Museu da Pessoa

Corinthians x Palmeiras

autoria: Museu da Pessoa personagem: Antonio Calcagniti

P/1 – Seu Antonio, fala pra mim o seu nome completo, o local e data de nascimento.

R - Antonio Calcagniti. Local do quê?

P/1 – Local de nascimento.

R – São Paulo, quatro de abril de 1932.

P/1 – O seu pai, qual é o nome dele?

R – José Calcagniti.

P/1 – Ele nasceu aqui em São Paulo também?

R – Nasceu em São Paulo.

P/1 – Que data ele nasceu?

R – Ele morreu com quantos anos, Chico?

Chico – Oitenta e cinco.

R – Oitenta e cinco. Mas com 40 anos ele já trabalhava na Santa Rosa, ele tinha armazém.

P/1 – Mas ele nasceu.

R – Ele nasceu em São Paulo. Minha mãe que é italiana.

P/1 – Qual é o nome da sua mãe?

R – Angela Gialluisi Calcagniti.

P/1 – Ela nasceu onde na Itália?

R – Ela nasceu em Bari.

P/1 – Bari.

R – É, na Itália.

P/1 – Você sabe que data que ela nasceu, mais ou menos?

R – Isso eu não sei.

P/1 – Não tem problema, não. E o seu pai, a família dele fazia o quê aqui em São Paulo?

R – Ele começou na Santa Rosa, isso daí ele já tinha uns 40 anos. Mas ele trabalhou muito com garrafa vazia.

P/1 – Ah, é?

R – Garrafa vazia. Depois das garrafas vazias ele foi ser sócio com dois tios meus, se estabeleceram na rua Santa Rosa. E ele ficou a vida toda dele na Santa Rosa. Depois ele veio pra rua Assunção, aí ele já era sócio com um primo meu e um tio meu. Eram em três.

P/1 – Tudo em armazém?

R – Tudo em armazém. E começaram a tocar a vida de lá pra frente.

P/1 – Só que antes assim, a sua família, os pais do seu pai ou dos seus avós, eles vieram da Itália também?

R – Vieram da Itália. Os meus avós vieram da Itália, tanto por parte de mãe como de pai.

P/1 – E por que eles vieram pro Brasil, você sabe?

R – Vieram pro Brasil porque oferecia melhores condições. Todos eles eram de Bari e vieram pro Brasil por causa disso daí.

P/1 – E eles chegaram aqui e começaram a trabalhar com...

R – Não. Meu avô já chegou com idade e meu pai que começou com cereais aqui. Na nossa família foi meu pai, certo? E depois nós fomos trilhando o caminho dele. Eu saí mais ou menos com 23, 24 anos, eu saí de trabalhar com eles, fui trabalhar sozinho. Depois de mais ou menos uns dois anos o meu irmão veio junto comigo e o nosso negócio era só arroz e feijão. Aqui já é um ramo completamente diferente, né? Aqui nós trabalhamos 60% de importação. E pra não dizer que não, trabalha com feijão branco e feijão preto. Só que a quantidade de feijão branco e feijão preto é mínima que se vende, certo? Isso chega a ser mais ou menos uma base de 12 a 15 toneladas por semana, do feijão branco. O feijão preto chega a ser mais ou menos de seis a sete toneladas por semana. O resto nosso é tudo especiaria, muito artigo pra passarinho, muito artigo de importação.

P/1 – Isso hoje.

R – Hoje.

PAUSA

P/1 – Você estava falando da empresa aqui, o que vocês vendem.

R – Aí eu vendi muito tempo na rua, vendia arroz e feijão na rua, dez sacos, 20 sacos, nós fazíamos entrega. E depois de um certo tempo a gente se estabeleceu aqui.

P/1 – Na Mendes Caldeira.

R – Na Mendes Caldeira. Mas não aqui, tivemos vários armazéns, certo?

P/1 – Vamos fazer assim, eu vou voltar na sua infância, aí você conta do começo até hoje, mais ou menos como é que foi evoluindo, tá? Você nasceu em São Paulo. Antes disso, como é que seu pai e sua mãe se conheceram, você sabe?

R – Meu pai tinha um depósito de vasilhame e foi carregar vasilhame na casa do meu avô e conheceu a minha mãe. E de lá casaram, nasci eu, eu só tenho um irmão, é eu e o Chiquinho. E de lá foi que começou.

P/1 – Quando você nasceu, você é o mais velho, é isso?

R – Eu sou o mais velho.

P/1 – Vocês moravam em que bairro de São Paulo?

R – Eu nasci na alameda Glete e ele nasceu na rua do Lucas, aqui no Brás, ele.

P/1 – Você nasceu em casa?

R – Eu nasci em casa. E ele nasceu em casa também.

P/1 – Mas na rua do Lucas já.

R – Ele na rua do Lucas, eu na alameda Glete. E foi o ano da Revolução, que minha mãe disse que ouvia os estampidos das balas que batiam no sino da Igreja Coração de Jesus, porque era em frente ao Coração de Jesus. Depois, o que eu vou te dizer? Aí nós começamos que trabalhando, eu trabalhei até os 22 anos com ele.

P/1 – Com seu pai.

R – Com meu pai, porque o meu pai tinha mais dois sócios. Depois eu resolvi sair. No resolver sair eu fiquei mais ou menos uns dois anos também trabalhando sozinho. Depois veio o meu irmão, nós fomos dando continuidade e aí já vendia arroz, feijão, ervilha, grão de bico, pipoca. E nós fazíamos entregas numa caminhonete que suportava aproximadamente 1 mil e 500 a 1 mil e 800 quilos, era a entrega que se fazia. Aí fazia duas, três por dia. Depois de lá o tempo foi se passando e o meu filho se encostou, meu filho começou a ver sobre cereais, certo? Mas não se interessou por nada, aí foi trabalhar em companhia de seguros e em outra coisa. Depois de dois anos ele resolveu voltar. Mas nesse depois desses dois anos, eu tenho que ver o ano pra você, aí eu quebre feio. Quebrei feio, feio, feio. E nesse negócio de quebrar feio nós começamos a trabalhar com painço, nós íamos buscar em Mogi Morim e vendia em São Paulo. Era um artigo simples, simples, simples de painço mas foi uma beleza, pelo lucro que ele deu pela quantidade que se vendia. Painço, painço, painço. Depois nós vimos que painço vendia muito, entramos pro lado do alpiste e depois pro lado do girassol, tudo que é mercadoria de passarinho.

P/1 – Você se lembra em que década mais ou menos foi isso daí? Se você não se lembrar não tem problema.

R – Você calcula mais ou menos quando começamos com esses negócios todos? Há 42 anos.

P/1 – Foi nos anos 70 então.

R – Certo. Depois de 71. Painço era o que nós trazíamos em quantidade, fomos considerados um dos maiores vendedores de painço de São Paulo. Depois nós começamos a ter uma variedade, entrou o girassol, entrou o alpiste, certo? E outras mercadorias que pertenciam a ramo de passarinho. E antes da gente chegar e se estabelecer eu trabalhei muito de empregado pro Jorge _0:10:31_, na corretagem. O Jorge _0:10:33_ era um judeu espetacular e ele deu uma mão tremenda pra nós, chegava a vender de cinco, seis, sete, oito carretas por semana de alpiste. Aí que nós vimos que o negócio era muito bom e fomos nos especializando. E eu trabalhei de corretor. Nisso daí, depois de um ano e meio mais ou menos, o Jorge _0:11:06_ faleceu, ficou o filho dele. Eu trabalhei praticamente com o filho dele um mês, eu vi que eu tinha freguesia e que eu podia trazer mercadoria pra vender pra minha freguesia. E eu fui me desligando dele. Aí foi onde nós começamos, foi direto aqui, nesse próprio endereço. Começamos aqui e começamos com esse armazém aqui, alugamos do lado e depois alugamos o outro. Com o decorrer do tempo nós fomos em frente, que são quatro armazéns. Ocupamos os quatro e fomos crescendo, crescendo e ocupamos todos os quatro do outro lado. Nisso daí esvaziou aqui do lado. Mas nesse tempo o meu filho já estava comigo. E ele mexe com ameixa, com azeitona, com pistache, nozes, amêndoas, frutas secas em geral. Ele começou indo e nós fomos indo. Fomos indo e se encontramos aqui agora, certo? Ele tem hoje 54 anos, ajuda muito e eu tenho a minha filha com 60 anos que ajuda muito também. Os dois estão conosco.

P/1 – Você só tem dois filhos.

R – Dois filhos só.

P/1 – E o seu filho que abriu esse ramo de importação.

R – Ele foi o que começou com a importação. E o meu filho tem o filho dele que está com nós agora, que tem 23 anos, o Rafael, e ajuda muito aqui. E o que mais eu posso te falar, eu não sei.

P/1 – Eu vou perguntando. Vou voltar um pouquinho antes porque tem várias coisas que eu queria saber. Primeiro, antes mesmo de virar comerciante, você cresceu onde?

R – Eu cresci no Brás.

P/1 – No Brás mesmo.

R – Certo.

P/1 – O senhor morava onde aqui no Brás?

R – Eu morava aqui na rua Benjamim de Oliveira. Frequentei muito tempo o Grupo Escolar Romão Puiggari, aqui no Brás, na avenida Rangel Pestana.

P/1 – Tem muita gente que eu estou entrevistando que estudou lá. Você deve ter visto muitos comerciantes que estudaram lá também, né?

R – Comerciante mesmo, aqui foi crescendo cada um por si, viu? Depois que a gente pegou amizade. Só que o que tinha de quantidade de comerciante antigamente era uma coisa. Nessas ruas que você passou hoje, Santa Rosa, Benjamim de Oliveira, não se conseguia passar. Você tinha que guardar o lugar, o caminhão ir dar uma volta e aí você encostava no lugar. Não se arrumava lugar pra encostar mas nem por nada.

O movimento aqui na Santa Rosa era coisa fora do comum, cada um tinha sua porta e só encostava um carro por vez.

P/1 – E era carroça, carro?

R – No meu tempo era só carro, eu não cheguei no tempo. Porque existia no Largo do Pari um bebedouro pra animal e o pessoal usava carroça, muita carroça. Só que quando eu trabalhava com meu pai vinha muito carroceiro carregar lá, né? Muito carroceiro que fazia frete. Eles faziam toda a redondeza aí, cobravam uma taxa e vinham buscar mercadoria.

P/1 – E quando você estava na infância, era criança, você andava muito no armazém do seu pai, como era?

R – Andava muito no armazém do meu pai e tudo direitinho. A rua Benjamim aqui era muito movimentada e era muito perigoso.

P/1 – Ah, é?

