Museu da Pessoa

Café sempre

autoria: Museu da Pessoa personagem: Silvano Bonjiovanni

Plano Anual de Atividades 2013
Projeto Nestlé - Ouvir o outro compartilhando valores – Pronac 128976
Depoimento de Silvano Bonjiovanni
Entrevistado por Tereza Ruiz
Linhares, 02/06/2014
NCV_HV_18_ Silvano Bonjiovanni
Realização Museu da Pessoa
MW Transcrições



P/1 – Então primeiro, Silvano, quero que você diga pra gente o seu nome completo, data e local de nascimento.

R – Silvano Bonjiovanni, nasci em Colatina, 20 de maio de 1971.

P/1 – Agora, o nome completo e, se você souber também, data e local de nascimento dos seus pais. Se não souber, só o nome completo, não tem problema.

R – Meu pai, Jacir Bonjiovanni, nasceu em Marilândia, Espírito Santo; e minha mãe, Dorelina Camargo Bonjiovanni, nasceu em Mimoso do Sul, Espírito Santo.

P/1 – Os dois são do Espírito Santo.

R – Todos os dois. Todos os dois.

P/1 – E o que os seus pais faziam, de trabalho?

R – Agricultores. A minha mãe, a descendência dela... O meu bisavô... A minha bisavô é descendente de escravo. E do meu avô, eu acho que é austríaco. Mas o meu pai é descendente de italiano. Então o pessoal fala: “Poxa, mas Silvano, você é italiano? Meio moreno?”. Mas é porque a minha mãe é mais morena e meu pai é bem branco. Mas tem ascendência de italiano.

P/1 – E os dois trabalhavam também como agricultores então?

R – Agricultores. A minha mãe, além de doméstica, também costureira. Na juventude dela, ela foi enfermeira. Nem era cidade, Marilândia era um distrito, ela foi enfermeira. Depois que acabou esse... Não era nem um hospital, era uma clínica, mas isso há muitos anos, ela era solteira. Depois de casada ainda continuou como parteira, fez diversos partos. Então, lá em casa eu tenho uma assessoria boa, que ela era enfermeira e também parteira. Hoje não, hoje só ainda... Com 77 anos, costureira ainda é. E meu pai na agricultura, trabalha até hoje. Com a idade, já está com 77, não é mais igual antes. Mas mora no mesmo lugar onde nasceu, o meu pai.

P/1 – E é uma propriedade deles? Como é?

R – Propriedade pequena. É um sítio. Um sítio de 15 hectares, uma propriedade rural, nós somos de família humilde, fica a sete quilômetros da cidade de Marilândia. Na realidade, eu nasci em Colatina, mas a nossa cidade mesmo é Marilândia, norte do estado.

P/1 – E o que eles cultivavam ou cultivam nesse sítio?

R – Cultivam café. Café. A região é bem montanhosa, mas sempre foi café. Café conilon. Muitos anos atrás, eu diria uns 30 anos atrás, ainda nos altos, que é morro, tinha ainda café arábica, mas depois foi instalado o conilon, todo mundo na região nossa parou de mexer com café arábica. E o conilon porque ele era mais produtivo. E, de fato, até hoje ele ficou instalado em toda região norte nossa, porque o café arábica se desenvolve mais nas regiões altas, por causa de sabor, não sei. Mas a minha família é todo mundo pequeno produtor e mexe com café até hoje.

P/1 – E conta um pouco como seus pais são de temperamento, como eles eram na sua infância, como eles são hoje.

R – Olha, graças a Deus a minha família... Eu posso dizer que eu sou privilegiado, a gente sempre foi... Principalmente a minha mãe, nós somos assim muito apegados, muito carinhosa, muito beijoqueira, minha mãe vive beijando muito. Meu pai é aquela coisa de italiano, então não tem aquela coisa de ficar abraçando e beijando, mas também é um superpai, muito carinhoso, muito atencioso. Graças a Deus, até hoje, tanto pra mim, eu tenho mais dois irmãos, uma irmã mais velha e um irmão mais novo, eu acho que colocaram nós três num bom caminho. Minha irmã já tem família constituída com dois filhos adultos, eu tenho uma menina pequena, o meu irmão também, uma menina de três anos. Eu diria que perfeito ninguém é, mas com certeza a educação que os meus pais me deram e também para os meus irmãos, eu acho que é o que precisa na sociedade.

P/1 – Qual é o nome?

R – Respeito pelos mais velhos, saber lidar com as pessoas, compreender as pessoas. Os problemas existem, a gente tem que saber lidar com eles e contorná-los. Mas quando você tem uma base na educação, a gente consegue passar pelas dificuldades. Dizer que não tem dificuldade, tem. Família humilde, família pobre, mas dinheiro não é tudo, dinheiro é consequência. A gente tem que sempre pensar no melhor, mas pra mim, a base é a família. Graças a Deus, eu posso considerar que eu tenho uma ótima família. Uma ótima família.

P/1 – Qual o nome dos seus irmãos?

R – Fernando Bonjiovanni e Sheila Bonjiovanni.

P/1 – E eles trabalham com café também?

R – Também com café. Também com café. Moram praticamente o meu irmão a cem metros da casa dos meus pais, e a minha irmã a dois quilômetros, estão todo dia lá. Quando eu fico 15, 20 dias sem ir a Marilândia, que fica a 70 quilômetros daqui, eles ligam: “Silvano, se esqueceu da gente? Não vem mais pra cá, não?”. Então tem que ir. Ontem mesmo eu precisei ir a Marilândia. Minha mãe fez um procedimento no coração, que ela tem problema cardíaco, então eu precisei ir lá. Se não for, chama atenção, porque a gente é muito apegado.

P/1 – E eles trabalham com agricultura então os seus irmãos?

R – Trabalham com agricultura. Os meus irmãos, sim. Os meus irmãos, sim.

P/1 – Conta pra gente como era a casa em que você passou a infância. A casa, a região, descreva um pouco.

R – A região nossa, pra você ter ideia, ela fica sete quilômetros de Marilândia. Marilândia é um município que hoje tem 12 mil habitantes. Doze mil habitantes hoje. Então, a localidade nossa lá fica a sete quilômetros da sede, então é bem na roça mesmo. Eu falo que eu nasci em Colatina porque eu fui para o hospital, mas na realidade, a minha família mora no mesmo lugar até hoje, a sete quilômetros, 100% agrícola, montanhas, muita montanha. A nossa casa é uma casa boa, porque sempre foi casa de alvenaria. Eu era bem criança, mas eu lembro que energia, se eu não me engano, eu nasci em 71, mas acho que chegou em 74, 75. A Copa de 74, eu não lembro, mas a Copa de 78, eu sei que lá em casa já tinha televisão, já tinha energia, os vizinhos iam lá a casa assistir, porque em volta tem as propriedades pequenas e o pessoal ia bastante lá a casa. Nós fomos uma das primeiras famílias que tinha televisão, então o pessoal ia lá a casa. A minha infância, eu sempre brinquei muito, não era aquela coisa. Também trabalhava. Eu acho que eu comecei a trabalhar mesmo na idade que tinha que trabalhar. Meus pais sempre foram assim. Eu comecei a estudar no primeiro ano na época, eu comecei com quase sete anos. Meu pai falou: “Não, deixa brincar, que depois ele vai... Na hora certa ele vai pra escola”. Então, eu comecei a estudar praticamente com sete anos.

P/1 – E do que você brincava? Quais eram as brincadeiras?

R – Principalmente bola, futebol. Futebol era o que mais a gente jogava, bola com os amigos, em volta de casa. E às vezes, como tinha muito morro, pegava um pneu, subia no morro lá e descer morro junto com o pneu, ou com os carrinhos de... A gente fala carrinho de pau, com roda de rolimã, descer os morros lá, não sei como a gente não se matava, porque saía rolando, mas não machucava muito. Mas brincava. Tudo que fosse brincadeira, a gente... Tinham os primos em volta, porque meu pai tem oito irmãos, e praticamente todos ali. Então você imagina, na minha idade tinha um monte. Então, tinha as primas, os primos, jogavam bola junto. Menino, menina, se tivesse que subir os morros, brincar de pique esconde, ficar até tarde da noite, os pais chamando. Pra tomar banho era uma dificuldade, porque quantas vezes minha mãe ficava brava comigo porque: “Olha, está na hora. Está na hora”. Eu às vezes ia dormir, não vou dizer sujo, mas se deixasse, eu não tomava banho, não.

P/1 – E brinquedo tinha também? Vocês tinham brinquedo?

R – Tinha. Tinha.

P/1 – Que tipo de brinquedo?

R – Carrinho, bola. Muito carrinho. Minha mãe até falava assim que como ela sempre foi também costureira, ia pra Colatina, toda vez que voltava, eu sempre queria um brinquedo. E ela sempre chegava com um carrinho, em poucos dias eu já tinha quebrado, porque eu era bem arteiro por esse lado.

P/1 – E você comentou da televisão chegando a sua casa, dos vizinhos irem assistir junto, conta um pouco como era isso na Copa, por exemplo. Era uma ocasião? Fazia alguma coisa pra comer? Como vocês se reuniam?

R – Lógico, nem tanto eu falei da Copa, porque na época eu já tinha uma lembrança maior. Mas novela mesmo, novela quando davam seis horas... Porque lá na roça geralmente você almoça... Hoje um pouco mais tarde, mas época que eu era criança, oito e meia, nove horas, você almoçava, depois ao meio-dia merendava, às três horas, merenda de novo, às cinco horas, a janta. Depois, como era novidade de televisão, os vizinhos lá vinham assistir novela. Então, lá na minha casa vinham os meus amigos, mas vinham não só as crianças, mas vinham os pais lá em casa pra assistir, assistir novela. Ficavam até as sete, oito horas, por aí, que depois tinha o jornal, depois do jornal iam embora. Eu lembro que como lá em casa tinha, então tinha umas cinco, seis famílias que iam lá a casa, aí era uma festa pra gente, que enquanto os adultos ficavam assistindo televisão, a gente ficava brincando. Depois, com um ano, dois anos mais, aí começou todo mundo comprar a sua televisão. Na verdade, essa coisa de ir a casa foi acabando, porque cada um já tinha a sua televisão preta e branca. Depois passou a comprar colorida, então acabou. Mas a minha época de criança tinha.

P/1 – Você se lembra de algum programa ou de alguma novela específica da época?

R – Não. Eu não lembro. Eu lembro muito que tinha um programa infantil... Eu não lembro qual era o programa, mas eu sei que eu tinha uma camisa, ela era toda riscada, minha mãe falava que era a camisa do Gaio, que era um personagem igual um fantoche, e eu sempre falava: “Mãe, eu quero usar a camisa do Gaio. Eu quero usar a camisa do Gaio”. Que era um programa que dava na época. Eu não sei qual era o horário, mas que a gente assistia.

P/1 – Vocês assistiam com frequência.

R – Com frequência. Com frequência.

P/1 – E dessa fase assim de infância, tem alguma história marcante, uma coisa que você sempre lembre, conte para os amigos, conte para os filhos?

R – Tem uma da época bem de infância, tem algumas coisas interessantes, que aconteceu... Eu fui saber depois. O que aconteceu com o meu avô, acabou acontecendo comigo. Eu fazia a quinta série, quer dizer, eu saía de Marilândia, lá de casa, e eu ia de bicicleta até Marilândia pra estudar. E eu sempre gostei muito de chocolate. Lá em casa sempre teve, mas assim, a mamãe sempre: “Não pode comer doce demais. Não pode comer demais”. Um dia eu falei assim: “Quer saber uma coisa? Eu vou juntar e vou comprar uma barra de chocolate pra mim”. Um belo dia eu cheguei, acabou a aula, que eu estudava de manhã, acabou a aula, eu comprei uma barra de chocolate, peguei a bicicleta e fui pra casa, fui pedalando e fui comendo chocolate. Fui pedalando. Mas de lá da escola até em casa davam sete quilômetros. Quando deu três quilômetros, por aí, quatro quilômetros, no meio da estrada, eu já não podia nem olhar a barra de chocolate. E eu falei: “Nossa!”. Aquele nojo. E eu vou jogar fora? Não vou jogar fora. O que eu fiz? Cheguei a uma comunidade chamada Santo Hilário, que é antes da nossa comunidade, que é Santana, lá tinha uma escola e atrás da igreja tinha um tanque, e lá a gente lavava a mão, tomava água. O que eu fiz? Parei lá morrendo de sede, tomei água, água, tomei, tomei, tomei, peguei aquela barra de chocolate, fui a um pé de café, enrolei-a e coloquei lá. Peguei a bicicleta e fui pra casa. Mas não falei nada com ninguém lá em casa. No outro dia quando eu ia pra escola, eu passava ali em frente aquela igreja a mil por hora de bicicleta, porque eu tinha nojo do chocolate, mas eu não contei nada em casa. Um dia, dois dias, no terceiro, quarto dia me deu vontade comer chocolate de novo, falei: “Eu vou parar lá pra olhar”. Quando eu cheguei ao pé de café, cadê? As formigas já tinham comido tudo. Tinha mal o papel. Depois de um período eu contei isso pra minha mãe. Ela foi me falar que o meu avô, quando ele veio para o Brasil... Ele nasceu no Brasil, mas os pais moraram em Córdoba, na Argentina. E quando ele tinha 12, pra 13 anos, ele ia pra escola, fez a mesma coisa, comprou uma barra de chocolate, aí ele passava em cima de uma ponte, ele comeu muito e botou debaixo de uma ponte. E toda vez que ele passava em cima dessa ponte, ele passava correndo de nojo do chocolate. Eu falei é muita coincidência que acabei fazendo uma coisa parecida com o meu avô. Mas eu só fui saber disso depois que eu contei pra ela, porque eu não contei logo, eu demorei pra contar a ela. Foi um fato que eu não esqueci nunca mais. Eu conto isso pra minha...

P/1 – Você lembra qual era... Desculpa, pode falar.

R – Essa história, eu conto hoje pra minha filha. A gente vai dar chocolate, ela fala: “Pai, me conta a história do chocolate, que você passa...”. E ontem mesmo quando nós fomos pra Marilândia, eu passei em frente, eu falo: “Minha filha, que lugar é esse aqui?”. Ela fala assim: “É o lugar que o papai escondeu o chocolate, depois a formiga comeu”. Até hoje...

P/1 – Você mostra pra ela o lugar? O lugar está lá ainda?

R – Está lá. Lógico que reformaram e tudo, mas igreja está lá, o lugar lá, eu mostro a ela: “Que lugar é esse aqui?” “É o lugar que o papai comeu chocolate”. Eu passava lá a mil. Isso me marcou muito.

P/1 – Você lembra qual era o chocolate? Só por curiosidade.

R – Garoto. Era o chocolate Garoto. Hoje é o Nestlé. Chocolate Garoto. Isso me marcou muito. Marcou-me talvez mais o fato de depois de ter contado isso em casa, porque eu não fui contar logo, eu fui contar bem depois, minha mãe falou: “Quer dizer que você juntou dinheiro pra comprar e não falou nada?”. Tinha que dividir, mas eu quis comer tudo sozinho. E ela foi me contar do meu avô. E meu avô na época era vivo, ele falou: “Realmente, eu passava lá, Silvano, eu passava assim, a mil em cima daquela ponte, que eu não podia nem ver. Depois, quando eu fui parar também, não tinha mais o chocolate”. Mas foi assim, uma coincidência.

P/1 – É muita coincidência.

R – Muita coincidência.

P/1 – Na mesma família.

R – Mesma família, o meu avô. Será que isso é de geração? Então eu repeti, a minha parte eu já fiz. A minha parte eu já fiz.

P/1 – E como eram as refeições na sua casa, na infância? Quem cozinhava? O que vocês comiam?

R – Lá em casa, sempre a minha mãe. Pelo fato de a minha mãe também sempre ser costureira, que ela costurava, então lá em casa sempre teve alguma empregada, uma pessoa que colaborava lá em casa, que ajudava até tomar conta da gente. E lá em casa, graças a Deus, nunca faltou. Família humilde, tudo, mas sempre comemos bem. Arroz, feijão, carne, salada, legume. A minha família, meus pais sempre prezaram muito pela boa alimentação, aquela coisa de mesa de italiano, a gente costuma dizer que é muito farta: polenta, galinha. Até hoje a gente mantém essa tradição. Aos domingos principalmente, polenta, galinha e macarrão, praticamente, sempre tem até hoje. Dificilmente faltam. Na minha casa mesmo, a minha esposa, a gente tem, principalmente ela, tem o hábito de fazer o macarrão feito em casa, a polenta que o fubá é no moinho de pedra, então a gente mantém isso. Então, a alimentação nossa, graças a Deus, sempre foi muito boa. Não posso reclamar assim: “Ah, tivemos dificuldade, de passar fome”. Por mais humilde que seja, mas nunca faltou, não.

P/1 – E as horas das refeições assim, vocês comiam juntos? Como eram?

R – Sempre juntos. Lá em casa, até hoje, meu pai e minha mãe sempre ceiava na mesa. Na mesa. Não vou dizer pra você que às vezes a gente tomava uns puxões de orelha porque queria assistir televisão, almoçar na frente da televisão. Aí: “Não”. Uma vez ou outra talvez sim, na frente da televisão, porque falar que não era sempre. Mas, digamos assim, 100% na mesa, em família. Minha mãe falava assim: “Não, tem que ser em família”. Porque foram acostumados, na época dos meus avôs, também na mesa. E eu hoje, em casa, eu, minha esposa e minha filha na mesa. Então nada de televisão ligada. Que eu acho que por aí você já começa a moldar uma família, uma educação diferente. Tem os horários certinhos, habituar isso aí, senão se perde.

P/1 – Claro.

