pessoa me pagava.

P/1 - Feira de rua?

R - Não, feira mesmo. Eu não trabalhava na rua como hoje. Eu trabalhava na feira, “corria do rapa” e tudo.

P/1 - Ah, sim. Na feira de comida, de legumes?

R - Um dia, nas feiras. No outro dia, nas feiras livres, eu vendia bijuteria. Depois de bijuteria, passei a vender carteiras, limpeza em geral e ferramentas.

P/1 – Tinha “rapa” também? Como você ficava sabendo se estava tendo confusão?

R - Não, a gente sabia. A gente estava trabalhando e quando o “rapa” vinha os antigos já sabiam. Ficavam sempre na expectativa, tinha olheiro. Mas o olheiro nem sempre acertava. O interessante é que quando eu comecei trabalhar, o pessoal do “rapa” se concentrava no Largo da Misericórdia, na Rua Direita e na Praça Patriarca. Os caras, imbecis mesmo... Desses que se dizem fiscais mas que não são bem fiscais, são ajudantes. Ficam no escuro à noite. De primeiro ficavam na cidade, no Largo da Misericórdia, na Praça do Patriarca, até dez, onze horas, porque não tinha perigo. Hoje em dia não dá, nem tem motivo para ficar mais. Eles se concentravam muito ali à noite, e eu também, então eu ficava conhecendo eles. E meu colega falou: “Olha, esse aí é o cara...” Eu ficava conhecendo os que iam a nossa feira e os que não iam, mas depois a gente acabava encontrando eles em outra. Quando eu entrei na feira, como era bijuteria, eu tinha meu jeito de sair fora, me safar. Quem já era conhecido deles... Eu levei uns dois meses ou quatro para ficar bem conhecido, e não fiquei muito conhecido em toda a feira. Então quando fiquei conhecido deles e eles vinham, eu saía fora. Às vezes eu passava por eles, carregava cigarro no bolso e um isqueiro, porque eu vendia cigarro. Mas não era pra acender, ele não acendia. Eles chegavam, eu estava com a mercadoria na sacola, no braço assim. Então eu parava na banca de fruta e perguntava: “Quanto é isso e aquilo?” Chegava, pedia para alguém, eles iam lá. Os caras até acendiam meu cigarro...

P/1 - Eles nem sabiam que o senhor estava vendendo?

R - Eu não fumava... Fumava o cigarro que eu carregava, fumava quando eu necessitava. Saía fora deles depois que ficaram me conhecendo. Naquele tempo eu não sabia que existia corrida de rua, nem São Silvestre, nem nada. Hoje em dia eu sei, mas eu treinava. Corria no mesmo lugar antes de dormir e quando levantava. Na pensão era difícil eu não fazer isso. Quinze minutos marcados de relógio. Uma vez eu tive uma encrenca com um, apanhei um pouco, e entrei em uma academia. Fiquei dois meses e depois esqueci das pancadas que levei. Saí da academia e não aprendi mais nada, porque era luta livre. Só fazia exercícios para treinar e acabei não fazendo mais. Um colega que entrou comigo ficou dois anos nessa [academia], depois ficou dois anos em outra, depois fez luta e parou. Hoje em dia não sei mais onde ele mora. Encontrei com ele algumas vezes, está bem de situação. É um cara que eu tenho na condição de irmão porque ele me orientou para trabalhar nisso. Se eu não trabalhasse nesse serviço já teria morrido de fome. Eu comecei a me interessar por política, comecei a ler. Lia jornal todo dia, lia um livro, ia na Biblioteca Mário de Andrade para ler. Ele ia, eu ia. Inclusive ele chegou a ser candidato a vereador em Diadema, mas não ganhou. Depois ele saiu fora da política. Era comunista, deixou de ser. Demorei a deixar de ser porque eu conversava. Os outros diziam que eu era mas eu não entendia nada porque não participava, não estava ligado ao movimento. Só de 1984 para 1985 foi que eu me liguei num partido, o POC.

P/1 - POC?

R - Partido Operário Componente. Porque eram as duas classes que produzem: a classe operária, que produz tudo o que todo mundo usa; e a classe camponesa, que produz o alimento. Sem essas duas classes, não tem nada, não temos nada.

P/2 - E como o senhor tomou contato com as pessoas desse partido?

R - Na praça, na rua, conversando. Esses outros me chamaram assim: “Vamos aí numa reunião”, e a gente ia. Eu fui em uma reunião na Praça da Sé.

P/1 - Na Praça mesmo?

R - É, depois ia para outro lugar. Umas duas vezes fomos em bares diferentes, em restaurantes. Uma vez a gente estava em quatro ou em oito. Cada um comprou uma cerveja, eram quatro ou oito pessoas, só para ficar conversando. Saí e me convidaram para ir num curso de oratória e eu assisti. Até me deram um comprovante de participação mas eu não quis. Era um papel. Cheguei em casa e joguei fora porque em vez de estar “Eraldo”, estava “Eroldo”. E “Eroldo” não era eu. Joguei fora o papel, mas continuei indo. Depois eu deixei de ir e então me chamaram. Foi quando eu entrei no partido clandestino. As pessoas que estavam ali, naquele meio... Tinha gente que tinha outra...

P/1 - Esse partido era clandestino?

