Museu da Pessoa

De um lado a profissão, do outro a devoção

autoria: Museu da Pessoa personagem: Laudo Natel

Projeto: História em Multimídia do São Paulo Futebol Clube
Depoente: Laudo Natel
Entrevistado por: Marília e Valéria
São Paulo, 10 de dezembro de 1993
Entrevista nº 027

P - Seu Laudo, qual é o seu nome completo, por favor, local de nascimento, data?

R - Meu nome é Laudo Natel. Nasci na cidade de São Manoel, no interior de São Paulo, dia quatorze de setembro de 1920.

P - Seus pais, como era o nome deles?

R - Meu pai chamava Bento Natel e a minha mãe Albertina Natel.

P - E os seus avós? O senhor se lembra dos seus avós?

R - Lembro. O meu avô paterno... José Natel, já falecido. E o meu avô materno, Alexandre Barone, de origem italiana.

P - Qual era a atividade de seu pai?

R - Meu pai? Meu pai é falecido. Faleceu... Faleceu muito cedo. Faleceu aos cinquenta e poucos anos. E a minha mãe é falecida já há alguns anos, mas ela viveu noventa e seis anos.

P - Qual era a atividade do senhor seu pai? O que ele fazia?

R - O meu pai era agricultor. Era administrador de fazenda. Eu, inclusive, nasci numa fazenda em São Manoel.

P - E ficou lá quantos anos?

R - Saí de São Manoel com dois anos. Aí meu pai se transferiu pra cidade de Mirassol, na Araraquarense, onde também administrava fazenda. Em Mirassol tive a minha infância e fiz o curso primário. Posteriormente me transferi pra Araraquara, onde estudei uma temporada, voltei a Mirassol e depois iniciei minha atividade como bancário na cidade de Pirajuí, no interior de São Paulo. Antes, residi também em Presidente Alves, depois mudei para Lins e, posteriormente, Marília. Aí, em São Paulo, eu estou desde dezembro de 1945.

P - Voltando atrás no tempo, como era sua infância na fazenda?

R - Olha, infância de menino pobre, né? Na fazenda, pais com profissão modesta... Eu me lembro que meu curso primário foi feito na cidade, mas eu ia diariamente a cavalo e voltava, fazia um percurso de oito quilômetros, mas foi uma infância despreocupada e feliz na fazenda.

P - O senhor se lembra das brincadeiras que faziam as crianças?

R - Bom, brincadeira de toda criança: jogar futebol com os amigos. Uma infância normal, sem maiores novidades.

P - E na escola, o senhor se lembra dos primeiros bancos escolares?

R - Lembro, inclusive, da primeira professora, dona Bartira Noronha, que faleceu em São Paulo ainda há pouco tempo. Era uma escolinha particular que havia em Mirassol, posteriormente o grupo escolar de Mirassol. Esse tempo só havia até a terceira série. Quando foi criada a quarta série, meu pai também me matriculou no grupo, mas eu fiz duas vezes a quarta série ao mesmo tempo (risos) no grupo escolar e na escola no mesmo ano. Depois fui fazer exame em Araraquara no ginásio, que era então o ginásio estadual de Araraquara. Porque em Mirassol não havia o curso ginasial, fiz o primeiro ano em Araraquara e voltei a Mirassol, onde concluí o ginasial.

P - E depois disso, como que foi a sua vida?

R - Olha, eu fui sempre bancário, eu fui funcionário de um banco. Daí a razão dessas transferências de Pirajuí, Lins... Depois ingressei em outro banco e do qual acabei diretor. Eu fui diretor durante muitos anos.

P - Qual?

R - Posso citar o banco, né? Eu fui diretor do Bradesco. Eu iniciei minha atividade como funcionário do Banco Noroeste, posteriormente junto com Amador Aguiar na Fundação Bradesco nós fomos pra Marília, porque a matriz do Bradesco era em Marília. Eu vim para São Paulo exatamente quando a matriz se transferiu de Marília para São Paulo. Vim no fim de dezembro, porque a atividade dela como matriz em São Paulo se iniciou exatamente no dia primeiro de janeiro de 1946.

P - Agora voltando ainda atrás. De que maneira o senhor passa da escola a ser bancário?

R - Ocorre o seguinte: eu tinha a pretensão de estudar direito nesta altura e cheguei a vir a São Paulo para fazer o exame vestibular. Antigamente tinha outro nome, mas era um exame de ingresso na faculdade de direito. Ocorre que nesse período que eu me preparava pra fazer os exames, faleceu meu pai. Eu fiquei praticamente sem recurso. Então ingressei no banco Noroeste, mas o banco Noroeste me mandou pra Pirajuí. E com o tempo eu ganhei gosto pela minha profissão. E acabei esquecendo o curso de direito que eu almejei no início.

P - Mas o senhor chegou a fazer um curso superior de economia?

R - Sim, fiz economia depois. E, mas sempre me dediquei a banco. Atualmente eu sou diretor de uma companhia de seguros, mas eu fui durante 25 anos diretor do Bradesco. Eu tenho uma carreira bancária que vem de 1937 até agora, são mais de cinquenta anos.

P - Qual é a companhia de seguros hoje?

R - Como?

P - A companhia de seguros?

R - A Companhia SulAmérica de Seguros.

P – Então, como é que foi seu relacionamento com o Amador Aguiar e todo esse trabalho que o senhor desenvolveu no Bradesco?

R - O Amador Aguiar era gerente do banco Noroeste em Lins, eu cheguei a ser subcontador do Banco Noroeste em Lins. Quando foi fundado o Bradesco, foi uma transformação de uma casa bancária que havia em Marília, o Amador foi convidado pra dirigir o Bradesco. E quando ele veio pro Bradesco ele convidou alguns companheiros dele do Banco Noroeste. Entre estes companheiros, eu. Daí a razão por que fui a Marília. E trabalhamos juntos praticamente até a morte dele.

P - E como entra o São Paulo na sua vida, nesse trajeto?

