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Museu da Pessoa Museu da Pessoa

Conquistar o Meu Espaço

autoria: Museu da Pessoa personagem: Anônimo

Projeto: Diversidade e Inclusão no Mercado Financeiro - Banco Pan
Entrevista de Ivandro Heckler
Entrevistado por Bruna Oliveira
São Paulo, 30/07/2022
Entrevista n.º: PCSH_HV1227
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Bruna Ghirardello

P/1 – Ivandro, por favor, de novo eu gostaria que você falasse seu nome, sua data de nascimento e o local onde você nasceu.

R – Meu nome é Ivandro Heckler, eu nasci no dia 24 de outubro de 1989, numa cidade bem pequena do interior do estado do Rio Grande do Sul, chamada Campina das Missões.



P/1 – E quais os nomes dos seus pais?

R – Meu pai é José

Marcelino Heckler e minha mãe é a Noeli Ana Schons Heckler, ambos de ascendência alemã.

P/1 – E como você descreveria cada um deles?

R – Acho que todo mundo fala que eu sou muito parecido com meu pai e eu também me identifico muito com ele, no jeito de ser e lidar com as coisas, com a vida. Meu pai é mais objetivo e minha mãe já é um pouco mais emocional e eu também me identifico muito com isso, trago isso com ela, mas eu acho que eu me identifico muito mais com meu pai, porém ambos são, com certeza, um exemplo pra mim, de educação que eles me deram, que eu vou levar pro resto da minha vida. Então, ambos são meus heróis, com certeza.

P/1 – E você sabe como eles se conheceram?

R- Olha, lá é interior, uma cidade muito pequena, tem três mil habitantes, então na época eles se conheceram num baile que teve lá, não eram tão novos como acho que as pessoas se conhecem hoje, mas pelo pouco que eu me lembro, eles se conheceram num baile, já eram conhecidos antes, porque as famílias, lá, todas se conheciam, então eles já tinham tido um contato, mas se conheceram num baile, tiveram grande afinidade e logo depois se casaram. O resumo acho que foi esse.

P/1 – E o que eles fazem ou faziam, trabalhando?

R – Durante a maior parte da vida eles foram agricultores. Hoje não mais, hoje meu pai é pedreiro, em obras e minha mãe é dona de casa, mas durante a maior parte da vida deles, até uns dez ou quinze anos atrás, eles eram agricultores. Assim como eu e meu irmão também.

P/1 – E você conhece a história dos seus avós?

R – Olha, conheço muito pouco mesmo. Quando eu nasci, eles já moravam na mesma cidade onde eu morei a maior parte da minha vida, mas nunca cheguei a conversar muito com os meus avós sobre história de vida, mesmo. Como eu falei no início, eles são de descendência alemã, mas o meu avô não veio da Alemanha, o meu ‘bisa’ que veio, mas nunca cheguei a perguntar como isso aconteceu e, como eles vieram de lá pra cá, mas ambos foram agricultores também durante toda a vida deles e assim deram continuidade com os filhos deles também.

P/1 – E quando você pensa na sua infância e na sua relação com a sua família, tem algum cheiro, algum costume, ou alguma data comemorativa que marque esse momento?

R – Olha, algo que é muito clássico lá, não sei se é das pessoas, mas acho que do local, do nosso estado, que é o churrasco. Então, todo final de semana lá, todo domingo é quase uma lei regional que tem que ocorrer o churrasco da família. Então, acho que toda vez que eu como um churrasco, ou vou pra uma churrascaria com amigos, ou vejo, acho que isso me lembra muito da nossa cultura de lá e de um costume, mesmo, de que todo domingo, todo final de semana, reunia a família pra comer um churrasco e ficar ali, ‘trocando essas ideias’.









P/1 – E você falou que você tem um irmão, eu queria saber a sua relação com ele, como era, quando vocês eram pequenos. O nome dele, também.

R – É, eu tenho um irmão mais velho, ele tem 39 anos, já é casado há aproximadamente uns dez anos, eu acho. Eu lembro que antigamente a gente brigava bastante, porque não sei se era coisa de irmão, mas acredito que seja, mas eram brigas de besteira, só coisa de irmão, mesmo, porque eu gosto muito dele. Hoje ele trabalha também como pedreiro, na construção civil, junto com meu pai. Ele é um pouco diferente de mim em questão de aspecto e característica, eu acho. Meu irmão é loiro e eu sou moreno, então eu acho que eu ‘puxei’ muito mais o meu pai, como eu falei no início e acho que meu irmão ‘puxou’ mais a minha mãe. Então, de aspecto físico a gente é bastante diferente, mas em questão de pensamento eu acho que a gente é muito parecido, mas gosto muito dele.
P/1 – E qual é o nome dele?



R – Ah, desculpe, ele é Rodrigo Heckler.





P/1 – Ivandro, você lembra da casa que você passou a infância, como era?

R – Lembro, sim. A gente morava numa casa de madeira, muito humilde, muito pequena, durante a maior parte da minha vida. Era no interior. A gente nunca teve, meus pais nunca tiveram uma situação financeira muito boa, mas sempre deram tudo que foi possível, pra mim e pro meu irmão. A gente trabalhou desde pequeno na agricultura, tanto eu, quanto meu irmão e a gente pôde ter uma casa melhor aproximadamente quando eu tinha uns dez anos, eu acho. Então, durante os dez primeiros anos da minha vida a gente morou numa casa bem humilde, de madeira mesmo, depois a gente teve melhores condições, os meus pais tiveram, para construir uma casa melhor. E aí a gente ficou morando lá no interior ainda, até o dia do meu acidente. Depois disso, a gente teve que se mudar, por alguns outros motivos, acredito que a gente vá chegar ainda a falar um pouco mais sobre isso.

P/1 – Queria que você contasse um pouco dessa rotina de quando você era pequeno, que você falou que você trabalhava, como era o trabalho, enfim.

R – Bom, eu acho que, de forma geral, acontece com todas as famílias: os filhos desde muito novos começam a ajudar os pais no trabalho de casa e fora de casa também, de novo, referente a agricultura, então desde o momento que a gente pôde fazer alguma coisa pra ajudar, meus pais, inclusive, sempre incentivaram e cobravam da gente, então eu sempre acordava relativamente cedo, ajudava os meus pais no que eu podia ajudar. Durante alguns anos, eu estudava de manhã e outros anos eu estudava à tarde, mas o turno que eu passava em casa, a gente sempre ajudava a trabalhar, tanto eu, quanto meu irmão em todas as coisas que tinha pra fazer, então desde pequeno eu tive muito essa dedicação e cobrança também por parte dos pais, em ajudar nos trabalhos de casa, tanto fora, quanto dentro de casa. Como nós éramos dois meninos, eu e meu irmão, a gente acabava ajudando também nos afazeres da casa, com a minha mãe, limpando e tudo o mais. Hoje eu vejo isso como algo muito bom, porque a gente sabe fazer de tudo um pouco e, grande parte desse conhecimento, a gente teve por conta da sempre ter ajudado os nossos pais em casa e fora de casa.

P/1 – Quando você era pequeno, quais eram suas brincadeiras favoritas, o que você gostava de fazer?

R – Essa é uma parte até um pouco engraçada e talvez um pouco diferente do normal e quando eu falava isso pros meus amigos, colegas da faculdade, onde 90% eram da cidade, eles nem acreditavam, mas eu, por exemplo, nunca tive um videogame na minha infância. Óbvio que eram contextos diferentes, a gente sempre ajudava a trabalhar muito fora de casa, não tinha acesso a muitas coisas, então eu nunca tive videogame, um computador na minha infância. Obviamente que eram outros tempos, não existia a tecnologia que existe hoje, mas a gente também não tinha TV em casa, durante muitos anos, quando eu era mais novo, a gente passou a ter depois de algum tempo, mas também eram horários meio controlados. Como a gente tinha muitas coisas pra fazer e ajudar, a gente acabava assistindo TV só mesmo no horário de almoço, ou no fim da tarde, assistia alguma novela, no máximo um filme, porque tinha hora pra dormir, para poder acordar de manhã cedo e voltar a trabalhar de novo, com os pais. Mas as brincadeiras que a gente fazia eram mais de pique-esconde, jogar um futebol com a criançada, mas eram coisas mais simples, só que obviamente não menos interessantes ou engraçadas, do que jogar um videogame. Era só porque era outra realidade, mesmo, então a gente se divertia da forma que dava, sem ter a tecnologia dos videogames e jogos, que acho que a maioria das crianças, na sua infância, até mesmo da minha época, na minha idade, tiveram.

P/1 – Como era o bairro em que você morava? A cidade, mesmo. Como era morar lá, quando você era pequeno?

R – Na minha região lá existem várias cidades, mas todas elas são muito pequenas, então se você andar de carro por dez minutos, você consegue passar por umas três, quatro cidades, de tão pequenas que são. E lá as pessoas nem chamam de bairros. Lá eles chamam de vila. Tem uma vila aqui, uma vila lá, porque é muito interior mesmo. A cidade que eu nasci deve ter, hoje, por volta de sete mil habitantes e a cidade onde meus pais moram hoje não tem nem três mil habitantes, então são cidades muito pequenas, mesmo, tanto que o bairro que eu moro hoje deve ter mais habitantes do que várias cidades, lá, juntas. Então, era bem interior, mesmo. As estradas eram todas de chão batido, bem interiorzão mesmo.







P/1 – E você tinha o sonho de ser alguma coisa, quando você crescesse, ou não passava pela sua cabeça alguma profissão?

R – Antes do meu acidente eu não tinha muito dessa perspectiva de sair de lá e conhecer outros lugares, até acho que talvez por questão de oportunidade. Eu trabalhava numa eletrotécnica. Depois que eu completei dezoito anos, eu tirei minha carteira de habilitação, consegui comprar uma moto na época e tinha acabado de conseguir um emprego. Então, eu trabalhava de segunda-feira a sexta-feira numa eletrotécnica e de final de semana eu tocava em uma banda. Eu aprendi a tocar violão muito novo, lá por volta de oito, nove anos, gostava muito e meu avô também era músico e tem outras pessoas na família que também tocam, mas acho que, de todos eles, eu fui o que mais me interessei, ‘corri atrás’ disso, então eu comecei a tocar numa banda desde os treze anos de idade. E aí, quando eu completei os dezoito, eu trabalhava de segunda-feira a sexta-feira nessa eletrotécnica e final de semana a gente saía, na sexta-feira, para tocar com a banda e voltava só no domingo. Então, eu nunca parava em casa. E aí, até então, obviamente que eu gostava de conhecer os lugares que a gente saía pra tocar com a banda, eu conhecia novos lugares, mas ainda eram lugares pequenos, lá na região mesmo, cidades pequenas em volta, lá. Até então nunca tive tanto essa ambição de conhecer outros lugares. Até depois do meu acidente, que aí foi uma ‘virada de chave’ e aí mudei um pouco esse pensamento e a forma de pensar, mesmo.

P/1 – E a banda tocava o quê?

R – Bom, lá como a gente tem uma tradição muito forte, tradicionalista, de gaúcho, então a gente tocava muito as músicas mais regionais: música gaúcha, sertaneja, mas eu gosto muito de rock. Então, tanto que, durante a faculdade, a gente teve uma banda cover de rock também e eu me identificava muito mais com esse estilo do que, de fato, meu estilo da região lá. Mas lá, durante esses anos, até os meus dezoito anos, até o meu acidente, a gente tocava numa banda e música gauchesca e sertaneja.

P/1 – Vamos voltar um pouquinho antes dos dezoito, para perguntar sobre a escola. Onde você estudou?

