Museu da Pessoa

Construtores de catedral

autoria: Museu da Pessoa personagem: Eliezer Batista da Silva

Projeto Memória Vale do Rio Doce
Depoimento de Eliezer Batista
Entrevistado por José Carlos (P/1) e Karen Worcman (P/2)
Local da gravação: Rio de Janeiro
São Paulo, 28/03/2000
Realização: Museu da Pessoa
Código: CVRD_HV002
Transcrito por Sonia Regina
Revisado por Joice Yumi Matsunaga

P/2 – Bom, doutor Eliezer, eu queria começar a entrevista pedindo que o senhor nos desse o seu nome completo, local e a data de nascimento.

R – Meu nome é Eliezer Batista da Silva e eu nasci em Minas Gerais, num lugar chamado Nova Era, que é no próprio Vale do Rio Doce, em 4 de maio de 1924.

P/2 – E o nome dos seus pais?

R – Meu pai chamava José Batista da Silva e a minha mãe chamava Maria Batista da Silva.

P/2 – O senhor teve muitos irmãos?

R – Tive seis irmãos, um irmão e quatro irmãs, cinco, né.

P/2 – Nossa, quanta mulher, ehe!

R – É.

P/2 – E qual era a atividade do seu pai?

R – O meu pai originalmente, como o meu avô também tinha sido, ele era seleiro, artesão, sabe o que é seleiro, né? Seleiro é uma pessoa que fabrica arreios para animais. Porque quando eles emigraram para o Brasil, foram para o Espírito Santo, e de lá foram para Minas, porque no Espírito Santo a economia era toda de café, mas não tinha couro para fabricar produtos para animais, arreios e tudo isso para carregamento de café. Então, ele foi para Minas, o meu avô já se erradicou lá e se dedicou a esse ofício, que ele acabou – o meu pai já desenvolveu consideravelmente – levando isso até a nível de indústria, quer dizer, ele exportava o mercado dele, era o Espírito Santo, toda região ali de Castelo, Afonso Cláudio, Muniz Freire, Cachoeiro de Itapemirim, que é a zona de café, né. Então, ele tinha, naquela ocasião que se chamava Tropas, um conjunto de burros e mulas que transportavam aquilo, e ele, inclusive, vendia os animais, também no Espírito Santo, quer dizer, o grande mercado dele era o Espírito Santo. E, os couros, ele comprava de Juiz de Fora, quer dizer, acabou virando um industrial primitivo, mas industrial bastante grande e depois então ele desviou para o lado de fazendas, né, ele comprou fazendas e etc., e se dedicava à pecuária também e uma agricultura especializada, digamos, era um homem muito inteligente e muito curioso, ele introduzia variedades novas de frutas, por exemplo, laranjas. Ele foi um grande inovador na parte, e um grande homem de..., apreciador da natureza,, isso talvez ele tenha herdado do avô estando sempre com ele, né, mas basicamente era isso aí.

P/2 – O senhor falou que eles emigraram, eles vieram, de Portugal?

R – De Portugal, é.

P/2 – E parte da família ficou lá, eles vieram...

R – Vieram, pchi, naquela ocasião era uma luta de sobrevivência, a pessoa emigrava para poder sobreviver. Lá, as condições eram muito ruins, né, vieram para cá como emigrantes como outros qualquer. Seus ancestrais também, deve ter sido parecido ou coisa assim, né, o dele também, vieram da Alemanha, da Rússia, da Polônia.

P/1 – Exatamente.

R – É.

P/2 – E então, o seu pai foi constituindo toda essa...

R – Bom, a grande coisa que o meu pai fez foi educar toda a família, né, e naquela ocasião, aquele lugar ali era muito difícil educar, porque era Nova Era, era ligado muito mais fisicamente à economia do Espírito Santo, porque tinha serra geral em Minas que impediu o contato com o centro de Minas Gerais. Então, o meu irmão que era médico, ele foi para Ouro Preto para fazer o curso secundário, ia a cavalo, gastava três dias de cavalo para chegar em Ouro Preto, porque não tinha comunicação, então a nossa comunicação era muito mais para o lado da zona da mata de Minas e ligado com o Espírito Santo, né? Aqui era o mercado dos produtos dele, embora o meu povoado lá fosse distrito da cidade de Itabira que é a origem do ferro também. É, então são duas curiosidades aí. Então, ele educou toda a família, quer dizer, grande parte das minhas irmãs preferiram ser, eu tenho três irmãs que ficaram freiras e o meu irmão estudou Medicina e eu fui estudar Engenharia, quer dizer, fiz Ouro Preto também na parte de ginásio, São João Del Rei, depois fui para o sul do Brasil e acabei o meu curso em Curitiba em 1948.
P/2 – Só antes da gente continuar a sua trajetória na faculdade, eu queria..., quer dizer, as suas irmãs viraram freiras, então na sua casa havia uma educação religiosa muito grande, o senhor frequentava igreja?
R – Não, não tanto, o meu pai era bastante religioso, né, mas não havia assim uma religião católica fanática, mas aquilo foi mais..., naquela época você mandava as suas filhas para um colégio de freiras francesas, e elas doutrinavam as mocinhas e conquistavam, porque não tinham aquela facilidade de contato com o mundo ambiente como você tem hoje, né, televisão e todas essas peças aí, então era uma maneira de indoctrination. Mais vivia por isso, né, do que por fanatismo religioso ou qualquer, a gente não tinha isso não, ah, era religioso normal, um homem que tinha, quer dizer, a minha mãe também não tinha nada de fanática, embora toda a origem da família fosse católica.

P/1 – Nova Era era uma cidadezinha...

R – Não era cidade, era uma aldeola vagabunda, não tinha nada lá, mas era um lugar estratégico porque era o ponto de encontro da comunicação com o mercado do Espírito Santo, entende, esse que é...

P/2 – Era como a saída de Minas, assim?

R – Era Minas na verdade, mas, culturalmente, estava muito mais ligada comercialmente ao Espírito Santo, por causa dos transportes, e essa serra geral, que ela só foi vencida depois com a construção da Estrada de Ferro Central do Brasil para ela se ligar, Vitória à Minas, naquela época elas não se ligavam, então Nova Era não pertencia realmente à economia de Minas, ela pertencia à economia do Espírito Santo.

P/2 – Quer dizer, um grande centro que se alguém precisava ir para um grande centro na época era onde, saía de Nova Era...
R – Aí o grande centro era Belo Horizonte, né, longe pra burro, mas era o centro maior, porque Governador Valadares não existia na época, Governador Valadares surgiu muito depois. Depois que as estradas de ferro se juntaram, surgiu a colonização de Governador Valadares, quando o pessoal de madeira, os madeireiros do estado do Rio migraram, depois do que aconteceu para o Espírito Santo, depois para o Pará, para o Maranhão, né, eles vão migrando e Valadares e Teófilo Otoni, naquela construção da Rio-Bahia entre Valadares e Teófilo Otoni, destruíram todas aquelas florestas ali, isso já bem mais tarde. Quando eu era criança, que eu me recordo, aquilo ali não tinha comunicação com lugar nenhum, era tudo a cavalo, o cavalo era um meio de transporte, então muito atrasados, né, e isolados.

P/1 – A Vitória-Minas já corria aí, mas ela...

R – É, corria, não corria até lá, exatamente até lá, mas era uma coisa absolutamente primitiva, quer dizer, era uma estrada de ferro como essas estradas de ferro antigas aí do Nordeste e tudo, né, não é exatamente estrada de ferro, daí a necessidade dos americanos quando passaram a ter necessidade do ferro, por causa da guerra, porque esse material não tinha nos Estados Unidos, eles precisavam desse material para resfriamento de forno de usina smelting, então começaram a pensar e tinham as reservas de Itabira que já eram conhecidas já há bastante tempo, aí então ligaram essa estrada até Itabira, porque a Vitória-Minas originalmente se destinava à Diamantina, o nome dela era Vitória-Diamantina, não se destinava originalmente à Itabira, isso foi uma modificação muito grande, tudo anterior a essa coisa, né. Então, aí quando se ligou com Itabira para esse projeto de exportação de minério de ferro, que não foi concluído, ele funcionou porque aproveitava restos da Vitória-Minas antiga, que ficaram, na reconstrução aproveitou-se alguns pedaços pequenos, né, então aí que passou a ter outro sentido e ligou-se com a Central do Brasil em Nova Era. Nova Era era um entroncamento de ferrovias e rodovias, tornou-se depois disso, né. Então começou uma transformação enorme na região inteira com afluxo de migrantes, né, digamos do Nordeste, divisa do Espírito Santo e de Minas e aí a cidade mudou completamente, hoje não tem nada a ver com o que tinha no tempo que eu era...

P/2 – O senhor ficou lá até que idade? O senhor fez primário lá?

R – Só o primário, depois fui sair e nunca mais voltei, só voltei depois de formado.

P/2 – Mas a sua família inteira ou o senhor foi sozinho?

R – Não, eu fui sozinho, a família ficou lá. Algumas das minhas irmãs saíram também, tem uma aqui em Niterói que é presidente de um colégio aqui em Niterói, que é uma freira; uma outra que foi diretora de um colégio aqui em Brás de Pina também e o meu irmão formou-se em Belo Horizonte em Medicina.

P/2 – E o senhor de lá saiu do primário e foi para Ouro Preto?

R – Fui para Ouro Preto. De Ouro Preto eu fui para São João Del Rei, de São João Del Rei eu fui para Curitiba.

P/2 – Por que o senhor foi para Curitiba?

R – Eu fui porque eu tinha muita vontade de viajar já naquele tempo, né, e, em Curitiba, eu tinha amigos lá também, que me atraíram para lá porque era um lugar mais novo, diferente. Eu queria viajar também, no fundo eu queria viajar. Primeiro, eu fui para Porto Alegre, depois é que eu abaixei em Curitiba, gostei de lá e fiquei lá, fiquei muito tempo e me formei lá, né, que aliás é o país dele [pessoa presente na gravação] também (risos).

P/2 – O senhor então fez o ginásio em Ouro Preto...

R – Fiz.

P/2 – E já ao fim do ginásio, o senhor foi viajar?

R – Eu fui viajar, né! Quer dizer que esse meu espírito, vamos chamar de espírito de aventura ou o que quer que seja, já vem de longe também, né, não sei de onde vem essa, que já surgiu de..., né. Eu não fui para Curitiba, Porto Alegre naquela época por motivos outros que não a curiosidade de, é, conhecer coisas novas, né.

P/2 – O senhor lembra disso na sua infância? De sentir no ginásio essa insatisfação: “Eu quero sair, eu quero...”.

R – Não, no ginásio, olha, eu sempre fui, em São João Del Rei foi o melhor exemplo disso, eu sempre fui o primeiro aluno, o que não quer dizer muita coisa, né, mas, lá em São João Del Rei, eles não gostavam, os padres franciscanos, né, até me mandaram no fim do curso, queriam, porque achavam eu meio iconoclasta, e que influenciava demais os outros. Como eu era o melhor aluno, então aquilo, eles achavam que eu estava tendo uma influência antirreligiosa, sei lá o quê, né, então não simpatizavam muito comigo não, o que, aliás, eu concordo. (risos)

P/2 – Mas por quê? O que o senhor já lia ou esse tipo de coisa?

R – Ah, já naquela ocasião tinha ideias diferentes, eu nunca escondi as minhas ideias, eu sempre tinha ideias diferentes e criticava o tipo de ensino, criticava, né, e como a gente sempre tinha notas muito boas e muitas coisas já naquela época, tinha a tendência para aprender línguas com facilidade, isso tudo não agradava muito, que naquela época aqueles franciscanos, eles evoluíram muito, eles eram muito ranzinza, aquele tipo de gente holandesa, então aquela disciplina germânica, quer dizer, não embarcava muito naquilo não.

P/1 – Era como um tipo de colégio interno?

R – É, colégio interno! Ouro Preto era até melhor, viu, porque Ouro Preto era mais liberal.

P/2 – Também era um colégio interno?

R – Colégio interno também, é, Ouro Preto, mas me disseram que naquela ocasião, São João Del Rei era muito melhor, e realmente era, né, eles eram holandeses, traziam conhecimentos da Holanda, traduziam aquilo para, a metodologia de ensino era melhor, mas não era ainda muito bom, porque a gente tinha acesso já naquela época a livros e tudo, lia outras coisas e botava em dúvida, né, remettre en choses, né, de certas coisas, e muita gente não gosta disso, gosta que fica tudo quietinho, “Fica quietinho aí!”.

P/2 – Mas que tipo de livro o senhor lia assim, filosofia, esse tipo de coisa, história?

R – Lia, lia tudo que passava pela minha frente, lia. Sempre gostei muito de ler,, então não perdia muito tempo em papo furado de colégio, em negócio de liderança de diretório acadêmico, eu nunca gostei dessas coisas, eu ficava lendo, estudando, e brigando também, eu brigava muito. (risos)

P/1 – Um libertário mais independente.

R – É! Em Curitiba eu tive uma vida bastante agitada porque na verdade eu fundei em Curitiba a juventude Hippie.

P/2 – Ah é?

R – É! É verdade, em Curitiba eu fiz essas histórias, fiz uma anarquia tremenda. (risos) Andava de roupas e cores e tudo, cheio de... (pausa), lá em Curitiba tem um grande número de histórias, tudo de coisas doidas minhas lá, e como eu não era muito assíduo nas aulas, mas nunca perdi o ano, e sempre estava, né, então eles tinham um certo respeito comigo, mas o que não me impedia de fazer mais besteiras ainda. (risos)

P/2 – Mas isso de juventude Hippie a gente tá falando da década de 1940?

R – Dos anos 40.

P/2 – Então isso não era uma coisa...

R – Não, lá em Curitiba eu saía exatamente como os hippies faziam aqui nos anos 70, né, a gente fazia isso já em Curitiba nos anos 40, não só em termos de indumentária, maneira de andar, maneira de viver, tudo igualzinho. Eu nem sabia o que era hippie, saía fazendo coisas por minha própria..., né, entendeu.

P/2 – Mas aí o que vocês…, frequentavam bares, discutiam que tipo de coisa, o que que era?

R – Não, era um hippie meio isolado, depois eu comecei a arranjar alguns adeptos, né, (risos) mas nunca quis ser líder dessa gente, não, nesse caso eu era lone wolf, sozinho, né. (risos)

P/2 – Mas lá o senhor já não morava dentro da...

R – Não, lá eu morava em um hotel. Meu pai sempre me manteve nesse ponto, ele fez a custo de um sacrifício muito grande, ele sempre me falava: “Depois que você se formar, depois você decola sozinho, mas até lá eu faço questão de te ajudar”. Depois então, aí eu tive que decolar sozinho, né, eu tive que me virar, me débrouiller.

P/2 – Então, nessa época em Curitiba, o senhor estava estudando Engenharia?

R – Engenharia.

P/2 – Por que Engenharia?

R – Eu gostava de Engenharia, né, eu fui gostar porque gostava disso. Você podia por exemplo..., me oferecesse Direito, Medicina não aceitaria isso nunca, porque eu gostava daquilo. Hoje, talvez eu fosse me meter em uma outra coisa qualquer, mas Engenharia no fundo, naquela época, que Física, tudo isso era muito teórico, né, Engenharia era uma coisa que você aplicava conhecimentos e via resultados, eu sempre gostei de ver resultados daquilo que estava fazendo, né, essa... Estou dizendo muita besteira?
P/1 – Não, senhor. Na sua casa não houve nenhuma pressão para que o senhor seguisse uma profissão?
R – Nenhuma. O meu pai nunca influenciou ninguém, nem as minhas irmãs, por isso que eu disse, elas mesmas foram ser freiras por sponte sua, por sua vontade própria, evidentemente endoutrinadas pelas..., né.

P/2 – Vontade própria das freiras também. (risos)

R – O meu pai nunca influenciou isso, nunca.

P/1 – E a facilidade do senhor com as línguas?

R – Não, isso, olha, eu sempre tive muita facilidade com matemáticas e com línguas, tá, que me ajudou muito na minha vida inteira, né, porque primeiro, que eu depois andei pelo mundo aí, tudo quer dizer, tudo que eu melhorei em línguas sempre ajuda muito, né, e Matemática é base para Física, né, e que todos os conhecimentos que você tem..., tecnologia sempre fica obsoleta. Eu me lembro do doutor Burlamaqui, ele era especialista em locomotiva a vapor, mesmo antes dele morrer, locomotiva a vapor ficou um negócio assim, completamente fora de..., né, já tinha locomotivas a diesel e tudo, quer dizer, todo o conhecimento dele foi-se embora assim em um..., né, é como hoje, hoje é pior ainda. Você corre risco de montar uma fábrica nova aí na era de telecomunicação, então, no dia seguinte, você acaba de inaugurar a mais nova fábrica moderna obsoleta do mundo, né. Então, Física não, o conhecimento de Física fica, quer dizer, a Matemática também, então, com isso você tem facilidade de se preparar para entender pelo menos novas tecnologias, é importante mesmo que você pratique aquilo, que à proporção que você vai mudando de escala, por exemplo, para passar para o nível administrativo, você sai do campo puramente técnico e muda, então o risco de obsolescência diminui, agora quando você se dedica a uma tecnologia só e aquilo corre o risco de ficar obsoleto é uma tremenda perda de tempo na sua vida. É o que acontece hoje. Então, o indivíduo para se defender, ele tem que concentrar em Física e Matemática, porque são as variáveis permanentes, elas estão sempre ali, mesmo que elas também variam um pouco, né, por exemplo, sem Física Quântica e sem Matemática não-linear, você não navega nesse mundo de hoje. Então aí também você tem que evoluir, mas é mais fácil, que você tenha a base e a base não é muito alterada, né. O ruim é quando você entra em tecnologia. O que é a tecnologia? É a aplicação prática da ciência para fins utilitários, né, então se você se dedica só à tecnologia, você corre um risco tremendo de obsolescência, tá certo?.

P/2 – A faculdade lá em Curitiba, o tipo de conhecimento e ensinamento que era dado era voltado para que tipo de..., tinha essa parte de Matemática?

R – Tinha sim, em Curitiba é o seguinte, lá tinha muitos professores de origem europeia, europeus mesmo, professor de pontes era um italiano famoso lá, qual era o nome dele? Professor de pontes nosso lá, (pausa) não, de pontes, mas isso não tem mais… Então, era uma gente que tinha, digamos, mais quem tinha ali recurso à leitura de publicações no exterior, na Itália, na França e tudo, Parigot, por exemplo, que era um homem de hidráulica, né, era uma figura, aliás, tornou-se mais tarde o criador da Copel lá em Curitiba, uma figura notável, então tinha essas figuras. O Suplicy Lacerda que tinha o melhor livro de Estabilidades e Construções aí, né, que foi o ministro aqui durante o tempo do Geisel parece, né, foi do tempo do Geisel, então essas figuras lá que davam um certo nome para Universidade de Curitiba, mas em Engenharia Civil, lá é que eu me formei engenheiro civil e arquiteto, né.

P/2 – Ah é, junto?

R – Junto.

P/2 – Então, você aprendia a projetar, a construir?

R – É!

P/2 – Não necessariamente, pontes ou construções?

R – Não, tudo! A ponte, eu estou fazendo apenas uma referência. Mecânica, por exemplo, tinha um, mecânica que era esse Zanetti, quer dizer, então era um ambiente bastante bom para aprendizagem de engenharia. Tanto que em Curitiba, nós mesmos fomos buscar lá depois, naquela equipe que a gente formou em Vitória, buscamos muita gente lá, inclusive ele [pessoa no estúdio], e vários outros colegas por causa da excelência do ensino lá, naquela época já, né.

P/2 – Bom, aí o senhor, nessa época, já pensava o que ia fazer?

R – Não, pensava nada não. Pensava que eu queria trabalhar em Engenharia, né, eu queria trabalhar em alguma coisa, mas não tinha exatamente em mira o que que eu ia fazer. Vários colegas nossos já trabalhavam na rede ferroviária, eu olhava praquilo e não via muito futuro naquilo, então você tinha sempre uma preocupação de futuro, né, o que que é o futuro, né? Se você não tiver uma visão de futuro você fica perdido, você fica, não sabe muitas vezes o que acontece hoje no mundo, para onde estamos indo todos nós, você fica meio perdido, como um cego em tiroteio, você não sabe para onde vai.

P/1 – E, o futuro para o senhor naquele momento, o que que pareceu?

R – Bom, naquela época, viu, Engenharia era o máximo dentro das coisas que eu gostava, né, só que naquela época engenharia ferroviária e depois eu fui ver isso mais tarde, nos Estados Unidos onde eu estive mais tarde, quando fui promovido pelo Juraci Magalhães, já naquela época, a ferrovia já estava ficando, não era mais o topo da Engenharia, já estava surgindo a indústria petroquímica, essas novas indústrias que iam surgindo. Então você, claro que a elite dos estudantes, os mais inteligentes, eles sempre procuraram as coisas ou de vocação ou aquelas em que pudesse ganhar mais dinheiro, até que isso evoluiu nos últimos, sobretudo nos anos 80 e 90, evoluíram para o Wall Street, né, você: “Bom, eu vou me meter em Finanças porque é onde eu ganho dinheiro”, não porque acha aquilo bonito e tudo, que aquilo no fundo era um simples meio pra se chegar ao fim, embora hoje esteja vivendo um fim nele próprio por aberração, não é normal isso, mas vai voltar ao normal algum dia. Mas é melhor, no tempo que eu estava nos Estados Unidos, por exemplo, a elite de estudante, iam todos para Engenharia, né, não mais ferroviária, já ia para petroquímica, já ia para indústria química propriamente dita, para diferentes tipos de indústrias, e aquilo foi evoluindo até que entrou Tecnologia de Informação, isso tudo veio evoluindo e o pessoal gradativamente, as melhores escolas tipo MIT, Caltech, essas Berkley e tudo, os melhores alunos iam para lá. Hoje, todo mundo, dos anos 1980 para cá, começou a ir para Finanças, né, porque por exemplo, você ganha mais e ficou menos esforço, né, e além de ganhar mais é poder, né, e no caso agora, moderno, você tem um joint venture de finanças com tecnologia de Telemática, que é a junção de Telecomunicação com Tecnologia de Informação, né. Essa junção aí, você combina conhecimentos de Finanças que tem muita matemática também hoje, modelo Monte Carlo é Matemática não linear, com a Física que vem da Telecomunicação, né, quer dizer, então é uma constelação nova, de onde as melhores cabeças emigram para essas coisas. E as indústrias mais antigas começaram a ficar obsoletas, por exemplo, durante já os anos 1980, a indústria ferroviária nos Estados Unidos já não tinha mais ninguém, ninguém de topo, aço mesmo, aço também, o pessoal foi emigrando, quer dizer, indústrias de base, né, naquela época eram, hoje já não são mais, a indústria de base é poluente, cheia de problemas, não paga bem. Um aluno excepcional qualquer hoje, se você perguntar, ele não vai ser homem de indústria de aço, ele não quer nem ouvir falar naquilo, né, vai para o Silicon Valley no Vale, eu tenho dois filhos no Silicon Valley, estão lá, né. Por quê? Porque você está no topo dos conhecimentos novos, e no topo, no portal da ascensão ao poder.

P/2 – Agora, naquele momento que a Engenharia...

R – Era ferroviária.

P/2 – Era ferroviária. Ela era futuro nesse momento?

R – Não, digamos, no Brasil não era ainda grande o trem, mas o que me atraiu na Vale do Rio Doce foi quando eu vi que eles estavam construindo uma ferrovia, visando uma outra coisa, quer dizer, não era visando a ferrovia em si, né, a ferrovia como instrumento para digamos, transportar ferro e produtos, e aí, já naquela época, a gente tinha uma, eu comecei a ter uma percepção quando pela primeira vez, eu comecei a encontrar a conexão entre transporte marítimo e a ferrovia, os transportes rodoviários e a ferrovia, aí então começou a me dar as primeiras noções de que era Logística. Logística, no fundo, é uma noção de custo, é tudo que você gasta para levar um objeto daqui para aqui. Isso é Logística, todos os custos envolvidos nisso, que hoje por exemplo, Telecomunicação pode ser uma componente da maior importância. Então, essa noção de Logística que não é só Logística de transporte, é Logística de tudo, a Logística é a soma de todos os componentes para você deslocar esse meu mafioso daqui para aqui, então tudo que está aí envolvido é Logística. O senhor hoje tem na Internet aí, você quer, você tem um negócio de vender pela televisão e etc., “vamos vender remédio”, “vamos vender um objeto qualquer”, você compra na televisão etc., mas tem que entregar. A entrega do produto ao consumidor é um problema de Logística, é um micro-logística, mas é Logística. Tem vários ingredientes ali dentro, desde de telefonemas, isso, televisão, o diabo, até o problema físico de entregar.

P/1 – O senhor já percebeu isso...