R – Não é nenhuma tradição, é questão de você dar uma educação correta. E lá em casa nós sempre tivemos isso.

P/1 – E vocês tinham o hábito de beber café?

R – Sempre. Café, sempre.

P/1 – Como era preparado, você lembra?

R – O café, primeiro torrado num torrador, esses grandes, no fogo. Eu mesmo era bem criança, não vou dizer pra você que eu já torrei café, mas sempre via a minha mãe torrar, ou meu pai ajudar a torrar, a minha avó torrar. Mas basicamente era, na época, eu era bem criança, era café arábica, que ainda tinha nos morros, era café arábica. Então, era aquele café... Hoje a gente tem um cuidado especial no ponto de torra, então era sempre um café mais escuro, um café mais preto, mas era o café do coador de pano, fazer então de manhã cedinho, sete horas, seis horas da manhã, o café já está pronto. Minha mãe sempre foi de acordar muito cedo, quatro e meia, cinco horas. Mantém esse hábito, mesmo com 77 anos, mas praticamente até hoje. E meu pai também. Meu pai nunca gostou de fazer café. Meu pai, até hoje, se mandar fazer café, ele não faz. Já eu, sempre gostei de fazer café. Eu adoro fazer café. E a minha mãe não, minha mãe sempre é a que fez. Nós sempre tivemos o hábito de tomar café. E aquela coisa: de manhã cedo, café; e depois do meio-dia, o café, o café da tarde, era um café novo, tinha que fazer café de novo. E se tivesse às três horas, café novo. E tinha um costume, hoje menos, mas à noitinha se tivesse visita, alguma coisa, fazia café. Pra falar a verdade, café é presente assim, lá na região nossa e na nossa família, 100%, sempre presente.

P/1 – E vocês consumiam o café que vocês produziam mesmo, nessa época?

R – Sim. Sim. Sempre foi consumido o café que era produzido nosso. Não por nós, mas todos os vizinhos também, todo mundo. Eu diria pra você que de uns 15 anos pra cá, talvez, mudou muito esse hábito. Ou 20 anos. Porque começaram mais torrefações e a facilidade de você comprar o pacotinho de café torrado e moído, um ponto de torra diferente. Então, hoje lá em casa mesmo agora é só café comprado. É só café já pronto. A gente não tem o hábito mais de torrar. No meu sogro, até hoje eles mantêm o hábito de torrar o café. Então, eles usam o conilon, que é da região nossa, e com uns pezinhos de arábica, que cultiva lá e faz o blend. Quando eu vou lá, ele sempre pergunta: “Silvano, como está o ponto de torra?”. Eu falo: “Não, está ideal. Olha, esse aqui está muito escuro” “Mas sempre...” “Não, torra menos. Porque se torra menos, vocês não vão perder o sabor do café arábica, vocês vão misturar com o conilon, vocês vão fazer um bom café”. Mas lá até hoje usa café torrado lá na roça mesmo.

P/1 – E como é esse processo caseiro de torra?

R – O processo caseiro é que você tem um torrador pequeno, de três, quatro litros, cinco litros, você vai fazer uma fogueira, geralmente você vai botar as lajotas, hoje já se faz, como se fosse uma churrasqueira, faz uma churrasqueira e esse torrador você coloca em cima e vai rodando.

Vai botando fogo e vai rodando. Então rodou, rodou, aí você vai ouvindo o barulho do café. Eu, pra você ter ideia, gosto tanto de café que eu comprei uma maquininha de expresso. Uma máquina de expresso. O que eu faço? Como tem a facilidade de cafés aqui na empresa, e lá no palácio do café a gente trabalha com muito café arábica, o pessoal às vezes me manda umas amostras de café arábica bom, aí o que eu faço? Pego esse café, pego o café daqui conilon e vou lá ao meu sogro e faço esse processo até hoje, eu torro o meu café. Eu costumo dizer ao pessoal aqui: “Olha, o café que eu tomo lá em casa é café que acho que nem europeu não toma, não. É café caro, porque eu mesmo faço o blend”. Você coloca no moinho, no torrador, e você vai moendo. Vai moendo, ele começa a bater, ele começa a soltar uma fumacinha, de vez em quando você o abre pra ver o ponto de torra. Quando começa a ficar marrom, eu tiro. Eu tiro o café arábica, depois vou com outra de conilon, aí eu faço meu blend. E é esse o processo que todo mundo faz na roça. Como ninguém às vezes não tem o conhecimento de você fazer assim o ponto de dele, geralmente o pessoal deixa passar um pouquinho do ponto, então fica um café mais preto, mas é o café que todo mundo gosta, eu gosto do café amargo. Então até hoje, porque como eu gosto muito de café, eu vou lá à roça, eu torro o meu café. Às vezes eles me mandam já torrado, mas eu gosto mesmo de torrar o meu café, pra poder fazer em casa.

P/1 – E quando você era menino, você acompanhava seus pais na roça?

R – Nunca fui muito de gostar de trabalhar na roça, não, mas... Assim, porque quando você é criança, você quer mais é brincar. Mas quando criança, sim. Apanhar café, capinar café, desbrotar café. Na época plantava milho, eu ajudava a capinar milho, quebrar milho, todos os processos da roça, de tudo um pouquinho eu participei. Eu saí da roça praticamente com 17 pra 18 anos, que foi meu primeiro emprego no café. Eu fui convidado pra mexer com café e to até hoje. Mas na época de roça, de tudo um pouquinho eu ajudei a fazer.

P/1 – Porque nessa propriedade de vocês tinham outras lavouras pra consumo pessoal que não fosse café?

R – Sim. Sim. Costumávamos plantar.

P/1 – O que vocês cultivavam?

R – Tem o café, feijão. Pouca coisa, porque é propriedade pequena, mas se plantava o feijão pra poder consumir, o milho também, que você criava galinha e tudo, então você tinha o milho, mandioca também, pouca coisa, mas tinha. Lá em casa tinha uns pés de urucum, que era pra fazer o colorau. Quantas vezes minha mãe: “Olha, tem socar urucum”. Então, você tinha o pilão pra colocar lá e fazer a tinta. Como eu sempre dei um de muito esperto, minha mãe falava assim: “Se botar um pouco de banha, ele fica mais vermelho”. E eu tinha vontade de fazer logo, aí eu botava muito, às vezes, ela: “Pode jogar mais fubá ali, porque você em vez de dar a cor, está ficando muito molhado”. Eu tinha que ir lá, jogar um pouco mais de fubá e socar pra fazer.

P/1 – Pra que usava urucum?

R – O colorau. Não tem o colorau que dá tinta na comida? Então, a gente fazia na roça. Tem a planta do urucum, secava-o, que é aquela sementinha vermelha, com o fubá, joga no fubá e no pilão. Você sabe, o pilão é uma madeira, que tem um furo, e com o moinho você vai batendo. Aquela tinta da sementinha, ela vai tingindo o fubá. Vai tingindo o fubá e forma o colorau. Então eu botava um pouquinho mais de banha e tudo pra poder soltar mais. Quando soltava muito, mas ficava assim, molhado, então tinha que jogar mais fubá pra poder ficar. Na verdade, eu dava de esperteza, eu queria fazer logo talvez pra brincar, minha mãe falava assim: “Não. Tem que jogar mais fubá pra render”. Mas eu socava urucum.

P/1 – Mas urucum agrega algum sabor, ou não? É mais pra...

R – Eu, pra falar a verdade, nunca senti sabor disso, não. Eu acho que é mais pra dar uma corzinha. Às vezes o macarrão fica muito clarinho, você bota um pouquinho. Numa galinha, alguma coisa. Sabor, eu acho que não tem, não. Francamente, nunca vi sabor nisso aí, não. Agora, a cor fica mais bonita. Agora, em casa, o que a gente fazia muito? Isso eu fazia demais. Quando a mamãe e meu pai torravam o café, na hora de moer o café era comigo. Sempre moí muito café. Que era no moinho, você colocar e... Quanto mais você aperta o moinho, você aperta o moinho, o pó fica fino. Então, você demora mais, ele rende mais. A minha mãe, o que ela fazia? Dava a lata, punha lá, como eu sempre era meio agoniado de encher a lata logo, eu afrouxava um pouquinho, moía, moía, aí ficava grosso. A minha mãe: “Volta lá e aperta”. Eu enchia a lata, levava lá de volta, ela batia na lata assim, tum tum tum, descia o pó, eu ficava “arretado”. Então eu ia lá, moía mais um pouquinho de novo. Aí fazia. Então, de tudo na roça, de tudo um pouquinho a gente fez. Assim, não muitos anos, mas até os meus 17, 18 anos em casa eu participei.

P/1 – E você falou que começou a frequentar a escola com sete anos.

R – Isso.

P/1 – Quais são as primeiras lembranças que você tem da escola?

R – Olha, eu lembro bem que saíamos de casa eu, uma prima que era vizinha, mais dois vizinhos, a gente em quatro, cinco, a gente ia a pé, três quilômetros de casa. E essa professora era de Marilândia e ela vinha de bicicleta, então a gente a esperava passar perto de casa, a gente ia com ela e depois voltava junto com ela. E nesse percurso que a gente ia pra estudar tinha estrada e às vezes não tinha cerca, então às vezes tinham animais no meio da estrada, tinha boi, tinha vaca, tinha bezerro, então a gente ia com ela porque ela sempre tocava. Então de certa forma ela protegia a gente. Desde dar aula, também ela protegia a gente na volta. Ela deu aula uns... Não sei se chegou bem um ano. Depois ela parou de dar aula e quem a substituiu foi até uma menina da comunidade nossa, que ela não era professora, mas como tinha vários alunos, a gente já estudava na época em 20 ou 30 crianças, e ela assumiu a escola e conseguiu educar, dar continuidade até terminar o ano e no outro ano até chegar outra professora. Então, quer dizer, foi um início com uma professora muito boa, mas por problemas na época, não sei se era prefeitura de Colatina, questão de pagamento, ela não pôde mais dar aula, mas ela era excelente.

P/1 – Você lembra o nome dela?

R – Eliane Catelan. Nunca esqueço, que ela era fantástica com a gente. Acompanhava, ensinava muito, mas ela precisou parar de dar aula. E essa outra era Dilma Marcarini. Pra você ter ideia, até hoje ela vai à casa da minha mãe, ela faz faxina lá em casa. Faz faxina. Então, sempre foi faxineira, mas na época ela deu aula pra gente. Eu digo que a primeira professora mesmo foi ela. Depois teve outra professora, a Vera, que ela foi até a quarta série. Foi o segundo, o terceiro, o quarto ano.

P/1 – E como era a estrutura da escola? Era uma escola rural?

R – Era uma escola rural pequenininha. A gente estudava assim, de manhã era primeiro e segundo ano, e à tarde, terceiro e o quarto. A sala era tão pequena, eu acho que ela tinha mais ou menos tamanho dessa sala aqui, quatro por dez, mais ou menos. Então estudava metade... Com dois quadros, aí ficava uma turma de costas pra outra. Então a professora vinha, passava os exercícios para o primeiro ano, depois passava para o segundo ano. Isso foi praticamente até o quarto ano. Só depois de alguns anos que a escola mudou, que veio pra Marilândia e tudo, mas esse período meu e de outros amigos meus foi nessa escolinha pequenininha, de 40 metros... Acho que não dava nem isso tudo, mas com as turmas assim, uma de costas pra outra. Mas era um ambiente muito bom.

P/1 – E onde que ficava essa escolinha?

R – Em Santana. Em Santana. Que é onde os meus pais moram até hoje. Hoje é uma comunidade, mas hoje já ficou maior, porque depois de praticamente... Eu tenho 43 anos, to falando de 35 anos... (corte no áudio).

P/1 – Então conta pra gente, se você puder retomar essa história, você estava falando que foi uma luta estabelecer a escola. Conta um pouco como foi.

R – Na realidade, pelo fato de a primeira professora não poder continuar foi um desafio muito grande pra comunidade, porque era uma comunidade pequenininha, e como ia deixar as crianças sem aula? Então uma pessoa da comunidade, sem instrução, sem estudo, sabia ler e escrever, mas não tinha uma formação pedagoga nenhuma, não era professora, e ela assumiu a responsabilidade e dava aula pra gente dessa forma, com as turmas uma de costas pra outra, fazendo a parte dela e bem feito. Porque da minha turma, hoje, praticamente todo mundo que estudou comigo, meus primos, meus vizinhos e todo mundo lá, todo mundo tem a sua carreira, ou está cuidando da terra, ou está bem empregado, ninguém ficou, assim, à mercê da sociedade por falta de instrução, pelo contrário, teve uma boa educação. Mas a primeira foi a Eliane Catelan, que foi a que iniciou. Eu falo que a professora mesmo acabou sendo a Dilma, nossa, porque ela não tinha instrução nenhuma, e ela tocou o barco. Mas isso graças à comunidade insistir, senão a gente ia poder ficar como outros exemplo aí, talvez ter que ir pra Marilândia, pra outro lugar. Então as crianças ficaram ali estudando até terminar. E essa escolinha continuou muitos anos. Muitos anos. E a partir do momento que Marilândia se tornou município, começou a passar transporte escolar, o pessoal foi. Mas na minha época e os anos seguintes foram dessa forma.

P/1 – Tinha um nome, essa escola?

R – Eu acho que Escola Unidocente Barra do Jararaca. Porque lá é Santana, hoje, mas na época todo mundo conhecia como Jararaca. Se eu não me engano, na época que eu estudava era esse nome, depois que passou a ser Santana, mas usavam o nome do lugar. Se eu não to enganado, acho que era esse nome aí.

P/1 – E você lembra, assim, nessa fase, ou talvez um pouquinho mais velho, na adolescência, o que você queria ser quando crescesse?

R – Olha, minha mãe sempre falava assim: “Você vai estudar pra ser médico”. Falava que eu ia ser médico. É lógico que quando você é criança, você até imagina isso tudo. Mas eu nunca tive de falar assim: “Eu vou estudar pra ser isso”. Não. Nunca tive. Como a gente trabalhava na roça e eu ia estudar e tudo, depois que eu terminei até o quarto ano, comecei a estudar em Marilândia, eu fui estudando, trabalhava na roça, mas nunca tive assim: “Eu vou estudar pra tal profissão”. Não. Nunca tive isso, não. Trabalhava na roça, então o primeiro momento, quando você está na roça, a sete quilômetros de uma cidade pequena, você não tinha muita opção de falar assim: “Ah, eu vou estudar pra tal coisa, que eu vou trabalhar na minha cidade nisso”, ou: “Vou ser médico”. Então não me passava. Mas a minha mãe sempre falava muito disso: médico. E eu sempre gostei muito de jogar bola. O meu negócio sempre foi jogar bola. Era chegar à escola, jogava bola, chegava a casa, jogava bola, à noite estava jogando bola em frente de casa. Lá em casa era tudo pasto, então em frente tinha um campinho, os meninos iam tudo aí. Então jogava bola direto. Sempre jogando bola. Depois que eu fui fazer o primeiro grau, o segundo grau, em Marilândia, trabalhava, estudei até a sétima, oitava série.

P/1 – Qual era a escola em Marilândia?

R – Na época era Sagrado Coração de Maria.

P/1 – E como era? Eu imagino que era bem diferente da escola rural de onde você tinha vindo.

R – Sim. Sim. Lá, por quê? Nessa escola já era... Na época, era uma escola dentro de um seminário em Marilândia, então já era uma escola maior, já era um centro. Até hoje existe o seminário. Hoje a escola em Marilândia é Padre Antônio Volkers, outro colégio muito grande. Na época que eu fazia em Marilândia, era a escola dentro do seminário de Marilândia, que na época era dos padres, mas incorporaram, a escola era ali dentro. Eu estudava de manhã até a oitava série, e depois o primeiro, o segundo, terceiro ano, eram à noite, mas nessa época eu já ia de moto. A gente tinha uma moto, eu ia estudar... Na época, eu fiz Contabilidade. Depois que eu terminei o segundo grau em Marilândia, eu comecei a fazer Administração de Empresa em Colatina, que era faculdade.

P/1 – Mas deixa eu voltar um pouco. Quando você chega a essa fase de Marilândia, que você foi fazer segundo grau, depois... Não, você foi fazer... Na época era ginásio e colegial, foi isso? Na época era ginásio e colegial. Aí você já começa a entrar na adolescência.

R – Claro.

P/1 – Muda essa parte de infância. Eu queria saber se mudou alguma coisa no lazer, no que você fazia pra se divertir, se você saía com amigos. Eu sei que você trabalhava na roça e estudava, e dava tempo de ter algum lazer?

R – O lazer nosso, nessa época, desde a infância até a adolescência depois, sempre foi assim, basicamente a diversão mesmo nossa era o futebol aos domingos, durante a semana. Como lá em casa tinha um campinho em frente, então quase todos os dias a gente jogava bola quando chegava da escola ou antes de ir. Mas o final de semana era assim: sábado a gente jogava ali, e nos finais de semana, todas as comunidades... Porque cidade pequena igual Marilândia tem a sede e tem várias comunidades. Então saindo de Marilândia tinha Santo Hilário, depois Santana, que é a minha comunidade, Sapucaia, Rádio, Santa Rosa, várias comunidades. Então todas as comunidades, qual a diversão? Final de semana, futebol. E na época, igual agora, de junho, junho e julho, eu era bem criança, adolescente, tinham as quadrilhas. Então no sábado, geralmente, ou era na minha comunidade, ou nas outras, a gente costumava ir às quadrilhas. Época de leilão, naquela época existia muito leilão, juntava dinheiro para as comunidades. Então lá na nossa comunidade, era lá em Santana, então tinha a sede e depois tinha o pessoal nosso, que era saindo de Marilândia pra Santana, depois outra que ia até Sapucaia, a outra que ia para o Jararaca, então dividia as famílias. No sábado era o pessoal de cima, o leilão, depois o outro final de semana, a direção era Sapucaia. Então se fazia muito isso de leilão, que era pra juntar dinheiro pra igreja.

