Museu da Pessoa

Desabandono

autoria: Museu da Pessoa personagem: Robson de Souza

Retiro dos Artistas
Depoimento de Robson de Souza
Entrevistado por Rosana Miziara
São Paulo, 15/04/2016
Realização Museu da Pessoa
RDA_HV10_Robson de Souza
Transcrito por Mariana Wolff
MW Transcrições



P/1 – Robson, você pode falar o seu nome completo?

R – Robson de Souza.

P/1 – Qual e a sua data de nascimento?

R – Vinte e um de setembro de 1981.

P/1 – Em que lugar você nasceu?

R – Nilópolis, Rio de Janeiro.

P/1 – Sua mãe é de Nilópolis?

R – Não, minha mãe biológica se eu não me engano, é de Nova Iguaçu.

P/1 – E seu pai?

R – Não tenho.

P/1 – Você não conheceu?

R – Não conheci e nem sou registrado.

P/1 – Mas sua mãe conhecia ele?

R – Eu não tive essa… eu nunca fiz essa pergunta para a minha mãe biológica, entendeu? Até porque eu tive poucas palavras com ela, então, eu não sei.

P/1 – Por quê que você teve poucas palavras com ela?

R – Porque eu era garoto de rua, fui morar no abrigo e o único momento que eu vi ela foi numa audiência, que localizaram ela e aí, nessa audiência foi questão de 15 minutos, só. E aí, foi o juiz que falou e aí, eu falei: “Oi, tudo bem?” “Tudo”, aí o juiz falou assim: “Esse aí é seu filho, é o Robson”, e pronto. Aí depois, nunca mais vi.

P/1 – Vamos voltar. Sua mãe te teve?

R – Minha mãe, Regina Célia de Souza, ela… pelo menos a história é assim, ela fala que engravidou de um rapaz, de um namorado, ela não contou a história direito e foi para o bairro de Nilópolis, depois que ela ficou grávida, ela foi para o bairro de Nilópolis sozinha, sem a família dela saber e conquistou lá a amizade dos vizinhos, de tudo, alugou um quitinete numa avenida lá e aí…

P/1 – O que ela fazia? Ela trabalhava?

R – Ela era enfermeira. E aí, quando eu estava para nascer, me teve e aí, chegou para essa vizinha e falou assim: “Eu precisava que você tomasse conta do meu filho só para eu resolver umas coisas, meu bebê, tá aqui a certidão dele se acontecer alguma coisa, tá aqui um pacote de fralda”, e depois nunca mais apareceu.

P/1 – Quantos anos você tinha?

R – Eu era bebê, pelo menos, a história que eu me lembre dessa moça que ficou comigo, é que eu era seis, três, quatro meses, alguma coisa assim, eu era bebê.

P/1 – Aí te deixou com a vizinha?

R – Com a vizinha, dona Isabel.

P/1 – E o quê que a dona Isabel fez?

R – Aí, a dona Isabel tinha três filhas, o quê que ela fez? Ela continuou… ela falou: “Tá bom”, aí dona Isabel tinha três filhas: Dilma, Denise e Deise e morava com o seu Almeida, o marido dela que ano era o pai, era o padrasto delas, das garotas. E aí, eu fui ficando, um mês, dois meses, aí depois descobriram que ela não voltou mais, a minha mãe biológica sumiu, então, acabou virando a minha mãe, cuidando de mim, com um, dois, com sete anos de idade. Aí com oito, eu comecei a perceber que eu era diferente da família.

P/1 – Mas você lembra desse período na casa dela, até sete anos de idade?

R – Não, eu lembro acho que de oito para cá, entendeu?

P/1 – Mas esse período antes, o quê que você tem de lembrança? Como é que era a casa?

R – Filho, normal. Era quarto, sala, cozinha, não me lembro muito bem. Ah, eu me lembro de uma coisa que me chamava muito a atenção, que o seu Almeida me rejeitava o tempo todo. Ele era aquela pessoa que implicava comigo o tempo todo. Aquilo me chamava a atenção, ele era tipo, eles tinham muita briga e essas brigas eram assim: “Não fala dele não”, que era eu e com o tempo, eu fui percebendo isso, que era eu que era… que tinha alguma coisa diferente em mim, porque as outras garrotas eram tratadas… os outros filhos, as outras crianças eram uma coisa, o Robson era diferente.

P/1 – E como é que as garotas eram com você?

R – Super legais. Aí depois, eu me lembro…

P/1 – Vocês brincavam? Você lembra?

R – Eu não me lembro brincando. Eu não me lembro disso. Eu começo a lembrar… o que eu lembro são as brigas, as discussões, porque eu não participava nada coletivo. A dona Isabel era uma pessoa que cuidava muito de mim, mas eu me lembro que quando ela saía para trabalhar, eu ficava em algum lugar, entendeu, na minha. Eu não me lembro de, sabe essas coisas, todo mundo passeando junto, se divertindo, eu não me lembro disso.

P/1 – Aí, você disse que com sete, oito anos…

R – Aí, eu comecei a perceber as brigas e nas brigas, ele falava assim: “Olha ficar tomando conta do filho dos outros é mole”, aí esse “filho dos outros”, eu comecei a descobrir que o “filho dos outros” era eu. E a dona Isabel em nenhum momento falava isso. E aí, a dona Isabel faleceu de um derrame cerebral e com quem que eu fiquei? Na mão do seu Almeida. As garotas foram cada uma morar com a sua família, com a tia, com o tio, fulano, eu não tive mais contato e eu fiquei com o seu Almeida. E aí, a minha vida começou a virar um inferno, porque o seu Almeida trocou de casa, ele foi morar num lugar próximo, no bairro, eu me lembro que a dona Isabel… eu me lembro até como ela faleceu, porque ela teve acho que um derrame, eu sei que ela ficou parada o tempo todo, jogaram água no rosto dela, eu bati no rosto dela para acordar ela, foi uma coisa muito… sabe quando a pessoa fica parada? Aconteceu uma coisa muito doida, depois, ela foi para o hospital e falaram: “Ela teve um AVC e faleceu”, mas eu me lembro porque eu tava com ela no dia em que ela p[assou mal no portão. Isso, eu nunca mais esqueço. Aí depois, fiquei na mão do seu Almeida. Eu estudava, eu me lembro que eu…

P/1 – Eles te colocaram na escola? Isso que eu ia perguntar, com quantos anos você entrou na escola?

R – Eu me lembro da escola nesse período, sete, oito anos eu me lembro, mas me lembro também que o seu Almeida me tirou da escola. E aí, ele fazia o quê? “Você fica em casa”, porque ele trabalhava num hospital chamado Marechal Hermes, ele era responsável por um negócio de maca e aí, ele ficava assim: “Quando eu sair para trabalhar, você fica trancado dentro de casa, não quero você mexendo em nada, a comida tá aqui…”, daquele jeito dele e foi me tratando assim uns meses, não chegou nem a um ano, porque não sei o que aconteceu com ele que ele começou a falar assim: “Negócio é o seguinte, quando eu for trabalhar, tu vai na rua, vai ficar na rua, eu te dou o café e tu só volta à noite”, e aí, ele me botava para ficar na rua, andando na rua. Eu ficava andando o tempo todo.

P/1 – Você não ia mais na escola? Ele te tirou?

R – Não, ele tirou tudo. E aí, um certo dia…

P/1 – O quê que você fazia?

R – Andava.

P/1 – Por onde você andava, você lembra?

R – No calçadão de Nilópolis. Andava… eu conhecia Nilópolis todo, então… e quando você anda, anda, anda, você começa a perceber que você entra numa ilusão que alguém vai te ver e falar: “Vem cá, vem morar comigo, vem cuidar de mim”, entendeu? E eu fiquei…

PAUSA


R – E eu ficava nessa ilusão de… e o seu Almeida me botava para sair todo dia e à noite, eu chegava lá…

P/1 – E você não tinha contato com outras pessoas? Conversava?

R – Não, porque a minha família, praticamente, era a dona Isabel. Eu não sabia a origem, a minha origem, quem era a minha mãe biológica, quem era nada, entendeu? Eu não tinha isso. Aí, um certo dia, se passaram dois, três meses, outro dia, eu cheguei em casa,. estava lá um cadeado, ninguém me atendia, não sei o que, aí a moça do lado falou: “Olha, ele já se mudou”, o seu Almeida, num certo dia, ele não foi trabalhar nada, ele foi, me botou para fora de manhã, fiquei passeando, dando volta e aí, quando eu voltei à noite, ele rinha se mudado e foi embora e aí, eu falei: “E agora?”, e aí, eu comecei a dormir na rua.

P/1 – Você entrou em desespero?

R – Não, porque em todo momento, eu achei que aquilo ali estava acontecendo por engano, tipo assim, seu Almeida deve estar me procurando. E aí, eu fui para o calçadão porque na minha cabeça de criança, o calçadão era um lugar movimentado, passa muita gente, então se eu ficar parado lá, andando sempre por lá, eu vou ter alguém que tá me procurando vai me achar. Então, eu fiquei lá, o calçadão era a minha casa. Aí, batia fome…

P/1 – E você comia como?

R – Batia a fome, e aí, você não precisa ser menino de rua para pedir: “Dá um pedaço ai”, “Paga uma comida pra mim”, e se tem uma coisa que ninguém pode falar é que o povo em questão de comida na rua, em questão de você pedir alguma coisa, sempre tem alguém para dar, sempre tem alguém para ajudar. Eu nunca passei fome na rua, nunca e ali, sempre focado…

P/1 – Você dormia como? No chão?

R – Dormia no chão, papelão, dormia perto de banca de jornal. E aí, eu fui começando, eu fui percebendo que eu fui virando menino de rua, mas como todo lugar tem as suas regras, todos os lugares têm um lado escuro…

P/1 – E como é que você convivia com os outros meninos?

