Museu da Pessoa

A voz para o mundo

autoria: Museu da Pessoa personagem: João Carlos Amaral

Entrevista de João Carlos Amaral
Entrevistado por: Lila schnaider e Tânia Maria Ziglio
Projeto Barra Bonita
Realização Museu da Pessoa
Entrevista número PCSH_HV 1147
16/11/21

00:00:11
P/1 - Bom dia, tudo bom João Carlos?
R - Bom dia, tudo bom.

00:00:19
P/1 - Você por favor poderia começar falando teu nome completo, local e data de nascimento?
R - Meu nome é João Carlos Amaral, nasci em Ribeirópolis no estado de Sergipe.

00:00:37
P/1 - Quando?
R - 23/02/1971.

00:00:48
P/1 - E qual o nome dos seus pais?
R - O nome dos meus pais é João do Amaral e Neuza Santos Amaral.

00:01:01
P/1 - E o que seus pais faziam?
R - Os meus pais eram lavradores, trabalhavam na roça.

00:01:12
P/1 - Ah, e os dois, pai e mãe?
R - Pai e mãe os dois.

00:01:16
P/1 - E o que você se lembra dessa época?
R - Eu me lembro dessa época muita coisa da infância, eu ajudando meus pais, mesmo quando era criança de 07 para 08 anos, eu tenho muitas lembranças.

00:01:44
P/1 - E você sabe qual a origem da família, da sua família?
R - Sim, a minha família é italiano com bugre.

00:02:03
P/1 -Pai e mãe?
R - A mãe do meu pai era bugre, o meu avô, o pai do meu pai, italiano. A minha mãe eu não sei dizer para ser sincero.

00:02:27
P/1 - E eles contavam histórias na tua infância?
R - Sim, eles contavam muitas histórias, histórias de lá, que acontecia lá, enfim, na época da caatinga, Lampião, aquelas história que todo mundo conhece.

00:02:48
P/1 - Que história mais te marcou?
R - A história que mais me marcou, a história dos ciganos que passavam nas casas, pediam água e roubava, roubava as galinhas, roubava os nossos pertences. Então toda vez que passava o povo cigano, aquele monte de cigano, a minha mãe falava assim, “fecha as portas e entra dentro de casa e faz de conta que não tem ninguém”, para não atendê-los.

00:03:23
P/1 - O que mais? Lembra de mais alguma história de infância?
R - Lembro sim, lembro que eu ajudava os meus pais no carro de boi, tinha uma casa de farinha, que a gente fazia farinha, eu estava sempre ali junto, histórias que apareciam na casa de farinha, lobisomens, saci pererê, coisa e tal, não sei se era verdade, mas a gente ouvia.

00:03:52
P/1 - Você não chegou a ver nenhuma vez?
R - Vou ser sincero, algumas noites, naquela época a gente morava no sítio, não tinha luz, era lampião e lamparina e a noite a gente via que alguém batia nas janelas, batia em uma, batia na outra, aí a minha mãe falava assim, “é o saci pererê, vamos colocar nas portas” fazia uma cruz com fumo, aí ele sumiu, isso eu me lembro.

00:04:27
P/1 - Onde era o sítio?
R - Era em um povoado de Ribeirópolis chamado Malhada. Era uma área que não tinha iluminação nenhuma, era coisa de quinze quilômetros sem luz, sem nada.

00:04:54
P/1 - E o que mais? De histórias da escuridão?
R - Da escuridão, dava seis, sete horas da noite a gente não podia sair mais de casa por conta que os meus pais, os meus avós falavam assim, “se sair tem lobisomem”, e tinha uma coisa que marcou bastante era as chamadas procissões.Tinha uma época do ano que eu não me lembro quando, o pessoal saia em reza, aquele monte de gente com velas, rezando, manto branco, a gente ia junto só que eu não me lembro o que era.

00:05:36
P/1 - A tua família era muito religiosa?
R - Sim. Todos católicos.

00:05:46
P/1 - E você também, você seguia, ia para a igreja?
R - Sim, na época a gente ia para a igreja, a gente guardava muitas datas assim, São Pedro, São João guardava, o povo nordestino é muito ligado a isso, das crenças antigas, aos ensinamentos antigos de ir na igreja, rezar, Nossa Senhora Aparecida, fazer aquela procissão, aquele monte de gente, eu me recordo disso.

00:06:24
P/1 - E você morou em Ribeirópolis até que idade?
R - Eu morei em Ribeirópolis no povoado, Ribeirópolis era a cidade, povoado que chamava Malhada, eu morei até os meus 06 anos de idade.

00:06:51
P/1 - E você frequentava a escola?
R - Sim, frequentava a escola, a minha primeira professora a gente tem um contato até hoje, é viva ainda, ela chama Paixão, eu tenho muitas lembranças na escola, eu era muito espoleta, pulava muro, não seguia regras. Até hoje ela me fala, “nossa, você era, hein? Você melhorou muito, hein? Quem diria”?

00:07:23
P/1 - E o que que você lembra dela assim? Alguma história específica?
R - Eu lembro dela, ela me colocando de castigo, castigando atrás da porta, joelho no milho e fica lá, fica uma hora olhando na porta para trás, não olha para frente, eu era castigado, porque eu era espoleta mesmo.

00:07:48
P/1 - O que mais você costumava fazer para receber esses castigos?
R - Eu batia nas outras crianças, eu era muito briguento por isso que me dava castigo.

00:08:09
P/1 - Teve alguma vez dessas brigas, alguma vez que você se lembra bem o que aconteceu?
R - Me lembro. Uma das brigas que eu tive com um aluno de sala de aula foi por conta de passarinho, a gente tinha gaiolas, a gente caçava na época, e era uma briga. Por exemplo, tinha um passarinho lá cantando, que cantava demais. A gente corria para pegar. E o garoto pegou e eu tomei dele. Eu tomei dele e falei, não, esse é meu, como se eu fosse o dono, esse é meu, aí ele falava assim para mim, “mas fui eu que peguei”, não importa, você pegou para mim e pronto. Aí na escola começou a falar e eu bati nele.

00:08:58
P/1 - Então você botava medo nos outros?
R - Exatamente, eu era o, vamos dizer assim, o manda-chuva da sala de aula, o briguento.