R – É. Depois a gente foi crescendo, aí é que foi tomando umas liberdades de ir sozinho. Mas quando era pequeno era muito movimento. A Santa Rosa e a Benjamim era uma coisa, você não sabe o que era aquilo lá, era uma coisa fora do comum.

P/1 – Muita gente na rua?

R – Existe uma coisa, o comércio atacadista era todo entre a rua Santa Rosa, Benjamim de Oliveira, era o foco, era muito feirante. Todo feirante de São Paulo vinha carregar aqui, todo feirante, sem exceção. Se ele não se abastecesse por aqui não tinha onde se abastecer. Depois, com o decorrer do tempo foram abrindo em vários bairros armazéns e a Zona Cerealista foi se separando. E muitos filhos de cerealistas não seguiram, certo? Seguiram pro outro lado, não sei qual é o lado que seguiram. E nós estamos aqui há tantos anos e a coisa era vida, certo? E estamos firme nos 84 anos fazendo o que pode, certo?

P/1 – Certo. Agora me fala qual era o nome do armazém do seu pai.

R – Armazém do meu pai?

P/1 – É.

R – Cereais Jocal.

P/1 – Jocal.

R – Antes, qual era?

P/1 – E você se lembra como é que era esse armazém?

R – O armazém do meu pai? Eu lembro. Era na rua Carlos de Souza Nazaré, 1074. Depois ficou um tempo lá e aí se mudou pra rua Assunção. Quando ele foi pra rua Assunção eles já foram se organizando mais, era arroz, feijão, leite ninho, papel higiênico, lentilha. A lentilha antigamente não é que nem hoje, lentilha só se vendia de cinco quilos e dez quilos. Lentilha, grão de bico, feijão branco. Era difícil uma pessoa comprar um saco de feijão branco, era tudo por quilo, ou cinco quilos ou dez quilos. Agora com o decorrer do tempo é que a turma aprendeu a comer feijão branco. Lentilha então vende o que tem. E outra coisa, o chefe mesmo é o grão de bico, né? O que se vende de grão de bico não está escrito.

P/1 – Hoje?

R – Hoje. Só se vende grão de bico graúdo e ele é do México. O grão de bico mais miúdo é da Argentina, esse vende também mas não alcança 10% do graúdo.

P/1 – Que é do México?

R – Do México. Não alcança.

P/1 – E nessa época que o seu pai estava com o armazém, ele vendia arroz, feijão, essas coisas, né?

R – É. Massa de tomate.

P/1 – Massa de tomate. E onde é que ele conseguia? Ele comprava de quem?

R – Ele recebia o arroz tudo de Marília. Ele tinha comprador em Marília. Ah, e tem uma coisa, com o decorrer dos anos ele se estabeleceu pra compra em Cândido Mota. Só que Cândido Mota ele comprava só milho, ele tinha o fornecimento dele só de milho, certo? Bom, como milho se não era o primeiro era o terceiro ou o quarto de São Paulo, certo? Depois é que nós começamos, que ele foi pra Assunção, diversificou muito, muito, muito. Depois da rua Assunção foi quando eu saí, aí eu quis trabalhar por minha conta.

P/1 – E ele estava bem vendendo poucos produtos ou por que ele se diversificou?

R – Sempre esteve bem. Aí foi aumentando de acordo com o capital.

P/1 – Mas por que você acha que ele se diversificou com os produtos?

R – Porque a praça começou a crescer e pedir outras mercadorias. Antigamente o povo comia arroz e feijão, depois modificou completamente. O que se vendia de extrato de tomate em latinha de 200 gramas era um absurdo, era um absurdo. E vendia banha, lata de 20 quilos. Vendia muita banha de 20 quilos. Você vê que hoje não se usa mais isso.

P/1 – Legal você contar isso porque o que se fazia com a banha na época?

R – Vendia a banha de 20 quilos, essa banha era vendida pra esses armazéns de venda. Só tinha venda, não existia supermercado. Só tinha venda, mandava pra venda e a venda vendia em meio quilo, 250 gramas, um quilo. Depois começaram a embalar a banha de um quilo e que eu lembro dessas coisas vagamente, a não ser tenha alguma coisa que me faça lembrar, eu não estou conseguindo lembrar.

P/1 – Tá ótimo, a gente vai conversando. Mas as pessoas usavam a banha como na cozinha? Pra cozinhar, pra fazer o quê?

R – Pra cozinhar. A venda vendia pro pessoal comprar lá, era pra cozinhar. O que se vendia de banha era uma barbaridade. Depois vendia muito óleo, de litro. Mas isso era fornecido em tambor de 200 quilos pras vendas e as vendas tinham uma manivela e tiravam um litro, tinha a bomba, tirava um litro por vez. Depois começou vir os azeites importados, os azeites nacionais tudo em embalagem de lata de um quilo. Aí foi modificando o comércio completamente. Houve uma transformação incrível no comércio. Quem veio acompanhando viu que modificou completamente.

P/1 – Quando você começou era mais simples, você acha?

R – Muito mais simples. Eu só vendia pra entrega arroz e feijão, era dois tipos de mercadoria. Depois foi com o tempo diversificando, começou a se vender um pouco de lentilha, um pouco de grão de bico.

P/1 – Batata, cebola, essas coisas também?

R – Não.

P/1 – Você não.

R – Aí eu frequentei muito o Mercado da Lapa, nós vendíamos barbaridade no Mercado da Lapa. Todo dia iam dois, três caminhõezinhos para o Mercado da Lapa. Só que cada caminhãozinho carregava de 1 mil e 500 quilos a 2 mil quilos, não carregava mais do que isso. E meu pai era fornecedor grande pra essas companhias grandes de milho. Ele tinha um posto de compra em Cândido Mota. Esse posto de compra, em Cândido Mota era só ele.

P/1 – Onde é que fica Cândido Mota?

R – Cândido Mota fica no estado de São Paulo.

P/1 – Interior?

R – Interior. Vem Cândido Mota, depois de dez, 12 quilômetros vem Assis.

P/1 – E o seu pai estava aqui na Zona Cerealista. Me conta como que é? Você falou um pouco como que era já, mas o que se vendia mais na Zona Cerealista na época do seu pai? Como é que estava dividido aqui?

R – Na época do meu pai era arroz e feijão.

P/1 – Só arroz e feijão.

R – Arroz e feijão.

P/1 – Mas todo mundo?

R – Não. Tinha uns armazéns que tinham de tudo. Meu pai fazia muita entrega com caminhão, certo? Então nisso daí o vendedor passava e tirava o pedido e no dia seguinte os caminhões do meu pai iam entregar.

P/1 – Mas o que mais que tinha na zona cerealista nessa época? Quais outros armazéns, outras famílias?

R – Tinha muito armazém. A rua Benjamim era de ponta a ponta só armazém. A rua Santa Rosa era de ponta a ponta só armazém. Agora que ficou restrito e foi encurtando, encurtando, encurtando, que eu não sei até que ponto pode chegar. Mas só que tem uma coisa: o bairro hoje é uma potência. O pessoal aqui estacionou um pouco, mas os bairros subiram tremendamente. No tempo do meu pai tinha casas que tinham oito, dez vendedores na rua, certo? Era uma infinidade de mercadoria. O pessoal do bairro foi se organizando mais do que o pessoal daqui. Porque como lá era tudo entrega, eles já tinham um lista de mercadorias que o caminhão não a só com arroz e feijão, ia com tudo: bacalhau, se vendia muito bacalhau, era uma barbaridade. Outra coisa, sabão, caixas de sabão. O bairro tomou conta de São Paulo. Segunda coisa, antigamente a gente vendia e entregava, certo? Muito bem. Depois, o que aconteceu? O pessoal começou a comprar dos bairros que era mais fácil pra carregar. Aqui a Santa Rosa era muito trânsito, a pessoa pra chegar aqui na Santa Rosa levava um tempão, amigo. O trânsito não andava. De movimento, a Santa Rosa era um movimento fabuloso. Pra chegar até a Santa Rosa era difícil.

P/1 – Mas você morava aqui perto também, não morava?

R – Morava.

P/1 – Em que rua o senhor morava?

R – Na rua Benjamim de Oliveira.

P/1 - Na Benjamim de Oliveira mesmo. Você morava em cima do armazém do seu pai?

R – Não, na casa térrea.

P/1 – Na casa térrea. Como é que era essa casa?

R – Essa casa era uma casa térrea muito boa, com três dormitórios, sala, cozinha, banheiro, era uma casa muito boa. E um quintal graaaande.

P/1 – Vivia você, seu irmão, quem?

R – Eu, meu irmão, minha mãe e meu pai.

P/1 – E a sua mãe ficava mais em casa?

R – Minha mãe sempre foi de prendas domésticas.

P/1 – E o seu pai ficava trabalhando.

R – Meu pai sempre foi de trabalhar. Se o dia tivesse 24 horas ele trabalhava 24 horas. Meu pai era fora de série.

P/1 – Pessoal gostava dele no bairro?

R – Gostava muito. Gostava muito, muito, muito dele. E pra ele existia uma coisa: a palavra. Porque antigamente se vendia uma mercadoria de caminhão, isso não antigamente, antigamente, vamos supor uns 25, 30 anos atrás, se vendia uma mercadoria, a mercadoria sumia, o cara não entregava, era normal isso daí. Agora você diz, como é que fazia? Tem que comprar de outro, ficava esperando e a mercadoria não vinha. E antigamente o mercado oscilava muito, não é que nem agora. Antigamente era um... primeira coisa: toda safra de arroz terminava, quando ela terminava o outro ano era, mais ou menos que eu calculo, uns 30% mais caro. De ano pra ano era 30%. O arroz era de graça, certo, mas naquele tempo a safra terminava, o pessoal ia comprar arroz, era 30% mais caro. Ele era controlado pelo Instituto Riograndense de Arroz, era muito controlado por eles. Só que tem uma coisa, acabou uma safra, outra safra que vinha. E o arroz que era vendido do Rio Grande era um arroz que empapava muito. E hoje esse próprio arroz não empapa mais. Antigamente era arroz de Uberlândia, do triângulo mineiro, vai, era um arroz que ficava solto tremendamente. O que aconteceu? Aconteceu que esse arroz agulhinha tomou conta da praça. Hoje qualquer mercado que você vai tem arroz agulhinha do Rio Grande do Sul. Esses grandes empacotadores do triângulo mineiro foram sumindo, todos eles. Ou foram fazer outro ramo, outro negócio porque arroz mesmo era arroz só do Rio Grande.

P/1 – E hoje é assim?

R – Até hoje qualquer lugar que você vai é arroz do Rio Grande. E ele não empapa.

P/1 – Mas vamos voltar lá pra sua casa. Você cresceu ali na Benjamim de Oliveira, né?

R – Na Benjamim de Oliveira.

P/1 – Você brincava na rua, do que vocês brincavam?

