Museu da Pessoa

A Umbanda como missão de vida

autoria: Museu da Pessoa personagem: Luís Guilherme Campos Santos

Tecban - Histórias Diversas
Entrevista de Luís Guilherme Campos Santos
Entrevistado por Genivaldo Cavalcanti Filho
São Paulo, 06 de julho de 2022
Entrevista nº PCSH_HV1246
Realização: Museu da Pessoa
Transcrita por Mônica Alves
Revisada por Genivaldo Cavalcanti Filho


(00:20) P/1 - Boa tarde, Luís. Tudo bem?

R - Boa tarde, Genivaldo. Tudo bem e você?

(00:26) P/1 - Tudo ótimo! Então a gente vai começar com a pergunta mais básica: o seu nome completo, a sua data de nascimento e a cidade onde você nasceu.

R - Meu nome é Luís Guilherme Campos Santos. Eu nasci no dia 27 de outubro de 77 e nasci em Santos, [no] litoral Paulista.



(00:53) P/1 - Te contaram como foi o dia do seu nascimento?

R - Me contaram.







(01:01) P/1 - E como foi?

R - Minha mãe diz que ela começou a ter um pouco de dor e foi duas vezes para o hospital, no mesmo dia. Na primeira, retornou porque não tinha dilatação, e na segunda vez o obstetra não estava, não tinha obstetra no hospital e quem fez o meu parto foi uma parteira. Ela estava com a placenta colada, então ela teve que fazer uma intervenção ali, na hora, para eu poder nascer. Mas foi tudo certo, foi tudo bem.
Eu era bem grande também, então tinha, talvez, um agravante aí, do tamanho na hora de nascer, mas foi um parto normal, o parto foi… Correu tudo bem. Ela disse que doeu bastante, mas como ela não teve nenhuma intervenção, aconteceu que deu tudo certo.



























(02:15) P/1 - E te contaram porque escolheram o seu nome?





R - Também sei. Luís é uma homenagem aos meus dois avôs paternos, os meus dois avôs se chamavam Luís. E Guilherme é em homenagem ao meu pai, que se chama Antônio Guilherme, aí ficou essa misturinha. Anos 70, final dos anos 70, todo mundo com nome composto. Ainda bem que os dois tinham o mesmo nome, né?

























(03:02) P/1 - Com certeza! Eu queria que você falasse um pouco da sua mãe, o nome dela…Como você a descreveria? E da parte materna da sua família.

R - Minha mãe chama-se Lúcia Neifra Giacomo Carmo Santos.
A família da minha mãe vem da Itália, da Calábria. [É] uma família muito grande, a minha avó tinha 21 irmãos, e é uma família que era muito unida, sabe? Muito junta - nem digo unida, era junta. Então tenho memórias da minha infância na estrutura da família da minha mãe, da gente junto, [de] mesas muito grandes, [com] muita gente - gente que às vezes a gente nem tinha tanto convívio, nem sabia quem era direito, mas era uma família muito festeira, sabe? Uma família muito alegre, muito pra cima, de mulheres muito empoderadas.
Era uma família basicamente regida pelo olhar da mulher, então elas eram quem comandavam. As reuniões familiares, que organizavam, faziam, que mandavam, que colocavam todo mundo para trabalhar. E a minha avó era meio a cabeça desse movimento; ela era bastante autoritária, enfim.
A minha mãe sempre foi uma mãezona, sempre foi uma mãe muito afetiva, [de] um olhar de afeto um pouco diferente, talvez, do que a gente às vezes constrói das concepções, mas de fazer muita comida, ter muito afeto pelo alimento, de se preocupar muito com a gente, de se preocupar com estudo, de estar sempre em cima de tudo. Ela também era a cabeça da casa; ela que mandava, ela era a figura que coordenava tudo.
Meu pai já era bem submisso nesse sentido. Ela falava, ele dizia: “Sim, senhora”. Mas ela era… Ela é uma pessoa bastante forte na personalidade, sabe? Na forma de conduzir, de integrar as pessoas, as nossas relações familiares, sociais. Sempre foi alguém muito presente em tudo, minha mãe sempre teve… Sempre se preocupou, na verdade, com muito, sabe? E nós somos quatro irmãos, então imagina! Hoje a gente é adulto, depois que a gente cresce a gente vê que não deveria ser fácil.
Meu pai chama… Chamava - ele é falecido - Antônio Guilherme Campos Santos. Ele faleceu há nove anos. Meu pai era um cara superespiritualizado, sabe? Era uma pessoa super voltada para o autoconhecimento, para expansão de consciência, e dentro da nossa construção familiar, ele era a pessoa que estimulava esse olhar para o espiritual, para o autoconhecimento. Era uma pessoa super acolhedora também, uma pessoa super doce, e ao longo dos anos a gente sempre teve, tinha muitas conversas profundas com o meu pai. Conversas assim, de horas, de horas e horas. Às vezes a gente se ligava à noite e ficava três, quatro horas conversando, falando sobre a vida, falando sobre a existência, sobre tudo. Uma pessoa super doce, super acolhedora.
[Ele] gostava também desse clima festeiro da família da minha mãe, então nós sempre fomos mais presentes nessa relação, dentro da família da minha mãe. Ele gostava dessa integração que existia lá. A família dele é um pouco mais… Não digo distante, mas os irmãos se afastaram, mudaram de estado, acabaram não tendo tanta proximidade. E a gente sempre teve essa presença dele, sempre muito bem, feliz, sabe? Sempre gostou também desses movimentos familiares.
Depois que vieram os netos, a casa deles acabou virando a casa dos encontros. Eles acabaram assumindo esse papel.