P/1 – E como era o leilão. Conta um pouco. Como organizava? O que acontecia?

R – O leilão se traçava durante o ano no mês de junho. Quatro finais de semana, então tinham as rotas, as quatro linhas, no caso. Todo família levava uma prenda, alguma coisa pra ser leiloada.

P/1 – Por exemplo?

R – O que quisesse: uma galinha assada, um levava galinha, uma família levava biscoito, ou levava bolo. Nessa época sempre foi época de mexerica e laranja, então se levava bastante mexerica e laranja. Tinha a celebração, uma reza, e depois da reza, se leiloava. A pessoa pegava uma prenda, uma galinha e saía: “Olha, dez reais”. O leiloeiro saía: “Dez reais na galinha”. Eu era criança, eu lembro muito. Isso era muito bom, que todas as famílias levavam, depois arrematavam. E como a gente era criança e tinha muito na nossa comunidade, o pessoal arrematava mexerica, aí descascava a mexerica, chupava, tinha uma guerrinha de bagaço, jogava no outro. Então geralmente chegava a casa assim, meio sujo, porque tinha essa brincadeira, que acabava brincando. E isso geralmente era de sábado. Sempre sábado à noite.

P/1 – E o que leiloava comia ali mesmo? A própria comunidade...

R – Alguns levavam pra casa. Porque você arrematava um assado, um porco, alguma coisa, você arrematava e levava embora, que você ia comer no domingo, ou talvez à noite. Mas muitos levavam galinha viva, levava porco. Mas quando tinha alguma vez um bolo, alguma coisa assim, às vezes até se comia lá. Arrematava em dois, três, e sempre alguém queria um pedacinho. Mas a grande maioria arrematava pra levar pra casa. Há muitos anos também a pessoa ia lá com certa dificuldade, já dava uma prenda e também arrematava, então ela não ia ficar esbanjando de dar. De certa forma, ela fazia uma doação pra igreja, acabava contribuindo de levar a prenda e também tentar arrematar, pra poder ajudar mais ainda a comunidade. Então tinha muito.

P/1 – Esses leilões eram feitos então pra arrecadar dinheiro pra igreja.

R – Pra igreja. Pra igreja.

P/1 – Qual era a igreja na região, na época, você lembra?

R – A região nossa toda, predominante... Hoje tem mais religiões, mas na minha época de infância, 100% eram católicos. Então tinha a comunidade dentro de Marilândia, a matriz de Marilândia católica até hoje. A predominante é a católica. E todas as comunidades. Então tinha a comunidade de Santo Hilário, a comunidade de Santana, que é a nossa, Santa Augusta, São Geraldo, Santa Bárbara. Então esse período agora de junho era a época dos leilões em todas as comunidades.

P/1 – Mas por que junho, você sabe?

R – Junho e julho, porque é época da colheita, é época da fartura. Porque agora é época do café, então teoricamente é época que o pessoal está com disponibilidade. Então em forma de agradecimento, você está colhendo, você acaba ajudando a comunidade sua. Então era a época fria. Porque agora, nessa região nossa, não é nem tão frio, mas era época fria, junho e julho. Infelizmente, é uma tradição praticamente que acabou. Poucas comunidades... Eu acho que nem quase existe. Uma vez ou outra se faz. Na nossa comunidade mesmo, hoje, se fosse fazer um leilão, talvez faça um por ano. Não tem mais aquela tradição de o mês de junho ser o leilão. A comunidade vizinha também fazia e convidava a outra pra algumas famílias participarem. Porque igual a família to meu pai, tinha um terreno em Sapucaia, que era uma comunidade a quatro, cinco quilômetros. Como tinha um terreno lá, então na época do leilão colocava a família do papai e nossa lá da minha avó pra participarem do leilão lá, porque tinha o terreno lá. Então participava. Então participava da nossa e participava na outra.

P/1 – Era a igreja que organizava?

R – A igreja. A comunidade, as pessoas que frequentavam que organizavam. E era interessante, que era quase igual a uma festa. Todo sábado ou sexta-feira tinha um leilão. Na comunidade de Sapucaia, tinha na de Santana, de Santo Hilário, todas as comunidades. Isso era uma tradição. Eu diria pra você que há 30 anos, 30 e poucos anos, era praticamente em todas as comunidades. Elas faziam isso.

P/1 – E tinha música assim, ou não?

R – Não. Não. Era só mesmo o leilão. Era só mesmo o leilão.

P/1 – E as quadrilhas? Conta um pouco.

R – Quadrilha também. Eu participei de bastante quadrilha.

P/1 – Como era?

R – A quadrilha, a gente ensaiava na escola, a primeira, a terceira e quarta série, todo mundo junto, formavam os pares e na época a roupa tinha que ser enfeitada. Eu lembro que na época eram esses papeis celofane, que colava tudo. A calça, às vezes colocava um remendo e costurava, chapéu desfiado. Era uma festa. E era essa época. As quadrilhas também sempre nessa época. E o leilão, festa junina, colheita e tudo. Eu participei de bastante quadrilha. Sempre dançava.

P/1 – E onde eram as quadrilhas?

R – Nas comunidades. Geralmente era na comunidade. Porque não tinha aquela coisa de você ir pra muito longe. As famílias se concentram e ficavam na sua comunidade, uma distância de dois, três quilômetros. Lá em casa, meu pai desde... Eu nasci em 71, em 74 ele comprou um fusca. Então a gente tinha facilidade de ir porque papai ia de carro, a gente ia perto. E os outros iam a pé. A gente ainda tinha essa facilidade. Participava quando era em Sapucaia, mais longe, mas papai e minha mãe sempre me levavam pra assistir às quadrilhas. Quando não participava na nossa, que eu estava estudando, mas tinha uma quadrilha lá em Sapucaia, ou lá em Marilândia, a gente ia. Meu pai sempre gostou muito e levava a gente. E a quadrilha era uma festa. Como a gente vê na televisão hoje, não é igual, mas era mais ou menos essa tradição, todo mundo sanfoneiro. Tem até uma história bacana, que o vizinho nosso sempre foi sanfoneiro, então de vez em quando ele tinha problema de reumatismo nos dedos e geralmente nessa época ele estava com os dedos atacados e não conseguia. Teve uma vez que o que nós precisamos fazer? Os dedos dele, como ele não conseguia tocar quase acordeom, eles pegaram com aquela Durepoxi, que é uma cola que fica dura, eles fizeram um monte de dele nele, então ele ficava assim, aí conseguia mexer os dedos. O cara era fera pra tocar acordeom. E ele conseguia tocar pra não deixar a gente na mão. Mas tocou acordeom. Eu falava assim, o Tonho era fera, ele tocava com os dedos sem conseguir, que inchou tudo, ele tinha problema de reumatismo. Mas parecia uma coisa, toda vez que falava da quadrilha, ele tinha problema de reumatismo. Parecia que era de propósito, mas ele não deixava a gente. Participava. Porque ali quando tinha quadrilha, o que fazia? Fazia quadrilha, geralmente tinha o leilão também, então era uma forma da igreja, a comunidade arrecadar mais dinheiro ali. Geralmente, quando tinha essa quadrilha no dia seguinte, que era quase como uma festa da comunidade, aí tinha o futebol, às vezes fazia um torneio, aí vinha mais comunidade, então fazia uma festa. Hoje praticamente não existe. Até mesmo as festas tradicionais, a do padroeiro da comunidade, e tudo, não tem mais aquela empolgação que era na época. Antes você não tinha tanta opção de festa, então quando tinha o leilão, quando tinha uma festa, o povo da comunidade, da cidade, já sabia. Que todas as comunidades tinham, o pessoal ia. Frequentava.

P/1 – E de música, o que tocavam?

R – Música, na realidade, era o sanfoneiro que tocava. Eram essas músicas tradicionais que na época rolavam. Eu acho que nessa época minha, o que rolava muito eu acho que era Luiz Gonzaga, esse povo nordestino é que rodava. Quando eu era bem criança, meu pai sempre falava que eles faziam muito na época que eu era bem criança, faziam os bailes ou os forrós nas casas. Quando eu comecei me entender por gente, isso já quase não existia. Então às vezes tinha assim: “Ah, tem um baile lá na nossa comunidade”. Então eles faziam, cobravam entrada. E os bailes, interessante, sabe onde eram? Nessa escolinha que era mais ou menos desse tamanho. Cobrava-se a entrada pra entrar pra participar de um baile ou alguma coisa nesse tamanhozinho aqui. Então a minha adolescência mais ou menos foi por ali. Quando eu comecei a frequentar, sair de casa à noite com os meus amigos, era pra ir aos bailes que tinham nas comunidades. Na minha, que era desse tamanho assim, ou até menor, depois tinha baile na comunidade vizinha, a gente ia lá também. Então meu pai sempre deixava, mas sempre falava: “Olha, juízo. Olha o que você vai fazer, porque se acontecer alguma coisa de errado, você vai ser responsável”. Meu pai sempre brin.... Brincava não, ele falava sério: “Se acontecer alguma coisa e for preso, e eles me falarem que vai ficar um dia, eu vou mandar deixar dois”. Desse jeito. E eu tenho certeza que se acontecesse, ele ia mandar deixar mesmo.

P/1 – Bravo.

R – Porque se você tem a liberdade de sair, se comportar. Se tiver coisa errada, você vai responder por isso. Acho que foi uma forma de dar um choque. Graças a Deus nunca passei por isso, não. Então era assim, tinha um pessoal amigo nosso lá, que ele criou o Pôr do som. Então todo sábado, onde o Pôr do som ia, a juventude ia.

P/1 – O que era esse Pôr do som?

R – Pôr do som era música mecânica, mas o cara tinha as caixas de som grandes, tinha iluminação. Então aonde o Pôr do som ia: “Ah, vai lá a Santana”, a juventude ia lá.

P/1 – Mas era um carro?

R – Não, ele ia com o carro, levava as caixas de som, montava, no caso nessa salinha nossa, onde era a escola, ele montava o som lá. As caixas eram tão grandes que quase ocupavam a metade do espaço. E aí fazia. Todas as comunidades faziam e a nossa. “Sábado tal vai ter Pôr do som em Sapucaia” – que é outra comunidade. “Olha, vai ser em Marilândia.” Então o povo do município de Marilândia, na minha época da juventude, todo mundo seguia o Pôr do som, que era o único que tinha.

P/1 – O que era o tipo de música?

R – Ah, música eletrônica. Nessa época, o que tinha das novidades de Kid Abelha, Paralamas, começando nessa época, um pouco até antes, é o que rolava. Era bem avançado assim, porque o que tinha de novidade na minha época, a gente acompanhava. E a gente ia a esse baile. Depois foi mudando um pouco, foi acabando essa questão de fazer esses bailes.

P/1 – E nessa fase de juventude, essa questão de paquera, namoro, você lembra um primeiro amor, alguém que tenha sido marcante? Primeira namorada?

R – Na verdade, a primeira namorada mesmo, eu to com ela até hoje. E ela é até minha professora. Foi minha professora (risos).

P/1 – Vocês se conheceram mais tarde?

R – É. Na época de adolescente, lógico, tinha paquera e tudo, mas como a gente, na comunidade, ficava ali, tudo, a gente saía muito, participava das coisas, mas não tinha aquela coisa de... Talvez um pouco até pela dificuldade de sair pra mais longe da cidade, de outras comunidades, talvez você ter uma paquera, alguma coisa, então era muito assim, a gente saía muito em turma. Os amigos todos, os vizinhos, os primos, você ia pra um som, alguma coisa, mas se arrumasse uma paquera, talvez aquela questão assim de: “Ah, conversou alguma coisinha”. Depois você nem ia ver, quase não conhecia. Era aquela coisa muito assim de ia para o futebol, um comentava: “Olha, fulano dançou com não sei quem. Olha, dançou mais do que uma música”. Então não tinha. Na realidade, quando fala de paquera mesmo, já foi quase na fase que eu comecei a namorar, novo, comecei quase com 16, pra 17. E comecei a namorar e estou até hoje.

P/1 – Vou te perguntar como vocês se conheceram então, mas antes de a gente chegar aí, 16, 17, você falou?

R – É.

P/1 – Então era quando você estava entrando no que era o colegial na época?

R – Isso aí.

P/1 – Você fez um colegial técnico, não?

R – Não. Na época não tinha.

P/1 – Era um colegial normal.

R – Na época era sétima, oitava... Quinta, sexta, sétima e oitava. Depois eu fui para o segundo grau, que era o primeiro ano. Na época falava assim, primeiro, segundo, terceiro ano. Eu comecei a namorar, no caso, quando eu estava no primeiro para o segundo ano, em 87.

P/1 – Então me conta. Como vocês se conheceram?

R – Tem tempo, hein? 87. Em 87, eu estudava à noite, e a minha esposa hoje, ela era professora. Estudávamos eu, um primo dela, o Emerson, outro amigo meu, o Jeder, que foi até prefeito o ano passado em Marilândia, é casado até com uma prima minha. Então a gente tinha muito aquela coisa assim, desde quando começou, cedo, e manter a amizade até ser formar. E a gente estudava e a Merinha... O nome dela é Merinês, mas todo mundo conhece como Merinha. Ela é magrinha até hoje. E ela dava aula de Contabilidade pra gente. E na época, a gente estudava, eu lembro que ela tinha uma calça amarela e o primo dela, eu falava assim: “Vem cá, sua prima só sabe dar aula com essa calça amarela ali?”. Ele falou: “Silvano, você está falando demais, você acaba namorando-a”. Uma brincadeira. Aquela coisa de você todo dia... A gente ia pra casa, eu ia de moto e ela tinha uma mobilete. E, de certa forma, a gente acabava saindo da escola junto e tinha essa questão de bailes em Marilândia, essa questão da gente sair, e foi se encontrando e acabou surgindo um início de namoro. Nessa época, a gente fazia muito teatro lá. Então nessa época teve um teatro... Não sei se foi Romeu e Julieta. Eu acho que foi Romeu e Julieta. Eu participava, ela como professora também participou do teatro. Acho que foi Romeu e Julieta.

P/1 – Você participava como ator?

R – Como ator. Como ator. A nossa turma sempre era assim, tudo que tinha na escola, de semana cultural, se tivesse dança, se tivesse teatro, a gente participava. Eu sempre estava dentro, eu sempre participei. E minha esposa, Merinha, sempre gostou muito também de participar. Foi ali que a gente começou um clima de namoro. E o pessoal ficava muito assim: “Olha, está namorando, não vai dar certo esse negócio de namorar aluno, não”. E acabou acontecendo de a gente começar a ficar junto, isso em 1987. A gente começou a namorar, eu estava no primeiro para o segundo ano, terceiro, até acabar. A gente namorava, mas nunca teve assim, aquela influência. O pessoal falava assim: “Ah, porque é aluno, está passando de ano”. As gozações tinham demais, tanto do lado dos professores, como do lado do aluno.

P/1 – Mas ela te deu aula os três anos?

R – Sim. Deu-me os três anos. E começamos o namoro e na realidade estamos juntos até hoje. Namoramos praticamente até 94, já vou pra 19 anos de casado. Ano que vem eu faço 20 anos de casado.

P/1 – Vocês casaram em 94, foi isso?

R – Em 95.

P/1 – Em 95.

R – Em 95.

P/1 – Como foi o casamento? Conta um pouco.

R – Eu falei que tinha uma história pra contar. Pois é, depois de adolescente, depois que eu me formei e tudo, antes de formar, como eu estava na roça, e adolescente já, quase namorando, eu queria alguma coisa, eu queria trabalhar. Surgiu uma oportunidade de um pessoal amigo meu lá, me chamou pra mexer com café, pra comprar café. Onde eu ia pensar em mexer com café? Eu falei com meus pais, ele falou assim: “Tem que experimentar, ué. Você precisa trabalhar. Tem essa coisa na roça. Você precisa trabalhar. Vai ficar só aqui, um sítio pequeno e tudo? Você precisa trabalhar também fora”. É até o irmão da minha primeira professora, a Eliane Catelan, foi o irmão dela que me chamou pra trabalhar.

P/1 – Era uma empresa?

R – Eles tinham um comércio, uma torrefação de café. E queriam também comprar café, igual a gente compra aqui. Comprar café do produtor pra vender pra uma empresa. Eram o Marcos Catelan e o Josmar Catelan. Como eu os conhecia, eles me chamaram. E, coincidentemente, eles me chamaram e me levaram à Custódio Forzza, que é a empresa que eu to hoje. Eu fui lá, estava com os meus 18 anos. Eu fui lá em 90, acho que foi. 90 ou 91. Quando eu fui lá pra aprender a mexer com café, que eu nunca tinha visto, trabalhava na roça, mas nunca tinha visto café pilado, que eu era novo ainda. Cheguei lá à empresa, esse Josmar e o Marcos me apresentaram para os donos da empresa, para o seu Custódio, o Carlos Henrique, que hoje é um dos diretores da empresa, que eu falo todo dia. Que eles queriam comprar café, que sempre trabalhavam com o Forzza, e precisavam de um comprador lá. E estavam querendo me apresentar pra eu aprender a classificar café pra comprar café pra eles lá. Falou assim: “Não, seria bom ele ficar aqui pelo menos uma semana, duas, pra aprender café, mexer com café”. Pra mim já foi: “Nossa, vou aprender”. E eu admirava demais. Ainda mais numa empresa como a Custódio, eu não tinha noção do tamanho, mas eu ouvia falar. Eu comecei. Eu saía de manhã, pegava minha moto, ia pra Colatina, sete da manhã eu já estava lá. Tinha um balcão igual esse daqui, os meninos trabalhando, e eu falei: “Vou aprender esse trem aí”. Eu ficava lá com o café. Primeira coisa, igual eu faço hoje com os meninos aqui, eles me colocaram pra contar broca, que é um furinho, que às vezes o inseto dá no café. Pra ver o café. E eu ficava lá olhando o café. E lembro como se fosse hoje, seu Custódio hoje está com 92, ele ainda mora em cima lá, no mesmo lugar, no escritório. E na época ele era muito ativo. Agora que não dá mais, porque a idade dele já não permite, mas ele está lá ainda. E eu lembro que ele descia e olhava, tinha eu e mais outro menino de fora, e os outros funcionários, e eu estava lá, ele falava assim comigo: “Olha, to gostando do jeito que você está mexendo com o café. Café a gente tem que gostar, tem que ter carinho por ele. Eu vejo que você bate no café, você olha. Continue assim, gostando, porque se você gostar, um dia talvez você vá trabalhar comigo”. E eu fui vendo e eu via o movimento lá, no caso, o pessoal chegando com o café e muito café, e tudo. E eu fui aprendendo e fui pra Marilândia, depois de 15 dias, de empregado desse pessoal do Catelan, que comprava o café pra eles. E eu comecei a mexer com café e comprar. E eu comecei a comprar bastante café.

