Museu da Pessoa

Cinquenta anos de casa

autoria: Museu da Pessoa personagem: Flavio Cyriacope

Projeto Memória Viva AmBev

Realização Instituto Museu da Pessoa

Entrevista de Flavio Cyriacope

Entrevistado por Beth Quintino e Ana Elisa Viviani

São Paulo, 31 de outubro de 2005

Código: AMBEV_HV006

Revisado por Beatriz Guerra de Sant’Ana


P1 –

Boa tarde, Flavio!


R – Boa tarde!


P1 – Obrigada por você ter vindo. Eu gostaria que você começasse falando seu nome completo, data e local de nascimento.


R – Meu nome é Flavio Cyriacope. Nasci no dia 5 de outubro de 1939 no bairro da Vila Pompéia, mais precisamente na Rua Diana, 686. Fiz minha formação profissional no bairro mesmo até a parte técnica e saí de lá em 1965, quando já tinha casado e me mudei para o bairro da Mooca.


P1 – E, Flavio, você podia falar um pouquinho da sua família, se são descendentes de…


R – Por parte de pai, minha família é de italianos e, por parte de mãe, família de portugueses. Meu pai nasceu na cidade de São João da Boa Vista e minha mãe em São Paulo mesmo.


P1 – Vocês eram uma família grande?


R – Na minha família era minha irmã mais velha, meu irmão e eu sou o caçula.


P1 – E quando você nasceu, já nasceu no bairro? E o resto da família também já morava lá?


R –

Toda a família morava parte na Vila Pompéia, parte em Perdizes.


P1 – Quer dizer, você já tinha uma ligação…


R – ... muito profunda com o bairro da Pompéia, Perdizes e Barra Funda. Família de parte do meu pai

é da Barra Funda e da minha mãe também.


P1 – Por você ter nascido na Pompéia, Perdizes, misturando um pouquinho, você frequentava o Palmeiras que era do lado?


R – Frequentava. Eu, com a idade de 5 para 6 anos, era aquilo que a gente chama de catador de bolinha no jogo de tênis. Depois frequentei o Palmeiras na parte esportiva, jogando futebol de salão. Então frequentava a sede social e, como tal, me tornei palestrino. Aliás, no sobrenome por parte do meu pai, dificilmente vá se encontrar alguém que não seja palmeirense. E por parte da minha esposa, corinthianos.


P1 – Flavio, os seus pais faziam o quê?


R – Meu pai era marceneiro. Ele trabalhava em oficinas de marcenaria pelo bairro e depois, através de uma indicação do Museu de Artes e Ofícios, ele foi trabalhar na Fundação Zerrenner, mais precisamente na Escola Vocacional Antarctica, Escola Técnica Antarctica e, por último, Escola Técnica Walter Belian. Meu pai trabalhou na condição de marceneiro no período de 1946 a 1958. Foi justamente a minha ligação, tanto com a Fundação Zerrenner como com a Companhia Antarctica, ela precede até a minha entrada, a entrada do meu pai na Escola. Porque quando a Fundação se formou, ela mantinha no chamado Parque da Água Branca, uma Escola Técnica Vocacional Getúlio Vargas para formação profissionalizante. E meu irmão, no período de 1943 a 1947, frequentou essa escola aí na Água Branca. Depois a Escola foi transferida para o Largo do Cambuci. Como nós morávamos aqui na Pompéia, ele não pôde continuar os estudos lá. Aí veio a admissão do meu pai nessa própria Escola.


P1 – E ela foi transferida do Parque Antarctica para o Cambuci…


R – Em 1947.


P1 – Quer dizer, você sempre teve uma ligação com a Antarctica.


R – Sempre, sempre tive ligação. E, inclusive por parte da minha esposa, o pai dela, meu sogro, trabalhou no período de 1938 na Companhia Antarctica Paulista. E a minha esposa é ex-aluna da Escola Técnica Walter Belian. Ela se formou na turma de 1956. Ela morava no bairro da Mooca e ingressou na Escola em 1952, se formou em 1956 e no ano seguinte, em janeiro de 1957, foi trabalhar nos escritórios da Fundação. Exatamente no escritório em que eu trabalhava. Um ano depois que ela estava trabalhando lá, começamos a namorar e viemos a nos casar em dezembro de 1963. Então a minha ligação nesses 50 anos de casa é muito forte entre Fundação e Antarctica.


P1 – Eu queria que o senhor falasse um pouquinho como era o bairro nessa época e como era a escola – quando você entrou na escola aqui no Parque Antarctica.


R – Primeiro, eu não entrei na Escola da Fundação. Foi meu irmão que estudou lá. Eu fiz o primário, o primeiro ano no Sagrado Coração de Jesus. Os outros 3 anos do primário eu fiz numa escola na Rua João Ramalho. Depois fiz o Ginásio no Conselheiro Lafayete, na Avenida Afonso Bovero e lá fiz também o curso técnico em contabilidade, me formando em 1957. Nessa época eu já estava dentro da Fundação Zerrener.