R – Aí que eu fui abordado, eu não sabia como era a forma, por exemplo, na rua você não pode morar em qualquer lugar e nem pedir em qualquer padaria, tudo tem a sua área, né? E lá, eu aprendi isso, eu fui abordado por um grupo de meninos de rua de Nilópolis e perguntou porque eu taba pedindo, que já estavam reparando que eu tava ali há muito tempo, contei a minha história: ‘Meu padrasto me botou não sei o que…” “fica com a gente”, aí virei, fiz parte do grupo deles, entendeu? E comecei a pedir ali com eles, grupinho…

P/1 – Mas vocês pediam…você tava com oito anos, nove?

R – Indo para nove anos de idade.

P/1 – Quanto tempo você ficou assim?

R – Na rua de Nilópolis, acho que até uns nove anos. Eu fiquei um ano ali, pedindo e vivendo ali tranquilamente.

P/1 – E vivia com os outros meninos?

R – Com os outros meninos. Aí, aconteceu uma coisa…

P/1 – Mas tinha o negócio de bebida, cigarro?

R – Não, era diferente, os menores de hoje são pivetes, assassinos, não, antigamente, você pedia, você fumava mirrola, eu fumei mirrola.

P/1 – O quê que é mirrola?

R – Mirrola é guimba de cigarro. Aí, você fala assim pra mim: “Robson, por que você fumou mirrola?”, não sei porque, um tava numa tragada, o outro também, também tinha que dar só para dizer que eu tava no mesmo nível dele, entendeu? E aí, se fumava mirrola. Aí depois, me apresentaram a cola que a gente cheirava muita cola de sapateiro e por que cheirava a cola? Porque a cola dá uma ilusão que você estava de barriga cheia o tempo todo, você ficava doidão, podia correr, correr, correr, não se sentia cansado, ficava ligado o tempo todo, porque na rua, a gente aprende que tem que dormir durante o dia e à noite, ficar acordado, sobrevivência, entendeu? Você não pode chegar: “É hora de mimir”, e ir dormir. Não tem isso na rua. Na rua tem as regras, tem que ficar de olho. E aí, um certo dia, a gente foi dormir perto de um estacionamento na rodoviária de Nilópolis. Aí, fui lá, eu e o grupo todo, me para um taxista de madrugada, fala assim: “Eu tô sabendo que vocês estão roubando os táxis aqui na área. Eu vou meter tiro em todo mundo”, quando ele falou isso… ele falou: “Vou contar de um até três”, quando ele começou a contar, já não tinha mais ninguém na frente dele, eu correndo, correndo, correndo. Aí o quê que eu fiz? Corri para dentro da estação de trem, porque na minha cabeça, eu imaginava que a estação de trem é um lugar que vai me levar no coração, onde eu ia encontrar as pessoas. Quando eu penso no calçadão de Nilópolis me passa muito movimento e eu me lembro que a dona Isabel me levou num lugar que tinha um relógio enorme e que passava muita gente, muita gente mesmo, que era a Central do Brasil. Eu falei: “Opa, vou pegar o trem porque eu sei que esse lugar é o ponto final do tem. Aqui eu não fico mais”. O quê que eu fiz? Esperei…

P/1 – Esses outros amigos que estavam com você na rua, por quê que eles estavam na rua? Tem algum amigo que você lembra dessa época?

R – Eu lembro de uma garota que fugiu de casa porque o pai não estava nem aí para ela, não deixava namorar, foi para a rua. Eu lembro de um garoto… de Nilópolis, não, quem marcou… os garotos de rua que me marcaram mesmo foi da Central do Brasil, foi para onde eu fui. Aí, fui para a Central do Brasil. Aí, na Central, comecei a pedir como todo mundo, pede isso, pede aquilo, aborda. Dentro da Central é cheio de restaurantes, então você pede cachorro-quente, pede pastel e caldo de cana, minha infância foi comendo pastel e caldo de cana, joelho e quibe, é isso. E aí, chegou um certo tempo, naquela mesma semana, fui abordado…

P/1 – Você nunca roubou?

R – Não. Fui abordado pelos garotos de rua da Central do Brasil, que era liderado por um garoto chamado Capoeira, que morreu. Esse foi o que falou assim: “Agora, você vai fazer parte do nosso grupo, se quer pedir aqui, tem que ficar junto com a gente”. Aí, comecei a ficar… mas a cabeça deles era diferente, assim, os garotos de Nilópolis eram meninos de rua de bairro, a gente pedia, batia na portinha dos outros, tocava interfone e pedia comida em Nilópolis e as pessoas traziam num pote de manteiga, arroz, feijão e a gente pedia no horário da comida, certinho, para não perder o (risos)… então, onze e meia, meio-dia é um horário bom, e já pedia e colocava lá o potinho. Na Central do Brasil, não, as coisas já eram mais diferentes, os garotos já tinham mais maldade, já vinham com um papo: “Se não der certo, a gente vai ali, pega ali a banca do rapaz que eles guardam”, entendeu? E aí, eles começam a te ensinar várias coisas, te apresentar várias coisas. E esse Capoeira era o líder, né, que você precisa entender que tem que ter um líder, ninguém na rua fica sem líder, porque por exemplo, eu com nove anos precisava de um garoto de 17, 18 anos para me proteger dos outros porque tem o pessoal da Central, mas tinha o pessoal da Candelária, tinha o pessoal da Cinelândia, tudo separado, eu não posso sair da Central e sair pedindo lá na Candelária, que aquela não é a minha área. E aí, eu aprendi essas regras, essa convivência na rua.

P/1 – E aí, você ficou quanto tempo na Central?

R – Na Central do Brasil eu fiquei muito tempo. Primeiro, eu comecei a pedir, pedir, pedir, aí um período que tinha muito grupo junto, eu falei assim: “Capoeira, eu vou ficar sozinho, não quero, não sei o que…” “Se ficar sozinho, tu vai ficar dentro da Central, aqui fora você não vai ficar”, aí falei: “Tá bom”, e eu não podia, se eu metesse a cara lá fora, eles iam me espancar.

P/1 – Passava gente para recolher, para tirar vocês de lá?

R – Sim, a gente corria. Simples, tá recolhendo lá na ponta, na Presidente Vargas, a gente corre, um avisa o outro e pronto, era assim o tempo todo, tinha uma Kombi que eles contavam uma história que era assim, era uma Kombi que recolhia menor de rua para pegar e vender os órgãos, isso é uma história antiga: “Você sabia que tem uma Kombi preta que recolhe, abre os órgãos e vende para o Japão?”, então a gente ficava desesperado com isso, porque até hoje tem mãe que fala, imagina, tem mãe que fala para os filhos hoje assim: “Se você não se comportar, eu te interno no juizado de menores”, então, o juizado de menores não deve ser uma coisa boa, para as pessoas ameaçarem assim. Então, a gente ficava bem ligado nisso, o tempo todo. E esse Capoeira, independente da idade dele, ele tinha essa manha de rua. Para você ter noção, um certo dia, em frente a Central do Brasil tinha um camelódromo e, aí, ele falou assim: “As coisas estão difíceis e nós vamos fazer um negócio, nós vamos roubar um camelô, vai todo mundo lá, bater na caixa…”, porque os camelôs em vez de levar as mercadorias para casa, eles contratavam um segurança e botava tudo numas caixas com cadeado, umas caixas de madeira. Então, o Capoeira falou assim: “Se a gente for um grupo, quebrar a caixa e pegar todo o ouro…”, que o ouro que ele fala era a bijuteria, porque aquela banca específica vendia bijuteria, relógio, “…a gente dá certo aí, ganha um dinheiro e fica um tempo sem ficar pedindo”, aí todo mundo topou em fazer e aí, fui eu e um outro garoto bater enquanto o outro vigiava, enquanto outro fazendo isso e eu nervoso, passando mal, falei: “Meu Deus do céu, vai dar merda isso aqui”, e aí, eu fui. Quando eu fui, quando a gente quebrou… o negócio era do lado, a gente quebrou de pregador de roupa, então, peguei uma porrada de pregador e sai correndo na Presidente Vargas, cheio de pregador de roupa, eu e o outro garoto e a gente quase tirou tiro por causa de pregador de roupa. Depois, fomos esculachados pelo Capoeira: “Seus merdas, nem pra roubar, sabem”, e aí, vamos que vamos, vamos pedir e não sei o que…

P/1 – Você continuava cheirando cola?

R – A cola nunca… desde que eu… até uns 11, 12, 13 anos, eu cheirei cola, porque a cola era que me deixava atenção da rua o tempo todo.

P/1 – Tinha briga?

R – Tinha muita briga, por exemplo, um vez eu estava dormindo, uns garotos… passou não sei quem foi na esquina, porque eu vou te falar uma coisa, as pessoas que mais fazem maldade para população de rua não são outros mendigos, são pessoas filhinhos de papai e mamãe, são pessoas de família, que saem bêbados de boate, não têm o que fazer, vai lá tacar fogo nos outros, vai bater. Eu me lembro de uma vez que a gente tava dormindo, veio um rapaz e tacou álcool no negócio de papelão e tacou fogo e saiu rindo. Claro que a gente acordou, a gente saiu, ficou esperto, mas maldade gratuita, entendeu? A gente ficava ligado nisso, a gente não ficava ligado no trabalho do outro que tava passando, no cara que tava indo pegar o trem, não. Era gente passando, bêbado de boate… quer ver um dia tenso? De sexta para sábado e de sábado para domingo, é um dia tenso na rua, que as pessoas saem da Lapa, qualquer coisinha, quer bater no primeiro que vê, era assim o tempo todo. Então, tinha muita violência, eu nunca apanhei de outro menor, entendeu? Já me pegaram uma vez, os seguranças o metrô da Central do Brasil, porque a gente ficava brincando de subir na escada rolante, mas ficava sentado no negócio, não na escada, eles: “Vou pegar vocês”, aí eu ia lá, sacaneava e subia de novo. Aí, o cara corria, eu descia. Aí, um dia, ele me pegou. Aí ele: “Vamos”, bateu na minha mão com o cassetete pra cacete: “Você nunca mais vai fazer isso”. “Não, nunca mais vou fazer isso”. “Me chama de sim, senhor”, aí quando deu as costas, a gente: “Vai tomar no cu”, e saímos correndo (risos), nuca mais voltamos lá. Já fiz tanta doideira…

P/1 – Robson, como é que vocês faiam para fazer coco, xixi?