R - Bom, eu sou mais velho que o São Paulo. Porque eu sou de 20 e o São Paulo já é dos 30, de modo que eu sou são-paulino desde que existe o São Paulo. Sempre acompanhei com muito interesse a vida do São Paulo. Na primeira fase, depois na segunda fase do São Paulo, tanto que quando me mudei pra capital, uma das primeiras coisas que fiz foi ingressar no quadro social do São Paulo. Eu sou associado do São Paulo desde o ano em que me mudei pra São Paulo. Acompanhava com muito interesse jogos, atividades diretivas do São Paulo, mas, curiosamente, eu fui dirigente do São Paulo não apenas por ser são-paulino. Porque era uma fase muito difícil da vida do São Paulo, o São Paulo estava muito endividado. E o São Paulo estava prestes a desaparecer, porque não tinha condições. Então eu fui levado para o São Paulo pelo saudoso presidente Cícero Pompeu de Toledo, através de um amigo em comum, também grande são-paulino, já falecido, Luis Campos Aranha. Mas, porque eu era um homem de banco, então eles achavam que eu, sendo um homem de banco, talvez pudesse injetar alguma ideia que pudesse salvar o São Paulo. Foi um período muito difícil da vida do clube, mas aí houve um milagre. Nós acabamos vendendo o Canindé, que era o estádio do São Paulo, e construindo o Morumbi. Muita gente pensa que a venda do Canindé foi o começo do Morumbi. A venda do Canindé serviu pra pagar as dívidas do São Paulo Futebol Clube e o Morumbi foi lançado praticamente sem dinheiro, com a venda de ideias. Primeiramente cadeiras cativas, depois títulos patrimoniais, depois programas de sorteios, e o São Paulo foi sempre atualizando as suas ideias e vendendo as suas ideias. E conseguiu esse milagre de iniciar um estádio daquele tamanho, que é o maior estádio particular do mundo, sem um cruzeiro, e de ser terminado sem uma dívida. O estádio foi entregue totalmente pago. Eu considero isso um milagre da cooperação do São Paulo e também do público esportivo de São Paulo de um modo geral, mas foi um milagre de fé, gente que acreditou. Hoje quando a gente observa o estádio e vê a coisa toda feita. Essa base que o São Paulo conseguiu. E claro que eu particularmente tenho muito orgulho disso, eu acho que foi uma honra e um privilégio ter dirigido o São Paulo da pedra fundamental até a inauguração do estádio. Mas, por outro lado, você não avalia as noites de sono que eu perdi com as responsabilidades que eu era obrigado a assumir. Palavra que não, se paralisasse aquele encontro. Eu me lembro até de uma ocasião, houve um movimento da imprensa de São Paulo, eu não me lembro de encabeçado por quem, que o Morumbi, ele demandou dezoito anos pra ser construído. Então foi uma fase... Houve certa paralisação. Parecia que havia certo desânimo, já não estava acreditando muito. Então alguém sugeriu que a municipalidade de São Paulo desse o Pacaembu para o São Paulo e terminasse o Morumbi para a municipalidade. Eu me lembro de que na ocasião fui entrevistado, eu disse: "Olha a ideia pode ser boa, pode ser economicamente bem pensada, mas eu receio que o sonho do são-paulino não caiba no estádio do Pacaembu".

R - Fale mais sobre isso, mais detalhes.

P - Agora, foi uma fase muito difícil, eu me lembro que eu era muito relacionado como diretor de banco, inclusive tinha grandes amigos na Companhia Antarctica Paulista. E a Companhia Antarctica Paulista, certa ocasião, fez comigo um contrato para venda de bebidas no futuro estádio do São Paulo e me adiantou, na época, cinco milhões de cruzeiros. Ela fez o contrato, eu descontei no Bradesco. Com esse dinheiro, fizemos os primeiros movimentos de terra, que era pra fazer a propaganda da venda das cadeiras cativas. Então, na realidade pouca gente acreditava. O São Paulo é inclusive o pioneiro do bairro do Morumbi, quem vê hoje o fantástico Morumbi, que é uma cidade à parte hoje, o primeiro tijolo do bairro do Morumbi foi do São Paulo Futebol Clube. Era um matagal, eu me lembro que havia até um jornal esportivo na ocasião que, pra fazer uma gozação do São Paulo, publicou a fotografia de um matagal, dizendo: "O estádio do São Paulo em 1980". Estão vendo, pouca gente acreditava. Não havia água, não havia luz, não havia esgoto, não havia condução, não havia nada. Então o São Paulo também ajudou a fazer o bairro do Morumbi, só posteriormente é que apareceram algumas casas, depois aquele hospital infantil que existe até hoje lá da Darcy Vargas e depois o Palácio do Governo, que, aliás, na ocasião não era palácio. Estava sendo construído para ser uma faculdade de economia de uma fundação da Organização Matarazzo que foi comprado pelo governador de então e transformado em palácio, de modo que o São Paulo ajudou a fazer essa história. O São Paulo tem uma área lá de cento e cinquenta e quatro mil e duzentos metros, se não me engano, dos quais noventa e nove mil é propriamente o campo de futebol, onde seria no loteamento uma praça pública e, com anuência da prefeitura, o São Paulo construiu o estádio onde seria a praça. E o restante do terreno, metade foi doação da empresa que vendeu, da Aricanduva, e metade foi compra do São Paulo Futebol Clube. Naquele tempo era barato, barato em termos de hoje, eu me lembro de que um terreno no Morumbi custava quatrocentos mil réis, doze anos de prazo sem juros.

P - Mas o senhor disse que passou noites de sono sem dormir, me explica melhor quais eram esses problemas?

R - Olha, futebol... O São Paulo, dentre as coisas que ele tem de bom, para o futebol do São Paulo, foi exatamente também injetar um pouco de crédito no futebol que antigamente ninguém dava muito crédito para clube de futebol. Clube de futebol era plantado mais ou menos á distância, eu sei disso porque fui homem de banco. Então, apesar de que quando o São Paulo contratava uma obra era necessário que eu dissesse "olha", para o empreiteiro, "pode executar". Eu assumi uma brutal responsabilidade. É uma das lutas que eu tive no São Paulo, porque até então para ser presidente do São Paulo a pessoa tinha de ser ou muito ou ter muita retaguarda. Eu tinha retaguarda porque era de banco, eu sonhava com um São Paulo que pudesse ser dirigido por qualquer são-paulino, como acontece hoje. Hoje, se você procurar, como acontece hoje. Hoje se você procurar o presidente do São Paulo, você encontra cem pessoas ou duzentas pessoas dentro do São Paulo em condições de assumir a presidência. Não precisa dinheiro porque há estrutura, há uma base, é questão só de administração, agora nessa época eu penei muito, sofri muito... Agora, tive companheiros fabulosos, não é? Fabulosos companheiros, eu tive companheiros, inclusive que assumiram a responsabilidade às vezes pelo fracasso do futebol, porque não podia estar contratando jogador para que eu pudesse conduzir a obra do estádio. Não misturamos nunca o orçamento do estádio com o orçamento do clube. O clube podia estar em maior dificuldade e não se mexia no dinheiro do estádio. Daí a razão que o estádio pôde ser levado à frente e pôde ser inaugurado com esse milagre, sem dívida, mas nós não tínhamos dinheiro pra nada. Depois de pronto o estádio precisava botar banco, eu não sabia como. Eu tinha um amigo que tinha uma madeireira no Paraná, que andou me ajudando e vendendo barato a madeira. Outro amigo, que tinha uma marcenaria, montou uma oficina dentro do Morumbi, construindo os bancos. Teve um momento que precisava de quatrocentos mil parafusos pra parafusar os bancos. Então eu fui fazer uma propaganda de uma empresa de parafusos no jornal e no rádio, em troca dos quatrocentos mil parafusos (risos).

P - O senhor mesmo?

R - Agora, fora isso era campanha de cimento, campanha de todo jeito e também a colaboração. Agora, companheiros eu tive extraordinários.

P - Quais?