R – Na rua passava bonde, era perigoso, não brincava na rua. Tinha o Parque Dom Pedro II aí, a gente ia brincar lá ou senão ia jogar bola no.... era uma várzea tremenda. O Largo São Vito? Aquilo era uma várzea. Todo mundo ia pra lá jogar bola e tudo. Porque a rua Benjamim não dava pra brincar nem sonhando, passava bonde. Depois tiraram os bondes, aí os carros, né? O movimento era demais. Na rua Benjamim, Santa Rosa o movimento era toda hora.

P/1 – E vocês brincavam de quê no Parque Dom Pedro? Jogar bola?

R – Só jogar bola. Lá o brinquedo da turma era jogar bola.

P/1 – E o senhor torce para algum time?

R – Eu?

P/1 – É.

R – Não resta dúvida: Corinthians. E o meu irmão é palmeirense e assim por diante.

P/1 – Tem rixa aqui no bairro por causa disso?

R – Agora? Agora o bairro ficou santo. Antigamente existia rixa, existia briga.

P/1 – Ah, é?

R – Ô! Porque o bairro era de barês e de espanhol. Todo espanhol era coritiano e todo barês era palmeirense. Existiu rixa por muito tempo. Depois foi acalmando, acalmando, acalmando, aí se misturou espanhol com italiano, foram casando, aí foi dando tudo certo, foi quando acalmou. Aqui a rixa era tremenda.

P/1 – E acontecia o quê, era briga na rua?

R – Não. Briga entre eles mesmo, briga na rua era muito pouco, muito pouco. Existe uma coisa, a rua Caetano Pinto, que é do doutro lado da avenida Rangel Pestana era onde moravam tudo os espanhóis. Então existia o time de futebol deles quando jogava com o time aqui do lado, né? Do São Vito. O São Vito foi um time de futebol que andou uns 30 anos, 30, 35 anos na mídia. O São Vito produziu Rafael, que era da seleção. Nicolino, Divo, Ferrão e algum mais que eu não lembro. Nossa, aqui no Brás se produziu craques, craques, craques, era bom mesmo pra isso daí. Porque existia onde é a Praça São Vito hoje era tudo campo, existia quatro, cinco, seis campos de futebol.

P/1 – E você é italiano mas você é corintiano. Como é que é isso aí?

R – Não, eu não sou italiano, eu sou brasileiro.

P/1 – Você é brasileiro, mas é descendente...

R – Descendente de italiano. Meu pai era corintiano e corintiano dos bons, amigo. No tempo do Corinthians do meu pai, não lembro direito o que era, não, mas ele gostava de Corinthians, viu patrão?

P/1 – Você é um torcedor também do Corinthians.

R – Torcedor do Corinthians. Meu neto é palmeirense, minha filha é corintiana e a minha esposa palmeirense.

P/1 – E quando foi que você começou a trabalhar com seu pai?

R – Quando eu comecei a trabalhar com meu pai?

P/1 – Quantos anos você tinha?

R – Eu tinha 12 anos. Nós punha uma caixa de sabão. Existia um sabão, uma caixa, punha duas, três, eu sentava e atendia os fregueses, pedido no balcão. Com 12, 13 anos eu já trabalhava com ele. E lá na Carlos de Souza Nazaré era um movimento mais ou menos calmo, calmo. Movimento mesmo ele veio fazer quando ele veio pra rua Assunção, aí começou a vender muito mais. Só que o forte dele não era nada disso daí, o forte dele era milho. Ele estocava o milho, comprava o ano todo, estocava e depois vendia.

P/1 – Comprava lá no interior, né?

R – Comprava em Cândido Mota.

P/1 – Em Cândido Mota.

R – No interior. Ele tinha os armazéns em Cândido Mota, esses armazéns naquele tempo cabiam de 25 a 30 mil sacos de milho, era tudo estocado.

P/1 – E como é que funciona o milho? Ele estraga rápido, você tem que pegar ele? Como é que é?

R – Não. O negócio do milho, você tem que comprar o milho, ter o lugar que você possa por ele, que você pode expurgar dos bichos, porque senão aquilo pra bichar, principalmente no calor que passa agora, bichava muito. Mas expurgava, jogava o veneno, então aquilo durava seis meses. Quando era muito calor, que tinha que ser a cada quatro meses, então tinha que tratar a cada quatro meses, expurgar.

P/1 – E vocês vendiam milho na espiga? Não?

R – Nós comprávamos tudo ensacado, de 60 quilos. Ia pros depósitos, dos depósitos nós pedíamos vagões. Que pra arrumar um vagão levava de 15 a 20 dias na Estrada de Ferro Sorocabana e a gente pedia sempre vagões antecipados e quando chegava ia carregando

o vagão pra não ficar faltando em São Paulo.

P/1 – E do vagão pro armazém do seu pai vocês carregavam como?

R – Descarregava pros caminhões dele. Iam lá na Sorocabana, Barra Funda, carregava a mercadoria e trazia. Quando não dava conta, com caminhão de carreto. Sempre tinha serviço pra caminhão de carreto.

P/1 – Quando você começou a trabalhar com seu pai, seu Antonio, você parou de estudar ou você continuou estudando?

R – Não. Eu me formei naquele tempo contador e depois eu fui fazer quatro anos de Economia.

P/1 – Como é que foi esse curso de Contador? Era técnico, era na escola, como é que era?

R – Esse curso de Contador? Primeiro ano técnico, segundo, terceiro e quarto. Quatro anos. E depois tinha mais três anos de Contabilidade. E depois fomos pra faculdade.

P/1 – Você fez qual faculdade?

R – Faculdade de Economia e Administração de São Paulo, que hoje infelizmente fechou.

P/1 – Você entrou com quantos anos lá nessa faculdade?

R – Eu entrei na faculdade com 20 anos e saí com 24, completando 24.

P/1 – E como é que você fazia pra trabalhar e estudar ao mesmo tempo?

R – Trabalhava e tinha uma coisa, estudava. Mas estudava na faculdade, era uma faculdade com o ensino meio calmo, certo? Não é que você vê um garoto hoje que estuda seis, sete, oito horas. Não, a gente estudava uma hora e olhe lá, certo? Não tinha todos esses negócios que eu vejo hoje. Nada, nada, nada. Que nem eu vejo às vezes quando meu neto estudava, que o cara fica estudando a tarde toda, não. Tudo modificou.

P/1 – Entendi. E nesses anos todos com o seu pai você começou no balcão só, é isso?

R – Só.

P/1 – Como é que era no balcão?

R – O balcão era feito de madeira por marceneiro, ele tinha mais ou menos quatro metros de comprimento. Atrás tinha as prateleiras que a gente vendia muita lataria, mas vendia lataria por dúzia. Era difícil quem vinha e comprava uma caixa de abacaxi, certo? Então era tudo seis latas, 12 latas, 18 latas, caixa era muito pouco pra vender. Quase que não existia.

P/1 – E você aprendeu bastante nesse balcão? O que você aprendeu?

R – O que eu aprendi foi tudo no balcão e o que eu aprendi eu devo ao meu pai. Devo ao meu pai devido a uma coisa: a coragem. Ele enfrentava qualquer coisa, comprava, vendia e metia a cara. Esse foi o nosso sucesso aqui, foi metendo a cara, porque senão. Quando eu vim eu estava o quê? Quebrado, certo. Ah, e teve uma coisa também. Esse Jorge _0:43:41_ foi muito bacana, deu uma mão tremenda. Nisso daí tem o Leo de Araújo Pinto que ele falou: “Esse armazém aqui”, o Leo falou: “Vai lá, olha o armazém. Se você gostar você fica seis meses, depois nós combinamos o aluguel”. Era diferente antigamente, certo?

P/1 – Foi assim que você começou com o seu armazém.

R – Com esse armazém aqui nós começamos assim. Pegamos o armazém, começamos a trabalhar. Ele falou: “Depois de seis meses combinamos o aluguel. Se você gostar você fica, se não gostar nós largamos”. E o Leo Araújo Pinto foi muito bacana com a gente. E o que eu posso te falar?

P/1 – Vamos voltar um pouco. Você trabalhou com o seu pai, você começou no balcão, ficou no balcão e o que mais você fez com seu pai?

R – Trabalhava no balcão, ajudava meu pai a comprar alguma mercadoria. Teve uma temporada que meu pai ficou doente e nessa temporada quem ia na Bolsa de Cereais de São Paulo era eu. Então tem uma coisa, lá você aprendia na marra, ou você aprende ou você perde dinheiro. Lá era assim, ou você comprava bem comprado pra poder vender, ou senão a mercadoria ia encalhar. E meu pai ficou uns 40 dias doente. E nesse tempo eu comecei a frequentar a Bolsa e tudo, depois eu ia na Bolsa com o meu pai, na Bolsa de Cereais de São Paulo.

P/1 – Onde que era?

R – A Bolsa de Cereais?

P/1 – É.

R – Era na rua Plínio Ramos.

P/1 – Como é que era? Você entrava lá...

R – Você entrava lá, existia o balcão de mais ou menos um metro, uns 70, 80 balcões. Cada pessoa que ia na Bolsa os vendedores levavam a amostra e você rodava aquele salão e via os preços, depois você via o que lhe servia ou não. E o que lhe servia você pechinchava. Tinha muito disso daí. Então sempre, sempre tinha gente que precisava de mercadoria que estava pronta pra carregar. E na Bolsa sempre tinha gente que tinha estoque. Depois disso daí começou a vir as representações de arroz, que começaram a dominar o mercado. Nesse dominar o mercado começou a vir arroz de tudo quanto era lugar, porque o sujeito mandava uma amostra e depois que ele carregava a mercadoria, depois de vendida, ele não carregava sem vender. A mercadoria era vendida e vinha direto e onde você fazia esses negócios? Na Bolsa. Ela levava uma caixinha azul, mais ou menos, essa era a caixa azul, certo? A amostra ficava aqui dentro. Então o sujeito punha lá a amostra, a quantidade de saco que ele tinha pra vender e você fazia o negócio. A Bolsa de Cereais, nossa, aquilo faturava, viu? Qualquer sujeito pra comprar mercadoria vinha na Bolsa, qualquer sujeito de fora tinha que vir na Bolsa pra comprar.

P/1 – E era muito movimentado lá?

R – A Bolsa?! Nossa senhora, aquilo era o fim do mundo! O que a Bolsa vendia por dia era uma barbaridade. Nisso daí tinha um quadro negro de aproximadamente uns 25 metros por dois de altura. Todos os negócios que saíam eram registrados lá. Então você sabia quanto valia um arroz, um arroz inteiro vale tanto, saía registrado lá. Quem vendia uma mercadoria era obrigado a registrar o negócio lá. E esse negócio ia pra pedra. Então aí se sabia o mercado. Tinha época que começava a vender demais, certo? Era quando começava a subir os preços. Quando começava a vender de menos, de menos, de menos é porque estava sobrando mercadoria, o preço era outro.