R – Coco, xixi tinha um banheiro lá na Central, banheiro em qualquer restaurante. Tomar banho, nem me fala, vai tomar banho na praia, vai tomar à noite no chafariz, vai em qualquer lugar, não tem assim, negócio de regrinha, não.

P/1 – E roupa?

R – Roupa, as garotas de programa ali da Central do Brasil, é muita gente que… por exemplo, conheci um montão de prostitutas aí na Senador Pompeu que tinha filho: “Vou trazer umas roupas do meu filho”, aí trazia e a gente vai trocando. Aí, claro que não tem lavanderia, eu jogo fora a que eu tenho e boto uma nova, entendeu? E aí, você fica com aquela roupa uma semana, duas semanas e, aí, tu vai trocando, não tem lavanderia.

P/1 – Sapato?

R – Nada. Chinelo, descalço, entendeu? Sapato não adianta, você vai ficar com o sapato o tempo todo, se você tirar o sapato para dormir, quando acordar, não tem mais sapato, então não vale a pena ter.

P/1 – Ficava doente?

R – Não.

P/1 – Nunca ficou?

R – Nunca fiquei doente na rua. Nunca, nunca. Nunca fiquei resfriado, até hoje, as pessoas falam: “O Robson não é brincadeira, não”, não tem essa, eu não sei. Eu acho que eu fui criando imunidade na rua, porque descalço, chuva, sem camisa, não me afetou nada, não.

P/1 – Aí, você falou para o Capoeira que você queria ficar sozinho.

R – Queria ficar sozinho, eu precisava…

P/1 – Por que te deu isso?

R – A ideia era eu não sair do foco da Central do Brasil, eu precisava de alguém passar, minha mãe biológica, alguém falar assim: “Robson, vem morar comigo”…

P/1 – Você tinha isso na cabeça?

R – Eu tinha isso na cabeça, eu sempre imaginei que posso morar na rua e não ser menino de rua, sabe, mas eu sonho… quando a gente olhava o pessoal… por exemplo, Natal, o ano novo passava lá o pessoal, todo mundo indo fazer compras, indo para a casa, ceia de Natal e eu queria isso, entendeu? Eu não tava ali, seu Almeida me joga na rua e pronto. A pergunta que eu fazia: “E aí? Me joga na rua e vou ficar na rua? É assim que eu vou viver? Não vai ter alguém ninguém que vai falar: ‘Vem ser meu filho, vem…’?”, então era isso, eu precisava de respostas disso. E aí, uma vez que foi fatal pra mim foi quando o Capoeira chegou pra mim e falou assim, que eu era um merdinha, muito lerdo, não sei o que, que não é bem assim as coisas “Para de se iludir, espera para completar 18 anos e vai casar, vai não sei o que”, e aí, ele falou assim: “A gente precisava roubar alguém, todo mundo aqui já tentou roubar alguém, só você que não. Você vai…” “Não…” “Vai sim”, me levou na Praça Tiradentes e aí, eu fui num restaurante e aí ele falou assim: “Pede um copo com água”, quando eu pedi um copo com água, ele foi e roubou uma faca sem ponta, dessas de passar manteiga. E aí, ele falou assim para mim: “Essa faca aqui, nós vamos de madrugada, tu vai ficar no Campo de Santana…”, que é em frente a Central do Brasil, não sei se tu conhece, é um jardim na frente da Central do Brasil, “…nós vamos ficar escondidos ali, a primeira pessoa que chegar aqui, você vai sair da escada, vai pegar a faca e falar assim: ‘Passa tudo’”. E ele ainda dá dicas, ele fala assim: “Se for uma mulher, você ainda manda ela mostrar o peito, mostrar o sutiã, porque tem muita senhora que guarda o dinheiro no sutiã e tinha muito isso ou na bolsinha de moedas. E ele falava exatamente: ‘E faz cara de mau o tempo todo, cara de mau, como se fosse matar ela mesmo, para ela te passar todo o dinheiro. É isso, faça o que eu tô mandando’”, ok, eu super nervoso, desesperado, fiquei escondido no negócio, quando eu vi uma senhora na minha direção. Quando a senhora veio, eu falei: “Senhora, passa a bolsa”, a senhora: “Pelo amor de Deus, meu filho, não faz isso comigo, não”, quando ela falou filho para mim, acabou pra mim. Quando ela me chamou de filho foi fatal. Ali, acabou. Falei: “Minha senhora, desculpa, pelo amor de Deus, o que eu tô fazendo?”, a moça tava saindo do Hospital Souza Aguiar e indo para a Candelária, rezar, pedir pelo filho e eu tava ali. Aí, ali eu falei: “Acabou”, e fui embora.

P/1 – E o Robson tava te olhando?

R – O Capoeira?

P/1 – O Capoeira tava te olhando?

R – Tomei uma mãozada na cabeça dele e ele me expulsou, disse que se eu saísse da Central do Brasil, que eu ia tomar porrada de todos eles que eu era um babaca, um merda. E aí, acabou. Ali, eu saí do grupo. E eu falei: “Não, eu não vou querer ser… isso não é para mim. Eu tenho que ter uma solução. Eu não posso, não adianta, não consigo”. Aí, fui para dentro da Central do Brasil. Aí, lá dentro da Central do Brasil, pede, pede, pede, mas eu preciso sair para tomar banho e eu não posso tomar banho lá fora na praia, não posso sair ali porque nego dá porrada, mas dentro da Central do Brasil tem banheiro para quem quiser pagar um real para tomar banho e aí, eu tinha que pedir duas granas, tinha que pedir dinheiro para comer e dinheiro para tomar banho o tempo todo. Imagina, você dentro de um… tem até um filme que o cara não pode sair do aeroporto em nenhum momento, porque senão é deportado, ele vive dentro do aeroporto. Era a minha vida ali, eu tinha que ficar dentro da Central do Brasil, eu não podia sair da Central do Brasil, senão, eu tava ferrado. Então, eu ficava ali dentro…

P/1 – Quanto tempo você ficou assim?

R – Eu fiquei na Central do Brasil até uns 13 para 14 anos de idade. Eu fiquei na rua de oito aos 14.

P/1 – E na Central sem sair?

R – Sem sair.

P/1 – Um ano sem sair.

R – Dentro da Central do Brasil? Fiquei um ano sem sair, mas aí aconteceu uma coisa maravilhosa na minha vida. Eu começava a falar, falar, pedir, pedir e aí, eu tive essa ideia, eu olhava, via essa dificuldade que as pessoas tinham, eu olhava todo dia e falava assim… que as pessoas começavam a me conhecer e as pessoas que pedia lanche já sabiam que aquele horário que estavam chegando do trabalho, de manhã, e fora os caras, por exemplo, os restaurantes estão fechando, eles já separavam lá o restinho: “Pode pegar aí, Robson, tem coxinha, tem quibe, tem suco de maracujá”, eu adoro suco de maracujá até hoje por causa disso, sou fã de caldo de cana e suco de maracujá. Então, eu vivia disso e aí, eu falava assim: “Opa, eu tô reparando que todo mundo, toda vez que o trem chega, é uma correria para pegar o trem, antes dele abrir a porta, as senhoras de idade, idoso não conseguia, quando chegava…”, imagina, ir a pé até em casa? Aí, eu falava assim: “Vaga no trem, vaga no trem”, a mulher falava: “Vaga no trem?” “Eu consigo uma vaga para você, a senhora consegue um dinheiro para mim?” “Sim”, aí eu comecei, quando o trem chegava, pular a janela e vender a vaga no trem, comecei a ganhar muito dinheiro assim. Aí fiquei famoso na Central vendendo vaga no trem: “Vaga no trem, vaga no rem…”, o tempo todo. E aí, fui juntando esse dinheiro. Aí, comprava uma caixa de isopor, comprava picolés, quando eu achava que eu ia ser empresário, né, que ia vender picolés, dormia, acordava, não tinha ninguém porque eu comecei a dormir dentro do trem, trem desviado, entendeu? O trem desviado É quando o trem vai na última viagem dele, ele vai para tipo Japeri e ele volta, depois, ele para no desvio e pronto. Ele fica lá para começar no outro dia de manhã e você fica quietinho dormindo lá, entendeu? Até sentir o trem se movimentando… minha vida era baseada no trem. O trem para mim era fantástico. Ele ia e voltava. De manhã, também, quando eu queria dormir mais, eu dormia, pegava tipo, a primeira viagem, quando eu voltava, tava no colo de alguém deitado, alguém fazia: “Acorda”, deitava no bagageiro e vai indo, fui me virando e aí, vendendo vaga no trem, vaga no trem, eu conheci um rapaz chamado Júnior. O Júnior tinha uma bomboniere dentro da Central do Brasil e essa bomboniere, ele falou assim pra mim: “Chega aqui. Eu vejo você sempre pra lá e para cá, faz um favor para mim? Vai ali na rua Senador Pompeu, compra uns doces para mim”, olha o quê que veio na minha cabeça! Quando ele me deu acho que um valor, não sei se era… quase 50 reais em dinheiro, assim, dava pra comprar doce pra caramba e ele não podia sair da bomboniere. Aí, eu falei: “Eu vou”, eu fiquei pensando assim: ‘sabe o que eu podia fazer? Eu podia pegar esse dinheiro, dar na mão dos garotos e falar assim: “Tô dando na mão de vocês, que eu acabei de roubar, tá vendo? Vocês falam que eu não roubo, tá aqui, consegui e pronto”. Mas o quê que adianta eu fazer isso? Uma coisa que eu não sou e aquele dinheiro ia acabar e eu…’, e o que mais me chamou a atenção foi a confiança que esse rapaz Júnior me deu. Ele é muito louco, ele me conhecia assim, mesmo eu estando ali o tempo todo, mas… aí, fui lá, comprei tudo que ele queria, aí ele falou: “A partir de agora, você vai trabalhar para mim só com isso, você não vende as vagas no trem e é meu funcionário, eu vou pagar seu almoço, sua janta, seu café e ainda comprar roupa nova para você”, e ele começou a mudar a minha vida. E aí, eu comecei a ficar lá, eu comecei a na rua ter um comportamento fora da rua, as pessoas começaram assim: “Esse garoto…”, quando ele falava. o freguês falava assim: “Esse garoto de rua? Não, tá bem arrumado, tá cheiroso”, porque o Junior começou a me ajudar assim e aí, ele falou: “É sim”, e aí, as pessoas começaram a falar: “Procura o juizado de menores, você precisa estudar”.