R – Não, eu não percebi como hoje, é claro, hoje, né, mas naquela época era uma percepção, digamos, forçada para você achar uma solução para os seus problemas. Então, um dos problemas que me afligiam era o seguinte: você está com essa estrada de ferro aqui, muito bem, o que que você vai fazer com isso se eu não puder utilizá-la e ganhar dinheiro com ela? Se eu não puder fazer isso é que vai ficar o ônus e como ônus não vai durar também, então eu mesmo vou perder o meu emprego. Então, você tinha que bolar: “O que que vou fazer com isso?”. Mas para eu ganhar dinheiro com isso, eu preciso da componente marítima, eu preciso do marketing, tudo isso. Aí essas coisas foram se juntando até a gente chegar à percepção que aquilo, para ser um negócio, teria que ser um sistema, quer dizer, um sistema de produção que no caso era o ferro mas podia ser outros negócios, razão pela qual mais tarde nós entramos com o problema da Cenibra, com o transporte de madeira e de celulose etc. que alimentavam o mesmo sistema, já que aquele sistema existia para ferro, podia ser usado para outra coisa e mais tarde abrimos o caminho para exportação de produtos agrícolas do oeste de Minas Gerais para ocupar a Vitória-Minas. Mas, já dentro dessa noção de sistema, você tinha produção, você tinha o transporte ferroviário, a manipulação portuária, o transporte marítimo, o marketing, né, onde ele teve um trabalho importantíssimo de criar a subsidiária de vendas no exterior, porque nós éramos até então dependentes de “brokers” que não só vendiam o seu minério com comissões altíssimas, mas manipulavam a navegação a critério deles, quer dizer, o que eles ganhavam na navegação era até maior do que na comissão de venda, OK?

P/1 – Seu Eliezer, conte-me uma coisa, em Curitiba, o senhor acompanhava o que acontecia na Vale, como é que era?

R – Não, tinha a menor ideia do que estava acontecendo na Vale.

P/2 – Então como o senhor entrou na Vale efetivamente?

R – O como eu entrei na Vale, foi quando eu fui visitar a minha família em Nova Era, aí nós tivemos o contato, o pessoal da construção tinha muitos americanos lá, naquela ocasião já em Governador Valadares já tinha a sede da Morrison, a Morrison Knudsen ali, então eu fiz contato com aqueles americanos e me entusiasmei com aquilo. Bom, aquilo, vai acontecer alguma coisa, né, pessoas com uma visão completamente nova de tudo, para primeiros trabalhos de
equipamento pesado no Brasil para construção pesada, tratores, escavadeiras. No Brasil não existia nada daquilo, foi a primeira. Então, quando eu vi aquilo tudo, eu falei: “Aqui é, eu vou ficar aqui! Aqui me interessa”. E daí foi evoluindo para frente, mas foi a influência do trabalho dos americanos na parte de Engenharia de Construção, tanto que eu comecei na Construção. Na verdade, eu entrei para Vale do Rio Doce, não entrei pra Morrison nesse período, entrei para Vale mas já embicado no processo de construção junto com a Morrison Knudsen, né.

P/1 – Qual era essa relação, doutor Eliezer, quer dizer, a Morrison estava...

R – A relação era a minha tipo de funcionar com a própria Vale, mas na verdade, em matéria, funcionava não, era empregatícia era com a Vale, mas eu trabalhava junto à Morrison, né.

P/2 – E nesse momento, a Morrison estava envolvida com a construção e a reformulação da estrada de ferro?

R – Reformulação, aí então que eu comecei a aprender tudo o que eles estavam fazendo. Como eu já falava inglês naquela época, então me facilitou muito o contato com eles. E ali eu aprendi demais, porque você tinha um campo enorme para aprender. Os meus colegas – porque eu tinha vários colegas que trabalhavam –, a maioria deles tomou uma atitude assim de meio política, né, quando você vê um pessoal estrangeiro, fazendo tudo, dominando tudo, há uma, ou você tem duas atitudes: ou você “you enjoy them or you beat them”, se você não consegue, “beat them”, você começa a criar problemas, é, político, né, “americano cretino, bababa, bandido...”, eu: “Bom, pode até ser que seja, mas eu quero aprender o que ele sabe, depois que eu estiver sabendo o que ele sabe, aí eu vou tomar outro rumo”, né? (risos) Eu levei pelo lado de humildade e de praticidade, “Porque eu quero aprender, pô!”, não sabia nada, nunca tinha trabalhado, né!

P/2 – E aí, a atividade sua inicial, efetivamente, foi a...

R – Construção.

P/2 – Da estrada de ferro?

R – Na estrada de ferro tinha tudo, tinha construção de ponte, de linha férrea, tinha todo o tipo de coisa, construção de oficina, Engenharia Portuária, Engenharia de Minas, tinha tudo. E isso, essa familiaridade que eu peguei com todos os setores da Construção naquela época, me colocou em uma posição que me facilitou no futuro virar uma espécie de engineer da companhia, entendeu. Agora, você vê como que é importante essa coisa de aprender, educação, no fundo eu fui educado tecnicamente, o meu começo foi aí. Depois, o Juraci quando entrou na presidência, ele achou que melhor seria me mandar para os Estados Unidos para ver e trabalhar em um negócio que estivesse funcionando e me mandou para os Estados Unidos, foi quando eu estive um período grande lá e voltei. Porque ele queria que a Vitória-Minas ficasse uma estrada igual à Pensilvânia, digamos em modus in rebus, não ficou igual à Pensilvânia, mas ficou a melhor estrada de ferro de bitola estreita que existe hoje em qualquer geografia. E foi feito isso em uma época que não tinha recurso, não tinha nada, né.

P/2 – Nessa época que o senhor se envolveu com essa experiência de aproveitar os dormentes, de reformar a madeira?
R – Essa época já era do tempo em que eu estava na administração da estrada, já é mais tarde, que nós fizemos a primeira usina de tratamento de madeira em Governador Valadares, que era um desperdício brutal de madeira, que apodrecia muito rapidamente e o custo maior na manutenção era o dormente, então nós imaginamos a primeira usina de tratamento de madeira em autoclave, com sais de Wolman que foi montado em Governador Valadares, mas isso já estava na superintendência da estrada de ferro, já era uma coisa administrativa. Como, durante esse período, nós nos metemos em toda a questão de metalurgia de trilhos, que era um dos grandes problemas, o desgaste enorme de trilhos, porque o metal estreita, curvas apertadas, você teria cargas muito pesadas, né, desde a reformulação dos projetos de vagões, sistemas de freio, comprimento do trem, porque você tinha o vagão mais pesado que poderia ser admitido na Vitória-Minas, com a velocidade ideal porque o desgaste do material era em função da velocidade que você iria calcular. Mas para isso você tinha que ter um vagão ótimo, você tinha que ter a metalurgia dos trilhos otimizada, das rodas também para depois determinar o tamanho certo do trem e a velocidade que ele iria correr, tudo isso foi feito naquela época. O que saiu essa coisa inteiramente nova, que foi uma bitola estreita dando, que você vê aquelas coisas que fizeram muitos anos depois na Austrália, mas foram com bitola de um metro e quarenta e quatro, que é a bitola americana, que é simples cópia, aí não foi cópia, você teve que desenvolver você próprio. Então, tem muito trabalho que foi feito pela nossa equipe lá. Os colegas que trabalhavam conosco, e com a colaboração com companhias estrangeiras e tudo, nós não tínhamos complexo, depois dessa minha experiência com americano, eu não tinha mais complexo, naquela ocasião. Hoje não existe mais isso, mas havia uma espécie de complexo de inferioridade com relação a técnicos americanos, europeus; o pessoal nosso ficava tudo acanhado, tudo tímido, eu não tinha nada disso. Com essa experiência que eu tive, você venceu toda, bom, afinal de contas, todos nós podemos aprender isso, é questão de querer fazer, né. Ele fez o mesmo, ele aqui ó!

P/1 – E a mão de obra?

R – A mão de obra era a pior possível, quer dizer, era totalmente não qualificada, a mão de obra, a operativa do equipamento pesado, era toda americana, operador de tratores, escavadeira, era tudo americano.

P/2 – Ah é?

R – É! Naquela época, no Brasil não tinha nada não, absolutamente nada. Você não tinha como achar um operador de escavadeira, ainda não existiria isso; trator, não existia isso, tudo era americano.

P/2 – Quer dizer, os brasileiros no caso da Vale, eles trabalhavam na mina, eram operários?

R – Não, trabalharam na estrada de ferro, operários da estrada de ferro, operário não qualificados. Tinha ainda um resíduo de espanhóis e portugueses que trabalhavam em alvenaria, em coisas de pedra, encontros de pontes, que, aliás, gente de primeira categoria, viu, sobretudo espanhóis, asturianos e galegos que trabalhavam na parte de alvenaria e na manutenção da via, de obras de arte da via. Mas o resto era, tinha os engenheiros que alguns deles saíam das universidades, não tinham experiência muito grande e aqueles engenheiros que foram treinados com a própria Morrison, né, muitos deles ficaram lá depois. OK!

P/1 – Quer dizer, teve até então um trabalho também de formação de mão de obra, uma gestação de obra qualificada.

R – Sim, mas uma das coisas que ajudaram muito a Vitória-Minas, a Vale do Rio Doce foi isso, de ter esta origem de uma grande companhia estrangeira fazendo aquele trabalho todo, que é uma escola de conhecimentos ali, né. Desde de engenharia de projetos de pontes, eu trabalhei com o Russo que era um dos maiores projetistas de pontes nos Estados Unidos, pô, que era engenheiro da Morrison, quer dizer, isso tudo se você quisesse, você teria chance de aprender, se não quisesse também não aprendia nada, como a maioria preferia xingar: “Esse americano bandido, bababaun”. Quem saiu ganhando no fim, ele ou você, né?!

P/2 – Quer dizer, nesse momento havia um grupo de engenheiros brasileiros também dentro da Vale?

R – Havia.

P/2 – E em geral, vindos de Itabira?

R – Não, eles vinham do Brasil inteiro, vinha engenheiro de toda a parte, uma das pessoas que mais trabalhou comigo, que morreu há pouco tempo nos Estados Unidos, é o doutor Gabriel Paes de Carvalho, ele era daqui do Rio.

P/2 – E qual era a relação entre o pessoal que estava construindo a Vitória-Minas e a mina em si de Itabira? Vocês...

R – Bom, os americanos construíram a mina também, né, aí entra uma função que eu tinha como engenheiro chefe, eu tinha acesso à mina também, porque eu era uma espécie de denominador comum de todas, a estrada, do porto e da mina. Então você era um ponto de contato com a mina também, e aí eu aprendi um bocado de coisa, na mina também, a mesma coisa que na operação portuária.

P/2 – Essa noção muito clara de mina, ferrovia, porto e que isso seria o esqueleto já estava clara...

R – Não, mas olha bem, isso não estaticamente, isso dinamicamente constituindo um sistema e não é só mina, ferrovia, porto; você tem a navegação e marketing em cima disso, né, esse é um sistema dinâmico, não é um sistema estático, ele estático não vale nada, ele é um sistema dinâmico. Essa é que é a noção moderna de sistêmica e como ele é mundial, ele é holístico também, ele cobre, o holístico é aquilo que abrange a parte e abrange o todo também. Então, essa concepção de sistemas, é a concepção que você usa hoje para tudo, por exemplo, a logística integrada porta-a-porta, ela surge disso, que é o que é a nossa moderna logística, o americano chama de “supply chain management”, que é o procurement, quer dizer, você pega todos aqueles que te suprem de matérias-primas disso ou daquilo, e você cobre todos aqueles clientes teus que você alcança com os seus produtos, esse é o supply chain management , que é a noção moderna, que nada mais, nada menos do que isso que eu estou falando aí.

P/2 – Então, eu queria entender, quer dizer, essa noção de sistema, como era isso visto, vamos dizer, na época que o senhor entrou, em 1949, depois que o senhor assumiu a superintendência e isso era discutido?

R – Entendi, não, não era discutido não. Aí entra o problema. É o seguinte: para vender as ideias na época, você tinha que mostrar onde você ia vender o seu produto, o seu, que era o minério de ferro, então, a primeira fase mais difícil em que o Juraci e esse Burlamaqui ajudou muito em convencer: “Primeiro nós temos que ter uma estrada de ferro muito boa, senão ela não vai funcionar, senão eu não chego com o meu produto no destino”, né. Então, para quê isso? Para vender mais minérios e aí vinha os planos de produção de minério, que já naquela época nós tínhamos, “Qual é o plano, Dirceu?”. O primeiro do Juraci era de três e nós fizemos um de dez, e Tubarão, já quando foi Tubarão foi pra vinte, original era um ponto cinco, nós fizemos um primeiro plano para dez, aí todo mundo no Rio achou aquilo: “Bom, esse daqui manda reservar um lugar no hospício... esse cretino”. (risos) Bom, mas depois pulou para vinte, aí então foi um pavor total, o doutor Décio que era o presidente, pô, ele: “Isso assim...”. Ele tinha vergonha até de falar nisso, me escondia como se eu fosse um animal perigoso (risos). “Esconde esse cara aí, vai me envergonhar aqui com essa...”. Bom, acabou dando tudo certo, né, porque foi feito um trabalho de venda muito bem feito, apesar das dificuldades qualitativas que você..., esse lump não tinha muito mais mercado para ele, porque a tecnologia evoluiu para novos fornos, né, o oven Hoff(?), por exemplo, que era um forno novo, que não precisava daquele material, podia usá-lo também, mas não era para resfriamento e com esta mudança, e a Vale do Rio Doce começou a ter muito material fino também, então mudou o mercado. Então, começou-se os primeiros exercícios de marketing para você fazer a produção em função do marketing, né, porque todas as coisas que nós fizemos, nós partimos do fim para o princípio, primeiro “o que que eu vou vender”, né, e para vender, ele tem que ter um sistema, depois eu vou ver se eu produzo economicamente para ganhar dinheiro com aquilo, senão eu tô perdido, né, é porque eu vou tomar pau, porque gasto uma fortuna aí e depois não dá certo. É um risco desgraçado que você corria como ficar responsável por uma coisa toda daquela sem uma definição de objetivos e sem resultados práticos nenhum. Então nós corremos ao longo de todo esse período, um risco tremendo como Carajás que foi o maior risco de todos, e ninguém gosta de tomar risco, né, se se, não é só banqueiro brasileiro que não gosta de correr risco não, ninguém gosta.

(PAUSA)

P/2 – Doutor Eliezer, eu queria retomar inclusive o senhor estava falando de um sistema.

R – Isso.

P/2 – E o senhor disse uma coisa muito importante que era assim: “...nós partimos do fim para o início”, então eu queria entender...
R – Partimos de baixo para cima, né.

P/2 – É, e também assim, de buscar logo o cliente para depois construir toda a...

R – É marketing orientation que chama isso, né.

P/2 – O que foi exatamente esse processo? O que foi a promoção de marketing, a conquista desse mercado nesse momento?

R – Bom, aí você já está entrando em uma fase bastante adiantada da empresa, foi já depois do Tubarão, se você quiser já entrar nisso e depois voltar atrás.

P/2 – Não, eu queria entender, para fazer Tubarão foi conquistado isso antes ou não?

R – Não, eu vou dizer porque que nós chegamos a essa cidade. Como eu te falei, nós sentimos em uma determinada época, como o caso do acidente na entrada do canal de Vitória, não podia mais entrar navios, nem navios pequenos, precisava ser dragado e houve uma resistência da presidência da empresa, a dragar Canal, aí nós ficamos desesperados, porque se a gente não pode nem utilizar os navios pequenos, tipo “liberty” que era o que a gente usava na época, o que que vai ser o futuro disso, né? Quer dizer, então aí nós começamos a sentir a importância do sistema, cada vez mais foi consolidando. “Olha, então nós vamos ter que dominar a parte marítima também, porque, senão, você vai ficar em uma dependência.” E essa parte marítima aí, é o caso até de dragagem do canal, tornar as vias de acesso ao porto livres e para navios maiores, os maiores possíveis, tinha um limite porque o porto antigo de Vitória chamado Paul era muito deficiente, tinha delimitação de navios maiores de trinta e poucas mil toneladas, então e mais ainda, a questão do mercado, né, aí os compradores também não queriam comprar porque os navios não tinham garantia que seriam carregados no tempo, não tinham garantia nem que entravam no canal de Vitória. Aí eu: “Bom, nós mesmos temos que resolver esse problema e como vamos vender esse material no futuro?”. Você vê que a noção de sistema foi se consolidando assim, entende, até você chegar à conclusão: “Bom, para esse negócio funcionar, eu tenho que construir um sistema. Esse sistema é uma noção que foi chegado no aprendizado do processo”. Porque nós não tínhamos experiência nenhuma de mercado naquela época, aprendemos com esses erros, quer dizer, é aquele negócio de você transformar um obstáculo em vantagem. “Bom, já que eu estou aqui, eu vou aprender isso também.” Chinês gosta muito de dizer isso, né, que é transformar obstáculo em vantagem. Bom, então aí é que ele disse, fazer isso naquela época, ele até disse que gosta de enfatizar isso, que ele viveu muito esse problema nesta fase e na fase seguinte, que é a fase da conquista, a grande conquista de mercado. Você fazer isso em uma época, em que o Brasil exportava, se eu não me engano, um bilhão de dólares ou uma coisa parecida, falar em milhões de dólares para consertar porto, para fazer porto novo, era uma loucura falar uma coisa dessa. É aquilo que ninguém entendia, o alcance disso. Foi aí que nós encontramos um homem que nos deu um apoio, porque era um homem inteligentíssimo, que foi o doutor San Tiago Dantas, que era o ministro da Fazenda na época. Ele, eu fui lá um dia para ele, e disse, nessa altura eu já estava na presidência da Vale.

P/2 – Então nós estamos falando de 1962?

R – 1961.

P/2 – Foi assim que o senhor assumiu a presidência da Vale?

R – É, logo que eu assumi a presidência da Vale é que eu... Ele era ministro da Fazenda do João Goulart, naquele tempo era o governo de João Goulart, então ainda tinha esse problema, ainda negativo, né, o governo João Goulart mundialmente era um governo desmoralizado, e quando nós assinamos o primeiro grande contrato com o Japão, o presidente do Ex-Im Bank, nos Estados Unidos, eu fui lá pedir um empréstimo, ele deu três..: “Olha, o seu país não tem crédito, a sua companhia não existe...”, que era uma porcariazinha de um programa nosso de exportação, era um milhão e meio, embora, naquela época, exportava já uns quatro milhões, três a quatro milhões, para eles no Ex-Im Bank... e terceiro: “Eu não acredito nessas companhias japonesas de aço”. Então, eu não tinha mais nada que fazer, pô, e aí eu cheguei aqui, o San Tiago Dantas deu o apoio total: “Não, nós, eu acredito nesse projeto, nós vamos fazer de qualquer maneira”. E nos ajudou a resolver a equação financeira, isso já no caso de Tubarão, mas eu estou mencionando tudo isso para te mostrar o seguinte: até você consolidar uma filosofia de um negócio..., porque, hoje, qual é o maior problema? É você bolar um negócio novo, né, porque o mundo de hoje é tão complicado, tem tanto, que tipo de negócio que você vai poder bolar e vencer com ele, não é uma coisa fácil. Naquela época, era muito mais difícil porque você, além de estar dentro de um ambiente que não tinha essa percepção, é uma coisa virada para o exterior, em um país que não exportava nada, o Brasil exportava um bilhão de dólares ou coisa assim, é, eu vou até verificar esse número, quanto o Brasil exportava em 1961. Exportava quase nada, então você virava, ninguém se incomodava com exportação, pô, vendia café, era quase só café. Então, você entrar com um produto de baixo valor, que precisava de investimento grande e em grandes quantidades para se tornar economicamente viável, era uma odisseia chegar em um negócio desse e foi conseguido, viu, quer dizer, aí foi uma tenacidade incrível, conseguir vencer esse obstáculo, um atrás do outro, até chegar lá, quer dizer, isso não surgiu sponte sua assim: “Bom, estamos aqui!”. Nada disso, não, viu. É, tanto que daí o valor que tem o histórico das coisas, você vê através da história como é que nada é construído ou realizado sem dor, ou sem um processo de luta, tem luta de todo tipo, nada se faz sem isso. E eu acho que isso amadurece os homens, né, aquele negócio do Dante Alighieri: “L'uomo non educato dal dolore rimane sempre bambino”. Hã, um homem que não foi educado pela dor”, a dor aí no sentido geral de sofrimento, “fica uma criança a vida inteira”. Para amadurecer, você tem que passar por isso, entende, isso nos preparou para o Carajás, que foi o grande salto, que na verdade, o Tubarão, a origem da Companhia do Vale do Rio Doce é o Tubarão, porque até então era uma porcariazinha de uma companhia que não valia nada, tinha estrada de ferro, não tinha mais nada, né.

P/2 – Quer dizer, então, nesse momento que o senhor assume a presidência, o senhor é superintendente, voltando cronologicamente, a Companhia Vale do Rio Doce ainda era um...

R – Não era nada, absolutamente nada. O grande salto foi dado no Tubarão, porque no Tubarão você saltou de uma porcaria que nós tínhamos, exportava uns quatro milhões e não podia ir muito além disso. Embora isso já estivesse nos planos de dez milhões e tudo, mas tínhamos quase certeza que se não investíssemos no porto antigo, para investir em um porto antigo para atingir um mercado limitado. Eu não iria vender a tonelada que eu precisava de vender, porque eu tinha que ir nos mercados mais distantes, e o mercado mais distante era o Japão. E para atingir o mercado mais distante, eu tinha que ter navios grandes e navios grandes com capacidade de versatilidade para trazer petróleo de retorno. Aí então entrou em uma concepção nova, não só na escala de navio, para qual você não tinha umas chapas grossas de aço para construção naval, você não tinha “chip design”, que não existia na época. Então é uma aventura louca, só que o Japão que tinha necessidade de reconstruir a indústria siderúrgica, que ninguém queria ajudar, porque aquilo estava muito intimamente conectado com o problema de guerra. Então, o mundo ocidental não queria ajudar o Japão. Bom, eu vi ali uma grande chance estratégica, daí veio o negócio do pensamento estratégico, né, de você aproveitar aquela necessidade deles com a nossa de vender, que eu não tinha, o único mercado que eu tinha era aqueles e eles tinham aquelas dificuldades. Então, eles assumiram riscos que normalmente não assumiriam, esse de construir navios novos e portos, porque porto é como tango, você dança tango sozinha? Não dança, né! Você tem que ter um lá e outro cá, então eles construíram quatro portos, nós construímos um.

P/2 – Para receber ele...

R – Para receber o material daqui, quer dizer que isso deu um grande salto, aí dez milhões passou a ser uma brincadeira, vinte milhões passou a ser uma brincadeira, que só o primeiro contrato japonês foi, cobria quinze milhões.

P/2 – Como é que foi feito esse primeiro contrato, inclusive, o primeiro contato, quer dizer, o senhor teve a percepção do Japão?

R – É, bom aí também...

P/2 – O que aconteceu assim mais forte?

R – Deixa eu te explicar como é que aconteceu isso. Primeiro, as companhias japonesas, tradings japonesas que estão aqui. Começaram elas próprias aproveitando os navios liberty, que faziam comércio geral para o Japão, começaram a aproveitar aqueles navios para fazer cargas experimentais e descobriram que a qualidade do minério era muito boa, mas que era economicamente inviável, aí foram os primeiros contatos que a gente teve com o Japão. Aí nesse ponto, a Nissho Iwai é uma empresa aqui, ela foi a primeira que abriu esse caminho, que nos deu uma luz com relação à qualidade do minério e siderurgias que estavam emergindo, que era o caso do Japão, que estava tentando emergir, né. E agora, pô, mas um navilzinho que levava menos de dez mil toneladas, não adiantava nada para nós, né, como chegar a grandes quantidades, aí teria que fazer uma mudança enorme. Bom, aí nós mobilizamos vários amigos japoneses que a gente conseguiu fazer através do tempo e tal, e fomos nos orientando com relação ao Japão, até que fomos lá pela primeira vez para...

P/2 – Foi a primeira vez que o senhor foi lá?

R – Foi em 1961.

P/2 – Quer dizer, no mesmo ano em que o senhor assumiu a presidência?

R – No mesmo ano eu fiz essa... e daí por diante a coisa foi evoluindo para a construção do porto, aí eles mandaram uma missão para cá, porque também havia interesse deles, né, pelas razões que acabei de expor, queriam reconstruir a siderurgia depois da guerra. Mandaram uma missão para cá, para estudar, ajudar a gente na questão portuária, que com o nosso pessoal, e aqui trabalhou ele muito nisso, acharam o Tubarão como o lugar provável, possível para fazer um ponto bom. Quando estudava outras localizações, por exemplo, como na Foz do Rio Piraquê, no Espírito Santo, foi estudado outras localizações, mas se decidiu fazer no Tubarão porque a necessidade mínima era de navios de cem mil em uma época que o maior navio do mundo era trinta e cinco mil, então...