P/1 – Conta um pouco como é essa coisa... Como você fazia a compra? Você falou que aprendeu a classificar, só pra gente entender, a gente que é leigo assim, o que é essa classificação e como se faz a compra?

R – A classificação é esse café que chega. Igual vocês viram, igual o menino que está aí. Chegou o café, o café hoje vale 220 reais, então é um padrão de café, 7, 8, normal, então eu compro o café 7, 8. Quando o produtor me traz o café, que a gente fura o café, o pega, eu comprei o 7, 8, tenho que conferir o café. Eu tenho que olhar que realmente o que eu comprei é aquilo que o produtor me entregou. Então classificar é o conhecer realmente o que é o grão do café. Se ele está seco, se ele está bem pilado, se ele tem defeito, se ele não tem. Então isso que eu fui lá pra aprender a conhecer o café e a partir daí comprar o café. Eles fizeram um escritório, aí você como produtora vinha a mim e: “Quanto está o café hoje?” “X”. Aí eu compro dez sacos seus, ou 50, ou cem, e quando você me entregar, eu olhar o café e realmente é aquilo, então eu vou te pagar e vou entregar na empresa que eu vou vender. Então o que eu fazia lá? Depois que eu aprendi a classificar um pouquinho, todo dia você aprende. Desde 90, 92, que eu to mexendo, hoje já vai pra praticamente 25 anos mexendo com café. Eu falo com os meninos sempre: “A gente nunca sabe, cada ano é uma história, talvez a gente aprenda algo diferente”. Café, você tem a noção, você o vê, mas ele te surpreende. Uma hora é seca, uma hora é chuva, ele dá uma coloração diferente, uma vez é broca, ou que está mole, ou o camarada está relaxado lá. Então sempre você aprende. Você nunca sabe 100%, a gente sempre aprende. Então o que começou? Eu comecei, depois que eu peguei um pouquinho do feeling lá com eles, aí no dia a dia que eu fui aprendendo. Fizeram um escritório, eu comprava o café do produtor. Eu ligava para o pessoal do Forzza, para o Carlos Henrique: “Como está o preço do café hoje?” “Tá X”. O produtor vinha, eu sabia a margem que o meu patrão queria que eu colocasse no café, eu comprava o café a cem, 200 sacas, depois o produtor trazia o café, eu conferia, a gente pagava, depois embarcava e mandava o café pra eles. E eu comecei assim, com um ano comprando bem, no segundo ano comprei bastante café. Quando você é adolescente e tudo, você vai vendo o movimento, o que eu fazia? Eu comprava, eu recebia o café, eu classificava. Aí entregava o café pra Custódio Forzza, ia lá, fazia os acertos. E aí você quer ser mais valorizado. Todo mundo busca isso. E eu comprava muito café na época pra eles. Eu fui lá à empresa, lá com o seu Custódio, falei com eles: “Olha, eu to pensando em pedir um aumento”. Não a eles, que eles não tinham nada a ver. “Não, você tem que pedir, ta ta ta.” Quando eu fui conversar com o patrão, ele achou que não: “Não, que não pode, tal”. Eu falei: “Bom, então se não dá, então pra mim também não dá”. O pessoal da Custódio Forzza na época falou com o pessoal: “Não perca esse homem, porque ele já está pegando café, tem a nossa maneira de trabalho, já tem o conhecimento”. Mas cidade pequena, o camarada achou assim: “Não, eu vou botar outro e vai dar conta”. Na época eu namorava a minha esposa ainda. O que eles fizeram? Colocaram um primo dela pra me substituir e eu saí de cena. Falei: “Ah, não tem problema, não”. Fiquei e ele foi aprender a comprar café. Nesse meio tempo, como eu conhecia café, o Jeder, que era muito amigo meu, ele falou assim: “Vamos botar um escritório pra comprar café?”. Como se fosse uma corretora, uma empresa que eu ia pegar o seu preço de produtor e procurar alguém pra vender. Aí eu fui ao Forzza. Como eles ainda tinham o compromisso com esse pessoal que eu trabalhei, falou: “Olha, Silvano, lá quem está comprando é o Jober. Mas você pode ligar pra nós quando tiver um café e outro, mas eu não posso ter você como comprador lá, não”. Eu falei: “Não tem problema. Mas se de vez em quando comprar alguma coisa, eu vou oferecer café pra vocês”. Nessa época, tinha outra empresa em Colatina, que ela estava crescendo. Aí eu e o Jeder fomos lá, falamos o que a gente queria fazer, eles falaram: “Não, pode começar a comprar café”. Começamos a comprar café. E o pessoal conhecia, eu era novo, ele também novo, a gente jogava bola, por lá sempre jogamos bola junto, muito amigo. Eu namorava a professora e ele namorava a minha prima, mas a gente estava sempre junto. Montamos o nosso negócio, começou a ir bem. E essa empresa estava indo bem. Aí tem uma fase que todo mundo assim, você vai um pouco pela empolgação, você está movimentando, o negócio indo bem. Aí nos empolgamos, compramos um caminhão, porque: “Opa, agora nós vamos comprar um caminhão, porque o café está indo bem”, mas às vezes nem tanto com o dinheiro, apostando mais no sucesso que ainda você não tinha. E a coisa foi engrenando, subiu à cabeça, compramos outro carro. Bom, a gente estava com um escritório de café, comprando café, vendendo café e tinha os caminhões trabalhando. Nesse meio tempo, essa empresa que a gente trabalhava praticamente quebrou. Quebrou, a gente tinha que entregar café pra eles, porque, de certa forma, a gente comprou os carros pra trabalhar apostando que no dia a dia a gente ia poder pagar e tudo, resultado: eles precisaram receber. Como a gente ia fazer? Quando nós soubemos, que falaram: “Olha, vocês têm um prazo pra trabalhar”. A minha esposa hoje, o irmão dela estava no Maranhão desde 1986 mexendo com serraria. E eu e o Jeder entramos em desespero: “Como nós vamos fazer pra pagar o que nós estamos devendo? Estamos com dois caminhões aqui e tem o café”. Aí deu estalo assim. E esse meu cunhado, o Joel, irmão da minha esposa, uns anos antes: “Por que vocês não vão para o Maranhão trabalhar lá?”. Eu falei assim: “Eu vou para o Maranhão”. Isso foi em 94, em plena Copa do Mundo. Cheguei a casa e falei com os meus pais: “Vou precisar... Se o Joel quiser, eu vou para o Maranhão”. Minha mãe ficou doida. Maranhão, daqui pra lá são três mil quilômetros.

P/1 – E ia trabalhar com quê lá com ele?

R – Pois é. Eu liguei pra esse meu cunhado: “Não, vem pra cá. Vem pra cá, que tem a serraria aqui, você trabalha comigo aqui. Tem siderúrgica aqui, você bota os caminhões pra fazer frete, trabalhar. E vai dar certo. Pode vir. Pode vir que aqui é muito bom”. E eu com um gás todo e um compromisso, nós não podíamos dar prejuízo para as pessoas. O Jeder ficou no escritório comprando café ainda e eu passei a mão, pedi os dois motoristas e fui para o Maranhão. No dia da final da Copa do Mundo, que o Brasil ganhou nos pênaltis da Itália, na segunda-feira eu embarquei pra o Maranhão. Namorava e fui morar numa terra distante com o meu cunhado, agora é cunhado, mas era um futuro cunhado, com a cara e com a coragem. Com a cara e com a coragem. Nunca tinha visto serraria, madeira, nada. Fui chegando ao Maranhão e praticamente logo trabalhando. A minha sorte é que na época tinha um vizinho da serraria do meu cunhado tinha uma siderúrgica e o camarada também era capixaba e era muito amigo dele. Quando falou que eu estava indo com dois carros, ele falou: “Não, vou botar você puxar carvão de Paragominas até Açailândia, e é um frete bom”. E eu botei os dois caminhões pra trabalharem. Esses dois carros nossos trabalhavam direto e eu ajudando-o na serraria. E eu comecei a entender de madeira, coisa que eu nunca tinha visto. Bitola de madeira, qualidade de madeira, madeira pra exportação. Aí eu comecei a tomar conta da serraria pra ele. Ele tinha os negócios dele, e eu fiquei na serraria. De meados de 94 até 95, todo trabalhando. Quando chegou em 95, por aí, essa situação da empresa ficou insuportável, aqui de café, nós precisamos vender os carros pra poder quitar. O que eu fiz? Mandei os caras de volta, vendemos os carros pra pagar, pagar as dívidas. Mas de certa forma, ainda ficou alguma coisa pra trás. E esse meu sócio, o Jeder, foi para o Maranhão também. E eu lá trabalhando, mas eu estava com o casamento marcado. Eu falo que quem me casou mesmo foram meu sogro e meu pai, que saíram daqui com os papeis, que o cartório... Como a gente conhecia muito, que eu tinha que vir aqui pra poder assinar pra casar. Mas o cartório liberou a documentação e levaram lá pra minha cidade. Então na verdade eu casei no civil lá no Maranhão. Eles levaram lá, eu assinei, aí em dezembro de 95 eu vim pra cá, casei, e em janeiro nós fomos pra lá, voltamos, eu e minha esposa. Quer dizer, ela saiu daqui, ela tinha o negócio dela na época, que ela dava aula, tinha um escritório de contabilidade, vendeu e foi para o Maranhão. Lá nós ficamos casados, morando junto lá na casa da serraria: eu, ela, o meu cunhado e o Jeder, que era sócio. Numa casa de madeira, na serraria, nós ficamos lá janeiro, fevereiro, março, abril, maio, aí quando deu de maio pra junho, eu vi que não era o que a gente queria. Eu vi que lá também a coisa já não era mais aquele horizonte todo que era, a facilidade de você trabalhar, de ganhar dinheiro. Eu falei: “Nós vamos ficar aqui até quando?”. O Jeder veio embora, porque os pais dele tinham café e tudo, falou: “Não, vou tocar a minha vida lá”. Veio pra cá. Aí nós acertamos o que a gente tinha de dívida, cada um pagar o restante pra poder saldar tudo. E eu falei: “Quer saber de uma coisa?”. Um belo dia eu a chamei, falei: “Merinha, você quer ficar aqui ou você quer ir embora?”. Falou: “Quero ir embora” “Então vamos fazer o seguinte, vamos voltar com uma mão na frente, outra atrás, e nós vamos começar tudo de novo”. Fazer o quê? Os imprevistos acontecem. Cheguei para o meu cunhado, ele ficou desesperado: “Não. Não”. Eu falei: “Não. Não adianta eu protelar mais, eu vou voltar”. E lembro que foi Corpus Christi na quinta-feira, eu acho que foi no dia seis ou sete de junho, eu sei que nós colocamos nossas coisas num ônibus lá em Açailândia, nós chegamos aqui na quarta-feira de tarde, com a cara e com a coragem. Na hora que nós chegamos ao Espírito Santo, eu olhei assim, falei: “Meu Deus, o que vai ser de nós agora?”. Como o pessoal nosso sabia que a gente estava vindo, e a minha esposa sempre participou muito de igreja, coral, coral italiano, da igreja, tudo: “Olha, vai ter a celebração assim, você vem porque você vai participar da celebração. E no domingo tem uma festa da Penha no convento e a gente quer que você vá lá e tudo”. Olha, nós chegamos à noite, na véspera de Corpus Christi, nós fomos lá, vimos os tapetes. No outro dia quando eu entrei na igreja, aí eu desabei, falei: “Meu Deus do céu, dá força, porque agora não sei o que vai ser da nossa vida, não”. Tudo é muito perfeito, nada é por acaso. Nada é por acaso. Morando com o meu sogro, vim morar com o meu sogro, mas foi uma felicidade total para o meu sogro, pra minha sogra, para o meu pai, pra minha mãe, porque pelo menos nós estávamos a três mil quilômetros daqui e nós voltamos pra perto deles. Meu cunhado tinha dois carros, na época ele falou assim: “Olha, meu Fusca vai ficar com você aí. Fica aí que você fica andando com ele”. E a gente lá, eu falei: “Meu Deus, o que eu vou fazer?”. A única coisa que eu sabia fazer era mexer com café. Falei: “Eu preciso procurar alguma coisa. Eu preciso mexer com café”. Vou eu lá de novo ao pessoal do Forzza lá, falou: “Silvano, se você mexer com café de novo, você tem toda a liberdade de trabalhar”. Aí eu montei uma corretagem sozinho. Sozinho. Abri o escritório, comprava café de um, café de outro, e a minha esposa Merinha começou a dar aula, e a gente morando junto. Mas aquela coisa de morar com o sogro e sogra não dá. Aí teve uma cunhada minha que morava no Pará, separou, ela veio embora. Gente boa demais, mas eu fui sentindo que era gente demais pra estar numa casa. Falei: “Não, a gente precisa sair”. Em 97 pra 98, nós fomos morar em Marilândia. Foi aí que nós começamos, de certa forma, uma independência mesmo, que você sai, nós alugamos uma casa. Aí trabalhando. Olha como são as coisas, a coisa dando certo, comprando café, vendia, tinha corretagem, aí você começa a ganhar um pouquinho mais. Essa torrefação, que na época foram os primeiros que me chamaram pra trabalhar, em 92, que eu aprendi a comprar café com eles, que eu estava lá, eu ia vender café pra eles, de certa forma ganhando bem. Chegou um período que eles entraram em crise, resultado: essa crise, eu comprava café e vendia café pra eles a prazo, no prazo de 20, 30 dias, pagava. Eu pagava o produtor, tinha meu ganho e tudo. Começaram a não pagar o produtor. Cada vez a coisa foi arrochando mais e mais, até que chegou um ponto que realmente eles não tinham como trabalhar mais e pagar ninguém. E eu sem nada, passei a dever aos outros porque eu peguei o café do produtor, que passou por mim, e eu entreguei, eu não conseguia pagar. Problema de novo. Problema de novo. Eu falei: “Meus Deus do céu, o que eu vou fazer?”. Nessa época, eu tinha uma negociação, eu devia tantas sacas de café ao Forzza, e a fulano e ciclano por causa dessa torrefação. Eu sentei com o Irineu, que era o genro do seu Custódio, e com o Carlos Henrique, eu sentei com o Irineu assim lá na Custódio Forzza, expliquei a situação, ele falou: “Silvano, seria muito fácil, como a gente conhece você e tudo, falar assim: ‘Não, esquece a dívida da Custódio Forzza’, mas eu não posso fazer isso. Infelizmente, isso acontece. Você vai ter que trabalhar, você vai ter que pagar. O que eu posso dizer pra você é que a Custódio Forzza não vai te cobrar juros desse café que você está devendo. E eu acho que você tem que chegar um por um do pessoal também e falar que vai pagar, vai trabalhar pra pagar, mas não pode pagar juros”. Meu Deus do céu, aí estava desesperado, falei: “Agora to morto. To morto”. Saí de lá assim, eu estava com o meu irmão, falei: “Bom, eu vou vender o carro que a gente tem, vou começar a moldar a coisa”. Nesse meio tempo, como essa empresa, essa torrefação tinha um nome muito bom, ela tinha um nome muito bom na época, e eles conseguiram acabar com o nome dela, perderam a credibilidade. E eu tinha um pouco de café, outro rapaz em Colatina tinha, uma família em Marilândia, Lorenzoni, que está lá até hoje, também tinha e sabia dos contatos que eu tinha, falou: “Silvano, vamos juntar pra gente ver se a gente consegue pegar essa torrefação, pra gente trabalhar e saldar a dívida”. Foi uma guerra, porque além da gente, tinham muitos produtores que também tinham problema lá. Também tinham problema. Mas com muito sacrifício, nós conseguimos pegar essa empresa. Eu, essa família do Lorenzoni e um rapaz de Colatina, em três, nós conseguimos assumir essa empresa. Isso em 99. Dia dez de janeiro de 2000, nós começamos a torrar o primeiro saco de café nessa empresa. Falei: “Bom, então agora eu já vou começar a respirar, trabalhar tudo de novo, não sei como”. Porque essa família do Lorenzoni, eles eram compradores de café e bem em Marilândia, então eles estavam colocando café, contavam com o trabalho nosso, aí nós começamos a trabalhar na torrefação. E eu entrei com a cara e com a coragem, e assim, eu era responsável ajudando-os na área de vendedor, de vendas, eu viajava pra Vitória, para o sul da Bahia e tudo, torrando café. E a coisa começou a engrenar com muita dificuldade. Você ia ao supermercado, o cara não queria nem ver o café: “Não, que já eu problema aí”. Quanto eu enfrentei tomar chá de cadeira, chegar com o vendedor, vamos supor, nove, dez horas numa rede de supermercado, e sentar lá e ficar lá até as duas, três horas da tarde só tomando uma aguinha, e o comprador chegava: “Olha, volte amanhã ou depois, que hoje eu não posso te atender”. Eu passei por isso. Eu tomei muito chá de cadeira assim, mas tudo é aprendizado. Com isso, acho que eu aprendi demais. Desde o pequeno comerciante ao maior, e tudo: “Não, porque o café de vocês é isso. Não, porque só torra porcaria”. Eu falei: “Não, nós assumimos...”. Contava a história, mostrava a dificuldade que o pessoal teve para os outros fecharem, que nós precisamos assumir e que o trabalho nosso ia ser bem feito, que a gente ia fazer de tudo. E eu, assim, não tinha carro, não tinha nada, era de ônibus. Eu pegava o ônibus em Marilândia, ia bater no sul da Bahia, tinham os vendedores lá, eu rodava terça, quarta e quinta, eu pegava um ônibus, chegava a casa quase que no sábado. Aí na segunda já tinha que ir pra grande Vitória, depois o outro vendedor. Chegou um momento, como eles perderam até o selo de pureza, que todo café tem o selo de pureza Abic: “Não, vocês não têm nem selo”. Eu falei: “Mas gente...”. Eu sabia que pra ter o selo de pureza era o café de qualidade. Eu comecei e falei com o meu sócio: “Vamos nos filiar no sindicato de café pra ver o que a gente consegue” “Ah, mas como faz?” “Não, você tem que tentar”. Entrei em contato com um, com outro, pra participar das reuniões do sindicato. Aí eu ia à reunião. Toda reunião do sindicato eu estava lá participando, participando, tal. Aí os camaradas começaram a conhecer a gente e eu queria o selo. “Não, mas pra fazer o selo, você tem que passar por vários testes, a Abic vai coletar uma vez, vai coletar duas, tal, pra mostrar credibilidade pra dar esse selo.” No meio tempo, a Abic tinha uns cursos de classificação e degustação de café, que eram 15 dias no Rio de Janeiro. “Olha, vocês vão ter que fazer esse curso.” Falei com meus sócios, eles: “Não...”. Eu falei: “Se a gente não participar disso, nós vamos atrasar” “Então você vai”. E eu sempre fui muito envolvido, sempre gostei: “Não, e vou”. Isso foi em 2000. Aí eu fui pra lá. 2000 ou 2001? Não sei a data precisa. Mas eu fui assim, com o intuito de pegar o selo, porque eu sabia que com o selo de pureza na mão, a gente ia avançar nas vendas. Eu tinha que pagar as minhas dívidas e eles também tinham. Eu fui pra lá e, na época, quem era professor lá era Toledo, que acho que até faleceu, que era degustador, e o Laerte que ainda é, acho que faz parte da Abic. Enfim, lá foi assim, tinha pessoas do Espírito Santo, do Rio, do Paraná, de Minas, São Paulo, que era a venda de arábica e tudo. E sempre davam assim umas 15, 20 pessoas. Ficamos lá 15 dias fazendo. No primeiro e no segundo dia, eu vi que a coisa assim... Falei: “Será como é isso?”. Mas eles foram me mostrando que era uma coisa muito séria e tinha classificação, tirar primeiro lugar e tudo. Eu falei: “Eu vou me dedicar nesse negócio aqui. Eu vou fazer o possível e o impossível pra gente conseguir o selo de pureza”. Resultado: eu me dediquei essas duas semanas, e no dia da entrega da premiação, eu tirei primeiro lugar. Foi a primeira vez que o Espírito Santo... Nunca tinha ficado em primeiro lugar até então, e eu consegui. Eu lembro que na época quando eles foram entregar a premiação, eles citaram o seguinte: “Olha, Espírito Santo conseguiu desbancar Minas, São Paulo, tudo”. E eu tirei primeiro lugar. Mas eu digo assim, não era a questão do primeiro lugar, eu acho que foi o foco meu pela necessidade nossa da empresa, e eu precisava daquele selo. Quando você está numa sociedade e você entra sem dinheiro, precisando de valorização, e você chega empolgado e mostra o que você conseguiu, que eu consegui pra empresa, aí você ouve do sócio assim: “Isso foi bom pra você ou foi bom pra empresa?”. Isso pra mim foi assim, bum. Pô, eu fiquei 15 dias lá batalhando e... Lógico que foi bom pra empresa. Mas primeiro eles acharam assim, que eu quis fazer um curso, que eu ia me beneficiar. Pelo contrário, eu me dediquei, morri por aquilo lá e me dediquei muito, muito. Aí conseguimos o selo de pureza. Ali já começou a alavancar um pouquinho mais as nossas vendas, mas sempre na dificuldade. Chegou um ponto que a empresa precisava de dinheiro, eles falaram assim: “Olha, Silvano” – como eu não tinha dinheiro – “nós vamos precisar de X% das suas cotas, porque a gente está integralizando aqui”. Eu falei: “Não, perfeitamente. Não tem problema”. Dos meus 20%, eu vim pra 16 e alguma coisinha. Passou mais um período, o que eu tinha? Eu tinha gente pra pagar e eu não tinha dinheiro. Eu falei: “Olha, vocês precisam comprar a minha parte. “Não, nós não vamos comprar a sua parte.” Eu falei o seguinte com eles: “Olha, da forma que eu to, eu não posso ficar, não”. Eles falaram comigo o seguinte: “Bom, a gente compra 6%. A gente compra 6% e você tem que ficar na empresa”. E nessa época, graças a Deus, foi a minha sorte, esses 6% eu consegui chegar lá à Custódio Forzza e falar: “Olha...”. E outra coisa, falou assim: “Nós vamos te pagar...”. Esses 6% me deu praticamente quase 700 sacas de café. Mas vamos pagar daqui a um ano, dois anos, sem juros, sem nada.” Eu falei: “Bom, o que eu vou fazer?”. O que eu fiz? Eu fui direto à Custódio Forzza com o pessoal lá: “Olha, eu tenho como pagar vocês, mas é dessa forma”. O Irineu e o seu Custódio falaram assim: “Pode fechar o negócio seu, que está bom. A Custódio Forzza não vai te cobrar juros e as 200 e poucas sacas vão ser isso. E outra, se você tiver dificuldade com algum produtor, alguma coisa, te cobrar, manda a gente vir aqui que a gente... Nós não vamos fazer nada pra você, nós não vamos te dar nada, mas nós vamos falar que nós aceitamos e eles também podem aceitar”. Voltei, aceitei o negócio, fiz o contrato. Enfim, nesses dois anos... (troca de cartão).