R – Eu estudei sempre na mesma escola, no ensino fundamental, depois mudei de escola pro ensino médio, mas foi a mesma escola do ensino fundamental e depois, no ensino médio também. Eram escolas públicas, ambas e a minha escola do ensino fundamental, a gente tinha aula de alemão, porque não sei se isso é tão comum hoje em todas as escolas, se na época também era, mas como a gente tinha muito enraizada essa cultura alemã, lá todos nas cidades em volta, onde meus pais moram hoje, falam alemão. Então, se você for num mercado, numa padaria, numa loja, as pessoas possivelmente vão te atender em alemão, obviamente, a não ser que eles percebam que a pessoa não é de lá. Mas como a gente tem muito essa cultura alemã, a gente teve aula de alemão lá, até a quinta ou sexta séries do ensino fundamental. Mas era escola pública. Todo mundo se conhecia, por ser uma cidade pequena, as turmas também eram pequenas, então era tudo muito simples e a minha escola no ensino médio também não foi diferente, era escola pública também, aí já juntava algumas outras cidades em volta também, mas praticamente todo mundo se conhecia, porque eram lugares muito pequenos.



P/1 – E teve algum professor ou professora que marcou você, nessa época, que você tenha uma lembrança?





R – Aí eu volto de novo, eu acho, nas aulas de alemão, que meu professor de alemão é uma pessoa que eu lembro até hoje, porque eu lembro que eu gostava não só do professor, mas também das aulas de alemão. Apesar da gente já saber falar o alemão, porque lá a gente aprende a falar o alemão muitas vezes antes que o português, porque você nasce e só ouve a fala, a língua alemã dos seus pais, dos seus parentes, dos seus amigos e primos, então eu arrisco dizer que eu falava melhor o alemão do que o português, antes de entrar pra escola. E como eu já gostava muito disso, eu acho que o professor de alemão é uma pessoa que eu vou lembrar pelo resto da vida, até porque também eu participava de festivais em alemão, fazia a teatro também, onde tinha peças em alemão, então me marcou muito e obviamente eu vou sempre ligar essa conexão do alemão com meu professor. Então, acho que é um dos professores que eu vou lembrar pro resto da minha vida e sempre que eu volto pra cidade dos meus pais lá, hoje, eu o encontro, porque ele mora pertinho da casa dos meus pais e a gente sempre fala sobre os bons tempos das aulas de alemão.

P/1 – E tem alguma história que marcou você durante a infância ou adolescência, relacionada a escola?

R – Especificamente não. Mas eu acho que os festivais e teatros que eu participava, que eram em alemão, eram algo interessante, porque nem todos os alunos, colegas da minha turma, faziam. Então, eu gostava disso. Hoje talvez não goste tanto, mas na época eu gostava muito disso, de atuar e cantar em alemão e era uma forma de talvez você, não sei, se destacar dos outros e isso eu via como algo legal, porque era uma oportunidade que me deram e eu gostava de participar. Esse ponto de eu poder ter tido a oportunidade de cantar em festivais, poder atuar em teatro no idioma alemão, é algo que eu vou lembrar acho que para o resto da vida.



P/1 – E como foi passar essa mudança da infância para juventude, na mesma cidade? Como você se divertia durante a adolescência? Como era?

R – Como eu tocava em banda e entrei muito cedo e a gente saía muito pra tocar no final de semana, era algo que me divertia muito e eu gostava muito disso, porque acabava conhecendo várias pessoas novas, em todos os lugares. E aí, os meus amigos também, da época, acompanhavam isso, iam para as festas em que a gente tocava e se divertiam muito junto e eu gostava muito de estar lá no palco e fazer as pessoas se divertirem e ver que as pessoas estavam gostando. Então, acho que esse é um ponto muito importante da minha adolescência e aí volto de novo ao ponto do meu acidente, em 2008, que foi onde tudo mudou. Mas até aí, onde ainda era minha adolescência, porque foi aos dezoito anos, o ponto que eu sempre vou levar e lembrar comigo, que foi algo que eu gostava muito, era justamente sair no final de semana, pra tocar com a banda e ver a galera lá se divertindo, tomar uma cerveja com o pessoal e era algo que eu gostava muito de fazer. Então, eu acho que isso que eu trago como marco, lembrança mais importante da minha infância e adolescência e juventude, na verdade.

P/1 – E como foi? Você já trabalhava? Como era sua vida, um pouco antes do acidente? Você já contou um pouco, era a banda, que você já trabalhava, mas como era sua rotina e como foi o momento do acidente?

R – Bom, eu comecei a trabalhar, eu trabalhava em casa desde muito pequeno, como eu já falei e aí, depois que eu arrumei um trabalho mesmo, fora de casa, obviamente eu não deixava de ajudar nos afazeres de casa, ou antes de sair de casa, ou depois, também, e conciliava isso também com a escola, então eu nunca parava quieto, sempre estava fazendo alguma coisa. Trabalhava em casa, ia pra escola, voltava da escola, trabalhava fora, depois voltava em casa, ajudava em casa também, então eu nunca estava parado, sempre estava na correria, trabalhando e obviamente que isso mudou, a forma do trabalho mudou, de antes e depois do acidente. Então, até antes do acidente, eu trabalhava nessa eletrotécnica, onde a gente fazia instalação de ar-condicionado nas casas e tudo o mais e final de semana também era um trabalho meu, mas era muito mais por diversão, que era tocar com a banda, mas eu nem via como trabalho, porque era algo que eu gostava demais de fazer. Então, eu via mais como trabalho de segunda-feira a sexta-feira e quando a gente saía com a banda, de sexta-feira a domingo, era mais uma diversão mesmo e aí, obviamente que isso mudou, algumas coisas mudaram, depois do meu acidente.

P/1 – E você quer contar como foi o acidente?

R – Claro! Foi em 2008, eu estava com dezoito anos, tinha recém arrumado um emprego e comprado uma moto que, na época, para os meus colegas, acho que era um sonho de todo adolescente você completar dezoito anos e poder tirar a habilitação e ter o seu carro, ou a sua moto, para poder ir aonde você quisesse. Ter essa liberdade. Aí eu tinha arrumado emprego fazia poucos meses, estava voltando do trabalho, era um sábado, meio-dia e à tarde a gente ia sair pra tocar com a banda. Aí eu estava voltando de moto e sofri um acidente, bati em um caminhão e aí eu tive uma lesão na medula. Como lá é interior e as pessoas não tinham tanto esse conhecimento de como atender, lidar com essa situação: “O cara sofreu um acidente ali, o que a gente faz? Chama ambulância, ajuda?” Vizinhos viram o ocorrido, tal e foram lá me socorrer, eu estava inconsciente, aí me pegaram, me jogaram num carro e me levaram pro hospital. E esse dia foi a ‘virada de chave’ para praticamente tudo na minha vida. Eu tinha uma vida antes disso e tive que passar a ter uma vida depois disso. Eu fiquei um bom tempo no hospital, mais de um mês no hospital, me recuperando, tratando o que tinha para tratar, eu tive que fazer algumas cirurgias até poder voltar para casa, mesmo. Então, foi um momento... seria mentira se eu falasse que não foi muito difícil, tanto para mim, quanto para os meus pais, foi uma mudança drástica, brutal na minha vida e demorou um tempo, de novo, até obviamente me adaptar e voltar a poder ter a vida que eu tinha antes, talvez não a vida que eu tinha antes, mas uma vida que eu pudesse ‘tocar’, depois desse ocorrido.











P/1 – E quais foram essas mudanças? As principais, que você sente que teve.

R – Bom, no primeiro ano o meu único pensamento era: “Vou fazer fisioterapia, o tratamento da melhor forma que tem pra fazer, porque aí depois eu volto a andar e volto a viver o que eu vivia antes. O que, obviamente, na época foi um erro, mas não foi consciente, eu não sabia, eu mal sabia o que era uma lesão medular, como funcionava, se poderia ou não voltar a andar um dia, se poderia fazer ou não as coisas que eu fazia antes. Então, na verdade, os dois primeiros anos foram bastante difíceis, não só pra mim, como pra minha família também, mas eu tive, obviamente, todo apoio que eu sempre precisei, tanto dos meus pais, dos meus amigos, sempre iam me visitar no hospital, durante o tempo que passei lá, foi um mês, um mês e meio, tive todo apoio necessário. Mas tiveram muitas mudanças, eu tive que me readaptar, voltar... é como se você fosse um bebê de novo. Você tem que voltar a se entender, se conhecer, aprender a vestir sua roupa diferente, a se mover diferente, fazer as coisas diferente. Era tudo novo para mim, então foi muito difícil esses dois primeiros anos, esse processo de adaptação, de reabilitação também e aí, depois de um ano e meio, eu tive a oportunidade de ir para um centro de reabilitação, que é o Sarah Kubitschek, em Brasília. Aí eu fui pra lá, passei três meses lá, me reabilitando, voltei a aprender a vestir uma meia, um calçado, uma roupa, porque era tudo totalmente diferente, então eu tive que reaprender a fazer tudo isso e lá a gente teve todo esse apoio, suporte, infraestrutura, para poder aprender a fazer isso. Pratiquei também vários esportes lá, depois de um período de adaptação e independência, a gente fazia canoagem, basquete, rugby, natação, tênis de quadra, tênis de mesa.