(08:53) P/1 - Você tinha falado que vocês eram quatro irmãos, queria que você me falasse os nomes dos seus irmãos e como é a relação entre vocês.

R - Eu tenho três irmãs. Tenho a Ligia, que é a minha irmã mais velha… A Lígia, ela não mora no Brasil, ela…

A gente brinca que ela mora fora, mas a gente se fala mais do que quando ela morava aqui. Ela morava em São Paulo e a gente não conseguia se ver tanto. Acho que a vejo e os meus sobrinhos mais do que quando eles estavam aqui.
Ela é meio que a coordenadora da trupe, sabe? É a mais velha, é mais organizada, então ela é aquela irmã que organiza tudo, organiza até… Sempre quando a gente tem algum problema, cai nela.
Tenho uma irmã, que é a Laís, a irmã mais nova que eu - um ano e meio mais nova que eu. Ela trabalha com cultura, com arte. Ela é uma mulher mais livre, mais… Eu acho que mais fora dos padrões de mulher casada, com filhos, embora ela tenha filhas. Ela se reinventou, se empoderou de uma forma que hoje ela toca uma vida super, super livre, super cheia de cuidados dela com ela, com a vida dela, enfim.
E a minha irmã mais nova é a Lívia, que mora em Santos. É a caçulinha. Também tem uma filha, Maria Eduarda. Ela é a irmãzinha, a pequenininha que a gente cresce e fica velho e o caçulinha continua caçulinha. É uma irmã também super, nossa, super querida! Está sempre aqui, sempre aqui em casa.
A gente sempre está junto. Na verdade, nós quatro estamos sempre juntos. É difícil a gente não se encontrar, não se juntar, né? É uma prática meio que natural, a gente vai se falando e vai se juntando; vem um, vai vindo, vêm os quatro juntos… Quando vê está todo mundo junto, e se aproximando sempre, estando sempre nesse contato físico, pessoalmente, nessa troca de afeto pessoal, que é super importante. E agora com os meus sobrinhos.. Tenho quatro sobrinhos dessas três irmãs e é ótimo, é uma delícia. A gente vê essa juventude, começando com outros… Com outros pensamentos de algumas coisas, uma força enorme vindo aí para construir, para continuar construindo as coisas, fazer as coisas acontecer.

(12:26) P/1 - E você se lembra da casa onde você passou a infância, Luís?

R – Lembro, lembro! Eu nasci numa casa que era na… [Vou] lembrar a rua… Na Rua Guilherme Álvaro. Depois nos mudamos para uma casa na Dom Duarte Leopoldo Silva, em Santos, para uma casa enorme. Nem é tão grande, outro dia eu passei na frente dela; eu vi, assim, e fiquei: “Nossa!” Deu um negócio, parecia menorzinha do que era, sabe? Mas ela tinha aquele quintal gigante. Lembro que a gente tinha uma piscina de plástico no fundo, que nossa! Parecia uma piscina… A gente era criança, né?
Tinha árvore, tinha um pé de manga no fundo. Lembro muito da casa da minha avó também, que era também uma casa comprida, com um quintal enorme. Também era cheio de planta, cheio de árvore frutífera.



(13:39) P/1 - E do que você gostava mais de brincar quando você era criança, Luís?