P/2 – Quer dizer, foi feito um estudo inclusive financeiro que esse era o mínimo que poderia tornar o negócio viável...

R – Tudo! Claro que foi feito análise, simulações de todo tipo mostrando o navio mínimo, o frete de retorno com o petróleo do Golfo, tudo isso é estudado. Aí nós tivemos um apoio muito grande japonês, técnico né, nós não tínhamos muitos técnicos para garantir um navio desse novo, que ia funcionar, aí o Japão ajudou pra burro nisso. E claro, o porto foi entregue exatamente na cronologia combinada. Em 1976 o porto foi entregue, isso deu, 1966, é, e aí foi, o Japão criou uma grande confiança, porque afinal de contas, em um país onde para eles ninguém respeita relógio, você entregou um negócio daquelas dimensões certinho na época, e com o apoio financeiro que nós tivemos de San Tiago Dantas, porque não tivemos um tostão de empréstimo no estrangeiro.

P/2 – Quer dizer, então, foi um governo brasileiro que acreditou?

R – Foi, foi seu San Tiago Dantas, o grande homem nesse campo aí, sem o apoio do qual você não teria feito isso. Esse foi uma das pessoas que mais nos ajudaram nesse período, porque sem a firme determinação dele, que era um homem de visão, extremamente inteligente. Ele percebeu logo a importância disso, mas percebeu logo, quer dizer, é uma pessoa muito inteligente, tem essa vantagem. Mesma coisa que você ler de luz acesa, né, você enxerga tudo rápido. Ele tinha capacidade de decisão, que é outra coisa importante, a pessoa que decide, não fica baratinando blá, blá, blá, tem dúvidas. É um homem que tem autoconfiança, ele sabia o que queria, sabia, pelo contrário, ele se tornou um grande entusiasta, o grande, ele considerava o Carajás, a grande obra da vida dele, pô, o apoio que ele deu e aquilo tudo e acompanhava, a par e passo todo o processo, né.

P/1 – As soluções boladas para esse acordo, cumprimento do contrato, elas têm umas soluções inclusive inéditas mundialmente, né, a grande parte...

R – Claro, por exemplo, nunca tinha havido um contrato a longo prazo de matérias-primas, esse primeiro contrato foi feito a longo prazo, contrato a longo prazo, quinze anos, né? Cinco milhões por ano, vinte anos, né. E mais ainda, nós descobrimos na época que para você fazer o sistema, esse sistema já estava na nossa cabeça, tinha que ter sua frota própria. Hoje, isso já não é tão importante, mas na época era absolutamente necessário, aí fundamos a Docenave, que quarenta por cento foi vendido CNF, entregues no Japão, que foi uma demonstração de confiança nossa também na solução para os navios, para tudo, né, então nós vendemos quarenta por cento de CNF, e fundamos a Docenave, foi fundada naquela época. Depois de assinado o contrato com o Japão, que são inovações, o tipo de contrato foi totalmente novo, não existia nada daquilo, os navios concebidos para o processo foi a maior revolução, isso sem nenhuma exuberância tropical, eu não sou muito de hiperbolismo tropical não, mais isso aí foi, sem nenhum exagero, ele pode confirmar aqui, foi a maior revolução na navegação mundial. O curioso no Brasil é que eles não dão importância a esse tipo de coisa porque não enxergam isso, nem hoje eles não enxergam, o Brasil não é um país que tem um weltanschauung, que ele vê o mundo como um todo, não vê, fica, visão de dentista que é para baixo e para dentro né, (risos), não, é verdade, eu não tô criticando isso, é uma... Olha, toda revolução na construção naval surgiu daí, de trinta e cinco mil toneladas nós passamos para cem mil, de cem mil passamos para trezentos mil. Tubarão hoje recebe navio de trezentos e cinquenta mil e Carajás de quatrocentos mil, e não foi só de graneleiros. Nós fundamos a primeira frota de graneleiros, petroleiros, quer dizer, o navio que leva minério e traz petróleo, depois cargas combinadas também surgiu desse negócio e os Tankers, é claro, Tankers chegaram a quinhentos mil toneladas, aí parou-se, a escala teve um limite porque aquele negócio do porto. Nós tivemos que fazer porto na Iugoslávia, o general marechal Tito, que veio aqui, eu, aliás, fui carimbado com o negócio de falar russo com ele e tal e me botaram como comunista também somando-se àquelas outras coisas. Então, fizemos um porto na Iugoslávia em Bakar, totalmente por conta do governo iugoslavo para atingir o centro da Europa e Rotterdam na parte de granéis. O grande Rotherdam em granéis surgiu das companhias que eram clientes nossas, quer dizer, foram função disso e os desenvolvimentos na Austrália anos depois são totalmente copiados disso, tudo foi copiado disso. Então você vê, a maior revolução marítima de transporte marítimo de granéis do mundo, a revolução portuária, porque os postos, totalmente um design moderno, com completa tec... diferença no layout do porto, as taxas de cargas e descargas com a modificação global na economia mundial. E para o lado japonês isso representou praticamente a abertura do Japão ao comércio mundial, porque o Japão passou a importar matérias-primas, passou a ser economicamente acessível ao mundo inteiro, por causa da escala dos navios, compreendeu. Quer dizer, daí a grande apreciação que o japonês tem conosco, não é porque tem olho azul ou coisa parecida, é porque eles se beneficiaram também enormemente disso, como nós também. E aí como dizia aquele filósofo da Barra da Tijuca: “O negócio para ser bom, tem que ser bom para os dois, do contrário não é negócio”. É monkey business, tá bom. (risos)

P/1 – E as transformações, quer dizer, entra a parte do porto e a parte marítima, quer dizer, a ferrovia, a mina, isso teve que acompanhar esse processo todo de transformação?

R – Mas é claro, porque aí vem o negócio de sistema, para funcionar esse sistema tem que ser tudo coordenado, né, uma perna ligada na outra, que é ligada na outra, que é ligada..., tudo isso funcionando, ah, com a seguinte condição: “Eu posso até perder dinheiro nas pernas, mas ganho no conjunto, pô”. Hoje, por exemplo, algumas das pernas como navegação, muitas vezes é mais barato contratar armadores terceirizados, com armadores mais eficientes do que a gente, tudo isso é terceirizado também, mas a noção de sistema ela ficou, ela ficou e vingou hoje. Toda a noção moderna de Logística é isso aí, né, eu não tô querendo puxar a brasa para minha sardinha, não se trata disso não, mas isso é verdade, pô. Aquilo foi feito em 1962, que hoje é todos esses Peter Drucker não sei o quê, é todo esse pessoal fala, todo esse blá, blá, blá é que no fundo é isso aí, pô, não fizeram nada, eles escrevem sobre coisas que eles nunca fizeram. Não tô querendo passar por cima disso não, mas é uma história interessante por essas razões. Agora, quem é no Brasil que você conhece que avalia as consequências disso sob esse ângulo? Muito pouca gente. Agora, o pior não é isso, o pior não, o melhor não é isso, as consequências dessa confiança criada entre o Japão e o Brasil geraram, a não ser Usiminas que já foi feita pelo Juscelino antes, né, geraram a Siderúrgica de Tubarão, as usinas de peletização, que para os japoneses é o Tubarão, várias companhias de mineração é que como a mineração serra geral com a Kawasaki, a Albras-Alunorte que é o projeto de alumínio, o projeto da Cenibra, tudo veio disso daí, da confiança que foi criada com o Japão. Quer dizer, alguém já analisou o fallout, as consequências de um negócio como esse? Que você criar uma cadeia de confiança, essa que gerou essa grande colaboração Brasil-Japão, então muita gente fica para mim: “Ah, por que esse camarada aqui tem prestígio no Japão?”. Não é prestígio de Japão gratuita não, tem essas consequências que eu tô lhe falando. E todos os projetos que nós fizemos conjuntamente funcionaram e estão dando lucro aí, todos eles, inclusive Carajás. Então, essa análise é que merecia um capítulo à parte disso aí, viu, porque afinal de contas, não é só exportação de minério de ferro que está em jogo não, isso aí é um processo econômico da maior importância com a segunda maior nação do mundo industrial e de hightech, o Japão não é exportador de bananas não, o Japão é um país de hightech, então esse negócio, essa cadeia tem uma importância tremenda. É tanto que nós estamos tentando fazer uma nova aproximação, você leu aquele artigo que eu lhe dei sobre, leu aquilo? Ali tem sobre isso, mais ou menos lá feito de uma maneira...

P/1 – São os acordos, né, com o Japão.

R – Não aquele Brasil-Japão, aquele artigo Brasil-Japão que saiu na Gazeta Mercantil.

P/1 – Não, são os novos acordos com o Japão, um artigo também, mas acho que era do Estadão.

R – Não, eu tenho, eu posso te dar uma cópia disso, é muito bom ter isso aí, eu acho que dei para Rosana, ela tem a cópia disso, eu te mando outra cópia, que lá tem um resumo dessa coisa toda e tem um comentário do Márcio Moreira Alves, no Globo do dia 18, já viu ou não?

P-1 – Ah, esse eu não peguei.

R – Sobre isso, eu te dou cópia disso aí.

P/1 – Doutor Eliezer, e as transformações políticas, quer dizer, o San Tiago Dantas, mais depois o senhor teve toda uma conturbação aí de... o projeto foi ameaçado em algum momento?

R – Tem, aí é o seguinte. Não, o projeto felizmente não, né, porque o meu sucessor foi o doutor Paulo Vieira, é um homem muito correto, engenheiro, ele percebeu isso e foi muito leal comigo e com tudo. Que de lá eu quase que fui cassado e escapei da cassação e doutor Antunes, que foi o homem que mais me ajudou aí nesse período, me convidou para presidente da MBR, uma companhia que ele fundou e na qual geramos esse projeto da Sepetiba, esse projeto da MBR, da Caemi, aquilo foi fundado por nós também, já com essa experiência adquirida antes.

P/2 – O Tubarão.

R – O Tubarão e tudo. Quer dizer, e nesse meio tempo, o Paulo Vieira deu sequência às coisas lá, quer dizer, eles inauguram o porto em 1976, em 1966, eu não estava na presidência nessa época, estava lá na presidência da MBR. Em 1968, 1967, o doutor Dias Leite foi para presidência da Vale, já era no governo do, quem é... Médici, né... Era Costa e Silva, e aí Dias Leite me convidou para ir lá para a Europa, porque ao Paulo Vieira sucedeu o Oscar de Oliveira, é um outro engenheiro também, que deu continuidade e tudo, mas o mercado da Rio Doce começou a se desmanchar e etc., e ele, então, o Dias Leite, assumiu a presidência da Vale do Rio Doce e nos convidou para ir ajudá-lo a reconstruir o mercado da Europa.

P/2 – Por que o mercado começou a cair, por falta de prospecção?

R – Por falta de confiança na Vale, né, porque embora eles tivessem tentado, continuar aquilo que estava sendo feito e tudo, isso não é suficiente, aí entra o negócio da motivação, os objetivos da empresa, entra os problemas de management, né, mas não houve aquele drive de você..., e a gente sentiu que esse drive é muito importante, né, e resolveu retomar o espírito antigo da empresa, que gerou o Tubarão etc. Quer dizer, ele era um homem de muito valor, viu, um grande, uma cuca privilegiada, um homem que trouxe um benefício danado à Vale naquele período, porque ele era o presidente e deu um apoio muito grande à parte externa, aí você entrou em um período em que, embora a gente tivesse lá fora, tinha um apoio muito grande aqui, porque nós não tínhamos no tempo que estava em Vitória e não tínhamos apoio aqui no Rio, ou tinha um apoio muito restrito. Quer dizer, a gente deu um grande impulso à empresa dando esse apoio externo e tomando várias medidas inteligentes dentro da empresa. Então esse é um período, quer dizer, nós estamos indo para frente demais, acho que tinha que voltar um pouco atrás para, porque tem muita coisa importante aí antes, né?

P/2 – Eu acho que tem que aprofundar coisas anteriores ainda, né.

R – Quer fazer uma pergunta qualquer aí?

P/1 – Eu tenho uma pergunta: como foi a sua entrada na presidência, como é que isso aconteceu?

R – Bom, a entrada da presidência, foi o San Tiago Dantas, o homem responsável por quase tudo isso. Ele, não só na presidência, mas me levou a ministro de Minas do Jango, foi o San Tiago Dantas que me levou para o Ministério, mas aí na presidência da Vale quando o Jango, o Jânio Quadros tomou posse, quem me deu uma mão muito forte foi o João Agripino que era ministro de Minas e Energia na época, já ouviu falar em João Agripino?

P/2 – Já!

R – Era um ministro da Paraíba, não sei o quê. Ele fez uma viagem lá, viu aquilo tudo e achou: “Pô, isso aqui não pode parar, né!”. Quer dizer, ele era um homem, talvez não fosse, não tivesse um brilho intelectual do San Tiago, mas ele tinha, era um homem de decisão, determinação e uma vez compreendido um programa, ele levava aquilo até o fim. Quer dizer, esse tipo de homem é o que faz muita falta no Brasil, né, um sujeito que tem a determinação e tem coraggio de fazer, não é coraggio no sentido napolitano, você conhece a definição napolitana de coragem?

P/2 – Não! (risos)

R – Coraggio è l’arte de aver paura senza che la gente se ne accorge, né, é a arte de ter medo sem que o pessoal perceba. (risos) Bom, vamos voltar lá.

P/2 – Então ele tinha coraggio de verdade.


R – Ele me levou para o Jango, João Goulart, né.

P/2 – Para o Jânio!

R – É o Jango foi, o Jânio, nesse tempo era o Jânio Quadros.

P/2 – Já era.

R – Aliás, o último dia que ele esteve visitando lá o Tubarão, é que no dia seguinte ele renunciou.

P/2 – Ah é?

R – É! O Jânio era meio biruta, né, ele tinha aquelas coisas, mas ele entendeu o negócio e não incomodou.

P/2 – Não deu muita força, mas ficou lá?

R – Não, é como o americano que trabalhava comigo, o Simpson dizia que ele “não cheira, nem fede”. (risos) Não atrapalhou ninguém.

P/2 – Mas o San Tiago Dantas entrou com o Jânio?

R – Entrou com o Jânio.

P/2 – E o João Agripino também, e eles estiveram lá e convidaram o senhor para presidência, foi isso?

R – Não, não, o Agripino me convidou no tempo do Jango, do Jânio.

P/2 – Assim que o Jânio entrou...

R – Aí o Agripino caiu e entrou o San Tiago. O San Tiago é que foi a grande figura, porque o Agripino apenas me levou à presidência, mas ele não teve nada a ver com Tubarão, Tubarão quem teve foi o San Tiago.

P/2 – Tá, então o senhor se tornou presidente e aí levou a ideia de Tubarão?

R – Levei, porque o San Tiago se entusiasmou com ela, pagou para ver, né, falou “esse cara aqui tá falando cobras e lagartos, vamos ver se isso funciona”. Ele acreditou naquilo, ele acreditou topiamente naquilo e funcionou como relógio, só sinto que ele não tenha visto funcionar, porque ele morreu antes. Foi uma grande figura, viu, é desses brasileiros que você vê em cada geração talvez, faz uma falta danada.

P/1 – O senhor foi o primeiro do quadro de funcionário a chegar a presidente, né?

R – É, eu fui o primeiro.

P/2 – Como isso foi visto internamente?

R – Bom, internamente você tinha um apoio muito grande de todo o pessoal, né, como todo lugar, você não tem unanimidade, você tinha sempre um pequeno grupinho que também queria fazer a mesma coisa, como é aquela definição italiana de oportunista, é o cara que faz na frente aquilo que você gostaria de fazer. (risos) Eles aí, um grupinho lá que não tinha a menor ideia, nem nada, mas digamos noventa por cento, né, Dirceu, total, né. Primeiro, que foi uma espécie de, como era um trabalho de equipe, não era uma pessoa que estava em jogo, aquilo, todo mundo se sentiu valorizado, essa é a vantagem de você trabalhar em equipe, todo mundo sentia que estava participando de um processo. Você poderia mais filosoficamente dizer: “construccióne de una catedrale”. Eu não tô fazendo um botequim de concreto, eu tô fazendo uma catedral, pô. Então, todo mundo sentia que participava daquele processo aí e foi um apoio total do pessoal.

P/1 – O senhor trabalhou junto com eles...

R – Junto, exato, né! E nós sempre procuramos aproveitar o pessoal da casa. Depois, mais tarde, treinando-os fora, trazendo gente de fora, aí houve sempre muitas reações. Ao tentar trazer gente de fora para educar o pessoal, o pessoal de dentro, é da natureza humana, o sujeito repele um corpo estranho mesmo que queira, que ele reconheça que ele está trazendo benefício. Nós trouxemos uma vez um hindu, o barbudinho, pouco simpático, mas muito competente, aí desmoralizam o hindu chamando ele de “marajá da Brahma” (risos), ficou conhecido, por mais ciência que você tivesse, ninguém acreditava que ele...

P/2 – Ninguém conseguiu levar a sério.

R – Ninguém levou a sério. (risos)

P/2 – Essa parte até técnica de apoio externo, de fazer e desenhar navios, que não havia esse tipo, foi feita como? Com que tipo de apoio técnico?

R – Bom, aí entra a figura de um famoso, talvez o maior do mundo, um designer japonês. Foi o famoso doutor Shinto, esse Hiroshi Shinto, ele foi presidente da estaleiros da Nagasaki, que na época era desse Ludwig, esse Daniel Ludwig, né, e ele é que foi responsável por esse designer dos navios todos. Então era aí, o Japão entrou com a colaboração extremamente importante, né, e a indústria japonesa, através de pesquisas de todo tempo, vieram fabricar chapas navais grossas para os navios grandes que não existiam na época, né, esses primeiros navios. E o Japão já naquela época, despontava tecnologicamente como melhor potência naval do mundo, já naquela época, né, depois evoluiu mais ainda. Você vê os estaleiros japoneses até pouco tempo, agora que os coreanos estão tomando, porque o Japão está se desinteressando de estaleiro como negócio, e os coreanos estão tomando esse terreno, mas o Japão até pouco tempo era o país por excelência de construção naval, aqui acabou tudo, aqui não tem mais estaleiro não.

P/2 – Quer dizer então, todo no know-how e a tecnologia, a mesma produção foi feita lá?

R – Foi feita lá, né, é claro que... aquilo...

P/2 – Os engenheiros brasileiros participaram de alguma maneira, quer dizer, em que isso influiu na criação da Docenave?

R – Bom, a Docenave incluiu pelo lado comercial, a concepção foi comercial, não foi de possuir navios, no know-how de produção não, foi comercial. Quer dizer, você dominar aquela perna marítima, né, então aí nós tínhamos que estar na agência para operar os próprios navios e tudo, que aliás foi um grande negócio durante muito tempo. Até que nós começamos a perceber que em algumas circunstâncias, nós não competíamos com os armadores independentes, que como a Docenave não era exatamente uma armadora, quer dizer, ela não disputava frete no mercado mundial, ela disputava, validava para ela a maioria dos contratos. Era uma comparação que você faz entre o pequinês, o lulu de madame e o pitbull, armadora é um pitbull e que o recebe o contrato pronto é o lulu (risos), não tem que fazer nada, o outro tem que defender a comida dele todo dia, então tem que se virar, né, quarenta por cento CIF era só fazer navios né, OK, acho que, falei demais né?

P/2 – Nós estamos na primeira parte do primeiro capítulo, tá?

R – Ah, tá bom...

P/1 – O senhor passou pelo Ministério também, seria interessante vincular a relação do Ministério com a Vale, como é que foi essa política energética desse movimento?

R – Bom, a política energética do governo na época era..., o governo tinha um nacionalismo um pouco doentio na época. Quer dizer, primeiro com os recursos naturais, ele tinha um pensamento bastante diferente do que hoje, né, que adianta você ser um dono de uma matéria-prima que você não sabe ou processá-la ou não sabe utilizá-la no benefício da comunidade. Então você tem que ser muito mais, divisão muito mais ampla, né, de primeiro aprender a trabalhar aquela matéria-prima, acrescentar valor a ela e vendê-la competitivamente em vez de começar a xingar qualquer estrangeiro que queira desenvolver aquilo. Você está trazendo conhecimento, valorizando produto, criando emprego, por que não, né? Isso melhorou muito aqui nessa época. E, naquela época, havia um nacionalismo muito exagerado, um pouco por causa do Artur Bernardes que defendia os minérios de ferro daquela..., grande parte da politização da mineração surgiu com o negócio do Artur Bernardes, né, com ferro de Itabira, né. Mas, acho que isso hoje, depois da Lei da Informática, que foi uma das leis mais burras que surgiram nesse planeta. Talvez lá em Júpiter ou Plutão tenha alguma coisa pior, mas a Lei de informática, você taxa a inteligência e beneficia a burrice, nunca vi isso (risos), jogou o Brasil vinte, cinquenta anos atrás, pô! Hoje nós estamos aí engatinhando para tentar..., qualquer “cucaracho” da América Central tem três por um o grau de informatização da sociedade, guatemalteca, três para um, quer dizer, para cada três guatemalenses, tem um que sabe usar computador. O Brasil, pô, está três vezes menos do que isso, né, é o fim do mundo isso, daí o atraso que nós chegamos aqui, agora que está entrando isso por causa da Lei de Informática, até hoje você vê, setenta por cento do equipamento de informática no Brasil é contrabandeada, eles têm o que eles chamam de intrabando, que é um contrabando interno, é um negócio incrível, são essas coisas que nós descobrimos aí com essa lei... Eu me lembro dessa lei, eu mesmo cheguei a acreditar que tinha coisa séria naquilo, resultado. Eles quiseram fazer um projeto de hardware, que hoje é commodity, hoje computador é commodity. Aliás, daqui a pouco o computador vai desaparecer, esses telefones novos aí do Japão já têm o I-mode, que você tem acesso à Internet, transmite dados, transmite vozes, imagens, tudo no seu celular, agora com esse sueco que vai sair da Ericsson, você tem acesso garantido à Internet com dados, com tudo, com imagens, com voz, com tudo. Por que você precisa mais de computador, pô? O computador está virando comodidade obsoleta, é gozado, você vê como é que o mundo vai depressa, é como diz esse poeta que eu te falei, lá da Barra da Tijuca, ele diz que: “Jacaré bobeou, amanheceu bolsa”. (risos)

P/2 – Quem é essa poeta da Barra?

R – É uma figura abstrata!

P/2 – Mística.

R – Bom, já está dando a minha hora, tá bom.


Projeto Memória Vale do Rio Doce
Depoimento de Eliezer Batista (Parte 2)
Entrevistado por José Carlos Vilardaga e Rosana Miziara
Rio de Janeiro, 05/05/2000
Realização Museu da Pessoa
Código: CVRD_HV002
Transcrito por Ronaldo Ventura Souza
Revisado por Joice Yumi Matsunaga

Então, seu Eliezer, a gente tinha encerrado a primeira parte da entrevista naquele momento de transição do senhor entre…

R – Da fase heroica que foi a construção da Vitória-Minas para a fase seguinte que é a construção de Tubarão, que surgiu no tempo em que eu já estava na presidência. Eu fui presidente da Vale no governo de Jânio Quadros e depois vim para o Rio. Quando o Jânio caiu, depois veio o João Goulart, e nessa ocasião o San Tiago Dantas que era ministro da Fazenda do João Goulart me levou para o Ministério de Minas e Energia, mas nessa parte nós já tínhamos projetado o Tubarão, o projeto Tubarão, que era, está muito bem expresso naquele artigo, então talvez não precise falar tanto porque está muito bem expresso naquele artigo ali, aquele da Gazeta Mercantil. E aí a Rio Doce tinha um programa anual que veio do Geraldo Lopes Magalhães de um milhão e quinhentas mil toneladas, mas nós já estávamos nesta altura com mais de três milhões ou quatro milhões, por aí, mas que era muito pouco ainda. Minério de ferro é um produto de baixíssimo valor, muito abundante e nós tínhamos ambições de dar escala para tornar aquilo viável economicamente, mas a infraestrutura não dava, havia problemas no porto de Pela Macaco lá,

Paul e a empresa, que a sede era no Rio, mas todo o planejamento vinha de Vitória. Era naquela ocasião que eu era superintendente da Vitória-Minas lá em Vitória, e o planejamento vinha de lá, mas com muita luta e tudo, a gente conseguiu acabar a construção da ferrovia, inclusive, o seu empedramento, quer dizer, o lastreamento da via permanente que era o ponto fraco da ferrovia e que conseguimos tecnicamente transformá-lo. Ali foi outra vitória também, de demonstrar como que uma ferrovia de bitola métrica poderia ser competitiva com ferrovias de bitola normal, que é um metro e quarenta e quatro, mas isso foi o desenvolvimento de vários itens que foram: metalurgia de trilhos, metalurgia de rodas, vários itens, tipos de vagões, tamanho de trem econômico, provocando o equilíbrio entre o desgaste do material rodante, o desgaste de rodas e tudo, não só para tornar a coisa eficiente mas economicamente viável, com todo o pensamento econômico, predominou em todo esse processo, então o impulso para crescer a Vale do Rio Doce foi muito mais para o lado do pensamento econômico. Isso é muito importante e nessa ocasião a gente já começou a desenvolver o aproveitamento das terras que a empresa tinha ao longo da linha plantando eucaliptos e tudo que deu também, porque somos os inícios do movimento ecológico dentro da empresa. E, com isso, começamos a tomar interesse por estes problemas ambientais em certos ares, ainda de Vitória, mas indo para a presidência, então nós tivemos a chance de começar a pensar primeiro em dar um salto quantitativo, porque senão nós estávamos fora do mercado mundial e a opção que nós tínhamos: ou crescer ou desaparecer, e aí encontramos uma reação positiva no Japão que estava lutando para reerguer a siderurgia japonesa naquele período pós MacArthur, que ainda acho que era conotado como indústria bélica, então havia um movimento mundial contrário dos países subdesenvolvidos contra o reerguimento da siderurgia japonesa e então encontramos um aliado. Então, a junção dos interesses japoneses, pois eles reergueram a siderurgia com o nosso desespero de achar mercado para nosso produto, ou seja, deu origem a Tubarão. Para ser viável a siderurgia da Vale do Rio Doce com o Japão, o Japão era oposto a nós em distância, então você tinha que ter navios de grandes dimensões e, além disso, ter versatilidade o suficiente para trazer de retorno o petróleo do Golfo, porque o Brasil importava muito petróleo da Arábia Saudita, do Kuwait, do Golfo Pérsico, e aí foram concebidos esses navios, todos versáteis e houve essa grande..., Tubarão foi construído graças ao apoio do San Tiago Dantas, que era ministro da Fazenda na época, porque ninguém acreditava naquilo, aquilo foi considerado uma insânia total.