Foi uma experiência imensurável essa oportunidade de poder ter ido para esse centro de reabilitação. Depois que eu voltei de lá, passei uns três meses lá, minha cabeça estava totalmente diferente. Aí lá você aprender o que é ter uma lesão medular, como essas pessoas podem viver hoje e podem, por mais que... acho que nem todo mundo hoje, na sociedade, ainda sabe como acontece, como pode ser feito, como as pessoas vivem, mas depois que eu voltei de lá minha cabeça mudou totalmente. Era uma pessoa antes de ir pra lá e voltei uma pessoa diferente, depois que eu saí de lá. Eu lembro que no mesmo dia que eu voltei de Brasília, os meus amigos apareceram lá em casa, tinha uma festa para ir, eles me convidaram e eu já topei, no mesmo dia, coisa que eu não fazia de forma alguma antes por vários motivos: por vergonha de estar na cadeira; por não poder fazer as coisas que eu fazia antes; por questão de preconceito, porque lá, como é uma cidade muito pequena, existia e existe até hoje e não só em cidades pequenas, a gente sabe que infelizmente é uma realidade. Então eu não saía de casa, pra não ter essa exposição, pra não me incomodar com o olhar das pessoas, que tinha muito, ainda tem, mas hoje eu não me incomodo mais como eu incomodava na época, por saber que possivelmente estariam me julgando, ou pensando alguma coisa, ou sentindo pena. Antes de eu ir pra Brasília, eu não saía de casa de forma alguma e depois que eu saí e voltei de lá, no primeiro dia meus amigos apareceram lá em casa e falaram: “Tem uma festa pra gente ir”, na hora eu falei: “’Demorô’, ‘bora’ pra festa, então”. Depois que eu voltei de lá, eu voltei de novo a ter uma vida diferente, mais próxima do que eu tinha antes. E é claro, depois de um tempo, eu falei: “Ah”. Não estava mais satisfeito com aquilo, foi depois do meu acidente que eu comecei a pensar: “Pô, acho que eu posso fazer outras coisas, talvez sair daqui, ir pra uma faculdade”, coisa que antes do acidente eu não pensava, também. As pessoas de lá meio que não saem de lá procurando, na época, não saíam de lá procurando: “Vou fazer uma faculdade, pra eu crescer e ter uma estabilidade financeira”. Esse tipo de coisa não tinha na minha época, lá, mas depois do acidente eu comecei a pensar nisso, aí me inscrevi no Enem, na época a inscrição ainda era via Enem, fiz a prova, passei em duas universidades, uma pertinho de casa e outra longe. E aí, pro desespero da minha mãe, eu fui escolher a faculdade longe de casa. Ficava a oitocentos quilômetros da minha casa. Na época, óbvio, tinha vários empecilhos para poder ir, porque precisava saber se a universidade era acessível ou não, se eu tinha um lugar pra morar que fosse acessível ou não, eu precisava ter uma certa mobilidade e aí eu pude, na época, comprar um carro pra mim, com o dinheiro que meus pais não tiveram, mas com o dinheiro que eu tive lá, por conta do meu acidente e foi também algo que me ajudou muito a poder tomar essa decisão e sair de casa. Então, como a cidade era muito antiga - Rio Grande a cidade, no extremo sul do Rio Grande do Sul – e não tinha muita infraestrutura, tanto de transporte, falei: “Pô, eu não vou poder ir pra lá se eu não tiver um carro para poder me locomover e fazer as coisas que eu preciso durante o dia a dia. Aí eu tive apoio dos meus pais e tive esse dinheiro, para poder comprar um carro e depois disso falei: “Vou sair de casa, então, vou pra Rio Grande, pra entrar nesse novo desafio aí”. Minha mãe apavorada. Os meus pais, na época, também não tinham tanto esse conhecimento, de como era viver estando numa cadeira de rodas. Acho que nem eu sabia, então meus pais menos ainda. Não por questão de ignorância, mas por falta de acesso à informação, eu acho. Acho que ainda hoje, lá, tem um pouco desse problema, por ser uma cidade muito pequena, a informação demora mais pra chegar, então a preocupação deles também quando eu consegui resolver sair de casa, era essa: “Mas será que ele vai dar conta? O que vai ser lá? Como é que vai ser lá? Quem vai ajudá-lo? Vai conseguir fazer tudo sozinho?” Mesmo assim falei: “Não, vou sair de casa, quero ir pra lá, pra ver como vai ser”. Aí me mudei para Rio Grande, que ficava a oitocentos quilômetros de casa, morei na Casa do Estudante, da Universidade Federal do Rio Grande, porque era na cidade do Rio Grande, no extremo sul do Rio Grande do Sul. No início foi, obviamente, muito complicado, não tinha a infraestrutura que eu precisava, nem na Casa do Estudante, nem na universidade. As pessoas, na época, na gestão, viram que, de fato, existiam problemas de acessibilidade e aí tentaram resolver da forma que desse e eu fui um ponto muito importante pra dar esse start também. Existiam pouquíssimas pessoas com deficiência, especificamente cadeirantes, na universidade, então eles chamavam pra falar comigo, conversar e ver quais eram as dificuldades, problemas que eu tinha e a partir desse momento também eu comecei a me envolver muito nessa questão de políticas de inclusão da universidade, ela estava muito no início, era algo muito embrionário ainda na universidade. Então, eu vejo que, de certa forma, eu pude participar a desenvolver essas políticas e esse pensamento lá dentro, na própria universidade, onde eu estudava.
P/1 - Ivandro, antes de ‘entrar’ na faculdade, eu queria perguntar o que você sentiu quando você saiu a primeira vez, depois do acidente, depois de ter voltado de Brasília.

R – O dia que eu saí pra festa com meus amigos lá, que foi no mesmo dia, obviamente que não mudou a questão de as pessoas olharem pra você, isso acontecia antes e mesmo assim depois, mas eu acho que aprendi a lidar melhor com esse olhar. Talvez não me importar com o que as pessoas estivessem pensando, ou talvez pensar que era curiosidade, ou achar: “Pô, legal, o cara está na cadeira, mas está saindo de casa, vivendo a vida normalmente, tomando a cerveja dele com os amigos dele”. Me incomodava um pouco, sim, ainda, no início, isso foi dois ou três anos depois do acidente, então ainda estava processando algumas coisas, todas as mudanças que aconteceram, mas lidava muito melhor com isso, já. No início, eu mais ignorava do que me importar com o que estava pensando, acho que era mais fácil ignorar: “Azar, o que elas estiverem pensando não faz diferença”, mas foi muito bom, porque com os meus amigos eu não via um olhar de preconceito, coisa que talvez de outras pessoas eu via, mas eles não, me trataram normalmente, eu revi pessoas que eu via quando tocava na época da banda, não só amigos, como também as meninas, na época, que eu ‘ficava’ antes, voltei a falar com elas depois e foi uma experiência muito boa, acho que foi uma ‘virada de chave’ total depois que eu voltei de lá e comecei a me inserir de novo na sociedade, mesmo.

P/1 – E quando você se mudou para Rio Grande, é uma cidade maior que a sua, que você morava antes. Qual foi sua primeira impressão?

R – Bom, a cidade de Rio Grande deve ter por volta de duzentos e cinquenta mil habitantes, eu acho, infinitamente maior do que a cidade onde eu estava, então já foi uma grande mudança e talvez um dos pensamentos que eu levei, saindo da minha cidade e indo pra lá, era de que: “Acho que as pessoas lá têm acesso a mais informação, talvez, as pessoas não vão olhar pra mim como as pessoas da minha cidade olhavam”. Então, acho que esse era um ponto de curiosidade meu e talvez algo que me estimulou a sair da minha cidade e ir pra lá. Talvez não ter esse olhar de julgamento ou de pena, das pessoas. E, de fato, quando eu cheguei lá, eu percebi que as pessoas não olhavam tanto, olhavam, assim como acontece até hoje, então eu não sei qual o motivo: preconceito, curiosidade, pena, mas como é algo diferente do normal ter a cadeira, acho que a cadeira muitas vezes aparece antes do que a pessoa, o que é um erro, não deveria ser assim, mas acho que ainda é, não de forma geral, mas é e eu percebia que ainda existia esse olhar de algumas pessoas, mas de forma geral não era mais tanto, então isso era algo muito positivo e que me deixava muito mais à vontade e, como eu via que eu tinha mais oportunidade lá, as pessoas me incluíam mais, acho que esse foi um ponto importante, que fez eu continuar querendo ficar lá. Então, eu gostava muito mais do que da minha cidade. Obviamente não deixando de ter a saudade e as lembranças da minha cidade, dos meus pais, mas eu gostava muito de estar naquele ambiente lá, onde eu era menos julgado e mais incluído. Então, acho que era muito importante isso, pra mim, que fez eu ter essa estrutura de poder continuar e ficar lá.

P/1 – E qual curso você escolheu?

R – Quando eu saí de lá, da minha cidade, eu tinha feito o Enem e tinha me inscrito no curso de Arquivologia, mas na época eu nem sabia o que fazia, quando eu prestei o Enem e escolhi a universidade, que era longe de casa, acho que foi muito mais uma prova pra mim, tipo: “Eu vou pegar e sair de casa, pra uma cidade mais longe, só pra ver se eu dou conta, mesmo”. Provar para mim e para as pessoas também, eu acho, porque eu via que as pessoas pensavam muito do tipo: “Ele vai precisar da ajuda de alguém pro resto da vida, pra fazer tudo”. Então, bom, se eu sair de casa e for sozinho morar lá, talvez as pessoas mudem esse pensamento. Acho que era algo para provar para as pessoas da minha cidade que eu poderia fazer isso, porque eu sabia que elas não iam entender isso caso elas não, de fato, tivessem prova disso. Então, na época eu saí de casa muito com esse pensamento: “Vou sair de casa, conhecer pessoas novas, lugares novos e provar para mim e para as outras pessoas que eu posso morar sozinho e fazer as coisas sozinho”. Eu escolhi o curso de Arquivologia, na época, fiquei um ano cursando, mas como a gestão da universidade me incluía muito na questão de construir as políticas de diversidade e inclusão e de ajustar aspectos de acessibilidade arquitetônica, mesmo, da universidade, fazer projetos para eu ter essa mobilidade dentro do campus que eu estudava, eu comecei a me interessar muito em projetos, mesmo, de engenharia. Como eles me incluíam muito pra ajudar nisso, desde fazer uma rampa aqui, uma calçada lá, comecei a ter muito interesse nessa parte, de projeto de infraestrutura mesmo. Aí eu resolvi mudar de curso, depois de um ano. Aí eu prestei o Enem novamente e me candidatei pro curso de Engenharia Civil, aí eu consegui. Na verdade, era Engenharia Civil Empresarial. Lá tinha os dois cursos, de Engenharia Civil Empresarial e Engenharia Civil. A Engenharia Empresarial era à noite e a Civil era durante o dia e eu ‘entrei’ pra Empresarial, que era à noite. Aí eu fiquei um ano cursando Engenharia Civil Empresarial, gostei muito do curso, me identifiquei bastante e eu pude aproveitar muito do aprendizado do curso, pra fazer os meus projetos também lá, que eu já fazia parte. E aí, depois de um ano eu cursar a Empresarial, que era à noite, eu mudei pra Engenharia Civil, que era de dia, integral. Não mudava muito da grade e tal, era só por questão de mudar de turno mesmo, fui me habituando cada vez mais ao curso e aos projetos, aí depois já me colocaram num setor de projetos de acessibilidade na universidade mesmo, com uma equipe também, de outros bolsistas, a gente trabalhava e atuava com vistoria e projetos de acessibilidade arquitetônica para todos os campus da universidade. Então, eu pude conectar muito a minha experiência como cadeirante, de saber quais são os acessos e a infraestrutura que eu precisava, conectava isso com os projetos e, também, com o meu curso de graduação.

P/1 – Eu li que você fez algumas atividades, você sempre foi envolvido com cursos, atividades extracurriculares. Queria que você contasse um pouco da sua participação nesses projetos que você citou.

R – Bom, eu tive essa oportunidade de participar desses projetos deles no primeiro ano da minha graduação e se tornou mais intenso depois que eu mudei para Engenharia Civil. A gente trabalhava num laboratório, em um setor de projetos e a universidade, na época, fomentavam muito isso, da gente desenvolver projetos, escrever artigos e pesquisar em cima de algum tema. Desde o início, os professores lá falaram pra gente: “Escreve um artigo sobre isso, vamos pesquisar sobre isso, levar pra outros lugares”, então a gente escrevia artigos e, de fato, a gente saía de lá e ia pra outras cidades, até outros estados, participar de congressos e apresentar esses projetos de acessibilidade, porque na época era algo ainda muito primitivo, em todas as universidades. Eram poucas as universidades da época que tinham uma acessibilidade qualificada, integral, assim: de fato eu posso ir pra qualquer universidade e eu vou ter toda a infraestrutura que eu precisar. Não tinha isso. Não era só na minha universidade, na que eu estudava, mas em outras também. Então, a gente trabalhava muito em projetos de acessibilidade arquitetônica da universidade onde eu estudava, mas levava isso pra fora também. E isso foi algo muito bom pra mim, não só pelo fato de poder conhecer outras universidades, outras cidades, outras pessoas, mas de divulgar e compartilhar também esse conhecimento, essa experiência, esses projetos para outros lugares. Então, a gente vinha pra São Paulo, aqui; uma vez também, num congresso, a gente foi pra Belo Horizonte; Florianópolis e eu gostava muito disso, porque era algo que eu podia falar com uma certa garantia, por estar ali no dia a dia, vivendo disso e sabendo quais eram os aspectos que eu precisava, qual era a infraestrutura de acessibilidade que eu precisava, para poder me locomover e compartilhava isso com outras pessoas. Isso era algo muito interessante e a universidade em que eu estudei me dava muita oportunidade disso, fomentava muito isso e falava: “Vamos inscrever nosso artigo aqui, para um projeto lá, para um evento que vai ter, para gente poder compartilhar isso, porque eu acho que é algo muito interessante pra sociedade como um todo”.