00:09:14
P/1 - Depois de Ribeirópolis você foi para onde?
R - Olha, depois de Ribeirópolis foi assim, o meu pai veio para São Paulo para Barra Bonita em 76. Meu pai veio sozinho para ter a vida e nós ficamos lá. Nós éramos em 05 irmãos, tudo pequenininho, o mais velho eu, e meu pai veio, aí eu sofri um acidente lá em 76 quando meu pai veio, a minha mãe entrou em contato com meu pai, meu pai voltou para me socorrer e como ela não tinha muito recurso do acidente que eu tive, nós viemos para Barra nessa época no final de 76.

00:10:08
P/1 - E conta um pouco, que acidente foi esse? O que aconteceu?
R - Então o acidente é uma coisa que a gente, eu fico assim inibido em falar que é uma coisa que mexe com o passado, mas eu vou falar. Eu sofri uma lesão em um dos olhos, sofri uma lesão em um dos olhos e lá não tinha recurso, a lesão foi com arame farpado, machucou o olho e nós viemos para Barra Bonita em busca de recursos.

00:10:46
P/1 - O que foi? Conta como aconteceu, o que aconteceu?
R - A minha mãe estava fazendo uma alça para uma flor. Ela plantou. Eu me lembro disso com detalhes apesar da idade, mas eu lembro, marcou. Ela estava plantando uma flor e ela cortou um pedaço do arame e um pedaço ficou no chão dobrado e eu fui tentar desdobrar ele. Peguei aqui assim, puxei, escapou, bateu no olho.

00:11:28
P/1 - Nesse momento o que é que você fez? Qual foi a primeira atitude?
R - Eu me lembro, folha de mamona. Peguei uma folha de mamona tampei o olho e corri lá falar para ela que eu tinha machucado o olho, meu avô na época que era fazendeiro, tinha posses, pegou o jipe, eu me lembro com detalhes isso, pegou um Jeep e levou eu lá para a cidade mais próxima, que era Ribeirópolis. Depois eu não lembro de mais nada naquele dia.

00:12:02
P/1 - Você ficou uns dias para se recuperar, teve que ficar no hospital, como foi?
R - Eu fiquei uns dias no hospital da cidade e aí logo depois eu lembro que eu passei por uma junta médica e lá não tinha recurso meu pai falou, “vamos para São Paulo que lá tem”, chegamos aqui, um monte de irmãos, daquele jeito, viemos tentar a sorte, chegamos aqui em Barra Bonita tivemos apoio de pessoas ligada a política que me ajudaram.

00:12:42
P/1 - Você ficou com sequelas?
R - Eu tive catarata depois dessa lesão, eu ia na escola e eu só fui descobrir que eu tinha baixa visão na escola depois de muito tempo, porque o professor percebeu que de um lado eu tinha baixa visão e aí foram passando os anos e teve sequela sim após.

00:13:12
P/1 - Você tem vista parcial, visão facial?
R - Hoje eu sou visão monocular, eu não tenho, eu uso uma prótese de silicone onde era o olho. Eu retirei em 2005, se eu chorar você me desculpa, que mexe muito.

00:13:40
P/1 - Quando você chegou em Barra Bonita, como foi esse início de vida?
R - Foi difícil, não foi fácil não. A minha mãe lavava roupa em um circo e eu vendia as coisas no circo, doce, bala. Eu era o mais velho e eu tinha que ajudar meus pais, foi difícil.

00:14:07
P/1 - Em um circo você falou?
R - No circo. Tinha um circo aqui na cidade e a minha mãe lavava roupa para o circo, e ela me colocava nas arquibancadas durante o show, o espetáculo e eu vendia bala, chiclete, pipoca, tinha 06 para 07 anos.

00:14:33
P/1 - E você se lembra dos espetáculos que você assistia?
R - Me lembro só do macaco, o macaco que eu ia lá na jaula todos os dias, até era manso demais, eu me lembro. Era muito bom. Foi uma época boa de ouro. Apesar das dificuldades.

00:14:55
P/1 - E lembra do macaco?
R - É o macaco chamava Chico e eu ia lá todos os dias alimentar o Chico antes de sair vendendo, era uma época legal, boa, eu me lembro do Chico, me lembro dos palhaços. Muito bom.

00:15:20
P/1 - Você vivia um pouco essa vida do circo? Conta um pouquinho mais dessa fase.
R - Sim, eu vivi bastante essa vida do circo, eu via os espetáculos, eu tinha vontade de participar até de ser alguém da área do circo, eu via o cara falar, o locutor falar, respeitável público e aquela coisa toda e eu tinha vontade. Eu falava assim, um dia eu vou fazer parte disso.

00:15:56
P/1 - E nunca fez?
R - Não, nunca fiz, dessa parte não. Não tinha jeito para coisa.

00:16:07
P/1 - E aí como foi, conta mais depois do início de vida, da escola, dessa idade. Que idade você estava quando você chegou em Barra Bonita?
R - De 06 para 07 anos, nós chegamos no final de ano que eu me lembro das festas natalinas ainda, que era maravilhosa, final de 76. Nós chegamos, a minha mãe colocou eu e os meus irmãos na Casa da Criança que ela não tinha como ficar junto com a gente, não teria como cuidar, era tudo pequeno. Então, eu fui criado na Casa da Criança. Eu e os meus irmãos.

00:16:50
P/1 - Era um lugar que você passava o dia? Como que era?
R - Era um lugar que eu passava o dia, eu chorava muito, muito. Eu chegava era assim, ó, eu tomava banho em casa para não tomar lá, quando chegava lá, eu já tomei banho. Tem que tomar de novo. Tomava banho e passava o dia inteiro lá. De manhã eu me lembro que a gente ficava em uma sala de aula estudando, depois à tarde saía para brincar, tinha um horário da tarde que a gente tinha que dormir, era forçado dormir, fechar os olhos se não a vara comia, a professora batia de vara e eu chorava o dia inteiro. Ficava o dia inteiro, ficava até às 05 horas. Minha mãe indo depois ia lá buscar a gente. Acho que eu fiquei uns 02 anos na Casa da Criança, uns 02 anos, mais ou menos.

00:17:50
P/1 - Mas era um lugar que se estudava também, tinha aula?
R - Tinha aula, eles ensinavam a gente fazer conta, eu me recordo, brincar.

00:18:09
P/1 - E depois da Casa da Criança?
R - Depois da casa da criança eu já com a idade acho que para 08, 09 anos, eu fui para o SESI, para a escola do SESI no primeiro ano.