R - Ah, eu gostava de tudo. Gostava de ficar na rua, de bicicleta, brincar de esconde-esconde, brincar de jogo - adorava jogo de tabuleiro. Gostava de… Enfim, de ler, adorava ler, adorava! [No] final de semana a gente sempre… Meu pai sempre saía com a gente, sempre comprava um livro ou um gibi, ou alguma coisa de criança - mais gibi; depois de uns, acho que uns oito anos, a gente começou a ganhar mais livros. Todo final de semana a gente saía para comprar livros, comprar alguma coisa para ler.
Eles liam muito em casa. Às vezes, você olhava assim e estava todo mundo no sofá, lendo, sabe? E o meu pai tinha um lance que ele lia o livro junto com a gente, meio que no paralelo, para a gente poder debater a ideia daquele livro, pra ativar um senso crítico, um olhar, do que o livro estava dizendo. Hoje a gente olha [e] eram historinhas infantis, sabe? Mas ele transformava aquilo num cenário e a gente entendia aquilo de uma outra forma e tal. Era ótimo, porque quando tinha prova de leitura, alguma coisa, aí a gente chegava com umas ideias, às vezes inovadoras; a gente não conseguia às vezes nem explicar, porque falava que lia em casa. O pessoal ficava meio assim: “Nossa, mas de onde você tirou isso?” Eram uns debates assim, literários, que a gente tinha em casa, era muito legal.
Às vezes isso rolava depois do almoço. A gente tinha um hábito de final de semana [de passar] muito tempo na mesa. Minha mãe preparava o almoço, meu pai preparava o almoço muitas vezes de final de semana, e aí gente ficava na mesa conversando, jogando. E aquela mesa só ia trocando, sabe? Tocava a refeição pelo bolo, pela sobremesa, pelo café e a gente ficava ali horas e horas… Era uma delícia, nossa, muito bom! Deu até um baratinho aqui na cabeça, agora.













(16:25) P/1 - E o que você gostava de comer na sua infância que você gosta de comer até hoje, Luís?

R - Eu adoro comer, porque a gente, as nossas reuniões sempre foram… Sempre giravam em torno da comida. A família da minha mãe, a minha avó fazia uma massa caseira mesmo, sabe? Então o macarrão pra mim tem um olhar super afetivo. Estrogonofe também é uma comida que adoro, também lembro que a minha mãe fazia. Era uma comida de dias mais especiais, mas é uma comida também que quando eu faço lembro muito da minha infância. E bolo, bolo era uma coisa que não faltava em casa, todo dia acho que tinha bolo. Bolo e pão a minha mãe fazia com muita frequência, acho que até para minimizar o custo, sabe? Do pão, da despesa mesmo. Ela fazia muito pão, era basicamente pão caseiro que a gente comia; comia pão de padaria sim, mas no dia a dia mesmo era… Ela fazia pão caseiro, fazia pão doce, e aí a gente se acabava, né? Era uma coisa que ela fazia todo dia.





(17:50) P/1 - E com o que seus pais trabalhavam, Luís?

R - Meu pai trabalhou a vida na indústria farmacêutica, e a minha mãe teve uma época que foi professora. Depois ela deixou de dar… De trabalhar e ficou em casa cuidando da gente, organizando a casa, mas ela sempre fazia algumas coisas. Minha mãe tinha um lance de mexer com artesanato, com pintura, então ela sempre estava fazendo alguma coisinha; ela sempre estava fazendo costura, sempre estava fazendo uma coisinha assim. Mas teve uma época, acho que eu já tinha… A gente era menor, até, ela parou de trabalhar e fazia algumas coisas assim, mas sem o trabalho regular. Acho que trabalhava até mais, talvez.



















(19:04) P/1 - E me conta uma coisa, você se lembra do… Quais são as primeiras lembranças que você tem de ir para a escola, Luís?





R - Ah, eu era bem pequenininho, tinha acho que uns dois anos. A primeira vez que eu fui [pra escola] era num colégio chamado A chave do Tamanho. Minha irmã já estava no colégio, a Lígia devia ter uns quatro já, e eu tinha dois.
Eu lembro que minha irmã tinha acabado de nascer, a Laís, e aí eu lembro que eu fui para esse colégio. De cara, me deu um desespero; o primeiro dia eu lembro que foi desesperador, que eu vi aquele monte de gente, sabe? E eu era… Estava em casa com meus pais, brincava na rua, [com] vizinhos, mas nunca fechado em um lugar. E aí eu entendi o modelo do que ia rolar ali dentro e fui relaxando, adorava! Depois passei a adorar o colégio.
Eu fiquei ali até o pré, estudei ali até o prezinho. Depois eu fui para o SESI e estudei no SESI até a oitava série.



