P/1 – Qual era o acolhimento? Tinha algum tipo de acolhimento dos professores com você, dos outros alunos? Como era?
R – Desde o primeiro dia, quando eu entrei pra universidade, lá, como eu já falei, ela não tinha uma infraestrutura muito boa nesse sentido de acessibilidade, mas todos os professores e a gestão da universidade lá sempre me deram todo o apoio necessário, então todo problema que eu tive, eles sempre tiveram esse canal aberto, de comunicação, ali, do tipo: “Tem algum problema, vem, chega até a gente, fala, compartilha, que a gente vai resolver”. Eu tive todo esse suporte, isso foi algo com certeza muito importante pra fazer eu querer continuar lá também, do tipo: “Temos um problema aqui, mas tem pessoas por trás, interessadas em querer resolver esse problema”. Então, eu tive esse suporte, tanto da gestão da universidade, como também dos professores em sala de aula. Nunca tive nenhum problema de preconceito, pelo menos não que eu tenha percebido, de professores e de nenhuma pessoa lá, a não ser, obviamente, os olhares, às vezes, que era algo normal e que, na época, eu já lidava acho que com isso e não me importava tanto, mas sempre tive todo apoio necessário dos professores e das pessoas de lá.

P/1 - E como foi crescer, sair da casa dos pais, ir pra outra cidade? Como foi ficar longe dos seus pais, nessa época?

R – Quando eu me mudei para Rio Grande, a minha mãe foi junto comigo e ficou lá acho que umas duas ou três semanas, até pela questão de eu me adaptar ao lugar onde eu iria morar e tudo o mais e aí, para o conforto do coração dela também, ela quis passar uns dias lá, para ver como é que ia ser, para comprovar que, de fato, eu ia conseguir dar conta sozinho, sem ajuda de ninguém. Então ela passou umas três semanas lá e depois ela voltou pra casa. Mas obviamente que eu sentia saudade deles, porque era relativamente longe, eu não voltava com tanta frequência assim pra lá, era umas quatro vezes ao ano, ou nas férias da faculdade, mas eu me sentia muito bem, apesar de não terem sido dias fáceis, ainda mais no início, você dar conta de tudo sozinho, acho que qualquer pessoa que sai de casa, vai para uma cidade maior, para ‘se virar’, dar conta de fazer as coisas sozinho, acho que é um pouco difícil no início, foi para mim também, mas eu me sentia muito bem, porque eu via que eu poderia dar conta de fazer as coisas sozinho, sem ajuda de ninguém. Então, era algo muito bom e como eu ganhei, tive essas oportunidades de poder atuar em projetos, deles me envolverem na questão de construção de políticas de acessibilidade, eu via muito valor nisso, então eu me adaptei acho que muito rápido com tudo isso e gostava muito disso. Depois de um tempo, eu já pude coordenar uma equipe de projetos lá, durante a graduação mesmo, eu entrei só para participar dos projetos, para desenvolvê-los, para publicar artigos e divulgar essas pesquisas e aí, depois de uns dois anos, eu acho, esse laboratório, setor de projetos foi crescendo, então já pude coordenar umas pessoas, que também trabalhavam em cima de projetos de acessibilidade. Aí eu tive minha coordenadora, que era professora, mas eu já coordenava uma equipe de projetos e isso era algo que me dava muito ânimo pra continuar todo dia lá e manter o foco. Esse crescimento que eu tive de ‘sofri um acidente, fiquei alguns anos em casa, sem querer sair de casa, sem querer que as pessoas me vissem, depois eu fui pra Brasília, voltei de lá com outra visão, prestei o Enem, saí de uma cidade de três mil habitantes, para uma cidade de trezentos mil habitantes, entrei pra faculdade, tive a oportunidade de participar de projetos interessantes e depois coordenar uma equipe de projetos, essa evolução que me motivava e que me fazia continuar todos os dias, com certeza.
P/1 – E como foi a volta ao trabalho, depois do acidente, dessa mudança para outra cidade? Como você começou a trabalhar? Quando que foi?

R – Um dos motivos de eu escolher o curso de Arquivologia, na época, acho que foi justamente pensando em questão de oportunidade de trabalho. Na época, eu não sabia exatamente o que eu podia ou não fazer no trabalho, do tipo: “Será que eu preciso trabalhar pro resto da vida num escritório, na frente de um computador? O que eu posso ou não fazer?” e aí falei: “Vou escolher Arquivologia porque, ao meu entendimento, eu posso trabalhar dentro de um escritório, não preciso de tanta infraestrutura externa, para poder chegar no trabalho, pra poder fazer meu trabalho”. Mas como eu fui vendo essa questão de oportunidade de trabalhar com projeto de acessibilidade e eu via que eu poderia fazer isso sem empecilho nenhum, aí resolvi mudar de curso e, de fato, na época eu falei com alguns professores meus e ‘troquei essa ideia’ com eles, do tipo: “Será que eu vou conseguir desenvolver meu trabalho da melhor forma possível, mesmo estando numa cadeira de rodas? Eu vou conseguir fazer projetos e desenvolvê-los?” e aí eles deram todo apoio na época, falaram: “Não vejo porque você não possa fazer o curso de Engenharia Civil e trabalhar nessa área depois” e aí foi um dos motivadores, também. Tanto que, como eu já fui aproveitando esse meu conhecimento da faculdade nos projetos que a gente fazia e depois coordenando pessoas ali, para desenvolver projetos, eu de fato percebi: “Bom, eu posso trabalhar na Engenharia Civil”. Obviamente que eu não vou chegar e falar: “Eu vou lá pra uma obra, de cadeira de rodas, no meio de um monte de máquinas”. Eu sabia obviamente das minhas limitações e acho que não só por estar na cadeira, mas toda pessoa que tem algum tipo de limitação, talvez, no lugar de trabalho: “Eu posso fazer isso melhor que aquilo”. Então, eu sabia que eu tinha que seguir uma área específica dentro da minha macro área de Engenharia Civil, que era, talvez, projetos de infraestrutura. E eu vi que eu poderia fazer isso, então foi algo que também me fez continuar, do tipo: “Eu posso fazer o curso de Engenharia Civil e posso trabalhar na área, não tem problema nenhum”. E eu comprovei isso diariamente, durante todos os anos da minha faculdade, coordenando a equipe de projetos lá, de acessibilidade.

P/1 – Eu queria saber como era a história da banda, nessa época da faculdade. Como foi? O que você tocava? Você já falou que era rock, mas se tinha alguma banda específica que você tocava, se foi autoral. Como foi essa experiência?





R – Bom, eu tocava numa banda antes do acidente e depois do acidente eu parei, obviamente. E aí, quando eu fui pra faculdade, eu acabei conhecendo outras pessoas na Casa do Estudante, que também tocavam e aí eu levei meu violão comigo, na época, era um dos meus melhores amigos, ainda é até hoje, eu acho, funciona como terapia, para mim, gosto muito de tocar. Aí as pessoas acabaram vendo que eu tinha o violão ali, que eu tocava e me chamavam para

as festinhas, às vezes, para uma junção que fazia ali, viram que eu tocava e a gente foi conhecendo outras pessoas e aí um dia um amigo meu chegou e falou assim: “Cara, vamos montar uma banda?” E a gente tocava, lá, muito mais rock do que músicas, de fato, que eu tocava antes, na banda e aí eu falei: “Cara, eu topo”. E eu achei muito legal, porque não é tão normal assim você ver um músico hoje, cadeirante. Eu, por exemplo, só conheço o Herbert Vianna, do Paralamas do Sucesso, então é algo diferente. E eu pensei: “Pô, se o cara me chamou ali é porque o cara não vê nenhum problema em eu estar na cadeira e tocar” e aí a gente juntou com mais um pessoal lá, acho que éramos em cinco e a gente começou a tocar em festinha de casa, de turma mesmo e como o pessoal acabou conhecendo a gente, acho que gostou do nosso trabalho, das músicas que a gente tocava e a gente começou a tocar mais em festas maiores mesmo, mas nunca foram músicas autorais, a gente fazia cover de bandas de rock, rock alternativo: Green Day, Blink, Red Hot Chili Peppers, Nirvana, mas era muito esse estilo de rock, mesmo. Todo mundo gostava desse mesmo estilo e aí a gente começou a tocar e era algo muito legal, que descontraía demais a gente, a gente via nossos colegas da faculdade ali, de turma. Era uma experiência muito similar com a que era antes do acidente, mas acho que era algo mais próximo do que eu gostava, em questão de músicas, que eu gostava mais do rock. Então, era algo muito legal, que a gente fazia muitas amizades novas nas festas, a gente estava ali numa posição de visibilidade, que era algo muito bom, acho que todo mundo gosta de ser famosinho na faculdade e tocar na banda trazia isso, então a gente gostava muito de tocar e fazer essas novas amizades aí.

P/1 – Nessa época, teve algum professor da faculdade que foi marcante pra você, ou alguma matéria específica?





R – A gente tinha uma matéria, que era Arquitetura e Urbanismo, onde ela focava um pouco mais nessa parte de acessibilidade arquitetônica mesmo. Então, acho que uma arquitetura que eu me identificava muito, eu lembro que, na época, eu tive que estudar bastante, porque eu não ia tão bem quanto eu esperava que eu fosse, apesar de ser algo próximo do que eu trabalhava, já, que era projeto, mas o professor era bastante exigente, mas não deixou de ser algo marcante pra mim, tanto a disciplina, quanto o professor, porque é algo que eu me conectava, me identificava muito. De fato, ali eu aprendia de forma bem mais efetiva a fazer os projetos da área que eu trabalhava, já, mas eu também sofri muito, para poder aprender as coisas e passar. Então, acho que me marcou ali, muito, foi essa disciplina de Arquitetura e Urbanismo, onde eu pude aprender esse conhecimento mais técnico e aplicá-lo no trabalho que eu já desenvolvia na universidade e que eu poderia desenvolver depois disso, também.

P/1 – Logo que você saiu da faculdade, eu queria saber o que veio primeiro: a sua mudança para São Paulo, ou você ter entrado no Pan? Como foi essa inserção também no mercado de trabalho, fora da faculdade?