P1 – E como era a Fundação quando…


R – Olha, a Fundação tinha uma outra dimensão em matéria de estabelecimentos, porque ela agregava naquela época 40 mil beneficiários. Então, um pouquinho antes de eu entrar na Fundação, ela inaugurou o Hospital Santa Helena, que anteriormente tinha uma ala mais antiga, que é de origem de 1947 e que teve um segmento de um ambulatório que se localizava na moradia antiga do casal Zerrener. Era na Rua Vergueiro nº 1, hoje nº 17. Quando a Fundação se constituiu por testamento deixado por Dona Helena, falecida em 1936, ela deu continuidade ao testamento deixado pelo irmão, que havia falecido em 1933, o Comendador Zerrener. Ela fez um testamento em 1934 e em 1936 ela faleceu e constituiu a Fundação. O primeiro estabelecimento assistencial foi exatamente no nº 1 da Rua Vergueiro, um ambulatório. Depois na Rua São Joaquim foi construída uma ala hospitalar e em 1952 foi a segunda ala na Rua Vergueiro de 11 pavimentos. Independente desse estabelecimento que era o Hospital Santa Helena, a Fundação construiu um ginásio em Tremembé numa área de 29 mil metros quadrados. Chegou a formar uma turma a nível ginasial. Mantinha um abrigo de crianças e jovens para 150 vagas, um pensionato masculino em Tremembé, um pensionato feminino e, além dos ambulatórios, que nós chamávamos de Ambulatórios Seccionais, em cada uma das unidades da Companhia Antarctica Paulista nas cidades do Brasil: Santos, Ribeirão Preto, Belo Horizonte, Recife, Curitiba. Tinha lá os ambulatórios médicos com equipe nossa, com centro odontológico. E nessa época a Fundação também mantinha o Hospital Santa Helena e com isso nós dávamos cobertura a 40 mil beneficiários. Com a passagem da produção das fábricas da Antarctica da Mooca para Jaguariúna, por exemplo, teve uma diminuição no número de operários na Antarctica. Com isso, se tornou quase que ociosos esses estabelecimentos que eram mantidos, principalmente a Escola Técnica Walter Belian, que era exclusiva para filhos de empregados da Companhia Antarctica Paulista e da Fundação. Então nós mantínhamos na Escola Técnica, que hoje tem o nome do seu patrono, Walter Belian, cursos de primeiro e segundo grau, hoje curso fundamental e médio profissionalizante. Então a Fundação sofreu uma transformação na década de 1990 devido a esses fatos.


P1 – O Hospital Santa Helena foi muito referência…


R – O Hospital Santa Helena... Eu tive oportunidade de trabalhar lá em duas épocas. Uma muito transitória entre outubro de 1958 e março de 1959, num período que a Fundação respondia por um processo e nossos escritórios, pela circunstância, tiveram que mudar para o Hospital Santa Helena. Nessa época eu já tinha tomado um conhecimento mais profundo do Hospital - a magnitude como um estabelecimento hospitalar. E em 1963 eu fui transferido da Administração Geral para assumir o cargo de Encarregado da Secretaria do Hospital. E aí eu pude tomar um contato maior com a administração do hospital e verificar que se tornava um hospital de ponta. Grandes profissionais renomados se internavam no hospital. Nomes de referência mesmo. E era um estabelecimento que na época podia ser considerado de ponta não só pela localização, mas como pela constante reciclagem nos equipamentos, nas instalações. E foi em São Paulo que a concepção de centro cirúrgico foi lançada no Hospital Santa Helena, onde se concentrou várias salas de cirurgia e foi exatamente na época em que eu estava lá. Mais um pouco pra frente, no meio da década de 1970, lá se instituiu também a UTI. E o Hospital tinha como clientela os beneficiários da Fundação Zerrener e, como era um hospital geral e aberto, ele destinava parte dos aposentos do centro cirúrgico, dado seu tamanho, para particulares e convênios. Então a Fundação ia buscar com essa população uma receita marginal. E ajudava a custear as despesas que ela tinha com os beneficiários da Fundação e empregados da Companhia Antarctica.


P1 – Flavio, eu queria que você falasse um pouquinho dessa filosofia da Fundação quando ela começa, porque ela não era uma Fundação só assistencialista. Eu imagino que por trás disso ela tinha um propósito maior.


R – O propósito maior, ele tinha como origem o testamento deixado pelo casal Zerrener. E a sua principal finalidade era criar e manter estabelecimentos assistenciais. Para quem? Para crianças, órfãos, ou expostos, de preferência filhos da Companhia Antarctica Paulista e na época dos estabelecimentos comerciais fundados pelo Comendador Zerrener, tinha também a Companhia Cafeeira de São Paulo. Além de ser também para operários da Companhia Antarctica Paulista impossibilitados de trabalhar por moléstia ou por velhice, e estudantes pobres, de famílias dignas. Com isso, atendendo a essa finalidade testamenteira e, mais tarde, estatutária, é que a Fundação, parte em imóveis deixados pelo testamento, parte em imóveis adquiridos, foi construindo a escola técnica, hoje Escola Técnica Walter Belian – começou como Escola Pré-Vocacional Getúlio Vargas, depois Escola Vocacional Getúlio Vargas, depois Escola Técnica Antarctica e, por último, após o falecimento em 1975 do dr. Walter Belian, recebeu o nome do patrono Escola Técnica Walter Belian. Construiu, como eu já disse, um ginásio num imóvel de Tremembé – era constituído de 4 pavimentos, com uma boa área de lazer, quadra poliesportiva, piscina, campo de futebol. Construiu também um abrigo de crianças e jovens para filhos que se tornavam órfãos ou expostos, um pensionato feminino, e depois, mais recentemente, um pensionato masculino no Cambuci. Além de ter construído o Hospital, atendendo a essa finalidade estatutária, e ambulatórios nas localidades onde a Companhia Antarctica Paulista mantinha filiais.