R - Era. Tenho o programa e estatuto dele, guardado de relíquia.

P/2 - De que ano que era?

R - 1984 ou 1985.

P/2 - Final da ditadura?

R - É, final da ditadura. Ainda era o Figueiredo. Nosso partido era o seguinte: não era para votar em ninguém. Porque no Brasil e em lugar nenhum do mundo se muda o regime sem guerra. Então para mudar o regime não vai ser pelo voto porque acontece o seguinte: aquele que ganhar vai fazer média com outro. Se ele tem boas intenções e ele está fraco, ele não consegue nada. quem vai mandar são os líderes do governo. Então tem a máfia, tem um monopólio do poder. Tem que radicalizar. Na Albânia que aconteceu. Com o Enver Hoxha aconteceu a mudança só que depois caiu tudo. Na antiga União soviética em 1917, ou Rússia. Na China, em Cuba. Todos os outros países por aí afora só mudaram pelo seguinte: a noiva continua virgem depois do casamento se ela não for estuprada; a criança também não nasce sem sangue; o médico não opera sem sangue. Então, para ter uma mudança radical, uma mudança certa, hoje em dia, eu vejo a necessidade que no Brasil deveria ter — como na Itália — aquela Brigada Vermelha ou coisa similar. Todos esses políticos que tem... “Quantas aposentadorias você tem? Duas aposentadorias políticas? Você pode ser punido pelo resto da vida.” Só vai ter uma aposentadoria política. Se tem duas? Elimina esse sujeito. Então aqui tem que fazer uma caça às bruxas de cima para baixo, para endireitar. Se lá em cima eles não tem moral, aqui embaixo não vai endireitar nada. Não tem moral lá, o que vai endireitar aqui? Um promotor quer fazer certo: eles tiram aquele e colocam outro. O rico é corrupto, cleptomaníaco. Só o pobre é ladrão. Se ninguém está com fome, ninguém rouba. Não tem como. Eu não acredito na honestidade de quem está passando fome. Tem aquele que rouba porque é pilantra, sem vergonha, preguiçoso. Esse tem que entregar para Fidel Castro. Tem que aplicar aqui uma lei assim: vai todo mundo trabalhar. Se trabalhar não tem esse negócio de ficar vadiando, ou às custas do outros. Quem está às custas do outros: os políticos! Com dez aposentadorias, onze aposentadorias. Esses indivíduos não têm vergonha, são cara de pau mesmo. O que eu chamo de sacos, de excremento humano em forma de gente. São esses políticos que acumulam aposentadorias, uma vergonha. Então fecham a creche e dizem que o estatuto da criança não existe. A Febem, o SOS Criança. O sistema carcerário do Brasil não é para regenerar ninguém.

P/1 - O senhor conhece a SOS Criança do bairro?

R - Não, mas eu conheço onde fica. A gente vê o pessoal que entra lá e está na rua. Que vai para lá e não muda, não melhora. Por quê? Outro dia eu li no jornal que na Febem, por exemplo, eles ficam lá, sentados, de cabeça baixa, não podem conversar. Tudo misturado. Preso tem que ser separado pelas características, precisam de psicólogos para solucionar os problemas deles, médicos e essas coisas. Se houvesse uma área agrária, aqui teria plantação, teria esporte e lazer em geral, teria escola e essa turminha ia melhorar. Ia melhorar porque o batedor de carteira, o ladrão, ele rouba uma pessoa no dia. Mas os políticos roubam 24 horas por dia.

P/2 - O Brasil inteiro.

R - É. Vinte e quatro horas por dia eles roubam o Brasil inteiro. Então o que tem que fazer? Em um sistema carcerário, quando o indivíduo cumpre a pena e eles mandam embora, o que acontece? Ninguém que sai descalço, sem roupa, sem dinheiro, sem nada! Esse indivíduo acaba roubando novamente. O indivíduo sai da Febem sem nada: vai roubar novamente. Em outro lugar tem área suficiente para fazer uma fazenda modelo, uma escola onde eles vão aprender toda espécie de esporte, trabalho, tudo. Vão ter a roupa deles, vão ter maquinaria agrícola, vão aprender consertar, vão ter filmes instrutivos, livros instrutivos, pessoal para ensinar para eles. E vão achar bom. Muitos vão ficar lá. Como em Salvador, um orador famoso espírita da Bahia, que cuida de pessoas abandonadas. Não cuida de bandido, mas casa de pessoas abandonadas. Ficam trabalhando e se arrumam um emprego fora, eles voltam para lá para continuar ajudando. Tem que fazer isso no sistema carcerário, na Febem ou no SOS Criança. Tem que dar aquilo que é preciso para melhorar a pessoa. Do jeito que está não vai melhorar ninguém. Não tem segurança, a democracia é uma farsa aqui no Brasil. O povo não tem segurança. Rico ou pobre, ninguém tem segurança.

P/1 - Vamos voltar um pouquinho na profissão do senhor. O senhor trabalhou com a feira até quando, mais ou menos?

R - Até hoje eu trabalho. Só que na feira, quando a Erundina entrou na Prefeitura, ela liberou o pessoal pra ficar na rua. Então não deu para ir na feira.

P/1 - Por que?

R - Porque se ia à feira, não vendia nada. Então eu ficava na rua, porque na feira não vendia mais. O pessoal encontrava na rua. Está passando, está encontrando.