R - Companheiros eu tive extraordinários, e a coletividade também porque sabem o que é futebol. Futebol é paixão. Sempre que o São Paulo jogava uma partida contra um rival mais direto e não tinha um grande sucesso, claro que vem a cobrança, né? Pessoal esquece o estádio, que o futebol... E nós tivemos essa habilidade de separar o estádio do futebol. O estádio entrou pra contabilidade do São Paulo, depois de pronto, foi um presente para o São Paulo. Presente da coletividade são-paulina para o São Paulo. Não é uma coisa bonita? É uma epopeia, não é?

P - E os nomes das pessoas que foram importantes nesses momentos?

R - Olha, foram tantas que a gente sempre comete injustiça porque esquece. Mas só pra ditar alguns: pessoas das quais eu abraço a todas. Cícero Pompeu de Toledo, o presidente que morreu, essa é uma das razões porque fiquei no São Paulo, porque quando eu fui pro São Paulo, eu fui com compromisso de ficar apenas uma gestão, mas ocorre de eu terminar minha gestão, Cícero Pompeu, que era o presidente, já ficou doente. Então praticamente eu fiquei sem condição de deixar o São Paulo e ele veio a falecer, daí a razão de que eu vinha substituir, viu? Mas ele foi um presidente formidável, um homem equilibrado, e a razão pela qual o São Paulo homenageou, dando o nome ao estádio. Cícero de Pompeu de Toledo... Manoel Raymundo Paes de Almeida, isso é uma bandeira do São Paulo Futebol Clube, um homem que assumiu as responsabilidades do futebol para que eu pudesse tocar as obras do estádio. O Luis Campos Aranha falecido... Luiz Cássio dos Santos Werneck, que está até hoje no São Paulo, é presidente do Conselho. Marcelo Klazcko... São baluartes, Monsenhor Francisco Bastos, General Porfírio da Paz, e Frederico Menzen, são... Eu às vezes cometo injustiça, porque é impossível lembrar-se de todos. E a aquela coletividade toda apoiando e acreditando, aí a razão que está aí o Morumbi.

P - Qual é a visão que o senhor tem da participação do Porfírio da Paz em todo esse esforço?

R - Olha, o Porfírio ele teve uma época anterior à minha no São Paulo. Na minha gestão ele não foi propriamente um diretor, ele era um conselheiro, mas como um homem que sempre deu muito apoio. Era um homem relacionado, um são-paulino fanático, ele próprio se autodenominava José Porfírio São Paulino da Paz. Foi um homem que levou uma vida também para o São Paulo. Deu uma dedicação total, principalmente naquela fase difícil, quando o São Paulo teve de carregar as suas agruras da falta de dinheiro. Monsenhor Francisco Bastos chegou a fazer a concentração do São Paulo na igreja da Consolação (risos). Veja quanta história tem o São Paulo.

P - E que mais histórias o Senhor se lembra?

R - Hã?

P - Que mais histórias que o senhor se lembra?

R - Ah, são muitas. São muitas e as dificuldades que a gente teve... Ah, foi muito emocionante entregar o Morumbi, muito emocionante.

P - Nesse dia... Conta como foi esse dia.

R - Esse dia foi um dia de glória: inauguração do Morumbi, cento e dez mil pessoas. Ah, foi um dia de glória. Pregar a cadeira cativa do pessoal que havia colaborado desde o início. Foi fantástico. Afora as alegrias que o São Paulo passou a dar também com o futebol, né? Que o futebol, o São Paulo é poliesportivo, mas o futebol é sempre a grande bandeira. Se não fosse a bandeira do futebol, a gente não tinha conseguido fazer o estádio. É uma bandeira, um clube respeitado, querido, isso ajudou muito.

P - Como e que o senhor conseguiu fazer com que não se misturasse a contabilidade do estádio com a do clube?

R - Havia uma comissão para o estádio. O elo de ligação entre a comissão do estádio e do clube era o presidente da comissão. O presidente do clube era sempre o clube da comissão, mas a comissão era totalmente à parte. Havia muita gente que nem admitia a ideia de pensar de tirar dinheiro do estádio para fazer futebol e meu grande trabalho era convencer os são-paulinos quando a coisa não ia bem, futebol não ia bem, vamos ter paciência, ter que chegar lá. Temos que construir a base pra depois obter os resultados. E eu tive inclusive sorte, porque assim que o Morumbi foi entregue, falei: “Agora eu preciso montar uma equipe pra tentar ganhar o campeonato, pra dar uma satisfação à torcida”. Eu tive sorte, que logo no primeiro ano ganhei um campeonato, no segundo ano tornei a ganhar. Montei uma equipe boa, né? E o São Paulo pôde... E agora... Agora você vê o São Paulo que tem os melhores resultados, talvez da década.

P - O senhor se lembra de que equipe foi essa que o senhor montou?

R - Hã?

P - A equipe que o senhor montou nessa época?

R - Eu me lembro de que contratei alguns jogadores de nome na ocasião: Gérson, Forlán, Pedro Rocha, Toninho Guerreiro, Edson... E formando com a base que o São Paulo já tinha, de modo que foi uma equipe muito equilibrada e muito boa, que deu muitas alegrias, ganhou dois campeonatos.

P - Qual foi a dificuldade maior que o senhor teve para angariar os fundos pra essa construção?

R - Para ganhar?

P - A verba, os recursos pra construção do estádio?

R - Bom, primeiramente foi a cadeira cativa. Nós vendíamos a cadeira cativa, paramos a venda pra não sofrer o processo da inflação, depois foram criados os títulos patrimoniais, já para o quadro social. Agora, campanhas nós fizemos inúmeras: campanha do cimento, campanha de venda de carnê. Tudo foi tentado. Agora, conseguimos esse milagre de entregar o estádio pago, sem dever um tostão. Começamos do zero, quer dizer, a primeira planta, primeiro desenho de planta do estádio foi feito de favor. Eu me lembro de que havia dois engenheiros, França Pinto e Gomes Cardim, que inclusive quando foi apresentada a planta do estádio, eles que analisaram, eles que fizeram uma mesa redonda com os projetistas, mas também totalmente de graça, de modo que foi um produto da colaboração de todo o mundo.

P - Quem fez o primeiro projeto?

R - O projeto, o... Foram feitos vários projetos, quem ganhou foi o engenheiro Villanova Artigas. O São Paulo acabou comprando dois outros projetos e fez uma adaptação. O primeiro projeto do estádio era o estádio coberto, mas eu me lembro de que um dia que alguém sugeria, falava: “Olha, futebol... Não existia futebol sem foguete, o estádio não pode ser coberto” (risos).

P - De quem eram esses projetos cobertos?