P/1 – Pode retomar então.

R – Bom, nesse período eu consegui, digamos assim, certa independência de chamar todos os credores e pagá-los. Eles aceitaram e eu continuei a trabalhar. 2001, 2002, em 2002, um belo dia eu estava lá no escritório da torrefação, aí toca o telefone, era o Irineu, ele e o Carlos Henrique querendo falar comigo, da Custódio Forzza. Eu atendi o telefone, o Irineu falou assim: “Silvano, a gente está precisando conversar com você, tem como você dar um pulinho aqui? É a respeito de uma torrefação lá em Salvador, a gente queria trocar uma ideia com você”. Perfeitamente. Eu falei: “Pode ser amanhã?”. Falou: “Pode”. Eu peguei e fui lá. Falou: “Silvano, a gente tem um pessoal que está devendo a gente, de café em Salvador, e eles estão oferecendo uma torrefação pra gente. A gente queria que você fosse lá”. Porque eu já o conhecia. Nunca tive vínculo nenhum com eles. Conhecia-os, mas eu sempre tive uma relação muito próxima com eles, assim, pela época que eu trabalhei, deu tudo certinho, eu não perdi o vínculo de amizade com eles. Então ele me chamou pra ir lá ver essa torrefação. Eu fui com o Carlos Henrique. Quando eu cheguei à torrefação, que eu fui falar, o meu sócio: “Não, mas você vai pra Salvador?”. Eu falei: “Olha, eu não posso negar um pedido deles, porque primeiro que eles aceitaram pagar uma dívida com eles sem juros, nada. Não eu vou. Eu vou, porque é amanhã e volto no outro dia”. Pegamos um voo no dia seguinte, de manhã, fomos lá. E o Carlos Henrique falou: “Silvano, você vai olhar essa torrefação, o seu olhar e você vai me dizer tudo. Mas você fique à vontade. Eles estão achando que eu vou comprar, mas vai depender do que você falar”. E falei: “Então está bom”. Fomos lá, pegamos um voo, chegamos a Salvador, os caras já pegaram a gente no aeroporto, mas assim, com uma convicção de que a Custódio Forzza ia comprar essa torrefação lá em Salvador, até próximo da Fonte Nova, tal. Sentamos, começamos a conversar, e o Carlos Henrique queria que eu perguntasse alguma coisa da torrefação. Quando eu ia falar alguma coisa, sabe aquela coisa que a pessoa te deixa meio de lado? Eu fiquei quieto. O Carlos viu, começamos a conversar, falou: “Vamos dar uma volta nas instalações”. Nós fomos. Como eu senti que o cara não estava muito dando conversa, eu fiquei mais recuado e fui conversando com os funcionários da empresa: “Vem cá, torrador, como é esse torrador aqui, tal? Eu vi que tem uns grãozinhos caindo aqui”. O cara falou: “Não, é muito bom, mas de vez em quando dá problema, não sei o quê”. Eu falei: “Opa!”. “Ah, esse maquinário aqui de embalar, que estoura” – eu falei – “que eu tenho uma torrefação lá no Espírito Santo e perde muita embalagem”. Ele falou: “Ih, rapaz, isso aqui perde, a gente conserta, mas depois dá problema”. Então eu fui fazendo algumas perguntas pra eu ter uma noção do que era o negócio. Eu vi umas Kombis lá no pátio, meio velhas, não sei o quê: “Não, porque está parada há tanto tempo”. E o camarada lá, o cara na maior empolgação. Mostrou tudo, fomos pra sala sentar assim, sentamos e o Carlos falou assim: “Silvano” – o cara ficou assim – você tem alguma pergunta, alguma coisa pra fazer pra eles?”. Como eu já tinha visto o maquinário, tudo, não falei nada. Eu só perguntei a eles assim... Porque eles falaram assim: “Não, porque a gente vende para o Cestão, para o Quilão, não sei o quê”. Eu comecei a perguntar: “Quantas toneladas vocês vendem mensalmente? Desse total, por semana, quem são os clientes de vocês? Como vocês fazem as vendas? É em boleto? Paga em cheque? Paga não sei o quê?”. O cara começou assim: “Não, chama o fulano lá”. Eu senti que a coisa... Nós paramos por aí, fomos para o hotel, o Carlos falou: “Silvano, e aí?”. Eu falei assim com ele: “Vocês estão vindo aqui pra essa empresa, vocês vão dar o café pra torrar, pra levantá-la, ou vocês vão vender o café, receber e tocar o negócio?” “Lógico que é pra vender e depois fazer o negócio fluir”. Falei: “Então vamos pegar o avião e ir embora, porque isso aqui, esquece. Esquece, que isso aqui não vai pra lugar nenhum. Os caras tão querendo é o seu café, que você bote X sacas de café e vão falar que vão vender, mas eu não vi nada disso, não”. E nessa época tinha uma empresa em Colatina que tinha montado uma torrefação lá. E essas empresas grandes, quando uma tem, parece que a outra também quer fazer. Mas gastaram tantos milhões. Eu falei: “Olha, eu não conheço nada de Salvador, não conheço nada aqui, mas eu tenho certeza que se essa empresa de Colatina está aqui, se for no ritmo desse, ela não aguenta dois anos, não, você pode ter certeza”. Ele falou assim comigo: “Não precisa falar mais nada”. Falei: “Mas eu to dando a minha opinião”. Porque falar assim: “Silvano, se você for, se a gente gostar do negócio, a gente compra a parte sua lá em Marilândia, ou vende pra alguém, e você vai pra lá. Você topa?”. Falei: “Não, se for bom...”. Mas de cara eu logo falei: “Isso aqui não vai pra lugar nenhum”. Voltamos, chegamos ao aeroporto, chegamos a Colatina, o Carlos falou: “Silvano, se precisar você vir aqui falar com o Irineu, com o Custódio, você vem?”. Falei: “Não, pode me ligar que eu venho”. E fui pra Marilândia. Depois, um dia eu liguei pra ele, ele falou: “Não, Silvano, quando eu cheguei aqui e contei, eles já viram que não dava”. Resultado: no mesmo ano, outro ano, essa empresa que gastou milhões lá fechou. Isso foi 2002. Em 2003, foi no dia 13 de maio de 2003, to eu bem no escritório lá, toca o telefone, era o Irineu: “Silvano, você está em Marilândia?”. Falei: “To. To aqui na torrefação” “Tem como você vir aqui amanhã?” – isso era uma quinta-feira – “A gente precisa conversar com você”. E falei: “Vou”. Aí fui no outro dia e eu estava assim, trabalhando na torrefação pra tudo quanto é lado, mas como era uma empresa começando e tudo, eu tinha pagado a dívida, mas a parte de financeira tinha dias que a gente não tinha muito... Não vou dizer pra vocês que estava passando fome, necessidade, não, mas falar que tinha dinheiro no bolso, tudo... A minha sorte é que a minha esposa trabalhava, dava aula, então isso aí que mantinha. Porque o que eu estava ganhando na torrefação, mal pra pagar as contas do dia a dia. E você vai visitar cliente, você tem que estar bem vestido, você tem que estar bem. Então aparentemente estava mil maravilhas, mas só nós sabíamos como estava a situação. Eu fui nesse dia lá, o Irineu e o Carlos falaram: “Silvano, a gente tem uma proposta pra você. A gente tem uma empresa, uma filial lá em Linhares – eu já sabia que tinha – e a gente está querendo dar uma mexida, tem algumas situações lá e queria ver se você queria trabalhar com a gente”. Eu falei: “Como assim?” “Não, a gente quer que você trabalhe com a gente”. Falei: “Mas eu tenho...” “Não, vê”. Eu falei: “Meu Deus do céu”. E uns dias antes, eu rezava todo dia pedindo assim pra me dar uma luz, porque você sabe aquela coisa? Eu via que a sociedade, o meu dia a dia ali não dava mais. Não dava. E tinha um sócio que começou a trabalhar, tudo, que você falava: “Não, que não é assim, é assado”. E você é sócio, mas é um funcionário que não tem direito a falar nada, você tem que cumprir ordens: “Você faz, você não faz, você tem que ir de ônibus, você que voltar assim”. Aquilo lá me matava. Resultado... Falou: “Olha, Silvano, se você for pra Linhares, a nossa ideia é que com o tempo você seja gerente lá. O que a gente quer de você? Pra começar a mexer, vai ter cacau e também café”. Que no futuro, Linhares... Nessa época, aqui tinha esse armazém todo, essa nave toda, mas não mexia. Era muito cacau, pouco café. “Pensa e a gente quer você lá.” Aí falaram alguma coisa de valores, tudo, eu falei: “Meu Deus, o que eu vou fazer?”. Eu falei: “Vocês me dão pelo menos uns dias pra pensar, um mês” “Não, a gente quer você, mas você pode pensar”. Eu vim pra casa, sentei com a minha esposa, falei: “Olha, assim, assim, assim”. Ela falou: “Silvano...”. Falei: “Só que a gente vai ter que morar em Linhares. Vamos ter que morar em Linhares”. Na situação que a gente estava, mas pra mim foi assim, na minha cabeça eu já queria, mas ela de imediato: “Não, nós vamos. Nós vamos”. E eu tenho um grande amigo lá em Marilândia, Helder Favarato, ele é até dentista, e todas essas dificuldades que eu passei na época, ele sempre acompanhou de perto e sempre foi aquele cara que sempre me deu muita... Pra sair, um churrasco: “Não, você vai conosco”. Sempre foi muito do meu lado. Muito. E a esposa do seu Custódio é Favarato também, então tem certo parentesco. Em maio é a festa de Marilândia, 15 de maio, aí no sábado era... Na sexta-feira, que eu voltei na quinta, na sexta-feira tinha uma festa lá, aí numa hora dessa, um pouco mais cedo, eu saí da torrefação, a Merinha já estava mais ou menos com a ideia de aceitar a proposta. Eu encontrei com ele, esse meu amigo Helder, aí quando eu comecei a falar com ele, ele falou assim: “Você vai. Você vai. Você vai aceitar, porque você tem tudo pra dar certo. Você já o conhece, tudo, você não pode ficar em Marilândia”. Conhecia o trabalho que a gente fazia, falou: “Você vai pra lá”. Eu falei assim: “Eu já tinha decidido, a Merinha também, mas eu precisava ouvir de alguém próximo, e que sempre foi muito amigo, alguma coisa a mais”. Ele falou: “Não, você vai”. E até hoje é o melhor amigo meu e ele é muito presente com a gente, sabendo que ele deu essa opinião e a coisa fluiu. Eu falei: “Quer saber de uma coisa? Eu vou aceitar a proposta”. Quando eu falei com esses meu sócios, eles quase desmaiaram: “Não, você não pode fazer isso”. Falei: “Como eu não posso? Vocês estão trabalhando dentro da empresa, o Osvaldo já está aqui trabalhando, fazendo a minha parte que eu já nem to mais fazendo. Eu preciso sobreviver. Eu preciso. Eu não tenho filho ainda, mas sou e minha esposa, eu preciso fazer alguma coisa. Vamos fazer o seguinte, eu vou pedir um prazo a eles lá de 30 dias, esses 30 dias eu vou passar tudo que eu fiz até hoje e depois eu vou trabalhar”. Fui lá à Custódio Forzza, conversei com eles, pedi um prazo, ele falou: “Não, pode ficar esse prazo. Pode ficar esse prazo”. E foi o que eu fiz. Voltei, cumpri direitinho, pra depois vir pra cá. Mas vindo pra cá, o que era? Fui uma semana lá a Colatina, que eu já os conhecia muito, pra pegar um pouco mais do feeling, saber das coisas. Que aí eu ia vir aqui pra conhecer e no futuro assumir uma gerência. Eu vim num sábado aqui com o Carlos Henrique e com outro funcionário. Cheguei aqui, me apresentaram ao Zé Roberto e Luciano, que é esse magrão que entrou aqui, ele já tem 26 anos de casa, e outro, moreninho, que está ali também tem mais ou menos a mesma coisa, 25 ou 26 anos de casa. Apresentou, que eu ia vir aqui pra trabalhar, e nessa época tinha outro gerente que também estava aqui. Que eu ia vir na segunda-feira pra trabalhar junto com eles. Que eu ia mexer, no futuro, com café, tal, e o cacau aprender. Fomos pra casa. Na segunda-feira, quando eu cheguei aqui, cheguei sete e pouco, eu e o Carlos, logo cedinho. Cheguei, sentei ali com os meninos, com a minha pastinha, fiquei ali, oito horas, oito e meia, nove horas, cadê o gerente? Não apareceu. Tocou o telefone, a mesa ficava até ali na frente assim, e o Luciano, esse magrão, estava ali e ele falou assim... Tocou o telefone, virou pra mim: “Silvano, né?”. Falei: “É” “Olha, tem um pepino. Um pepinão. Fulano não vem trabalhar”. Falei: “Como é?” “Não vai botar os pés aqui”. O cara sentiu que talvez eu estava vindo pra substitui-lo, abandonou o barco. Abandonou essa estrutura toda. Não sei quantos anos que tinha de casa, na época. Olha, na hora, na hora minhas pernas tremeram. Eu tremi mesmo. Tremi, mas assim, falei: “Epa! Espere aí...”. Porque aí te passa um filme, pô, todos os desafios. Aí me deu um estalo, eu chamei os dois, eu falei assim: “Bom, eu vim pra cá pra ajudar. Eu tenho que ligar para os homens lá em Colatina, para os donos, e explicar o que aconteceu. Eu preciso saber de vocês o seguinte, a gente pode contar um com o outro? Vocês vão me ajudar?” “Não, pode” “Então é o seguinte, eu vou ligar pra eles e vou falar o seguinte, eu vou tentar tocar o barco, que eu vou contar com vocês comigo”. Liguei prá lá, quando eu falei foi um boom. Foi um “Deus nos acuda”. Mas a partir daí foi a guinada, que eu peguei os dois e eles falaram: “Não, Silvano, pode contar com a gente”. E até hoje. Foi dali... Falei: “Porque se nesse desafio...”. Eles falaram: “Mas, Silvano, como você vai...” “Não, pode ficar tranquilo” “Mas a gente tem que ir pra ir” “Não. Não precisa vir pra cá, não. Deixa que eu to aqui, Luciano e Zé Roberto estão comigo, conhecem todo mundo, eles vão me dar as coordenadas aqui, nós vamos tocar”. E realmente eles nem precisaram vir aqui. Isso foi numa segunda-feira, eles foram vir aqui no sábado. Mas foi uma turbulência. Você imagina o que era produtor de cacau toda hora pra vender cacau, atrás de dinheiro, uma coisa e outra, do comércio, no dia a dia. O que eles aproveitaram? Que existia uma cultura de se adiantar dinheiro pra depois você receber. Isso aí, eles acabaram com tudo. Então eu vim assim... Eles falam: “Ah, Silvano foi lá e acabou com tudo”. Porque o que eles aproveitaram? Já que tinha essa cultura: “Silvano, olha, a partir de hoje você não adianta dinheiro pra isso, não adianta pra isso, você vai da maneira que você achar melhor”.