P/1 - Está mais fácil...

R - Está mais fácil. Então na feira perdia tempo. Voltei ficar na rua novamente.

P/2 - Onde eram?

R - As feiras que eu fazia?

P/2 - É.

R - No Parque Dom Pedro. Eu saía de manhã cedo, de madrugada, e no domingo só. Mas sempre de madrugada e ficava durante o dia todo. Depois que eu saí de lá e vim parar aqui na rua Domingos Paiva.

P/1 - Aqui no Brás.

P/2 - E o senhor vendia as mesmas coisas?

R - As mesmas coisas. Foi quando eu fiquei o dia todo na rua e não ia mais à feira por causa disso. Ninguém vai mais na feira porque se vai na feira, não adianta. Se fica na rua, quer dizer... Nem presta na feira, nem presta na rua, mas não tem outra coisa para fazer.

P/2 - Ferramenta, e como é que se escolhe o lugar onde vai ficar?

R - A gente chega, olha e fica. Em frente ao Largo da Concórdia, umas duas vezes o “marreteiro” de lá me fez sair. A mercadoria é totalmente diferente. Uma vez eu abri um paraquedas no chão, que é um plástico de mercadoria, e me fizeram sair de lá. Na outra vez, eu estava com a mercadoria na mão, extensões e me fizeram sair, mesmo mercadorias diferentes. Eles não querem, fizeram isso comigo. Eu tenho um amigo, um conhecido que vende milho e, quando não é milho, ele vende cocada. Atualmente está vendendo cocada e puxaram o revólver para ele, para tirar o carrinho dele daí.

P/1 - Quem está mais tempo não deixa?

R - Não, não deixa. É a máfia, dos poucos “marreteiros”. Só que nessa rua em que eu trabalho qualquer um chega e ninguém diz nada.

P/1 - É uma rua que tem bom movimento, como essa aqui do Brás?

R - Não. Quando mudaram a passagem acabou o movimento, matou a rua. Mas a gente é forçado a ficar. E se vai para outro lugar não dá pra vender.

P/2 - Que passagem era essa?

R - O pessoal que desce por dentro da estação descia por fora e subia a passarela da linha do trem. Agora, não. Agora só passam por dentro da estação. Um pouquinho de gente que se perde passa ali por fora, ou quem tem negócio daquele lado. Ficou ruim para as três lojas que tem, uma na esquina, duas lá na frente e ficou ruim para os vendedores dali.

P/2 - E agora não vão colocar uma passarela ali?

R - Trinta e um de outubro eles vão abrir a passarela que está em reforma.

P/2 - Vai melhorar então.

R - A gente espera. E com o negócio de aumentar preço de passagem.... Eu acredito que o governo vai acabar fazendo uma desintegração na passagem. O pessoal acha bobagem por causa do preço da passagem de metrô e de trem.

P/2 - E onde o senhor pegava suas mercadorias para vender aqui no Brás?

R - Tudo na Vinte e Cinco de Março. Naquelas lojas da Vinte e Cinco.

P/2 - Desde a época que o senhor se instalou aqui?

R - É , sempre foi ali.

P/2 - E como é que era o bairro quando o senhor se instalou aqui para vender no Parque Dom Pedro e depois na Domingos de Paiva?

R - Ali no Parque Dom Pedro, antes de ter a Erundina como prefeita, a gente só trabalhava na feira e nas construções. Mas veio o desemprego. Por isso ela deixou ficar na rua, pelo desemprego. Porque muita gente que está trabalhando de vendedor é porque não tem emprego. Tem pessoas que têm profissões, mas não têm emprego, não acha emprego. Naquela rua mesmo, tem um que foi mestre de obra. Um que estava bem pra cá da loja da esquina, que falou comigo. Ele é mestre de obra, mas está trabalhando de vendedor ambulante porque não tem emprego. E assim é muita gente. Eu, por exemplo, na idade de 60 anos. No Brasil começou cair cabelo branco ou passou de 30 anos, não tem mais emprego. Então vai fazer o que? Uma vez me propuseram tomar conta de um sítio. Eu não sei o tamanho dele, nunca perguntei, mas também não fui para lá. É de uma irmã minha que mora no Rio. Ela é professora, o marido é professor e me falou assim: “Você trabalha lá, toma conta. Eu registro a carteira, pago o salário mínimo e dou a cesta básica. E o que produzir lá fica dividido para a gente. Metade para você e metade para mim, e pelo estudo da sua vida a gente se responsabiliza. Lá tem escola perto. Eu ponho telefone lá e deixo o carro para você.”

P/2 - E o senhor não quis?