P/2 – Mas esse desespero, quer dizer, era uma coisa que vinha do senhor, da Vale?

R – É, da Vale, vinha da Vale.

P/2 – E a Vale impulsionava o governo para? O movimento era esse?

R – Impulsionava o governo. O San Tiago Dantas recebeu isso e reagiu, porque ele era um homem extremamente inteligente e percebeu que aí tinha um item de grande importância para a economia do país, e o Brasil já naquela época, que não exportava quase nada, tinha problemas de divisa,

porque a economia na época era só café. Então, já havia o pensamento de diversificar a economia e ele se agarrou nisso e deu total apoio e foi construído Tubarão, quer dizer que foi um grande salto da Rio Doce, sair de uma companhia insignificante para uma companhia de escala, vamos dizer, mundial não era ainda, mas já com condições de massa crítica suficientes para sobreviver e competir. Então, você abriu novos mercados, abriu também mercado para outros produtos de minério que já começavam a aparecer, porque os minérios originais que eram usados para curing, aqueles blocos de minérios, lump que eles chamam, que eram usados para curing nas aciarias isso aí que estava sendo substituídos por minérios finos e tudo, que era um problema para nós também. Tudo isso se somou naquela época e a gente saiu com os primeiros contratos a longo prazo, fundou-se a Docenave, foi fundada, nós tivemos o cuidado de vender já quarenta por cento CIF, quer dizer, isso deu razão para você criar a Docenave com o mercado pela frente, e aí veio a noção do sistema. A Vale do Rio Doce foi concebida como um programa de logística e não de mineração, a mineração alimentava a logística. Quer dizer, você tinha a produção, o transporte ferroviário, o manejo portuário, com a criação da companhia de navegação, o transporte marítimo e com a comercialização própria, porque quem comercializava o minério da Vale antes eram esses brokers internacionais que manejavam também o shipping, eles ganhavam, o filé mignon estava nas mãos deles, você não ganhava nada com aquilo, né. Então, nós fizemos tudo isso por nossa conta, abrimos uma companhia em Dusseldorf, que depois eu até fui para lá para presidi-la, isso aí tornou esse sistema independente e extremamente eficaz, a primeira nação, com holístico sistema, porque ela abrangia o mundo inteiro, nós começamos a atingir o Japão, que era, também, uma grande coisa, porque no fundo a distância econômica com o Japão passou a se aplicar ao mundo inteiro, era na questão da segunda abertura dos portos japoneses para o mundo, para o comércio mundial, daí o grande reconhecimento que o Japão tem com relação ao projeto Carajás, ao projeto Tubarão, aquilo que a gente estava falando antes aqui é pouco entendido, entendeu. Então, com isso daí foi construído o Tubarão, que infelizmente eu não inaugurei porque veio a revolução e eu fui considerado comunista na revolução, porque nós tínhamos noção muito social de, até por questões não só de altruísmo, não, também de pensamento econômico, né, que um operário bem tratado, bem alimentado, bem cuidado, com a família protegida e tudo, ele é muito mais eficiente, muito mais produtivo do que um pobre diabo que não tinha nem o que comer e você exigir dele o absurdo de esforço físico. Isso tudo na época me taxaram de comunista, na revolução quase que fui caçado, eu escapei porque o doutor Antunes, que era o presidente da Caemi me salvou e me convidou para presidente da companhia dele daí, que eu fundei que foi a Caemi, a MBR, Minerações Brasileiras Reunidas, que depois se tornou uma grande companhia de mineração também, que é aqui em Sepetiba, e eu fiquei ali até 1967, fim de 67. Nessa ocasião, o professor Dias Leite, que voltou à presidência, que passou do ministério para a presidência da Vale, Ministério de Minas, me convidou – que a Vale do Rio Doce estava começando a perder aqueles mercados que nós tínhamos conquistado no início com o contrato japonês e outros – para tentar recuperar e ampliar os mercados europeus etc. Nessa época que nós fomos para a Europa e aí já operando essa companhia de Dusseldorf de marketing que chamava Itabira Eisenerz GMPH. Então, isso te mostra um exemplo de logística integrada holística, mundial com o controle de todas as terras da logística, do sistema, por nós próprios e nós, então, começamos a virar uma companhia realmente grande. Aí começou, fizemos grandes contratos naquele período, até chegar a época de Carajás, que foi o período em que nós já sentimos que Itabira sozinha não era suficiente, para você não só ter sustentabilidade no seu processo, mas também levando em conta que você tinha um dever de abastecer as indústrias nacionais. Quer dizer, as indústrias de aço nacionais que já estavam surgindo, no caso da Usiminas onde nós participamos nove por cento desde o início e isso tudo, então, nos levou a encarar, para dar um outro salto maior e dar sustentabilidade ao próprio sistema sul e abriu Carajás, que era uma mina que tinha sido descoberta pela United States Steel e onde o professor Dias Leite, junto com o ministro Costa Cavalcante, juntamente trabalharam com a United States Steel para dar a Rio Doce uma participação, foi um grande trabalho que os dois fizeram, tanto o professor Dias Leite. O Brasil deve a eles essa coisa de ter colocado a Rio Doce com um pé dentro de Carajás, um pé porque a United States Steel ainda estava dentro também. Bom, daí então, nós chegamos a essa fase da presidência ainda no tempo do governo João Goulart, que durou até a revolução de 64 e depois eu fui para a Europa, eu fui para a Europa e só voltei em 1979, fui convidado de novo para a presidência da Vale, convidado pelo Figueiredo, o Figueiredo que era…

P/2 – O presidente.

R – O presidente na época. Então, aí nós começamos Carajás, já na Europa, temos analisados todos os problemas do mercado, nós chegamos a conclusão de que para você dar um salto definitivo e ser, digamos uma companhia não só mundial, mas líder do mercado, que é importante você ser líder do mercado, porque tem importância na formação de preços e tudo isso, né, você tinha que dar um salto, e o minério de Carajás, além do mais, era um minério extremamente rico. Agora, empreender um projeto naquela época foi um esforço tão grande quanto foi em Tubarão, porque ninguém acreditava naquilo, era grande demais. Então vieram os críticos que eram coisas megalomaníacas que eu devia ir para o hospício, essas coisas assim, e que menos ainda a política de Minas Gerais sentiu que a economia da Vale do Rio Doce estava migrando para o Norte. Então veja, problemas de política regionais, estaduais, tarará, fizeram uma campanha contra. Então, fora disso, a concorrência também com medo daquilo fez uma campanha mundial de desmoralização, porque tinha vários projetos, tinha uma dezena de projetos, desde da Libéria até a Austrália, porque a Austrália nessa época, em 1966, começou a se movimentar também como concorrente nossa, copiando o projeto Carajás, né, as obras todas inspirada no projeto Tubarão.

P/2 – Tubarão?

R –

Os programas são inspirados no Tubarão. Então, você tinha primeiro, se nós não atacássemos Tubarão, não poderíamos crescer. Segundo, você teria uma série de projetos concorrentes que poderiam diminuir mais ainda a nossa posição. Quer dizer, então não tinha alternativa, era aquele negócio que você chama de opção sem alternativa; ou nós, como era também no caso inicial do Tubarão, você faz aquilo ou sua posição vai diminuindo e você vai perder terreno, e na vida das empresas, como na vida dos países, você tem momentos assim. Por exemplo, ou eu tomo um rumo ou eu vou começar a decair, vou começar a desaparecer. Então, nós tivemos que tomar essa decisão de sair com o projeto Carajás, embora já tivéssemos, naquela época, feito a diversificação, um lado importante que foi feito durante o período em que eu estava na Europa, e ainda durante o período em que eu estava na presidência no governo de João Goulart. Nós já tínhamos tido várias iniciativas, mas ainda não tão agressivas porque não tinha mais a presidência, a presidência eram outros, né. Mas nós começamos o projeto da Cenibra, uma que é celulose, aproveitamos lá a ideia de usar a matéria-prima de nossas próprias terras e de fazer projetos novos. Já tínhamos iniciado o problema do alumínio, quer dizer, o alumínio era como alternativa de diversificação, porque você não podia, o seu crescimento era limitado pelas razões que estavam, então, a diversificação também era uma maneira de equilibrar o seu risco empresarial. Bom, então, voltando ao Carajás, encontramos ali uma oportunidade de dar o grande salto, Carajás foi um negócio dramático porque foi um investimento muito grande com todos os riscos da Amazônia, todo mundo criticava que o Ford tinha fracassado, todo mundo que tinha ido a Amazônia tinha fracassado, né, e que nós estávamos com o fracasso garantido. Então, você pode imaginar a tensão que você viveu naquele período para tomar uma decisão, né, uma decisão que você tinha em muitos e muitos casos nem sempre, complicados assim, você tem unanimidade de apoio para fazer, mas devemos dizer que o próprio Governo Federal na época deu um apoio, nós entendemos nesse ponto, temos que reconhecer que o Governo Federal deu apoio, sem o qual nós não teríamos feito aquilo também. Então, como o país estava também da mesma maneira que no caso de Tubarão em situação financeira dificílima, o esforço financeiro de armar uma equação de financiamento viável foi um negócio dramático, o próprio McNamara, que era o presidente do Banco Mundial, no primeiro encontro com ele, ele foi negativo conosco, depois é que ele, como era um homem extremamente inteligente, ele mudou de ideia. Agora, quem nos ajudou muito foi o Kreditanstalt für Wiederaufbau, o KFW, que é um banco alemão, que nos deu apoio e nos deu apoio junto do Banco Mundial, para o Banco Mundial se tornar 18:21 chef de file do projeto de financiamento do projeto de Carajás. Quer dizer, e aí nós levantamos o dinheiro, e outra coisa que vale a pena registrar, que é importante, foi o único grande financiamento que a comunidade europeia deu ao Brasil, nós pegamos seiscentos milhões de dólares, que não foram todos utilizados, para o investimento de Carajás, dados pela comunidade europeia em termos excepcionalmente vantajosos, porque a concepção de Carajás foi feita de tal maneira que os consumidores participaram nos dando contratos a longo prazo, só usinas triple A, não botamos nenhuma Bulgária, nenhuma Romania, é tudo país rico com credibilidade e crédito nos bancos etc., que nos permitiram ter condições de financiamento extremamente vantajosas, enquanto Itaipu pagava spread de dois e meio por cento, dezessete por cento de juros flutuantes, nós tínhamos cinco anos de carência, cinco por cento de juros fixos, coisas assim. Então, essa foi no país, na época, outra demonstração de que você pode fazer coisas dentro do ambiente dificílimo que era a época, vencendo uma agressão internacional até da imprensa, o Financial Times, a imprensa econômica do mundo inteiro me malhou porque, atrás desse pessoal, tinha os interesses das grandes empresas deles da Austrália, projetos outros que estavam sendo planejados pela Libéria, e nós tivemos ainda o outro grande dilema que foi a questão de “será que você lançar no mercado uma grande quantidade de minério de ferro extra não vai abaixar o preço?”. Isso foi um problema tremendo, entendeu, foram feitos enormes, grandes números de simulações, chegamos a conclusão de que embora houvesse algum risco, mas que o timing era perfeito. Primeiro que você estava eliminando concorrentes que, se ficassem soltos, eles viriam para fazer isso, e como nós deveríamos matá-los, porque, ao sentirem que nós iríamos decolar definitivamente, eles abandonaram os projetos. Então, nós entramos no mercado em um timing correto também, daí foi um esforço enorme para você vencer essas dúvidas que você tinha de que isso poderia ter dado zebra também. Se alguém muda de preço é um problema delicadíssimo. Mais tarde que os australianos começaram a nos criar problemas, porque eles sentiram que o Brasil tinha se tornado enormemente concorrente e para conquistar marketing, eles começaram não só a abaixar preço, mas, também, a admitir sócios estrangeiros na mineração, o que a Rio Doce nunca teve, né, ela nunca admitiu sócio estrangeiro na mineração pelo menos com controle, porque ela apoiou Minas, Serra Geral, com a Kawasaki, mas Kawasaki minoritariamente. Então, tudo isso tem importância enorme na questão de formação de preços, que sempre foi um programa, pelo menos no nosso tempo, em que isso tinha prioridade por tudo porque a ideia não é quantidade de minério de ferro, a ideia é o faturamento, o que importa é você tirar o máximo que você pode fazer daquilo e não exportar quantidade só para ter, dizer: “Olha, eu sou o maior o mundo”. Não é isso que interessa, o que interessa é o programa de qualidade também, o que interessa é o faturamento, o que eu vou ganhar com aquilo. Então, esse pensamento foi sempre predominante. Agora, se for levar em conta que eu fiquei até 1986, de 1979 a 1986, no governo do Sarney, já por motivo de saúde, pois naquela ocasião eu estava me sentindo muito enfraquecido devido a milhares de problemas que te perseguem, né, então eu pedi para sair em 1986. Eu voltei para a Europa para tentar consolidar outras ideias que nós já tínhamos iniciado também como investimento no exterior, compramos a Kaiser, lá na Califórnia, e aquilo já era outra maneira de globalizar a companhia. Nós fomos os primeiros nesse lado também de globalizar uma companhia nacional brasileira com todas as dificuldades. Você pode imaginar a reação naquela época de você botar dinheiro em uma companhia no exterior, hoje todo mundo já está achando que está descobrindo...

P/2 – A América?

R – A América. Aquilo foi feito naquela época com enorme sucesso. Nós sempre ganhamos dinheiro com aquilo. E a Companhia Siderúrgica de Tubarão, que foi projeto nosso, ela foi construída para a exportação, depois o governo tirou da Vale e passou para a Siderbrás. Ela foi construída para fornecer semi-acabados para essa indústria que era nossa com a Kawasaki na Califórnia, aí nós tínhamos cinquenta/cinquenta [por cento] com os japoneses, e com os italianos também, porque a ideia naquela época era já exportar produtos semi-acabados, é outra coisa importante, isso responde aquela sua pergunta.

P/2 – Eu queria voltar só um pouquinho dentro dessa linha de raciocínio do senhor, quando o senhor fala “nós tínhamos essa visão”, nós vamos voltar para Carajás, “conseguimos empréstimos vantajosos”, levando em consideração que a Vale é uma empresa estatal, quer dizer, quem conseguiu esses empréstimos, era a Vale, passava pelo governo a negociação, a Vale que primeiro aceitava?

R – Claro que não. A Vale é que tinha que propor, porque ela que era o agente econômico que tinha a confiança do governo, aí vem uma coisa importante que muitos criticam, a Vale não distribuía dividendos. Então, o próprio governo que apoiava, não queria distribuir divisas que ele queria continuar investindo, porque ela sempre foi altamente rentável depois de ter atingido essa massa crítica, né, mas algumas críticas que surgiram aí durante a época de privatização, que ela não distribuía dividendo. Ela não distribuía dividendos porque ela continuava investindo no processo para crescimento e melhoria de produtividade.

P/2 – E os governos tinham essa clareza de reinvestir?

R – O governo, bom, você tinha que convencer os governos, o mérito da companhia é que tinha um staff muito bom, que isso tudo nós tínhamos um staff de pessoas como – vocês conheceram aqui o doutor..., tinha o Samir Zraick que era o diretor financeiro na época de Carajás, pessoas altamente qualificadas. Então, nós tínhamos um cuidado enorme de escolher o nosso pessoal, de educar o nosso pessoal. Um dos grandes segredos da Vale foi você não só dar a motivação, que eles chamam de “vestir a camisa”, o pessoal, porque eles viam objetivos gloriosos, viam que aquilo era coisa séria, era um negócio grande e você tinha até orgulho de trabalhar em uma coisa certa, que tinha rumos definidos e que estava vencendo. E aí não era tão difícil convencer o governo, porque, no fundo, sempre tivemos esse apoio, tanto no tempo do San Tiago Dantas, quanto no tempo do Figueiredo. O apoio nos foi dado sem dúvida nenhuma, senão não teria sido feito isso, porque um negócio com aquelas dimensões... E mais ainda, nós terminamos o projeto com mais de um bilhão de dólares a menos do que o orçamento original, porque todo mundo tinha medo da Amazônia, aquelas histórias todas, aquela mitologia toda do Amazonas: “vai fracassar”, “está perdido”, “pode enterrar que isso já é cadáver”, esse tipo de coisa. Então, e não só acabou um ano antes com mais de um bilhão de dólares a menos que o orçamento original, quer dizer, você nunca ouviu falar de deslizes, ou de coisa nenhuma, porque foi um negócio corretamente construído com a participação de todo esse status que a Rio Doce tem, foi um trabalho de equipe, nós sempre trabalhamos em equipe, ninguém faz nada sozinho. É claro que na hora de você tomar uma decisão importante, a decisão final, se der errado, você é o único culpado, mas se der certo, é claro, todos participam, né, mas na hora de tomar uma decisão grande você fica sozinho. Mas isso é natural, isso acontece em tudo, você, qualquer Presidente da República que vai tomar uma decisão, no final de contas a decisão é dele, se der certo é ele que, se não der ele é que, ele sozinho paga o pato. Mas nós sempre trabalhamos em equipe, viu, e com muita solidariedade entre si porque todos tinham o mesmo número de motivação, daí a importância de você ter motivação, sem motivação você não realiza, você não constrói catedrais, né, a diferença de você construir um edifício vagabundo e construir uma catedral, esse plus é o lado espiritual, é o lado de motivação que entra no processo, sem o qual você não faz isso, é o civismo. Tudo isso entra nesse processo, né?

P/2 – Quer dizer, esse projeto, o senhor que acaba dando um tom para ele, que é essa mudança de paradigma de conceber esses grandes projetos de desenvolvimento que estavam colocados naquele momento no país, se a gente pensar que estavam construindo a Transamazônica?

R – Não, naquela época não era assim não, a Transamazônica tinha desmoralizado os outros projetos.

P/2 – Não, isso que eu ia falar.

R – Então nós tínhamos que vencer isso.

P/2 – Mudava-se?

R – A campanha contra nós que você ia...

P/2 – Ia fazer aquilo?

R – Era mais um baita projeto que ia jogar o Brasil no buraco e jogar dinheiro fora, ninguém acreditava naquilo.

P/2 – O senhor usa até uma expressão que no armário da história está cheio de esqueletos de projetos mal concebidos.

R – Isso aí não, ia para imprensas

P/2 – Era isso, né, que pegava na imprensa?

R – Então, você vê a luta que foi feita nesse caso aí, até dentro da empresa tivemos pessoas contra também, com medo de ir lá. “Eu vou ser arrastado, eu não participo disso.” “Bom, então nós participamos e daí?” (riso) Sempre tem esse covarde que tem uma psicologia curiosa. (riso)

E o italiano tem uma palavra, uma expressão muito gozada, você conhece a definição italiana de tem de coragem? Coraggio è l’arte de aver paura senza che la gente se ne accorge, (riso) então é a arte de ter medo sem que os outros o percebam.

P/2 – Fiquei sabendo.

P/1 – Doutor Eliezer, para conseguir esse financiamento etc., a Vale tinha que ter uma imagem de credibilidade que foi construída aí na década de 1970.

R – Essa credibilidade foi feita, criada pelo sucesso do Projeto Tubarão, né, que nós entregamos no tempo exatamente contratado, então em 1966 exatamente no dia funcionou, isso criou uma credibilidade mundial, para os japoneses. Então aí, a confiança que eles têm conosco, porque tudo que nós fizemos com eles foi feito corretamente e cronologicamente perfeito. Então, criou-se uma credibilidade, porque os povos tropicais são tidos como, eles usam até uma expressão chamada B-R-T, Brazilian rubber time, quer dizer, um tempo aqui, quatro horas BRT, quer dizer,

Brazilian rubber time is very elastic, né, pode ser uma hora a menos…
P/2 – Uma hora a mais (riso), nove horas pode ser dez.

R – A gente criou uma credibilidade enorme, que a gente capitalizou no negócio de Carajás, McNamara, aliás, foi o homem que mencionou isso aí. E os alemães nos apoiaram muito, e todos eles, é claro que credibilidade pressupõe uma performance anterior e nós tínhamos essa performance anterior. Se não tivéssemos, não iríamos conseguir isso. Daí a grande vantagem que a Rio Doce tem, ela criou uma grife internacional que tem um valor enorme, ou que é o fundo de comércio, né, e que precisa ser preservado, porque senão perde também isso. As empresas também criam e perdem credibilidade, né, então isso explica que… É claro que nós tínhamos homens de finanças, esse Samir Zraick que era muito bom também, quer dizer, o pessoal nosso era de primeira linha em todo o sentido, tecnicamente, em matéria de engenharia ferroviária nós tínhamos as melhores pessoas, tínhamos acordos com instituições de pesquisas ferroviárias no exterior, porque tem muitas inovações ferroviárias que foram introduzidas não só no processo brasileiro, mas itens que tinham, depois foram extrapolados para utilização mundialmente, né, então esse, esse core tecnológico que a empresa tinha, teve uma importância enorme, né?

P/2 – Eu estive conversando com o doutor Manços do Espírito Santo.

R – É um homem muito inteligente.

P/2 – Uma inteligência rara.

R – Ele mesmo fez muitas contribuições.

P/2 – Ele deu uma entrevista longuíssima, maravilhosa, e aí eu fiquei pensando aquela minha pergunta aqui (riso), a sua também, quer dizer...

R – Ele é um exemplo do nosso cuidado em criar gente, infelizmente, ele foi vítima de um problema de saúde. Mas ele é um exemplo daquele tipo de pessoas que eu estava lhe falando, um bom exemplo.

P/2 – É, eu fiquei pensando, esse sistema criado, se a gente for pensar, o estreitamento da bitola, e o grande problema de transporte no Brasil dado as distâncias, como é que isso de alguma maneira, o governo não teve interesse, o que aconteceu que isso não acabou extrapolando para o resto do Brasil internamente, esse tipo de tecnologia que foi criado, por exemplo, na ferrovia.

R – Não foi porque o Brasil sempre funcionou como compartimentos estanques, nós não tínhamos diálogo com a rede ferroviária, só para lhe dar uma ideia, era a mentalidade, é cultural isso. Então, cada um era dono de um feudo e ninguém queria, é poder, é disputa de poder. Nós não tínhamos pretensões de disputar poder, a gente queria resultado. A diferença é essa. Uma, a Vale do Rio Doce sempre procurou incutir a mentalidade: “O que interessa é o resultado, nosso objetivo é aquele, vamos chegar lá”. Não é ter poder. Então, o homem que quer poder, o burocrata que quer poder, ele mede o poder pelo número de empregados que ele tem debaixo da asa dele. Quer dizer, custa uma fortuna e não produz nada, a diferença é essa aí, o poder contra eficiência, contra resultado, isso é claro na indústria privada, óbvio, todo mundo procura isso, não precisa nem de esclarecimento, né?

P/1 – Doutor Eliezer, é...

P/2 – Ainda não, ainda não, ainda vou chegar nessa pergunta (riso) em outra fala. Não, porque eu fico pensando, tudo bem, mas, é, não era uma intenção da Vale disseminar isso, mas o governo também não procurava, mas a Vale também não era esse o foco também, disseminar isso mesmo.