P1 – E hoje ela ainda tem essa…


R – Hoje mudou um pouco o foco, principalmente na Mooca onde, com a transferência da fábrica para Jaguariúna, os empregados estão hoje mais localizados, de origem em Campinas, isso e aquilo. Então em São Paulo, restou a Escola Técnica Walter Belian, que atende a filhos de empregados da Fundação e da AmBev e de unidades localizadas na Grande São Paulo. Com a diminuição da coletividade da Antarctica, agora abriu para a comunidade nos cursos fundamental e médio. Essa Escola, hoje, nós entregamos, através de uma parceria, o curso profissionalizante ao Senai [Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial] , que já funciona desde 2002. Então hoje nós mantemos lá por volta de 960 alunos – parte no fundamental, parte no médio - e 320, 340 no Senai, totalizando 960 alunos. O Hospital Santa Helena, para a Fundação, se tornou antieconômico, porque a nossa coletividade diminuiu muito, e passou a ter quase que 80% da sua capacidade de internação voltada para convênios. E mesmo com convênios ele se tornou antieconômico. Logo, a Fundação procurou uma parceria para entregar o Hospital. E em 2000 foi firmada uma parceria com a Unimed Paulistana. Hoje ele é operacionalizado pela Unimed Paulistana. A Fundação mantém um contrato com a Unimed no aspecto assistencial em que são encaminhados os beneficiários de São Paulo de origem da Antarctica para o Hospital Santa Helena. E a Unimed , operacionalizando o Hospital, nos proporciona um rendimento mensal em contrapartida com o ônus que nós tínhamos com o Hospital ocioso. Com referência ao antigo asilo para idosos, também no ano de 1999, ou começo de 2000, nós verificamos que ele também estava antieconômico, porque tinha capacidade para 150 idosos com assistência médica 24 horas, e nós tínhamos lá, em média, 50, 52 idosos. Então essa assistência de 24 horas se tornou muito onerosa. E a exemplo do Hospital, procuramos uma entidade congênere, sem que perdesse aquela qualidade que os aposentados que não tivessem condição de viver no seu meio familiar, ia lá para o Lar. Por isso nós também firmamos um contrato com o Recanto São Camilo, que fica em Cotia. E para lá foram transferidos 50 idosos numa área que eles denominaram da Fundação Zerrener. Todos aqueles que estavam com aquela convivência no Lar, mantiveram essa convivência junto lá até hoje. Com referência ao Ginásio, ele já tinha sido desativado há muito tempo e mais recentemente aquele imóvel foi vendido com uma operação casada. E com o produto daquela venda, foram investidos em outros imóveis da capital, voltado mais para a administração da Fundação. Foi aí que a Fundação adquiriu um andar inteiro no edifício localizado na Faria Lima com a Juscelino. Assim como, adquiriu dois pavimentos, hoje no Corporate Park, onde hoje está instalada a AmBev. No interior, os estabelecimentos, à medida que as unidades da Companhia Antarctica Paulista iam se tornando outras empresas, mesmo que do ramo cervejeiro e de refrigerantes pela própria Companhia Antarctica, essa assistência que era prestada nessa localidade, foi terceirizada com medicina de grupo de cada localidade.


P1 – Flavio, eu queria que você falasse um pouquinho dessa sua trajetória dentro da Fundação, passando pela Antarctica. Quais as funções que você desenvolveu e como era esse trabalho?


R – O meu primeiro emprego, que foi de outubro de 1954 a abril de 1955, num escritório no centro de São Paulo. De lá, eu fui para trabalhar na Companhia Antarctica Paulista, em abril de 1955, mais precisamente no Departamento de Propaganda. Naquela época estava sendo editada uma revista interna da Companhia, chamava-se Nectar, mas quando chegou no finzinho de outubro de 55, por questões internas da Companhia, a alta administração resolveu cancelar essa publicação. E no dia 2 de novembro de 1955 eu fui transferido para os escritórios da Fundação Zerrener. Por quê? Porque essa revista, esse Departamento de Propaganda da Companhia Antarctica, estava instalado num prédio da Companhia, na Avenida do Estado, que a gente denominava Fábrica de Essências. E a Propaganda estava instalada no 4º andar, e parte desse 4º andar foi destinado aos escritório da Fundação. Com o encerramento das atividades dessa revista, eu fui transferido para a Fundação Zerrenner como contínuo. Em 1958, nesse mesmo escritório, eu passei a ser Encarregado do Registro de Correspondência. Em 1960, se não me falha a memória, deve estar aí no currículo, eu fui transferido para um setor contábil, que apurava o custo de cada beneficiário na Fundação. De 1963 para 1964, fui transferido para o Hospital Santa Helena como Encarregado da Secretaria do Hospital Santa Helena. Lá fiquei até fins de 65, quando voltei para a Administração Geral, como Assistente do Contador, cuja contabilidade ficava no 4º andar da Fábrica de Essências. Como Assistente do Contador, passei em seguida para ser Assessor do Diretor Tesoureiro, no cargo de Assessor de Planejamento e Controle Econômico e Financeiro. Nesse cargo fiquei até junho de 1970, quando mediante acordo, no dia 1º de julho de 1970, eu fui transferido para a Companhia Antarctica Paulista. Fui trabalhar lá como Analista Econômico e Financeiro. Em abril de 1974, eu fui nomeado Assessor do Diretor-Presidente da Companhia. Antes disso eu trabalhava numa sessão de análise econômico-financeira da Companhia. Nessa atividade, eu tive oportunidade, em 1972, de participar de alguns programas de aquisições de empresas de indústria de bebidas. Nessa oportunidade eu passei, 30 dias em Recife, mais precisamente em abril de 1972, quando a Companhia estava adquirindo a Cervejaria Cecchini, que tinha sede em Camaçari, na Bahia. Então estava se fazendo a avaliação patrimonial, econômica e financeira, e nós fomos assessorar a equipe da Cecchini, em Recife, e lá passamos 30 dias. Nesse mesmo ano de 1972, passei 20 dias na cidade de Estrela, no Rio Grande do Sul, quando a Companhia estava adquirindo a Cervejaria Polar. Ainda nesse mesmo ano, 10 ou 15 dias em Brasília, quando também a Companhia estava em negociação com uma cervejaria em Brasília, em Goiânia. Em 1974, como disse, fui Assessor do Presidente. Isso, em 1975, o dr. Walter Belian, que era o Presidente da Companhia veio a falecer e assumiu a presidência da Companhia, a Dona Erna Belian Wernsdorf Rappa. Nessa oportunidade, ela nos designou para fazer um trabalho, como conhecedor da Fundação, numa reestruturação da administração da Fundação. Eu e mais um colega, Hermenegildo Barbaro, fomos lá para a Fundação, em maio de 1975, e em setembro de 1977, após concluir esse trabalho, nós fomos transferidos, também mediante acordo, da Antarctica para a Fundação.