P/1 – Que ano foi isso?

R – Em 2003.

P/1 – 2003.

R – Vai fazer 11 anos agora. Dia sete de julho agora faz 11 anos que eu to aqui.

P/1 – Explica um pouco assim, em linhas gerais, qual é o seu trabalho aqui.

R – O meu trabalho aqui é a gerência tomar conta, na realidade, da estrutura pra eles, num todo. Na época que eu vim, não tinha tanto a cultura de comprar muito café, mas nós conseguimos fazer essa questão de comprar café. Então compro café, compro cacau, ajudo, de certa forma, a administração deles, que eles tem questão de fazenda, movimentação de gado, e aqui de modo geral. Então, de modo geral, eu tenho a gerência aqui em Linhares toda, desde as fazendas, passam aqui comigo. Mas eu digo o seguinte, eu, na verdade, o que move tudo e deu certo por causa da equipe que eu tenho, principalmente dos dois, que na hora que deu a situação, falaram: “Não, pode contar com a gente”. Então aquilo foi assim, foi um baque que aconteceu, mas eu não esmoreci, não. Falei: “Não, vamos tocar”. E começamos a tocar. E a coisa foi assim, foi desenrolando. O primeiro mês, o segundo mês, fomos ajeitando a casa e os meninos participando muito comigo. E eu sempre pedindo muita opinião, e eles, pô, já tinham muitos anos de casa, não é? Eles têm 25 a 26 anos, eu vou fazer 11. Então eu me espelhei muito neles. E eles assim, sempre defenderam com unhas e dentes, falavam: “Olha, Silvano, cliente fulano de tal é assim, o outro é assado”. Aí a coisa começou abaixar a poeira como? Os produtores, não adiantavam vir aqui atrás de dinheiro, sabiam que não ia ter. “Ah, mas o Silvano é ruim.” Não tem problema falar que eu era ruim. “Não sei o quê, cuidado que nego é meio doido.” Nada. “Fulano de tal falou que se você não pagá-lo ou não comprar dele, ele vai te matar, vai não sei o quê.” Nada. Tornou-se um grande amigo. Por quê? Porque viu que a filosofia da empresa tinha mudado e nós continuamos tocando, e os meninos juntos, e foi assim fluindo. Aqui só tinha... A estrutura aqui era 15 mil metros quadrados, o terreno, então só tinha um galpão. O primeiro galpão, três mil e 600. O primeiro ano, o segundo ano, eu ia lá atrás com os meninos, falava assim: “Futuramente, nós vamos fechar aqui essa parte”. Eles falavam assim: “Você está doido” “Não, vamos”. Falei: “Nós vamos comprar café aqui, você vai ver se nós não vamos” “Esquece. Isso aqui nunca vai mudar”. Resultado: quando deu 2005 pra 2006, já começamos o movimento de comprar café, aumentando. Um belo dia eu peguei o pessoal que veio aqui, fiz um orçamento por conta assim: “Quanto ficaria pra fazer um galpão lá”. Já tinha o piso. “X.” Eu falei com os homens lá em Vitória, tal, falei: “Olha, se vocês quiserem, eu tenho um orçamento e com tantos dias está pronto” “Mas será?”. Eu falei: “Olha, custa X” “Você garante que fica pronto”. Falei: “Não, a gente... Vamos encarar o desafio”. Peguei os meninos: “Vamos fazer”. E realmente fizemos. Eu falava com eles: “Tá vendo?”. Atrás tinha outra área, que o Luciano morava. Bem lá atrás tinha uma casa muito boa, pé de coco, pé de jaca, que davam mais mil e 500 metros. E eu falava com ele: “Agora o próximo passo nosso é a gente acabar de fazer aqui”. E eles falavam assim: “Não, aí você esquece” “Então vocês vão ver”. E nós continuamos o trabalho, contato com produtor, o movimento de café cada ano aumentando mais aqui. Eu fiz a mesma coisa, um belo dia eu peguei, chamei o pessoal das construtoras, pedi um orçamento, tal, aí o Carlos: “Ah, mas não tem jeito, vai demorar”. Eu falei: “Se eu levar isso para o pessoal da empresa, a empresa vai me pedir pra quando. E se for, eu preciso pra ontem”. O cara veio aqui um dia, falou: “Silvano, tem uma empresa aqui que ia fazer um galpão de mil e 500 metros, mas adiou, só vai fazer daqui oito meses. Se você quiser, eu tenho um material pronto pra instalar”. Eu falei: “Fica quanto?” “Tanto”. Chamei outro construtor, eu liguei pra eles, que a gente já estava a mil por hora, falei: “Olha, tem uma estrutura metálica assim, assim” “Silvano, você tem certeza? Mas dá pra fazer?” “Dá pra fazer. Se começar agora – eu falei – final de janeiro, quando for início da safra, está pronto” “Bom, se vira então”. Eu liguei para os camaradas, no outro dia começou a derrubar. Fazia uma pena, derrubar casa, derrubar tudo, começamos a fazer. Meados de fevereiro, quando chegou uma época dessa, na época da colheita, quando eu estava botando os últimos blocos, que fez o piso, tudo, o armazém já veio enchendo. Quando botou o último bloco, o armazém praticamente já estava cheio. Isso foi 2008 pra 2009.

P/1 – Vocês foram crescendo, foram crescendo.

R – Crescendo. De três mil e 600, nós dobramos, ganhamos quase sete mil metros. O volume de café hoje aqui no armazém, porque eles têm a estrutura aqui, o Custódio Forzza aqui, tem em Colatina, tem Itabela, tudo, mas a maior movimentação hoje quase passa por aqui. Conseguimos assim, tradicionalmente a Custódio Forzza era só cacau em Linhares e fazenda de gado. Não se falava em café. Nós conseguimos, nesse período, virar referência no café. Então hoje a movimentação, assim, é enorme de café. E eu puxo os relatórios, se a gente exporta 200, 300 mil sacas de café para o exterior, a maioria que sai, eu falo assim, sai do nosso armazém. Eu falo para os meninos, sai do nosso armazém. Sai do nosso armazém, que a gente está envolvido. Então, quer dizer...

P/1 – Muito bacana.

R – Um trabalho árduo, mas que surtiu muito resultado. A Custódio Forzza se tornou, praticamente, hoje, um dos maiores fornecedores de café Nestlé, tanto interno como externo. Quando a exportação está favorável, a fábrica do México, que é maior e que mói conilon, praticamente quando o mercado está positivo, o maior fornecedor é a Custódio Forzza. E a maioria do café que sai, sai daqui. Semana passada mesmo, praticamente nós embarcamos aqui quase 60 contêineres para o México. Quando o Chile compra, também sai daqui. Então, quer dizer, existe uma parceria, o maior cliente da Custódio Forzza hoje, quase, praticamente é a Nestlé, no mercado externo, quando dá exportação, e no mercado interno.

P/1 – Eu queria te perguntar um pouquinho dessa relação com a Nestlé, pra gente entrar nessa... Falar um pouco como começou essa relação, como é a relação hoje, falar um pouco da Nescafé Plan, tudo. Mas antes, eu queria perguntar do nascimento da sua filha. Porque pra gente fechar assim a parte mais pessoal. Eu queria saber como foi, como vocês souberam da gravidez.

R – É mais uma história. Nós casamos em 95, a minha esposa é oito anos mais velha que eu. Na realidade, ela tomou anticoncepcional um ano e pouco, depois nós viemos do Maranhão e tudo, simplesmente não engravidava. Um ano, dois anos, três anos, quatro anos, cinco... (breve corte no áudio).

P/1- Vou pedir só pra você começar de novo então, pra não perder a linha de raciocínio, contando a história então da gravidez de vocês.

R – Está. Nós casamos em 95, graças a Deus no nosso casamento, crise conjugal mesmo, nós nunca tivemos. Falar assim que uma hora ou outra você discute, tudo, todo casal, que convivência a dois é complicada, mas nós nunca tivemos assim, briga, desavença, aquela coisa, não, nunca. E uma relação muito boa. Sempre foi muito boa. Mas simplesmente a Merinha não engravidava. Não engravidava. Nesse período que começaram a passar três, quatro anos, aí você vem... Eu nunca tive aquela fissura de ter filho, e nem ela. A sociedade cobra muito. Pai, mãe, cunhado, irmão: “Não vai ter filho, não? Porque fulano tem. Vocês não vão ter, não? Olha, a Merinha já de mais idade, vocês estão ficando velhos”. No momento certo, a gente vai ter. Mas simplesmente não engravidava. A Merinha fazia alguns exames, não dava nada, eu fazia também, não dava nada. E foi passando. Quando chegou em 2006... Que eu já estava aqui em 2003, aí o ginecologista dela é muito amigo nosso, um camarada muito conceituado aqui, o doutor Yulo, a Merinha começou a frequentar lá com ele e ele falou assim: “Vocês deviam fazer mais alguns exames”. A Merinha fez os exames, eu fiz os exames, nada. Nesse período, a mãe dela teve câncer de estômago. Foi em 2005, por aí. 2005 pra 2006. Enfim, ela passou um período que ficou muito tempo internada em Vitória. E a minha esposa também trabalhou no grupo, trabalhava com a gente na Forzza Mercantil, que o seu Custódio tinha uma financeira. Então eles sempre a liberavam ela pra ir. Ela ia na sexta-feira, ficava com a mãe dela sexta, sábado, domingo, vinha. Aí chegava na outra sexta, ia. Então eles sempre liberaram. Nessa parte familiar, eles são excepcionais. A minha sogra chegou a falecer. Nesse período que ela faleceu, esse médico amigo nosso indicou o doutor Jules White, que é de Vitória, e inseminação, ele é bem conceituado em nível de Brasil. Falou: “Silvano, vocês podiam procurá-lo. Ele é muito amigo meu, vocês vão lá pra saber, porque de repente fazer uma inseminação”. Minha sogra tinha até falecido, foi outra porrada. Aí nós fomos pra lá. Chegamos lá, o doutor Yulo já tinha conversado com ele alguma coisa, que era amigo da gente, tal. Aí ele foi bem direto, sentado assim: minha esposa, eu aqui e ele aqui. “Merinês, tal.” – pegou as coisas da Merinha. Ela falou assim: “Doutor, eu tenho o quê?" “Você não tem nada” “Mas e aí?” “Não, você não pode engravidar”. O médico falou: “Não, você não pode. Estatisticamente falando, a sua idade, você não pode mais ter filho”. Levantou, abriu a tela assim, começou a mostrar a idade fértil da mulher: de tantos a tantos anos, tal, tal, tal, o índice aqui. “Você já está com 44 anos, 43 pra 44, você não pode mais. Você não pode ter. Seu óvulo está envelhecido e você não pode mais ter filho. “Olha, se quiser ter, tem que ser com óvulo doado de uma irmã mais jovem sua, ou de uma sobrinha, ou de uma amiga. Agora, você não. Mas você não tem nada, e nem o seu esposo. Nem o Silvano também não tem nada”. Você imagina o que é isso. E isso foi um mês e pouco depois da morte da minha sogra. Então foi um negócio assim... Ele falou assim: “Eu to falando isso com vocês porque o Yulo já me passou que vocês amigos, tudo, e aparentemente to vendo que vocês são um casal tranquilo, acho que vocês não vão se desesperar. Se eu quisesse tirar dinheiro de vocês, eu ia mandar vocês fazerem uma inseminação. Mas eu não vou fazer isso, porque uma inseminação, não sei se vocês têm dinheiro ou não, mas além de ser cara, ela é dolorosa pra mulher. Porque não significa que eu vá fazer a inseminação e ela vai dar certo. Pode fazer uma, podem ser duas, podem ser três, isso existe um custo, existe um sofrimento, existe aquela angústia, aquela coisa da ansiedade, se vai dar certo ou se não vai dar certo. Isso é muito complicado”. E a Merinha falou assim: “Mas doutor, eu tenho alguma coisa?”. Eu falei assim: “Doutor, a Merinha tem alguma coisa?”. Ele falou assim: “Não” “Eu tenho? Então deixa do jeito que está. Não tem problema. Deus sabe o que faz. A gente vive bem, não tem problema nenhum. Nós não vamos nos desesperar, não” “Não, mas vocês vão pra casa, pensam direitinho, daqui seis meses se vocês quiserem vir aqui trocar alguma ideia, pensar na inseminação. Mas eu to sendo direto”. Eu falei: “Não...”. Ele falou: “Eu vou contar uma historinha rápida pra vocês. Está vendo aqui?” – tinha a foto com gêmeos – “Eu sou padrinho desses gêmeos aqui. Por que eu sou padrinho? Porque o casal queria engravidar e eu fiz a inseminação. Passou uma, duas, três, vários anos, conseguiram. No aniversário de um aninho, nós estávamos numa festa aqui na Praia da Costa, tal, fomos pra casa, cheguei a casa três horas da manhã, tocou o telefone, a mãe desesperada, chorando, chorando, me ligando, eu peguei o carro e saí a mil. Meu Deus do céu, quando eu cheguei na frente do prédio dela, ela estava com as duas crianças e uma mala na mão e falou: ‘Olha, ele simplesmente falou: ‘O que você queria, eu te dei, que são os dois filhos’’. Fez a festa, virou as costas e foi embora. Abandonou a mulher com os dois. Será que a felicidade... O que é a felicidade? É a família”. Eu falei: “Não precisa falar mais nada, não. Não precisa falar mais nada”. Mas foi assim, ele foi muito direto. Muitas pessoas, amigos meus, falaram assim: “Ele não podia ter falado isso”. E falei: “Não, foi bom que ele falou isso”. Foi muito direto, mas ele também católico, tudo, ele mostrou, falou e nós compreendemos. Saímos de lá, a Merinha falou assim: “Na hora você fica... O que você vai falar?”. Nós estávamos na estrada vindo, ____________, ela falou assim: “Bom, não tem problema, não. Mas Nossa Senhora não vai me deixar na mão, não. A minha idade ainda... Será que eu não vou ter?”. Cheguei a casa, falei: “Olha, não tem problema, nós vamos tocar a nossa vida”. E assim fizemos. Tocando. Nunca fomos fissurados em falar que queria ter filho, tudo. Um belo dia nós estávamos em casa assim... Mas a gente nunca conversava sobre isso. Um belo dia eu falei assim: “Bom...”. A Merinha estava com quase 45. E falei: “No futuro, nós temos dois sobrinhos, tem mais duas sobrinhas, alguém vai cuidar da gente na velhice. A gente faz uma poupança, a gente vai dar um jeito. Na mão, nós não vamos ficar, não”. Uns meses depois, a Merinha começou a reclamar que estava sentindo um mal estar, estava meio pesado, o estômago não estava legal, sentindo um caroço, já pensando um monte de bobagem por causa da mãe dela, que morreu com câncer de estômago. E aí marcou uma consulta com o doutor Yulo. Nesse meio tempo, que foi em agosto, teve festa da cidade, nós fomos à festa da Rainha do Cacau, no baile junto com o doutor, com a namorada dele, lá em casa a gente mora no segundo andar, nós lavamos escada junto, eu e a Merinha, e tudo, e marcou uma consulta para o dia 29 de agosto. Eu falei: “Eu vou junto com ela”. A Merinha estava com a cabeça muito ruim. Chegamos lá, sentamos pra conversar, ela começou: “Olha, eu to sentindo assim, que eu to com calor, eu acho que é um cisto, eu acho que é não sei o quê”. O doutor falou assim: “Merinha, vamos te examinar. Menopausa não é ainda. Pode ser um cisto? Pode ser. Se for, nós vamos tirar. Pode ser uma gravidez?”. Aí nós começamos a rir. “Gravidez? Pode ser, nós vamos tratar. Vamos examinar.” A Merinha foi examinar, eu fiquei na antissala. Daí a pouco o doutor Yulo falou assim: “Silvano, vem cá”. Eu fiquei assim. Ele falou: “Vem aqui escutar o tamanho do cisto que tem na barriga da Merinha”. Olha, botou no coraçãozinho da Elisa, fazia bum bum bum bum. Ele mesmo e nós... Fiquei em êxtase. Falou assim: “Tá com quase três meses”. Falei: “Como é?”. A Merinha desabou a chorar. Nós em lágrimas, porque... Como? Falou assim: “Não, está grávida”. Eu falei: “E agora?” “E agora? Agora nós vamos ter que correr, porque não tem mais tempo de nada, não. Pra fazer a translucência nucal tem que ser amanhã, porque o período está passando” “Mas e o período crítico?” “Que período crítico? O período crítico, que é das primeiras às quatro, você já passou três meses”. Já estava com três meses, mas quase não via. Como a gente é de Marilândia, foi uma época de política, em 2008, e todo mundo conhece a gente na cidade, quando eu liguei pra lá, nós ligamos, a cidade parou. A cidade parou em Marilândia. “O quê? A Merinha está grávida?” Depois de 13 anos de casado. Ela engravidou com 44 anos.