00:18:26
P/1 - E como foi essa fase do SESI, o que você se lembra?
R - A fase do SESI eu me lembro de bastante coisa, eu sou uma pessoa que guardo muita coisa na memória. Eu me lembro do pipoqueiro na entrada, do carrinho de doce, que a gente não tinha dinheiro para comprar, a gente ficava ali em volta, sempre um amigo que tinha mais condições, pagava, entrava, a gente barganhava, como eu era brigão ainda eu defendia os colegas, “fulano vai bater em fulano”, não, não vai bater não, a troco disso você me dá um doce,

E na sala de aula também eu ia bem, eu era quietinho, na sala de aula!

00:19:30
P/1 - Conta mais do que você fazia fora da sala de aula?
R - Fora da sala de aula, namorar, se eu encanasse com uma pessoa, aquela ali vai ser a minha namorada, ninguém encostava porque eu era o briguento. Ninguém encostava então, você não vai namorar com ele porque tem eu. Eu era muito assim. E se falasse não, eu na saída já brigava, eu era briguento e quando eu não podia com o aluno a gente fazia a união, se juntava, ficava amigo.

00:20:17
P/1 - E por que você acha que você era assim briguento?
R - Eu não sei, a minha família lá no Nordeste eles já nascem com isso de brigar, afrontar um ao outro, hoje eu não tenho mais isso, mas na minha infância tinha, talvez por ver os meus tios, sei lá.

00:20:49
P/1 - E como que era com teus irmãos?
R- Com os meus irmãos um defendia o outro até hoje. Um defende o outro com unhas e dentes. Se um estiver precisando, mexeu com um, mexeu com todos.

00:21:07
P/1 - E com eles você não era briguento?
R - Não, com eles não. Com eles não.

00:21:14
P/1 - Vocês gostavam de brincar de quê?
R - A gente gostava de brincar de esconde-esconde, queimada, jogo de taco. A gente jogava muito a noite com os vizinhos, juntava todo mundo na rua, quando a gente morava na vila, nadar.

00:21:37
P/1 - Qual é o bairro que vocês moravam?
R - No bairro de Barra Bonita, aqui no Jardim Brasil.

00:21:46
P/1 - Como era o bairro nessa época?
R - Nessa época aí era um bairro de pessoas carentes, pobres, pessoas simples. É um bairro legal. Tinha uma parte que ele chamava de Canelinha que a gente ia sempre nadar, saía da escola e a tarde a gente se divertia, voltava só de noitinha.

00:22:20
P/1 - Ia nada onde?
R - Na Canelinha, era um córrego que tinha e ele formava uma espécie de lagoa, naquele braço do córrego fazia uma lagoa e a gente nadava ali, jogava bola, nadava, boia de caminhão, essas boia de caminhão.

00:22:51
P/1 - E você lembra de alguma história específica que aconteceu aí? Alguma brincadeira, algum dia que te marcou?
R - Me lembro de uma vez que nós fomos nessa Canelinha, nesse braço do córrego e do lado tinha um sitiante, e o sitiante não gostava, porque alguns moleques roubavam ele, eu me lembro que ele deu um tiro em um dos nossos amigos. Ele deu um tiro, o muleque ficou surdo, uma coisa que marcou bastante. Depois daquele dia ninguém foi mais.

00:23:34
P/1 - E aí vocês passaram a ir para onde? Fazer o que na cidade?
R - A gente passou a ir para o rio, em Barra Bonita que é banhada pelo rio Tietê, com luz aí a gente subia de bike, bicicleta com as boias e pulava de cima da ponte, jogava as boias de um lado e do outro lado pulava, era gostoso.

00:24:04
P/1 - A ponte era muito alta?
R - É alta, eu não sei falar altura, mas é alta, é uma ponte muito alta.

00:24:21
P/1 - E e aí você tinha mais ou menos que idade?
R - Eu tinha mais ou menos uns 11 para 12 anos, mais ou menos aí que eu me recordo.

00:24:37
P/1 - E aí veio a adolescência?
R - Na adolescência, adolescência eu entrei na Mirim, Legião Mirim de Barra Bonita, a gente tinha que ir na missa todo domingo, todo carequinha, cabeça raspada, careca, fardado como soldado assim, legionário mirim. E essa instituição arrumava serviço pra gente, empregos, meio período e isso ajudava bastante em casa.

00:25:18
P/1 - Qual foi o teu primeiro serviço?
R - O meu primeiro serviço que eu me recordo foi atrás de um caminhão de lavagem, catando lavagem com balde que eu nem conseguia carregar. Eu entrava nas casas. A gente passava na rua e cada um saía com um balde nas casa. Pegava lavagem para os porcos, às vezes estava muito cheio e eu não conseguia, aí o dono do caminhão descia e ia lá ajudar a gente. O meu primeiro emprego foi como e

00:26:04
P/1 - Era para lavar os porcos das casas lá?
R - Não, é para dar comida para os porcos lavagem, resto de comida. A gente ia nas casas, as pessoas guardavam e a gente passava com um balde, batia palma, vim pegar lavagem.

00:26:18
P/1 - Conta mais dessa dessa fase, dessa época?
R - Depois a gente nessa época fazia todo esse serviço e ia para um sítio do homem, e foi uma pessoa que fez parte da minha educação, vamos dizer assim. Que eu era muito levado e ele me dava muito conselho, ele falava, “ó se você quiser ser alguém na vida esse serviço é digno eu sei que é difícil, mas é um início na frente, você pode ser um doutor, você tem um advogado”, e aquilo eu digo que me ajudou muito. Depois a gente saía dali, a gente ia no sítio dele, ele dava frutas, no final de ano matava um porco, dava uma parte pra gente, ajudava também, além do que ele pagava, era uma época legal.

00:27:17
P/1 - Como era o nome dele?
R - Ele chamava Berto Marcon, a gente falava Marcão, até já faleceu.

00:27:35
P/1 - E o que mais você se lembrava dele?
R - Eu lembro dele que quando chegava no final do ano ele matava sempre um porco, dividia com a gente, chamava todo mundo lá, chamava lá a molecada, “feliz Natal para vocês, leva isso aqui, é uma parte do que a gente conquistou esse ano”. É um agrado, além do que ele nos pagava, então era muito legal isso, ajudava muito em casa.

00:28:18
P/1 - E como se sentia, como se via?
R - Eu vivia como uma pessoa boa, com atitude de uma pessoa que não pensava só nele e sim na gente, que ele não era obrigado a nos dar nada, só pagar e ele fazia sempre esses agrados, levava ovo de galinha às vezes, um frango, ele dava sempre. Quando eu chegava em casa a gente tinha, a gente era já em 05 irmãos e era uma festa com alegria. Passava o Natal já de ouro.