P/1 – E você tinha algum vendedor que você comprava mais com ele, ou o corretor?

R – Não. Eu comprava de quem tinha preço. Era uns 80 vendedores, aproximadamente, então a gente comprava de quem era preço.

P/1 – Tinha que rodar todo dia.

R – Tinha que rodar. Você rodava a Bolsa todinha. Era um lugar gostoso, um ambiente bom. Tinha café, o pessoal conversava, você trocava ideia. O sujeito te falava: “Lá tá um preço um pouco melhor”. Você ia trocando ideia. E naquele tempo, nossa! O que o pessoal vendia de arroz era barbaridade. Porque lá era negociado, São Paulo viveu o quê? Todo mundo trabalhava em função da Bolsa. A Bolsa que era o negócio do pessoal. E até isso foi acabando.

P/1 – Como é que era o Sindicato dos Atacadistas quando você começou, na época do seu pai? Ele já existia.

R – Não, meu pai era da Bolsa de Cereais de São Paulo. O Sindicato dos?

P/1 – O Sagasp.

R – Eu não tenho muita noção disso daí, não. A Sagasp não tenho noção.

P/1 – Não tem problema. Mas você ia muito na Bolsa, então.

R – Ia muito na Bolsa. Depois a Bolsa da Plínio Ramos foi vendida e abriu a Bolsa de Cereais na Senador Queirós. Aquilo era uma barbaridade. Quando abriu a Bolsa lá, já abriu o que você pode imaginar, abriu com tudo. Era não sei quantos andares, mas o balcão de negócio era no térreo, era no térreo que saía tudo. E quando começou lá, de lá até por uns anos aquilo foi de vento em polpa, depois foi decaindo, decaindo, decaindo. Não foi decaindo, o pessoal foi se especializando e começou indo comprar no interior direto. E depois teve a Bolsinha. A Bolsinha é onde entra feijão todo dia. E a Bolsinha é que faz o preço do feijão.

P/1 – Até hoje?

R – Até hoje. A Bolsinha existe uma coisa: de acordo com a entrada é o preço. Entrou muito cai, entrou pouco, sobe. Começou a chover em determinado lugar, que eles sabem que vai ficar cinco, seis dias sem entrar feijão, quem está com feijão ganha.

P/1 – Por que é Bolsinha? É menor?

R – A Bolsinha? Pode ser o nome de Bolsinha, mas aquilo pra feijão dominava o Brasil todo. O preço da Bolsinha era o preço do feijão pro Brasil todo. Pra qualquer lugar que você possa imaginar o preço era baseado na Bolsinha.

P/1 – E onde ficava essa Bolsinha?

R – Essa Bolsinha? Ficava... até hoje ela é dentro dos armazéns desse cara especialista. Do Jamal. O Jamal tem um depósito aí que deve ter uns 20 mil metros, então a Bolsinha era lá. No andar de cima, funcionava direitinho. Só que tem uma coisa: negócio da Bolsinha era você chegar com a amostra, punha lá, vendia, mas você já estava com o caminhão e já ia entregar. Todo dia, aquilo foi se especializando, se especializando, que chegou a dominar o Brasil. Qualquer sujeito comprava feijão por intermédio da Bolsinha. Qualquer um. Foi quando

o comércio começou ir de vento em polpa.

P/1 – E além de você trabalhar no balcão você fez entrega também pro seu pai, é isso?

R – Não. Eu trabalhava com meu pai só no balcão, não fazia entregas. Eu fazia entrega depois quando eu vendia.

P/1 – Só vou perguntar uma última coisa sobre o balcão. Você teve muito contato com clientes do seu pai?

R – Tinha. Nossa. A clientela do meu pai era tremenda.

P/1 – Você lidava diretamente com eles?

R – Só que a clientela do meu pai era tudo por intermédio de vendedor. O vendedor passava na casa do freguês, ele levava uma sacola com as amostras: “Tenho isso, isso e isso pra vender”. Então o cara comprava. No dia seguinte meu pai fazia as entregas com o caminhão. Era, nossa, só tinha venda, não tinha supermercado. Você calcula hoje o que o supermercado gasta e vê o que era. Só que tem uma coisa: São Paulo era muito menor, né? São Paulo era outra coisa.

P/1 – Como era a relação com o cliente nessa época do seu pai, você falava com ele? Como era isso aí?

R – Não. O cliente falava com o corretor e o corretor vinha com o talão de pedido, tudo com a folhas preenchidas, o que ele tinha vendido. Se fazia uma base de 14, 15, 16 fregueses todo dia e lotava o caminhão. Só que o caminhão de antigamente era caminhão de oito mil quilos, sete mil quilos, não é esses caminhões de 30 mil quilos, 40 mil quilos. Os caminhões eram diferentes. E outra coisa: se fazia entrega. Hoje vendia na Aclimação, amanhã vendia nas Perdizes, em outro determinado bairro. Então era tudo feito planejado da descarga ser tudo uma perto da outra. Um dia fazia na Lapa, outro dia na Vila Pompeia, sempre era organizado pra fazer entrega em um lugar só. Um lugar só não, eram oito, dez fregueses a entrega.

P/1 – E por que você decidiu abrir um negócio só seu?

R – Porque o meu pai tinha, era meu pai e mais três sócios. Só que quem comandava era o meu pai. E eu achava ruim eu sendo filho do homem ter aquelas regalias. Então eu resolvi ir embora. Depois disso daí, depois de dois anos eu casei.

P/1 – Mas você saiu da firma do seu pai e você tinha um dinheiro guardadinho pra abrir, já sabia onde ia?

R – Não. Eu comecei a trabalhar por minha conta eu já estava juntando dinheiro.

P/1 – Estava fazendo faculdade também.

R – Estava fazendo faculdade, nos quatro anos de faculdade que eu estudava e trabalhava deu pra juntar um bom dinheiro, um bom dinheiro. Antigamente se vendia, qualquer coisa que se comprava, uma sala de jantar, um dormitório, pra pagar em 24 vezes. Só que tem uma coisa, você só recebia depois que você pagava a última parcela. O cara falava 24 vezes, você dava entrada e ia pagando todo mês. Quando você acabava de pagar ele entregava. Era por exemplo, tudo coisa mais ou menos em série, certo, então ele tinha pra entregar.

P/1 – Você saiu da firma do seu pai e você foi abrir onde a sua firma?

R – Quando eu saí do meu pai eu abri na rua Fernandes Silva. Era um armazém mais ou menos de uns cinco metros por 20 de fundo, era cem metros, muito pequeno.

P/1 – Você abriu sozinho essa firma?

R – Sozinho.

P/1 – Quem trabalhava com você nessa época?

R – Eu sozinho fazia tudo. Depois o meu irmão casou e também veio trabalhar comigo. E a gente foi trabalhando. Mas só que naquele tempo era muito difícil, a concorrência era uma coisa fora do comum.

P/1 – Por que?

R – Porque entre você pedir um arroz 18 reais o saco e 19, um real, você tinha que explicar qual era o motivo que tinha a diferença. Ou era porque era mais quebrado, porque antigamente tinha o três quartos de arroz, que era todo, o pessoal misturava, fazia o que tinha que fazer. O arroz inteiro, o arroz um pouco mais miúdo, cada um tinha seu preço, certo? Mas todo mundo sabia preço. Antigamente pra você cobrar um real a mais, cobrava nada, não cobrava, não. E naquele tempo até hoje vai ficando quem trabalhou direito. Só que tem uma coisa, a maior parte dos filhos de quem era cerealista largou disso daí, foram trabalhar em outros negócios, outras coisas que eu não sei o que foi, mas pouca gente ficou com o pai.

P/1 – E foi acabando essas firmas?

R – Se você olhar mesmo a firma, quem está? O Nico Favano, eu, mais uns dois ou três que eu vou lembrar, o resto não tem mais nada, dos antigos. Tem o Roberto Scatigno que o pai dele foi um grande vendedor de arroz. Vocês entrevistaram ele?

P/1 – Ainda não, mas ele está na lista.

R – Está na lista? Ele em alho, hoje ele é um dos maiores vendedores de alho. Mas é vender alho que você não imagina, viu? Ele vende alho.

P/1 – Mas quando você começou lá na sua firma, você

foi vender as mesmas coisas que o seu pai vendia ou o que você foi vender?

R – Vendia a mesma coisa.

P/1 – Arroz, feijão?

R – Arroz, feijão. Era arroz e feijão só. Depois que foi pondo alguma coisa.

P/1 – E tinha muitos tipos de arroz e de feijão ou era um só?

R – O arroz tinha vários tipos, mais inteiro, mais quebrado, mais miúdo. Feijão eram vários tipos, tinha dez, 12, 15 tipos de feijão. Não é que nem hoje que o feijão só existe um tipo, que a venda é 90%, do carioquinha.

P/1 – E as pessoas comiam mesmo 15 tipos de feijão, sabiam cozinhar?

R – Sim. Eu fui um dos primeiros a trazer feijão roxo, catado em máquina eletrônica de Pindaíbas. Era eu e mais uma firma que tinha lá, que eu não lembro agora qual o nome. O feijão era passado numa seletron, o feijão roxinho, o próprio nome está dizendo: roxinho. De vez em quando tinha algum grão mais branco, a eletrônica catava tudo.

CORTE NO ÁUDIO

R – ...que houvesse por aí era ele mesmo.

P/1 – Pra melhorar alguma coisa?

R – Melhorar e tudo. O que ele tomava parte ele... tem outras coisas que a gente não pode entrar muito em detalhe, mas olha, ele era espetacular.

P/1 – Você estava falando de feijão, você começou com roxinho.

R – Com roxinho. Depois a mulherada começou, o feijão roxinho vinha tudo roxo e vinha alguma mistura no meio. Então nós compramos seletron, passava na máquina e separava.

P/1 – E essa máquina existia já antes ou você que também...

R – A Seletron saiu 40 anos atrás e nós fomos uns dos primeiros a comprar Seletron.

P/1 – E o pessoal gostou?

R – Nossa! O feijão saía perfeito. Você punha uma célula na Seletron e ele saía igualzinho com o que você pôs. Então tudo o que era descarte ele tirava.

P/1 – Agora pessoalmente qual é o tipo de feijão e arroz que o senhor mais gosta?

R – Não tem o que gostar, agora é feijão carioquinha e o arroz agulhinha. Isso daí é padrão, amigo, você não tem, pouco que você vai querer comer um arroz mineiro ou qualquer coisa, isso não existe. Ou é do Rio Grande, ou é feijão ou arroz é carioquinha. O carioquinha dá em qualquer lugar que você for aqui de São Paulo, a plantação é carioca. Produz mais, aguenta mais a chuva, não mancha muito. Agora, quando é uma super chuva.