R - Como? Não me lembro agora, mas nós recebemos porque na ocasião, quando o São Paulo ia lançar o estádio, havia muitas sugestões, né? O são-paulino estava ávido por um estádio. Essa ideia do estádio do São Paulo é uma ideia que já vem... É latente. Porque, já no Canindé, o São Paulo chegou a esboçar a construção do estádio, onde é hoje a Portuguesa. Ele só não ficou no Canindé, primeiro porque estava muito endividado e precisava vender o Canindé, e segundo porque com a abertura da Marginal o São Paulo perdeu vinte mil metros do terreno do Canindé, então, ficava muito restrito para o tamanho do estádio que ele desejava fazer, e a razão daí pro Morumbi. E fomos os desbravadores do Morumbi, porque fomos os pioneiros do Morumbi.

P - O senhor podia contar como é que foi a tentativa da construção no Pacaembu, que havia uma luta ali entre estudantes, não é? E...

R - Do Pacaembu, essa história que contei?

P - Havia uma expectativa de concorrer no espaço do Pacaembu?

R - Não, houve uma sugestão inventada na imprensa, não me lembro por quem, uma sugestão feita à municipalidade, que a municipalidade entregasse pro São Paulo e ficasse com o Morumbi. Naquela fase o Morumbi estava semi-construído. Mas claro, era uma obra, dezoito anos, precisava parar pra ganhar fôlego, botar outras ideias em funcionamento. Então nessa fase é que se pensou... Alguém sugeriu... Eu achei que seria uma decepção para o são-paulino (risos). Falei, vamos até o fim, gemendo, chorando, mas vamos chegar lá.

P - E quem eram as pessoas? Eu vejo que o senhor é ainda aquele entusiasmo. Quem eram as pessoas que também tinham esse mesmo entusiasmo, essa chama?

R - Entusiasmo?

P - É.

R - O Cícero Pompeu de Toledo. Eu me lembro de que o Cícero Pompeu de Toledo, já doente, na cama, quando eu terminei o primeiro lance de arquibancada do Morumbi, eu levei uma fotografia pra ele, e fiz uma dedicatória: “À concretização de um sonho que temos sonhado juntos”.

P - E não tem também aquela história...

R - Manoel Raymundo. Esse Manoel Raymundo é que é um homem, uma história do São Paulo extraordinária, é um elemento que está no São Paulo praticamente desde menino. Acho que foi o lançador dessas torcidas uniformizadas no tempo de menino. É um homem que sabe tudo do São Paulo, que colabora com o São Paulo e que nunca quis ser presidente do São Paulo, foi inclusive meu diretor de futebol, mas nunca quis ser presidente.

P - Existiu essa frase do: "já que é um sonho que seja grande"?

R - Não.

P - Não existiu essa frase, slogan?

R - Não entendi bem a sua pergunta.

P - Havia um slogan que dizia: "já que é um sonho o Morumbi, que seja grande"...

R - Ah, sim.

P - De quem é essa frase?

R - Não, isso eu não me lembro, de quem é não me lembro.

P - Agora, me diga como foi que o senhor se envolveu tanto com tudo isso? Como um homem de banco, ocupadíssimo como o senhor, conseguiu se envolver tanto?

R - Porque eu fui pra São Paulo com o objetivo de ficar um ano, levei alguns companheiros do banco pra me ajudar, maquinar alguma ideia que pudesse ser útil ao São Paulo, mas no São Paulo comecei a fazer um companheirismo muito interessante, sempre formidável, e além do mais o Cícero começa a ficar doente. Foi difícil abandonar o Cícero naquela altura, então acabei envolvido, até hoje, viu? É interessante, eu fiquei tantos anos no São Paulo. O São Paulo parece estar escrito na minha testa. Quando o São Paulo ganha um jogo eu sou cumprimentado na rua, quando perde eu sou cobrado, eu que deixei de ser presidente em 1972 (risos). Ficou marcado isso em minha vida, mas valeu a pena, apesar de todos os percalços, de todas as dificuldades, das noites sem dormir, valeu a pena. Eu acho que consolidou e foi uma coisa... Deu abertura, não para o São Paulo, deu para o esporte de São Paulo. O Morumbi deu uma nova motivação para o esporte de São Paulo. E a partir do Morumbi outros clubes construíram. Quantos estádios surgiram depois, né? Eu acho uma coisa muito interessante, muito útil à cidade.

P - O senhor diz... Fale mais sobre essa mudança. A mudança que a construção provocou no futebol da cidade.

R - Bom, São Paulo, durante muitos anos... Eu me lembro que a primeira partida que assisti do São Paulo, que eu morava no interior, era no Parque Antártica, atual estádio do Palmeiras, porque era o maior estádio de São Paulo, posteriormente veio o Pacaembu que deu um novo ânimo pro São Paulo. O Pacaembu deu uma nova fase, uma nova dimensão, mas com o tempo a cidade cresceu muito. Avalie você que São Paulo na inauguração do Pacaembu, que não faz tanto tempo, o Pacaembu acho que é 1940, São Paulo devia ter um milhão e quatrocentos habitantes, não mais que isso. Hoje São Paulo tem quase vinte milhões. Então o Pacaembu ficou pequeno, ficou superado, um estádio pros pequenos e médios jogos. Precisávamos de um grande estádio, então o Morumbi deu uma nova dimensão, uma nova possibilidade pros clubes auferirem renda pros grandes públicos e com isso deu uma dimensão diferente ao futebol de São Paulo.

P - O Amador Aguiar participou de alguma forma?

R - O Amador esteve... Participou comigo da comissão pró-estádio. Era um homem que não sabia nada de futebol, que não conhecia futebol. Era um homem... Um crânio em finanças. Era um banqueiro fora de série, em minha opinião, e ele participou comigo na comissão pró-estádio, inclusive outro companheiro meu, falecido, Luiz Silveira, que também foi diretor do Bradesco, esteve na comissão pró-estádio. Eu me lembro, havia o Altino de Castro Lima, outro grande nome do São Paulo, era diretor da City Imobiliária, e assim tantos outros. Esse que faleceu há pouco tempo, Francisco Bergamo Sobrinho, e tantos outros, compreende? E gente para quem seria uma heresia tirar o dinheiro do estádio pra colocar no futebol. Então nós aguentamos aquela trilhazinha e teve uma fase de hegemonia. O São Paulo está nos últimos anos é o clube com melhores resultados do futebol de São Paulo.

P - A quem o senhor atribui isso?

R - À sedimentação, à base, porque o São Paulo hoje se não tiver dinheiro, ele pode perfeitamente... Vamos supor que o São Paulo queira contratar um jogador que não tem o dinheiro, ele tem crédito e ele pode contratar, sabendo que os recursos do clube hoje e amanhã estão cobertos pela estrutura que ele conseguiu: base social e o estádio que é o grande palco, né? Verifique que não só futebol, até espetáculo de arte ou religiosos tem sido realizados lá, porque é o maior local de São Paulo. Há pouco tempo ainda, ele... Houve uma concentração religiosa, onde compareceram, se não me falha a memória, cento e quarenta e seis mil pessoas, mas que tudo isso deu uma base. O São Paulo cobra aluguel, é evidente, então deu uma base econômica para o clube. Então hoje a situação me parece magnífica. E outra coisa que o São Paulo foi feliz é que ele teve sempre uma continuidade administrativa. Não houve um presidente do São Paulo que procurou desmanchar o que o outro fez, como acontece na política normalmente. Eu sei por que conheço bem os dois setores, a política e o futebol. Nenhum presidente, quer dizer, cada um deu sequência àquilo do outro. O estádio era uma obsessão de todos, então ninguém destruiu o que o outro fez, pelo contrário, continuou. E isso, essa continuidade deu ao São Paulo a possibilidade de terminar o estádio e de outras conquistas, desenvolver o esporte amador, que desenvolveu muito bem. De modo que o clube passou a ter um destaque, hoje até internacional.