R – A Vale tentou.

P/2 – Tentou?

R – Tentou, tentou, mas sempre era encarado..., a mesma coisa, nada para fazer mais inimigos do que o sucesso, sabe disso, então eles achavam que você queria ser dominante, a rede sempre nos olhou como inimigo...

P/2 – Criança.

R – Quer tomar, quer não sei o quê, é aquela coisa. Então não quiseram aproveitar isso. Então isso aí é cultural, nós também tínhamos limitações, não podíamos, tínhamos que cuidar da nossa própria...

P/2 – Sair com uma bandeira. Okay.

P/1 – Doutor Eliezer, eu queria perguntar para o senhor a respeito da presença do senhor no exterior, quer dizer, o senhor foi chamado no momento em que se estava, de repente, perdendo mercados conquistados ali duramente a década de 1960. Quer dizer, que tipo de trabalho foi feito aí no exterior?

R – Parece que foi um grande trabalho onde o doutor Ditzel que esteve aqui, foi um grande colaborador, porque, primeiro, era consolidar aqueles mercados; segundo, era um problema de natureza técnica para você vender as novas modalidades de minério que começavam a surgir, algumas delas derivadas do próprio beneficiamento dos minérios básicos, é questão de finos, de pelotização, de todas essas coisas, para sinterização que era um tecnologia que estava sendo cada vez mais expandida, o uso de pellet, que nós fomos pioneiros, por exemplo, foi no uso de pellet para redução direta, o acompanhamento dessas tecnologias siderúrgicas novas. Então, as coisas mais importantes que a empresa tem é acompanhar o desenvolvimento das tecnologias siderúrgicas no mundo, porque imagina você quem tem dezoito bilhões de toneladas de minério de alto teor como Carajás, se o aço começa a perder e está perdendo… Por exemplo, o alumínio na indústria automobilística já perdeu. Se o aço perde cada vez mais a demanda, o que você vai fazer com aquela montanha de ferro? Você tem que levar isso sempre em conta. Então, você tem que acompanhar todas essas tecnologias novas para tentar se apoiar nelas, como nós fizemos no caso da redução direta com grande sucesso e hoje nós somos o maior supridor de pellets via ___, o nome que quiser dar, porque nós acompanhamos desde o início a evolução desses processos novos, que é um dos itens da maior importância. Hoje, mais do que nunca, isso está se tornando evidente, porque se você não fizer isso, você corre o risco do aço começar a perder terreno. Então, a colaboração entre as siderurgias avançadas e você como produtor da matéria-prima para elas é importante porque torna o aço cada vez mais competitivo, porque, se você ficar só com as siderurgias atrasadas, o que elas vão querer é abaixar o preço do seu produto para continuar a sobreviver. Então, isso é de uma importância enorme. Nós ficamos lá, problemas de navegação também; consolidar problemas de navegação, de novos portos que pudessem receber os nossos navios, problemas na diversificação, esses projetos de diversificação foram feitos todos quando eu estava no exterior, porque isso exigia pelo menos viagens contínuas ao Japão, para a Albrás lá do Norte, a Cenibra, eram esses dias de pelotização, fazia constantes viagens. Então, a vantagem de estar no exterior é que naquela ocasião tinha até problema de você viajar porque não tinha divisa, então, você já estando lá, facilitava. Foi um período talvez no qual a gente tenha trabalhado mais intensamente, viajado loucamente porque não é viajar como mala, é claro, mala também viaja, mas... (riso) Então aí esse Doutor Ditzel que eu trouxe aqui, ele prestou uma grande colaboração naquela época, viu, é um homem extremamente sério, extremamente... e foi um lutador, uma das grandes batalhas era segurar preço para não deixar..., uma batalha muito difícil porque quando seus concorrentes, como é o caso dos australianos..., isso é um drama nos chamados termos out trade, quer dizer, matérias-primas. Por isso que eu estou sempre dizendo, matéria-prima, ninguém enriquece com matéria-prima porque é muito fácil você fazer um cartel de compradores, mas fazer um de vendedores..., você sempre tem um malandro que te trai ou que te puxa o tapete debaixo de sua perna. Os australianos fizeram um trabalho extremamente negativo durante alguns anos em abaixamento do preço. É claro que difíceis de se entender, porque esse problema também, você entra em choque com esses anti-trustes de alguns países aí que são complicados também, mas esse é um trabalho, esse Doutor Ditzel fez um grande trabalho lá na Europa.

P/1 – Doutor Eliezer, tem aquele momento que se pensou em se criar também tipo uma Opep do minério de ferro?

R – A isso não tinha base econômica no mundo, porque o minério é um material superabundante, é diferente de petróleo, né?

P/2 – Que é raro.

R – Quando houve uma crise, quando você tem abundância do produto.

P/2 – Não tem sentido.

R – Não tem sentido, né, o petróleo é diferente, não pode comparar uma coisa com a outra, são coisas completamente diferentes. Muita gente confunde semente de mamão com caviar, (riso) não é exatamente a mesma coisa, embora pareça. (riso)

P/2 – Vamos voltar um pouquinho para Carajás?

R – Vamos.

P/2 – É, como é que foi, quer dizer, essa luta que o senhor falou que foi árdua, montar um projeto em Carajás, na Amazônia, já com esse cartaz negativo que o Brasil tinha e conseguir todo esse investimento, e como é que foi essa chegada em Carajás, é esse encontro com a tal da comunidade, com…?

R – Depois de já construído, você diz?

P/2 – No processo de construção, chamar as pessoas para ir para lá, quem já estava lá.

R – Ah, bom. Essa fase de construção aí nós tivemos, foi um período muito interessante, viu, que foi um grande problema a escolha das pessoas para, até houve desentendimentos entre nós, porque, naquela altura que estava tudo financiado, todo mundo queria ser dono da bola. (riso) É natural, né, a sede. Então, ali tiveram que escolher aqueles que eram mais aptos a enfrentar aquele tipo de trabalho que era a construção na selva, então aí teve pessoas de grande mérito como o senhor Moretzsohn, que, aliás, eu não sei se vocês entrevistaram.

P/1 – Já entrevistamos.

R – Ele fez um grande trabalho, e, depois, é gente extremamente correta, porque lidar com empreiteiros não é uma coisa fácil, é como aquela coisa, você sabe por que cobra não morde advogado americano, né? “Professional ethics?, né. (riso) Então, esse período aí foi um período épico também, dramático, igual ao da construção da Vitória-Minas, um sacrifício danado dessa gente toda de entrar lá. E havia todo o medo de doenças, que felizmente nada disso aconteceu porque Carajás nem mosquito não tem, né, uma coisa...

P/2 – É incrível.

R – É incrível. Mas foi uma obra bonita porque acabou antes do tempo e a um custo muito mais barato do que... – como a gente mencionou aqui. É claro que à proporção que as obras iam andando, aí todo mundo viu que ia dar certo, aí vinha se motivando cada vez mais, e foi, digamos, uma coisa dramática no sentido de... motivou mais ainda o pessoal sentir: “Bom, tudo isso que se estava falando virou realidade”. Aí você cria aquela sensação de como podemos fazer outras, podemos fazer mais, né, esse... E daí começou a se pensar então nisso que eu estava falando para vocês lá fora, que o nosso futuro não é só vender matéria-prima, vamos – já tínhamos feito essa tentativa, você viu com Tubarão, né – tentar fazer, verticalizar a Vale do Rio Doce de qualquer maneira, se não for aqui até no exterior, porque nós tínhamos crescido além dos limites que a economia do Brasil podia nos dar. Então, você está condenado a ter uma vocação mundial pela sua própria natureza, você está sentado em cima da maior reserva do mundo de ferro rico, riquíssimo. Você não pode ficar sentado ali esperando que… igual ao gato de armazém que fica sentado no saco de café e no próprio saco, né, e a gata é que cata (riso), bom, então você... (riso) Okay, estou falando besteira, né?

P/1 – Não doutor, que isso. (riso)

R – Mas, então, com isso você criou – aí que dá pena, né –, vamos chamar isso, o senhor pode chamar isso de incubadora ou o que seja, a Rio Doce se tornou uma espécie de embrião para novos projetos, e novos projetos esses em que você tinha a base de motivação, a base de pessoal educado etc., para a diversificação e verticalização de novos empreendimentos com conhecimento cada vez mais intensivo, entendeu?. Esse era o outro salto que a gente queria fazer, já em 1986, quando a gente saiu da Vale, a ideia era entrar nesse campo novo, de pesquisa e entrar, por exemplo, já tinham feito naquela ideia, na época a ideia de transformar o cabo coaxial da Vitória-Minas, que fornecia energia para controle de segurança da linha férrea etc. e sinalização, transformar aquilo em fibra ótica, em cabo de fibra ótica para não só atender esses serviços, mas também, entrar com VIP, quer dizer, voz, dados e trocas com a área de comunicação, né, que é, você vê, hoje as empresas ganham dinheiro em grande parte com sua própria reestruturação, como está aí nesse documento, você vê que a superposição dos problemas de infraestrutura, se eu pego a linha da Vitória-Minas, por exemplo, que atravessa uma região industrializada, ponho um cabo de fibra ótica e entre em telecomunicação, eu posso criar uma companhia dali como a Mannesman fez na Alemanha com a Deusche Bundesbank, um negócio que pode até valer mais que a própria Rio Doce no futuro, porque é híbrido...

P/2 – Claro, e minério.

R – É híbrido, a infraestrutura que eu tenho que é a base, é com um negócio ultramoderno que torne essa modificação, essa evolução, e que o futuro da empresa, entende? Essa era a fase que a gente queria entrar a partir de 1986, quando a gente saiu, a minha ideia era concentrar nessas coisas, infelizmente você depois voltou para a Europa, e aí você de longe não tem o mesmo poder de convencimento do que tem muito perto, né, não é para assustar as pessoas, né, com cara feia nem nada, é mais fácil de você convencer um diálogo direto e contínuo, só um telefonema, não é a mesma coisa, né, explicou isso aí?

P/1 – Explicou.

R – Então, isso é muito importante, o que eu estou dizendo aqui, fora o que eu disse antes atrás, que a telemática, que a telecomunicação plus, information technology, é a ponte entre as economias de recursos naturais e as indústrias modernas de inteligência, né, porque se ganha dinheiro é vendendo inteligência, ninguém ganha dinheiro vendendo matéria-prima, minério de ferro não vale nada, o mérito da Rio Doce é transformar um negócio de menos valor quase, que existe, em negócio comercial de dar dinheiro a você, pô, e a capitalização sobre isso, se aplicado na educação e com a visão de chegar a indústria de fornecimento intensivo, a Coreia fez tudo isso sem ter essa capitalização, nós temos essa capitalização, por que não podemos fazer? Falta essa vontade política de fazer, é isso aí, entende? Quer dizer, hoje, o futuro da Vale está na hibridação dessa colossal infraestrutura que ela fez, na grife que ela tem, mais para um passo nas indústrias de inteligência, para o qual ela tem uma infraestrutura colossal, então transformar, por exemplo, uma companhia de logística que você tiraria aquela..., definido o core business da empresa, vamos supor que seja ferro e logística, não é, você pode criar uma companhia de logística sem prejudicar o seu negócio de minério de ferro, companhia de logística essa que eu tenho quase certeza que vai valer muito mais que a própria companhia de ferro, compreendeu? O futuro está nessas reestruturações e hibridações com noção moderna de indústrias de inteligência.

P/2 – Essas hibridações, na verdade, elas passam sempre, pode se afirmar, sempre no sistema de comunicação se a gente for pensar no trem, no porto, na fibra ótica.

R – O melhor, hoje, que todo mundo está fazendo e que está nesse documento aí é você, as linhas de logística, de transporte no caso, porque logística é com noção de custo, né, você passa as linhas de telecomunicação, você passa as linhas de energia, você passa tudo ali e cobra por aquilo, você vale por...

P/2 – Transporte é comunicação.

R – Desapropriação custa um absurdo, além de custar um absurdo, você atravessa regiões, por exemplo, dentro de cidades ou de zonas povoadas onde isso tem um valor colossal, você saber aproveitar isso, entende? Porque hoje você tem que caminhar para a indústria de inteligência, não é matéria-prima mais, matéria-prima foi necessária para você se capitalizar, é aquilo que eu tenho, é mais fácil de fazer, então é um negócio mais heróico, mais... agora, hoje é a educação, a indústria de inteligência, quanto mais você adiciona o valor competitivamente, mais você tem condições de sobreviver e ganhar dinheiro e criar melhores empregos, “claro”, como o espanhol disse. “Está escuro para burro.” Ele: “Claro, claríssimo”. Claro, (riso) está escuro para burro.

P/2 – Você ia perguntar Zé, dentro desse raciocínio de desenvolvimento sustentado e pensando em Carajás e no que o senhor escreveu aqui no “Infraestrutura para o desenvolvimento e integração na América Latina”, é como é que a gente pode pensar dentro da teoria que se, dentro da prática que se elege as zonas do cinturão do desenvolvimento, então você tem uma região, um local, a região para chegar no global, quer dizer, como é que você faz isso, essa conexão, e pensar no caso brasileiro, o que Carajás..., ele dá certo, é uma cidade de Primeiro Mundo, e aí você vai ao longo das estações, você vai vendo outras regiões, como é que ela fica nesse desenvolvimento de uma cidade aqui, até passar fora, passar pelo porto, esse entorno, esse caminho dela?

R – Pois é, isso que a gente chama “adensamento econômico da região”, né, não é corredor. Então, o problema, digamos, que você dizia que a Vale não fez, mas não só a Vale, aí entra o problema do governo, e o governo no caso de Carajás fez uma besteira monumental, que foi o chamado Grande Carajás, esse grande Carajás, que foi feito no governo Sarney, fez aquelas barbaridades de levar pecuária, de destruir florestas, aquilo tudo, né, invés de você procurar o desenvolvimento daquele concentrando, desenvolvendo indústrias, diversificação dos produtos que tem no próprio Carajás, como, aliás, foi feito, a Albras foi feita nessa teoria e a Alcoa fez um projeto no Maranhão também baseado na mesma teoria da Albrás, copiando a Albrás. Quer dizer, então a Rio Doce tem esse papel pioneiro, de bolar essas coisas, mas muitas vezes você esbarrava no governo. O governo criou esse Grande Carajás, uma besteira monumental, né, pelo contrário, os ecologistas mundiais atacaram o nosso Carajás que nada tinha a ver com o grande Carajás, confundiu o nome porque os dois são grandes, e atacaram a nós que fomos pioneiros da ideia de desenvolvimento sustentado e passamos a ser vítimas, porque confundiam o Grande Carajás, que foi aquela barbaridade, com o nosso Carajás, entendeu? Quer dizer, uma das críticas que você pode fazer, que também nós éramos uma empresa e a empresa tem que dar balança, você tem que assinar a balança e essas funções não são funções nossas, são funções do governo, e o governo em alguns casos ajudou, mas em outros não fez a função dele como é o caso do desenvolvimento de Carajás. Esse, esse é um drama no Brasil, se não tomar cuidado, você acaba virando pavão de favela, né, você faz um negócio bonito aqui, mas você acaba em miséria, então é esse o objetivo.

P/2 – Seu drama.

R – Você tem compromissos com seus acionistas, e a Rio Doce tem muito acionista privado minoritário que você tem que respeitar também. Quer dizer, então, muitas vezes com felicidade, naquela época, os acionistas minoritários todos queriam participar também do desenvolvimento, porque eles estavam vendo continuamente progresso, valorização das ações, eles preferiam a valorização das ações do que receber dividendo. Hoje, tem gente que pensa diferente, porque quer resultado imediato, quer dividendo, e que o futuro da empresa não é tão importante para eles, interessa o presente e o curto prazo, né. Então, aí começa a se separar as funções da empresa mesmo que seja controlada do governo com as funções do próprio governo, e são coisas diferentes, capita?

P/2 – Okay.

P/1 – Doutor Eliezer, eu queria que o senhor comentasse um pouquinho mais a questão do pioneirismo e o desenvolvimento sustentado, desenvolve-se um pouco a...

R – O pioneirismo foi como você, nós tivemos a oportunidade de ver, né, tem uma revista aí chamada Inteligência, não sei se do Faro, não sei se vocês conhecem.

P/1 – Faro, claro.

R – Tem um artigo meu lá sobre isso, que esse desenvolvimento sustentado foi inspirado no Carajás, pois é, a gente fez aquilo intuitivamente, não foi, a teorização foi feita pelo Schmidheiny. E isso, no início teve uma guerra tremenda contra, porque os empresários não queriam, eles sentiram: “Que bom, se eu for um dia meter no meio disso o lado social e se for meter o lado ecológico, eu vou gastar muito mais e não vou ganhar dinheiro”. É claro que muita indústria desapareceu e vai desaparecer se levar isso em conta, mas uma indústria que vem estragar o ambiente e sua qualidade de vida também não interessa à comunidade, né, então as indústrias que aderiram e entenderam isso são aquelas que chegaram à conclusão de: “Que bom, eu posso fazer isso como em Carajás foi feito e ganhar dinheiro ainda”. Agora, com isso, eu tenho muito mais harmonia com a comunidade, é uma coisa muito mais humana, você não pode ignorar o lado sociológico. Infelizmente o Brasil não tem muita consciência do lado social, né, grande parte da miséria que tem aí poderia ser evitado. Mas, hoje, até o Banco Mundial não separa mais, não tem essa tricotomia de que o social é uma coisa, financia separado, por exemplo, problemas de casas, de casas para operários não sei de quê em tal lugar. Esse estudo foi feito juntamente com o projeto, como foi feito em Carajás, foi feito assim, está lá. “Nós vamos fazer as casas, depois eu posso até vender, mas eu faço tudo junto”. O lado ecológico tem que ser econômico, financeiramente correto etc., e o conjunto ter essa harmonia necessária, você preservar a qualidade de vida e criar empregos. Está claro?

P/1 – Está claro. Doutor Eliezer, mas essa intuição surgiu da onde, quer dizer, esse trabalho intuitivo, como é que...?

R – Isso aí eu devo dizer que foi meu mesmo, isso aí é uma coisa que eu...

P/2 – Foi seu?

R – Foi. Na verdade, eu não gosto de falar em termos de “eu”, mas isso aí foi nosso, meu, né, e tive muito problema com isso, desde o início porque muita gente me chamava de “madeironauta”, louco, poeta, esse tipo de coisa assim. Hoje não é mais isso, né, porque o sujeito só foi entender muito tempo depois. Faz lembrar o tipo de pessoas de uma certa instituição, diz que quando você contava uma história, uma anedota, uma barzelletta para ele, ele ria duas vezes: primeiro quando você contava e depois, três meses depois, quando ele entendia. (riso) É um troço mais ou menos assim. Claro, claríssimo, vamos dizer.

P/2 – Está escuro. (riso)

P/1 – Doutor Eliezer, eu fico com uma grande curiosidade: como esses grandes projetos, essas grandes perspectivas pensadas, em nível de estafa e tal, como isso era colocado, como o funcionário encarava essa construção da catedral, como ele era motivado, vencia o corporativismo?

R – Nós discutíamos com todos eles.

P/2 – Tinha esse canal de...

R – Tinha, tinha esse canal. Muita gente dizia que eu era um ditador, que eu..., mas é o contrário, não adiantava você discutir problemas de natureza técnica com gente que não entende nada de técnica, mas as linhas gerais da coisa, a significação de tudo aquilo, nós discutíamos com todo mundo. Por isso que a gente tinha um apoio muito grande de sindicatos, de todo o pessoal de baixo, nós sempre tratamos muito bem. Eu já te falei do lado social, que eu fui taxado de comunista. Então tratava..., e todos eles participavam, porque todo mundo..., eu aprendi muita coisa com meu motorista, por exemplo, eu não tenho vergonha disso, sempre tem alguém que enxerga alguma coisa que você não enxerga, né. Então, agora, o ditador chamava na hora de decisões de caráter técnico. Eu não quero ouvir palpites de um sujeito que não entende penicos daquilo, pô, então venha, venha fazer fofoca, né. Então, as coisas especificamente técnicas, você discutia com todo mundo, mas os profissionais daquela área…, que não adianta você discutir, eu vou discutir com um cirurgião como é que ele vai fazer uma operação se eu não entendo nada daquilo, pô, é tempo perdido, vai atrapalhar a cuca dele, está certo. Essas coisas é que muitas vezes são mal entendidas, entendeu, sobretudo por pessoas, políticos, os políticos, eles tiveram um ciúme danado contra nós, porque a gente não ouvia político. Não quer dizer que eu não respeite político, eu respeito muito político, o político tem uma função importante, mas os políticos sempre quiseram utilizar, como utilizavam as companhias do governo para criar empregos, essas coisas, então a gente procurava evitar isso,

embora, aqui a questão de você, em uma empresa estatal, você não engole só sapo não, você engole galhadas de pau e guarda-chuvas abertos, muitas vezes para poder salvar o objetivo final, você é obrigado a engolir aquilo, não é que..., por exemplo, agora, quando da privatização botaram um bocado de gente para fora, botaram gente boa, mas botaram muita gente que era para você pôr para fora mesmo, porque estavam lá porque eram cupinchas de políticos. Isso era o ônus de você ter uma empresa estatal, isso no meu tempo, eu saí em 1986. No meu tempo, talvez pelo modo de situação, a influência era menor nesse tipo de coisa, depois aumentou muito e aí a empresa estatal começa a sofrer. Realmente, isso não é um problema nacional, isso é um problema mundial, por isso há tendência à privatização, o problema da privatização é o modus faciendi da privatização, tem várias maneiras de fazê-la. E o problema do Brasil é criar empresários, porque o grande mérito da Rio Doce, você vê como gente da Rio Doce está em tudo que é empresa privada, porque eles preferem, porque eles têm o espírito de empresa privada, é diferente, não é espírito de burocrata, porque tem burocrata e tem o “burrocrata” também que é um primo-irmão. (riso) Você não conhece a

definição de burocrata? É o sujeito que depois de muito tempo e muito esforço, ele consegue com sucesso apresentar cinco problemas para cada solução colocada. (riso) O problema é você evitar um fanático. Você sabe o que é um fanático, né, é o sujeito que não tem ideias e não usa o que está, mas sabe o que...

P/2 – Não é só um foco, não tem só uma única pergunta aí.

P/1 – É uma frustração, né?

P/2 – É uma frustração, porque à medida que a gente vai entrando em contato com isso e vê a situação, quer dizer, quase caricata desse desenvolvimento brasileiro, depois da viagem eu voltei para a _____________.

R – Você vai para Carajás dizer que... Depois, sabe o que eu tinha, eu ouvi muito que: “É besteira esse índio aqui da Amazônia, não aprende nada, tudo besteira”. Eu ouvi isso na Alemanha muitos anos, que japonês não aprendia isso, não aprendia aquilo, que o coreano era burro. Hoje, os melhores matemáticos, os melhores físicos são coreanos. Tudo isso é uma visão mascarada, nós não somos inferiores, nem superiores também, a ninguém, é uma questão de educar e de ter a vontade política de fazê-lo, é só isso.

P/1 – Aquele famoso complexo de inferioridade?

R – Acho que é isso, isso aí, esse pessoal de Carajás, vai que eles viram você, e Tubarão que é tão importante quanto e dá auto estima: “Você pode, nós também podemos fazer, porque eu não sou inferior a ninguém”. Eu sou do tempo que…, eu nunca fui assim, eu nunca tive complexo de inferioridade coisa nenhuma. Então, eu me lembro que eu fui na construção da Vale, foi o pessoal da Morrison comigo, o senador de ___ que vinha com máquinas que ninguém conhecia, a maioria dos nossos engenheiros, das empresas de consultoria com a Vale, com empreiteiros da Vale etc., eles tinham, pensavam que tinha aquela timidez e que hoje, eles pesam um complexo de inferioridade, porque se eu fosse o cara, ele pode saber mais coisas do que eu porque ele teve a chance de aprender que eu não tive, eu também aprendo, e daí, quer dizer, isso que deu essa sensação de que nós também sabemos e podemos fazer, te dá autoconfiança, autoestima, isso é importante para burro, e nós não sabemos aproveitar isso não. A própria mídia não explora essas coisas, invés de ficar fazendo só coisas degradantes, deveria estimular as coisas que deram certo, que funciona, né?

P/1 – A Vale é um exemplo disso.

R – Esse é um trabalho que vocês podem ajudar muito a construir, porque, senão, onde é que a gente vai parar, né?

P/1 – Doutor Eliezer, eu queria retomar um pouco essa parte do governo com a Vale e associar um pouco à Carajás, quer dizer, é um período ainda final da ditadura e tal, havia uma preferência na segurança nacional, Amazônia, questões desse gênero?