P/1 – É por isso que está todo mundo comendo carioca? Porque ele é mais resistente?

R – O carioca, primeira coisa: o cara planta carioca, ele dá aquela quantidade. Outros tipos de feijão não aguentam chuva, não aguentam nada, a safra quebra. Então ele sabe que ele plantando carioca vai dar. Ou mais manchado ou menos manchado vai dar. E outra coisa: se por outro tipo de feijão pra vender não vende, só vende carioca, certo? Por quê? Pessoal acostumou. Os outros tipos de feijão não vendem nada. Plantam de teimoso e vendem pra esses lugares conforme está acostumado. Mas São Paulo é só carioca.

P/1 – Você gosta de ir lá na plantação ver como é que está, você tem que ir?

R – Não. Nunca fui na plantação, não quero saber de nada. E o feijão tem uma coisa, feijão é triste, amigo. Você pra comprar uma Porsche com feijão é a coisa mais fácil. E você plantar de Volks com feijão é a coisa mais fácil, certo? Ele te dá uma Porsche, quando você menos olhar você está sabe onde? Com um Volkswagen.

P/1 – Então oscila muito.

R – Antigamente, hoje não, hoje não, ele vai a 180, 200, 210, 170, 190, certo? Antigamente feijão, tinha dia de receber 30, 40 reais por dia, dependendo de que estava chovendo, como estava.

P/1 – E por que oscilava tanto isso aí e hoje não?

R – Estrada ruim, chuvas e tudo. Hoje as estradas, o cara carrega ele sabe que daqui um dia ele está aqui. Antigamente se chegava, quando se comprava feijão em Maringá, o carro encalhava lá, ficava dois, três dias no barro. Aí não vinha a mercadoria. Ele não vinha, não vem os outros caminhões, sabe que vai encalhar então ele fica. Só quando ajudar mesmo, viu?

P/1 – Mas vocês eram muito dependentes de caminhão então, era isso? E as estradas não eram boas.

R – Não entendi.

P/1 – Vocês dependiam de caminhão pra fazer entrega, essas coisas.

R – Não, a gente fazia entrega só da mercadoria que tinha dentro do armazém.

P/1 – Mas pra chegar de fora também era caminhão.

R – Chegar de fora era caminhão. Você só ia contar com a mercadoria quando ela chegasse em São Paulo.

P/1 – Mas tinha esse problema muito de estrada, se o negócio vem do Paraná...

R – Tinha. Nossa, tremendamente. Era só chover já não entrava.

P/1 – E quando é que começou a melhorar essa condição das estradas? Você percebeu?

R – Quando começou a melhorar as estradas que melhorou a entrada. Só que essas datas todas eu não guardo, não tenho nem ideia.

P/1 – Não tem problema. Mas no começo era bem complicado mesmo.

R – Complicado. Primeira coisa, quem trabalhava com feijão sempre tinha uma filial ou em Maringá, Apucarana, por esses lados. E tinha um rádio que ele ligava, quando o rádio dava linha ele falava. Então o cara dizia pra você: “Aqui está entrando muito feijão, está não sei o quê”. O outro dizia: “Não, aqui não está entrando”, então você tinha uma base pra trabalhar. Por causa do rádio. Só que eu falava com você, o outro falava com outro, o outro com outro, todo mundo já sabia o que estava acontecendo. “Aqui está um temporal que Deus me livre!”. Então o cara já sabia que por três, quatro dias não ia entrar feijão. E outra coisa: a Bolsinha mesmo começou foi em Maringá, que começava a entrar mercadoria lá, os caminhões vinham carregados e vendiam lá em Maringá mesmo.

P/1 – Mas e o arroz, seu Antonio, como era?

R – O arroz era o seguinte, era o arroz com quanto você quer? 30% de quebrado? O cara regulava as máquinas e fazia com 30% de quebrado e você pagava tanto. “Como é que você quer?” “Eu quero arroz 100%, sem nenhum quebrado”, o preço era outro. Então quando você comprava, era o que você comprava. Você não comprou um arroz sem nenhum quebrado? Você ia receber sem nenhum quebrado. Você comprou arroz com 30% de quebrado, você podia pesar que ia dar 30% de quebrado. E arroz agora, agulhinha, eles passam tudo na máquina, quebrado tira fora, tem onde eles vendem esses quebrados todos, que é a quirera e tudo, tem outro lugar que eles vendem. O arroz agulhinha é tipo 1, pronto, acabou. Senão é o tipo 2, certo? Só que o tipo 2 não vende mais, não vende mais de jeito nenhum.

P/1 – Por que não vende mais?

R – Porque o tipo 2 é o tipo mais fraco. E a mulher olha no pacote hoje, no plástico, e começa a ver um quebrado, outro, tipo 2, ele já está dizendo, tipo 2, é o outro tipo. Outra coisa: a mulher pra comprar em supermercado, a mulher é exigente, viu patrão? Se você não levar o grão de bico graúdo, se você não levar o feijão brancão, bom, se você não levar o que é de bom, mulher não compra, não. Você pode ficar tranquilo que só vende o que é de primeira hoje. Tanto que as firmas empacotadoras aí só trabalham com artigo extra. Segunda linha não vai empacotar porque não vai vender nada. Segunda linha não adianta você empacotar, é perder dinheiro. Pessoal, a mulherada é exigente.

P/1 – Mas você acha que no começo, quando vocês começaram a clientela era tão exigente assim ou não?

R – Sempre foram. Sempre foram. Antigamente a mulher olhava, tinha um pouco de quebrado no pacote já não queria essa marca de arroz. Tinha 200 marcas de arroz, hoje são dez mesmos que vende, dez, 15. Mas se você comprar você vai pegar um quilo, vai passar na máquina, não tem um quebrado. Outra coisa, o pessoal foi se especializando, já sabe o que vende e o que não vende e não adianta bater em ferro frio, hein? Ou você leva o do melhor, ou senão...

P/1 – Não dá, né?

R – Não vende, não vende. Quem compra de você já é perfeito conhecedor. Você vai mostrar uma mercadoria boa? Quero tanto, vai fazer a oferta e vai levar. Caso contrário não vende. Falando em feijão carioca, agora eu vi, esse aqui é o feijão fradinho. Este feijão (pausa). Esse aqui é o feijão fradinho. Antigamente você vendia feijão fradinho, isso eu estou falando de 25, 30 anos atrás, você vendia dez quilos de fradinho, 20 quilos, cinco quilos, não vendia um saco. Hoje 80% do fradinho vai pra exportação. O mundo todo compra fradinho. E acontece o seguinte, o brasileiro consegue plantar esse feijão a custo bom então dá pra exportar. Só que isso daí, se eu falar com você eu não tenho dados, mas eu posso ter. A quantidade de navios que vende de fradinho é fora do comum, tudo pra Europa, certo?

P/1 – E como é que você fez? Você aprendeu bastante com o seu pai, você falou. O que você acha que um bom comerciante tem que ter pra dar certo?

R – O bom comerciante pra dar certo? Primeira coisa: ele tem que ter o compromisso de pagamento 100%. Segunda coisa: ele comprar x sacos e receber, não é comprar x sacos e devolver a metade; o compromisso dele é comprar e o que ele comprar ele receber. Porque existe uma coisa, pra trabalhar com feijão não é fácil, entre um feijão e outro sempre tem uma pequena diferença. E tem uma coisa, esse tipo de feijão vende, se ele vier um pouquinho mais fraco também vende, mas pra Europa. Aqui, feijão bom tem um preço e o feijão um pouco mais fraco tem um outro preço. Não adianta você querer vender um mais fraco no lugar do bom que não vai. Isso não tem por onde, é matemática. Segunda coisa, você falou sobre o sucesso?

P/1 – Sim.

R – Você tem que vender e entregar o que você fala. Se ele comprar uma vez sua, duas vezes, cinco vezes, dez vezes, tudo bem. A primeira que você errar você perdeu o crédito. Não tem esse negócio de se desculpar, isso não existe. Na minha mercadoria de importação eu procuro, com meu filho, trazer o que há de melhor. Não tenta trazer o que não é bom que você não vai vender. E primeira coisa: o cara que vai exportar pro Brasil eles já sabem que tem que ser de primeira, não tem por onde. Eles negociam muito, o que eles falam você pode escrever, você pode escrever o que eles falam.

P/1 – Quando você começou na Fernandes Silva, como é que foi? Foi difícil, foi tranquilo?

R – Foi difícil. Só que quando eu comecei lá na Fernandes Silva nós tínhamos o Mercado da Lapa e eu ia fazer entrega no Mercado da Lapa. Todo dia iam duas caminhonetes, três, pro Mercado da Lapa. Quando a gente ia entregar uma viagem já queria vender pra outra viagem. Quando ia entregar outra já vendia outra, entende? Então sempre tinha. Da Lapa até aqui o pessoal não gostava de ir na Santa Rosa. Por que ele não gostava de ir na Santa Rosa? Não tem lugar pra encostar. Se ele comprava dez sacos pra entregar lá o frete era muito caro. E ele pegou confiança em você, que o que você levava de amostra era o que você ia entregar, não tem por onde. Tem duas coisas: todo mundo que trabalhou direitinho foi, foi, foi subindo. Se trabalhar errado não dá. Não dá pra trabalhar errado. Primeira coisa: aqui se carrega muito pra fora, pro Norte principalmente. Se você carregar uma mercadoria ruim, o que o cara vai fazer? Vai te devolver. Se não te devolve vai dizer pra você: “Desconta 20% do valor, desconta 30%”, então você procura não acontecer isso aí. Ou você aprende a trabalhar, ou senão você pode ir pra casa, arruma a mala e vai embora.

Segunda coisa: eu estou aqui, eu olho tudo. Aqui está amostra que descarregou, amostra que descarregou. Tem que vir e vir amostra na minha mesa, é o que eu comprei, certo? Então descarrega. Se não for vai de volta. Não tem, eu vou fazer outro preço? Não interessa, não é, porque ele sabe que o fraco ele vai vender em outro lugar, não adianta carregar pra São Paulo.

P/1 – Vocês mantêm o padrão de qualidade então.