P/1 – É incrível.

R – Sem tratamento. Obra de Deus. Não tem outra explicação. Foi assim... Foi fantástico. Fantástico.

P/1 – E o nascimento? Conte-me. Como foi o parto, o nascimento?

R – Tudo... Sabe o que é fazer os exames, tudo perfeito? E em casa, os pais, todo mundo ficou maluco, que estava grávida. O período crítico, não houve período crítico. E a Merinha continuou trabalhando até a última semana na Forzza Mercantil, trabalhando na área financeira lá, subindo as escadas lá em casa. Lógico, com acompanhamento do doutor Yulo, tudo, mas a pressão dela só foi dar uma alteraçãozinha nas vésperas que subiu, pelo fato também da idade dela. (breve pausa).

P/1 – Então pra retomar, como foi ser pai?

R – Olha, a gravidez foi perfeita. E nesse dia que ela alterou, e o doutor Yulo é tão amigo nosso, o que ele fez? “Silvano, vamos fazer a cesária da Merinha no sábado, porque é o dia que eu tenho menos compromisso, a Unimed é mais tranquila.” Falei: “Não, perfeitamente”. A Merinha assim, muito bem. Nem parecia que ela estava grávida, porque ela sempre foi muito magrinha, então só tinha barriga mesmo, a Elisa. Mas muito bem, fomos para o hospital, dez, acho que foi dez e 20, alguma coisa assim, quando ela nasceu. Que a gente aqui não pode acompanhar o parto, mas lógico que eu estava na porta. Eu estava na porta. Na hora que nasceu, que a enfermeira saiu com ela assim, sabe aquela coisa, você ouvir aquele chorinho assim vindo? Cheguei, botei a mão nela assim, falei: “Papai está aqui”. Já sentiu. E aquele olhar assim, nossa, eu... Eu acho que é o momento mais emocionante pra qualquer pai, pra qualquer um, é o nascimento do filho. Eu não acompanhei ali, mas a partir do momento que saiu da sala, eu estava presente ali. E ver aquela coisinha assim, que ainda depende tudo de você, é o seu sangue que está ali, é um pedacinho de você. Nossa! A gente passa a entender o que o seu pai e a sua mãe, por que eles cuidam da gente. Que a gente fala: “Ah, mas pai e mãe...”. Não, aí você vê que realmente eles cuidam da gente, até hoje também, que está velho, como se fosse um bebezinho. Porque é aquele sentimento, é o seu pedacinho que está aí, é o seu sangue que está aí, depende de você, você tem que cuidar. Você tem que cuidar. Depende tudo de você. É a maior bênção pra gente.

P/1 – Incrível.

R – Não tem dinheiro, não tem... Saúde. Se você tiver saúde, você tem seu filho. O resto é correr atrás, vai fazer. Olha a bênção que nós tivemos. “Ah, mas vocês não vão ter outro, não?” Quem sou eu e quem é a Merinha pra pedir mais um milagre? Nós tivemos um milagre de ter uma filha, perfeita. Um parto totalmente tranquilo, sem nenhuma perturbação de nada. Eu vou pedir mais alguma coisa? Pedir ao papai do céu, Nossa Senhora, que dê mais um? Aí seria egoísmo demais de minha parte. A Merinha hoje... Eu to com 43, ela está com 51. “Ah, mas pode.” Não. Eu não posso ter esse egoísmo. Se ele achar que tem que ser, será. Ele que sabe. Agora, eu não. Eu não posso pedir, não. Eu tenho que somente agradecer.

P/1 – Claro.

R – Lógico que a gente quer trabalhar, quer ganhar bem, quer ter uma vida melhor, mas tem que entregar na mão dele, ele sabe o que faz. A gente costuma atropelar demais as situações.

P/1 – Tá certo.

R – Todas as dificuldades e tudo, mas depois de um presente desse aí, não preciso pedir mais nada, não. Não preciso pedir mais nada, não.

P/1 – Tá certo. Que ótimo. Parabéns!

R – Obrigado.

P/1 – Eu queria voltar então agora no... Queria que você contasse essa história, que é importante demais, e saber um pouco como você conheceu... Voltando pra questão da Nestlé, como você conheceu a Nescafé Plan.

R – Bom, como eu te falei, como a Custódio Forzza é um grande parceiro da Nestlé desde a indústria normal, mercado interno e externo, em 2011 surgiu o primeiro contato do pessoal da Nestlé com o pessoal nosso em Vitória, no Palácio do Café, a respeito do projeto do 4C, Código de Conduta da Comunidade Cafeeira. Que há níveis globais, que em outros países já tinham alguns anos, não sei precisar desde quando, e que queria fazer o 4C no Brasil e que a Custódio Forzza fizesse parte junto com ele pra implementar esse programa aqui. Em 2011 foi o primeiro contato nosso da empresa com a Nestlé, que o pessoal nosso de Vitória me contatou: “Silvano, precisamos de uma lista de produtores, que a Nestlé está querendo instalar o 4C no Brasil, no Espírito Santo, como nós somos cliente deles, de produtores que possam se encaixar nesse perfil do 4C. Que era o tripé de sustentabili... No foco mesmo a sustentabilidade. É o produtor que tem a propriedade toda legalizada, com reserva legal, que tem o seu bloco de produtor, que não usa trabalho infantil, que trabalha com os cuidados de agrotóxico, adubação, que tenha na época de colheita os funcionários todos registrados. “A gente tem esse perfil?” Eu falei: “É o que mais a gente tem”. Hoje, o norte do Espírito Santo, se é isso aí, não tem problema nenhum, porque no dia a dia, todo mundo trabalha em cima disso. Primeiro que toda propriedade tem que estar legalizada, reserva legal é uma exigência já do Ministério da Agricultura. Você tem um terreno, você tem que ter tantos por cento de reserva legal. Na época da colheita, se você não tiver os funcionários todos registrados e fora antes da colheita, se vier fiscalização, você está perdido, você vai ser autuado. Pra você comprar insumos, hoje se compra de produtos legalizados, se não tiver, vai sair do mercado. Algumas coisas é o ajuste, aí a gente não sabe o que é, como funciona isso aí, mas isso não há dificuldade. A partir daí, ele falou: “Então me faz uma lista dos nossos fornecedores”. No primeiro momento, eu peguei, como a gente tinha muito cliente aqui e também em Colatina, o menino lá fez uma lista, eu fiz outra aqui. Fiz uma lista, no primeiro momento, acho que de uns 60 produtores. Mandaram pra Nestlé, na época o pessoal falou: “Não, aí também é demais, dá uma filtrada”. Desses, o que eu fiz? Eu já selecionei, baixei pra uns 40. Ainda acharam assim, bom, pra ser início vamos dar mais uma enxugada. Eu enxuguei mais ainda. Mas no enxugar a lista, eu já vinha mantendo contato com os produtores, falando do projeto, o que seria o 4C. Fizemos uma reunião em Vitória, veio o pessoal da Nestlé, o pessoal nosso, o pessoal da transportadora, e o primeiro contato com os produtores. A partir desse contato é que começou assim um trabalho do contato maior Nestlé com a Custódio Forzza, no caso chegando até mim aqui e a até o menino também, o Eduardo, lá em Colatina, que era ter o contato com o produtor. Porque uma coisa é a Nestlé fazer o trabalho do 4C com o produtor, mas o produtor direto com a Nestlé, o produtor fica meio perdido. Então, na verdade, esse meio, esse contato do produtor, o produtor gosta muito de ouvir assim: “Silvano, mas como é esse negócio”. Então chamar você aqui e falar que o negócio é bom, que não tem volta, o caminho agora é esse, ou você está no 4C, ou você, de certa forma, não é que você não vá mais vender café, você não vá ter mais o comércio, mas você não está engajado no que hoje o mercado quer, que é voltado pra sustentabilidade. E é o que lá no exterior já está, aqui também. Eu to mostrando isso para o produtor. Você sinta-se privilegiado, que você vai fazer parte de um programa novo no Brasil, e de uma Nestlé que ela não está indo de encontro com outra empresa, ela quer o contato com vocês. Eu sou um mero interlocutor. A Custódio Forzza, que você vai vender o café com a gente, a gente vai vender pra Nestlé, mas é você com a Nestlé. Sinta-se privilegiado. Num primeiro momento, o produtor fica meio assim: “Ah, mas esse negócio de certificação não é comigo, não. Esse negócio, depois eles vão me multar, eu não vou ter dinheiro pra gastar”. Eu falei: “Não. Não é bem assim. Nós vamos ter alguns treinamentos e vocês vão ver o que é, mas não precisam se preocupar, é muito simples. Porque vocês já fazem. Vocês já estão engajados nisso. Vocês vão ter uma adequação”. Aí eu falava com cada um essa questão de bloco de produtor, de reserva. “Ah, funcionário, como...” “Não, pelo amor de Deus, se eu não tiver tudo com carteira assinada, eles me multam.” Então, pronto. Bloco de produtor: “Não, eu tenho os...” “Então pronto. Reserva?” “Também tenho” “Os adubos, tudo?” “Não, está lá numa casinha” “Então a gente tem que ir lá ver como está”. Porque não pode ter assim misturado, você usar produto vencido, reutilizar embalagem, coisa que na realidade às vezes o produtor, sem saber, acaba fazendo. Então eu falei: “Isso vocês vão ter esse acompanhamento”. E aí começamos a fazer a primeira turma. Fizemos a primeira e deu certo. Tivemos auditoria, veio um pessoal de fora, até a primeira auditada foi do Eduardo Bortolini, eles estiveram lá na primeira e na segunda auditoria. Os primeiros cafés negociados 4C que a Nestlé fez, acho que o maior volume de 4C pra Nescafé Plan foi negociado pela Custódio Forzza. Acho que o grupo nosso acabou dando volume maior assim de café e com a qualidade que a Nestlé estava precisando.

P/1 – E desse primeiro grupo de produtores, você teve um retorno... Eles tiveram essa resistência inicial que você falou, natural, porque é alguma coisa de compreender o projeto.

R – Sim.

P/1 – E depois que terminou esse primeiro grupo, você teve algum retorno deles dessa participação, se eles acharam que valeu a pena? Como foi?

R – Não, todos eles, todos eles continuam, eles são 4C. Todos eles já tiveram um retorno financeiro, que é a primeira coisa que o produtor de café aqui quer saber, o ganho dele. “O que eu vou ganhar?” É um projeto que está começando, mas é pra melhoria. E vai ser uma melhoria financeira e talvez até de outros setores, que vai ser bom pra você. Primeiro ponto, que todo café que era cadastrado, fez parte do 4C, passou pela auditoria, que eles fazem uma estimativa, e passou, e você foi cadastrado, o café que ele me vendeu, que a Custódio Forzza vendeu pra Nestlé 4C, a partir do momento que ele me vendeu, ele recebeu, depois do preço combinado, mais três reais por saca, que é muita coisa hoje. Fora disso, a Nestlé já bancou para os produtores, o ano passado, um valor em mudas de café. Só pra você ter uma ideia, o ano passado, se o milheiro, cada mil mudas, você pagava 400 reais, a Nestlé pagou 125 reais o milheiro. Poxa, deu uma senhora ajuda para o produtor, principalmente para os cadastrados. Existe hoje também já em fase de estudo, fazer a análise de água potável. Ninguém hoje na roça, a pessoa não tem. Bancado pelo projeto. Treinamentos que terão futuro, às vezes pra aplicar herbicida, algum curso de tratorista, já está se trabalhando disso aí para os produtores serem bancados pelo projeto. Então, de certa forma, todo produtor sabe que as vantagens não são só os três reais. Tem os três reais, mais algumas coisas que estão se agregando valor.

P/1 – Você acha que vai gerando um produto de mais qualidade, mais competitivo?

R – Sim. Sim. O que acontece? Ele sabe que pra vender esse café, pra ser o 4C, ele tem a sua qualidade. O que exige essa qualidade? É um café maduro, tem que colhê-lo mais maduro, a umidade dele tem que ser o padrão Nestlé, que é 12, então ele tem que entregar o café mais seco aqui. Então ele, automaticamente, tem que melhorar a qualidade do café. Senão ele é um 4C, mas que não é 4C, porque se ele me vender e o café dele estiver ruim, eu não vou poder utilizar para a Nestlé no 4C e muito menos pagar, ter as vantagens que ele tem. O que acontece? Pelo fato de o ano retrasado, quando começou, os cafés já enquadrarem e ser

vendido um volume, depois nós tivemos a segunda turma, hoje os produtores que não são 4C querem saber: “Silvano, quando você vão cadastrar? Eu quero fazer parte”. Eu tenho folhas de produtores que já deixaram os dados aqui pra poder fazer parte do projeto. E nós vamos cadastrar.

P/1 – Você faz parte do cadastramento? Você ajuda nessa...