R – Não, lá nós não enfrentamos isso não, viu, o problema que nós enfrentamos lá foi dos índios, mas isso já foi até... talvez o índio tenha sido pioneiro também nisso, entendimento com o Banco Mundial, os empréstimos que nós fizemos fora já previam que o orçamento..., construímos aldeias do lado direito, cuidamos do índio. Naquela época, você vê, você não vê problema de índio em Carajás. Foi tudo resolvido naquela época. Houve algumas, duas ou três erupções daquelas que são provocadas por fora, não pelos próprios índios, né. Então, fora disso, naquela parte da Amazônia houve a..., que como eu disse, nós nunca tivemos capital estrangeiro nem participando da Vale. Então, não despertou nenhuma..., a não ser na Albrás, mas era japonesa e era industrial, não era mineração. Talvez isso tivesse aparecido se naquela época tivesse botado estrangeiros na mineração, né, isso não afetou muito não. Houve algum, uma ou outra reação, mas que eram logo explicadas e tudo, e convincentemente esclarecidas, né?

P/2 – E a relação com os garimpeiros pensando em Serra Pelada?

R – Esse foi um problema sério realmente, problema sério porque, como aconteceu em outros lugares, a Rio Doce tinha o direito dos minerais, tinha todo um processo legal que estava sobre o controle dela, no entanto, o governo não respeitou esses direitos, quer dizer, fechou os olhos com relação aos garimpeiros, muitos políticos se envolveram do lado dos garimpeiros também. Aquilo ali foi uma coisa que repercutiu até mal para o Brasil, porque era a garantia do direito de propriedade, não se respeitou. Quando se diz respeito a Carajás tem uma história, um ponto negro da história da Vale, não pela Vale, mas pela parte do governo, não respeitou os direitos, então era um absurdo aquilo, você pedia para... todo mundo ficava com medo, entendeu, porque era uma quantidade de gente tremenda como o problema de garimpeiro também, de um modo geral, agora amainou muito, mas chegou em uma época que garimpeiro era o que é hoje o MST, uma coisa assim, e todo mundo tinha medo, os policiais não se metiam naquilo, era gente demais. E não havia essa coisa importantíssima para você fazer o país funcionar que é o respeito à propriedade privada, the rule of law, o respeito à lei, sem o qual, como se chama hoje, um contrato, um “kontrato”, “kontrato” com K, que é uma cadeia de confiança que permite as coisas funcionarem dentro da justiça, dentro de tudo. Mas tudo já realizado e respeitado, quando você quebra essa cadeia, aí você acaba com a confiança, você perde a credibilidade. Esse Carajás, Serra Pelada teve esse problema, viu, teve uma repercussão internacional péssima, como teve esse Grande Carajás, foi um desastre total. Nós ficamos anos, uma das coisas que..., quantas vezes eu fui à Holanda, quantas vezes eu fui ao parlamento europeu defender as barbaridades do Grande Carajás?!

P/2 – Defender?

R – Defender, porque eles pensavam que aquilo era Rio Doce, e o jornalista do Spiegel que era uma revista alemã, uma vez me disse... Eu falei: “Ó meu amigo, você foi lá e visitou Carajás, e viu que não tem nada conosco”. Ele falou: “Eu sei disso que não tem, mas se eu não te atacar, você que tem credibilidade, se eu não te atacar, a Rio Doce, se eu não te atacar, o governo brasileiro não vão fazer nada”. Então, esse é um episódio negativo nesse contexto todo aí, mas que não é responsabilidade nossa, né. A única coisa que você pode criticar aí da Rio Doce que são as guserias que foram instaladas ao longo lá, a base de madeira nativa, derrubada lá nas queimadas, nas derrubadas, a Rio Doce, eles alegam, os ambientalistas da época, que hoje já é diferente, né. Porque você forneceu minério de ferro, se você não fornecesse minério de ferro, elas não funcionariam, aí não teria as derrubadas, mas aí você tem a obrigação até por lei de entregar o produto. O cara se instalou com permissão do governo, das autoridades pelo menos, locais ou não, você tem que entregar. Então, tem esses tipos de problema. Mas aí, a visão do cidadão lá fora, sobretudo a mídia, não é exatamente..., porque eles não conhecem a nossa legislação, não conhecem o nosso estilo de trabalhar, então interpretam sponte sua, quer dizer, a critério deles mesmos, né?

P/1 – O governo nunca aproveitou um pouco a imagem da Vale do Rio Doce no exterior para também buscar negócio?

R – Aproveitou muito, ela conseguiu isso muito tempo como uma espécie de referência, sobretudo referência, né, ajudou a levantar dinheiro dos bancos e tudo para outras empresas do próprio governo, e dar credibilidade ao país e tudo, um exemplo aí, lá também outras coisas funcionam, você ouvia dizer que a Vale do Rio Doce era um símbolo do que poderia acontecer no Brasil, não era só aquela gente que estava ali, né, isso ajudou muito, e ele explorou muito.

P/1 – Exploraram?

R – Vários governos exploraram isso.

P/1 – E a Vale tinha que consertar a imagem do governo?

R – Tinha que consertar a imagem do governo, mas aqui é tudo o contrário. Então você vê que é um negócio tipo uma luta épica, é um negócio que você tem que... o mais difícil de você vender é o óbvio, são coisas que: “Pô, mas isso não existe”. Existe, né?

P/2 – Como que o senhor avalia, assim, pensando naquela decisão, naquele momento de construir Carajás e como Carajás está hoje?

R – Bom, é o seguinte, muita coisa foi descoberta depois, quer dizer, a nossa avaliação da época já era suficientemente abrangente, porque já tinha sido descoberto o manganês, o ferro, o ouro, certo, e vários outros, bauxita, que não é lá no Carajás, mas não é longe de Carajás. Você já tinha, mas depois foram feitas novas descobertas e ainda tem muitas descobertas a serem feitas. Quer dizer, tudo isso serviu para consolidar o conceito, porque, na verdade, Carajás foi construído para ser econômico só com ferro, tudo que viesse depois, ele ia usar a mesma infraestrutura, portos, ferrovia, usar a mesma coisa. Então, os custos eram marginais, quer dizer, poderiam ser econômicos com muito pequeno investimento, porque não teria que construir uma estrada de ferro nova para transportar manganês, né, depois vieram os problemas com cobre etc. Então, consolidou-se cada vez mais a concepção original que era essa: “Bom, vamos fazer um projeto que seja extremamente econômico só para o ferro, porque é a coisa que tenho certeza, tenho contrato, então meu risco é mínimo, eu não vou arriscar uma coisa que, o ovo na barriga da galinha do vizinho que está doente e ainda é pinto”. Quer dizer, função de função de função, então, é um risco absurdo, né, nós fomos muito cuidadosos: “Vamos tomar só o risco do ferro, que nós conhecemos, conhecemos o mercado e temos os contratos”. Isso que convenceu muita gente, entendeu, de que esse cara não era tão doido assim. “Ele está com o contrato na mão e de companhias triple A no mundo inteiro. As maiores companhias do mundo estavam ali, então eu vou, não pode dar errado isso.” Mas você convencendo um ignorante, outro sujeito que tem má fé, e sempre tem desse tipo, né, e aqueles que querem tirar vantagem também de criarem oposição para tomarem o seu lugar, tem todo esse tipo de coisas. E quando eles começaram a perceber que ia dar certo, aí todo mundo começou a querer tomar a coisa. Então, tem todo esse tipo de coisa. Mas o importante dessa sua pergunta é que todas essas novas iniciativas, elas cada vez confirmam mais que a teoria feita para o ferro estava certa, porque todas aquelas riquezas estão em um raio de sessenta quilômetros em volta de Carajás, estação ferroviária. Então, tudo pode ir na ferrovia e sair na ferrovia, pela rodovia. Hoje ou amanhã você pode ter outras alternativas e sair pela navegação do Araguaia, Tocantins, e sair até por Barcarena, alguns produtos, mas isso é, são derivadas de terceira natureza.

P/1 – Porque é o seu novo sentido de movimento.

R – E mostrou a importância de logística, né, a que eu entendo para caramba, é extremamente econômica, extremamente eficiente, é aquele negócio da distância econômica contra distância física, não é a distância física que me apavora, o problema do Japão teve esse grande mérito, o Japão são os antípodas, o fim do mundo, mas não interessa, eu chego lá barato, hoje o transporte de Ponta da Madeira a Roterdã é um shuttle service você faz isso por três dólares, é um negócio incrível isso. Mas isso é uma coisa que foi desenvolvida por nós brasileiros, não foi coisa que se copiou de gringo, porque ninguém acreditava nisso não. “Ah, eles ficaram doidos.” Na época que foi feito Tubarão, o maior navio do mundo tinha trinta e cinco mil toneladas, ele operava no Orinoco com o United States Steel. Trinta e cinco mil toneladas, né, então, aquilo era uma espécie de dinossauro. Bom, hoje, esse Berge Stahl que opera compra da madeira para Roterdã tem trezentos e oitenta mil toneladas, não chega nem ser canoa essa porcaria. (riso) Mas naquela época, olha para trás, né, Tubarão para ser econômico tinha que ter o mínimo de cem mil toneladas, minimum minimorum de cem mil toneladas e ainda tinha que ter versatilidade, quer dizer, o navio tinha que ser construído para ser tanker, eles chamam de oil- -ore carriers, né, tanker e mineraleiro ao mesmo tempo. Aí nós pegamos ajuda técnica japonesa, bolaram a solução técnica e deram garantias para ela. Então, Tubarão foi feito em uma época que não existia construção naval, técnicas de shipbuilding e nem material, chapa grossa para navio, era para navio de trinta e cinco mil, não tinha aço para aquilo, e mais ainda, não tinha ship designer para aquilo, não tinha desenho para navio desse tamanho. Então aí foi um risco desgraçado, risco que os japoneses assumiram, porque para eles era uma motivação nacional reerguer a indústria siderúrgica japonesa, era um desafio de sobrevivência como país, entende, nós exploramos isso. Isso é que pouca gente entende também, aí vocês entram na questão de Geoestratégia Internacional, em uma época que americanos e europeus queriam massacrar o Japão, nós chegamos com uma colher de chá: “Olha aqui, nós vamos te ajudar”. Eles acreditaram naquilo e funcionou, daí você imagina a credibilidade que se criou com isso. É um negócio interessante para burro isso. Quer dizer, o que me admiro – aí não é nada pessoal, porque eu estou pouco me incomodando com a minha pessoa –, isso foi feito com um trabalho de equipe que eu acho que tem que enfatizar e é isso mesmo, porque o Brasil não explora essas coisas de uma maneira mais inteligente, para criar civismo aqui, afinal esse país tem futuro, pode fazer tudo o que os outros estão fazendo, você pode fazer. O que é a Coréia, eu conheci a Coréia como um montão de ruínas, a Coréia hoje está dando banho na Alemanha em tecnologia de ponta, por que você não pode fazer isso aqui? Fica que nem um banana chorão: “Mãe, eu perdi dinheiro, para sempre perdido”. Faça alguma coisa, não é só chorar. Isso é que irrita a gente aqui. Agora, pouca gente se movimenta para sair nessa direção. Isso tinha que ser uma coisa com a mídia, com algumas instituições que se ocupem da cidade com as coisas, né, que são os grandes beneficiários, as universidades viraram centro de politicagem. Bom, eu estou entrando em outro terreno, né?

P/2 – Durante a gestão do senhor, em algum momento foi discutida a privatização?

R – Não, nunca foi discutido. Naquela época nem se pensava nisso, né, pelo contrário, havia uma tendência à estatização mesmo, naquela época não se pensava nisso não. Eu devo dizer que eu aprendi muito ali naquele período que eu fui, trabalhei com o doutor Antunes, com a Caemi, estive quatro anos lá e fundamos a MBR, a MBR foi um projeto nosso também, cá em Sepetiba, esse é um projeto grande, vai exportar o quê, trinta e dois milhões de minério. E lá eu aprendi muito com ele, porque ele é um dos maiores homens que eu conheci no Brasil. Esse é o homem que você tem orgulho de tê-lo como compatriota, porque pouco que você vê, morre aí um batedor de pandeiro, não sei o que lá, a mídia elogia e a televisão, um homem daquele ninguém nem sabe que existiu, nem nada, sujeito que criou indústrias, que criou empregos, que criou riqueza para todo mundo. E era um homem com espírito social tremendamente adiantado, eu aprendi muito com ele, sabe, Augusto Azevedo Antunes, uma grande figura, um grande empresário. Então, isso também me ajudou muito em outras fases, quando eu voltei para a Vale, fui para a Europa e depois, quando eu voltei para a presidência de novo. A coisa que hoje mais me preocupa é justamente aquilo que você perguntou, que é e o futuro disso aí, quer dizer, então foi tudo aquilo que eu disse, você tem que aproveitar a grife que ela tem, essa tremenda infraestrutura híbrida com conceitos modernos, indústria de inteligência etc., para tirar daí a qualidade do elemento humano criado nesse ambiente. Você criou um ambiente de indústria privada, de indústria privada de alta motivação, que tem indústria também, que não é privada porque é indústria, né, de alta motivação, porque é isso que tem importância.

P/1 – E a privatização, doutor Eliezer, como o senhor vê esse processo de privatização da Vale?

R – Eu acho que a privatização é uma boa coisa, não sou contra a privatização, o problema é a maneira como elas são feitas. Então, tem privatizações como da rede ferroviária, acho que não foi bem feita, poderiam ser um pouco melhores, né, na Vale do Rio Doce eu teria usado outros critérios, não teria usado, por exemplo, pulverização é uma das coisas que eu acho que poderiam ter dado resultados, porque cria mais capital, entendeu, o Brasil tem que criar um mercado de capital próprio, né, porque não tem, só tem fundo de pensão, hoje único fundo de capital, então como a Inglaterra fez, a Inglaterra fez isso. Então, a Vale está indo bem, não posso criticar o que está sendo feito lá, porque tem um grande número de pessoal que está lá é de lá mesmo, já o pessoal que está entrando está sendo absorvido pela..., mas o chamado conselho compartilhado é difícil de funcionar, porque tem vários banqueiros e fundo de pensão, apesar que tem ideias diferentes, então é difícil tomar uma decisão desse tipo que eu estou falando antes de você sair, vamos supor que você fosse fazer um grande projeto com Carajás hoje, você acha que faria?

P/1 – Seu Eliezer, eu tenho uma pergunta. Queria entender um pouco essa relação Vale e Itabira, só uma pergunta em torno disso, com Carajás, o lobby de Minas também, como é que...?

R – Itabira...

P/2 – Sobretudo depois da construção de Carajás.

R – É claro que o pessoal que mais me guerreou contra, no caso de Carajás, foi o pessoal de Minas, a partir de Itabira, que era o pior foco, mas também de Belo Horizonte, com a federação de indústrias, os políticos mineiros, né. Agora, Itabira é um exemplo típico das cidades de mineração que ao acabar a mineração, eles ficam com buracos, isso tem que..., tem uma certa razão disso, né. Só que no caso de Itabira, primeiro nós tentamos levar várias indústrias para lá, desde ferritas magnéticas, indústria mais sofisticadas e tudo, e ia abrir siderurgia, mas a localização geográfica não dá para certos tipos de indústria, como siderurgia, né, siderurgias foram para Ipatinga por causa do espaço físico, tudo. E o povo de Itabira, como todo habitante dessas cidades de mineração, você tem duas categorias, aqueles que vão de encontro ao problema e procuram colaborar e engrenar nele, e os outros que ficam só pedindo reivindicações, é como se fosse: “Sou vítima aqui, então tem que me dar isso, tem que me dar aquilo”. Eu acho que a primeira alternativa é a mais válida, quando você tem a colaboração desse tipo de gente, aí você cria empresários, aí a ajuda é muito mais eficiente, porque ajuda puramente assistencialista não ajuda a desenvolver, foi o que aconteceu com Itabira, houve muita ajuda assistencialista e pouca ajuda no sentido de criar empresários e criar uma vida própria, independente da existência de minério de ferro ou não. Porque lá tem bom clima, tem boas condições etc. Ainda tem tempo de fazer isso, viu. Lá tem alguns exemplos bons de, se fosse assim ficariam na segunda categoria, né, mas teve muitos movimentos políticos de prefeitos que pertenciam ao primeiro movimento. Só com assistencialismo você não resolve o problema, então, uma crítica que a gente faria à própria Vale, e eu faço também à própria administração é que naquela época muitas das coisas que a gente quis fazer por conta própria você poderia ter terceirizado, que não era fácil fazer naquela época, mas já havia pensamento nesse sentido. Se tivesse feito isso, você teria criado empresários ao longo da..., né, e é o empresário que cria emprego, que cria riqueza, é uma crítica que eu admito que fizemos errado, devíamos ter dado muito mais apoio. Mas dentro da administração, muitas vezes você, fala ter “fases domésticas”, você concorda até com certas coisas que você não concordaria, porque elas estão mais próximas do seu objetivo direto. Esse era um objetivo indireto, embora importante porque eu criaria carga para a própria Vitória-Minas, que naquela ocasião não acreditavam que eu tinha capacidade para ter transportado os seus próprios contratos de ferro, depois é que começou a surgir esse problema, que a estrada melhorou muito, e eu passei a ter ociosidade na sua capacidade de transporte. Aí eu já tinha um problema, entendeu. Mas nesse período em que você poderia ter criado indústrias na região e alocado determinadas funções que a própria empresa se meteu a fazer, eu teria criado um empresariado na região que poderia ter dado uma outra significação à própria região, que é aquele negócio do adensamento econômico que nós estávamos falando antes, e a própria Vitória-Minas que se criaria, bom, se não criou-se assim, criou indústria de aço na região toda, algumas já estavam lá como a Belgo-Mineira, e outras que foram criadas, a Aço Minas, Siderúrgica de Tubarão são decorrências disso, mas não foi suficiente, poderia ter sido muito mais. Valadares, por exemplo, poderia ter sido transformado em uma grande cidade industrial, e o pessoal de Valadares é daquela segunda categoria, eles eram empreendedores, só que não tiveram chance de desenvolver lá, então por exemplo; a maior parte do serviço, fábrica de vagões, manutenção de locomotivas e tudo, por que não faz isso privado? Podia ser feito privado, eu cuidava só do meu, como é hoje o pensamento do meu core business, né, aquilo que eu sei fazer bem, e o que eu não sei fazer bem eu pago alguém que faça melhor do que eu, que faz melhor e mais barato. Isso, não havia esse pensamento na época, pelo contrário, a gente lutou muito internamente com colegas que pensavam diferente nisso, né, embora em pequeno número, mas sempre tem esse esprit de cochon, o famoso espírito de porco, né? (riso)

P/1 – Doutor Eliezer, o senhor comentou agora da capacidade ociosa da ferrovia, o projeto Cerrados?

R – Vem disso, por exemplo, nós chegamos em uma época que a Vitória-Minas tinha uma capacidade, o dobro da capacidade dela idle, quer dizer vagabundo, né, então a gente começou a imaginar quais os produtos que nós poderíamos trazer para preencher essa capacidade, porque isso vai direto na produtividade, na sua eficiência. Então, descobrimos que a soja naquele tempo já estava em plena ebulição, e, ajudados pelo governador Rondon Pacheco e depois pelo Aureliano Chaves, nós criamos essa companhia chamada Campo. Reunimos os japoneses, e a Vale do Rio Doce liderando, criou-se essa companhia para desenvolver o cerrado de Minas Gerais para a soja, trouxemos gente do Rio Grande do Sul, porque já tinham a cultura da soja, tudo, nisseis de São Paulo e tudo, para produzir soja para ser exportada pelo Tubarão. Então, a origem disso, que depois evoluiu para outros Estados, porque como deu certo, aí virou política também, aí Goiás queria. Nós queríamos ficar dentro do limite econômico de utilizar Vitória-Minas e o produtor da soja ganhar dinheiro e nós ganharmos dinheiro no transporte. O negócio é bom quando o horizonte é o todo, senão não é monkey business, né, não é mais business, é monkey business. Então, nessa época aí começou a espalhar, virou Prodecer, mais tarde conhecido como Prodecer, aí ia dinheiro japonês, que era destinado ao plantador, ao agricultor, mas o objetivo nosso era criar infraestrutura, inclusive, as interligações rodoviárias, ou ferroviárias ou energia e tudo, ligando as zonas de produção para terminar isso tudo no Tubarão. Acabou-se fazendo no Tubarão aqueles silos de soja, não só soja, mas outros produtos agrícolas de exportação e de importação, importação de trigo, os produtos que... O milho, os produtos que o Brasil importa. Então, teve parte lá no Porto Velho de Vitória, lá Capuaba e lá no Tubarão, está lá, você volta lá, está lá, tem outros exportadores lá, Cargill, né. Então, foi uma primeira diversificação no sentido de ocupar a capacidade vagabunda da estrada de ferro, vagabunda no sentido de ocioso. Quer dizer, isso foi usado depois do Carajás, lá na época, mutatis mutandis, né, foi usado em Carajás no desenvolvimento de balsas. Nós fizemos projetos naquela ocasião visando o desenvolvimento do Maranhão já levando em conta isso, a região de balsas que hoje se tornou um grande produtor de soja e exporta pela Ponta da Madeira, né, mesma coisa, foi igualzinho o que foi implantado para lá, pois muitas das coisas que nós fizemos lá em cima foram calcadas nas coisas que foram feitas embaixo, inclusive isso aí.

P/1 – Erros e acertos?

R – Erros e acertos, exatamente, tivemos erros também lá.

P/1 – Seu Eliezer, ficou uma... (riso) quer dizer, no fundo esse foco no desenvolvimento regional que a Vale enfim ganhou como zona Rio Doce, depois lá no Norte, quer dizer, ela teve sentido quando se tornou business, quando ela foi parte de um negócio também?

R – É, não era feito, o que não era business era aquele fundo do Rio Doce que você distribuía sem opção para sugerir, né, primeira lá, por lei, que é oito por cento do lucro lá, coisa assim. O resto era feito como business porque tinha que ser feito como business por responsabilidade empresarial e ao mesmo tempo, ao criar um certo business entra o problema do empresário, você criava emprego, criava novas fontes de riqueza etc., fixava gente no campo, tudo isso já era pensado assim naquela época. O pensamento econômico não mudou muito daquela época para hoje, o que mudou foi o instrumental de chegar lá, isso que evoluiu, né?

P/2 – Ia fazer dentro dessa pergunta, quer dizer, pegar o elemento comunidade e fazer uma pergunta ao reverso, quer dizer, quando a Vale decide, chega em Carajás, de que maneira, e se existia algum conhecimento local da região e foi absorvido pela construção do projeto?

R – Não, não é só isso não. Você catou todos os conhecimentos existentes e ainda tivemos muitas pessoas ocupadas em obter novos conhecimentos, tudo que se podia conhecer, porque aí entra um negócio importante mesmo, que eu andei metido nele no tempo que eu estava no ministério do Collor aí.

Por exemplo – é o chamado levantamento ecológico, econômico –, é você tentar conhecer os ecossistemas da região em que você trabalha, ou seja, o conhecimento científico do território. Somente após o quê você se meteria na área econômica, para não estragar coisas que você estragaria sem conhecimento do solo, como aconteceu, por exemplo, não aí, é o Grande Carajás, a colonização daquela área do Rio Capim e aquilo tudo, tem áreas ali que hoje estão como desertificadas, estão mais ou menos com as mesmas características do Nordeste. Quer dizer, tem problema de água, você tem água agora de cacimba e tal, transformou-se uma pré-Amazônia em região nordestina, por quê? Porque ninguém tinha conhecimento científico suficientemente do território para começar a exploração econômica sem conhecê-lo, né. Com conhecimento é uma coisa, ou seja, você vai procurar poupá-la da degradação dos elementos frágeis do sistema. Por exemplo, esses assentamentos na Amazônia, sem esse conhecimento do levantamento ecológico-econômico, são altamente detrimentais, porque muitas vezes o pessoal ignora determinadas características de solo, a questão de recursos hídricos etc. e faz besteira, poxa, né, estou te dando um exemplo concreto aí. Isso aí nós procuramos, dentro dos conhecimentos da época, isso a gente entrou depois com fotografia de satélite, rádio digitalizado e tudo isso, critério do tipo arc..., unidade de natureza, né, porque o software holandês chamado ____ para classificar os ecossistemas da Amazônia, tenho mapas digitalizados fantásticos sobre esses negócios lá, levantamento da Amazônia, que foi um curso naquela época, tenho um mapa lá sobre o problema de garimpeiros, uma coisa tremenda…

P/2 – O senhor tem esse mapa?

R – Tenho, tenho lá, a mina, algumas coisas que eu consegui conservar lá no... Então, nós procuramos usar tudo que tinha na época no Carajás, e depois do ministério criamos mais coisas que depois foram utilizadas também já com maior grau de conhecimento, né. Eu sou partidário daquele negócio de que tudo que você quer fazer, você procura saber tudo que existe cientificamente sobre aquilo, para ser melhor informado, né, hoje não é o mundo da informação, tudo que você puder se informar, você diminui o seu grau de erro. Responde a sua pergunta?