R – Aqui tem padrão de qualidade. Principalmente eu aqui, eu esmero pela qualidade. Eu procuro comprar o que há de melhor. Quanto vai custar não é problema meu. Eu vou comprar isso daqui, eu sei que dá para eu vender, então eu estou comprando. Se eu vejo que ele pede mais caro não dá, não dá. Outra coisa: aqui não tem milagre, hein? De ponta a ponta onde você vai aqui existe a tabela de preço, certo? Todo armazém tem a sua tabela de preço e passa pelo fax. Então ele recebe a minha, a tua e de qualquer um. Se você, o que está escrito aí? Que é de primeira qualidade e você não entregar de primeira qualidade não vai descarregar. Esqueça isso. Esqueça. Qualquer um que vem e se estabelece, ele trabalha aí um, dois, três meses e vai embora, ele não sabe trabalhar. Isso é coisa que vem de geração em geração.

P/1 – E você começou o armazém em que ano mesmo?

R – Eu comecei... eu tenho 84 anos, quando eu comecei eu tinha 20 anos.

P/1 – Vinte? O senhor começou em 52, mais ou menos.

R – Exatamente.

P/1 – E você ficou quanto tempo trabalhando até o seu filho vir ajudar o senhor?

R – O meu filho veio me ajudar depois que eu quebrei.

P/1 – Tá, então me fala como foi isso aí que o senhor quebrou, como é que foi?

R – Eu não tenho nem explicação pra te dar. Existe uma coisa, foi tudo tão de repente que eu não sei nem o que te falar. Como te falar eu não sei. Quando eu vi que o que eu tinha não dava pra pagar eu fechei o armazém e fui embora. Isso eu estava na rua do Lucas. Fui embora. Depois eu fui pensar direitinho o que eu devia fazer. Aí voltei depois de dois meses e comecei a trabalhar na corretagem, eu vendia e ganhava comissão, eu vendia e ganhava comissão. Foi indo. Aí a corretagem foi crescendo, então veio o meu filho também pra ajudar. Aí foi crescendo, crescendo, crescendo. E aí nós fomos, né? Carregava muito em Mogi Mirim. Mogi Mirim é 150 quilômetros de São Paulo. Lá dava de tudo, hoje não dá mais nada, só dá milho. Antigamente lá dava de tudo. Então o que aconteceu? Aconteceu que nós fomos num lugar, eu fui cair num lugar em Mogi Mirim, o que eu queria em Mogi Mirim tinha. Era pipoca, tinha. Era painço, tinha. O que você queria tinha, podia trabalhar à vontade. E outra coisa: turma de Mogi vendia quatro, cinco carros de painço pra você, entregava quatro, cinco carros. A gente foi pegando tamanha confiança que eu tenho um amigo, Moisés, que um dia foram dizer pra ele: “Você sabe que você está vendendo mercadoria para uma pessoa que já quebrou em São Paulo?”. Ele falou: “Não, estou sabendo agora. Mas eu estou sabendo uma coisa: se eu não ajudar ele, ninguém vai ajudar”. Aí ele passou a vender mais do que ele vendia pra nós. Ele era o maior de lá. Aí ele começou a vender, aí foi apresentando todos os outros, aí crescemos.

P/1 – Essa do painço, de comida pra passarinho foi ideia do seu filho?

R – Ideia minha.

P/1 – Você começou a olhar.

CORTE

P/1 – Então essa do painço foi ideia sua.

R – É, eu fui pra Mogi Mirim. Aqui em São Paulo estava tendo pouco painço, né? E um cara me falou que lá dava painço. E eu fui ver lá. Mas quando fui ver lá eu vi que eu podia comprar lá e vender aqui. Então compramos dois caminhões, trouxemos pra São Paulo, vendemos. No dia seguinte a gente foi, quis comprar três e a turma foi gostando do serviço, eles arrumando mercadoria pra nós e nós vendendo. Foi bom pra todos. Nós éramos em cinco ou seis, nós vendíamos e eles aprontavam a mercadoria, nós vendíamos e eles aprontavam. Foi bom pra todos. Até que chega uma certa hora que você precisa se estabelecer. Então foi o que nós fizemos.

P/1 – E depois que você tinha quebrado e tal, você achava que você precisava mesmo de um produto novo pra voltar, de uma coisa mais nova?

R – Essas coisas que vêm, ninguém é capaz de explicar. E eu quebrei que eu não sei te dizer como. E eu cheguei nesse ponto hoje que eu não sei como.

P/1 – Como é possível isso?

R – Como é possível? Isso eu pergunto pra você. Como é possível isso daí? Daqui até a esquina é tudo armazém nosso. Aí do outro lado é tudo armazém. Depois dos fundos lá é tudo armazém, tudo armazém nosso. E que se você entrar em qualquer armazém você vai entrar de lado porque de frente você não vai entrar de tanta mercadoria. Então tem uma coisa, quer saber de uma coisa? Eu sou daqueles caras que acreditam em Deus e acabou, quando Deus quer não adianta, amigo. Isso não tem. Porra, amigo, existe coisa que não dá nem pra contar o que eu passei, certo? E você chega hoje, amigo, eu ando de Porsche. Qual é a explicação? Eu não sei. Eu não sei te explicar como veio, como aconteceu com o tempo, eu não sei te dizer. Então existe uma coisa só: quando Deus quer, amigo, não tem. E outra coisa que eu acredito, cada um tem um destino, certo? O que eu passei não está escrito. E depois veio a bonança.

P/1 – Mas você sofreu muito nessa época que quebrou.

R – Na época? Nossa. Eu era um dos caras que mais vendia feijão. E depois aconteceu isso, você passava na rua, conforme o lugar que você passava, os caras nem olhavam na tua cara. Esse Favano, esse foi um cara 100% que ele me apoiou desde o primeiro minuto. O Leo Araújo Pinto me apoiou desde o primeiro minuto, andando comigo como se não fosse nada. E das coisas ruins dos outros não vamos falar porque é duro, viu? Esse Favano, o que ele ajudou a gente é brincadeira, amigo. Sobre todo ponto de vista. Esse aqui é aquele que você bate no peito e diz: “Esse é o meu amigo e amigo pra qualquer negócio”.

P/1 – Você faz amizade no comércio às vezes. Tem como fazer amigo aqui?

R – Se eu faço amizade no comércio?

P/1 – É.

R – Amizade nós temos com todo mundo. Todo esse pessoal quando eu quebrei, hoje são todos meus amigos e são todos caras que deu mão, deu tudo. Não é que você quebrou, alguns te jogaram a escanteio, certo? Alguns. Um, dois, três, quatro, cinco. Mas 95 te apoiaram. Isso foi uma grande lição, viu? Porque você também, você cria outro ânimo vendo todo mundo te apoiando. E eu fui apoiado por muitos deles, muitos mesmo, que eu tenho que agradecer a Deus.

P/1 – E você estava lá com o painço depois, com essas comidas de passarinho e aí, você vendia pra quem isso? Diretamente pro cara que vendia na loja?

R – Pra tudo quanto era avicultura. Eu vendia diretamente pras aviculturas. E tem o painço, tem o painço amarelo, tem o painço verde. Vendia arroz em casca. Tudo quanto era negócio de passarinho. Arroz em casca vende muito pra passarinho. E a gente foi se especializando naquilo, no que era, e foi trabalhando, foi trabalhando. E depois você começa a selecionar o que te dá mais... você começa a selecionar. E depois tem uma coisa, também chega num ponto que você

não pode querer crescer mais do que aquilo, não tem condições. Tem falta de elemento humano, viu patrão? Não pensa que é só montar e tocar que não vai, não.

P/1 – E como é que são esses alimentos pra passarinho? Tem muitos tipos, qual que vende mais?

R – O que vendia mais era o girassol.

P/1 – Girassol?

R – Painço, o alpiste, esses eram os chefes mesmo.

P/1 – E você ficou um tempo vendendo só esse produto ou não, voltou com feijão, arroz?

R – Quando vendia essas mercadorias eu ja estava estabelecido aqui e fazia avicultura muito, vendia diretamente pra avicultura. Isso vendia que, nossa! O que vendia antigamente era uma coisa, desses artigos pra passarinho. Agora é outra, certo? Diminuiu muito passarinho. Ou o pessoal soltou, ou o que fez eu não sei, mas se vendia. E outra coisa, o alpiste ainda é o carro-chefe de todo mundo, todo mundo aqui vende alpiste, os que trabalham com isso daí, né? Alpiste você vende que você não imagina.

P/1 – Vende pra supermercado também ou não?

R – Não. O supermercado quer mercadoria embalada, eu só vendo a granel. Tem os caras que compram de nós, empacotam e vendem no supermercado.

P/1 – Como é que foi o supermercado pra você e pra Zona Cerealista? Impactou alguma coisa o crescimento de supermercado, hipermercado?

R – Supermercado pra mim foi uma coisa muito boa porque quando surgiram os supermercados, quando eu fui mal na vida, eu fui trabalhar com Toninho Meninão. E nós vendíamos em supermercado. Naquela época lá eram dez, 12, 15 mil fardos por dia que nós vendíamos em supermercado naquele tempo, com o Toninho Meninão. Era dez, 15, 20 mil fardos por dia. E era uma média mais ou menos de cinco, seis mil fardos de feijão por dia. Vendia. Esse Toninho Meninão também, esse Antonio Braolho, ele deu uma mão tremenda pra nós também, viu? Esse que estava esquecendo ele, viu? Esse sujeito deu uma mão tremenda.

P/1 – Que legal.

R – Aqui da zona atacadista a gente não tem que se queixar de nada porque todo mundo deu uma mãozinha. Se quebrou, quebrou, vamos em frente. E não adianta pensar no passado, senão é sofrer duas vezes. Se você não tiver coragem de enfrentar você pode largar, pode largar.

P/1 – Comércio não é fácil não, né?

R – Comércio? Comércio é mais difícil do que você pensa. Comércio é dificílimo. Você vai fazer o que no comércio? Primeira coisa, você vai saber o que você quer fazer. E aquilo que você vai fazer ver se vai dar certo. E pipoca, pode contar, se nós não somos o primeiro somos o segundo vendedor de pipoca em São Paulo. Mas eu faço toda a pipoca em saco de 23 quilos. A pipoca tem um segredo, é a expansão dela. Ela tem que dar 41, 42. E eu só compro pipoca que dá essa expansão. O que é isso daí? Isso daí é pro cara que vende pipoca, ele sabe quantos saquinhos dessa pipoca ele vai fazer. Se eu falar que vai dar 41 é 41 saquinhos de pipoca. Do outro lado lá, todo maquinário que está lá dentro é de pipoca. Máquina pra ensacar, pra embalar, tudo. Então você se programou pra fazer aquilo, você tem que, antes de fazer qualquer coisa, se você não se programar não adianta. Se você disser que vai fazer qualquer coisa e é você sozinho também não adianta. Se você não tem equipe pode desistir.

P/1 – E você tem funcionários que trabalham com você há bastante tempo, que o senhor confia?