00:29:01
P/1 - Como os teus pais viam isso?
R - Meus pais agradeciam, era época muito difícil, era época que a gente não tinha. A gente teve fase na vida porque a gente passou a depender de outras pessoas, pessoas ajudarem fazer cesta básica para ajudar. Imagina bem, só meu pai trabalhava, eu como mais velho dava uma mão, os outros era tudo pequenininho.

00:29:35
P/1 - Depois você foi crescendo e fala um pouquinho da fase da escola, de quando você era adolescente?
R - Da escola depois do SESI,eu fui estudar em uma escola chamada Gutemberg de Campos, e foi uma fase muito legal. Depois eu passei para uma outra escola chamada, onde era um esforço danado para estudar, eu trabalhava de noite em uma empresa e chegava às 07 horas da manhã para estudar e eu cochilava na carteira. Toda hora minha professora ia lá, oi Amaral, oi João, tudo bem? Está tudo em ordem? Mau ela sabia que eu tinha chegado 07 horas da manhã do serviço. Difícil.

00:30:34
P/1 - E você trabalhava com o quê?
R - Nessa época eu já trabalhava, eu catava bituca, resto de cana, o pessoal corta a cana e fica aqueles pedacinhos, e a gente catava, juntava a noite toda das 06 da tarde até às 06 da manhã, com intervalo às 08 e à meia-noite, a noite toda andando atrás da máquina.

00:31:16
P/1 - Durante muito tempo você fez isso?
R - Eu fiz duas safras, dois anos fazendo isso, pagava-se muito bem, mas era sofrido, frio, chuva.

00:31:32
P/1 - E depois desses dois anos?
R - Depois desses dois anos eu fui trabalhar em uma empresa chamada Ciclotron, indústria de produtos eletrônicos Ciclotron aqui de Barra Bonita, na época era a segunda empresa, com a terceira maior, e foi uma chance que me deram, meu pai foi lá pedir para o dono uma chance e ele me deu e eu fui trabalhar de almoxarife separava as peças para a linha de montagem. Depois eu fui para essa em produtos eletrônicos Ciclotron. Uma empresa de som. Meu pai foi até lá e pediu para o dono uma chance, ele me chamou lá e falou, “seu pai veio aqui, solicitou uma chance que a gente vai dar”. Então, eu trabalhei lá em torno de uns quatro anos separando peça. Eu era almoxarife da área de peças. E foi legal. Depois técnico.

00:32:48
P/1 - Técnico de quê?
R - De montagem então vinha a placa, os componentes e eu soldava os componentes na placa eletro líquido, e os resistores, eu fazia isso e foi legal. E foi uma grande transformação.

00:33:33
P/1 - Você fazia uma coisa totalmente diferente, e como foi essa mudança pra você?
R - Foi legal para mim, foi legal e quando me deram a oportunidade eu já tinha conhecimento com as peças, eu sabia o que era cada peça. Eu fazia um cursinho a distância em uma empresa como montar um rádio, como soldar, quando me deram essa chance e falaram, mas você sabe, eu falei, eu sei, aí fizeram um teste comigo, só que eles não sabiam que eu fazia um cursinho a distância, foi legal, nossa, cara você sabe tudo aqui, cara. Como é que você sabe isso?” Eu contei, fazia o cursinho a distância e vinha a cada quinze dias, e eu soldava em casa, montei um lado sozinho, montei uma rádio, aí me deram a chance e eu fiquei lá bastante tempo, uns quatro anos.

00:34:49
P/1- E depois.
R - Depois disso eu fui trabalhar em uma empresa em Piracicaba de ônibus e eu era agenciador, fiquei um ano de agenciador, ficava na agência, depois eu passei a fiscal de linha, eu era o responsável pelos motoristas e os cobradores. Eu corri a linha de Piracicaba à Barra Bonita.

00:35:20
P/1 - E o que você pensava nessa época? O que você tinha vontade de ser?
R - Eu tinha vontade de ser locutor de rádio, locutor de rádio era paixão, eu já mexia, mexia com som, já montei o rádio lá atrás, desviei um pouquinho, fui lá para empresa Monte Alegre, que era um salário bom, eu fui pelo salário e só que eu tinha vontade de ser locutor de rádio aqui.

00:35:46
P/1 - O que é que era essa empresa? Era de quê?
R - Uma empresa de ônibus, ela transportava pessoas.

00:35:56
P/1 - Mas já nessa época você tinha essa ideia de ser locutor?
R - Já tinha, eu ouvia muito rádio, eu tinha vontade, só que tinha um quê aí que não dava, que eu não me via, eu falava assim, se eu fosse ser locutor de rádio que eu falo, eu não vou conseguir. Eu era gago. Eu tinha gagueira, e meu pai um dia de folga eu estava de folga meu pai nessa época trabalhava de pedreiro eu estava com ele, ajudando ele, aí eu ouvi o locutor falar assim, estamos precisando de um sonoplasta. Eu falei, o que é sonoplasta? Procurei saber, técnico de áudio para rádio, os interessados vir até a portaria da rádio. Ah, eu corri lá. Bom, eu começo como técnico, locutor e que eu não posso ser, pelo menos sou técnico, fiz os testes, me chamaram. Aí eu saí da empresa de Piracicaba e vim para a rádio local de Barra Bonita.



00:37:16
P/1 - E como era o teu trabalho nesse período?
R - O meu trabalho nesse período eu ficava na mesa de som. Então o locutor falava do outro lado eu soltava as músicas.


Você deu a atender os pedidos musicais?
R - Separava os discos, mas sempre focado naquilo que eu queria ser locutor, só que eu tinha uma gagueira psicológica, eu não falava direito, eu não podia ser locutor, mas eu ficava sozinho dentro do estúdio treinando, chegava os textos para o locutor e eu tinha que chamar o locutor. Só que antes de chamar ele, eu gravava, eu fazia uns testes. Vontade de ser.

00:38:20
P/1 - Você ficou quanto tempo como técnico?
R - Como técnico eu fiquei cinco anos, oitenta e nove, não, dois anos e meio, aí surgiu uma chance para fazer fono, para aprender falar na empresa, a empresa deu a chance para quem tinha esse tipo de problema e eu fui, fiz fono dez anos, aprendi a falar de novo. E um belo dia eu gravei uma gravação com o prefixo da rádio, gravei em um rolo que eu esqueci de apagar, ficou gravado lá e o gerente foi lá ouvir as gravações e tinha essa voz lá, que ele não sabia que era minha, ele me chamou, falou, viu, de quem é essa voz aqui? É de um cara de São Paulo que passou por aqui, e eu pedi para ele gravar a identificação, eu tinha vergonha. Ele falou assim, “nossa, que voz legal”. Eu falei, é, você acha? “Nossa, legal, fala bem para caramba”. Já estava fazendo fono. “Falar bem pra caramba! Quando ele passar de novo aqui, pede para ele gravar mais umas vinhetas”. Só que ele não sabia que era eu, mas ele não falou! não falei, eu tinha vergonha, aí um belo dia ele pegou eu gravando, abriu a porta, entrou, abriu a porta, falou, “ah então o locutor de São Paulo é esse?