P1 – Eu queria que você falasse um pouquinho da dona Erna, porque na época ela foi a primeira mulher a ocupar um cargo tão importante. E como era essa pessoa?


R – Veja bem, a dona Erna... Eu a conheci desde o primeiro dia em que eu fui para a Fundação. Porque no nosso escritório que tinha lá no 4º andar da Fábrica de Essências, era onde se instalava a mesa administrativa da Fundação, que na época, a direção da Fundação era constituída pela mesa administrativa e pelo Conselho Orientador, que eram dois membros. E lá compareceram o dr. Belian e a dona Erna. Nós, nessa época, já tínhamos uma convivência muito próxima, porque nós servimos de suporte, como um escritório, a essa administração da Fundação. Então nós tínhamos uma convivência quase cotidiana. Falar de dona Erna não é muito difícil, porque falar de gente com o coração que tinha dona Erna é muito fácil de falar. A dona Erna sempre tinha uma palavra amiga, sempre tinha a mão estendida para qualquer dificuldade. Qualquer operário da Companhia, qualquer empregado da Fundação podia recorrer a dona Erna que o coração estava aberto. Ela era, como eu disse, membro do Conselho Orientador e vice-presidente da Companhia. Quando seu irmão, o dr. Walter Belian, faleceu, ela assumiu a presidência da Companhia, mas continuou na Fundação até o falecimento dela em agosto de 1985. Tanto a dona Erna quanto o dr. Belian, o dr. Belian mais voltado para a Companhia Antarctica Paulista como capitão de empresa, eles visavam única e exclusivamente o bem-estar da coletividade Antarctica e Fundação Zerrenner. A dona Erna costumava visitar os estabelecimentos. A minha esposa conta passagens de quando ela, como aluna da Escola, recebia a visita de dona Erna na Escola, que ia de classe em classe, para ver como é que estava sendo tratada a aluna, como é que a aluna estava se portando, o aluno. E isso ela fazia tanto na Escola quanto no Hospital Santa Helena. Nós, como encarregados da secretaria, quando menos esperávamos, estávamos lá, tendo a presença de dona Erna, perguntando como é que estavam as coisas, visitava os beneficiários internados, e da mesma forma, ela comparecia ao lar dos idosos, ao abrigo de crianças, enfim, era uma pessoa de bondade ímpar.


P1 – E, Flavio, como era pra vc essa coisa de trabalhar na Antarctica e trabalhar na Fundação? Coisas diferentes...Você participou da aquisição da Cervejaria Polar...


R – Da Cecchini...


P1 – É…


R – Eu frequentava muito a Antarctica, primeiro que nós da Fundação almoçávamos no refeitório da Antarctica, então a gente já mantinha um círculo de amizades que, aliás, diga-se de passagem, a refeição era feita em cozinha própria, uma refeição excelente. E o pessoal me conhecia na Antarctica porque participava sempre de jogos de futebol, ou de campo, ou futebol de salão. Muitas vezes eu cruzava com alguém da Antarctica que me chamava pelo nome, e eu não conhecia a pessoa porque ele me via lá dentro da quadra, mas eu não via ele lá na assistência. E nós tivemos muito... Inclusive em 1962, a ARCA, que era a Associação Recreativa e Cultural Antarctica, estava comemorando um dos seus aniversários, e fez lá um festival com várias práticas esportivas, e teve um festival de futebol. A Antarctica concorreu com 15 equipes e a Fundação concorreu com uma e ao cabo do torneio nós fomos campeões. Então eu sempre cultivei muita amizade com o pessoal da Antarctica. Na passagem que eu tive lá de 5 anos, também tive uma amizade profunda na diretoria. Conheço os diretores até hoje, o dr. Victorio Carlos de Macchi é meu contemporâneo na Fundação. Depois ele foi pra Antarctica, e depois eu também fui. Então eu não conheço outro ambiente sem ser Antarctica, depois de 50 anos vivendo lá dentro.


P2 – O senhor mencionou a respeito da ARCA e eu queria que o senhor contasse um pouquinho como é que foi essa…


R – A ARCA foi fundada, se não me falha a memória, em 1958 e tinha sua sede ali na Mooca mesmo. Associação Recreativa e Cultural Antarctica. Então ela desenvolvia vários programas lá. Desde a alfabetização para adultos, tinha uma escolinha para crianças... E dentro da parte cultural, mantinha uma sede com biblioteca, com jogos. Era onde o empregado da Companhia ia após o expediente, porque era uma época que a gente trabalhava todos os dias da semana, inclusive o sábado, e como nós tínhamos um expediente que começava muito cedo, 7h30 da manhã e encerrava às 16h30, então a gente tinha a oportunidade de, saindo do local de trabalho, se dirigir para a ARCA e lá encontrava os mais diversos tipos de lazer. Ela teve sua sede ali na Mooca. Teve por um tempo na Rua da Mooca, também lá em cima. Depois construiu uma quadra, um salão de festas, e era voltada para as mais diversas atividades.