R – Então, eu trabalhava na universidade, lá, logo depois de formado ainda e aí chegou a pandemia e aí, com isso, a gente não sabia se ela ia durar um, três meses e, como tudo estava home office, tanto o trabalho ali, eu falei: “Bom, eu vou pra casa dos meus pais, visitá-los, depois que a pandemia passar, eu volto pra cá. Aí fui pra lá, trabalhava de home office e a pandemia acabou se estendendo, foi pra três meses, para seis meses, um ano e eu continuei acabando ficando com eles lá e trabalhava de casa, mesmo. Mas aí eu já não estava mais satisfeito com aquilo de ter voltado pra lá, talvez, era um ponto negativo, porque eu tinha me acostumado com a cidade grande, que me fornecia mais infraestrutura, tinha mais opções de coisas pra fazer, tinha um cinema pra ir, um shopping pra ir, coisa que na cidade dos meus pais não tinha. E eu falei: “Pô, não sei se eu quero ficar aqui durante mais algum tempo, durante o resto da minha vida” e aí comecei a procurar outras oportunidades, me candidatei para algumas vagas no LinkedIn, algumas vagas que apareciam ali, procurando algo fora de lá e aí eu via que as maiores oportunidades, que eu mais me identificava, eram em cidades maiores e maior, São Paulo acho que é a maior cidade do Brasil. E aí, bom, me candidatei, falei: “Vou me candidatar, se der certo depois eu penso se eu faço essa mudança aí”. E aí surgiu essa vaga aí pro Banco Pan que, na época, eu não sabia qual era o banco, mas surgiu a oportunidade: “Temos uma vaga aqui e tal e tal e tal”. Não era na minha área de formação, de Engenharia Civil, mas era uma área que me interessava muito e eu via que eu podia aplicar muito do conhecimento e experiência que eu tinha, talvez, adquirido durante a graduação, meu curso de engenharia, para esse cargo. Aí compartilhei com meus pais: “Eu me inscrevi em algumas vagas aqui, surgiu essa oportunidade, aí eu vou fazer uma entrevista”. Aí minha mãe, para o pavor dela, de novo: “Caramba! São Paulo? Já não bastou você sair daqui na época e ir para Rio Grande, que era oitocentos quilômetros de casa?” Aí ela já ficou com aquela ansiedade no coração de novo, aí eu falei: “Vou fazer a entrevista, depois a gente vê, eu vejo se eu vou ou não vou”. Aí chegou o dia da entrevista lá, aí fiz a primeira entrevista com uma recrutadora, achei muito boa a entrevista, saí dela, já no dia seguinte ela falou: “Eu gostei de você, do seu perfil e tal. O gestor da empresa quer te entrevistar”. Falei: “Caramba, está ficando mais sério”. Aí compartilhei com meus pais: “Passei na primeira entrevista, vou para segunda fase”. O coração da minha mãe só bateu mais forte. E aí fiz a entrevista no dia seguinte já, com o gestor, aí foi o dia que eu descobri que era do Banco Pan e que era aqui em São Paulo e aí, no dia da entrevista, já me falou: “A princípio essa vaga vai ser presencial, depois que a pandemia passar, então não sei se tem ou não problema de você se mudar para São Paulo”. Aí, na época, como eu queria mudar e tinha me interessado muito pela vaga, falei: “Não, não tem problema se tiver que ir presencial, eu me mudo”. Obviamente que, no momento lá, eu não sabia o que seria essa mudança, o quanto impactaria, quão diferente seria, falei: “Não tem problema”. Aí fiz a entrevista com ele e aí também, no mesmo dia já eles retornaram, falando que o meu gestor imediato tinha gostado de mim e tinha mais uma fase de entrevista, que era com outro gestor, que era o gestor da minha área. Aí meu coração já começou a bater mais forte também, porque eu estava meio que caindo na real : “Que bom! Talvez tenha que mudar para São Paulo. Será que eu vou dar conta disso?” Porque já tinha provado que sair de uma cidade de três mil habitantes, para uma de trezentos mil, tinha dado certo, mas eu sabia que era uma mudança muito maior vir pra cá, porque era muito mais longe, eu não conhecia ninguém aqui, diferente da cidade lá onde eu estudei, eu tinha lá dois primos meus que acabaram me ajudando algumas vezes. Eu acabei não falando isso, mas tinha. Então, eles não moravam tão perto assim, mas quando eu precisava de alguma ajuda de algo mais importante, eles estavam ali, me apoiavam. Aqui em São Paulo, eu não conhecia absolutamente ninguém. Então, eu vim pra cá sozinho e seja o que Deus quiser! Enfim, fiz a última entrevista lá, demorou alguns dias pra me retornarem, depois me ligaram, falando: “Os gestores gostaram de você e a gente quer que você faça parte do nosso time”. Aí fiquei muito feliz mesmo, por ter tido essa oportunidade, esse reconhecimento de que todo trabalho que eu tinha feito, toda a evolução que eu tive desde o meu acidente, até a minha graduação, a minha época, meu tempo de trabalho, tal, ter passado pela entrevista e deles terem gostado do meu perfil, não só profissional, como pessoal também e aí aceitei. Aí, como era pandemia, o trabalho era totalmente home office, então eu continuei lá na casa dos meus pais, eu trabalhava de casa. Isso foi até uns três, quatro meses atrás, aí o banco falou: “A gente vai voltar e você vai ter que se mudar para cá”. Obviamente eu já sabia que isso poderia acontecer um dia mas, mesmo assim, foi um susto, do tipo: “Ai, vou ter que sair daqui agora, da minha zona de conforto, onde eu tenho a comida da minha mãe no prato, pronto, ao meio-dia, para vir pra cá sem nenhuma ajuda, onde eu tenho que fazer a minha própria comida”. Então, era essa mudança de ter lá, na casa dos meus pais, tudo cômodo, tudo pronto e vir pra cá pra não ter nada pronto e nada cômodo, mas chegou o dia e a gente veio pra cá. Digo ‘a gente’ porque um amigo meu lá, de infância, o Rafael, estava de férias também e aí: “Caramba, eu acho que eu vou contigo conhecer São Paulo e aí eu te dou aquele help, pra você fazer essa transição, mudança”. Aí eu: “‘Demorô’. Vamos lá, então, aí você já conhece São Paulo e me dá esse apoio ali, para eu me adaptar lá”. Aí ele pegou as férias dele lá, bem no dia que eu tive que vir pra cá e veio junto comigo. Aí, caramba, primeiro dia foi uma loucura. Eu saí de uma cidade lá dos meus pais, de três mil habitantes, onde não tinha nenhuma rua asfaltada, para vir pra São Paulo, nessa loucura de trânsito. Aí a gente ficou num hotel, durante três semanas, até a gente encontrar um lugar pra morar, para eu alugar mesmo e foi, inclusive, algo muito complicado aqui, acho que foi o primeiro ponto de dificuldade que eu tive, encontrar um apartamento que atendesse as minhas necessidades aqui, do tipo: eu preciso que o prédio seja acessível, que não tenha degraus e que tenha elevador, caso não seja no térreo e que não tenha um banheiro muito pequeno e que tenha as portas largas o suficiente pra eu poder passar, uma série de coisas que eu precisaria ter na minha casa, no meu apartamento, pra eu poder viver da forma correta. Então, isso foi algo muito difícil, meu amigo foi, inclusive, o cara que ‘corria atrás’ disso aí, porque como eu vim pra cá e tive que trabalhar em home office, alguns dias, no banco, eu acabei tendo pouco tempo, para poder ‘desenrolar’ essas coisas de moradia. E esse meu amigo me ajudou muito com isso e ele que ‘corria atrás’ da imobiliária, ligava pra lá e pra cá, visitava os sites e olhava as fotos, para ver: “Encontrei um apartamento aqui, a gente pode ir lá visitar, para ver se te atende ou não”. Visitamos vários apartamentos aqui e toda vez que a gente ia, tinha algum problema que não dava certo. Então, esse acho que foi o primeiro desafio aqui: vir pra cá e ficar nessa ansiedade de não conseguir arrumar um lugar bom pra morar. Até que , depois de três semanas, a gente conseguiu achar um lugar, que é onde eu moro hoje, aqui, em Santo Amaro.

P/1 – E quais foram - você já tinha vindo pra São Paulo, você tinha comentado - as suas impressões da cidade, por ser grande? Como foi seu sentimento? O que você sentiu quando você mudou?

R – Eu tinha vindo pra São Paulo duas vezes durante a graduação, que foi só para apresentar artigos em congressos mesmo, então das duas vezes que eu vim, eu ficava dois ou três dias, no máximo, mas aí vinha com tudo planejado, já. Vinha de avião pra cá, aí vinham outras pessoas junto também, para apresentar outros artigos, ou colegas meus, ou do setor que eu trabalhava, de projetos, que vinham também, para apresentar outros artigos, então eu tinha sempre esse apoio, tanto da universidade, como dos meus amigos. Vinha alguém comigo, a gente vinha com o voo agendado, hotel já agendado, com carro alugado, então não tinha muita preocupação. Era chegar aqui, pegar o carro, ir para o hotel, do hotel para o congresso, do congresso para o hotel, estava tudo já esquematizado, não tinha nenhum grande problema, a não ser, obviamente, aquela loucura de São Paulo, que a gente sabe como é. Apesar da cidade lá não ser tão pequena assim, onde eu estudava, mas nem se compara com São Paulo. Então, eu vim pra cá, fiquei abismado, prédio pra tudo que é lado, trânsito uma loucura, milhares de pessoas por todos os cantos, então era um cenário muito diferente. Mas gostei, eu sempre gostei muito mais, eu acho, da correria, do que da calmaria. Tanto que, antes do acidente, eu trabalhava de segunda-feira a sexta-feira, de final de semana eu tocava na banda, então eu nunca parava quieto e eu sempre fui assim, depois que eu saí de casa, pra faculdade também, estudava de segunda-feira a sexta-feira e de final de semana tocava com a banda de rock, então eu sempre gostei mais dessa loucura, correria. Então, vim pra cá, obviamente que achei muito diferente, achei tudo muito louco, muito dinâmico, mas gostei. Mas eram experiências curtas, sempre de um ou dois dias, então nunca precisei pegar o carro e dirigir no trânsito aqui, diariamente, pro trabalho. Eram coisas diferentes do que é hoje. Foi uma experiência muito boa, porque eu já tive uma noção de como é, de fato, uma cidade grande, a maior cidade do Brasil e como as coisas acontecem lá, mas gostava, gostava muito e isso também acho que foi um ponto que me fez resolver a vir me inscrever em uma vaga em São Paulo, aqui, porque eu sei como é que é, eu gostei, na época e eu acho que eu vou conseguir me adaptar. Então, como eu já tinha um pouco desse panorama, acho que é um ponto que me ajudou a me inscrever e vir pra cá.







P/1 – E agora, falando um pouco sobre o seu trabalho no Banco Pan, como é que funciona? O que você faz diariamente? Como é que é sua rotina?

R – Desde o primeiro dia que eu trabalhei lá, ainda de home office, foram experiências diárias extraordinárias, no sentido que obviamente ia me adaptar muito em questão de trabalho, porque eu atuava na parte de projetos de Engenharia Civil e mudei pra área de Processos de Risco Operacional e Controles Internos, então são áreas muito diferentes, mas obviamente eu pude aproveitar muito do conhecimento que a gente obteve durante a graduação ali, de conhecimento lógico que a gente acaba desenvolvendo lá, para o meu trabalho, mas era uma área muito nova, então eu tive que aprender algo novo todo dia, no meu trabalho. Mas gostei desde o primeiro dia da minha equipe, do meu gestor, dos meus colegas de trabalho. Apesar de não ter o contato físico, do dia a dia ali, era tudo por videochamada, mas eu gostei muito deles e me fez me sentir também muito em casa no trabalho, acho que colaborou muito, mas foram desafios diários, continuam sendo desafios diários e eu estava, de certa forma, muito ansioso por sair da videochamada, pra vir para o presencial, para conhecer essas pessoas do meu time e as do banco, ver como era o ambiente do banco, estar em um ambiente corporativo, que eu nunca estive antes, são ambientes diferentes, foi uma grande experiência. E, quando eu vim pra cá, no primeiro dia obviamente que era alguns pontos de preocupação que eu tive, do tipo: “Eu vou chegar lá, aí eu vou ter que estacionar o carro e como é que eu vou sair de lá, pra ir para o meu andar? Será que vai ter algum degrau no percurso? Não vai ter?” As pessoas do banco, da parte do time de RH já tinham conversado muito comigo, me deram todo suporte, desde o primeiro dia, desde perguntar: “Você precisa de algum recurso, para você trabalhar? Precisa de alguma ajuda, algum apoio?” E aí, quando eu vim pra cá, também, a gente teve várias conversas do tipo: “O que você precisa, aqui? De uma mesa diferente? Quais são as suas necessidades? O que a gente pode fazer por você, para que você consiga desenvolver o seu trabalho?” Então, eu tive esse suporte sensacional desde o início do banco, então desde o primeiro dia eu não tive nenhum problema de acessibilidade e isso desde o estacionamento, até o prédio, o andar, a mesa, foi tudo muito bom. Foi muito novo para mim conhecer as pessoas de lá, o meu time e algo acho que mais marcou pra mim foi que aqui as pessoas me olhavam menos e eu percebia que me julgavam menos. Então, acho que é uma característica que eu trago, que é essa, de cidades maiores, menos olhares, menos julgamentos e aí eu não sei se é por questão de acesso à informação, ou porque tem mais pessoas com deficiência, mais cadeirantes aqui e isso, de certa forma, me tranquilizou muito, não ter esse olhar em cima de você, que era algo que, de certa forma, me incomodava um pouco. Apesar de já me dar muito bem com isso, mas incomodava um pouco, de certa forma. Tive isso muito pouco aqui, então eu me senti muito à vontade no banco, desde o primeiro dia e continua sendo assim hoje. Eu chego lá e faço meu trabalho, converso com as pessoas, tomo meu cafezinho, como todo mundo e não tenho nenhum tipo de diferença, que antes talvez eu percebesse que tinha.