R – Tenho. Eu tenho um funcionário que saiu agora com 14 anos. Aquela moça que está lá trabalha há 20 anos comigo. Amigo, pessoal vem comprar, o pedido vai pra ela. Se ela aprovou, vai, se ela não aprovou não vai. Não tem erro. Pergunta nesses 20 anos quantos prejuízos ela deu? Eu vou dizer pra você: zero. Nas outras épocas, tudo, ou agora, ela que aprova o crédito. Se ela pôs o visto pode carregar. Se ela não por o visto não adianta o sujeito vir, conversar que não, cada um faz uma coisa, certo?

P/1 – E como é que foi esse negócio de começar a trabalhar com importação? Você já tinha trabalhado antes, era um negócio novo pra você, foi difícil?

R – Quando eu comecei a trabalhar com importação?

P/1 – É.

R – Foi um artigo por vez. Você trabalha com um artigo, dá certo, depois você trabalha com outro. Porque fazer freguesia não é o que você pensa não, viu? Fazer freguesia é duro. E conservar freguesia pior ainda. Você chega, pega numa lista aqui de 300 e poucos artigos, você já pensou o que é 300 e poucos artigos só de mercadoria boa? Você não está vendo movimento nenhum aí na porta, a turma está carregando de manhã até agora. Tudo isso está sendo entregue, certo? Quando a pessoa recebe a primeira coisa é olhar a mercadoria. Você não vê nem um freguês vir aqui comprar. Porque o freguês já sabe de uma coisa, ele vai receber essa mercadoria na porta da casa dele. Não tem frete, não tem nada. E ele sabe, se ele quiser ele compra com 28, 35, 42, não tem problema, pra pagar. Só que a hora que cortar o freguês está cortado.

P/1 – E quais foram os artigos que você começou a trabalhar primeiro na importação?

R – Na importação primeiro foi girassol. Com girassol graúdo daquele que só dava na Argentina, hoje dá em qualquer lugar. Depois começamos a trazer linhaça, na importação. Painço verde. Painço amarelo. E toda variedade de painço. Começamos a trazer muito osso de siba. E foi vendendo, foi vendendo. Depois que você está enfronhado na importação você vai olhando o que você tem que aumentar. E tem o seguinte: e quando você começar não adianta você ter uma lista com 25, 30 produtos daquele tipo e depois não ter os outros principais. O freguês não quer saber de faltar mercadoria. Ele olha aqui, ele não pergunta nem quanto custa, ele vai fazendo o pedido. Mas não pensa também que você vai marcar quanto você quer, não. Você vai ter um trabalho criterioso que se ele pegar a lista de outro vai estar um pouco a mais, um pouco a menos num artigo, num outro. Não vai pensar que porque tem a lista vai trabalhar como quiser. Não, é dentro de um critério.

P/1 – E deu certo importação, né, você falou.

R – Deu. Tudo deu certo. Deu certo e tem que saber trabalhar muito bem, viu? Porque existe uma coisa, você agora, estamos no mês de maio já, junho, você já vai começar a trabalhar com ameixa, nozes, amêndoa, tudo pro fim do ano. Por que? Porque vai levar 30, 40 dias pra chegar. Depois leva 30, 40 dias outro pedido, você tem que chegar já pra outubro. Outubro você tem que estar completamente abastecido. Esse é o segredo. E o que vai vender mais em outubro? Você tem que saber calcular o que você vai vender mais pra não encalhar. Do jeito

que estava esse calor você já pensou tendo ameixa? Uva passa? Com esse calor? Amigo, não dá. Isso é só o tempo pra você dizer: “Eu vou aprender”. E de ano pra ano vai modificando. Os caras no exterior também vão se aperfeiçoando, se aperfeiçoando cada vez mais.

P/1 – Só que tem o problema também do clima. Ele anda mudando também, né? Ou você acha que não?

R – Não. Esse ano que foi um calor absurdo, o resto é mais ou menos normal. Vamos ver agora porque ainda nós não estamos no inverno. Esse friozinho que veio aí é outono, certo? Vamos ver quando chegar. Ligaram hoje de manhã e falaram que no Sul estava zero grau. Se no Sul estiver zero grau já... a primeira coisa: conforme vai esfriando vai vendendo mais.

P/1 – Por que?

R – Não sei o que é, o pessoal come mais.

P/1 – Entendi.

R – Não parece mas é uma realidade.

P/1 – Tudo isso o comerciante tem que saber, né? Essas coisas.

R – Você tem que saber tudo a hora certa. Agora vem vindo o frio, né? Se você for comprar uma ervilha do Canadá agora, de onde ela está até o porto, até vir pra São Paulo, ela vai levar cem dias. Então você tem que estar três, quatro meses adiantado. Não é pensar que vai comprar uma mercadoria no Canadá, uma ervilha agora, e que ela vai chegar na hora h aqui pra você. Não. Você tem que ter o seu controle, né? Tudo, tudo, tudo, grande parte é feito com estatística pra não errar, pra não errar pouco e não errar muito.

P/1 – Você teve alguma história, alguma passagem que você se lembra do comércio que te marcou bastante? Além da vez que você quebrou, mas um cliente ou uma negociação? Você se lembra algo assim?

R – Nada. Tudo normal. Existe com o tempo, 40 anos atrás que eu quebrei, você quebra, depois você fica esperto. De 40 anos pra cá, 45, o que eu vou falar? Só coisa boa. Porque se não serve isso é problema dela, não é meu. Tem outro aqui que está vendendo, ele sabe o que ele está vendendo, ele que vê que vai entuchar tanto freguês de mercadoria que é problema dele. Cada um tem que saber o que tem que fazer. Só que tem uma coisa: você vai ter que educar e eu tenho meu filho que coopera muito com isso. Ele ensina todo mundo, certo? Se você olhar a parte de baixo e a parte de cima, só tem garoto trabalhando. Um está há 15, outro está há 17, outro está há 13. De 15 anos é de monte que tem aí. Ensinou, aprenderam, vamos em frente. Não adianta ficar trocando, trocando, trocando que não dá certo, não. O sujeito tem que saber o seu sistema de trabalho. Ele tem que se adaptar ao seu sistema. E outra coisa: você no comércio não pode ser teimoso, você não é o dono da verdade. Você tem que escutar muito os outros. Se você não escutar os outros pode parar. Pensar que a tua opinião é válida, larga.

P/1 – Estar com a cabeça aberta então.

R – Ôôôô. Vem um e fala uma coisa, tudo bem. Vem outro, confirma com a dele, então vamos lá. Tem outro, vamos vendo direitinho. Não é assim, não. Você achar que você é o dono, que você é o esperto, não tem, não. Você depende muito das ideias. E você tem que estar com estatística, atualizado, ler jornal, ligar pra freguês de manhã, que você está sabendo tudo o que se passa. Isso você não adquire de um dia pro outro, não. Leva isso uma bagagem de muitos anos. Eu sei o cara que eu posso conversar e o cara que eu não posso conversar. Às vezes o cara quer vender aquela mercadoria, então não adianta nem conversar com ele, não adianta nem conversar. É muito difícil. Só que tem uma coisa, eu tenho vários empregados que saíram daqui e abriram armazém. Mas aprenderam tudo aqui dentro. E você se incomoda? Isso não é problema meu, ele que toca agora a vida dele. Vou querer o quê, que ele seja sempre meu empregado? Não, ele que toca. Se telefonar como é o rapaz, eu vejo que ele está pagando bem, pode dar crédito pra ele que é bom. Mas de quanto? “Não, isso é problema seu, eu não estipulo crédito pra ninguém”. Eu faço de tudo para ele não se machucar e eu não me machucar. E a gente vai indo, né?

P/1 – O que você acha dessa onda verde que está tomando conta, de produtos orgânicos.

R – Não entendi.

P/1 – O que você acha desse mercado de produtos orgânicos, naturais e tal?

R – Isso eu não posso te falar nada porque eu não conheço nada. Então aí já não falo nada.

P/1 – Não é bem o teu mercado.

R – Não.

P/1 – Você acha que está como a Zona Cerealista hoje, tá bem, tá mal, tá vendendo o quê? E o que você acha que vai acontecer pro futuro dela.

R – Não entendi.

P/1 – Como é que você acha que está a situação hoje do comércio aqui na Zona Cerealista e como vai ser no futuro, o que você acha?

R – O comércio de hoje?

P/1 – É.

R – A gente está enfrentando uma situação difícil. Mas tem uma coisa: você tem que saber como é que você vai se virar. Você não vai querer enxergar só aqui na tua frente, você tem que enxergar lá do outro lado. Se você for enxergar só na sua frente. A situação hoje o pessoal fala que está bravo, né? Eu até agora não posso me queixar de nada. Amanhã se tiver qualquer problema vamos restringir, vamos ver. Só que tem uma coisa, todas as vezes no comércio, de maio em diante é melhor. E pode ser também agora. Porque tem uma coisa, não vamos falar de política, mas esse governo do jeito que tá não vai continuar, só tende a melhorar, né? Porque se piorar é ruim.

P/1 – Mas pra você o comércio anda bem ainda, né? O seu negócio está andando bem.

R – No meu negócio está bem, dentro do limite e eu não querendo me expandir mais. Eu estou fechado, certo?

P/1 – Sim.

R – Se eu vejo a situação de eu me expandir mais, aí eu vou de acordo com o comércio.

P/1 – Mas mudou muito ao longo do tempo o comércio aqui.

R – Aqui?! Mudou da noite pro dia. Se aqui eram as carroças que carregavam pra fazer entrega, que eu te falei, você faça o cálculo como está hoje. Hoje você pega caminhão aí que vem com 800 sacos, 40 mil quilos. Só pra esse caminhão encostar aí é meia hora. É diferente. Segunda coisa, você tem que ter, comprar, de fornecedor bom. Você tem que conhecer os caras. O que liga por dia aí é um montão de gente. E você vai confiar nele? Não. Primeira coisa, que ele vê uma nota fiscal com seu nome. Se de repente ele pega um preço melhorzinho aí, ele rasga a tua nota e vai descarregar em outro lugar. Você tem que ver com quem você vai trabalhar.

P/1 – O que o senhor acha que vai acontecer no futuro? O senhor tem algum plano, alguma previsão pro futuro daqui?

R – Eu não tenho previsão nenhuma e o caso está o seguinte, existe uma coisa só: existe trabalho, trabalho e trabalho. Ele vai se especializando, vai se juntando a empregados, coisa boa, vai escutando todo mundo e ele vai fazer o quê? Ele vai ter uma base. Ele vai ler um pouco mais e entender. Se de repente o governo apertar nós apertamos aqui. Não tem outra coisa. O governo está dando uma chance? Vamos expandir.

P/1 – Agora vamos voltar um pouco nessa história aí e queria lhe perguntar como é que você conheceu a sua esposa?

R – Minha esposa?

P/1 – É.