P/1 – Mas você continuava dormindo no trem?

R – Continuava dormindo no trem, mas mais organizado, mais arrumadinho, porque agora eu já tinha lugar para guardar as minhas roupas, que era no negócio. O Junior chegou a me levar no Natal e ano novo para a casa dele, eu fui para a casa dele a primeira vez, foi fantástico, não sei o que, mas voltei para a rua, porque era ali, eu não tinha que sair dali, eu acabei gostando de viver ali, porque eu tinha essa esperança de minha mãe… aí eu comecei a entender o que era mãe biológica e que a minha mãe que me abandonou, de repente, estava me procurando também, entendeu? Aí, eu comecei a entender um montão de coisa e aí, os fregueses passavam nessa bomboniere, porque o Júnior contava a minha vida para todo mundo, né, falava assim: “É um garoto de rua” “Você tinha que procurar o juizado de menores, cara, vai estudar, eles te botam num abrigo, te dão auxílio, tudo bonitinho, procura, cara”, falavam assim o tempo todo e aí, eu fiz. Chegou um certo ponto que eu falei assim: “Opa, eu preciso estudar, dizem que no juizado tem o negócio de adoção”, e aí, eu procurei o juizado de menores…

P/1 – Com quantos anos?

R – Catorze anos de idade, com 14 é que eu dou a minha virada de vida.

P/1 – Ficou seis anos na rua?

R – Seis anos morando na rua.

P/1 – Aí, você foi para o juizado…

R – E o Júnior, a família do Júnior trabalha até hoje lá, na banca de jornal, no mesmo lugar. Tanto que eu escrevi um livro falando do Júnior, escrevi um livro falando sobre tudo isso, botando o nome de cada pessoa que foi importante na minha vida. Ele foi o cara que acreditou em mim, então, eu sou muito grato a ele. Falei isso com ele, ele falou: “Nada, você…” “Se não fosse você, eu poderia ir para casa…”, por exemplo, eu vou te contar uma situação na rua que aconteceu comigo. Um certo dia, eu tava na Central do Brasil, um cara e uma senhora resolveram: “Você quer dormir lá em casa?”, me levaram para a casa deles lá em Ricardo de Albuquerque, sendo que o cara não era nada casado com a mulher, era vizinho e aí, o cara falou assim: “Olha, chega aqui, dorme aqui na minha casa, eu não queria falar que a gente não era um casal pra tu não ficar com medo, eu tô precisando de um filho, eu quero te ajudar, não sei o que…”, quando eu cheguei lá, o cara tentou me agarrar, ele segurou a minha roupa toda e eu fui pelado até o corpo de bombeiros de Ricardo de Albuquerque para denunciar ele, para falar para ele que não devia ter feito comigo. Aí, os caras do quartel foram lá, aí os caras falaram: “Você quer ir para algum lugar?” “Quero ir para Central do Brasil”, aí peguei o trem e voltei, porque você tem aquela coisa de acreditar nas pessoas e não é isso, entendeu, que o cara já tinha fama de levar garotinho de rua para a casa dele para ser filhinho dele, entendeu, para abusar. Então, isso eu tinha muito na cabeça, isso, eu falava: “Opa, as coisas não são assim”, não é todo mundo que dá um sorrisinho pra você: “Vem ser meu filho”, não é. E aí, quando a minha ficha começa a cair que eu tenho que procurar o juizado de menores, mesmo, que eu tenho que querer realmente estudar, ter a minha vida, entendeu? Aí, fui no juizado de menores.

P/1 – Em qual?

R – Na Primeira Vara da Infância e Juventude, ali, na Praça Onze. Chegando lá, eu fui atendido pela dona Joice, que até tava falando no telefone com ela hoje, que hoje é juíza aposentada, e todas essas pessoas que eu falo, que eu conheço, falo com elas a vida toda, entendeu? E aí, essa comissária me atendeu e lá, eu conheci um juiz chamado Siro Darlan, desembargador hoje e, aí, eu falava para ele, contei esse caso disso que aconteceu, aí ele falou assim: “Presta atenção, se você prometer para mim que vai para o abrigo e vai estudar, eu te prometo que tu vai trabalhar aqui, vai ser nosso estagiário”, e aí, eu fui para um abrigo em Padre Miguel, FEEM, o nome na época, hoje é FIA, FEEM Castorina Faria Lima e aí, eu fiquei lá e lá, eu comecei a conquistar todo mundo, comecei a trabalhar, comecei a estudar, estudei em FIEP…

P/1 – Como é que era? Você tinha um lugar para dormir?

R – Era um abrigo para 120 adolescentes, cada quarto tinha 30, então a gente tinha… e aí, eu fazia parte daquele movimento dos meus direitos, sabe, eu era sempre daquele do direito de todo mundo: “Vamos conseguir o direito de ter a televisão ligada mais meia-hora? Vamos conseguir que o lanche de leite vire para groselha uma vez por semana?”, eu entrava nesse grupinho que queria fazer a diferença.

P/1 – Como que era a convivência com os outros?

R – Fantástica.

P/1 – Era só menino ou menino e menina?

R – Menino e menina, foi fantástico pra mim, eu considerava eles a minha família. O problema do sistema é que você não pode ficar no abrigo muito tempo, você fica um, dois meses, aí o juiz te transfere para outro abrigo, depois te transfere para outro abrigo, aí um abrigo é conveniado de uma ONG que não tem verba para pagar funcionário, aí transfere todo mundo, a gente fica que nem ioiô para lá e para cá e aí, eu caí num abrigo chamado Pousada dos Meninos, onde? Na Central do Brasil, era um abrigo próximo… eu tenho uma história com a Central incrível. E aí, nesse abrigo tinha um funcionário chamado João Carlos, o nome dele é Cacaio e aí, ia ter um sorteio para ir no casamento dele, e ele não podia levar todo mundo para o casamento e aí, ele falou assim: “Eu vou fazer um sorteio para alguém ir no meu casamento” e fez, eu caí, aí você acha que eu fiquei feliz: “Legal, emocionante”, que eu ia para o casamento? Não, porque eu nem sabia o que era casamento direito, eu não tinha essa figura na minha cabeça, eu fiquei feliz porque eu ia comer comida diferente, sair do abrigo, graças a Deus, ver gente. E aí, fui no casamento, quando cheguei no casamento, era uma casamento afro…

P/1 – De quem que era o casamento?

R – Do João Carlos, era de um educador social. Tô lá…

P/1 – Desse abrigo perto da Central?

R – Isso, Pousada dos Meninos. Tô lá, todo bonitinho… também e meu amigo, o João Carlos até hoje, todo mundo, aí tô lá no casamento deles, se eu não me engano, o João Carlos mostrou quando eu fui na casa dele, me mostrou a foto do casamento, que esse casamento foi o que mudou a minha vida, né, tô lá, tá rolando lá, aí eu vi onde era o buffet, onde estava servindo as coisas, porque depois do casamento, o pessoal ia para lá, era um salão do ladinho. Aí, eu fui para lá primeiro antes do casamento começar. Chegando lá, sentou uma moça do meu lado, que estava participando da solenidade, que depois saiu, que é a Zezé. A Zezé foi madrinha do casamento deles e ela saiu porque tinha muita gente, negócio de fotos, não sei o que e ela se sentiu assim: vou lá ficar sentadinha um pouquinho, depois daqui vou embora, vou comer alguma coisa. E sentou do meu lado. E ela chegou pra mim e falou assim: “Oi, tudo bom? Você é da família do noivo? Nunca te vi na casa do João” “Não, sou do abrigo, minha mãe me abandonou…”, já comecei a contar tudo, aí ela falou: “Qual abrigo?” “Pousada dos Meninos”, aí ela anotou num papel pra mim: “Esse é o meu telefone. Qual que é o nome do abrigo? Onde o João trabalha? Tá bom, sexta-feira eu te busco lá para você passar o final de semana na minha casa”, na sexta-feira, a Zezé tava lá…

P/1 – Você nem sabia quem era a Zezé?

R – Nem sabia quem era.

P/1 – Quantos anos você tinha?

R – Indo para 15 anos de idade. E aí, ela foi lá, me pegou final de semana e começou a me levar todo dia para casa e foi lá no Doutor Siro e pediu a minha guarda provisória e aí, eu comecei… a gente morava na Vinicius de Moraes, depois fui morar na Epitáfio Pessoa e fui sempre…

P/1 – Você morava com ele?

R – Morava com ela.

P/1 – Saiu do abrigo?

R – Não, a guarda provisória, por exemplo, ela tinha de quinta a domingo com ela, os outros dias eu tinha que passar no abrigo.

P/1 – Como é que era voltar para o abrigo depois de…?