R - Não, mas eu quero até hoje. Porque iria sair desse serviço que estou e achar um serviço em que eu ia me modificar. Garanto que eu ia ficar mais sabido e ia me renovar mais, ia aproveitar mais o tempo para ler, trabalhar. Eu não gosto de viver às custas de ninguém senão eu teria vivido às custas do meu pai. Ou então de pessoas que quiseram que eu vivesse às custas e eu nunca quis, eu não consigo. A mulher minha que não quer. Fala: “Você vai se empregar de sua irmã?” E daí? Qual é a diferença de empregar de quem quer que seja? Se é da minha irmã, melhor ainda. Poxa, em um sítio, ia estar lá no Rio de Janeiro. Ela tem casa lá em Saquarema. Mora no Rio, mas tem casa em Saquarema. Fica em Bacaxá, o sítio. Ela falou: “Ah, fica lá à noite. Estando ali, se quiser vir para o Rio de Janeiro, ou quiser vir passear, está fácil.” Então ia ter mais tempo. Então minha irmã falou assim: “Quando tiver as feiras, você vai para lá e onde quiser.” Poxa, aí eu ia aproveitar, porque eu tenho minhas ideias e porque eu tinha alguns livros de agronomia guardados em casa. Não tenho mais porque já joguei fora mas eu sei como adquirir. Se eu fosse para lá, eu tenho a impressão de que ia melhorar, ia produzir bastante para melhorar. Mas a mulher não quer. A mulher tem os parentes.

P/2 - Ela é de São Paulo?

R - Não, ela é de Sergipe, é minha prima.

P/1 - Ela é prima do senhor? Como o senhor conheceu sua esposa?

R - Quando a gente era criança a gente ficava junto. Ficava agarradinho e parecia namorado mesmo.

P/1 - Desde criança?

R - É. E depois passou um tempo, tínhamos 13 anos e depois eu vim embora. Saio de Aracaju, eu vejo ela, ela me vê na cidade de Itabaiana. Depois eu venho embora e esqueço. Casei uma vez em 1967. O casamento durou três meses e dez dias. Saímos do interior de São Paulo para o Rio de Janeiro, para arrumar um emprego para mim, um lugar para morar, mas a mulher não aceitou ficar. O caso é que ela não me quis. Eu é que entrei de gaiato quando eu casei. Ela estava com cinco meses de gravidez e eu assumia como se fosse meu, e não era. Ela era bonita e então eu achei que estava certo, mas a gente tinha ideias totalmente diferentes, só veio ver depois. Não durou nada, ela foi embora eu levei ela lá ainda. Não devia ter levado mesmo, devia despachado ela na condução e ela foi para lá. Fiquei pra lá, fiquei pra cá, fiquei andando. Fiquei magoado, duro. Mas depois um dia, passado um ano do acontecido, eu estava trabalhando em um sítio em Jundiapeba. Parece que chegou na minha frente alguém e me cumprimentou, e eu ajoelhei. Não chegou ninguém, não tinha ninguém, eu só senti. Era impressão. Eu me ajoelhei e disse: “Muito obrigado.” E comecei. “Você queria morrer?” Não conseguia me encontrar, mas depois disso, que bobagem eu ia fazer na vida! Hoje em dia é que estou feliz. Depois disso andei pra lá, andei pra cá, não procurei o divórcio porque estava separado o nome. Aliás, foi aí que entrou a lei do divórcio. Também não procurei me divorciar. Quando fui para o Rio de Janeiro e encontro essa minha prima lá, na casa da minha mãe. Encontro ela lá. Eu ia para o Rio e ficava dois dias, três dia, um dia. Só para ver minha mãe e meu pai. Nisso, eu fiquei 15 dias.

P/2 - Apaixonou.

R - E aí, pronto. Era o quinto carro que eu já tinha comprado. Hoje eu não tenho mais carro. O sistema me tomou o carro. Cheguei com carro semi-novo. Nós estávamos em 1978 e o carro era 1976. Aí só fui ficar passeando no Rio de Janeiro. Da Ilha do Governador até a Barra da Tijuca. A gente passeava todo dia, todo dia. Saí da casa da minha mãe e falei que ia embora. Fui para casa da minha irmã e fiquei lá, em Caxias. Peguei as duas sobrinhas minhas e essa minha mulher. E a gente só passeando todo dia, todo dia. Saía de manhã cedo, depois do café, e voltava à noite. Então eu vim para cá. Depois que comecei a ir para Brasília, corri ao interior de São Paulo atrás do divórcio. Encontrei a mulher e o divórcio foi uma beleza. Depois eu casei. Sempre eu pensava que não ia casar porque economicamente não tinha situação, não tinha condição. O casamento prende, amarra a pessoa.

P/1 - O senhor tinha quantos anos quando se casou?

R - A primeira vez?

P/1 - Não, agora.

R - Trinta e nove.

P/1 - Trinta e nove! Que bacana!

R - Fui para Brasília. Minha mulher quis ir para Brasília porque tinha parentes dela lá. Parentes dela e meus também, porque a gente é tudo primo. Mas eu não me adapto. Conheço Brasília, fui uma porção de vezes, mas não me adapto. Todo ano ela vai para Brasília e fica dois ou três meses lá. Quando a menina estava estudando, as feiras eram todas para lá. Agora que não estuda, qualquer hora vai. E eu não vou.

P/1 - Ferramenta, vamos falar um pouquinho do Brás agora. Você lembra do Brás antigamente, se tinha bonde?

R - Eu cheguei andar de bonde aqui, da Penha até a General Carneiro. Naquele tempo eu não sabia nome de rua nem nada. Hoje eu sei que andei da Penha. Vim aqui pela rua do Gasômetro. Eu não sabia nome de rua. Entro na Vasco da Gama, na Rangel Pestana. Não tinha esses viadutos. No Brás nem lá [na Penha]. Quando eu cheguei aqui em São Paulo e depois que eu vim em outras ocasiões, tinha esse viaduto da estação do Brás, os do Parque Dom Pedro, o Minhocão. E disso tudo eu não sabia. Só soube depois. Entrava na rua Penha, na rua Pestana, na rua do Gasômetro, na Vasco da Gama. Pegava a Rangel Pestana e ia até a General Carneiro. Eu andei de bonde assim.