P/1 – É nesse contexto, doutor Eliezer, quer dizer, no começo que surge o Geamam (Grupo de Estudos e Assessoramento sobre o Meio Ambiente), o núcleo de estudos, né?

R – O Geamam foi criado nesse contexto, exatamente para você não fazer besteira, então o que era o Geamam, a gente reunia...

P/2 – Os melhores.

R – Os melhores que tinha nessa área ambiental, aquele professor...

P/2 – Aziz Ab’Saber.

R –

Ab’Saber, que é um homem muito inteligente, uma figura de primeira linha aquele homem, né, aquele homem do cacau aí, esqueço o nome dele, todas essas figuras de... aquele lá do, qual é o nome do italiano lá do Museu Goeldi, todos. A gente ouvia aquele..., “Olha, as pessoas que conhecem são vocês, que eu não quero fazer nada sem o carimbo de vocês aí porque não é a para minha alta recreação, é para a posteridade”. O Brasil é nosso, nós precisamos preservar aquilo que precisa ser preservado, eu não quero estragar nada, né, nós queríamos fazer uma coisa para ganhar dinheiro mas no benefício da coletividade, benefício de todo mundo. Agora, eu não vou desperdiçar a coisa só para que meu negócio tenha sucesso à custa do prejuízo da nação, da coletividade, eu não vou fazer isso, certo. Então reunimos o Geamam nesses estudos aí, tudo que tinha de bom no Brasil foi convocado naquela época.

P/2 – Vocês sentavam, discutiam?

R – Várias vezes, discussões enormes, né?

P/2 – O senhor lembra de alguns pontos polêmicos?

R – Sempre tinha muitos pontos polêmicos, claro que tinha pontos polêmicos.

P/2 – Quais eram eles?

R – A construção da ferrovia por exemplo, porque ia atravessar áreas que ofereciam perigos ecológicos evidentes, né, isso tudo foi respeitado, chegamos a mudar até coisas para respeitar o lado ecológico, a localização da mina, todas aquelas coisas lá na mina. Você viu lá o cuidado que teve com a legislação, ninguém abusou um centímetro a mais do que era absolutamente necessário. Aliás, ficou até muito bonito. Você vê como quando você respeita a natureza, a natureza retribui, né, tem aquele negócio lá, franceses gostam de dizer Chassez le naturelle et reviendra au galop. Entende isso, né? Você expulsa o natural e ele voltará ao galope, você cria barbaridades e a natureza reage, né, porque a cidade de Pampulha, tivemos muito mais prejuízo do que o prejuízo que você deu a ela, é por isso que tem que ser respeitado. Esse que é o trabalho pioneiro que deu origem à conferência do Rio que eu falei antes com o Schmidheiny.

P/2 – Eco 92.

R – Schmidheiny é um homem extremamente inteligente, né, um bilionário que gasta uma parte enorme da fortuna dele por alta recreação porque ele acredita nessas coisas, ele é um homem sincero, o suíço não é muito disso não, o suíço é muito interessado em avareza, não é, l'avidità è vivere in povertà per paura della povertà, é viver na pobreza com medo da pobreza, esse não, ele é um cara mão aberta, inteligente danado, e é criticado muitas vezes por causa disso, é sempre assim, né?

P/1 – Pois é, eu queria perguntar um pouco, e a experiência do governo Collor, como é que foi essa experiência?

R – Bom, teve um lado positivo e outro negativo, né, ele...

P/2 – Inicialmente, o senhor recusou, não foi?

R – Recusei, eu recusei vários convites de ministro, de Sarney, eu não me sinto com cara de ministro, né, eu tenho cara de vira-lata, né, ministro não me... Bom, mas ali eu fui empurrado lá porque aí começaram a apelar para o: “Você está fugindo do…”, essas coisas, você acaba, dá uma de espanhol e aceita. Então, ele era um homem decidido, ele tomava decisões com coragem e tal, inteligente, mas aquelas veiculações dele com o PC Farias começaram a ficar muito evidentes, né, aparentes até a um ponto de que: “Bom, então isso aqui, esse negócio não vai dar certo porque isso aqui é um lado ético que é inaceitável para um governo”. Infelizmente, aconteceu o que a gente já suspeitava, eu quis sair antes, mas não consegui sair porque o Jorge Bornhausen, que acabou saindo na minha frente, ele disse que aí ficava ingovernável, né, que ia criar uma crise, então eu aguentei até o fim, mas a razão foi por razões éticas, essas aí. Fora disso ele fez muita coisa, os negócios dos automóveis, abertura da economia, ele fez com coragem, ele tem um mérito, tem méritos. Uma pena, porque o Brasil perdeu quanto tempo com aquilo, né?

P/1 – A partir do ministério, o senhor pensou algum projeto?

R – No ministério dele nós fizemos o quê, começamos o gás da Bolívia, veio dali, está aí, começou no tempo dele. Esse documento foi feito a pedido do Fernando Henrique quando era ministro das Relações Exteriores. Mas nós no governo Collor tínhamos proposto cinco coisas já nessa linha aí, o gás da Bolívia, que fomos combatidos tremendamente no princípio, é outra coisa que quase ninguém fala, né, que já tinha, isso já vinha do Roboré, do tempo do Roberto Campos, mas era puramente para questões de petróleo e gás como fuel, como combustível, não gás para gerar energia elétrica, que é uma coisa inteiramente nova. Nós mandamos fazer uma análise naquele governo Collor, chegamos à conclusão que em 1998 a gente já terá apagões e até racionamento de energia aqui no Sudeste. Então, a única saída era a energia à gás, naquela ocasião já tinha as turbinas de ciclo combinado, que eram turbinas extremamente eficientes, limpas que te permitiam produzir a curto prazo e evitar os apagões. Então, a única solução é gás. Onde tem gás? Na Bolívia. Na Bolívia não tem gás suficiente, mas tinha a perspectiva de ter muito gás comprovada geologicamente. Daí a gente tomou o risco e lançou aquele projeto que a Petrobrás foi contra no início, a Eletrobrás foi o pior inimigo. Mas, esse governo deu apoio e acabou saindo, isso veio de lá. A navegação fluvial, o principal projeto foi a navegação no Madeira, como aquele grupo Blairo Maggi, que foi já nesse governo, mas veio daí. A fundação da ADTP, Agência (Agência de Desenvolvimento Tietê-Paraná), veio daí. A interligação Brasil e Argentina elétrica, né, usando a termoeletricidade argentina com a hidroeletricidade brasileira veio daí também. A ligação da linha de transmissão do Guri Dam na Venezuela com Manaus, ela foi feita até Bela Vista porque a Petrobrás botou areia porque ia levar o gás de Urucu para Manaus, né, mas foi feita. Essas coisas vieram de lá e foram aproveitadas nesse negócio de..., isso do mérito do nosso presidente aí que pediu para fazer esse documento e toda essa noção de eixos de tudo que deu origem ao Avança Brasil que agora vai virar no dia 31 de agosto e 1 de setembro, vai ter uma reunião dos presidentes de toda a “Cucaracha Holland”, é a América do Sul, né. E vão reabrir aí para botar, em vez de “Avança Brasil”, “Avança América do Sul”, que no fundo é isso que está aí, é isso aí, esse documento aí declarou, está aí com os fundamentos teóricos disso. Isso daí está cheio de backup, técnico disso está cheio de teoria de causa, matemática não-linear, complicado, mas ninguém vai entender isso, então você já publica a coisa obrigada para consumo geral. Não adianta você ficar fazendo show de conhecimento que ninguém quer saber disso. Então, você vê que depois que eu saí dessa coisa, nós nos metemos muito nessa área aí, que é a área que nós estávamos fazendo esse grande projeto, a logística do Sudeste, chama-se CDSE, mas isso é outra história, né, não vou mais tomar o seu tempo agora.

P/1 – Conta.

R – Hoje, a Vale participa também, mas isso é, como o italiano disse, un altro discurso.

P/2 – A Vale participa?

R – Participa sim, Vale, a CSN, o Unibanco, a Mitsubishi, a Bunge, a Telemar, várias companhias, negócio grande que está saindo, ficou conhecido como Sepetiba, mas não é nada, Sepetiba é um ponto daquilo lá. Mas isso é um negócio grande e se é, dá para uma conversa três vezes mais longa do que essa aqui.

P/2 – Ia voltar lá nos processos de privatização, como é, o senhor participou de alguma maneira dos processos de privatização do governo Collor?

R – Não, nenhum, no Collor não, não participei não. Aquilo não estava… Eu era, o Ministério de Assuntos Estratégicos era um prolongamento da Presidência da República, né, no fundo tinha uma autoridade muito grande porque você falava em nome do Presidente, mas o que ele queria de mim e concentrou tudo são essas coisas aí que eu estava falando. Ele queria um processo de desenvolvimento novo, onde você fizesse a..., que há a teoria que está ali, uma maneira, uma divisão nova do Brasil, não pela divisão federativa, mas pela divisão em áreas econômicas, que aquela divisão federativa foi feita nos tempos coloniais, né, aquilo era capitanias hereditárias, aquilo tudo era interesse dos donos de engenhos, dos donos de terra, era tudo pocket oriented. Então, você dividir por exemplo no Nordeste, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco, é tudo a mesma coisa, então faz um bloco econômico que, aí vem a noção de sinergia que todo mundo fala e ninguém sabe o que é, sinergia é a multiplicação das interfaces, essa é a noção da teoria do caos, dois mais dois pode ser igual a cinco, mas pode ser igual a três também. Então, com o dinheiro que você gasta para juntar esses quatro Estados em cinco, se você fizer como bloco, você vai gastar dez bilhões de dólares para realizar determinado tipo de trabalho, se você considerar aquilo como Estados federativamente separados, você vai gastar o dobro para obter o mesmo resultado. Então, que porcaria é essa de, essa federação que está dando prejuízo, muda isso. Ele tinha coragem de fazer coisas assim.

P/1 – Ele pensou nisso?

R – Ele chegou a pensar, não, é claro que ele não teve que ver isso, o caso é que não temos um pouco da cabeça dele, né?

P/2 – Mas ele tinha coragem para tocar?

R – Ele tinha coragem para tocar, tinha e mandou fazer, e aí nós fizemos, esse estudo começou assim, depois começou a noção de eixos...

R – Mas, tudo que eu tinha feito, ele mandou: “Suma com isso daqui”. O cara é doido, né, então... Aí o Fernando Henrique me chamou e ainda pediu para fazer esse negócio lá, e deu todo o apoio, a oscilação de eixo também que não é bem compreendida, e que teve alguns desvios do conceito original. Agora, ele pediu para retomar tudo de novo e vai consumar o Avança Brasil no Avança América do Sul já com integração da América do Sul da maneira que está aí. Aí é claro que ainda foi um primeiro documento que é uma aproximação, isso aí, esse livro daí, esse livreto daí é uma bíblia de toda a “cucaracha Holland”. Eles estão fazendo lá exatamente outro país dentro, que tem outras versões aplicadas a cada país deles lá, que nós fizemos também, essa é a versão do Enfoque Brasil, o Brasil como os vê e tem lá o Equador, como ele nos vê, então é outra coisa, como vê os outros cucarachos também.

P/1 – Existem pesquisas mais localizadas, mais detalhadas...

R – Isso aí tem documentação enorme para selecionar, mas trabalhando como engenheiro deles lá, um bocado de trabalho feito nisso aí, né, eu não gosto desse tipo de coisa inquisitiva, de procurar praga (sarna), procurar coisa para se coçar, né?

P/2 – Qual a atividade é que o senhor exerce hoje?

R – Nada, eu sou franco-atirador, represento as donas de casa. (riso)

P/2 – Não devia ter perguntado isso.

P/2 – Pode falar o cotidiano direitinho.

R – Eu estou em vários conselhos de companhias brasileiras, estrangeiras etc. Como a Advice vem pedir conselho.

P/1 – O senhor foi convidado para participar do conselho de administração da Vale pós-privatização?

R – Depois da privatização?

P/1 – O senhor foi convidado para o conselho?

R – Eu não sei, eu acho que não.

P/2 – Não lembra.

R – Não lembro. (riso)

P/2 – Homenagem, o senhor recebeu muitas homenagens?

R – Merecidas e imerecidas.

P/2 – Quais foram as imerecidas?

R – Bom, eu tenho a maior condecoração do Japão, né, agora mesmo eu recebi uma do governo português, a maior condecoração portuguesa que o presidente de Portugal me deu agora aqui, nessa visita dele aqui, tenho a maior condecoração do governo alemão da ________________, tenho austríaco... eu não me sensibilizo muito com isso não, porque tem muita hipocrisia nisso daí, então esse negócio.

P/1 – Até da academia de ciência russa o senhor tem, né?

R – Professor, esse eu sou muito eleito, né, por causa de Matemática lá.

P/2 – Esse é bacana?

R – Esse é, esse é porque tem mérito, não é uma condecoração puxa-saco, é uma condecoração que a gente contribuiu para ela, né, então... e aquele matemática russa é cobra mesmo né, e pra mim é fácil porque entendo a língua, embora eu larguei também essa parte de matemática, eu não mexo mais com isso não, porque não dá para você se ocupar com tanta coisa e, depois, exige de você constante atualização e consome um tempo brutal, né, isso, o raciocínio vai mudando muito para o lado de Física, né, o que ajuda muito a gente a navegar no mundo moderno, isso é uma vantagem que eu atribuo ao fato dos conhecimentos de Física e de Matemática que você atualizou, porque sem isso você estaria perdido no mundo moderno.

P/2 – O senhor usa um pouco a linguagem de Física Quântica, não usa?

R – Uso, claro, porque eu leio muito sobre isso.

P/2 – Fritjof Capra.

R – E muito de teoria de caos, lia ___...

P/2 – Os híbridos?

R – Jacob, essa gente toda, isso é um negócio que eu gosto, faço com prazer, né, e mantenho essas relações na Rússia porque gosto também porque eu gosto, só que a minha contribuição não tem mais... me dava muito bem com Mario Simonsen por isso, tinha relação muito íntima com Mario Simonsen, ele era muito bom nisso, em Matemática ele era ótimo. Então, isso te ajuda a entender, vamos supor, pessoas da minha geração que não fizeram esse acompanhamento, fica difícil para você navegar no mundo moderno até para dialogar, porque a linguagem é outra. Você vê, eu não tenho, vamos dizer, eu não sou cobrão nessas coisas, mas pelo menos você entende, sabe navegar ali, você entende aquilo que você está falando, que o chato é você falar alguma coisa, que não entende nada daquilo, né, então você fica como bode de presépio que é muito chato. Então aquela regra de funcionário público, conhece, né, os golden rules do funcionário público. A primeira é o seguinte: melhor do que o meu sucessor, melhor do que o meu atual chefe, somente o seu sucessor. E a segunda é a seguinte, em uma reunião é melhor ficar calado e passar por burro do que abri-la e demonstrá-lo.

P/2 – Se o senhor pudesse mudar alguma coisa na sua trajetória de vida, o que o senhor mudaria?

R – Trajetória, eu tenho sete filhos, isso é um trabalho noturno extenuante. Bom, a minha mulher gosta muito de filhos, né, ela tinha mais... Agora, eu gosto muito de família, sabe, eu tenho uma vida de família que eu gosto muito. Então, eu acho que a única obrigação que você tem, que você conhece na sua vida é essa, manutenção da espécie. O resto eu não sei. Você não sabe para onde vai, o que está fazendo aqui, ninguém sabe, não é? Como aquele italiano disse: “Filosofare

è quando si arriva a capire che qualche abbiamo capito non meritava di essere capito”, entendeu isso? Então, isso aí, a minha família é uma família normal. Então, eu não entendo muito bem como é isso tudo, a mulher, eu devo a ela que dedicou todo esse pessoal. Minha mulher é de Hamburgo, tem aquelas coisas de alemão, de beleza, educada em toda aquela educação rígida alemã.

P/2 – Estive com ela em um chá, nós fizemos um chá no Souza Parque, eu fiz a entrevista, ela participou bastante.

R – Ela infelizmente está muito doente, né, mas é uma pessoa tremendamente, eu nunca vi uma pessoa assim tão residente. Bom, eu acho que estamos, eu agradeço muito a sua...

P/2 – Só, posso fazer uma só?

R – Pois não.

P/2 – O que o senhor acha desse projeto memória, sua experiência de estar contando, dando depoimento?

R – Grande empresa, acho que sobretudo eu não sou massagista, eu não estou te falando isso só para agradar, primeiro, eu gostei (riso), é massagista de almas, eu acho que o padrão de vocês é um padrão muito bom, hein, não estou..., eu não tenho conversado com gente assim no mundo inteiro, vocês tem o physique du rôle, você está fazendo uma coisa que não faz porque você gosta, mas para a qual você tem vocação natural. Agora, o que me agradou mais de tudo isso, nesse trabalho, que eu acho da maior importância, se você não criar uma memória, você não cria tradição. Sem memória e tradição você não é nada. Você nem sabe quem que é, você perde a sua própria identidade. Agora é você extrair dessas coisas todas, não quer dizer que aquilo que eu estou dizendo seja melhor, você vai chegar à sua própria conclusão, mas dê importância àquilo que é importante, e não concentre em galinhagens inúteis, pega aquilo que é importante, porque vai ser uma referência histórica uma coisa dessa, muita gente no futuro vai ver isso como referência histórica, em busca da verdade. Primeiro, só falar aquilo que é realmente verdade, porque o que a gente tem dúvida, até na história, porque tem muita chantagem na própria história, porque escrita on behalf of para atender certos outros interesses, né. Mas é que você só constrói em cima da verdade, então, se você quiser construir um país melhor, vamos separar aquilo que deu certo e separar aquilo que deu errado, mas com absoluta pureza de espírito, pureza da alma. Isso eu acho que vocês tem condições de fazer, viu, tanto a sua colega que eu vi.

P/2 – A Karen [Worcman].

R – A Karen, como você, tem esse viés. Aproveita isso. O que te falta é só mais experiência, porque você vai adquirir com o decorrer do tempo, eu acho que com tanta gente que você fala, a gente aprende muito também com isso, né? Eu devo dizer que eu aprendi muita coisa lendo, mas aprendi muita coisa conversando também, sabe? A cultura oral não é como muita gente pensa, inútil, porque talento em grande parte é interesse. Se você tem interesse,
inquisitiveness, inquisitividade, você vai procurar o conhecimento. Se você não está interessado, não aprende nada, “Ah… me ne frego”,

mas você tem interesse na coisa, isso é importante para burro, isso é talento. Falei muita besteira?

P/1 – Não, que isso.

Projeto Memória Companhia Vale do Rio Doce
Depoimento de: Eliezer Batista (Parte 3)
Entrevistado por: José Carlos Vilardaga e Rosana Miziara
Rio de Janeiro, 20/07/2000
Realização Museu da Pessoa
Código do depoente: CVRD_HV002
Transcrito por: Elaine de Souza Zanolo
Revisado por Joice Yumi Matsunaga

R – Então, eu gostaria de abordar..., hoje, o lado interessante são os resultados das atividades da Vale do Rio Doce e sua repercussão para fora da empresa, tanto no âmbito nacional como internacional, então, não é só na área do minério de ferro, em diversas outras atividades em que ela se meteu, como alumínio, como celulose, ferroligas etc. Isso teve repercussões fora do Brasil, eu vou lhe dar um exemplo interessantíssimo, que hoje mais do que nunca está sendo aproveitado como referência, vai sair um artigo na Gazeta Mercantil sobre isso aí. Por exemplo, gás natural e a evolução da siderurgia com a evolução tecnológica da siderurgia, o que é que se pode ser aplicado no Brasil, em 1984 nós compramos a antiga Kaiser Steel na Califórnia e fizemos um joint venture cinquenta-cinquenta com a Kawasaki, qual era o objetivo daquilo? Era não só ter oportunidade de vender para a Califórnia, que ia se tornar apenas um reroller, quer dizer, um laminador a frio, era mandar placas do Brasil pra Califórnia para serem processadas e vendidas no mercado americano como aço final. Então, além disso, naquela época, o ambiente econômico-financeiro era parecido com o de hoje, você teria condições de ter no exterior não só um mercado, mas teria condições de levantar recursos financeiros lá fora mais baratos do que aqui. Porque difícil no Brasil era a taxa de juros, o alto custo de captação de dinheiro, você teria isso lá fora com as garantias do próprio empreendimento que você tinha lá fora, quer dizer, sem precisar usar garantias do país, porque, com o risco do Brasil, nenhum banqueiro queria, pelo menos não te dava dinheiro barato. Hoje, isso está sendo usado, o Gerdau está fazendo isso, vários outros empreendedores estão fazendo isso, quer dizer, isso foi uma coisa gerada na Vale, 1984. Eu acho que na entrevista anterior nós já falamos da questão da construção do Porto Tubarão e da enorme revolução na navegação marítima, aliás, tem um artigo escrito sobre isso. Então, isso tem um efeito fallout enorme fora, não só no âmbito da Vale no país, mas no exterior também. Outro exemplo interessante é a Lei Florestal, a Lei Florestal foi desenvolvida pelo doutor Dias Leite comigo em 1965, começou em 1965. Essa lei florestal foi originalmente concebida para você ter uma chance de estimular o reflorestamento dando uma concessão fiscal, quer dizer, com benefícios fiscais, Imposto de Renda no caso. Então, esta lei foi aprovada no tempo do Castelo Branco, naquela ocasião eu nem estava na Vale, por causa da Revolução eu tive que sair da Vale, porque eu era considerado meio comunista – não tinha nada de comunista (riso). Então, ela foi aprovada pelo ministro Gouveia Bulhões e pelo Ney Braga que era o ministro da Agricultura, e gerou todo esse movimento, digamos, de reflorestamento no Brasil que gerou o boom de celulose. Depois, o professor Dias Leite comigo, nós fundamos a companhia Aracruz Florestal, essa Aracruz Florestal que mais tarde gerou a Aracruz que é hoje a grande Aracruz. É claro que isso aí foi com a colaboração de empresários brasileiros, e, sobretudo, quem realizou realmente a parte industrial da Aracruz foi o Seu Erling Lorentzen que hoje é chairman da empresa e desenvolveu esse colosso, e todo o boom florestal e de celulose, de papel, foi gerado daí, porque você conseguiu tornar a matéria-prima, que no Brasil é muito mais econômica que nos países frios como Escandinávia, no Hemisfério Norte. A madeira cresce muito mais rápido aqui, então, gerou essa coisa que hoje é um dos esteios da economia brasileira, então, isso surgiu de dentro da Vale, quer dizer, talvez lá mesmo, dentro da Vale, não se conheça essa história dessa maneira, você entendeu. Eu acho que isso tem uma importância muito grande, o fato, por exemplo, da siderúrgica da Califórnia, o CSI, California Steel Industries, ela gerou outros, compra de um porto lá em Long Beach, a Vale tem um porto lá em Long Beach, ajudou a fazer lobby nos Estados Unidos para impedir ou diminuir a agressão das taxas contra a importação de aço do Brasil, porque você tinha gente lá defendendo emprego nos Estados Unidos e tudo. Então, um senador da Califórnia colocou-se a nosso favor, favorecendo, slabs, que dizer, placas, então, pode importar porque a Califórnia precisava. Isso abriu caminho para outras importações, isso mostra a você a influência da indução de outros empreendimentos a partir da Vale do Rio Doce que não são parte do próprio raio de ação da Vale visto puramente de dentro. Quer dizer, essa coisa vista com horizonte mais amplo, visto com visão de pássaro... Mas isso aqui pode se estender, como você sugeriu, que não só estou te dando dois exemplos simples, disso aqui você pode ter um grande número de exemplos, você tinha que catalogar tudo isso e mostrar que a repercussão financeira, os efeitos multiplicadores, fins econômicos e financeiros que vieram da Vale vão muito além das fronteiras da própria Vale, pouca gente percebe isso.

P/1 – Claro, porque eles desmembram…

R – Então, por exemplo, a Rio Doce foi uma das primeiras companhias, não vai aqui nenhuma exuberância tropical não, das primeiras companhias que funcionou em sistema. Hoje, você vê todos esses conceitos de alianças estratégicas, de sistemas, internet. No fundo, o que é que é internet? É um network, o que é que é network? É uma rede, é um sistema. Por exemplo, a concepção da própria Vale, que isso nós falamos no..., foi uma das primeiras companhias do mundo a funcionar como um sistema integrado de logística. Quer dizer, ver a produção, o transporte interno, terrestre, ferrovia, a manipulação portuária, o transporte marítimo, o marketing, e distribution network, isso tudo é um sistema, que funcionou como um sistema, quer dizer, modus in rebus, modernamente, tudo o que você está fazendo na internet hoje. Você tem instrumentos modernos, que não tinha internet antigamente, que facilita as transações e melhora tudo. Mas a concepção já estava embutida nisso aí. Eu quero atribuir isso, que nós não somos inventores de coisa nenhuma, mas já se pensava naquela ocasião em termos de sistema, isso é uma coisa extremamente importante.