00:40:05
falei porque que você me deu? Falei cara, eu acho que eu não tenho chance, tem sim, tem sim, você vai fazer o meu programa, é um programa que eu faço aos domingos e velha guarda, de velhos, eu tinha dezoito anos. Eu falei, meu Deus do céu, Altemar Dutra, Moacir Franco, Lulu, aquela cantora internacional, falei meu Deus do céu. O que eu vou fazer? Aí foi fazer? Aí eu fui fazer, era gravado. Entrava no estúdio, ele separava as músicas, eu entrava no estúdio, gravava, tudo bem, até o dia que eu quis fazer ao vivo, fiz ao vivo, foi top, um sucesso, falava horas, as pessoas ligavam, nossa, aquele horário não tinha. Ele falava, caramba, eu coloquei o cara certo lá, coloquei o cara certo. Eu já falava bem, não tinha mais aquela gagueira, ficou cinco por cento ainda dela, mas eu lido bem com ela, nem parece

00:41:19
P/1 - E como a para esse programa ao vivo?
R - Esse programa é no programa de velha guarda. Eu fazia ao vivo e era legal, até tem um fato dessa época que eu estava lá fazendo o programa. Você que está acompanhando o nosso programa, o Extras foi um sucesso, você na região ouvindo a gente seja bem-vindo, ligue para a gente. Tem vontade de vir até a rádio, nos conhecer, fiquem à vontade, você não acredita. Veio uma senhora, bateu na porta da rádio, “vim conhecer o Amaral Filho, aí saiu a moleque de dezoito anos. Ela falou assim, “não, quero conhecer o locutor”. Eu falei, sou eu. “Mas eu achei que o senhor tinha os cabelos grisalhos, disseram um cara alto, um nanico pequenininho, de um metro e setenta e um, ela ficou decepcionada acho eu, mas foi legal, foi uma coisa que marcou também na minha profissão.

00:42:33
P/1 - Você ficou na área?
R - Eu fiquei no rádio até dois mil, eu entrei em oitenta e nove, vinte de novembro de oitenta e nove como técnico de som, fiquei na emissora até dois mil, em dois mil eu vi uma chance de montar um algo meu, um estúdio de gravação, de abrir um leque para outras empresas e eu estou desde dois mil fazendo essa parte de locução além do meu serviço fixo que é esse que eu trabalho na área de tecnologia.

00:43:18
P/1 - Explica melhor?
R - Eu fiquei no rádio até dois mil, de dois mil para frente eu me envolvi na política e montei um estúdio, um estúdio de gravação na minha casa que eu atendo cinco estados e faço locução para as lojas, empresas do mercado de varejo.

00:43:47
P/1 - E o que tem a ver com política?
R - É que na época para conseguir montar eu tive que me envolver na política para poder ganhar dinheiro e montar o estúdio, ou seja, prestar serviço para a política, essa chance que eu enxerguei de ganhar mais.

00:44:15
P/1 - E aí você montou o estúdio? Hoje você tem um estúdio de locução?
R - Eu tenho um estúdio de locução onde eu gravo vinhetas, jingles para cinco estados no Brasil.

00:44:30
P/1 - Quais são os estados?
R - Estado de São Paulo, Minas, Sergipe, Bahia e Rio Grande do Sul.

00:44:52
P/1 - E teus irmãos fazem o quê?
R - Os meus irmãos, a minha irmã, que é eu primeiro, depois ela, a minha irmã trabalha em uma fazenda lá em Carlópolis que é no estado do Paraná. Um dos meus irmãos faleceu, o número três faleceu, o número quatro que a gente enumera assim na família tem uma lanchonete, um disque. O número cinco é vendedor e o número seis é gerente de uma empresa.

00:45:37
P/1 - Todo mundo conseguiu se virar na vida?
R - Todo mundo conseguiu se virar na vida sim, todos eles tiveram a oportunidade, eu digo assim de ser alguém que se virasse, de constituir família, e como é que se diz, cada um tocar sua vida.

00:46:08
P/1 - E você casou, você é casado?
R - Eu casei, eu sou casado, fazem acho que trinta e um anos, tenho um filho, um filho que é comerciante também, é o único filho e é isso aí.

00:46:30
P/1 - Como é o nome dele?
R - Vou falar o nome se vai estranhar, John Lennon.

00:46:38
P/1 - Um admirador dos Beatles.
R - Sim, John Lennon.
P/1 - John Lennon Amaral.
R - John Lennon de Godoy Amaral. Godói é da minha esposa.

00:46:55
P/1 - E como você conheceu a tua esposa?
R - A minha esposa eu conheci em uma casa de som em Brotas, na ocasião eu fazia som na discoteca, é uma coisa bem interessante, a gente se conheceu por acaso, eu estava afim da amiga dela e não dela, e aconteceu que não consegui conquistar a amiga dela falei, vou tentar outra, tentei, e ela também tinha o mesmo pensamento que o meu, estava com uma amiga queria um amigo e não eu, e a gente casou lá em Brotas e vivemos até hoje juntos, graças a Deus.

00:47:48
P/1 - Como foi esse início de namoro, essa conquista?
R - Foi meio assim, sabe, às escondidas. O pai dela não aceitava muito que ela arrumasse um namorado, e eu tive o apoio da mãe, a mãe escondia dele, a gente namorava escondido, bastante tempo, eu ia para a discoteca nos fins de semana, eu via, eu ficava na discoteca tocando lá, fazendo DJ, falando, no fim da noite eu levava ela embora, às vezes eu ficava lá em Brotas, que se sobrava um dinheirinho eu ficava em um lugar lá, tem uma certa pensão e a gente ficava domingo o dia inteiro junto, aí eu vinha embora de tarde, isso foi curto, foi muito pouco tempo, foi um ano e pouco até o pai dela descobrir, chamar eu lá.
“Falou, quero conhecer o seu namorado”, a mulher falou assim, “eu vou convidar ele para vir”. Eu tinha amizade com outro pessoal lá e eu tirei umas informações para ver como era o velho, para ver como que eu podia chegar, fui me ajeitando, aí fui, cheguei lá, entrei, sentei, ele falou assim, “muito bem quais são as suas intenções com a minha filha”? Ah, constituir família, casar. “Mas você é muito novo”. Eu falei, mas ela também é então, “vocês tem ideia do que é a vida”? Eu falei, lógico que não, mas falei que tinha, e ele aceitou. Só que ele colocava horário de X horário a X horário. Deu x horário você some daqui.