P - O senhor continua atuando, dando uma assessoria financeira ao clube?

R - Se eu dei uma assessoria?

P - Se o senhor continua dando?

R - Não, não, eu sou... Eu quando saí do São Paulo, recebi um título muito honroso. O São Paulo me deu um título de grande Patrono, mas eu continuo conselheiro do São Paulo, e faço parte do conselho consultivo, é o que chamam até popularmente conselho dos cardeais, são os mais antigos do São Paulo, os mais experientes e que o clube ouve nas suas grandes decisões. Esse conselho é sempre ouvido, ele não é deliberativo, mas é um conselho de gente mais antiga e com maior vivência do clube e que é usada nesses momentos para opinar sobre as coisas do São Paulo.

P - Eu gostaria que o senhor contasse com mais detalhes como foi a propaganda do parafuso?

R - (risos) Precisava parafusar os bancos do estádio, não havia dinheiro, então me lembro de que uma empresa aí resolveu, praticamente, doar os parafusos ao São Paulo. Mas eu, como presidente do São Paulo, tive que participar de umas propagandas aí, falar sobre as excelências dos parafusos (risos). Fui no rádio, fui no jornal (risos). Assim como para asfaltar uma rua do Morumbi, na ocasião havia uma propaganda que dizia: “porque moramos no Jardim Leonor”, eu nem morava, mas eu aparecia lá (risos), entende? “Porque moramos no Jardim Leonor”. Propaganda em troca de um asfaltamento de uma rua, mas no fim dizem que o que é duro de passar é doce pra lembrar. São histórias que acontecem, que ficam marcadas na vida da gente.

P - E o senhor vai assistir a jogos? O senhor comparece?

R - Eu peguei um pouco o hábito, eu acompanhei um pouco o São Paulo durante muitos anos, assistindo jogos dentro do campo, como era meu hábito, aqui e fora daqui, viajei com o São Paulo pelo exterior inclusive. Mas de uns anos pra cá, acho que mais por comodidade, eu comecei a ver o jogo na TV, no rádio e acabei perdendo o hábito de ir ao clube. Tem alguns anos já que não vou assistir a uma partida lá no estádio, mas acompanho religiosamente o São Paulo.

P - O senhor deveria estar agora no Japão, né?

R - É. Agora vai ser uma parada difícil lá, hein?

P - Vai.

R - Mas o São Paulo está habilitado pra quem sabe se repetir, pelo menos vice-campeão já é (risos).

P - Gostaria que o senhor contasse mais passagens pra todos os são-paulinos saberem de mais segredos ou detalhes sobre toda essa epopeia que foi construir o estádio.

R - Olha, eu passei tanto tempo no São Paulo que é difícil memorizar coisa por coisa, mas tem umas coisas interessantes. Eu me lembro de que quando entreguei o estádio, fiz questão de pessoalmente entregar as cadeiras cativas, e apareceu um senhor de idade, e eu mostrei o lugar dele, ele sentou e começou a chorar. Veja que coisa interessante. E também no terreno do futebol, temos as alegrias. Uma ocasião, o São Paulo andava ruim de... No campeonato, com resultados muito diversos, dificuldade de pagar a folha, e eu consegui uma excursão. Nós fomos à Venezuela disputar um torneio que se chamava a pequena copa do mundo, um time modesto. E nessa pequena copa do mundo, acabamos enfrentando no final o fabuloso time do Real Madrid. Um Di Stéfano, Puskas... Era o time mais fabuloso da época e nós ganhamos (risos) com o nosso timinho. Então são pequenas coisas que vão marcando. Fica o dedo da gente, né? Posteriormente o São Paulo começou a ganhar jogos e já virou rotina, mas naquela ocasião qualquer resultado deste era uma coisa fantástica. E assim teriam mil histórias se pudesse relembrar, mas são tantos anos que eu fiquei lá. Fiquei vinte anos no São Paulo.

P - Pode relembrar o que o senhor quiser.

R – É... Vinte anos é uma vida. E até hoje sou muito chegado ao São Paulo, cultivo, acompanho. Tenho dois conselheiros do São Paulo. Na minha casa é uma democracia, cada um pode torcer pro time que quiser, desde que seja pro São Paulo (risos).

P - E conseguiu? Seus netos são são-paulinos?

R - Eu tenho quatro netas. Todos são são-paulinos, a mulher, os filhos, as noras e as netas (risos).

P - De que maneira todo esse desempenho no São Paulo caminhou junto com a sua carreira bancária?

R - Olha, não interferiu tanto porque eu tinha companheiros muito bons na minha diretoria e eu reduzi, na ocasião o São Paulo tinha... Quando entrei pro São Paulo, ele tinha uma diretoria muito grande, eu reduzi a diretoria na fase da construção do estádio do Morumbi. Então, praticamente, a diretoria era um grupo de trabalho, e era um pessoal dedicado no qual confiava plenamente. Uma, porque dirigi mais do meu gabinete no banco do que na sede do São Paulo. Esse tempo o São Paulo tinha sede na Avenida Ipiranga, posteriormente foi transferido pro Morumbi. Mas acompanhava por telefone, de modo que eu estava a par das coisas do clube se houvesse necessidade da presença física na sede, porque eu tinha muitos afazeres no banco, mas foi um período que tudo... Apesar das dificuldades, a coisa foi se engrenando e deu no que deu.

P - O senhor acha que ainda falta algum sonho para o senhor realizar na sua vida?

R - Eu costumo dizer que eu não acredito muito em homens realizados, porque ninguém pode se considerar realizado quando tanta coisa ainda resta por fazer e quanta coisa feita ainda pode ser aperfeiçoada, mas eu devo admitir que tendo em vista a modéstia das minhas origens, eu tenha percorrido com relativo sucesso os caminhos da vida. Mas sempre a gente procura mais. No próprio São Paulo, eu não sou lá da direção do São Paulo, mas três por dois eu estou telefonando para o presidente, uma coisa que me ocorra, compreende? Porque parece que eu estou vivendo ainda a vida de dirigente do São Paulo. O São Paulo tem muito que fazer e aperfeiçoar. Agora, fala-se no lançamento de uma sede maior que não pôde ser feita na ocasião e a coisa vai modificando. A própria estrutura da parte amadora. Foi se modificando com o tempo. Então acho que muita coisa pode ser feita.

P - O que o senhor acha dessa sede maior social?