R – Era meio estranho, porque ao mesmo tempo, as pessoas me olhavam… a gente fica pensando em ser adotado o tempo todo e brasileiro gosta de adotar muito recém-nascido, criança, quando bate 13, 14 anos de idade, esquece, só o pessoal americano que adora adotar adolescente porque dá uma outra educação em outro ambiente e eu ficava muito preocupado com isso e, aí, depois disso, quando a Zezé apareceu como um anjo na minha vida, eu reparei uma coisa, que os outros garotos me viam assim: a chance. “Olha, Robson, como foi lá?”, aí eu tocava… falava assim: “Zezé, posso te pedir um negócio? Domingo, eu posso trazer pelo menos meia-dúzia pra cá, ir para a praia e eles podem almoçar aqui?” “Pode”, eu levava os caras do abrigo (risos), pessoal da casa ficava louco, que chegava aquele bando no condomínio, no prédio, vamos subindo. Aí, ela comprava guaraná não sei o que: “Robson, só pode fazer bagunça no corredor”, aí desciam os garotos: “O Robson é filho de atriz, vamos lá com ele…”

P/1 – Quando você descobriu que era ela?

R – Foi numa novela chama “A Próxima Vítima” que ela fazia, porque eu não via muita novela e aí, ela saía para gravar, não sei o que e ela falava que ela fez um filme muito famoso chamado “Chica da Silva”, também não era da minha época. Aí, eu conheci o Stepan, porque tinha um filme chamado “Orfeu da Conceição”, aí uma vez eu fui com ela nessa gravação e aí, estava lá o Stepan maluco, todo mundo junto e aí, eu comecei a entender, mas mesmo assim, eu falei: “Pô, legal, profissão bacana, mas não é… a gente não pode esquecer os garotos que estão lá, precisava aproveitar que eu estou tendo esses contato, conhecendo essas pessoas para também…”, tipo assim, vai ao teatro? Por que não levar os garotos ao teatro também? Pelo menos, dois, três, eu sempre tentava arrumar, porque eu tinha umas amizades lá, hoje eu tenho uma que é formada em psicóloga, hoje eu tenho uma assistente social, hoje eu tenho… e eu posso te falar que do meu quarto do meu último abrigo, 14 adolescentes que tinham, eu conheço os 14, sei da vida de um por um como tá, whatsapp fala, Adriana me ligou hoje e falou: “Robson, deixa eu te falar, estava precisando botar um projeto da igreja na Lei Rouanet, como funciona?”, estava explicando para ela e é isso. Hoje a gente tem uma vida assim, entendeu? Aí, a Zezé me levou, fui para a casa dela, tive essa convivência e virei estagiário do juizado de menores…

P/1 – Aí, você voltou a estudar?

R – Comecei a estudar no SESI, que eu saí da escola pública, fui para o SESI, que a Zezé botou, depois, fui fazer…

P/1 – Moravam você e a Zezé?

R – Morava eu, a Zezé, a Zezé adotou mais quatro meninas, um menino e quatro meninas, são cinco. Todos com histórias diferentes, uma que foi quase abusada sexualmente, a outra que foi abandonada, então, ela tem uma história disso, porque a Zezé morou em abrigo, então… e ela não pode ter filhos biológicos.

P/1 – Ela era casada?

R – Ela foi casada… eu me lembro que eu fiquei num período com ela que ela foi casada com o Pitanga, se eu não me engano, depois com o Jacques, a Zezé teve tanto casamento, ela casou oito vezes, né? Eu fui ter noção, então…

P/1 – Você se dava bem com as meninas?

R – Sim. Elas tinham muitos ciúmes de mim porque eu era o único homem, não sei o que, mas depois, as coisas foram acontecendo, entendeu? Hoje, a gente conversa muito, mas… um trabalha como produtora, a outra não trabalha… todo mundo tem vida, faz o que quer da vida e eu aprendi isso, porque tem hora que eu me acho muito rigoroso na vida, porque a vida não me deu tempo de pensar, eu tinha que resolver, eu tinha que decidir, eu tinha que… eu me criei, eu falo que eu me criei porque eu tive que me educar. Que essa coisa que as pessoas falam: “Eu fui educado assim”, não, a minha índole é assim e eu sempre fui assim, tanto que a Zezé me ensinou bons modos, convivência, eu não sabia… eu me lembro que a primeira vez que eu fui comer na casa dela, que foi engraçado, que tem o suplat que bota embaixo do prato, então me lembro um dia que tinha Miguel Falabela, Elke Maravilha, tinha uma galera comemorando um lançamento de um filme que eles fizeram e aí, eu tava lá, minha primeira vez numa festa e eu já me servi primeiro e eu estava me servindo no suplat (risos), aquilo não era prato, aquilo era o suporte para prato e aí, tu vai aprendendo. Eu fazendo estágio no Juizado de Menores, participei do concurso da bandeira do Juizado da Infância e Juventude no Tribunal de Justiça, ganhei em primeiro lugar. O símbolo hoje da Primeira Vara do Juizado da Infância e Juventude é meu, registrado, tudo bonitinho.

P/1 – O quê que é? Você fez o símbolo?

R – O símbolo. O Juizado da Infância e Juventude não tinha um símbolo. E eu participei do concurso e eu ganhei esse símbolo, uma forma de fazer um desenho falando o quê que a infância representa, o quê que o juizado representa.

P/1 – Você tem a imagem dele?

R – Tem no livro, tem no site, tem com o Doutor Siro, no Tribunal de Justiça tem, entendeu? Eu tive que assinar um termo também abrindo mão dos direitos, não sei o que, mas eu não tava querendo os direitos, eu estava com vontade de fazer a diferença.

TROCA DE BATERIA

P/1 – Aí, você tava dizendo que tava um dia lá nessa festa e você comeu no…

R – No suplat. E aí, eu comecei a aprender, a Zezé me ensinou os bons modos, etiqueta, aquela coisa toda.

P/1 – Ela era carinhosa?

R – Super carinhosa. Eu tenho um problema sério com carinho, a Cida todo mundo fala para mim, eu não sou uma pessoa que me apego, que eu gosto que encoste, essa coisa do amor. Assim, isso pra mim… como eu não fui criado com essa coisa de abraçar, “te amo”, essas coisas, até quando eu namoro, eu tava namorando uma garota que é daqui, funcionaria daqui, que a Cida falava assim: “Até na hora da cama, ele é cheio de frescura? Porque ele é chato, vai encostar nele…”, aí ela falou uma coisa assim: “O Robson é de confiança, ele precisa ir aos poucos, porque ele…”, eu não tenho essa coisa com carinho, eu sou uma pessoa muito… opa, calma aí, aí a Zezé fala assim: “Robson tem hora que eu falo que ‘eu te amo’ e você: Também, mas um também bem tipo, tá bom, vamos lá, vamos mudar de assunto”, porque eu sou assim.

P/1 – Quando veio a sua primeira namorada? Foi onde?

R – Foi no abrigo, me apaixonei por uma garota chamada Aline. Me apaixonei. Eu me lembro que foi engraçado…

P/1 – Foi a primeira vez?

R – Foi a primeira vez. Aí, foi a primeira vez que eu fiquei batendo papo com ela, fiquei apaixonado por ela, aí foi na segunda-feira, na quinta ela terminou comigo. Aí, eu falei assim: “Eu vou me matar”. “Relaxa, vai ter muita gente que tu vai conhecer, eu só comecei a sua vida”, ela falou bem assim: “Tu vai se matar pra quê? Você vai ser traído, você vai trair, tem muita história, Robson”, me lembro dela, também tenho convivência, eu falo até com ela no whatsapp: “Você foi a mais filha da puta… mas também eu não parei, não”. Teve um período muito difícil na minha vida foi quando eu tava no juizado de menores, era um certo dia, fazendo estágio, minha vida estava ótima, ela não deixou de ficar ótima. Eu estava fazendo estágio no juizado de menores, estava estudando, a Zezé… tava fazendo um curso de operação de máquinas de xerox, uns cursos que a Zezé me botou, eu trabalhava com o Doutor Siro Darlan e ele falava assim para mim: “Todo dia, você pega das nove às 18, mas eu vou deixar você chegar aqui às dez horas da manhã todo dia, porque você vai parar naquela banca de jornal da Central do Brasil e vai ler todas as notícias, porque eu quero que você me conte todo dia tudo, porque uma pessoa mal informada não vai a lugar nenhum. Você vai ler sobre economia, não tenho dinheiro para ficar comprando jornal todo dia, então, tu vai parar na porta e vai ficar lendo todas as manchetes”, ele me botava na hora do almoço par escutar… à noite, a Voz do Brasil. Ele era meio severo e me ensinou muito, falava: “A vida é assim. Na vida, não se tira férias, se você precisa de dinheiro, não se tira férias, você tem que fazer hora extra”, então, a Zezé foi a parte da mãe, do amor e ele foi a parte do pai, do severo, do cara que você tem que aprender assim. E um certo dia, sem eu saber, ele juntamente com uma delegada chamada Márcia Julião, que é delegada e conselheira da casa, delegada da 41ª DP e conselheira da Casa, olha como a minha vida ainda é ligada a eles, me chamaram na sala para falar: “Robson, você é um exemplo, parabéns”, no juizado de menores tinha operação de final de semana para colher menores de rua e aí, um funcionário não quer, o quê que o Doutor Siro acreditou, não adianta a gente ficar botando técnico, psicólogos, pedagogo, cacete a quatro para convencer o garoto a sair da rua, porque esse psicólogo não morou na rua, não mora em abrigos. Eu tenho que colocar garotos que moram em abrigo ou que conhecem esse lado e me botava na Kombi também. Aí, parava o garoto lá: “Vem cá, fala aí, quem é você Robson”. “Eu sou m garoto que morei em abrigo, tô lá, vamos lá, eles não vão pegar os seus órgãos, não vão te transformar em sabão em pó, não vai te matar”, e tinha que falar a mesma linguagem do garoto e aí, eu comecei a recolher final de semana. Então, eu fazia estágio, fazia as operações de recolher menor de rua na Kombi também, juntamente com a FIA, na época FEEM e aí, tá tudo uma maravilha, tudo que eu podia oferecer era a minha vida. E o Doutor Siro arrumou um cargo para mim, eu era auxiliar administrativo num setor lá de autorização de viagens e fazia essa parte social, tipo assim, um garoto chegava lá: “Eu não quero ir para o abrigo, pelo amor de Deus…”, aí eles me chamavam: “Robson conta a tua vida para ele, fala para ele quem é você, esse garoto trabalha aqui”, ele colocava como exemplo pra todo mundo e isso me deixava feliz. Um certo dia, Doutor Siro me chamou junto com a delegada na sala dele e falou: “Robson, eu tenho uma notícia para te dar, eu não sei se é boa ou é ruim. Você que vai me responder. Eu achei a sua mãe biológica…”, aquela…

P/1 – Quantos anos?