(20:33) P/1 - Falando então desse período do ensino fundamental, o que você lembra mais desse período, do primeiro grau na época no SESI? Uma matéria que você gostasse mais… Quais são as lembranças que você tem?









R - Acho que parte do que sou… Eu me fiz ali, sabe? Era um colégio muito, muito afetivo. Lembro dessa construção, do olhar para as artes. Eu tinha uma professora de artes, a professora Patrícia. Ela era incrível, ela falava sobre… Ela não dava um desenho, ela narrava as histórias sobre artes, sobre manifestações artísticas, e nossa, eu lembro que eu delirava, eu sonhava com aquilo.
Tive vários… Foi um período incrível, que eu… Eu acho que existia muita liberdade. Eu sempre fui meio que monitor de classe, presidente do grêmio; sempre tive alguns envolvimentos dentro das outras estruturas, até meio políticas do colégio. Tinha muito acesso, sabe?
Algumas coisas eu não curtia muito - educação física, aquela coisa mais… Eu não era muito voltado para a área dos esportes, não, mas os outros movimentos que tinha no colégio eu participava de todos. Eu era muito presente quando tinha os festivais de artes; o colégio tinha o festival anual, que todo ano… Cada sala apresentava um número de artes, um número de dança, um número de teatro, e eu estava em tudo que acontecia ali. Eu participava, eu movimentava.
Foi uma época, nossa, incrível! Era uma coisa meio que… Existia um amor e um orgulho do processo todo que era muito bacana!
A gente cresceu com os colegas que saíram do primeiro grau para ir para o segundo grau na época. A gente passou uma infância juntos, então as famílias se conheciam, existia uma troca de cuidados, até com a gente mesmo, com o filho, para fazer alguma coisa socialmente falando, para ir em casa, para ter uma festinha.
Eu lembro que naquela época a gente… Hoje você não, precisa ter dezoito anos para entrar em qualquer lugar, naquela época com catorze anos a gente entrava nas danceterias, nas festinhas, nas baladinhas. Tinha muitas festinhas em casa, cada final de semana era na casa de um, então você via uma participação dos pais, uma presença, integrando ali. Era uma coisa bem legal, uma infância bem bacana.

















































































(24:08) P/1 - Luís, o que você gostaria de ser quando crescesse?



R - Eu quando era criança tive vários sonhos de profissão. Já pensei em ser professor, tinha um professor de história que dava umas aulas, assim, que eu: “Nossa!” Eu viajava nas aulas dele. Isso [foi] no primeiro grau, da quinta à oitava série ele me deu aula de história, o professor Paulo.
Ah, pensei em ser advogado uma outra época! Quando eu era moleque eu sonhava em ter um… A gente brincava de jornal em casa, a gente fazia o jornal meio que apresentado, sabe? A gente tinha um lance na minha família, que rolava às vezes… [A gente] fazia umas apresentações nas festas, sabe? De Natal, então tinha alguns movimentos meio de fazer uma encenação, a gente fazia umas coisinhas e tal. Nossa, eu achava aquilo… Era uma coisa que super envolvia todo mundo, de montar cenário, arrumar figurino.
Lembro que com treze anos eu comecei a fazer um curso de teatro, comecei a estudar. Fiz algumas apresentações amadoras. Nossa, amava o teatro! Achava aquilo um sonho, sabe? Nossa, me levava para lugares muito, muito longe das realidades, mas com muita fantasia. Eu achava demais.
Aí eu vim para São Paulo, vim estudar, comecei a trabalhar e aí a gente começa a entender também [que] algumas coisas são sonhos, outras são alguns prazeres que a gente tem em alguns momentos da vida, mas que não se perpetuam para tudo.

























































(26:20) P/1 - Então vamos retomar. Você fez então o seu ensino fundamental no Sesi. Quando você foi mudar para o ensino médio, você mudou de escola também?