R - Não, não. É uma aspiração dos frequentadores da parte social, né? Eu nunca fui frequentador, mesmo porque no meu tempo, praticamente, a parte social tava engatinhando foi logo que foi entregue o estádio. Em seguida eu fiquei dois anos, mas aí fui eleito o governador do Estado. Fiquei dois anos como presidente, mas já assumiu a presidência interinamente o Dr. Henri Aidar, que foi o meu sucessor, foi outra grande figura do São Paulo.

P - Em que medida o senhor ter sido governador ajudou o São Paulo?

R - Não, isso eu acho que nada... Acho que não. Mesmo porque, é outra coisa interessante, o São Paulo não tem um cruzeiro de dinheiro público, nunca teve. Nunca o poder público foi solicitado pra ajudar o São Paulo. Foi totalmente a coletividade são-paulina, eu diria até coletividade desportiva. Que é muita gente que tem cadeira cativa aí. Sócio do Corinthians, sócio do Palmeiras, né? O meu também tem um título do Palmeiras, do Corinthians, do Santos, do Comercial, Juventus. Então foi uma coletividade desportiva, começou a chegar a altura do estádio o que ele representava pro futebol. Eu tive talvez a persistência pra batalhar e não desanimar. Eu... Um momento muito difícil. Falta de dinheiro é sempre falta de dinheiro.

P - O senhor podia voltar um pouco à sua juventude, não é? Como esse menino de São Manoel conseguiu se realizar tanto? Como o senhor explica isso?

R - Olha, talvez com muito trabalho, persistência e também um pouco de sorte, né? Eu era bancário, era funcionário de um banco, como falei. Fui para o Bradesco. No início do Bradesco. No início o Bradesco era um pequenino banco. O Bradesco foi crescendo e eu fui crescendo com ele. Acabei diretor do Bradesco. No Bradesco, por força do Bradesco, eu ocupei outras funções. Eu fui diretor da Associação Comercial, diretor do Sindicato dos Bancos, presidente da Comissão Construtiva Bancária do Conselho Monetário Nacional. Eu fui fazendo um relacionamento muito grande e esse relacionamento é que um dia me conduziu à política. Eu nunca pensei em ser político, nunca sequer fui candidato a vereador, mas inventaram essa brincadeira, certa ocasião, de me lançar candidato a vice-governador. E eu acabei eleito vice-governador. Em seguida veio a revolução, cassou o governador. E eu me vi no governo, aí eu tomei gosto. Depois de quatro anos, aí cumpri o mandato completo. As coisas foram acontecendo quase que naturalmente como uma coisa decorrência da outra.

P - Agora, nós pulamos da sua fase da escola pro seu desempenho no São Paulo. Em que momento o senhor sai da casa de seus pais pra ser autônomo?

R - Em que momento eu saio? Bom, eu já contei que o meu pai residiu em Mirassol. E que eu desisti de uma ideia de estudar direito, de... No falecimento dele. Nessa ocasião eu saí da minha casa e fui pra Presidente Alves. Eu tinha uns tios em Presidente Alves que me facilitavam o ingresso no Bradesco... No Banco Noroeste. Pirajuí é próximo a Presidente Alves. Então o Banco Noroeste me admitiu, mas me mandou pra Pirajuí. Fiquei três anos lá, aí fui transferido pra Lins, onde conheci o Amador Aguiar. E de Lins, fiquei também uns três anos, aí fui pra Marília, já no início do Bradesco. Que também foi outra luta pra fazer o Bradesco o banco fabuloso que é hoje.

P - E o seu casamento como é que foi?

R - Foi em Pirajuí mesmo. Quando eu comecei a trabalhar que eu conheci minha mulher. Quando eu casei já não morava em Pirajuí, já estava em Marília.

P - Como é que foi o namoro? Como o senhor conheceu...

R - Eu era bancário, e ela morava em Pirajuí, mas estudava em Campinas. Era um namoro de férias. E fiquei noivo quando ela se formou professora em Campinas. Posteriormente casei, casei com vinte e três anos e ela com dezenove. Fizemos este ano bodas de ouro.

P - E agora, depois da sua carreira, em que momento a carreira bancária se junta com a atuação no São Paulo? Em que ano as duas coisas se fundem?

R - Olha, banco é uma coisa muito delicada, não era muito fácil conciliar atividade bancária com o clube, e política então... Política até foi uma coisa muito interessante, porque eu, além de não ter ideias políticas, nunca fui candidato nem a vereador, como eu disse. Também havia um impedimento porque o meu banco não admitia que ninguém fizesse política militante, não admitia. Então, quando eu fui sondado pra ser candidato a vice-governador, eu relutei, eu não queria. Não passava pela minha cabeça política, mas tanto insistiram que eu um dia condicionei, falei, olha, se o banco concordar e o São Paulo também concordar vou ser candidato e pra surpresa minha eu caí da cadeira, né? Porque o São Paulo concordou e o banco concordou. Então, eu me vi atirado aí como candidato a vice-governador. Uma eleição difícil, porque antigamente o vice-governador não era atrelado ao governador para efeito de voto. A eleição era direta, mas cada um tinha os seus próprios votos, tanto que eu fui eleito, outra coisa interessante da minha vida... Eu fui eleito vice-governador com Adhemar de Barros governador. Depois de eleito eu fui convidado a ir a casa dele porque ele queria me conhecer, veja bem, porque não era atrelado. Nós não éramos companheiros políticos, não éramos do mesmo partido, nos tornamos amigos, mas fomos nos conhecer depois de eleitos. Claro que eu sabia quem ele era, ele também sabia quem eu era, mas o contato pessoal foi depois de eleito.

P - Quem insistiu com o senhor pra entrar na política? Quem?

R - Um antigo partido republicano. O partido republicano tinha, na ocasião, um presidente que se chamava Francisco Franco, um deputado, faleceu há pouco tempo. Ele que insistiu muito, e como parece que o eleitorado gosta de coisa nova, sabe, eu tive uma votacão espetacular, inclusive fiz a maior bancada pro P.R. na assembléia, foi maior que a do governador, porque era coisa nova, não é? Era conhecido por causa do São Paulo, porque futebol, eu não direi que dá voto, eu acho que talvez não dê voto, mas tem uma coisa muito importante, divulga o nome, facilita a atividade política. Agora, nunca pensei entrar no São Paulo como trampolim pra política, nunca, aconteceu na minha vida e eu acabei governador duas vezes.

P - Me fale mais desse período político, por favor.