P/1 – Eu ia perguntar exatamente isso: se você enfrentou algum tipo de olhar, de julgamento, de preconceito.

R – Sempre tem alguma pessoa que vai te olhar de uma forma diferente e eu me arrisco a falar que as pessoas que estão numa cadeira de rodas, ou numa situação de ser uma pessoa com deficiência acho que tem muito esse feeling de reparar nas pessoas e ver se as pessoas olham ou não pra você e de que forma olham. E me arrisco a dizer de novo que a gente consegue, muitas vezes, perceber se a pessoa olha pra você com um olhar de pena, ou com um olhar de curiosidade, ou com um olhar de: “Caramba, o cara está ali, na cadeira, mas está fazendo as coisas dele, ‘desenrolando’ a vida dele sozinho” e sempre tem alguns olhares de pena e aí eu não sei é por falta de conhecimento, ou não, mas de forma geral eu não tive nenhum tipo de preconceito no banco, nenhum mesmo, as pessoas me trataram como qualquer outro funcionário, colaborador. Então, de fato eu não percebi nenhum tipo de preconceito visível, de nenhuma das pessoas do banco. Foi e está sendo uma experiência muito boa aqui.

P/1 – Há quanto tempo que você está trabalhando presencial?

R – Não vou lembrar o dia exato, mas deve fazer uns três a quatro meses. Eu entrei no banco na pandemia, em setembro. Então, vou fechar um ano agora em setembro, daqui a dois meses, mas é de três a quatro meses que eu estou aqui em São Paulo, mesmo, presencial.

P/1 – Queria perguntar também como você enxerga a diversidade e inclusão de pessoas com deficiência dentro do banco.

R – Quando eu me candidatei para vaga, lá, já era uma vaga específica, destinada para pessoas com deficiência. Eu fazia parte de alguns grupos de recrutamento e tal, onde a empresa recrutadora enviava vagas específicas para pessoas com deficiência. O que é um problema hoje, que eu via na época, que muitas dessas vagas ainda são para cargos muito iniciais, com salários muito baixos. Isso é um problema que infelizmente ainda existe e talvez não só para pessoas com deficiência, como também para outros grupos sociais aí, mas acho que isso é mais visível no grupo social de pessoas com deficiência e aí, essa vaga especificamente era diferenciada, a meu ver, pagava um salário bom, eu via que tinha vários benefícios, e então, caramba, é uma oportunidade boa, por isso que eu me candidatei também e vi que, caramba, se der certo aqui, acho que é uma oportunidade boa. E desde o primeiro dia, desde a questão das entrevistas com a recrutadora, com meu gestor imediato e o gestor da minha área, eu tive essa sensação de que era uma empresa muito inclusiva e que se preocupava muito com isso, mas de forma natural, não de forma: “A gente vai trazer pessoas com deficiência pra cá, pra cumprir com a meta, que é a cota que a empresa é obrigada a fazer. Não tive essa percepção. Assim como também eu falei pro pessoal do RH, quando eu voltei, vim pra cá, também, no presencial e falei com as pessoas, eu tive muito essa sensação de que: “Caramba, o Banco Pan é uma empresa muito inclusiva, se preocupa muito em incluir as pessoas aqui, não somente pessoas com deficiência, mas como de outros grupos sociais”. Então, é isso que me fez muito, também, ter a vontade de vir pra cá, continuar aqui e trabalhar, por ter essa sensação de que é uma empresa muito inclusiva, que se preocupa muito com isso.

P/1 – Queria saber se você participa de algum grupo de afinidade do Banco Pan e como é que é.

R – No meu time de trabalho lá eu pude ter contato logo de início com meu colega mais próximo, que é o Felipe, não sei se a gente pode falar o nome, mas ele não vai se importar. O Felipe é negro, então a gente teve muito contato, desde o início, porque foi ele que me falou que fazia parte de um grupo de afinidades lá, que é o Afro Pan, que é um dos quatro grupos do banco e falou: “Caramba, a gente tem aqui alguns grupos de afinidades, tem um que eu faço parte, eu acho que você poderia fazer parte do grupo Pan pra Todos, que é de pessoas com deficiência. Pelo seu histórico lá na universidade, onde você participou de construção de políticas de inclusão, de acessibilidade, participou de projetos, acho que você poderia agregar muito e eu acho que você deveria procurar o pessoal lá, pra participar disso aí também”. E aí, de fato, eu falei: “Acho que é válido participar. Obviamente que não vai ser a minha prioridade aqui, porque o meu trabalho claramente era com a minha área, com meu gestor, mas em segundo plano, ali, eu poderia colaborar de alguma forma com essas frentes de diversidade do banco”. Aí me inscrevi no grupo de diversidade lá, que é o Pan para Todos e comecei a participar das reuniões quinzenais que a gente tem lá, achei muito interessante as pautas que eles debatiam e as frentes que eles traziam e estava muito conectado com gestão, também, do banco, liderança, então essa preocupação de fato era real, verdadeira e comecei a participar cada vez mais e aí, depois de uns dois ou três meses, era muito no início ainda, me convidaram pra participar da liderança do grupo também. Aí achei muito interessante o convite, fiquei muito feliz, porque de alguma forma acho que estavam vendo valor na experiência que eu trazia comigo e das ideias que eu compartilhava e aí falei com meu gestor: “Me convidaram pra participar aqui do grupo de liderança de um dos grupos de afinidade”, falei com ele, pra ver se tinha ou não algum problema em eu participar e dedicar um pouquinho mais de tempo para isso. E aí meu gestor, sensacional, obviamente não negou, de forma alguma, ele sempre apoiou muito, assim como já apoiava meu colega Felipe, que participava, era um dos líderes também do Afro Pan e ele falou: “Cara, fica à vontade para fazer isso, inclusive eu acho muito importante a gente falar sobre essas pautas aqui”. Ele falou que até se sente privilegiado em ter duas pessoas do time dele ali, que participavam, como liderança de grupos de afinidades, então isso é algo muito bom. Em momento algum ele falou: “Não, eu não quero que você participe”. Pelo contrário, sempre deu todo apoio. Aí aceitei o convite, desde então eu sou colíder do grupo de afinidades do Pan para Todos e desde então a gente vem trabalhando aí nessas frentes, nessas pautas de diversidade e inclusão, não somente de pessoas com deficiência, mas todos os grupos sociais, de todos os grupos de afinidades do Pan.













P/1 – E quais são as pautas mais recorrentes das suas discussões, dentro do Pan para Todos, dos outros grupos de afinidade que você tem contato?

R – Uma das primeiras coisas que a gente falou lá, uma das primeiras pautas que eles trouxeram pra mim, na verdade, foi a questão da acessibilidade da estrutura do banco, mesmo. Porque como eles sabiam que em algum momento os colaboradores voltariam a trabalhar presencialmente, eles se preocuparam, com razão, com a questão da infraestrutura. Será que o prédio, os andares e o local de trabalho estão adaptados para as pessoas com deficiência que a gente tem hoje, no Pan? E aí isso me incluía, que como eu sou cadeirante e preciso de alguns aspectos, sim, eu não posso chegar lá e me deparar com uma escada, para poder chegar no meu local de trabalho. Então, essa foi uma das primeiras pautas levantadas, eu acho. Ainda antes de eu participar da liderança, de eu ser colíder, eles falaram comigo e perguntaram: “Quais seriam as possíveis barreiras que você enfrentaria no local de trabalho? Como a gente pode resolver isso?” Então, foi uma das coisas que eu colaborei na construção do espaço, mesmo, mas de forma geral também a gente atua muito com essa questão de divulgar e compartilhar política de inclusão, esse cenário de inclusão como um todo, para as pessoas do Pan. Então, a gente estimula muito a divulgação desse conhecimento, não só entre os grupos, mas pro banco inteiro, porque ainda existem alguns tabus, infelizmente, ou falta de conhecimento, ou falta de interesse das pessoas, então a gente atua muito, continuamente, lá, em divulgar essas políticas, os trabalhos e coisas sobre esse tema, para todos os colaboradores do Pan.













P/1 – Eu ia te perguntar se teve alguma barreira, ou dificuldade no trabalho que você desenvolve hoje. Se você encontrou alguma barreira, dificuldade e, também, como foi essa barreira, se existiu.

R – Cada pessoa com deficiência tem a sua especificidade e isso acho que é muito claro. Não é nem só pessoas com deficiência, mas cada pessoa tem a sua necessidade e precisa de algo para se adaptar e fazer as coisas durante o dia e quando se fala em pessoas com deficiência também, cada um tem a sua necessidade e, no meu caso, como cadeirante, eu, de fato, não tive nenhum problema em questão de acessibilidade, ou pra eu poder fazer o meu trabalho, mas aí obviamente seria muito injusto eu só me preocupar, na posição que eu estou, hoje, como colíder do grupo de afinidades, eu me preocupar só com acessibilidade para cadeirantes. Então, a gente se preocupa com acessibilidade para todas as pessoas com deficiência, independente da deficiência que ela tenha, da necessidade que ela tenha, a gente precisa de um espaço inclusivo para todo mundo. Eu não tive nenhum problema, zero problema mesmo, desde o primeiro dia tive a acessibilidade que eu precisava, consigo ir em todos os lugares que eu quero ou que eu preciso ir ao banco: restaurante, sair pra almoçar com o pessoal, então eu não tive nenhum tipo de problema. Temos alguns problemas pequenos, mas que são problemas de forma geral, na sociedade, que a gente precisa resolver ainda, mas não são problemas que impedem as pessoas, colaboradores do Pan hoje desenvolverem seu trabalho. Então, como eu falei, o Pan se preocupa muito com isso, desde o início e com todos e vem atuando continuamente, para resolver qualquer tipo de problema e deixar o ambiente mais saudável, mais acessível e inclusivo possível. Então, eu não tive nenhum tipo de problema para trabalhar, para vir pra cá, para São Paulo e desenvolver meu trabalho.







P/1 – E é o seu primeiro trabalho no mercado financeiro e eu queria entender se, na sua posição como liderança do grupo de afinidades, você consegue enxergar alguma mudança no setor. Eu sei que é o seu primeiro trabalho nesse setor, mas mudanças em prol da diversidade e da inclusão.