R – Como eu conheci minha esposa. Conheci minha esposa numa festa. Encontramos, começamos a namorar e casamos. Aquele é meu neto, viu? Vê se é possível!

P/1 – Essa festa foi aqui no Brás?

R – Não, em Santana.

P/1 – Em Santana. Era o quê, casamento ou festa de amigos?

R – Eu fui numa festa, conversei com ela e ela me deu onde eu podia encontrar e nós fomos nos encontrar e depois continuou. Aí namoramos cinco anos e quando a mãe dela começou a achar ruim, tudo, resolvemos casar, no sexto ano. Ela, a minha mãe também, né?

P/1 – Vocês se casaram na igreja, como é que foi?

R – Casei na igreja, tudo normal. Vou fazer 60 anos de casado. Dá pra você? Vê qual é o presente que você vai me dar. Sessenta anos de casado!

P/1 – Como é que foi o casamento, o dia, você se lembra?

R – O meu casamento?

P/1 – É.

R – O meu casamento foi a maior festa que teve. Meu pai era festeiro, amigo. Foi uma grande festa, viu? Meu casamento deu pra falar. A minha lua de mel, levei pra viajar sete dias. Liguei pro meu pai: “Fica 15 dias aí que eu estou te mandando dinheiro”. O que é que você quer melhor? Meu pai era, nossa, aquilo era Pedra 90. Casamos, tudo bem, até hoje graças a Deus.

P/1 – Você teve sua filha quando?

R – A minha filha nasceu quando eu fiz nove meses e sete dias.

P/1 – De casado.

R – Nove meses e sete dias.

P/1 – Como é que foi o dia em que ela nasceu? Você estava onde quando estourou a bolsa?

R – Quando nasceu?

P/1 – É.

R – Eu estava em São Paulo. Eu viajava muito pra Barretos pra comprar arroz, mas chegou uma época que eu parei e depois ela nasceu, tudo, aí depois eu continuei viajando. Eu mexia com muito arroz antigamente.

P/1 – Você viajava muito?

R – Barretos. Tomava o trem, ia dormindo. Chegava lá, resolvia, tomava o trem, vinha pra São Paulo. Em dois dias ia pra lá e voltava.

P/1 – Só pra negociar o arroz.

R – É, já tinha os caras que tinham os negócios separados, já resolvia na hora. E deixava por conta deles pra carregar.

P/1 – Mas no dia em que ela nasceu você estava em São Paulo, você acompanhou o parto.

R – Acompanhei. Nasceu na Pro Matre, acompanhei tudo direitinho, só viajei depois de uns 45 dias que ela nasceu, que minha sogra veio pra casa, né?

P/1 – E como é que foi ser pai pela primeira vez?

R – Foi a melhor coisa do mundo. É uma emoção diferente, viu? É uma emoção diferente. Agora pergunta pra ele: como é ser neto? (risos). Como é ser neto? A despesa que ele dá.

P/1 – E você depois teve o seu filho, né?

R – Depois eu tive o pai dele. O pai dele vai fazer 54 anos.

P/1 – E a sua filha e o seu filho sempre ajudaram o senhor no trabalho.

R – Não. A minha filha faz uns 12 anos que ela está conosco. Quando começou foi só eu e meu filho, sempre. Ela veio quando a cama estava feita.

P/1 – Então o seu filho sempre trabalhou com o senhor.

R – Sempre. Não é que nem meu neto, é um pouco melhor. Está gravando, não está?

P/1 – Está.

R – Então pode gravar! Pode gravar! Quero que fique bem claro.

P/1 – E o que o senhor acha disso, de conseguir passar pra frente o negócio? Porque como o senhor mesmo falou teve famílias que não conseguiram, né?

R – Eu tenho uma coisa, enquanto Deus me der força eu vou trabalhando, enquanto eu vou trabalhando desde que eu não atrapalhe ninguém e fazendo o negócio certo. Se um dia eu ver que eu estou atrapalhando eu me afasto automaticamente. Chego pro meu filho: “Pra mim não está dando mais”. Aí eu paro. Porque isso daqui você tem que ter muito raciocínio, saber comprar na hora certa, saber vender na hora certa. E primeira coisa: você tem que ter, tudo isso aqui artigo e não deixar faltar nenhum artigo, porque se começar a faltar isso, faltar aquilo, faltar aquilo, você pode esquecer. Eu vou trabalhar até quando Deus me der força, se eu não estiver atrapalhando ninguém. Ô Flávia, vem cá! Tira fotografia dela pra levar lá no Correio da Manhã (risos gerais). Pra teu governo, quantos anos você está aqui?

Flávia – Eu estou pra 18 anos.

P/1 – Dezoito anos? Nossa.

Flávia – Cheguei aqui zerada de tudo, crua de tudo. Aqui só sai quem quer.

R – É 18, 17. A moça lá já é mais que ela, né? Foi ela que trouxe ela. Agora eu pergunto uma coisa pra você: você já pensou que patrão bom ela tem pra aturar 18 anos ela? (risos gerais). É brincadeira.

P/1 – Mas o seu pai, quando ele passou ele estava trabalhando ainda, ele estava com a empresa ou ele já tinha fechado.

R – Quando?

P/1 – Quando ele faleceu.

R – Não, quando ele faleceu ele teve dois enfartes. E assim mesmo. Não, ele estava parado, depois teve dois enfartes. E depois eu trazia ele pra cá, pro outro armazém que nós tínhamos de corretagem e ele vinha. Ele com 85 anos tomava o ônibus sozinho porque minha mãe não deixava, vinha e vinha ficar com a gente. Ele acompanhou bem, viu? Acompanhou bem mesmo.

P/1 – Sua mãe também morreu mais ou menos com essa idade também?

R – Com quase 90 anos. Ele 88 e ela 90. E olha, minha mãe pra aturar meu pai era uma santa, viu?

P/1 – Ele era difícil de lidar?

R – Ele? Não. Ele era difícil de comer. Meu pai era arroz e feijão. Uma xícara de leite grande de manhã e verdura à noite. Só, não adianta fazer qualquer outra comida. Não adianta levar num restaurante, qualquer coisa, que ele nem entrava. Arroz, feijão, à noite era verdura e pronto.

P/1 – E você tem algum sonhos pro seu futuro hoje?

R – O meu sonho é uma coisa só: onde eu vou se eu puder ajudar alguém, algum lugar, qualquer lugar, esse é o meu maior sonho, de poder ajudar quem precisa. Como nós fazemos. Esse é o meu maior sonho. Agora sonhar com o quê? Moro bem, tenho carro bom, família boa, tudo. Não adianta querer sonhar. Querer subir mais eu não quero, eu quero como está organizado, certo?

P/1 – Sim.

R – Então não tem, ficar sonhando o quê? Pedir a Deus saúde, esse é o principal.

P/1 – Tá certo. O que você achou de conversar um pouco com a gente?

R – Eu achei que onde você vai, e você já tem essa malícia, onde você vai mexendo você vai lembrando a gente de muita coisa. Muita coisa. É que a entrevista é um pouco rápida, tem todo aquele serviço pra aprontar, pra amanhã vai sair a lista de preço, você fica um pouco preocupado, tá entendendo, e tudo. Mas eu gostei do jeito que você entrevista, viu?

P/1 – E o que você acha de entrar nesse livro que está sendo feito?

R – Não entendi.

P/1 – O que você acha de estar deixando registrado alguma coisa pro livro, que vai sair esse livro,

que você achou de poder entrar nesse livro? Da Zona Cerealista, pra história da Zona Cerealista?

R – Eu acho que a ideia foi boa. A ideia foi boa, direitinho. Agora vamos ver como o livro vai ser escrito e o que o pessoal tira de proveito. Só que falar de Zona Cerealista é incrível, né? Mas a Zona Cerealista está se extinguindo. Existe uma coisa, qualquer bairro tem dez comerciantes bons, qualquer bairro que você for de São Paulo tem dez comerciantes estabelecidos bons. Se você andar na Zona Cerealista hoje, quem são os bons? Porque a Zona Cerealista se espalhou. Antigamente você encontrava 60, 70, 80 bons aqui, hoje não, está tudo espalhado. Outra conversa que você vai ter quando você conversar com o Roberto, ele vai ver, o Roberto tem três filhos, os três filhos estão com ele. E eles vendem alho, hein? Eles vendem alho! Ele fez uma coisa, não deixou os filhos se separarem, que nem os outros. Ficaram com ele, tudo direitinho, trabalham com ele. São uma força em alho hoje, certo? E assim por diante. E o pai do Roberto foi o maior vendedor de arroz de São Paulo, Labate & Scatigno, ele e um sócio. Aquele encostava dez, 15, 20 caminhões de arroz de feirante pra carregar. É que não dava tempo, né? Ficava pro outro dia e tudo. Mas olha, eles funcionaram, funcionaram mesmo, viu? Eu acho bonito, por exemplo, tem os três filhos trabalhando com ele, se entendendo bem, estão vendendo alho que é uma potência e tudo. E o que ele fez? Ele aproveitou o que? O Dadá começou e ele encarou, certo? E deu pros filhos o que ele podia dar, negócio de alho. Porque aqui filho de comerciante mesmo não tem, aqui não tem. Quem eu vou te apontar como filho de comerciante? Não tem. Tudo novo.

P/1 – E muitos estão falecendo também, né?

R – Está, muito.

P/1 – De um ano pro outro...

R – Muito. Muito.

P/1 – Você acha importante, também por causa disso? Porque a gente está fazendo esse registro agora, né? Pode ser que alguém morra no ano que vem, esse ano inclusive, né?

R – Existe uma coisa, isso aqui é muito trabalhoso. Quem teve filho já saiu disso. Isso aqui eu funciono bem, eu devo ao meu filho, porque ele pôs as pessoas certas pro lugar certo. Se você for lá no balcão um tem 17, outro 13, outro 14. Esse aqui daqui tem 15, que está aqui atrás. Então esse pessoal que ficou, entendeu, que ganham suficientemente bem, por isso ficaram tantos anos. E você saber dar valor ao empregado. Se você não der valor pro empregado não tem jeito. Não. Você está se queimando à toa. Se você não der valor pro empregado, tchau.

P/1 – Tem alguma coisa que eu não perguntei e você gostaria que eu perguntasse pro senhor?

R – Eu vou ver quando for pra casa, pensando, eu vou ver o que é que eu posso ter. Você tem seu telefone, não tem?

P/1 – Sim.

R – Você vai me dar o seu telefone, se eu lembrar de alguma coisa eu vou ligar pra você.

P/1 – Tá bom.

R – Aquele tem um medo que vai roubar a máquina dele (risos).

P/1 – Tá bom. Obrigado, viu, seu Antonio.

R – Obrigado vocês, amigos.

P/1 – Foi ótimo.