P2 – Era bem frequentado?

R – Bem frequentado. Tinha inclusive quadra de bocha para idosos. Era bem frequentada sim. Bem aproveitado.


P1 – E nesse... quer dizer, era tudo muito próxima a Antarctica e a Fundação. A gente já conversou. Fale um pouquinho de produto. Da Antarctica. Como era isso na época? Do guaraná, da cerveja? Na década de 1960, 1970?


R – A Antarctica teve várias fases. Ela chegou a ser a pioneira em cerveja, mas sempre foi a pioneira em refrigerantes, principalmente com o guaraná. Uma qualidade que não se igualava a qualquer uma outra. E de cerveja, além da própria Antarctica, a Pilsen-Extra, tinha a München. De quando em quando aparecia uma marca nova pela aquisição de alguma outra indústria, como a Polar, a Pérola, em Caxias, a Serramalte. E sempre nós, da Antarctica, tivemos em conta como um produto de alta qualidade, e que brigava muito com a concorrente.


P1 – Nesses anos, o senhor lembra de uma época em que a Antarctica mais expandiu no mercado nacional?


R – Foi na década de 1970, mais precisamente entre 1972 e 1975. Foi a época que eu, vivendo na Companhia Antarctica Paulista, tomei conhecimento da expansão da Companhia. É bem verdade que em 1969, ela inaugurou uma indústria de bebidas em Recife, que era enorme. Depois, além das aquisições que começou a fazer, também construiu outras unidades, como em Piauí, mesmo em Minas Gerais, a Itacolomi, em Pirapora. Construiu uma cervejaria também em Montenegro, no Rio Grande do Sul. E outras unidades que foram adquirindo

e sendo construídas. Era uma época que havia incentivos para a construção e a Antarctica se beneficiava dessas oportunidades.


P1 – E a Fundação, sempre junto com a Antarctica, por conta dos funcionários.... Como eram esses campeonatos de futebol? Acredito que eram…


R – Existiam campeonatos que eram na própria Antarctica, mais precisamente na ARCA, aonde a Fundação comparecia lá ou com o time de futebol de salão, ou futebol de campo. Nós tivemos um campeonato que foi disputado no campo do Juventus, da Rua Javari. E se me lembro, a Fundação foi campeã ou segundo colocado como time, e em outras oportunidades, nos torneios que a Fundação fazia de futebol de salão, a nossa quadra na Escola Técnica Walter Belian, vinham equipes da Antarctica também. Era uma convivência acirrada dentro da quadra, mas depois da quadra todo mundo ia tomar cerveja junto.


P1 – Na Antarctica tinha quadra também ou era só a Fundação?


R – Tinha quadra na ARCA.


P1 – Que era lá.

R –Uma quadra coberta, boa.


P1 – Era visto como uma indústria sem tamanho, pelo…


R – Ah, sim. A Antarctica sempre foi uma grande família. Houve sempre muito paternalismo na Companhia. Uma senhora família. Eu digo sobre a unidade São Paulo. Ela se localizava ali na Antarctica e quase todos os empregados e operários moravam ali circunvizinhos da Companhia. E isso criava muita amizade entre eles. Era um ambiente muito familiar. Era um tal de empregado casar com empregada, a empregada casar com o empregado. Vide o meu caso com a minha esposa. Aliás, no jornalzinho da época que saiu a foto lá que eu não consegui encontrar, a foto do meu casamento, também saiu um casamento de duas pessoas que trabalhavam na companhia no mesmo dia do meu casamento.


P2 – Que ano foi seu casamento?


R – Dezembro de 1963. Eu devo ter esse jornalzinho e vou encontrar.


P1 – Quer dizer, hoje o tipo que foi a Antarctica, hoje não tem mais espaço para ser dessa forma.


R – Não tem, porque tá sempre voltado para a unidade que era mantida aqui na Mooca. Isso, com essa transferência para Jaguariúna, hoje lá na Mooca, depois da fusão Antarctica-Brahma, tá funcionando lá um CDD [Centros de Distribuição Direta]. E da Fundação restou aqui na Capital a Escola Técnica Walter Belian e o Hospital Santa Helena. A Fundação chegou a ter 1500 empregados. Hoje tem cento e poucos empregados, contando com a Escola, dentro da Escola a sua Gráfica, que produz os rótulos da AmBev, e a Administração Geral que funciona lá na Brigadeiro Faria Lima.


P1 – Eu queria que o senhor explicasse um pouquinho essa coisa da gráfica ali na Escola. Como que é isso? Os alunos acabam aprendendo alguma coisa?


R – O motivo da existência da gráfica na Fundação é para o curso de Artes Gráficas. A Escola Técnica Walter Belian, quando era Escola Técnica Antarctica, ou mais remotamente, ela tinha outras oficinas da gráfica. Lá nós tínhamos serralheria, caldeiraria, oficina de sapatos. Além disso, todos os medicamentos consumidos pelos nossos beneficiários não eram adquiridos medicamentos de marca e sim de própria produção. E, como eu disse, nós tínhamos o curso de Artes Gráficas, e a montagem desse curso permitiu que a Fundação produzisse os rótulos, na época, a Companhia Antarctica Paulista. Essa gráfica sofreu mutações tecnológicas a tal maneira de hoje produzir quase 100% de rótulos da AmBev. Nós produzimos muito numa oficina mecânica que nós tínhamos através de ferramentaria, muitas peças de reposição para a própria Companhia Antarctica, de maquinário de produção de cerveja, de refrigerante, caldeiraria. Chegamos a produzir tanques que foram transportados para essas unidades que foram construídas pela Companhia Antarctica fora de São Paulo. Depois isso tudo se tornou antieconômico. E de todas essas oficinas restou, face ao curso de artes gráficas, a nossa gráfica.