R - Olha, foi um período muito bom. A primeira fase, o primeiro governo eu fui pego de surpresa, eu não esperava... Aquela altura houve a revolução, já me encontrou vice-governador, mas houve a revolução, o governador foi cassado e eu tive que assumir. Não tinha muita experiência de coisa pública, de modo que foi uma fase que eu consegui harmonizar os interesses e... Sem criar problemas políticos, e conduzi o barco até o final da gestão, mas foi um período muito bom. Tive muita gente capaz que me ajudou muito. Posteriormente, eu... Terminado o período, aí eu entendi que devia disputar a próxima, então comecei a me preparar. Fiquei quatro anos andando e tal, interior... Eu conheço muito bem o interior, eu conheço todos os municípios de São Paulo. Visito o interior semanalmente, eu vou sempre para o interior tenha ou não tenha o que fazer, eu vou sempre para o interior. Então eu comecei a me preparar, quando chegou mais ou menos a época das eleições, nas prévias de opinião pública, eu estava numa situação privilegiadíssima pra disputar o governo do estado, mas aí, um ato da revolução, acabaram com a eleição direta, era escolha num ato do presidente Médici, que estava no governo, me escolheu sem me conhecer. O contato... O único contato que ele teve comigo foi na inauguração do Morumbi, porque quando eu inaugurei o Morumbi, eu convidei o presidente da república, que era o Costa e Silva. O Costa e Silva ficou doente, o Médici assumiu, então eu fiquei ate em dúvida se devia convidar o Médici porque já tinha convidado o Costa. E depois eu raciocinei: eu não estou convidando propriamente a pessoa, estou convidando o presidente. Então ele veio. Ele estava empossado recentemente, em me lembro até de um fato muito interessante... O Morumbi estava lotado e eu quis que ele entrasse comigo dentro do estádio, e a segurança dele, o pessoal de assessoria temia que ele pudesse ser vaiado. Falei: "Presidente, pode entrar tranquilamente, porque eu não posso ser vaiado hoje, e o senhor vai entrar comigo". E ele entrou, para a surpresa foi uma ovação. Cento e dez mil pessoas de pé, aclamando... Não sei se ele se impressionou também um pouco com isso, o fato é que um dia recebo um telefonema dele e dizia: “olha, eu tô lhe convidando pra ser governador de São Paulo e não quero que o senhor agradeça essa indicação porque eu cheguei ao seu nome, eu estou lhe convocando pra repartir comigo uma responsabilidade”. E assim me tornei governador, eu que me preparei pra disputar uma eleição direta acabei na indireta sendo governador. Aí cumpri um período de quatro anos. Esse período foi muito bom, primeiro porque eu já tinha experiência, já tinha experimentado um governo, já tinha minhas ideias, segundo porque eu fui escolhido quase um ano antes da posse, então eu pude me preparar. Eu quando entrei no governo, eu não tive que tatear nada, eu entrei sabendo precisamente o que eu queria: os planos na cabeça, as equipes já ajustadas para aquele plano e tive uma fase fabulosa. Tive sorte também porque eu não peguei essa crise atual, essa crise atual que começou com aquela crise do petróleo, já me pegou no final do governo. Então eu tive uma fase ascensional da economia. Eu consegui aumentar todo ano a arrecadação do Estado, baixando imposto. A base principal do orçamento do Estado é o ICM. Eu baixava meio por cento ao ano o ICM, e aumentava a arrecadação. Então eu pude fazer estradas como a Imigrantes, pude fazer dez mil quilômetros de estradas, pude fazer energia elétrica, dobrar a capacidade de energia elétrica, fiz mil escolas. Pude agitar todos os setores e sem problemas políticos, que o meu partido era uma maioria muito grande, eu tinha cinquenta e um deputados na assembleia, a oposição quinze, de modo que eu tinha facilidade também pra aprovação dos meus projetos. Foi um período que eu me dediquei muito, entendeu? Porque não gosto de fazer coisas pela metade. Eu fui um escravo do governo, não fui a festas, não fui a banquete, a não ser que o protocolo me obrigasse, mas trabalhei duro durante quatro anos, visitei todos os municípios do Estado na mesma gestão, pude fazer muita coisa, mas também com a ajuda de umas equipes formidáveis. Eu tenho tido sorte na escolha das equipes, tanto no São Paulo como no Estado.

P - E o senhor não teve nenhum problema de administração por causa da turbulência política da época?

R - Não, não e não tive a menor interferência ao contrário do que muita gente pensa. Eu convivi, praticamente, por circunstância com todos os presidentes da revolução. O primeiro presidente, o Castelo Branco, na minha primeira gestão, posteriormente veio o Costa e Silva, que se tornou também muito meu amigo. Depois veio o Médici, que me escolheu nessa circunstância que eu relatei, mas que se tornou meu amigo. Depois do Médici veio o Figueiredo... Não, veio o Geisel... Que eu inclusive peguei um pedaço da gestão do Geisel. E depois o Figueiredo, o Figueiredo quando foi o presidente, ele tinha sido no meu primeiro governo o comandante da Polícia Militar de São Paulo e chegou a Presidente da República. Então eu, por circunstâncias, eu [..................] com todos. Nunca tive em São Paulo a menor interferência do Governo Federal. Pude colaborar com eles sem a menor interferência, muita gente pensa... Porque a revolução... “O governador deve ser uma marionete”. Nada disso, tive plena autonomia (pausa). Eu me lembro do presidente Castelo Branco, ele gostava de telefonar. Ele era viúvo, ficava sozinho lá no palácio, então telefonava muito pra mim, então: "governador, como é que vai esse país?". Não tive a menor interferência. Foi uma fase feliz, viu da... E outra coisa que ajudou a branquear os meus cabelos, mas que deu um sentido muito grande de coisas que eu pude fazer. Pude deixar todas as crianças com escola. Uma fase... Período muito bom. Diz que elogio... Próprio vitupério. Eu acho que governo a gente não compara porque cada homem vive em função da sua época, das condições que encontra. Eu tive essa condição favorável, apoio lá, apoio aqui, e uma economia, naquela época, em expansão.

P - E quais são seus planos para o futuro?

R - Não, agora eu estou acomodado. (risos). Eu fui... Como eu fiz política durante muitos anos, todas as campanhas eu sou solicitado, né? Eu costumo dizer que eu não... Eu não deixei de fazer política, eu deixei de ser candidato. Eu acho que fazer política não é apenas ocupar cargo público. Quando a gente procura levar um pouco da experiência que adquiriu na vida pra aperfeiçoar o processo político, quando a gente procura orientar as melhores escolhas pra vida pública, a gente está fazendo política. Então, quando chega uma campanha, normalmente eu escolho um caminho e procuro ajudar aquele candidato que me parece o melhor ou mais indicado para a ocasião. Não estou ausente do processo. Agora disputar não quero porque eu estou numa idade que eu quero cultivar um pouco os netos. Eu não vi os filhos crescerem, preciso cultivar os netos. Os filhos foram crescendo, eu era homem de esporte, homem de banco, homem de política, eles ficaram homens, casaram e eu não convivi. Agora estou cultivando as netas.

P - Conte sobre as netas. Fale pra nós sobre as suas netas.