R – Quinze para 16 anos.

P/1 – Você já tava na…

R – Já, eu já tava…

P/1 – Na Zezé?

R – Já. E aí: “Eu precisava te falar isso, eu falei com a Zezé e eu precisava que você entendesse isso, porque nós chamamos ela aqui hoje, mandamos buscar ela”. Como eles acharam? Olha o que eles fizeram. Ela me registrou, quando ela me registrou, eles pelo nome dela, descobriram o título de eleitor dela e pelo título, descobriram onde que ela votava. E chegaram ao endereço dela. E aí, mandaram a policia, junto com a delegada, essa, ir buscar ela lá para uma audiência com urgência e trouxe ela. Gente, antigamente, mexia muito comigo isso, mas hoje… foi a coisa mais difícil que eu escutei na minha vida e foi a coisa que mais me deu força. Trouxeram ela. Era a audiência, tava lá o Doutor Siro, todo mundo, de repente, mandam chamar ela, entra ela. Gente, a mulher entrou com uma arrogância, Doutor Siro falou: “Esse é o seu filho, é o Robson. E aí, por que a senhora abandonou ele? Por que depois de tanto tempo…” “Eu não amo ele, eu achei que ele tava morto. Ele tá vivo pra me dar trabalho. Se eu abandonei, é porque eu não o amo. Agora, o senhor vai me obrigar? O senhor pode me obrigar a fazer tudo, mas vai me obrigar a amar ele?”, falou isso na minha cara. Aí, o Doutor Siro falou: “Escutou? O Robson tem uma mãe que ama ele, nós amamos o Robson, porque o Robson não é qualquer um, ele é nosso estagiário, então eu posso prender a senhora, posso fazer o que for com a senhora, mas eu não vou obrigar a senhora a amar ele, né? E posso falar? Muito obrigado pela senhora ter abandonado ele, a senhora vai sair da minha sala e nunca mais vai aparecer na vida do Robson”, nunca mais apareceu. Aquilo ali pra mim foi incrível, porque quando ela entra, eu achei que ela ia se arrepender, ela me conta uma história para a psicóloga depois, que foi abusada sexualmente e que tinha que me matar de qualquer maneira, porque aquilo… aí, depois, ela conta que era um namoradinho que ela teve um outro filho com esse cara… ela vai contando as histórias e aí, a psicóloga conversando comigo, e aí, eu ficava preocupado assim, eu não posso ser um garoto revoltado, eu tenho todos os motivos para ser revoltado e não sou. Aí, a Zezé foi lá e falou: “Você relaxa”, e pronto. Nunca mais vi ela. E aí, fui trabalhar na FIA, fiz uma peça teatral que eu encenei, que tinha que fazer uma peça de teatro para os garotos de abrigo, contei essa parte da mãe, que eles eram muito iludidos: “Vou achar a minha mãe…”, eu sempre conto a minha vida, tipo assim, nada é lindo, maravilhoso, a vida não funciona assim, você imagina várias coisas e no final, não é assim. Eu fui para um casamento que mudou a minha vida. Eu procurei o juizado que mudou a minha vida, depois, eu fui, nesse período, a Zezé me botou na CAL, fiz curso de teatro na CAL durante três anos, conheci o Gustavo Ariane, conheci o Stepan, que é o presidente aqui do Retiro…

P/1 – Você conheceu como o Stepan?

R – O Stepan entrou na minha vida assim, me botaram para fazer curso de perna de pau de… andar de perna de pau, e aí, eu precisava ir para…

P/1 – Quem te colocou? Foi a Zezé?

R – Não, foi… vocês viram o Galeguinho? Um residente que tem aqui. O filho dele era meu professor e eu vim conhecer ele aqui, o Galeguinho. O filho dele era professor de um projeto e eu participei e esse projeto, o cara falou assim: “Vai lá e procura o Stepan, que ele vai te encaminhar lá para um curso livre de teatro…”, e aí, eu fui lá procurar o Stepan, aí a Zezé falou: “Vai lá no Stepan…”, porque eles já tinham essa amizade. Eu fui fazer um curso, se eu não me engano, eu fui fazer o curso, ganhei a bolsa, o Stepan me tratou com todo aquele jeito como ele me trata sempre, ele falou: “Tu já andou de avião?”, falei: “Não”. “Então, tu vai andar de avião”, me levou a primeira vez para São Paulo, no Teatro Procópio Ferreira, assistir o “Sai de Baixo”, que ele participou de um programa e aí, ele falou assim: “Robson, eu sei da sua história, não se preocupa, não, você é nossa família, nós somos a sua família, tá todo mundo te abraçando”, e ele entra na minha vida assim: “Não se preocupa não, que você tem mais um”, porque a Zezé sempre… todas as pessoas, ela sempre contou a minha vida para as pessoas, ela sempre falou assim: “Robson, você é muito diferente, porque as pessoas não sabem quem é você, as pessoas falam: ‘O garoto trabalha, faz isso…’”, eu nunca fiquei desempregado, eu sempre trabalhei, desde quando eu fui trabalhar no juizado, eu fui trabalhar no juizado de menores, fui nomeado pelo governo de estado para trabalhar dando palestras e trabalhando na parte administrativa com o social. E aí, depois, o governador me recebeu, fui homenageado em várias coisas e aí, o que fez o diferencial para mim é que eu tinha todo esse acesso e eu precisava fazer alguma coisa que ajudasse os garotos que estavam no abrigo, aí eu criei a Rede de Cultura Social.

P/1 – Com quantos anos você estava aí?

R – Eu já tava com 18 anos de idade.

P/1 – Tava com a Zezé?

R – Isso.

P/1 – Morando lá?

R – É, ai, eu criei a Rede de Cultura Social. Eu não precisava de dinheiro, tanto que hoje eu tenho toda a documentação, CNPJ, tem todo o estatuto, tudo dela guardado em gaveta e pronto, porque eu não queria transformar em ONG, eu precisava pedir… toda vez que eu ia ao teatro, a um lançamento, eu via as últimas cadeiras vazias e os ingressos caros e por que não trazer um, dois, três garotos? Aí, eu chegava para os produtores, a Zezé ia falar com o ator, enquanto eu já pegava aquele acesso que eu tinha e falava assim: “Eu era garoto de abrigo, você sabia que tem vários garotos de abrigo que nunca foram ao teatro? Você sabia?” “Não”. “E se eu conseguir o telefone do abrigo, vocês deixam?” “Sim”, e aí, comecei a fazer isso. Eu ia em todos os teatros e pedia, pedia, pedia. Porque as coisas aconteceram aqui na minha vida muito doidas, assim, do nada, a forma que eu entrei para trabalhar no Retiro é muito doido também. Aí, eu começava os contatos com os diretores do abrigo e aí, o produtor falava assim pra mim: “Olha só, Robson, eu só tô doando porque é para você”, porque eles mandavam o convite para os abrigos e o abrigo pegava para o diretor, para o educador, para os… e os garotos mesmo não iam, não. Ah não, eu arrumava briga, falava assim: “Tu vai dar o convite para mim e eu vou esperar lá”, aí eu esperava o abrigo chegar, contava garoto por garoto, dava na mão e eles tinham que entrar na minha frente. E comecei a tocar assim, fui resolvendo assim. Fui no prefeito, fui lá no prefeito e falei, pegava o título de filho de Zezé Motta, já: “A senhora liga aí, que ele vai me receber porque eu preciso colocar esses garotos no…” e pronto, fui usando, usando, mesmo. Até hoje, se for precisar, por exemplo, a FIA, tem uns garotos da FIA, hoje a gente bota aqui, em média, tem a festa junina, que são cinco mil pessoas por dia, mas 500 são garotos de abrigos. Isso tem que ter, os garotos. O cinema ali, eu faço sessão de garotos de abrigos, porque precisa isso, porque eu percebia que morar no abrigo e ter cinco refeições e depois, te dar um chute na sua bunda com 18 anos, é mole, te dá lanche, te dá isso, te dá aquilo e fica vendo televisão o dia todo, os garotos precisavam de cultura, precisavam de escola, tinha que ser obrigado a estudar, tinha que ser obrigado a ir para o teatro, para o cinema, ler um livro e não tinha isso, então eu precisava disso. Aí, comecei a levar alguns artistas que eu… Elke Maravilha, consegui o Miguel, consegui o Luiz Melodia para os abrigos, para ir lá visitar eles junto comigo, entendeu? O abrigo que fosse num teatro e assistisse a peça e se comportasse, eu levava um ator para visitar um dia no lanche e eu fazia isso. Emílio Santiago, levei muita gente. Eu consegui usar isso e a Zezé deu essa liberdade, porque ela falou: “Robson, é isso”, as coisas não podem acontecer coisas boas na minha vida e eu ficar: “Tô feliz, tô realizado” e pronto, não é assim, não funciona assim, você tem que passar, entendeu? Você tem que entender que isso é para você, mas você é um instrumento para alguma coisa. Você é um instrumento. Então, eu sempre tive essa coisa com o social, eu pedi sempre a Deus para nunca deixar de trabalhar no social, eu nunca queria trabalhar num escritório, nunca queria… eu queria trabalhar com gente, conviver com gente, encostar, falar: “Qual é o problema?”, isso… e com o social, eu comecei a trabalhar com garotos de abrigo, hoje eu trabalho no Retiro. Eu comecei a trabalhar no início da vida e agora, trabalho no fim da vida, tá entendendo? Eu tenho uma visão hoje, tipo assim, aqueles jovens que tiveram oportunidades, que têm muita coisa ainda para viver e que estão começando a vida e agora, hoje, eu trabalho com idosos que estão finalizando.