P1 – Flavio, teve um período que foi muito duro para a Fundação, que ela passou por uma dificuldade grande ou não?


R – Não. A Fundação teve, sofreu esse processo no início. Essa atenção maior era pra ver esses processos concluídos e que ocupavam muito a atenção dos administradores. Mas sobre o aspecto financeiro, econômico, não me lembro de ter passado crises mais complicadas não.


P1 – Esses processos que você fala são que tipo de processos? Se você puder falar.


R – A gente não tomava muito conhecimento do teor do processo, que ele era desenvolvido por escritórios de advocacia.


P1 – E você lembra de alguns fatos interessantes nesta retrospectiva que você faz, que te vem na memória? Engraçados ou até mais trágicos?


R – Engraçados, a gente assim, convivendo no emprego, tem vários casos, mas assim que envolvesse a história da Fundação e da própria Companhia, assim de cabeça, não, que se destaque assim, não.


P2 – Voltando um pouquinho nessa questão dos produtos, teve alguma campanha de algum produto da Antarctica que o senhor tenha achado marcante?


R – Eu me lembro que o que marcou mesmo foi a época do Boco Moco, do Guaraná. A época da Jovem Guarda, Ceci Jovem Guarda. Foram as mais marcantes assim.


P1 – E pessoas que tenham passado pela Fundação, ou até que talvez ainda estejam, que te marcaram nesses anos, que você ficou uma relação próxima, íntima. Porque quando você fala da Fundação e a gente fala Fundação Antarctica, parece que é que você falou, uma grande família. As pessoas vão criando relações fortes.


R – É, eu, coincidentemente nesses 50 anos, sempre trabalhei próximo à alta administração, tanto da Antarctica, quanto da Fundação. Pessoas que marcaram, além do dr. Belian e dona Erna, tive diretores que conviveram mais proximamente comigo, o sr. Orlando Messas, que além de Conselheiro na Antarctica, ele foi provedor na Fundação, e nós convivemos muito proximamente. O sr. José de Maio, que hoje está lá na Fundação. E como eu disse, com os Conselheiros, convivo até hoje, desde 1955 praticamente, com o Victorio Carlos de Marcchi, com o Gracioso. E são pessoas que, como eu disse, eles entenderam e incorporaram o espírito paternal, familiar, que deixou o exemplo do casal Zerrener. Então, como eu disse, a Fundação e a Antarctica, intimamente sempre foi uma grande família. Essas pessoas que destacaram a minha vida dentro da Fundação e da Antarctica.


P1 – Como é essa relação que você tem com a Fundação, é uma relação afetiva?


R – Sim.


P1 – Como é isso na sua família?


R – Minha família... veja bem, nós crescemos e formamos uma família dentro da Fundação e da Antarctica. Meu pai trabalhou lá 12 anos na Fundação, meu sogro 12 anos também, minha esposa trabalhou praticamente 8 anos. E tudo o que se conversava nas horas em que se tinha oportunidade de conversar, o assunto era Fundação, era a Antarctica, nossa convivência lá dentro. Eu me formei com a ajuda da Fundação. Me formei em perito contador, atuário, economista, tudo isso com as mãos da Fundação.


P1 – A Fundação incentivava os…


R – Incentivava através de bolsa de estudo.


P1 – Ela sempre teve uma preocupação com a formação.


R – Sempre teve. A própria Antarctica também. A filosofia era a mesma porque eram os mesmos administradores. Não podia sair de uma cadeira e ir pra outra trocando a capa.


P1 – Flavio, você consegue imaginar como teria sido a sua vida se não tivesse passado…


R – Olha...


P1 –

... Porque é uma vida.


R – É difícil de... De vez em quando a gente para e pensa: “Bom, se em 1970, quando eu estava fazendo um acordo com a Fundação, que eu ia embora e acabei indo parar na Companhia Antarctica, por uma insistência do próprio dr. Belian e de dona Erna, que achavam que eu não devia abandonar um ambiente que já tinha herdado do meu pai, tudo isso, e acabei indo para a Antarctica.” É difícil você se imaginar fora da Fundação. Veja bem, acabei de me aposentar agora em fevereiro deste ano por força da previdência privada – eu tive que me aposentar compulsoriamente – mas me aposentei no dia 28 de fevereiro e no dia 1º de março estava assinando um contrato como perito contador para montar uma auditoria interna na Fundação Zerrenner. Então na minha 3ª aposentadoria, eu fui contratado. Então são laços que... E mesmo porque, talvez isso seja mesmo salutar para a própria Fundação, porque são poucos hoje na Fundação que conservam a memória da Fundação.

E eu, em função dessa vivência dentro da Fundação de 50 anos, tenho uma memória do que foi a Fundação, do que foi a Antarctica, do que passou a ser hoje a AmBev.


P1 – E falando em AmBev, como foi pra você essa fusão?