R – Eu indico. Então a Nestlé precisa assim: “Ah, vocês vão cadastrar de novo”. Igual agora, nós vamos ter uma auditoria no final de junho, desse mês, eu já tenho uma relação de produtores com X saca de café que vai passar por essa auditoria. E já tenho outra lista que queria estar nessa. Eu falei: “Calma, que vai ser esse cadastro”. Porque também a gente não pode falar assim: “Ah, eu não vou pegar uma lista de produtores, X produtores com tantas sacas, entregar na mão da Nestlé, que nós estamos cadastrando”. Não, porque o trabalho nosso, da Custódio Forzza, o que eu to levando pra Nestlé, tenho que levar alguma coisa que eu tenho conhecimento. Não é simplesmente eu tirar uma relação e dar de produtores e o produtor lá nem saber o que está se passando. Não. Todos os produtores cadastrados pela Custódio Forzza sabem que estão no projeto, sabem da responsabilidade, sabem o que é o projeto e o que ele vislumbra. Eu sempre falo para o produtor: “Você já ouviu falar a palavra ‘sustentabilidade’?”. É essa a sustentabilidade. Nós vamos cuidar de um todo. Então as empresas que estão voltadas pra isso querem o envolvimento de vocês. Já constituiu na cabeça da maioria dos produtores que participam que esse é o caminho e que os vizinhos dele estão querendo entrar. Então a cada ano eu falo: “Não tem volta”. E a cada ano esse leque vai ficar maior. Cada vez maior. A gente participa, tanto é que a Nestlé tem dois agrônomos trabalhando na região, dando essa assistência... (breve interrupção). Dos produtores, que eu to te falando, eles já têm na cabeça deles. Só pra você ter ideia, ontem eu fui pra Marilândia, Marilândia nós estamos cadastrando agora pra essa nova turma, tem um, dois, três, quatro, são seis produtores lá que já vão fazer parte, já vão ser auditados e já vão fazer parte dessa turma que vai ser cadastrada agora. Mas existe já um produtor que faz parte. Ontem eu estava lá, o Jeder, amigo meu, que foi sócio comigo, tem produção de café: “Silvano, você não vai cadastrar a gente, não?”. Eu falei: “Calma, que na próxima eu vou cadastrar vocês”. Então hoje eu já tenha uma lista, praticamente, de espera pra entrar de aproximadamente cem produtores, no mínimo. E são cem produtores de diversas localidades que são produtores cuidadosos. É aquele produtor que eu tenho certeza que seu colocá-lo, que eu se eu ligar pra ele, falar que tem um treinamento, como a coisa funciona, ele vai seguir. Se ele não conseguir, ele vai dar os pulos dele de tentar se enquadrar. O bom é isso, é a cabeça de cada produtor. Porque você não pode pegar num todo, porque cada cabeça tem uma sentença. Mas a gente já vem sentindo que as pessoas estão cada vez mais voltadas. Porque, na realidade, tudo que você vê hoje, se fala. Não só no café. Sustentabilidade, sustentabilidade, cuidar do meio ambiente, as pessoas estão voltadas pra isso aí. Então nós não tivemos dificuldade. E eu acredito que... Eu falo com os meninos da Nestlé, o Douglas, o Pedro, não tem dificuldade. Vocês podem ter certeza que a tendência é só aumentar e muito, desde o produtor. E aqui eu fiz o seguinte, eu peguei desde aquele produtor que colhe cem sacas ou 200, pra aquela família que colhe 30 mil sacas, 80 mil sacas, cem mil sacas. Sem distinção. Falando a mesma linguagem pra cada um. Se tiver que sentar: “Olha, tem que ajeitar isso, tem que ajeitar aquilo. O projeto precisa disso, do envolvimento de vocês”, e as pessoas entenderem. Eu falo que já é um sucesso. A gente tem algumas multinacionais que estão instaladas aqui no Norte, que não têm um 4C, e assim, estão querendo cadastrar os produtores, mas eu sou testemunha que esses produtores às vezes me ligam, falam: “Silvano, olha, a empresa tal me procurou pra cadastrar, mas vocês estão...” “Não, pode ficar tranquilo que eu vou cadastrar vocês”. “Ah, eles pegaram meus dados aqui, mas eu quero é com vocês.” “Não tem problema.” “Ah, eu já sou 4C, mas da unidade lá de Águia Branca. Mas e se eu vender café pra vocês?” “Não tem problema. O 4C é um registro só. Você sendo cadastrado lá por Águia Branca, ou por Jaguaré, mas se você me vender café e você fazendo parte, é a mesma coisa, o importante é você saber o que você está participando e as suas obrigações. Sendo disso aí, se vender café e a gente vender 4C, vocês vão ter os benefícios. Mas vocês têm que saber que vocês já começaram. No princípio, vocês já estão no... Quantos vão querer daqui pra frente? E talvez não vão ter oportunidade, não.” Num primeiro momento, ele falou: “Não, não vai dar”. E hoje é. Quem está no programa, está feliz da vida, já sabe que não é aquela coisa... Porque a primeira coisa o cara pensa assim: “Eu vou entrar, mas também se o café valer 200, eu vou receber 300”. Não, eles já sabem que não é assim. E já sabem que o caminho vai ser esse, que vai chegar um ponto lá na frente, daqui a dois, três anos, ou cinco anos, não sei, se é 4C, vai ter mercado, se não for 4C, vai ter que buscar outro mercado. Pode ser que nós vamos estar aqui com o armazém trabalhando, vendendo café para a Nestlé no mercado interno, um café de 200 reais, e pra aquele que é 4C talvez seja os 300 reais. E aí? “Pô, eu podia ter entrado, eu não entrei.”

P/1 – Claro.

R – “Mas você foi convidado”.

P/1 – E, Silvano, queria entender assim, pra vocês... Ficou bem claro na sua fala qual o benefício que isso traz para o produtor rural, de imediato e mais ainda a longo prazo, a médio e longo prazo. E pra vocês aqui, por exemplo, na Custódio Forzza?

R – Pra Custódio Forzza, lógico que existe também nesse ganho financeiro, a empresa também tem um percentual financeiro, lógico, mas o que eu falo que agregou muito mais valor é o fato de estar trabalhando com uma Custódio Forzza, ela é uma grande exportadora, uma grande empresa, em contrapartida, com uma parceria com a Nestlé, que é uma gigante, eu acho que é a maior na área de alimento. E você ter esse contato e o produtor saber que ele está vindo a mim e eu to colocando-o ligado com a Nestlé, olha a credibilidade que está passando. A Custódio Forzza está indo de encontro com o produtor e o produtor virando um parceiro da Custódio Forzza junto com a Nestlé. Esse ganho, essa credibilidade, isso não tem preço. Isso não tem preço. O produtor, ele se sente hoje assim, valorizado. E a empresa mais ainda. O ano passado mesmo, como o projeto deu certo, eu to bem envolvido nisso, por quê? Tem a filial aqui, tem a filial em Colatina, a maioria dos produtores cadastrados está aqui. Então eles falam: “Silvano, olha, você fica direcionado junto com o gerente lá de Colatina, mas tudo que precisar, a empresa tem interesse, sim, desde que ela entrou, é não sair, e cada vez aumentar mais”. Então eu to aumentando o leque aqui, o nosso gerente lá em Colatina junto comigo também tem a lista dele de produtores esperando pra fazer parte. Então a Custódio Forzza se pudesse, é porque a Nestlé não vai fazer, mas ela queria ser fornecedora 100% do Nescafé Plan. Lógico que ela não vai deixar a Custódio Forzza ser 100% do Nescafé Plan, por quê? Tem outros fornecedores dela, que vai abrir um leque pra ela. Mas eu falo com o pessoal, o Pedro Malta que está aqui responsável em Vitória, cuidando do projeto, e os agrônomos: “Olha, se os outros não fizerem direitinho, eu vou trazer os produtores pra cá, que a nossa intenção é cada vez vender mais”.

P/1 – Claro.

R – Porque você agrega, é bom pra empresa. Mas o nome é muito forte. A relação é muito forte. Quando você fala da Nestlé... Não é porque a gente está vendendo, mas é um diferencial. Multinacionais instaladas aqui no Norte, que têm o 4C, eles querem vender pra Nestlé. Mas eu sei que a Nestlé ainda não está comprando deles, por quê? A Nestlé quer fazer um trabalho no produtor, então é bem melhor ela ir de encontro ao produtor, ela dar os benefícios ao produtor em vez de comprar numa empresa que ela não sabe. Lógico, ela vai comprar 4C, mas será que ela sabe qual o trabalho que aquela empresa tem com o produtor? O nosso, eu diria pra você que ela sabe. Porque quando eles pedem a gente: “Silvano, como está? Tem os treinamentos, vamos participar”. Vamos ligar para o produtor, o produtor vem. O que não vem, ele se explica, ele fala que não pôde vir. Mas se tiver como ir lá, pode ir lá. Então o produtor se mostra muito receptivo, ele quer participar. A empresa então, hoje se falar assim: “Não, a Custódia Forzza vai ficar fora do 4C”, seria uma decepção muito grande. De certa forma, atingiria se eu falasse: “Não, eu não quero mais mexer com isso”. Pode ser que eles falem assim: “Ah, você não quer? Então se você não quer, nós vamos botar algum da empresa que queira, mas a empresa continua”. E ela vai continuar sempre fazendo parte. Na verdade, ela queria era vender 100%. Se hoje ela compra 200, 300 mil sacas de Nescafé Plan, a maioria, com certeza, a gente está vendendo. Lógico que se ela passar a comprar 500 ou um milhão, a Custódio Forzza ia querer fornecer um milhão. Lógico que talvez ela não vá fazer por uma questão até de sustentabilidade, não vai dar exclusividade pra gente.

P/1 – Favorecer mais.

R – Isso aí, vai favorecer mais. E tudo que os outros precisam, os outros, a gente também está pra ajudar, entendeu? Está pra ajudar, porque a gente sabe que (inaudível).

P/1 – Só pra pensar nessa coisa de nomenclatura assim, vocês se denominam comercializador, é isso? O que é a Custódio Forzza?

R – A Custódio Forzza é comércio e exportação.

P/1 – Tá.

R – Ela compra café, tanto para o mercado interno, como para o mercado externo, entendeu?

P/1 – Mas o negócio assim, é mais em termos... Eu entendi bem qual é o trabalho de vocês, mas assim, em termos de nomenclatura é um comércio de...

R – Comércio de café.

P/1 – De café. Tá.

R – É compra de café. Como os outros parceiros da Nestlé também, a mesma coisa. A gente compra café do produtor, que você viu ali, a gente compra e vende pra Nestlé, vende pra outras multinacionais, vende para o mercado externo. Essa questão do 4C já é um mercado diferenciado. Não é só o comprar, é o comprar diferenciado. É daquele produtor que tem todas as responsabilidades que se exige essa certificação. É isso que está sendo passado? É. O produtor está fazendo, porque se vier a auditoria, o auditor vai lá... Não adianta eu falar que o cara... Não, eles vão lá pra conferir. E quando ele confere um, dois ou três, os outros todos sabem que ele pode ser sorteado a qualquer momento, então ele tem que seguir essa linha. E é uma linha hoje fácil, porque é o que se exige hoje na legislação. Ou você está legal, ou você está fora do mercado, então é muito fácil isso aí.

P/1 – Tá certo.

R – Então encaixa melhor para o produtor. O produtor não tem dificuldade, não, basta ele querer também.

P/1 – Claro.

R – Eu tenho casos aqui de produtor que eu tenho certeza que ele é 4C disparado, mas não quis fazer parte: “Não, não, me deixa mais pra frente” “Mas por quê?” “Não, não, não, agora não”. Produtor que colhe café de excepcional qualidade, tem os cuidados, eu sei que ele não trabalha... É tudo certinho, com funcionário registrado, ou contrato na época de colheita, mas tem certo medo. Qual o medo? “Ah, mas será que isso depois eles não vão me autuar, ou exigir que eu vou gastar dinheiro.” Porque produtor quando fala de gastar dinheiro, ele pensa no custo dele, e se agregar mais custo, aí Deus me livre, ele quer sair fora. Então isso aí existe uma dificuldade. Mas eu tenho certeza que a partir desse ano, que nós vamos cadastrar mais, não vai mais um ano, ele vai querer: “Silvano, agora eu quero participar”. E lógico que nós vamos pegá-lo, porque ele é um bom produtor.

P/1 – Claro.

R – Mas existe essa barreira. Nem todos também que eu to chamando o cara vem. Eu tenho um produtor em Marilândia que ele poderia... Já está sendo beneficiado há dois anos, agora que ele está cadastrado.

P/1 – Porque acho que é um processo.

R – É um processo. Lógico.

P/1 – Eles vão entendendo. É um processo mesmo.

R – Vendo. E hoje eu também não discrimino, não, porque o camarada não sabe onde ele está entrando.

P/1 – Claro.

R – Então tem que ter as cobaias. As cobaias que entraram, que não são cobaias, que foram pessoas que tiveram benefícios e estão superempolgadas, e não querem sair do programa, que vão trazer os outros.

P/1 – Tá certo.

R – E eu sempre coloco muito assim, se você tiver alguma dúvida, conversa com o seu vizinho ou com o produtor fulano de tal que você conhece e ele vai te dizer. Não precisa nem vir em mim, não. Entendeu?

P/1 – Tá certo.

R – Essa parceria, eu acho que em mais cinco anos o volume vai ser muito grande. E vai atingir todas as comunidades. Todas as comunidades. A Custódio Forzza hoje tem um projeto com o Centro de Comércio de Café e com alguns importadores, de sala de inclusão digital. Nós já temos hoje, bancado pela Custódio Forzza, em Colatina uma sala, em Marilândia tem uma sala, aqui em Linhares também. O que é essa sala? Doa pra um colégio dez computadores com monitor, com monitor grande, com ar-condicionado, com um programa da Microsoft junto com o Palácio do Café, com o Centro de Comércio. A gente doa todo o material, com mesa, cadeira, para as escolas, pra toda a comunidade fazer parte. Existe hoje aquela coisa assim, de se pensar no futuro, talvez com a Nestlé numa inclusão digital.

P/1 – Claro.

R – Que você pega essas comunidades no interior, que talvez tenham internet, mas não têm uma coisa, um programa, um acompanhamento. E é um programa muito interessante. Esse é um programa muito interessante. Talvez a gente vá tentar desenvolver. Você só tem vantagens com isso. Você só ganha.

P/1 – Claro.

R – Quando você leva uma coisa dessas pra uma comunidade no interior, igual aqui, eu não posso falar pra você que eu conheço todos os produtores do norte do Espírito Santo, um por um, mas de todos os municípios, quase, alguns eu conheço. E a pessoa gosta muito de ligar pra mim. Então às vezes mesmo se eu passar para os meninos ali, um ou outro, eles querem ouvir a minha voz: “Silvano, como está o preço, tal?” “Não, vem aqui, traz amostra, eu levo ali, mostro o café, o seu café é bom”. Ele gosta muito disso. Quando você leva uma coisa dessas numa inclusão digital, alguma coisa, você valoriza uma comunidade, um município, aí o seu nome, você, a sua empresa, tudo, tudo fica melhor, fica mais fácil. E vem de encontro a você. Isso na verdade é assim, se você for com bem, você só tem bem, se você for com mal, depois você não vá reclamar.

P/1 – Claro. Claro.

R – Mas esse contato é muito bom. Quando você faz alguma coisa dessa inclusão, nós fizemos em Marilândia e essa que inaugurou aqui agora, você só tem benefício. Produtor que você talvez... O cara não vende pra você, ou te procura, mas ele vai acabar te procurando.

P/1 – É, você cria um vínculo.

R – Cria um vínculo.

P/1 – Cria uma relação.

R – Uma responsabilidade.

P/1 – Uma relação.

R – Você tem quase uma responsabilidade social, vai trazer benefício pra comunidade e ela vai de encontro a você.

P/1 – E pra vocês também. É uma coisa de duas mãos.

R – Lógico. Em contrapartida, sim.

P/1 – Tá certo.

R – Com certeza. Com certeza.

P/1 – Tá certo. Eu vou encaminhar para as duas perguntas finais então. E a primeira delas é: quais são seus sonhos hoje?

R – Olha, o homem tem que sonhar, a gente sempre vive de sonho. Eu acho que não posso pedir muita coisa mais, não. Toda a história que eu te falei, principalmente esse tropeço que você tem na vida, você cai, você levanta. Tem uma frase assim: “Do seu erro, você tem que tirar o seu acerto”, não pode cair de novo, mas às vezes acontece mais que uma vez. Mas você tem que ter força, se reerguer. Tudo que aconteceu comigo até hoje, e só... Graças a Deus numa família muito boa e o fato de eu me tornar pai, a medicina falava que não, a medicina falava que não, a sociedade cobra, mas papai do céu, Nossa Senhora falou: “Não, você vai ser pai”. Hoje eu não posso pedir. Eu não posso pedir mais nada. Não posso. Só tenho a agradecer. Mas é lógico que a gente sempre busca o melhor. Graças a Deus, na empresa que eu trabalho, eu faço o que gosto, eu gosto do que eu faço. Muito. Eu gosto de mexer com café, o contato comercial, mas mais ainda de você trabalhar com produtos. Gosto demais do que eu faço. O pessoal que trabalha comigo, tudo. Não sei, amanhã ou depois você ter uma oportunidade talvez em outra empresa, alguma coisa, mas hoje eu to assim, to satisfeito, não preciso pedir mais nada.

P/1 – Tá certo.

R – Do jeito que tá... “Ah, mas eu quero ganhar milhões.” Não.

P/1 – Está bem.

R – To bem, graças a Deus.

P/1 – Tá certo.

R – To satisfeito.

P/1 – E, por fim, como foi contar a sua história? Como foi dar o depoimento pra gente?

R – Eu só tenho a agradecer mais uma vez, porque eu imaginava que um dia eu poderia talvez falar alguma... Pensava em contar assim, não digo desde a infância e tudo, mas poder passar pra alguém um pouco do que aconteceu comigo. Jamais imaginei que fosse acontecer assim de uma hora pra outra, num momento de um programa de uma Nestlé, que eu to envolvido, e poder contar a minha vida. Então eu só tenho a agradecer, porque me fez relembrar muitas coisas. E quando a gente relembra essas coisas, faz a gente pensar no amanhã e saber assim: “Olha, lá atrás você teve um problema, teve outro, você passou por isso, aquilo, não deixa acontecer de novo”. Valorize o que deu errado pra não acontecer de novo. E o que está dando certo, você mantém certo. E caminhar no sentido reto. Claro que eu peço a Deus todos os dias o discernimento, pra ele ensinar os caminhos pra gente trilhar, porque se não estiver com ele, a gente não vai pra lugar nenhum, não.

P/1 – Tá certo.

R – E é só uma forma de agradecer. Obrigado por eu poder contar um pouco da minha história.

P/1 – É a gente que agradece, na verdade. Muito obrigada.

R – Obrigado.

P/1 – A gente está encerrando. Obrigada mesmo, assim, por tudo, pela sua generosidade, pela sua disponibilidade. Que a gente sabe que não é pouco tempo e precisa ser generoso também pra dividir a própria história.

R – Eu que agradeço.

P/1 – Obrigada.

R – Se precisar de alguma coisa, com certeza, dentro do projeto, tudo, o que tiver, a gente vai estar sempre à disposição.

P/1 – Depois a gente te envia um DVD.

R – Eu sempre falo para o pessoal da Custódio Forzza o seguinte: se precisar, a gente está aqui pra ajudar, não pra atrapalhar.

FINAL DA ENTREVISTA