P/1 – Então, essa concepção de sistema que foi pensada, que foi sendo construída e que credenciou e fez a Vale desse tamanho, era uma coisa que começou a acontecer quando o senhor estava à frente da Vale, a gente queria entender, ficou com essa curiosidade de entender um pouco, se o doutor Eliezer pensava isso, deu uma sinergia com uma equipe que conseguiu colocar isso em campo, quer dizer, como é que nasce isso dentro do senhor?

R – Isso tudo é um trabalho de equipe, não adianta você...

P/1 – Mas o senhor pensava, passava?

R – Pensava, passava, aceitava pensamentos de outros também, há uma osmose nesse processo, não é só você, quer dizer, você sempre trazia com mais agressividade ideias mais novas, porque a gente tinha mais contatos, lia mais, talvez, mas aceitávamos, modificávamos muitas coisas nossas próprias com a ajuda do pessoal da equipe. Agora, nada funciona no mundo a não ser em equipe, você vê o mundo moderno, ainda mais quando você trabalha em sistemas, hoje, uma das coisas importantes no desenvolvimento de um país e quando você analisa as próprias possibilidades de desenvolvimento do país, e se o cidadão sabe trabalhar em equipe. Quer dizer, você não faz nada sozinho, sobretudo na hora de implementar, é fundamental isso, quem implementa é outro. Mesmo que você seja o chefe, as pessoas que implementam são outras. Você tem que ter a visão de pássaro, não é a do dentista, e ter equipe. Então, no fundo, esse trabalho todo foi um trabalho de equipe, com gente que contribuiu de todo, não só no mesmo nível nosso mas até de níveis de baixo, e de fora também. O problema é você interpretar aquilo tudo e tirar o resultante, esse é que é o problema mais difícil, porque o que acontece em geral é o seguinte, não é só a questão de adoção de ideias novas, é mais fácil do que se livrar das ideias velhas, é tirar as barreiras de pensamento, digamos, você trazer um sujeito a pensar em sistema, um indivíduo que pensa pontualmente para pensar em sistema é uma mudança radical na cabeça dele, você tem que mudar o mindset, é a cabeça do sujeito. Toda essa mudança hoje chamada nova economia, por exemplo, no fundo é uma mudança de cabeça também, quer dizer, a Matemática que você usa é diferente, a Física é diferente, você vai ter repercussões na economia que vão mudar, por exemplo, curva de Laffer, coisa tradicional na Economia, ela está sendo mudada porque a Economia americana com a ajuda da information technology mudou completamente, quer dizer, que deu à Nova Economia, não é só dizer que internet é a Nova Economia, internet é apenas um instrumento para você alterar a Economia, para melhorá-la. Então, essas coisas todas, a Vale trouxe uma contribuição muito grande nesse campo que não é conhecida, e esse trabalho de equipe que eu estou lhe falando aí, é uma coisa que exigiu motivação, quer dizer, você entender que todo mundo tem que ter uma motivação muito grande. A motivação é aquela história da catedral, de um sujeito que estava construindo uma catedral e, comparado com o que está construindo, uma coisa que não tem a importância nem a significação de uma catedral. Então, um indivíduo se sente muito diferente do outro que está construindo um bueiro não é. Então, dá a sensação da grandeza, auto-estima, entusiasmo por estímulo, entusiasmo por aquilo que ele está fazendo, porque ele está vendo na frente um objetivo nobre, muito mais importante, de significação social, de significação ambiental e tudo, que é outra contribuição enorme da Vale, essa do âmbito ambiental, do meio ambiente. Nós já falamos disso aqui, nós fomos pioneiros, o Carajás foi a inspiração para a criação do desenvolvimento sustentado, toda teoria do desenvolvimento sustentável, que foi apresentada em 1992 na conferência do Rio, ela foi inspirada no Projeto Carajás. Quer dizer, é a aproximação dos projetos pelo lado econômico, social e ambiental simultaneamente. É claro que cada projeto tem uma componente diferente da outra, mas essa aproximação simultânea, respeitando-se todos esses lados, e o lado social inclui educação, saúde, inclui tudo isso. O Projeto Carajás foi o modelo sobre o qual se inspirou para essa teoria de desenvolvimento sustentado que hoje está no mundo inteiro, então, no fundo, é uma outra contribuição indireta da Vale do Rio Doce à essa coisa toda.

P/1 – E essa motivação que você está falando, essas pessoas que estavam na base, quer dizer, de que maneira chegava para elas, ou elas entendiam essa construção da catedral?

R – Bom, isso nós fomos catar nas universidades, nós trouxemos muita gente do Paraná, de Belo Horizonte, das melhores escolas de Engenharia e de outras faculdades, procurava escolher o que havia de melhor. A Rio Doce sempre jogou muito no elemento humano, e sempre jogou muito em educá-los fora e trazer gente de fora para enriquecer aqui, porque aquilo tudo foi baseado no conhecimento humano. Hoje, a ciência moderna, o conhecimento, os países se enriquecem não é vendendo matérias-primas, eles se enriquecem é adicionando valor e valor é inteligência, e inteligência requer educação. Então, nós, desde aquela época, procurávamos ter os melhores engenheiros, os melhores profissionais das diferentes áreas, tivemos o primeiro computador que entrou no Brasil, foi IBM, que foi instalado em Vitória naquele centro de computação, o primeiro que entrou no Brasil. Então, você vê a preocupação que já havia de progresso, de estar na frente da parte tecnológica, a Vitória-Minas venceu um grande número de obstáculos técnicos, tecnológicos, que exigiram a colaboração da Alemanha, dos Estados Unidos e tudo. Você vê a preocupação que todo mundo tinha de fazer o melhor, quer dizer, nós chegamos a criar os melhores engenheiros de ferrovia, os melhores engenheiros de mineração, melhores engenheiros de operação portuária e tudo, que hoje estão espalhados pelo Brasil inteiro aí como você pode constatar, gente que foi daquela equipe da Vale que hoje está ocupando posições importantes, e até fora do Brasil. Quer dizer, então, importância que já se dava ao conhecimento. Hoje, o enriquecimento é feito através do conhecimento, é o knowledge intensive economy, economia baseada no conhecimento intensivo, é o brain power industries, quer dizer, você não se enriquece vendendo minério de ferro, por isso que nós tentamos fazer siderúrgica, Siderúrgica de Tubarão, nós falamos isso naquela outra entrevista, ela foi gerada nesse contexto, com o pensamento. Embora tenha originado fora da Vale, ela se implementou depois na Vale, ela se originou quando eu estava no grupo Antunes que é hoje Caemi. A Caemi foi fundada por nós também, quando a Revolução me tirou da Vale, o doutor Antunes me convidou para presidente da Caemi, da MBR que foi fundada por nós, e fizemos esse projeto de Sepetiba, todo mundo conhece aí, que hoje é controlado pela Caemi. Então, esta coisa toda, ela já era a valorização do conhecimento humano naquela época. Você tem que ver que isso começou em 1960 na verdade, pouco antes, aquele período heroico, que a gente também falou aqui, aquilo era mais um problema de implementação, não era de concepções novas e tentativa de mudar o curso das coisas como foi feito a partir de Tubarão, não é.

P/1 – Cotidianamente, o senhor tinha uma ideia, como é que era isso? O senhor chamava, “deixa eu te contar uma história que eu ouvi lá fora”, como é que era isso?

R – Você tinha um, isso tudo era um challenge para nós, nós temos que, como é que nós vamos sair de cada obstáculo que surgia, porque você..., é uma corrida de obstáculos, steeplechase, não é? Você vence um obstáculo, vem o outro. Você tem que vencer outro até chegar, para isso então, você tem que motivar o pessoal, você tinha que trazer as ideias novas, aceitar ideias novas, ou motivar a própria equipe a gerar ideias também, discutir essas ideias. É como você toma um remédio, você não sacode para ver se tem impurezas, você não bebe antes de sacudir aquilo, então, depurar essas ideias todas até chegar em uma resultante: “Bom, esta daqui funciona”. Para isso, você tem um instrumental muito grande, Matemática. Hoje, você tem computador que te ajuda a fazer cálculo etc, embora o raciocínio hoje é muito mais de botar ordem na desordem do que escolher a melhor opção. Isso o computador faz para você hoje. Agora, botar ordem na desordem, você entra na teoria do caos, é um outro mindset, não é, mas todo mundo colaborou nisso, não foi uma só. Claro que como presidente da empresa e tudo você tinha que liderar. Eu não acredito que não tenha líder. Sem liderança você não chega a lugar nenhum, porque na hora de você tomar uma responsabilidade, você fica sozinho. A responsabilidade final é sua. Por exemplo, na decisão de Carajás, se desse errado, você seria o único sacrificado. Isso é sempre assim, isso é da humanidade, então, aquilo é claro, foi uma decisão que eu gastei meses para você..., precisava de estar escorado, com fatos, com menor risco possível para tomar aquela decisão, e foi feito de uma maneira muito..., nós plotamos todos os concorrentes potenciais no mundo, que naquela ocasião tinham muitos. A gente era muito criticado que ia abaixar o preço do minério, que não ia dar certo, na Amazônia tinha dado tudo errado, e que o fracasso era garantido, isso até na imprensa estrangeira, até o Financial Times criticava a gente. Então, é claro, concorrência aproveitava aquilo para te malhar mais ainda, e claro que dentro da própria empresa também tinha gente que não concordava, que talvez, nunca foi tudo unânime, lá sempre tem. Então, na hora de você tomar a decisão final, aí claro, você tem o apoio dos colegas e tudo, mas a responsabilidade... Se der certo, tudo bem. Agora, se não der, você paga por isso. E não podia dar errado aquilo. Se desse errado, era um desastre colossal, porque estavam envolvidos ali bilhões de dólares. Nós acabamos o Carajás com um bilhão de dólares a menos no investimento, um dinheiro mais barato que o Brasil recebeu, naquela época quando Itaipu estava recebendo spread de 2.5, juros flutuantes de dezessete por cento, coisa assim. Nós tirávamos dinheiro sem spread, tiramos um único empréstimo que a comunidade europeia emprestou ao Brasil, você tinha carência de cinco anos e juros de oito por cento fixos, naquela época, que era uma época pior do que a que nós temos hoje, você entendeu? Então, essas coisas todas, mostro a você que no caso da decisão de Carajás, eu estava dizendo, você plotou os concorrentes e calculou tudo isso, quer dizer, aonde é que cada um deles pode chegar, quer chegar, e aonde é que eu iria em um confronto com essa gente, o balanço, o equilíbrio disso, para você tomar uma decisão: “Bom, eu não vou abaixar o preço do minério, eu vou matar tantos concorrentes”. E acabou acontecendo isso, nós matamos uma dezena de concorrentes potenciais que iriam sair com projetos menores, que não tinham a qualidade do nosso minério. O preço do minério não caiu, pelo contrário, por causa da qualidade do minério, ele passou a ser mais demandado que outros de qualidade pior. Tudo isso tinha sido colocado na sua matriz de pensamento, entende? Não é um negócio que foi feito assim à la diable, faz de qualquer maneira, como é que eles chamam aí, de barriga, nada disso, esse negócio todo foi feito com reflexões longas, e muita gente participou, então, é um negócio muito..., não foi uma coisa só individual, é claro que a responsabilidade era da gente, e você tinha que arcar com ela, está certo?

P/2 – Doutor Eliezer, eu queria que o senhor contasse um pouquinho como é que o senhor montava essa equipe que trabalhava com o senhor, a mais próxima, quer dizer, como que o senhor reconhecia um talento...

R – Mas é o que eu disse, nós íamos buscar nas universidades melhores, busquei muito no Paraná, busquei em Belo Horizonte, Ouro Preto, nós trouxemos gente do Brasil inteiro, tinha muito gaúcho, tinha gente de toda parte lá.

Procurava aqueles que a gente via que tinham esse espírito de catedral: “Vamos construir uma catedral”. É muito diferente dos outros que estavam apenas procurando salário ou querendo emprego, é uma diferença enorme. Então, um sujeito que vem te procurar: “Quanto é que eu vou ganhar aqui?”, é claro que eu quero pagar bem e tudo, mas o sujeito que vem: “O que é que eu vou fazer? Qual é o futuro que tem isso? Qual é a beleza desta obra? Qual é o impacto dela sobre a sociedade, sobre a criação de empregos? Qual é a beleza?”, beleza nesse sentido amplo. É muito diferente do outro que está procurando só salário, que é uma demonstração sadia, porque salário todo mundo quer ganhar, bem, isso é ça va sans dire, mas por outro lado é uma demonstração de egoísmo e de primarismo, porque ele não está procurando catedral. A gente sempre teve preferência por construtores de catedral, aqueles que tinham uma visão mais ampla e queriam realizar uma obra, não é só realizar, realizar um grande objetivo, inglês chama isso de um grand design, não apenas fazer uma obra só simplesmente, é muito diferente isso, viu, e isso hoje mais do que nunca, as pessoas que não têm – americano chama isso de visionário –, não é visionário, em português é diferente, visionário é um louco...

P/1 – Espírita.

R – Não, é um cara louco que sai fazendo coisas sem, pode ser espírita também, na visão de americano é quem tem visão, é o que tem a visão de pássaro, quer dizer, que vê longe e vê do alto, e sabe: “Bom, nós queremos chegar naquele ponto lá”, não é o outro que está vendo só – aí entra o dentista de novo –, que está vendo só aquela, não é? É muito diferente uma coisa da outra. Então, o problema é procurar construtores de catedrais, essa é que era a filosofia. Por isso você criou aquela tremenda motivação, que eles chamam de “vestir a camisa”, aquela tremenda motivação, e isso, curiosamente, não é só no nível de engenheiros, até no nível de trabalhadores e tudo você tinha esse espírito de o sujeito estar construindo uma catedral, é muito diferente isso.

P/1 – Essa é a mística Vale do Rio Doce.

R – É a mística, é isso aí, é exatamente isso aí, a mística é isso aí. Por que é que me chamaram de comunista durante a revolução? Porque nós tentamos, e, aliás, não foi só porque era uma catedral, era também até egoisticamente para aumentar a produtividade, melhorar as condições de trabalho, a gente deu melhores condições de habitação, escola para os filhos, condições de saúde, de tudo, que naquela época o pessoal disse: “Esse cara é comunista, pagando essa gente mais do que...”. O resultado: o trabalho era muito mais produtivo, o pessoal tinha essa motivação. Eles acabavam entendendo que eles estavam trabalhando em uma coisa em que eles se sentiam em família, e estavam construindo uma coisa importante para o Brasil, importante para tudo, para sociedade como um todo. Então, é esse espírito de catedral. Agora, na época, a visão era diferente, eu fui taxado de comunista por causa dessas coisas. Não tinha greve, nunca tivemos greve naquela ocasião porque o pessoal reconhecia isso, o próprio operário. Você transmitiu esse espírito para baixo. Agora, isso tem que ser..., não basta ter uma pessoa, tem que ter uma massa crítica que permite transmitir essa coisa para cima, para baixo e para os lados, está ok?

P/2 – Que é uma coisa que você não mede, não é, não dá para medir.

R – Difícil de medir. Você mede pelos resultados. Vamos supor que a Vale do Rio Doce fosse construída sem o espírito da catedral, não seria a mesma coisa, você não teria chegado lá. É muito diferente. Você não teria chegado lá se não houvesse essa coisa de visionário, não chegaria lá, porque no primeiro obstáculo..., você vê, primeiro, a estrada de ferro, ninguém acreditava que aquilo tinha solução, a diretoria aqui no Rio não queria dar dinheiro, aí nós tivemos uma ajuda muito grande do General Juracy que era um visionário também, ele tinha um certo espírito de catedral, ele ajudou muito a Vale do Rio Doce. Esse General Juracy Magalhães foi uma grande figura. Outro grande visionário brasileiro foi o doutor Antunes, o engenheiro Augusto Antunes que foi o presidente, o dono do grupo Caemi, um grande brasileiro, grande figura, típico construtor de catedral. Então, com isso aí você consegue, como o bispo Macedo aí não cria lá a coisa dele, outras razões e tal, mas ele, sei lá, ele consegue, você consegue influenciar as pessoas também e dá mais beleza à sua própria vida, a sua vida não é só ganhar dinheiro e esbanjar o dinheiro com coisas puramente materiais, como a civilização hoje, para mim ela está materializada demasiadamente. Isso vai chegar em um ponto que vai trazer um ponto de desequilíbrio no sentido de felicidade das pessoas. Se existisse uma maneira de medir isso, felicidade nacional bruta, em vez de produto nacional bruto (riso), que italiano diz que felicità é um modo de pensare. Quer dizer, se você não tem catedral para construir, você se reduz a um ganhador de dinheiro, fica rico e tal, boçal em geral, e vai fazer, esbanjar aquilo, isso traz felicidade para alguém? Eu acho que não, quando você chega no fim da vida, olha para trás: “O que é que eu, eu não sei para o que é que eu vim parar aqui”. Não pedi a ninguém para nascer, me botaram aqui e ainda tenho que me rebolar pra sair bem, então, quando você olha para trás: “O que é que eu realizei?” Nada. Deve te dar uma sensação de inutilidade, de uma agonia extrema, viu, é uma coisa horrorosa isso. Isso pelo menos é o que eu penso, eu filósofo tipo porta de botequim.

P/2 – Saiu da Barra.

R – Da Barra.

P/2 – E o Brasil hoje, doutor Eliezer, em termos de construtores?

R – De catedral?

P/2 – Isso, como é que o senhor acha que está isso?

R – Bom, não tem muitos construtores de catedral hoje, porque a própria situação do país..., pode aparecer, tem muita coisa positiva que está acontecendo aí, mas você tem que estar também... Naquela ocasião nós tivemos alguns apoios, por exemplo, como o General Juracy. Eu te dei um exemplo aí, tivemos outros tipos de apoio, San Tiago Dantas foi uma grande figura. Ele era um construtor de catedral, embora não fosse um engenheiro nem nada, mas um pensador, um filósofo. San Tiago Dantas foi um homem extremamente inteligente, não é? Existe, tem pessoas aqui, existe aqui, tem muita gente boa aqui, só que, como é que no ambiente de hoje, por exemplo, você pode fazer, digamos, um projeto como Carajás? Eu te reverto a pergunta, tem condições de fazer, tem?

P/1 – Não.

R – Então, também depende um pouco do ambiente em que você vive, por exemplo, para construir a catedral, você tem que estar em um ambiente onde tenha gente que queira ver uma catedral construída, senão também você não constrói coisa nenhuma. Não é só você que..., eu não tinha o poder na mão. O poder não era meu, então, primeiro você tinha que convencer, no caso, eu diria que foi o Seu San Tiago Dantas o homem que reconheceu que tinha diante de si uma catedral: “Então, vamos construí-la”. Isso é muito importante. Agora, aí vem a questão da cadeia de confiança, se você não cria essa cadeia de confiança, confiança dele comigo, a minha com os meus colegas e tudo, se não criasse essa cadeia é como todo sistema moderno, capitalista, calvinista que aí está, é baseado no respeito à propriedade privada, é baseado na enforcement da lei, o respeito da lei, a obediência da lei, tudo isso é que cria a confiança. Então, você tem um contrato, a carta, se eu não respeito aquilo, se ninguém obedece a lei, eu não vou fazer, eu não vou investir, eu não vou fazer nada, ninguém respeita aquilo, você não é dono da propriedade, te invadem a propriedade, ninguém, você tem que criar esse ambiente em volta de você para você construir catedrais, senão não tem condição, então, esse que é...

P/2 – O salto.

R – Ah, o quê?

P/1 – Posso?

R – Pode retroagir.

P/1 – Nova Era.

R – Nova Era, pode voltar.

P/1 – Quando o Senhor saiu de Nova Era...

R – Sabe qual é o nome inglês de Nova Era? New Was, não é, quer dizer (riso), era, não é New Were, não, New Was (riso). Bom, o que você quer saber de New Was?

P/1 – New Was (riso), quando o senhor saiu de lá, o senhor já estava em busca de construir catedrais ou de conhecer novas catedrais?

R – Não, eu fui para o Rio Grande do Sul, depois para o Paraná, não tinha, naquela ocasião eu estava...

P/1 – Mas esse desejo já..., o senhor tinha um desejo “Eu preciso sair daqui”?

R – Tinha, não, eu saí de lá desde de curso secundário, então...

P/1 – Mas era um desejo, o senhor conhecia Nova Era, o que era Nova Era para o Senhor?

R – Não, era um pequeno aglomerado, um pequeno número de casas, não tinha condição nem de se educar ali, então, você tinha que..., o meu pai, aí eu devo muito a meu pai, meu pai percebeu que tinha que, toda a minha família foi assim, ele mandou todo mundo educar fora. Então, não tinha condição de ficar em Nova Era, mas depois eu fui para..., cheguei à conclusão que para mim era..., já tinha espírito um pouco aventureiro também, de querer conhecer outras coisas e tal, e fui lá para o Rio Grande do Sul, para o Paraná, enfim, fiquei muitos anos lá em Curitiba, e acabei o meu curso de Engenharia lá. E, em Curitiba, eu já tinha essas ideias, mas essas ideias foram, não exatamente Rio Doce, elas foram aparecendo gradativamente, que eu já no ginásio, por exemplo – eu fiz o ginásio em São João Del Rei –, eu sempre fui o melhor aluno da turma, tinha as melhores notas. Isso provocava reações, não é? Porque, por exemplo, eu botava em dúvida problemas com os freis holandeses franciscanos, botava em dúvida certas questões religiosas e tudo, aí eles ficavam furiosos comigo, porque eu já liderava outros estudantes que achavam que eu estava promovendo uma rebelião religiosa (riso) dentro da... (riso), me mandaram embora, por causa disso, (riso) de São João Del Rei. Então, fui lá para o Sul, e lá também, eu tinha um tipo de vida diferente, eu sempre andei mexendo..., tinha muita curiosidade por querer aprender coisas, tem essa inquisitividade, isso é coisa importante, viu, que a palavra fantasia em grego é imaginação, e o que conduz a imaginação é a inquisitividade, isso que obriga você a ficar..., não é imaginação no sentido poético aqui não, é a imaginação no sentido grego...

R – Bom, poeta no sentido grego, eu tenho grande admiração, isso é diferente de poeta, esses poetas que ficam nos jogando, você tem esses poetas persas todos, isso é uma coisa bonita pra burro, mas porque tem filosofia atrás daquilo, e eu não vejo filosofia nenhuma atrás desse Carlos Drummond de Andrade, que aliás é meu vizinho lá na New Was, é ali perto também, só que são dois mundos diferentes, porque New Was era uma cidade que não tinha nada com mineração, porque ela está ligada mais à Vale do Rio Doce que era formação imigratória completamente diferente de Itabira.

P/1 – As comunidades, o que o Senhor acha, por que as comunidades, em que medida elas têm conhecimento dessa catedral que é a Vale do Rio Doce, que passam ao longo da...?

R – Não têm conhecimento nenhum, mesmo porque, aí tem um negócio interessante, aí vem o negócio da visão de dentista, e que eu entendo, viu, por exemplo, uma decisão minha, e eu tomei muita paulada por causa disso, era de começar o Projeto Carajás, que era fora de Minas Gerais, quando nós deveríamos fazer uma devolução a Minas Gerais, de tudo aquilo que a gente tirou de lá, eu compreendo e eu sou de lá daquela zona, mas nós não podíamos fazer porque não tínhamos condições econômicas de fazer, então, a ideia era o quê? Vamos, então, realizar a catedral de Carajás e capitalizando nisso a gente poderá voltar a Minas Gerais já em um processo de industrialização mais adiantado, trazendo indústrias com mais valor agregado e tudo, enriquecer a origem da Vale do Rio Doce, que essa é uma coisa até sentimental para mim que infelizmente eu não consegui realizar, porque eu não fui presidente o tempo todo, e em 1986 eu saí espontaneamente, eu que pedi ao Sarney para sair porque estava me sentindo já com problemas de saúde e tudo, stressing, então, eu preciso descansar um pouco, porque aquilo era uma máquina infernal de viagens etc. E todos os problemas de saúde que eu tenho hoje são derivados daquilo, inclusive trombose, já tive quatro tromboses, que é em grande parte resultado de viagens aéreas. Eu já fiz cento e setenta e sete viagens ao Japão. Você imagina o que representa isso? Cento e setenta e sete viagens ao Japão, se você gasta sete dias para refusar. Eu passei alguns anos aí como zumbi, você vai para lá, fica com sono durante o dia e não dorme durante a noite e vice-versa até se ajustar nisso aí. Isso dá um desgaste físico colossal na gente, então, essa cabritologia, você sabe o que é cabritologia? É a ciência da movimentação intensa e igualmente inútil (riso), muito popular aliás, eu estou falando, acho que está na minha hora, senão esses argentinos vão me matar, tá bom?

P/1 – Ah, vai ter que voltar.

R – Está bom?

P/2 – Tudo bem.