P/1 – Deixa eu só voltar. Você conheceu o Stepan, foi com ele para São Paulo…

R – Fui para São Paulo, depois ele me botou para fazer uma entrevista de teatro lá, que eu ano passei, com o Leonardo Alves, depois, eu falei: “Eu não quero ser ator, nunca fui ator, eu quero só falar melhor, eu quero entender mais, eu quero me expressar mais”, eu queria ter uma postura em público, tem três, quatro, cinco pessoas, saber falar, ser comunicativo, aí o teatro me ajudou muito nisso.

PAUSA

P/1 – Aí, qual curso que você fez?

R – O curso profissionalizante da CAL - Casa de Artes Laranjeiras. Ganhei uma bolsa lá, fiz durante três anos, foi fantástico.

P/1 – Três anos?

R – Três anos. Fiz esse curso só para…

P/1 – E você estudou até que...

R – Fiz o segundo grau, terminei o segundo grau, depois fui fazer teatro durante três anos, e pronto. Aí, fiz vários cursos.

P/1 – E aí, você foi… o Stepan trouxe para cá?

R – Aqui no Retiro, eu entrei muito doido… eu fazia a festa junina…

P/1 – Ele que te chamou?

R – Um dia, ele falou: “Vai lá que o pessoal tá enchendo o saco, na festa junina, fica um entra e sai na minha sala para pedir convite e você é sério e marrento, vai lá me ajudar pra ninguém ficar me enchendo o saco?”, aí me trouxe para cá, aí eu ficava em pé na porta dele na festa junina. Aí, a Cida falou assim: “Quem é você?”, aí aí eu conheci a Cida, conheci o pessoal e aí, eu comecei… eu ficava muito louco, porque eles faziam a bilheteria, daqui a pouco, eles abandonavam, acontecia alguma coisa na produção, abandonavam tudo na sala comigo ali, eu sendo responsável por tudo e ele já sabia disso, que a Zezé já tinha falado e ele já me conhecia e aí, fui ficando. Aí depois, eu me apaixonei…

P/1 – Foi ficando como? Você vinha só para a festa e…?

R – Só fazia a festa junina.

P/1 – Você tinha contato com os moradores daqui, não?

R – Sim. Aí, eu trabalhava na FIA – Fundação da Infância e Adolescência, trabalhei lá muitos anos, se eu não me engano, fui estagiário lá cinco anos, seis, sete, uns seis anos que eu trabalhei lá e aí, eu vinha pra cá na festa junina, eu vinha para dormir, tipo assim, a festa junina é quinta-feira, eu passava a semana toda aqui, quando eu dormia aqui, eu achava isso aqui muito louco, um residente mais doido do que o outro e eu falava; “Que lugar maravilhoso, queria trabalhar aqui, muito doido, as confusões, muito doido”, aí pronto, eu fui conquistando um por um, eles foram me conhecendo. Aí, um certo dia, uma garota saiu daqui, por exemplo, trabalhava na festa junina uns anos, uma garota saiu da administração, aí a Cida me ligou: “Robson, tô precisando de alguém para trabalhar aqui com esses doidos, aqui junto comigo, para fazer passeio, não sei o que, claro que você não vai abandonar o seu trabalho aí ganhando bem, tendo uma vida aí que o governo te dá para trabalhar aqui, mas você não conhece ninguém, que seja assim, parecido com você?”, eu falei: “Parecido? Eu que vou para aí”. “O que e isso, Robson?” “Calma aí”, fui lá na presidência da FIA: “Posso pedir uma exoneração?” “Que é isso?” “Eu queria uma oportunidade no Retiro, apareceu e eu quero agora e pronto”. “Tá bom”, exonerei, outro dia tava aqui (risos).

P/1 – Já vai fazer quanto tempo?

R – Cinco anos, direto…

P/1 – E você morou com a Zezé até quando?

R – Eu morei com a Zezé até… na realidade, eu moro com ela praticamente final de semana, porque eu moro aqui, eu convivo aqui de segunda a sábado…

P/1 – Você dorme aqui?

R – Isso. Eu sou tipo meio um síndico daqui. Eu funciono aqui 24 horas, de madrugada, o residente me liga: “Tá com cheiro de gás”, eu tenho que correr lá para desligar… “Olha, o Guru tá com a televisão dele ligada e perdeu o aparelho de áudio”, aí eu vou lá e abaixo o áudio, é isso, porque o Stepan falou: “Eu preciso de você assim, se você ama o que faz, eu tenho que ter uma pessoa de confiança no Retiro que esteja ali”, porque hoje nós temos muitos residente idosos que acontece de madrugada coisas… por exemplo, teve uma vez,

que pegou fogo a casa de uma residente aqui, aí o porteiro ligou, eu chamei a enfermaria, um pega, o outro vai, o outro apaga fogo, o tempo todo, entendeu? Mas foi isso que eu escolhi para mim. Essa vida de estar sempre ligado, o social sempre…

P/1 – Aí, você passa a semana inteira e você dorme, tem uma casa?

R – Tenho uma casa aqui. E aí, vou para a casa da Zezé no final de semana.

P/1 – Continua indo?

R – É, porque na realidade, não bota isso que eu vou falar, não, a Zezé é alcoólatra, então é muito complicado conviver com ela, então isso me incomoda muito. Ela é dois, três dias, passou disso, ninguém mora com ela, entendeu? Então, isso… me suga muito o meu trabalho, minha energia, tem hora que o Retiro… eu trabalho muito, muito, tem hora que eu saio do Retiro, não sei nem como funciona o Rio de Janeiro mais (risos).

P/1 – Conta uns causos daqui.

R – Do Retiro?

P/1 – É. Que você lembra assim, algumas coisas pitorescas, ou tristes ou…

R – Olha, o triste é que eu acho que o Retiro passa… eu começo a entender como que funciona a morte, ele ensina muito porque aqui se morre de dois em dois, três em três meses, tem época que morrem dois, três num mês só. Então, eu não tinha essa visão da morte, isso para mim é triste aqui, quando a gente se apega a um residente. A gente tem mais aquele residente que a gente gosta, né, a gente acaba convivendo, mas tem aqueles mais 171, são os 171, os picaretas, os mais picaretas são os que eu mais gosto e quando eles partem, eu fico mais… e o que me chama mais atenção no Retiro é a família, quando eu escrevi um livro chamado “A procura de uma família”, quando eu falo em todo o momento que eu estou pensando numa família e quando eu falo do Retiro, da família, é porque família, eu entendi que são construídas de pessoas queridas, a gente não tem necessariamente eu, como exemplo, eu não tenho a família que foi determinada para mim, não tenho, eu tenho uma família que Deus, que o universo montou para mim, que são as pessoas queridas, eu não tenho família, minha amiga é uma coisa, entendeu? construídas de pessoas queridas, porque já que eu não tive a biológica, eu entendo isso, mas tem gente que tem irmão que não se dá tão bem com o irmão, quanto se dá com um amigo. Tem gente que não fala com o pai e com a mãe, mas fala com o pai e com a mãe do vizinho, desabafa… então, família, eu entendi que aquela procura que eu tava, sabe, aquela família perfeita de me encontrar no calçadão e me levar para casa? Não, família é isso, é constituída de pessoas queridas e, aqui no Retiro, me chama muito a atenção, porque geralmente, o fim deles é sozinho. A maioria não vem, não tem família, às vezes, eu pego, como eu te falei, passo um whatsapp para alguém, por exemplo: “Seu pai tá fazendo aniversario. E aí, tu não vai dar parabéns? Tá esperando o que para dar parabéns? Vamos ligar aí, vamos cantar parabéns”, ninguém veio, ou tipo, o residente faleceu e eu conheço, eu tenho essa liberdade, e mesmo se eu não tiver liberdade, eu mando também: “Faleceu e aí? Tá aqui. Gostava muito de você”, eu faço a minha parte, entendeu, que eu também não posso obrigar ninguém a amar ninguém, mas eu acho que pelo menos, incomodar, eu posso, entendeu? Então, essa coisa da família, o fim, o sozinho… as loucuras eu adoro. Aqui, é desde o Roberto Nascimento que se esconde no táxi, que eu tenho que vigiar todo taxi que entra e sai, porque ele se esconde e vai parar lá não sei onde para comprar bebida, aqui já teve uma coisa muito doida de um residente que pegou um outro residente, aí um chupou o outro, aí depois foi na administração reclamar que o outro não pagou: “Quê que a administração vai responder por isso?” (risos), são coisas… O Retiro é bom porque você não sabe o que vai acontecer hoje. Eu não sei o que vai acontecer hoje, entendeu? É o tempo todo vigiando, é o tempo todo eles tentando dar pernada, entendeu? Ontem minha mãe estava aqui, aí a gente foi lá no ambulatório, aí quando a gente entrou, aí a Maria Alice: “Zezé, deixa eu te falar, eu tô aqui por causa do Robson, porque eu tive AVC por causa dele, sabe por quê? Porque ele não deixou eu tomar a minha cachaça, eu tava tomando, bebendo, fumando, fumando, mandou eu parar, eu tive AVC” (risos), a doutora manda ela parar, ela tem um AVC, quase morre e aí, aqui eu não sinto tristeza, aqui eu não sinto rancor, aqui eu não sinto nada, aqui eu sou xingado pelos residentes, faço um personagem que é um vilão, é um síndico chato, tipo: “Abaixa a televisão, para com isso”, eles brigam por causa de comida, fila, às vezes, eles ficam na fila na hora do almoço: “Fulano entrou na frente”. “Robson!” “Fala ai, gente, o que acontece?” “Bota aí, quatro pratos, agora vai pegar os quatro juntos, pronto, todo mundo é o primeiro”. Eu tenho que o tempo todo pensar em soluções, porque eu trato eles como se fossem crianças. Eu não vejo eles como… nada, coisinhas assim, bobas: “A planta do vizinho tá me incomodando”, eu mudo a planta e falo pro vizinho: “Relaxa, eu vou arrumar outra planta”, o tempo todo e aí, isso que eu queria na minha vida, eu queria me dedicar a minha vida nisso. Então, eu sou super realizado. Tenho minha vida, tá tudo ótimo.