00:50:01
P/1 - E ela era de Brotas mesmo?
R - De brotas. E a gente morou um tempo lá, pouco tempo, depois vim para Barra que é onde eu tinha mais apoio, lá não conhecia ninguém, entre aspas, na época ninguém que pudesse me dar um certo suporte para ficar, para morar, fiquei pouco tempo.

00:50:32
P/1 - E em Brotas vocês costumavam fazer aquelas aventuras de Brotas?
R - Ainda não tinha nessa época, não tinha o que tem hoje lá, os raft, e as chamadas tirolesas, não tinha isso ainda lá. O que tinha lá era o Parque dos Saltos que tem até hoje. Aquela cachoeira grande que a gente fazia lá os piquenique nos finais de semana isso tinha, mas o que tem hoje não. A gente ia muito em shows, a gente era amigo de uma dupla lá, ficamos amigos e eu ia muito no show deles. Eu amava.

00:51:16
P/1 - E como foi a mudança, vocês resolverem ir morar em Barra Bonita? Como foi? Onde vocês moravam? Como foi esse início de vida de casado?
R - Na ocasião eu morei um curto espaço de tempo em uma casinha lá em Brotas, mas pouco tempo, eu tinha saído até do ramo do rádio, como eu falei, e depois eu fui trabalhar fora. Fiquei uma época, uns seis meses fora do serviço e arrumei lá alguma coisa para fazer. Eu era mesário de som de uma dupla, eu ajudava eles, eles me pagavam na época como dava, e eu vi que estava difícil, eu falei, eu vou voltar para Barra, porque não dava só para viver daquilo, tinha pouco show.

00:52:19
P/1 - Ela concordou. E como foi, vocês casaram onde?
R - Lá em Brotas, casamos lá em Brotas.

00:52:28
P/1 - E como foi quando vocês resolveram ir morar, voltar a Barra Bonita?
R - Quando nós voltamos para Barra Bonita eu morei com meu pai, na casa do meu pai apertado que você não fazia ideia, apertado, eu estava comprando os móveis ainda. Era um em cima do outro, o meu quarto, nossa, tinha sofá, guarda-roupa, lavadora, máquina, enfim, era aquele montueiro, muito apertado e eu fazia bastante bico, bastante biquinho ali, eu vendia fita cassete, eu me virava, eu dava um jeito.

00:53:15
P/1 - E vocês moraram um tempo com o seu pai?
R - Morei com meu pai uns dois anos, a gente ouviu um dia de um dos irmãos que a casa estava apertada e quem casa quer casa, a minha mulher escutou uma conversa, eu cheguei de viagem, estava viajando, cheguei de viagem e ela me contou, falei bom, vamos se virar então. Agora dá pra gente sair e eu saí da casa dos meus pais, morava bem pertinho, saí com um jogo de sofá, uma cama de solteiro, um fogão que a minha mãe deu, vermelhinho daqueles antigo, e o berço do meu filho que já tinha nascido, minha mulher casou grávida, e geladeira eu não tinha, eu comprava só o que comer naquele dia. Por exemplo, vou comer um quilo de carne hoje, então comprava só aquilo, colocava no gelo, não tinha condições. Aí uma vizinha percebeu, ela me chamou, “seu João, tudo bem? Eu notei que o senhor não tem geladeira”. Eu falei, realmente eu não tenho. “Pode guardar em casa aqui”. Guardava lá na casa dela. Era uma senhora muito boa.

00:54:48
P/1 - Vocês moravam em que bairro?
R - Eu morava no centro nessa época, no centro de Barra Bonita próximo ao fórum. Eu morava em uma casinha de fundo, tinha um escritório na frente e tinha um lance de um corredor que é onde a gente seguia até no fundo da casa. Era uma casinha boa, um local bom, mas era difícil, viu.

00:55:20
P/1 - Como era o centro da cidade?
R - Olha, não mudou muito não, continua do mesmo jeito, centro, os barcos, a orla turística, a parte comercial do mesmo jeito que está hoje, não mudou nada. Muito legal.

00:55:40
P/1 - Você gostava de morar no centro?
R - A gente gostava, porque era perto de tudo, e aos domingos a gente ia dar uma volta e estava tudo pertinho ali, porque assim, quem mora nos bairros vem para o centro, para orla turística, todo mundo ali, então era legal, a gente gostava sim.

00:56:08
P/1 - E o que mais que vocês gostavam de fazer nesse início de vida de casados, que lugares vocês frequentavam?
R - A gente frequentava muito clube, bailes, festa de peão, largava o filho com a mãe, a mãe olhava o filho e a gente ia para festa, quando o filho começava a chorar muito a minha mãe ligava, falava, “viu, seu filho está chorando e não para”, aí a gente tinha que voltar, dava um jeito de voltar, acalmava ele e se fosse perto o baile a gente voltava. É por isso que a gente optou ter só um filho.

00:56:55
P/1 - Que clube que era?
R - Era o clube Vila Nova, Recreativo Vila Nova, a AABB, só clubes tradicionais aqui de Barra Bonita, o Vila Nova fechou, não tem mais, mas a AABB ainda tem uns bailes ainda meio devagar, mas tem.

00:57:26
P/1 - Conta mais dessa época dos clubes, da AABB, o que acontecia, se vocês tinham turma, como eram as festas?
R - A gente tinha turma sim, a gente saia, os casais, a gente combinava para ir dançar, quando um não tinha dinheiro fazia a vez do outro, não, hoje eu estou sem dinheiro, “não, eu empresto para você”, às vezes não tinha a roupa legal, usava uma roupa de um outro, uma jaqueta, uma blusa, um tênis, era difícil ainda viu, não era facinho não a coisa, então era muito legal a gente saía todo final de semana.

00:58:14
P/1 - Como eram esses bailes, essas festas?
R - Tinha os bailes, baile do Havaí, baile de máscara, festa do Peão, baile do Cowboy, a gente lembra bastante, eu ia mais em sendo nessas festas de peão, ia muito, eu era ligado a isso.