P/1 - Era elétrico o bonde?

R - É, era elétrico. Eu andei em bonde.

P/2 - O senhor andava para se locomover de um lugar para outro?

R - Não. Duas vezes eu andei assim. Saía procurando emprego e pegava um bonde. Peguei um bonde poucas vezes. Depois não tinha mais bonde. Fazia ponto na Rangel Pestana, no Parque Dom Pedro, sentido Rangel Pestana, acima do rio. Aí já não fazia mais, já era viaduto.

P/2 - E esse viaduto? O senhor conheceu quando ele não existia ainda?

R - Antes de ter o viaduto eu conhecia. Tinha a porteira que passava... A porteira que batia um sinal e levantava aquela porteira. Os carros passavam e depois abaixava. Isso em 1961. Depois sei que quando vim para cá eu andava muito. Naquele tempo, na lavoura, a gente andava de uma cidade a outra. E aparecia um empreiteiro procurando gente para trabalhar. E eu ia. Houve lugares em que eu trabalhei de que até hoje tenho saudades. Tem lugares que nunca mais eu vi, porque era onde ninguém recebia dinheiro. (risos)

P/1 - Ferramenta, e a primeira vez que você andou de metrô? Você se lembra?

R - Lembro. Na primeira vez em que andei de metrô eu já estava casado. Parei na mulher, de Brasília pra cá, e queria andar de metrô. Embarcamos na Sé sentido Jabaquara. O pessoal pegava o metrô. Acho que mais de duas vezes pegamos o metrô errado. Só vinha pro Brás.

P/1 - Por quê?

R - Porque eu não sabia andar. Perguntei pro guarda e ele falou: “Pega aqui.” Eu peguei e saí do outro lado.

P/1 - O senhor só sabia vir para o Brás?

R - Não, é que eu entrava e acabava ali, não conseguia acertar outro lugar. Não sabia. Chegava na estação do Brás, e depois voltava. Não tinha para o Tatuapé.

P/1 - Ele vinha até aqui?

R - É, depois foi que fizeram para o Tatuapé, mais isso foi na década de 1980. Quando estavam construindo o metrô eu nunca precisei sair de metrô. Deixa eu ver... Não! Eu usei, sim. Não! Não usei. Eram ônibus.

P/2 - E o senhor lembra o que sentiu na primeira vez que andou de metrô? Qual foi a sensação?

R - Não, não senti nada. (risos) Só que o metrô é bom porque é rápido. Transporte rápido. O governo tinha que pegar e expandir o metrô. Santo Amaro, Mogi das Cruzes, até levar para Osasco mesmo. Mobiliza, não tem problema. O metrô é para subir o povo, é rápido. Eu acho que é o monopólio das empresas de ônibus que não deixam expandir. Traz benefício para o povo. O metrô é sensacional.

P/1 - E da época da construção? O senhor acompanhou alguma coisa aqui no Brás?

R - Eu trabalhava nas feiras, então eu acompanhei o serviço de construção. Fiquei sabendo que morria muita gente no metrô. Ali na Praça Clóvis Beviláqua, na avenida Rangel Pestana, tinha uma entrada de metrô. Eu frequentava muito a cidade à tarde, depois da feira, porque trabalhava na feira e não ficava o dia todo na rua trabalhando. Não podia. Só quando tinha um lugar em construção naqueles horários ou em porta de fábrica. Em horário de entrada e saída, horário de almoço e saída à tarde. Eu tinha mais tempo, ganhava mais dinheiro e sobrava tempo. Eu passava pela Praça Clóvis, via carro da polícia entrando e ficava sabendo que era para buscar gente que morreu acidentada ali. Não se falava nada a ninguém. Igual na ponte Rio-Niterói, em que dizem que morreu muita gente.

P/2 - Mas eram pessoas que estavam trabalhando na construção?

R - É. Mas, de fato, deve ter tido muito acidente. O sistema de prevenção de acidentes no Brasil é muito deficiente.

P/2 - Eu queria perguntar uma coisinha da porteira, que ficou para trás. Era mais de uma porteira? Onde ficava?

R - Era só uma. Na rua Pestana, embaixo do viaduto que hoje tem uma passarela. Era uma madeira de um lado e uma do outro que levantava, depois que o trem passava. Quando o trem estava a passar ia baixando com o sinal.

P/2 - E era manual?

R - Não sei porque não dava para ver. Mas devia ser com uma corrente que abaixava e levantava.

P/2 - Então aquela rua devia ser bem mais movimentada do que é hoje.