R – Aquele anúncio no dia 1º de julho de 1999 pegou todo mundo de surpresa. Como disse um cronista, ninguém esperava uma fusão entre Palmeiras e Corinthians. Mas veja bem, hoje a gente analisando os números dessa fusão, a gente vê que ela não tinha outro caminho. E eu acho que isso é pensado dos dois lados, tanto do lado da Brahma, como do lado da Antarctica. É evidente que eu não acompanhei muito de perto essa fusão, mas a consequência dela. Porque a Fundação teve, por força do acordo dos acionistas, teve que incorporar a Fundação Assistencial Brahma e isso deu uma outra dimensão pra Fundação. E a gente, pensando que já estava na hora de pegar o boné e ir pra casa, nós acabamos sendo nomeados Superintendente-Geral da Fundação, cargo que exerci até agora, em fevereiro de 2005. No campo assistencial, isso foi muito bom, porque hoje, nós estamos na Fundação Zerrenner que está dando assistência para 48 mil e 500 vidas. Isso é consequência de 18 mil empregados e mais os dependentes considerados esposas e filhos dos empregados. A totalização dá um universo de 48 mil e 500 vidas. É evidente que a Fundação, na dimensão que ela tinha anteriormente, ela só poderia recorrer a outros estabelecimentos para conseguir esse atendimento, o que foi feito. Hoje toda assistência médico-hospitalar e dentária é prestada mediante contrato com terceiros. A fundação ficou com a escola aqui em São Paulo e nas outras unidades da AmBev, no país, é concedido bolsas de estudos a nível universitário, a nível profissionalizante. E, como eu disse, pegou uma outra dimensão, num universo muito maior do que a gente estava acostumado a conviver e prestar serviço.


P1 – Na fusão – lógico que em qualquer fusão, por mais que se escute, nada é muito fácil de unir duas empresas, mas que tinha como objetivo a mesma coisa que era um produto. Agora, quando se faz essa fusão também com Fundações, como que foi isso, porque eu imagino que a Fundação da Brahma fosse muito diferente da Antarctica. Como que foi essa incorporação?


R – Pelo que eu entendi, a Fundação Brahma, a gente podia considerar que ela era uma Fundação mais virtual, porque ela se servia dos recursos da Brahma, muito mais especificamente da área de Gente. Ao passo que a Fundação tinha toda sua administração, os controles, a execução, com pessoal próprio. Isso, para a Fundação, não causou porque quando veio todo esse universo da Fundação Assistencial Brahma, aqui em São Paulo nós já tínhamos uma coletividade muito pequena e já estava terceirizada nas diversas outras localidades. Então, nós administramos o que essas entidades contratadas executavam, por isso não houve um trauma tão grande em receber a Fundação Assistencial Brahma. Já estávamos preparados para isso.


P1 – Nós falamos da fusão com a Brahma, e com relação a essa fusão no ano passado com a Interbrew? Se de alguma maneira afetou…


R – Não, isso não afetou a Fundação. Aí já é mais um campo da AmBev. É evidente que a Fundação, como participante do acordo de acionistas, independentemente do poder acionário dela, ela é ouvida e concordou com todos os estudos que foram feitos, com as projeções que foram feitas, da consequência dessa fusão entre a Interbrew e a AmBev que deu origem a InBev. Não afetou o mínimo necessário para que a Fundação tenha uma administração compartilhada dentro da AmBev.


P1 – A Fundação tem alguma coisa ligada, voltada para a questão ambiental?


R – Não, a Fundação não. Deve ter alguma coisa na AmBev, mas eu não tenho conhecimento.


P1 – Na AmBev tem. Eu queria saber se a Fundação trabalhava com alguma coisa…


R – Não, a Fundação não.


P1 – E Flavio, resumindo um pouquinho essa sua passagem pela Fundação tão breve, como você resume a Fundação nesses anos todos? A importância que ela te.


R – Veja bem, a Fundação, quando ela foi constituída, as empresas, não se falava em plano de saúde. As empresas e os empregados das empresas recorriam às unidades de meio, na época dos Institutos de Aposentadoria. Então a Fundação, nesse sentido, foi pioneira. Hoje as empresas, os empregados em geral, contam com um plano de saúde A, B, C e D, mas na época, na década de 1940, principalmente, não existia isso. E a Fundação atendia aos seus 40 mil operários, beneficiários, proporcionando a eles assistência médica, hospitalar, dentária, farmacêutica, tudo gratuitamente. E a educação, através da Escola Técnica Walter Belian. Então, nesse sentido, com seu asilo, com seu ginásio em Tremembé, o lar dos idosos, foi uma época em que as entidades oficiais do meio não proporcionavam nada disso. Hoje me parece que elas continuam não proporcionando, mas a empresa está substituindo a obrigação do Estado e a Fundação já fazia isso há 60 anos atrás. Então eu, como um dos participantes, acompanhei essa evolução da Fundação com inauguração de novos ambulatórios, aquisição de equipamentos para o hospital, sempre vendo a Fundação, procurando dar o que melhor tinha para a sua família, como tal os empregados da Companhia Antarctica, da própria Fundação e seus dependentes. Então, nesse aspecto, é uma obra pioneira. Ela pode ser igualada hoje, mas não tira o título desse pioneirismo.


P1 – Você acha que quando ela foi pensada nesses moldes, foi um modelo que…


R – É um modelo sui generis, porque, veja bem, foi constituída pelo dono do patrimônio. Como o casal não tinha herdeiros, o casal deixou o seu patrimônio para que fosse constituída uma Fundação voltada para esses aspectos assistenciais. É diferente de uma fundação que se forma dentro de uma empresa, que tem como patrocinador a empresa. Ela não. Ela tinha o dono do patrimônio como sua instituidora, sua patrocinadora.


P1 – Você acha que hoje ela está tão firme, tão enraizada, que ela vai continuar por muitos anos?