00:58:48
P/1 - Tem alguma festa específica que você se lembra de alguma história nessas festas?
R - Sim, tem uma festa que eu me lembro que eu me recordo que marcou o meu início de carreira também nessa época, foi a festa do Caminhoneiro na cidade vizinha, Dois Córregos e tinha uma dupla que eram amigos meus, e ele resolveu me chamar no palco. Eu não tinha postura de palco ainda eu era locutor de estúdio, eu falei, caramba, ele me chamou, falou, “fala o nome da rádio que você trabalha lá”, falei minha Nossa Senhora, você pensa em um cara que não sabia o que falar que as perna bambearam, e foi uma coisa que marcou, mas a gente se divertia muito essa época.

00:59:49
P/1 - E teu filho fala um pouco dele, ele cresceu, quantos anos ele tem, o que ele faz, como é tua relação com ele?
R - Meu filho tem trinta anos, a relação com ele é muito boa, apesar de a gente não ter aquela aproximação de pai para filho, de ficar abraçando, a gente não tem isso, quando ele erra eu falo, quando eu erro ele fala, “o pai está errado nisso, acho que não está legal”. A gente tem uma convivência ótima, ajudo muito ele quando ele precisa e vice-versa, tem o meu apoio, vamos dizer assim, é o filho que eu pedi a Deus, é um filho que me ajuda, é o companheiro além de filho, parceiro.

01:00:43
P/1 - Como foi a criação dele?
R - A criação dele foi bastante rígida, da forma que o meu pai fez comigo, rígida, as coisas certas são certas, pedra é pedra, pau é pau, e é assim até hoje, ele tem uma loja de roupas, às vezes ele me pergunta, “pai o que o senhor acha de eu comprar isso”? Como a gente trabalha nessa área também de locução de vendas, o varejo, falo, isso aqui é legal, isso aqui não. Então graças a Deus eu consegui educar ele bem, desviado dos caminhos ruins, é um moleque bastante centrado, eu falo moleque, mas é um homem bastante centrado, solteiro.

01:01:32
P/1 - E como você vê, como foi tua vida? Você foi conquistando, teve uma infância difícil, como você vê a tua vida e a dele?
R - A minha vida foi bastante sofrida, mas teve o lado bom, as conquistas, eu sempre procurei, eu nunca fui aquela pessoa que vou fazer só por fazer não, vou fazer para galgar outros espaços, os degraus. Então eu sempre tive isso de querer me dar bem um dia na vida, de ter uma velhice mais calma, não sofrida. Então eu digo que a minha vida não foi fácil não, mas se fosse fácil também não tinha graça, foi luta, matar leões todos os dias, eu matei vários leões e me superei de várias passagens da vida.

01:02:53
P/1 - E em comparação a vida dele.?
R - A vida dele é uma vida de ouro. Quando precisa do pai, o pai está aqui, o pai tem condições hoje um pouco mais do que o meu pai que não tinha condições nenhuma, e mesmo assim não tendo condições, não tendo estudo. Eu considero meu pai como uma pessoa guerreira. Então, hoje para ele, eu falo sempre isso, eu falo, é que você não viveu a minha época, eu começo a contar a minha vida, como é que eu criei ele, como é que eu fiz. Ele fala, “puxa vida, eu estou no céu”.

01:03:33
P/2 - Amaral fala sobre sua passagem com um cantor famoso da nossa região com quem você trabalhou que é muito significativo para você?
R - Sim, cantor famoso que eu trabalhei, a dupla, eu prestava serviço para eles, eu era contratado por uma outra empresa e prestava serviço a eles, é o João Paulo e o Daniel. A gente levava ônibus, as caravanas lá para os shows e era muito legal, foi uma época legal que me ajudou também bastante, eu tive um espaço legal nessa época com eles, ainda não eram tão famosos, mas foi legal.

01:04:27
P/2 - Conta mais um pouquinho, mais detalhadamente desse momento?
R - Na época que eles começaram, o João Paulo tinha muita amizade com o João Paulo, o José Henrique dos Reis falecido, e o João Paulo falava assim para mim, “você está namorando minha vizinha, estou de olho, hein”. Ele falava, “vê lá, hein o que vai fazer com a minha vizinha, malandro”. Ele me convidava para ir nos shows eu ia logo no começo, aliás conheci ele empurrando um Fusca de madrugada, eu tocava a discoteca, namorava, e eu ia deixar a minha esposa na casa dela, a minha namorada, que era próximo da casa dele, só que eu não conhecia ele ainda. Eu vi um cara empurrando um Fusca, um Fafá de Belém azul. Eu falei, caramba, esse cara está empurrando eu vou ajudar ele, fui lá ajudar ele. Cheguei lá, dava tranco, tranco para cima, tranco para baixo, nada de pegar esse carro. Falei, o senhor tem gasolina? Ele falou assim, “lógico que tem”. Eu falei, abre lá o capô, o tanque era na frente, abri, não tinha uma gota de gasolina. Falei, irmão, como é que você quer que isso aqui anda? “Ô rapaz, está sem gasolina mesmo”? Está. “Tem um posto aqui em cima que tem um guarda, você não vai lá buscar para mim uns cinco litros”? Peguei o galão e fui, mas não sabia quem era, não tinha nem ideia de quem era, voltei, pegou o carro e falou, “rapaz, não posso te pagar, eu vou te dar um disco”, me deu um disco. Olhei para a capa assim e falei, é você esse aqui? “Falou é, sou João Paulo da dupla, João Paulo e Daniel”, segundo disco deles de carreira, eu falei, meu Deus do céu, isso aqui deve ser mais ruim do que…levei o disco para casa. Aí comecei ouvir, ouvir, ouvir, falei é legal. Um belo dia apareceram na porta da rádio os dois de corrente de ouro, tudo com pomposo. Falei cara eu conheço você cara, você é o cara do fusca hein, e dali para frente a gente ficou amigo. Eles precisaram de um mesário de som e, “a gente está precisando de um cara que mexe com som”, falei sou eu, “só que a gente não pode pagar muito” e pagavam lá qualquer coisa, depois eles contrataram uma empresa terceirizada chamada Zanette e eu fui trabalhar junto com eles, só que era bico, não era um serviço fixo. E temos amizade pelo menos com o Daniel até hoje. E não saio lá de Brotas, ele mora lá, tenho uma vasta amizade com a família toda, foi uma época legal. Quando faltava locutor, era eu que subia no palco.