R – Esse é um ponto bem importante, bem interessante, porque foi algo que eu conversei muito com meu time lá, mais especificamente com meu colega, que é co líder do Afro Pan, o Felipe que, quando eu saí da minha cidade e vim pra São Paulo, para um ambiente corporativo mais especificamente, eu achei que eu, pessoa com deficiência, mais especificamente cadeirante, seria só mais um, do tipo: “Eu vou chegar no banco e vai ter bem mais pessoas com deficiência do que nos antigos ambientes de trabalho que eu estava, que era, por exemplo, trabalhando com projetos de engenharia civil, a gente sabe que eu tive bem mais limitações no meu antigo trabalho, do que eu tenho hoje. Hoje eu trabalho com computador, num escritório, num ambiente ali mais fechado, mais restrito, onde eu tenho zero problema de acessibilidade. Então, eu achei que eu ia encontrar vários cadeirantes no banco, na rua, mais especificamente ali, no local que eu trabalho, que é Avenida Paulista, que é um lugar acessível, ali e foi algo que me chamou muito a atenção, porque eu não vi essas pessoas. Aí eu comentei com meu colega: “Caramba, cara, cadê? A gente está falando que, segundo o censo do IBGE, a gente tem um quinto da população praticamente tem alguma deficiência. Obviamente que, desse um quinto, não sei quantas são cadeirantes, mas é muita gente. Cadê essas pessoas?” Eu achei que eu fosse ver mais pessoas não só no Pan, ou no prédio que eu trabalho, mas na rua, enfim, e acabei não vendo. Isso foi algo que me chamou muito a atenção. Aí eu compartilho esses pensamentos com ele, porque a gente atua juntamente no grupo de afinidades. E aí a gente debate: “Cadê essas pessoas?” Porque elas não estão lá, que é um ambiente que tem acessibilidade, é um trabalho que fornece subsídios suficientes para as pessoas poderem trabalhar. Por que as pessoas não estão lá? Cadê essas pessoas? Então, acho que isso é um ponto muito importante, que a gente, como grupo de afinidade, lá como liderança, tem que levantar essa pauta, não somente nos grupos, com os integrantes, mas para fora, pra liderança e, sei lá, até pra fora da empresa também. As pessoas existem, elas estão aí, o censo mostra isso. Cadê essas pessoas? Por que elas não estão no mercado de trabalho? Por que elas não estão lá no mercado de trabalho, num ambiente corporativo, onde elas poderiam estar desenvolvendo o trabalho delas, assim como eu consigo fazer o meu? Então, acho que esse é um ponto que, de certa forma, me chamou muito a atenção aqui. Eu esperava um cenário diferente, onde eu só seria mais um lá, trabalhando num ambiente corporativo e não sou, não vejo assim. Ainda me vejo como único lá dentro, que eu confesso que eu não vi nenhum outro cadeirante, nem só no Pan, mas como no prédio, tem várias empresas lá no prédio que eu trabalho e eu não vi. Então, é algo que me chamou atenção.

P/1 – Eu queria saber qual você considera o maior aprendizado da sua trajetória profissional.

R – Olha, eu acho que um ponto muito importante de aprendizado que eu tive é que você precisa se adaptar aos momentos da sua vida. E isso eu trago lá, desde a minha adolescência, desde antes do meu acidente, depois do meu acidente, que já foi uma grande mudança e eu tive que me adaptar muito, tive que aprender muitas coisas novas, depois eu saí da cidade de três mil habitantes, fui pra universidade, pra uma cidade de trezentos mil habitantes, foi uma mudança brusca novamente, tive que me adaptar novamente, tive que aprender a viver diferente de novo, porque eram pessoas diferentes, ambientes diferentes. Aí saí de lá, voltei pra cidade pequena, saí de lá, vim pra São Paulo, onde foram mudanças drásticas novamente, então eu acho que um ponto muito importante é você trazer consigo, eu tive que trazer isso comigo, essa questão de conseguir me adaptar a ambientes e pessoas diferentes. Então, acho que isso foi um ponto muito crucial pra mim, eu consegui me adaptar a essas mudanças. Foram mudanças que eu quis, eu tive essa ambição de querer sair de lá e buscar por algo a mais, provar pra mim e pra outras pessoas, mas mais ainda pra mim, que eu poderia sair de casa, que eu poderia dar conta de trabalhar onde eu quisesse e acho que um aprendizado que eu trago, muito, é disso, que você não pode... que, se você quiser alguma coisa, você tem que ‘correr atrás’ e obviamente depende muito mais de você, do que dos outros e, se você quiser, você faz acontecer.

P/1 – E como é seu dia a dia hoje?

R – ‘Corrido’, como o de todo mundo que mora em São Paulo, acredito eu, mas ainda, apesar de já passarem três a quatro meses, mas ainda estou, em alguns pontos, me adaptando, desde o tempo que eu levo no trânsito, para chegar lá, na ‘correria’ que é o dia a dia, de ter que fazer tudo sem a ajuda dos pais, algo que eu tinha antes, esse comodismo, essa mordomia, não tenho mais, mas é muito ‘corrido’: acordo de manhã, vou pro trabalho, almoço, volto para trabalhar, venho para casa. É algo muito dinâmico, mas apesar de você chegar no fim do dia cansado, como eu gosto desse dinamismo, é algo que não me incomoda e eu gosto disso, então, apesar de ser ‘corrido’, é algo que me satisfaz diariamente. Eu gosto muito disso.

P/1 – E o que você tem feito, nos seus momentos de lazer? O que você gosta de fazer?

R – Eu sou muito viciado em assistir séries e tocar violão. Quando eu me mudei pra cá, como eu vim pra cá de carro e eu tive que trazer todas as minhas coisas, eu tive que deixar meu violão lá na casa dos meus pais. Foi uma decisão muito difícil, mas eu sinto muita falta de tocar, porque era um hobby meu. Acho que três hobbies meus são: tocar violão, assistir séries, filmes e sair pra dar uma descontraída com os amigos, tomar uma cervejinha, ir pra um happy hour. Dessas três coisas, uma delas eu não estou fazendo, que é tocar violão. Então, esse eu acho que é um ponto que faz falta, mas aí eu tento compensar isso saindo com os meus amigos, tomando aquela cervejinha, indo pro happy hour depois do trabalho, mas gosto muito de assistir séries e filmes também. Durante a semana sobre pouquíssimo tempo, por conta da ‘correria’ do trabalho, então de segunda-feira a sexta-feira praticamente não sobra tempo, mas no final de semana eu sempre procuro assistir algum filme, alguma série, colocar série em dia e, também, sair pra dar aquela descontraída, ‘jogar conversa fora’. Então, são meus hobbies que eu tenho hoje, aqui em São Paulo.







P/1 – E você falou que, quando você se mudou para São Paulo, você não conhecia ninguém. Você já conheceu as pessoas, fez amigos, como está sendo essa adaptação social?

R - Antes de vir pra cá eu só conhecia o pessoal do meu time de trabalho, mas obviamente só via chamada ali, de ver a pessoa, o que é diferente de você estar aqui, presencialmente e conhecê-la, então conhecia só duas ou três pessoas lá do meu time. Quando eu vim pra cá tive essa aproximação com eles e esse contato ficou muito mais intenso, hoje eu criei amizade com eles, uma amizade muito forte, muito rápida também. Como a gente passa a maior parte do dia no trabalho, então é o maior contato que você tem, com os seus colegas de trabalho, então acaba criando esse vínculo, mas a gente separa isso, obviamente: trabalho é trabalho e fora disso é amizade, mas tenho hoje e falo isso com uma certa certeza, de que os meus colegas de trabalho lá, fora de lá são meus amigos e me apoiaram muito, desde o primeiro dia, me apoiam diariamente e são os meus pontos focais em São Paulo hoje, tanto pra descontrair, como pra trocar ideia, pra compartilhar problemas e conheci outras pessoas, já, também, de outras áreas do banco. A área que eu atuo tem essa característica de você conhecer todas as áreas do banco, por conta do trabalho, então eu criei outras amizades também, já, várias outras. A gente cria algumas amizades durante o tempo do café, vai lá tomar um café e aí cumprimenta durante dois ou três dias, depois já vira um amigo. Mas hoje me sinto muito bem aqui, conheci pessoas sensacionais, que me apoiam, me apoiaram muito nessa fase de transição que eu tive, que ainda estou tendo, de adaptação. Não conheço muito a cidade porque, bom, a cidade é gigantesca e acaba que não sobra muito tempo pra você conhecer, então eu ligo pra eles: “Aí, o que tem de bom pra fazer final de semana?”, então eles sempre me dão essas dicas: “Conhece tal lugar? Conheceu tal lugar?” A gente já foi pra alguns happy hours também, então hoje eu acredito que, pelo pouco tempo que eu estou aqui, eu consegui criar laços bem fortes de amizade aí com o pessoal do trabalho e com alguns fora do trabalho também.

P/1 – E atualmente você tem algum relacionamento?

R – Eu terminei um namoro durante a pandemia, acho que muitos relacionamentos iniciaram e terminaram na pandemia, eu não sei qual é a ligação disso com a pandemia, se é o tempo que as pessoas estavam passando juntas, ou não, mas eu namorei durante cinco anos, desde durante a faculdade, eu conheci um pessoa muito especial durante a faculdade, a gente namorou e aí chegou a pandemia, e por conta da distância, não deu mais certo, a gente acabou separando. E aí, depois que eu vim pra cá também, a gente meio que perdeu esse contato. Então, hoje eu não namoro, mas tenho contato tanto com ela, como com os pais dela ainda, eu gostava muito deles, a gente mantém esse contato, mas hoje sou solteiro.

P/1 – Ia te perguntar: quando você encontrou seu apartamento aí em São Paulo ele fica um pouco distante do banco e como é esse deslocamento, como tem sido essa adaptação?

R – Esse é um ponto muito importante e ‘conversa’ muito também com a decisão que eu tive, de sair de casa e ir pra faculdade, na época. Eu acredito que, na época, eu não pudesse ter saído de casa se eu não tivesse o meu carro, pra poder me locomover lá diariamente e fazer as minhas coisas. Lá era uma cidade velha, então não tinha essa infraestrutura boa o suficiente. Não tinha metrô ou trem lá, somente ônibus e era muito precário ainda. Então, eu acredito que, se eu não tivesse o carro, para poder ir pra faculdade diariamente lá e poder sair de final de semana com alguns amigos e tal, possivelmente ou não teria dado certo, ou teria sido infinitamente mais difícil e isso se aplica também aqui, a minha vinda a São Paulo. Apesar de que aqui, obviamente, ter uma estrutura muito melhor do que a cidade onde eu estudava, que tem metrô, tem trem, tem N opções de transporte e apesar de eu não ter pegado nenhum transporte público aqui, ainda acho que tem a infraestrutura, pelo menos básica, o suficiente pra você pegar, hoje eu tenho um carro, então eu vou diariamente para o trabalho de carro e isso me facilita demais. Digo isso porque eu converso com as pessoas que vêm de ônibus ou de metrô e elas contam a experiência delas, o transporte público é lotado, é muita gente aqui em São Paulo e, como não fica tão perto assim, eu moro hoje aqui em Santo Amaro e o Pan fica na Paulista, então são uns dez a doze quilômetros, então eu vou todo dia de carro, então eu não tenho nenhum problema com infraestrutura de transporte, mas estou curioso pra um dia testar, num final de semana pegar um metrô, um trem, pra ver como é que funciona e ver se isso seria também uma opção pra eu ir para o trabalho, até por conta de gastos e tal, talvez compensaria um pouco. Mas é um ponto muito importante, que eu pensei muito também antes de tomar a decisão de aceitar e vir pra cá: é algo que eu preciso muito me preocupar, preciso chegar no trabalho todos os dias e não atrasado, então é algo que é muito importante, mas hoje eu vou de carro, então eu não tenho nenhum problema, além do trânsito, que todo mundo que vai de carro pega, mas zero problema pra ir. Lá o Pan me ofereceu também essa estrutura de estacionamento do próprio prédio, então eu entro com meu carro aqui, eu chego no prédio lá, desço do carro e vou para o meu andar de trabalho. Porque, se você é cadeirante, você não pode sair em dias de chuva, ‘tocar’ a cadeira e segurar um guarda-chuva, então são vários aspectos que você precisa se preocupar, para pessoas que estão na posição que eu estou. Então, eu não posso chegar a acordar de manhã, está chovendo, precisar sair de casa para ir pra uma parada de ônibus, ou de trem, debaixo de chuva. Então, são aspectos peculiares que a gente precisa levar em consideração, na minha posição. Mas hoje eu moro num condomínio aqui que tem a infraestrutura necessária também, onde eu saio do meu apartamento e vou pro estacionamento, que é coberto, entro para o meu carro e vou para o trabalho, que é um estacionamento coberto também, então eu não tenho nenhum tipo de problema. Eu tenho essa que eu digo até comodidade, que eu acho que muitos não têm, de poder não precisar se preocupar com isso.