R – Eu não tenho a menor dúvida. Veja bem, a fonte de renda dela são os dividendos da AmBev. Se a gente pega uma projeção da AmBev de julho de 1999 para hoje, a gente vê que o patrimônio da AmBev evoluiu fazendo com que o patrimônio dentro da AmBev quintuplicasse. Então a Fundação tem, além das suas reservas financeiras, uma fonte de receita muito sólida, que são os dividendos da AmBev. Isso traz uma tranquilidade para a Fundação muito segura.


P1 – E ela ficou nessa segurança mesmo quando houve a fusão…


R – Sim. Evoluiu, evoluiu. A Fundação patrimonialmente teve uma evolução, como eu estou dizendo, o capital dela, que é o maior patrimônio dela, são as ações da ex-Antarctica, hoje AmBev, ele sempre quintuplicou.


P1 – E... talvez não seja essa a palavra, esse enxugamento da Fundação de funcionários, de pessoas que trabalhavam, isso ocorreu antes da fusão ou depois?


R – Já vinha num processo de reestruturação. Porque antes da fusão, a Antarctica já tinha transferido suas fábricas para Jaguariúna. Então já vinha um processo de adaptação à nossa nova realidade.


P1 – Flavio, queria te perguntar, coisas que a gente não te perguntou que você acha importante falar da Fundação, alguma coisa que…


R – O que que eu poderia acrescentar mais da Fundação... Eu sou até meio suspeito, porque eu não sei dizer se a Fundação – e aí vai um rigor muito grande – se a Fundação foi meu primeiro lar ou segundo lar. Eu não poderia desmerecer o lar da minha família antes de casar e muito menos o lar após casamento. Mas se a gente fizer a contagem de tempo, pelo que a gente convive, se eu saia da minha casa na Vila Pompéia, duas horas ou uma hora e meia pra chegar na Companhia e lá conviver mais 9 horas, são 10 horas, 11 horas, mais o que a gente dorme em média 8 horas, são 19 horas. O que que sobrou pra família? Então a convivência no ambiente de trabalho era maior do que com a própria família. É insubstituível, mas era uma convivência muito grande. Logo, uma pessoa que conviveu no mesmo ambiente 50 anos, o que que pode falar desse ambiente? Só bem, né? Porque senão não teria saída.


P1 – Eu posso aproveitar isso que você falou e qual foi o momento mais marcante que você passou na Fundação? Que mais te marcou? Ou que está muito ligado num momento que a Fundação passou também.


R – Eu acho que foi esse mais recente, porque era uma coisa que nem passava pela cabeça da gente. Mas ao mesmo tempo foi cheio de satisfação, porque houve um crescimento, deu um corpo muito maior para a Fundação, uma estrutura muito maior e que a gente passou a ter um compromisso muito maior, uma responsabilidade muito maior. Esse foi, porque coincidentemente, na minha trajetória dentro da Fundação, excetuando o período em que eu fui assessor do Diretor-Presidente, eu vim a exercer o cargo maior, que é o Superintendente-Geral da Fundação. Eu, até então, era Gerente-Geral da Fundação, mas não é um cargo estatutário como é o de Superintendente-Geral. Então para mim, apesar de estar em fim de carreira, foi um desafio maior de aceitar essa convocação.


P1 – Eu não vejo você em fim de carreira. Eu vejo sempre um recomeço na Fundação. Você está sempre recomeçando.


R – Foram vários recomeços.


P1 – Voltando àquela nossa pergunta, alguma coisa que a gente não te perguntou que você acha importante?


R – Eu acho que da minha parte, pelo que me é dado lembrar, eu já esgotei. O que fica é o agradecimento com todo aquele pessoal que eu convivi até hoje, pessoas que marcaram mesmo a minha passagem pela Fundação e agradecer num passado um pouco mais distante os meus pais por terem me colocado nesse ambiente.


P1 – E como você vê essa iniciativa da AmBev de estar recuperando essa memória?


R- Pra mim ela é interessante, na Fundação eu também sempre estive muito próximo do museu que nós mantínhamos lá, que era mais voltado para o acervo do casal. Mas eu tinha conhecimento que na Antarctica também tinha lá um museu mais voltado para a indústria de bebidas. Era um pouco diferente do museu da Fundação. E quando alguém veio até conversar comigo de um espaço para instalar esse museu, eu tomei conhecimento - isso faz uns 2 anos -

de que a AmBev estava programando a formação de um museu da indústria de bebidas, onde seria incorporado tanto o acervo da Antartica, como o da Brahma. Eu achei isso interessante. Inclusive em algumas visitas que fizeram na Fundação, pude contribuir com alguma lembrança do que era, de algumas coisas que aconteceram na Companhia, ou muito próximo na Fundação. Achei interessantíssimo isso porque nós somos passageiros desse trem que é a nossa vida. E o museu fica aí para os nosso precedentes tomarem conhecimento do que foi a nossa passagem e a passagem dos nossos antepassados. Eu acho muito interessante.


P1 – Você quer deixar algum recado a mais para a AmBev?


R – O recado que eu deixaria é voltado principalmente para esse museu: os idealizadores e aqueles que estão formando o museu sejam muito felizes nesse trabalho porque a memória Antarctica e Brahma é muito importante para o nosso país.


P1 – Flavio, eu só tenho a te agradecer.


R – A honra foi minha. Eu me desculpo se eu não me lembrei de outros detalhes, mas procurei ser o mais sincero possível. E mais uma vez agradecer à família Antarctica e Brahma


P1 – Obrigada.



— FIM DA ENTREVISTA —