R - O movimento era geral na Rangel Pestana e na estação para chegar ao Parque Dom Pedro. Era tudo loja, por isso o movimento. O Parque Dom Pedro lotava, o movimento era grande. Eu transitei muito por lá, até antes do viaduto. Eu já estava nesse serviço em que estou agora. Antes eu transitava porque ganhava o dinheiro lá. Mas não achava serviço. Se eu achava serviço também não dava, porque não tinha ideia de pagar uma pensão, ou dormir na obra se achasse uma construção. Às vezes eu encontrava um serviço mas eu não conseguia ficar nas condições do ambiente da construção. Eu fui trabalhar em um lugar em São Bernardo e quando cheguei para trabalhar estava tudo bem. Mas na hora de dormir, entrava um “belisco”. Para dormir tinha que sentar e deitar para entrar deitado porque era baixinho. Eu não ia ficar lá trabalhando, então ia pro mato trabalhar. Na roça era diferente.

P/2 - Não dava nem para se virar nesse lugar de noite.

R - Por isso que muita gente não trabalhava aqui. Eu fui uma vez fazer ficha em 1960 e pouco. Eu fui até a Lapa fazer ficha para trabalhar na fábrica da Fuji. Quando cheguei fui até a sala do médico. Quando foi na hora de entrar na sala do médico todo mundo tirava a roupa, ficava só de cueca. Naquele tempo não se usava cueca, só calção. Uma porção de gente, eu inclusive, com varizes. Nesse tempo eu estava com 21 anos. Era 1961 ou era 1962. Ele disse assim: “Como é que vocês, que são tudo novo, estão cheio de varizes?” Foram todos dispensados. A mesma coisa quando tirei o certificado de reservista na cidade de Ourinhos. Quando fui fazer exame todo mundo foi dispensado. Eu já tinha varizes. Só que não incomoda nem me atrapalha em nada.

P/1 - Ferramenta, e a sua freguesia aqui no bairro? Quem é? Quem compra de você? Que tipo de mercadoria está vendendo hoje?

R - Hoje? Carteira, cigarro, cortador de unha, cabo de gravador, extensão e esse tipo de mercadoria.

P/1 - E como você faz para trazer a mercadoria?

R - Compro na Vinte Cinco de Março.

P/1 - E pra chegar todo dia aqui na banca?

R - Ah, a gente guarda em um depósito do estacionamento

P/1 - Ah, vocês conhecem um pessoal e o pessoal guarda para você? Não tem problema?

R - Não, a gente paga.

P/1 - Paga?

R - É. No trabalho tem aquela casa que faz montagem para as feiras de exposição, e quem quer guarda lá. Eu não guardo porque tem dias que ou eu não venho e só chego tarde. Então para não atrapalhar eles guardam. Mas como tem que tirar cedo, eu guardo no depósito. Então eu guardo no depósito estacionamento. Pago e guardo. Como tem dias que eu não venho ou venho mais tarde, então não vai atrapalhar ninguém.

P/2 - E é perto lá de onde o senhor está? Dá para levar na mão?

R - É. Não tenho um carrinho desses de roda. Para levar tenho uma caixa de papelão forrada de plástico, onde levo aquilo dentro.

P/1 - Tem que montar e desmontar todo o dia?

R - É.

P/2 - E que horas o senhor chega?

R - Hoje eu cheguei cedo, nove horas. Chego dez horas. Mas, de casa, o meu horário normal de levantar é às quatro da manhã.

P/1 - Por quê?

R - Porque é costume antigo. Desde quando eu comecei trabalhar nesse serviço das feiras eu acordo cedo. Então levo um pouco de mercadoria na sacola para casa. Quando são seis horas da manhã eu já estou na rua trabalhando e fico até oito e meia, nove horas, conforme o movimento do local.

P/1 - E o senhor mora aqui no Brás?

R - Não.

P/1 - E onde é que o senhor mora?

R – Em São Mateus.

P/1 - E como o senhor vai para São Mateus?

R - Eu vou e volto de ônibus, todos os dias.

P/1 - Quanto tempo o senhor demora para chegar lá?

R - Quando anda bem, no horário normal, aos domingos são 40 minutos ou mais. Mas nos outros dias é uma hora, de manhã cedo são 30, 40 minutos até a Mooca. Mas no horário em que vou embora é uma hora e meia.

P/1 - E para cá o senhor vem a pé? O senhor desce de ônibus?

R - Eu pego o ônibus, venho para a cidade e recolho a mercadoria. Ou eu venho a pé e deixo as coisas. Dificilmente venho a pé. Venho correndo. Se estou com coca-cola venho correndo, deixo e vou buscar mais. Raramente eu venho de trem, mas costumo ir de trem.

P/1 - É esse trem que para aqui agora na estação.

R - É, esse trem. Já aconteceu também de eu, que gosto de correr, ir para casa correndo. E no tempo em que eu fico dentro do ônibus fica a corrida. Uma hora e 35 minutos do lugar em que eu deixo a mercadoria. Eu gosto de fazer correndo o caminho em que vou buscar mercadorias. Eu só não corro diariamente porque quando vou correndo, deixo mercadoria, não dá para eu levar. Só pouquinha coisa e amarrar bem nas costas. Dá para correr e é gostoso.

P/1 - Ferramenta, do que você mais gosta aqui do Brás?

R - A facilidade de locomoção, de chegar aos lugares que eu preciso e comprar alguma coisa. Apesar de tudo assim o local de trabalho é pacífico. Eu gosto do Brás, de andar pela Rangel Pestana, pela rua Maria Marcolino. Gosto de andar por aí, ver as coisas, comprar alguma coisa. Depois do local onde eu trabalho, vou para o Parque Dom Pedro a pé. Se eu vou de ônibus é porque eu saio da Mooca e vou para lá de ônibus. Mas quando eu volto, só volto a pé. Eu venho pela rua Paganini Amaro e saio na rua do Gasômetro, pego o que eu tenho lá guardado e venho embora.