01:07:22
P/1 - Tem alguma história que você gostaria de contar que você não tenha contado?
R - Eu acho que eu contei tudo, não me recordo de mais nada não.

01:07:42
P/1 - Faz um esforço de memória. Falta história aí.
R - Tem sim, tem uma história de um outro cantor, posso falar então, Zé Rico e Milionário, eles separaram em noventa e dois a dupla, o milionário foi cantar com o Matias e eu fui apresentar um show do Zé Rico em Barão de Antonina estado de São Paulo, eu fui com o Zanete para apresentar a Zuzu e Zanette, Rosimar e Rosicler, duas duplas. E na sequência era o Zé Rico, e eu saí do palco, apresentei a última dupla e saí do palco, saí de cena e o próximo era ele, o Zé Rico, o Zé Rico ficou esperando, eu não era contratado fiquei na minha, eu escutei, ele gritou lá de dentro, lá do camarim, “não vão chamar o Zé”? Aí o Zanete olhou para mim e falou, “Amaral”, eu falei, não, eu não vou não, eu não sou contratado dele, eu queria ganhar, ele falou, “cadê o garoto que estava em cima do palco”? Aí ele me chamou lá um monte de corrente de ouro assim, estava um crucifixo grandão de ouro, aquele homem de óculos escuro. Cheguei perto dele. Pensa em uma pessoa maravilhosa que era. Ele olhou para mim assim e falou, “garoto, gostei da sua voz, se eu tivesse uma voz dessa eu não era cantor”, aí eu olhei para ele assim, se eu tivesse a voz e a garganta que você tem eu não era locutor e começamos a rir um com o outro, falou assim, “pode subir no palco me apresenta lá o zoom”, me deu o script, o que falar e eu subi, apresentei ele, aí a hora que eu estava descendo do palco me chamou de volta e falou assim, “viu garoto, você tem uma voz maravilhosa”. Aí eu virei para ele assim, você tem uma garganta maravilhosa, ai se eu tivesse essa garganta, foi uma passagem legal.

01:10:10
P/1 - E hoje você falou que você também trabalha com tecnologia?
R - É isso. Eu trabalho aqui na escola com a Tânia, com a Juliana. Eu trabalho na área de tecnologia, eu sou gestor de TI.

01:10:27
P/1 - Que escola?
R - Escola Risquié de Moratelli.

01:10:34
P/1 - E como foi, você estudou, como é que você entrou nessa área?
R - Foi assim, eu falei lá atrás né da perda do olho, eu fiz um concurso para Guarda Municipal de Barra Bonita e passado oito meses eu tive esse problema que já vem lá de trás do olho, daquela lesão, e o olho começou a vazar, e infelizmente eu tive que retirar ele e fazer uso de uma prótese. Aliás, uma prótese perfeita parece que eu tenho, e lido bem com isso hoje. Eu fiz o concurso para guarda, na sequência eu fiz a cirurgia, depois da cirurgia eu fui readaptado aqui na escola como atendente de secretaria, mas lá atrás eu tinha conhecimentos na área que eu fiz curso, sempre fui uma pessoa que correu atrás de algo para no futuro como eu disse ter uma vida mais estável, e eu tinha feito processamento de dados, informática, eu era programador e me deram uma oportunidade já que eu estou aqui na escola, precisava de um gestor, me colocaram aqui. Estou aqui.

01:12:16
P/1 - Você fez quais cursos? Como é que entrou mesmo na tecnologia?
R -

Na época eu fiz um curso de processamento de dados que chamava COBOL DABIQ três plus, a gente fazia a parte operacional, montava essas tela que você está vendo aqui, a gente fazia tudo isso, eu era monitor em uma escola da cidade aqui e fazia um curso em outra escola na cidade vizinha chamado Jaú, processamento de dados, lótus um, dois, três, cobol plus, além do conhecimento na área técnica juntou uma coisa com a outra, eu faço manutenção e a parte operacional.

01:13:12
P/1 - Quando você olha a tua trajetória toda, o que é que você pensa?
R - Eu me sinto orgulhoso de tudo que eu fiz para trás, desde o catador de lavagem do baldinho para hoje, eu me olho assim e falo, puxa vida, eu fiz isso, isso, isso, isso. Olha aonde que eu vim parar. Então eu me superei.

01:13:46
P/1 - E quais são as coisas mais importantes para você hoje?
R - A minha família é a coisa mais importante, que eu tenho apoio nos momentos difíceis, que a gente tem também aqueles momentos de baixa, porque eu tive com a perda do olho, eu tive depressão, mas eu já superei tudo isso, não tenho mais, não uso nada. Então, seria a família.

01:14:42
P/1 - Como foi essa fase da depressão?
R - Foi difícil viu, a fase da depressão foi muito difícil, eu achei que eu não ia superar, quando chegava no final da tarde eu chorava bastante, me trancava dentro de um quarto, a minha esposa ia lá e falava assim para mim, “você tem que levantar a cabeça, essa fase vai passar, você tem que se aceitar”, eu não me aceitava sem a outra parte, eu precisei fazer um tratamento psiquiátrico, fiz com várias pessoas, um grupo de pessoas onde a gente falava da gente, do dia a dia, e depois eu fui para um local chamado Sorria Bauru, é um local de reabilitação e a minha médica me ajudou bastante nisso, doutora Mayumi, falar o nome, ela me ajudou muito, ela me chamou um dia, falou, “vem cá, entra no carro comigo, vamos ali” que era nessa clínica, lá tinha pessoas sem perna, sem as mãos, sem braço, sem ouvido, sem o olho. Aí ela falou assim, “dá uma olhada naquela mocinha ali”, mocinha de dezoito anos. “O seu problema é maior do que o dela? Dá uma olhadinha”. Aí dali para frente eu comecei a falar do assunto, a não esconder, as pessoas que perguntam às vezes fala, meu sonho está vermelho e o outro não está. Eu falo, ô rapaz, é que esse aqui é assim, assado. Eu falo já do assunto direto.

01:16:37
P/1 - E quais são os seus sonhos?
R - Meus sonhos, agora eu não sei se eu tenho mais sonhos, eu acho que eu já conquistei tudo na minha pessoa. Meu sonho, ver meu filho bem, constituir a família dele, e não passar por tudo que eu passei.

01:17:10
P/1 - E João, como foi contar a sua história aqui hoje?
R - Contar minha história aqui para vocês hoje, fazer parte dessa maravilha, foi muito legal, foi muito legal falar um pouco da gente. É bom para a alma, para o ego da gente. Eu gostei, foi ótimo, sensacional.