R - Ah, são formidáveis. Eu tenho quatro netas, tem de toda idade. Uma de vinte e dois, uma quase que advogada, terminando já o curso de Direito e tudo, outra fazendo comunicação e tenho duas menores. O meu filho mais velho tem duas, do outro as duas menores. Então, as meninas devem ter vinte e dois, dezoito, quinze, treze, por aí, mas são formidáveis, viu? Como avô coruja, viu, avô é pai com açúcar, né? São formidáveis. Então, eu resolvi parar um pouco, sair um pouco desse torvelinho que eu vivia, que a vida pública dá muito compromisso também, compromisso de toda ordem. Eu calculo... Sabe que eu paraninfei tantas turmas de estudante como governador, como vice-governador, que calculo que eu deva ter uns mil afilhados de formatura, uns mil afilhados, cem mil afilhados de formatura. Esse mês eu já recebi uns dois ou três convites de uma turma que eu paraninfei a vinte anos, vinte e cinco anos atrás. Tudo isso é um capital de amizade que a gente vai... Muitas num lugar que eu não encontrei alguém conhecido que foi meu afilhado. É uma vivência e isso é mais do que tudo. É mais do que dinheiro, mais do que qualquer coisa. Rico eu não consegui ficar, mas fiz esse capital.

P - O senhor os seus pais sonhavam que o senhor fosse ser alguma coisa ou não?

R - Não.

P - Tinha alguma expectativa?

R - Meu pai morreu muito cedo, eu tinha mal terminado o ginásio. A minha mãe sim viveu muito tempo. Minha mãe morreu aos noventa e seis anos, já me viu governador.

P - Deve ter sido um orgulho, né? Como é que ela reagiu?

R - Ah, bem... Eu me lembro, quando fui assumir o governo a primeira vez, ela morava lá na Rua Pamplona, antes de ir lá, eu fui à Rua Pamplona... Era a glória, né.

P - Ela assistiu sua posse?

R - Hã?

P - Assistiu a sua posse?

R - Assistiu, assistiu. E morreu com noventa e seis anos, quase que centenária, né?

P - Beleza de idade. E os seus irmãos?

R - A minha mãe teve oito filhos, mas eu não conheci todos, que eu sou o caçula. Ultimamente nos últimos anos nós éramos três, dois... Era o mais velho, eu que era o caçula e um intermediário. E nós nos reuníamos, aliás, sempre na casa da minha mãe que mora aqui em São Paulo, os três. Os dois também faleceram, aliás, a minha mãe só não viu falecer o filho mais novo que sou eu. Ela viveu mais do que os filhos.

P - O que é que eles faziam? Seus irmãos?

R - Como é?

P - O que seus irmãos faziam?

R - Os meus irmãos... o Dácio, mais velho, foi comerciante durante muitos anos. E o Washington fez muita coisa, o Washington era o intermediário. Ele teve várias atividades, foi diretor de empresa, viu? E nós tínhamos um relacionamento muito bom, exatamente pela diferença de idade. Eu era o irmão mimado porque o mais velho tinha onze anos a mais que eu e o intermediário tinha oito anos mais do que eu, de modo que eles me ajudaram sempre muito nas minhas campanhas... Em tudo eles estavam sempre presentes. Eu sempre fui muito ajudado por eles, como de resto por toda minha família. Minha mãe foi extraordinária sempre pra mim, nas partes difíceis, eu comecei a vida por baixo, eu ganhava duzentos cruzeiros no banco... Era muito pouco dinheiro.

P - Agora o que é que o senhor acha dessa... Qual é a sua opinião sobre o São Paulo estar querendo... Estar fazendo um museu, um memorial?

R - Ah. Eu achei uma coisa muito interessante. Eu quando era presidente do São Paulo, eu sempre... Eu teria vontade de fazer uma coisa assim, ou um museu ou a história do São Paulo. Eu me lembro, que eu tenho um amigo que também é conselheiro do São Paulo, o Benedito Rui Barbosa, que... E eu sempre dizia: "Ô Rui, vamos escrever a história do São Paulo, porque os nomes que fizeram o São Paulo, os primeiros, estavam todos vivos, na ocasião. Estava vivo o Monsenhor Bastos, o Porfírio da Paz, o Paulo Maciel de Carvalho. Estavam todos vivos, né? Mas os homens... O tempo vai passando e a história real do São Paulo talvez nunca tenha sido bem escrita. Então eu acho que esse repositório é muito interessante, porque é uma epopeia, isso que o São Paulo fez é uma coisa... É um milagre de trabalho, de perseverança, de fé. Não é à toa que era chamado “o Clube da Fé”. Vale uma história. Eu acho extraordinária essa ideia de ter um repositório da... Dessas coisas que o São Paulo realizou durante esses anos. Até porque a futura geração tem que tomar conhecimento através disso.

P - E como é que foi pro senhor estar dando aqui esse depoimento?

R - Pra mim? Ah, para mim falar do São Paulo é sempre uma alegria, né? Eu sempre dizia que de um lado eu tinha a profissão, do outro lado eu tinha a devoção. Então falar do São Paulo é sempre uma alegria. E é um assunto de que eu sou obrigado a falar em qualquer lugar, que como eu disse está escrito na testa. Depois de vinte anos lá no São Paulo, a gente fica muito conhecido, ainda mais futebol que é muito divulgado, tem muito incentivo de coluna, tem televisão, tem rádio. Eu acho que em lugar nenhum do mundo um futebol tem a cobertura que tem no Brasil. Todo jornal tem página esportiva, não é? Televisão tem programas, o rádio tem programa. Uma cobertura extraordinária. Isso é um potencial que o São Paulo também explorou pra fazer o estádio. É a força do veículo. Nós usamos muito o veículo, nos ajudaram muito. A Gazeta... A Gazeta Esportiva, eu me lembro... Uma ocasião, era diretor da A Gazeta Esportiva, o Carlos Joel Nelli, quando ele lançou um... Quando eu lancei o estádio do Morumbi, a primeira arquibancada lá, ele botou uma placa: "a Gazeta acredita nesse empreendimento". Quando ele lançou na Avenida Paulista, eu botei minha placa lá: "O São Paulo também acredita".

P - Que bonito isso.

R - É uma questão de fé, de acreditar, né? Quando a gente compra a ideia, assim, fica impregnado pela ideia, acho que a metade do caminho já está percorrida. Pode até desaminar, há momentos difíceis que... Porque houve uma época que pouca gente acreditava que o São Paulo pudesse fazer. Agora, é como eu disse, houve uma sequência de todos os presidentes. Se me perguntassem qual foi um mau presidente do São Paulo, eu acho que não existem, todos fizeram. Todos fizeram alguma coisa. Cada um dando continuidade àquilo que encontrou do outro. E essa é uma das armas também do sucesso do empreendimento.

P - Muito obrigada pelo seu depoimento, muito obrigada. Foi um prazer.

R - Eu agradeço muito. Foi uma oportunidade muito boa de falar de um assunto que eu gosto muito, mesmo assim sem nenhum preparo (pausa), assim no improviso que nós fizemos, mas ficou um caráter de conversa, ficou muito interessante e se o meu depoimento servir pra ilustrar alguma coisa desse museu, já me dou por muito satisfeito. Muito obrigado.