P/1 - O que foi que mais mudou no bairro nesses anos que o senhor conhece o Brás em São Paulo?

R - O movimento. O movimento tem muito anos e o movimento de pedestres caiu, se concentrou todo no largo da Concórdia. Aqui não tinha movimento nenhum na rua, era um lugar morto de movimento. Mas caiu. O movimento da Rangel Pestana com o viaduto e a passarela. O comércio e o movimento da Rangel Pestana, muitas sapatarias, muitas lojas de roupa, e tudo acabou, morreu mesmo. Da passarela até o Parque Dom Pedro o movimento acabou. É só no Gasômetro que tem casas que vendem e que tem movimento. Madeira, ferragens...

P/2 - E para vocês que são do comércio ambulante? Vocês não quiseram ocupar aquele pedaço que fizeram atrás da Domingos Paiva?

R - Ali...

P/2 - O que é que acontece ali?

R - Ali o prefeito ou quem deu a ideia pra fazer aquilo, quer confinar o indivíduo onde não vende nada. Ninguém ia vender um pro outro, só se vendesse um para o outro. Não vende! Só se fosse agência de carro ou um comércio atacado como tem lá na Gasômetro, com madeiras e essas coisas. Mas não é para ambulante, não tem jeito. Porque então o pessoal que vai dormir no albergue é que frequenta ali...

P/2 - Mais gente da rua, assim...

R - O pessoal vai fazer o que ali?

P/2 - E o senhor lembra como era antes de ter aquela construção? Tinha uma praça, árvores, alguma coisa?

R - Tinha. Era cheio grama e tinha lama quando chovia. Tinha favela ali, que eles tiraram. Morria gente toda semana entre os moradores de rua. E na Domingos Paiva de vez em quando morria gente. Perto de nós morria gente. Quando a gente chegava tinha gente morta, ou de repente o cara morria.

P/1 - É mesmo?

R - Tinha. Acabou, isso. Quando limparam, tiraram a favela aqui embaixo do viaduto, debaixo do metrô. Então melhorou. Ao invés de fazer qualquer a coisa mais útil como escola ou um parque de diversões, foram fazer lugar para pôr camelô. Mas não tem condição, ninguém vai ali se preocupar, a pessoa compra porque passa aqui e vê.

P/1 - Essa é a lógica.

R - Em Santo André, debaixo do viaduto, do lado direito daqui para lá, eles confinaram um bocado de ambulante. Fecharam debaixo do viaduto. Os que ficaram do lado de fora vendem. Os que ficaram aí não vendem. Eles saem para fora vender. Vêm para São Paulo, para as portas da fábrica, para outros lugares para vender.

P/2 - Entendi.

P/1 - Uma última pergunta. Você tem mais alguma?

P/2 - Não.

P/1 - Como o senhor imagina que o bairro vai ser fisicamente daqui uns tempos, no futuro? Como que o senhor gostaria que ele fosse?

R - Bem iluminado, movimentado, reformados esses casarões velho. Esses casarões velho são uma tristeza. Reformar, fazer alguma coisa útil. Comércio, moradias. E policiamento no bairro, porque à noite é perigoso.

P/1 - E qual é o sonho que o senhor quer realizar?

R - Ah, a primeira coisa seria morar numa propriedade rural. Não como quer a minha irmã, para eu tomar conta. Quero um negócio que seja meu. Não para ficar empregado. Peão não dá. Uma propriedade rural minha, um pequeno simples que eu quero para baixo. Para mim, em um lugar próximo de cidade, onde eu pudesse explorar o que produzisse. Eu garanto que eu ia ter ideia para fazer alguma coisa. Os livros me ajudaram a ter ideia, porque nos livros está a sabedoria. A gente lê e aprende. Ou [fazer] algum cursinho que a gente possa fazer algum pagamento, para poder me orientar. Seria esse o ideal para mim, não porque eu me sinta acabado. O negócio é o seguinte: eu vou trabalhar em que na cidade? No serviço meu não tem segurança. Hoje está trabalhando, amanhã perde a mercadoria e não trabalha. Como em no Ribeirão Pires, Mauá, Santo André, Suzano, São Caetano... O que eles fizeram é aquilo ali e depois não entra mais ninguém.

P/1 - Eles não deixam.

R - Não deixam, é um serviço que não tem segurança. De uma hora para a outra eu viro um pedaço de ferro obsoleto no mundo. Se eu estou num sítio, está certo, é garantido. Não tem problema de comida, eu vou trabalhar, eu vou beber, eu vou sentir. Para mim, essa a visão que eu tenho do que eu poderia fazer. Porque eu não tenho capacidade para fazer outras coisas. Trabalhar numa propriedade quase minha ou minha, isso é certo. Não como fez o governo quis fazer a reforma agrária na Amazônia ou no Pará. Onde a pessoa vai para lá e leva a família pra lá. Se ficar doente vai morrer, não tem estrada...

P/1 - E ninguém fica sabendo.