P/1 – E fora daqui, o quê que você faz?

R – Eu sou cinéfilo, viciado em cinema, adoro cinema, hoje eu vou para o cinema. Namoro, sou meio galinha, que eu falo, porque eu também, eu sempre tive problemas com relacionamento. Eu sou uma pessoa muito… eu me entrego assim, conheço a garota, me apaixono, mas no outro dia, acordo de manhã, a paixão vai embora. Se alguma coisa me ferir, se alguma coisa, eu achar alguma coisa que tipo, ali eu não vou ter… por exemplo, a gente pensa numa pessoa na vida para somar na tua vida, né, eu tenho uma filha. Eu tenho uma filha e um filho, olha aqui as minhas tatuagens. Alice e Gabriel e tem a Ana Clara, a Ana Clara faleceu com um ano e seis meses no meu braço. Aquela menina de lá do abrigo, eu tive uma menina… o Gabriel, a Bia, Beatriz é mãe do Gabriel. A Bia tava… são minhas amigas, incrível, a Bia falou assim: “Robson…”,

a minha mãe estava precisando de alguém para trabalha recuidar da vida dela, por ser idosa, uma secretária, alguém”, e aí, eu uni o útil ao agradável. A Bia que cuida da vida da minha mãe, entendeu? Que é a secretária. Minha mãe é agarrada com o meu filho de uma maneira…

P/1 – Teu filho mora com a Zezé?

R – Não. Mora na casa com a mãe e com o padrasto, sendo que vive com a Zezé, porque a Zezé quer ele sempre lá, porque é para ela…

P/1 – Você era namorado dessa secretária…

R – Da Bia. Não era secretária, depois, virou secretária, entendeu?

P/1 – E o Gabriel?

R – Não…

P/1 – O Gabriel que é…

R – A Alice. A Alice é uma outra mãe também.

P/1 – Quem é a mãe da Alice?

R – É a Fran. É uma garota que eu conheci, porque eu sou maluco, me apaixonei por ela, fiquei com ela por um tempo, um ano, aí tivemos a filha, depois, acabou.

P/1 – Mas você vê seus filhos sempre?

R – Sempre. Todos os finais de semana. Eles vêm para cá, eu tenho uma vida assim, eu até falo assim, eu tenho os meus dois filhos, tenho meu trabalho, tenho minha vida, tá ótimo. Tá tudo…

P/1 – E isso aqui, essa outra tatuagem…

R – Zezé, mãezona, eterna gratidão, isso aqui é um crucifixo que não tem imagem nenhuma, porque eu não sou católico, eu não tenho religião, eu acredito em todas, tenho fé em todas e o terço me chama uma atenção, porque eu reparo em enterro, casamento, tudo, as pessoas pegando… o terço tem um significado muito forte de fé que me passam entendeu? Então, eu acho bacana. Então, eu me tatuei, quero ter essa coisa com a fé, porque eu tenho que acreditar em Deus, eu tenho que ter fé porque na minha vida tudo aconteceu, eu podia ser tudo, podia acontecer várias coisas comigo e eu sobrevivi até hoje e vou sobreviver, como que é a música do Cazuza: “Vou sobrevivendo sem um arranhão…”.

P/1 – Robson, quais são os seus maiores sonhos hoje?

R – Hoje? Cara, eu acho que é muita loucura, mas acho que eu já realizei todos. Eu vou ser sincero, hoje o que eu quero, é por exemplo, agora eu tô dando entrada em um apartamento, que a Cida, que o Retiro eu trabalho para isso, ele me proporciona o meu dinheiro para juntar, porque o período que eu fico, eu junto e tô comprando um apartamento, tô trocando de carro. Assim, hoje eu posso ser sincero para você, meus filhos tendo as coisas, eu trabalho no que eu amo, eu tô realizado. Quero viver. Eu não tenho nenhuma visão: falta isso… não falta nada, não. É isso.

P/1 – E você tem planos para o Retiro?

R – Muitos. O Retiro, hoje, para mim é assim, é a minha casa, eu queria tanto que o Retiro desse uma virada, não financeiramente, uma virada social. Hoje a gente vê muito espaço, hoje eu brigo muito e vou aprendendo na marra como que funciona, como que… por exemplo, tem um curso para aprender leis, eu vou lá e participo desse curso. Tudo que eu faço é pensando no Retiro, ocupar essas salas, ocupar os espaços. O meu sonho do Retiro é estar aqui, ter um curso de teatro para a comunidade carente, ter uma palestra para garotas vítimas de abuso sexual ali na outra sala, ter uns residentes dando oficina disso, é fazer o social entrar aqui de uma maneira e fazer acontecer. Eu fazer, sabe aquela coisa que eu sempre falei de estar fazendo onde eu estiver? Por exemplo, eu trago os garotos do abrigo aqui para o teatro, eu trago… eu quero trazer projetos sociais aqui, o Retiro é um lugar fantástico, ele tem um espaço enorme, mas ele é pouco usado, eu percebo isso. Eu brigo muito por isso e é pouco usado porque tem que ter verba para isso, tem que ter projeto para isso, tem que botar um profissional, voluntário começa, daqui um dia, três dias ele acaba, entendeu? E claro, tem uma realização que a minha amiga vai me ajudar, que é o vídeo institucional do Retiro, porque eu sou apaixonado, meu sonho é pegar um grupo, botar assim: “Vocês querem conhecer o Retiro? Então, assiste esse vídeo”, Retiro dos Artistas, sabe? As pessoas verem assim, pô, que lugar maravilhoso, porque eu vivo aqui. Eu e Cida, porque a Cida mora aqui do lado, então, toda hora: “Fulano tá precisando…”, eu posso estar em qualquer lugar, posso viajar, mas eu tô ligado aqui o tempo todo. Hoje, eu não sei como é trabalhar fora do Retiro. Não sei como é não ter o Roberto me xingando por causa de cachaça, não sei como é o Waldir ter que trocar de casa porque roubaram os exames dele todinhos, entendeu? Não sei. Pegar um residente que tá guardando garotinho no porta-malas do táxi, porque eu tenho que… eu faço isso acontecer, eu sou o durão, eu faço, tipo assim, vamos botar ordem, e, no final, todos eles gostam, porque quando eu pego um garoto no porta-malas, dez residentes estão aplaudindo. Quando eu falo com o Waldir: “Ninguém roubou não”, o outro: “Graças a Deus, Robson, que tava maluco”, quando eu falo: “Roberto, não pode beber”, é porque se ele beber, ele vai morrer, então, tudo que eu faço, eu vou pensando no bem, entendeu, tem que fazer isso por isso. E o que mais me incomoda é você trabalhar numa instituição que você não ame o que faz e o que gosta, não trabalhe por dinheiro. Aqui, eu sou a primeira pessoa a falar com a Cida e a gente faz isso juntos, trabalhou aqui, a gente percebe que não gosta de idoso, que não gosta do que faz, a gente manda embora no outro dia. A gente não deixa crescer, porque para uma instituição dessa que tem quase 100 anos, que trabalha com vidas, não pode ter ninguém que não goste. Hoje nós temos a lavanderia que tem a Edna que ama o que faz, que vem domingo para cá, temos a Sonia que é a funcionária aqui embaixo de dez anos como voluntária num bazar, que ama, que se ela sair daqui, ela não sabe nem o que ela vai fazer da vida, que ela vai morrer. Olha só escutar isso das pessoas, tá entendendo? Tem ali, o garoto que ele adora, o Sérgio, o garoto da faxina: “Tem um vaso entupido, vou lá desentupir”, que ama o que faz. O cara da piscina, eu preciso de pessoas, o tempo todo eu vigio isso, eu preciso de pessoas que amem a instituição, que gostem da instituição, é para fazer, é para fazer, agora, não faça por dinheiro, por salário, porque não funciona assim, entendeu? Então, eu sou esse brigão, faço o papel chato.

P/1 – Queria agradecer a entrevista e perguntar, o que você achou de dar essa entrevista?

R – Adorei. É bom, porque você fala, bota pra fora, eu falo a minha vida porque eu sempre acho que… sei lá, eu vou ficar guardando a minha vida? Conto para todo mundo. Uma vez… e detalhe, eu conto para o Roberto que eu sou ex-menino de rua, ele não acredita, não. “Sabe por que não acredito Robson? Porque você não tem nada a ver”, isso é bacana, eu não queria ser um cara, como o Doutor Siro falou, certo para mim, ele estava certíssimo: “Estuda, aprende, leia, porque vai ser importante para você no futuro, seja comunicativo”, hoje eu tô aqui embaixo, mas eu tô cheio de e-mail para fazer, projeto para finalizar, sabe, tem curso de fotografia que vai ter aqui que eu tenho que avaliar junto com a Cida o projeto que o cara quer botar aqui, a gente tem que ver qual é a contrapartida desse projeto, o cara quer usar o nome do Retiro, vamos lá, baseado em que… hoje, eu entendo tudo do Retiro e isso é bacana, se não fosse o meu estudo, aquele Doutor Siro mandando eu escutar a Voz do Brasil… hoje eu entendo de politica, da economia como tá o dólar, pô, entendeu? Eu não sabia disso, então para mim, tudo foi válido, então, tenho que contar, contar.

P/1 – Lindo. Obrigado.

R – Valeu.

FINAL DA ENTREVISTA