P/1 – Eu queria saber quais são as coisas mais importantes pra você, hoje.

R – ‘De cara’ eu acho que eu posso falar que é a minha independência. Digo isso porque é algo que eu tenho que conquistar todos os dias, isso desde o dia do meu acidente. Durante os primeiros dois anos, talvez, eu tenha meio que não buscado tanto isso, porque eu tinha na minha cabeça de que eu vou me recuperar e vou voltar a andar. Então, até eu ter essa informação de que, bom, você precisa se adaptar à sua nova realidade, se você um dia voltar a andar, ótimo; se não voltar, você vai estar preparado pra isso, então a partir daquele momento eu comecei a me adaptar e buscar essa independência diariamente, em todas as coisas que eu faço, pra todos os lugares que eu vou. Então, o ponto mais importante pra mim, hoje, é eu ter essa independência que eu tenho e que eu tive que adquirir obrigatoriamente, para eu poder voltar a me inserir na sociedade de novo, ter o meu trabalho, ter as minhas coisas, fazer as minhas coisas, então o ponto mais importante é essa independência. E depois disso é, acho, a minha conquista profissional também, o meu trabalho. Na minha cidade pouquíssimas pessoas saem de lá, pra ir para as outras cidades, para trabalhar e muito menos cidades grandes, muito menos São Paulo e então eu vejo isso como uma grande conquista pra mim e vejo que isso também reflete aos meus pais, meus pais sentem muito orgulho de mim, do fato de eu ter superado tudo isso e ter conquistado essa minha independência, de ter saído de lá, ter um emprego bom, hoje, num lugar legal, onde eu gosto de estar, na cidade que eu gosto de estar, num lugar que eu gosto de trabalhar. Isso conectado à minha independência, com a minha conquista profissional que eu tive, os relacionamentos que eu tenho, de amizades, os vínculos que eu criei com o passar desses anos e que eu tenho hoje, aqui, acho que isso é muito gratificante.





















P/1 – E quais são seus maiores sonhos, hoje?

R – Olha, eu continuo tendo, eu acho, essa certa ambição de ‘não tenho o suficiente ainda’. Eu fui adquirindo isso conforme o passar dos anos, depois do meu acidente, todos os dias eu preciso aprender alguma coisa nova e eu vim aqui pra São Paulo e se intensificou mais ainda, cada dia algo novo, então eu tenho muito essa ambição de: “Não vou parar por aqui, quero aprender mais, quero conquistar mais, quero ganhar mais” e quando a gente fala em aspecto profissional no trabalho, eu acho que isso pesa muito mais, tenho muita ambição de crescer. Então, eu estudo constantemente. Eu acho que a pessoa que para de estudar fica estagnada no tempo. Não só no tempo, mas também em crescimento pessoal e profissional. Então, eu busco sempre aprender algo novo, me capacitar em alguma coisa nova, pra poder também ter direito a ter essa ambição. Eu tenho que buscar alguma coisa, mas preciso fazer a minha parte também. Então, hoje eu estou numa vaga júnior e a minha ambição é sair de uma vaga júnior e ir para um pleno, sair de um pleno e ir para um sênior, para um coordenador e assim por diante. Então, eu tenho muito essa ambição profissional de querer crescer e de conquistar o meu espaço e mais ainda o meu espaço como pessoa com deficiência, que é algo, hoje, muito difícil. Então, eu acho que esse é o ponto. Você ter ambição e crescer, não estando nessa posição de um grupo social talvez um pouco mais reprimido na sociedade é um ponto, mas você conquistar essas coisas estando na posição que eu estou, eu sei que vai ser mais difícil, porque infelizmente é uma realidade hoje, é mais difícil, mas eu tenho essa ambição e vou ‘correr atrás’, para que isso aconteça.

P/1 – E sendo uma pessoa com deficiência no mercado de trabalho, principalmente no mercado financeiro, você consegue estar atento mais a outros tipos de preconceito, que outros grupos sofrem, dentro do mercado de trabalho, principalmente com a sua relação que estava comentando, com os grupos de afinidades? Como você enxerga a inserção dessas pessoas no mercado de trabalho? Não as pessoas com deficiência, mas de outros grupos sociais marginalizados ou, de alguma forma, não inclusos?

R – Esse é um ponto que eu converso muito também com meu colega de trabalho, Felipe, que é co líder do grupo Afro Pan, que eu nunca tive muitas amizades com pessoas negras, na minha cidade, porque a minha cidade é praticamente colonizada alemão e italiano, então eu tive pouquíssimos contatos com pessoas negras lá, então nunca tive muitas amizades. Isso mudou um pouco depois que eu saí de lá e fui pra faculdade. Lá eu já conheci mais pessoas negras, também de outros grupos sociais, mas, mesmo assim, também ainda eram muito poucas. Eu comentei isso outro dia e foi algo muito interessante, que eu vim pra cá e hoje, aqui em São Paulo e falando do meu local de trabalho lá, a pessoa com quem eu mais tenho contato é com esse meu colega, que é negro e eu vejo que hoje, participando dos grupos de afinidade do Pan, que eu sou colíder de um dos quatro grupos, mas vejo que existe também um certo preconceito, sim, com outros grupos e a gente vê isso nos debates que a gente tem e pelas mídias também, no mercado e tudo o mais, existe sim um preconceito ainda, por parte de alguns grupos sociais, mas eu acho que isso vem tendo um desenvolvimento, uma evolução aí. Tem ainda muita coisa pra acontecer, pra melhorar, pra evoluir, mas eu acho que vem sendo olhado, talvez, com ‘olhos diferentes’, mas eu nunca tive esse contato antes de vir pra São Paulo e antes de entrar no Pan. Na faculdade, o contato maior que eu tive sempre foi com pessoas com deficiência, eu atuava especificamente nas políticas de inclusão ali e trabalhava em projetos que forneciam acessibilidade para pessoas com deficiência física, mais especificamente, ou visuais, mas aspectos mais físicos, de infraestrutura. Aqui no Pan já é um pouco diferente, aqui a gente tem um contato mais com políticas de inclusão de forma geral, mesmo, para qualquer grupo étnico ou a sociedade. Mas tem muita coisa pra melhorar ainda na sociedade, no país, nas empresas, no mercado de trabalho e no Pan também, mas a gente vem diariamente fazendo alguma coisa, para que isso melhore.

P/1 – A gente está chegando ao fim, mais algumas, três perguntas, mas eu queria saber qual é o legado que você deixa para o futuro.

R – Bom, eu acho que o primeiro legado que eu deixo é referente ao meu tempo de antes do acidente, onde foi uma parte da minha vida que mudou pra depois do acidente, mas eu acho que fica um legado lá, das pessoas que eu tive contato, das coisas que eu fiz antes do acidente. Volto de novo no assunto da banda, é algo que eu gosto, gostava muito de fazer, então eu deixo um legado de que eu participei de algo lá, que as pessoas vão acabar lembrando de mim, quando falarem comigo hoje, ou quando virem alguma foto minha em rede social, vai lembrar que um dia eu participei, toquei numa banda lá, onde eles, um dia, estiveram, participaram daquele momento lá. E o segundo legado que eu acho que eu deixo foi do meu tempo dos anos da faculdade, onde eu pude participar de grandes conquistas em relação a temas de diversidade e inclusão, eu consegui participar da construção de políticas de inclusão na universidade, de poder ajudar outras pessoas, incluir outras pessoas na universidade, de poder participar de projetos, desenvolver e criar projetos, para que outras pessoas, como eu, e com outras deficiências, possam ter a oportunidade de entrar pra uma universidade, fazer um curso, se formar, com um mínimo de dignidade, eu acho. Então, acho que são esses dois legados. E o legado maior acho que é de todo esse histórico que eu trago lá, desde infância, de sair de uma cidade muito pequena, agricultura, onde as pessoas eram diferentes do que as pessoas que eu convivo hoje, então acho que todo esse histórico de evolução que eu tive antes e depois do acidente, de sair de casa, transições que eu tive que fazer, as vezes que eu tive que me adaptar, me readaptar e isso continua acontecendo, eu acho que todo esse legado, acho que mais importante do que pros outros, mas pra mim eu vejo isso como algo que me motiva diariamente a buscar sempre mais e continuar mantendo esse legado de conquistas que eu acho que eu trago.

P/1 – Eu queria saber se você gostaria de acrescentar alguma coisa que eu não perguntei, ou deixar alguma mensagem.

R – Bom, acho que já falei bastante coisa aqui, eu falo até demais, às vezes, mas talvez tenha esquecido de falar algumas coisas que não tenham vindo à mente agora, então só me resta, muito, agradecer também pela oportunidade que vocês me deram, para poder contar essa minha história, eu não sei se vai ou não impactar na vida de alguém, mas acho que, de forma alguma, em momento algum na minha vida, eu quis me martirizar pela situação que eu tive que enfrentar, do acidente, da mudança que eu tive, e o que eu posso falar é que, se a gente busca, ‘corre atrás’ de algo, a gente consegue, independente das dificuldades que a gente tem. Seria mentira minha falar que não passei por momentos difíceis, passei por vários momentos muito difíceis, que eu tive que dar muito mais de mim, para poder superar, que eu tive que ter apoio da minha família, dos meus amigos, inclusive agora, nessa mudança pra São Paulo, passei por várias coisas que eu tive que ter muita força pra superar e para conquistar, me adaptar, então o que tem pra falar só é que, se a gente quiser alguma coisa, a gente busca, ‘corre atrás’ e faz acontecer e acho que qualquer pessoa tem a capacidade disso, de conquistar o que quer, como sonho, ou como objetivo.

P/1 – E, por fim, eu queria saber como foi contar sua história hoje, rever toda sua trajetória e o que você achou de ser entrevistado, de participar de um projeto de memória.

R – Confesso que, quando recebi o convite de você, eu pensei duas vezes antes de aceitar, ou não e aí do porquê ter pensado duas vezes: talvez o primeiro motivo é: porque, bom, eu vou estar expondo a minha história pra um grande número de pessoas, talvez, não sei qual é o alcance que vai ter, mas alguma pessoa vai acabar vendo, ou ouvindo essa minha história. Aí pensei: “Bom, eu vou estar me expondo, falando e talvez as pessoas vão ver isso muito mais com um olhar de pena, ou do que com olhar de conquista, então acho que esse é um ponto bem importante, ali”. Como é algo que sempre me preocupou, de certa forma, muito, esse olhar e o pensamento das pessoas e de não querer me martirizar e sim mostrar que eu tive que conquistar meu espaço e digo que eu acho que eu consegui fazer isso e hoje eu tenho isso, então esse é um ponto que me fez pensar em aceitar ou não a entrevista. Mas resolvi aceitar, porque eu acho que, de alguma forma, por mais que talvez eu impacte as pessoas não da forma que eu queira, algumas pessoas, mas outras eu acho que vai impactar de uma forma positiva e, de alguma forma, vai ajudar, por ter ouvido essa história e ver que é possível você fazer as coisas, de que as coisas podem acontecer, mesmo você estando numa situação talvez um pouco mais delicada, mais difícil do que outra pessoa estaria. Mas, de forma geral, eu nunca tive problema de falar sobre o meu acidente, sobre as coisas que eu tive que superar, os obstáculos que eu tive e hoje eu me vejo como estar numa situação muito boa, de ter conquistado o que eu queria, de ter o meu espaço mesmo, então eu não vi como um problema e sim mais como uma oportunidade de contar para as pessoas que, se você quiser, você ‘corre atrás’ e você conquista as suas coisas.



[Fim da Entrevista]