R - Ninguém fica sabendo. Então dizem: “Ele trocou a terra por uma bicicleta.” Não é isso. Ninguém vai para lá porque o que ele vende… Em volta só tem fazenda. Então ele vai pra lá. O que ele plantar, quando ele colher, está perdendo. Chega até o fazendeiro: “eu quero meu milharal, eu quero um chapéu de palha, quero uma botina” e é dez vezes o preço da cidade. E quando chove é pior. Os governos militares queriam fazer isso. Eles jogavam a pessoa sem recurso em um lugar. Eu mesmo, em Rondônia, quando era território em 1968, andei por lá. E me meti com um pessoal para poder pegar um pedaço de terra. Um delegado na cidade que indicou um lugar para pegar. Aquelas áreas de estrada, na beira do rio, já estava toda ocupada por quem tinha dinheiro. O Incra cedeu para quem não tinha lugar. A gente chegou e lá tinha formiga de mais de uma polegada que cortava mato. Pensei em me isolar do mundo. Então saí de lá e comecei andar para Goiás para morar em um outro lugar e, por fim, vim para São Paulo. Temos que ficar num lugar onde a gente se mexa, faça alguma coisa que faça crescer. No mato não vou fazer nada, para mim não interessa mais. Em um sítio ou em um lugar onde eu possa escoar mercadorias, onde tenho facilidade em ir a pé ou ir de carro, tudo bem, dá certo. Então a gente vai ter imaginação, pensar, sair desse movimento agitado da cidade. Eu me sinto inseguro, sempre me senti.

P/1 - Na cidade?

R - Não, no meu trabalho. Não porque estou na cidade, mas pelo meu trabalho em relação à prefeitura. Falam que o camelô, o ambulante “é ladrão, é contrabandista, é contraventor, ele não paga impostos.” Mas os políticos não dão condições. Eu vejo duas saídas. No Brasil tinha que ter algo similar a Brigada Vermelha como tem na Itália para detonar todo político que tivesse mais de uma aposentadoria política. Se ele tem uma, tudo bem, fica com essa. Agora se de tem duas para cima: corta a cabeça.

P/2 - Ferramenta, você já sentiu alguma vez isso em relação aos camelôs, aos marreteiros? Que as pessoas acham que são contraventores? Do pessoal falar no bairro?

R - Não, isso não. É nos jornais, o pessoal da política que fala que “não paga imposto, é ladrão.” Poxa, ele não dá condição. O sapo pula por necessidade. A pessoa precisa fazer alguma coisa. Vêm eles e impedem. Se eu fico numa cidade... O Brasil… Não como já teve problema, porque tem quem fazia desordem eram os militares que jogava culpa no pessoal que dizia ser comunista. Não, a luta melhora. É o que tem a fazer aqui no Brasil. Tem que se ceifar muita cabeça. Tem que descer Fernando Henrique, o coronel da Bahia que é Antônio Carlos Magalhães. Tem que ceifar essas cabeças e botar pessoas com outras ideias no poder para poder dizer que “agora vamos ter distribuição de renda, vamos ter emprego, vamos mudar tudo.” Porque agora está tudo indo para lá. Tá errado. Então que venha tudo para cá. Mudar radicalmente. Se não mudar radicalmente... Através do voto não se muda nada, é um paliativo, é água com açúcar. Em que partido se confia aqui no Brasil? Em partido nenhum. Porque elementos processados entram em um partido, entram em outro, mudam de partido. Os partidos políticos não tem valor nenhum. O partido mais sério que ainda não implodiu, não cresceu demais, não inchou, aqui é o PT. Para mim. Para quem quiser enxergar é o mais sério. Agora os outros partido estão cheio de vigaristas, pilantras. Tem um ou outro perdido nos partidos que é realmente bom, no PC do B tem pessoas também... Mas tudo isso precisa de uma mudança, tem que acabar. Esses outros partidos têm que acabar porque é banditismo, é máfia. Político mente, engana. O vereador não faz aquilo. O prefeito não faz porque precisa de apoio dos vereadores. O vereador não faz porque quando ele faz uma lei sozinho e não é aprovada. Quando é uma lei anti povo é aprovada. Deixar de atender uma pessoa porque não é um morador da cidade. Não tem direito a ser atendido em um posto de saúde nem em um hospital porque mora há menos de dois anos na cidade. Isso é nazismo! Isso está errado. Não tem direito de matricular o filho na escola porque não tem mais de dois anos na cidade! A lei não me atingiu, mas é uma lei bandida, fascista. Tem que cortar a cabeça desse homem e de muitos outros aí.

P/2 - Ferramenta, estamos quase terminando a entrevista e queria te perguntar se o senhor quer falar mais alguma coisa sobre o bairro. O senhor tem mais alguma lembrança que o senhor queira registrar sobre o Brás?

R - Na rua Maria Domitila tinha um restaurante: SAPS.

P/2 - SAPS?

R - É! Onde pessoal ia. Baratinho. Eu almocei ou jantei alguma vez ali.

P/2 - O senhor ia sempre lá comer?

R - De vez em quando eu ia lá. Era baratinho mas acabou. O governo, a cidade está se deteriorando, mas é culpa dos governantes.

P/2 - Tá certo. Então tá bom, a gente agradece, obrigada pela sua entrevista.

P/1 - Obrigada!