R - Mudei de escola também, mudei para um colégio técnico. Fiz técnico em Eletrônica, nada a ver, mas era uma das possibilidades que tinha de não fazer um colegial comum, normal. Mas nesse período eu comecei a fazer teatro junto, então fui super negligente, sabe? Nossa, eu fui super negligente. Hoje, olhando assim, se tivesse muitas… Eu abri mão para ir para o teatro, para ensaiar, para fazer as coisas acontecerem, sabe? Naquela fase pré-adolescente né, cheia de… Vivendo uma liberdade, porque acho que o mundo era outro também.
Lembro que com catorze anos, com o pessoal do teatro… Aí a gente fala: "Nossa, talvez se eu falar isso… Sua mãe era louca, né?” Lembro que a gente foi para Paraty de ônibus, para acampar; hoje se você fala que uma criança de catorze, quinze anos vai sair do bairro sozinha, você vai ter… Você tem um cuidado, né? Eu lembro que a gente foi para Paraty, não tinha nem telefone, não existia celular. A gente foi num grupo de quatro, cinco amigos e a gente acampou lá. A gente estava na casa de um amigo, aí tinha um adulto que ia, que foi pra lá depois, mas sumiu. Meus pais tinham esse olhar, esse olhar assim, sabe? Mas vivia-se mais livre, a gente não tinha essa… Não vivia nessa prisão de depender do outro, de tecnologia, então as nossas relações eram na rua.
Eu lembro que essa fase foi uma fase assim, muito fora da… O colégio, ele… Eu estudava para tirar nota, não tinha muita preocupação ali, porque eu estava vivendo uma descoberta diferente fora, sabe? E eu lembro que o teatro me trouxe essa descoberta, e eu era muito… Embora eu fosse muito ativo dentro das minhas ações no colégio, enfim, eu tinha uma timidez muito… Muito intensa, que ficava… Em alguns momentos eu não conseguia passar para… E o teatro me ajudou a quebrar essa… Essa barreira de me posicionar, de falar, de viajar nas minhas ideias e não ter medo de expor as minhas ideias, os meus pensamentos, enfim.
Foi uma época muito legal, muito bacana. Tenho amigos até hoje do meu grupo de teatro. Tem vários, a gente tem coisas até hoje do grupo de teatro. A minha mãe era super caprichosa, ela montava uma pastinha; quando tinha alguma coisinha, saía alguma coisinha do jornal do bairro, ela punha, guardava. Ela era super caprichosa.















































(29:53) P/1 - E nessa época você já pensava no que você gostaria de fazer no ensino superior?






























R - Não, não. Nessa época eu imaginava fazer um monte de coisa. Quando eu fui fazer Comunicação, entrei na São Judas, aqui em São Paulo, e eu vim prestar a faculdade de Comunicação com Artes, mas a vida foi me tirando desse caminho, desse olhar para viver da arte. E a dificuldade também, era muito inacessível o viver da arte; ou você virava professor de educação artística ou você ia trabalhar. Você precisava ter alguém que te indicasse para alguma coisa, não tinha essa abertura cultural e esse movimento.

Existir, existia; não existia o contraponto para você lutar por isso e conseguir entrar nessa onda de entender a arte.
Aí eu comecei a trabalhar em uma empresa, trabalhei com marketing, recursos humanos. Trabalhei vinte anos numa empresa, fiz um monte de coisa lá e foi muito… Eu lembro que me trouxe… O teatro me deu uma base muito legal, pra vida mesmo. A arte, ela transforma o ser na base dele, na estrutura; a arte não é só a manifestação daquilo que a gente acredita olhar, é aquilo que a gente passa a viver. A arte transforma, ela modifica o olhar social, uma necessidade social, o comportamento, então eu acho que essa experiência foi super incrível para mim, eu tive assim… Nossa, sou super saudoso! São situações assim que eu fico super saudoso, no teatro.
Eu amo teatro por tudo, sabe? É uma coisa que eu acho demais. Tive já sonhos de viver de arte, mas hoje não consigo, não consigo me ver. Eu acho que ela foi importante para me conduzir, de uma forma melhor, talvez.



















(32:55) P/1 - Você começou então a trabalhar nessa empresa e aos poucos você foi mudando de rota. Você chegou a finalizar essa faculdade de Comunicação?

R - Fui fazer depois Recursos Humanos. Eu trabalhava com treinamento, trabalhava com marketing de relacionamento, entrei novinho. Era uma empresa de administração familiar; embora quando eu saí ela já tivesse se transformado em uma multinacional, mas [quando] eu entrei, eu respondia para o dono da empresa. Tem vinte e poucos anos. Era uma coisa que você aprendia ali, na vivência mesmo, aí fui fazendo um monte de coisa lá dentro. Trabalhei com treinamento, trabalhei com relacionamento, enfim, eu usava tudo que eu tinha de conteúdo. E como era uma empresa que estava em formação para… Na verdade, para ser vendida, então eu fiquei esse período nessa construção e pra mim foi muito legal, foi muito importante também.
Eu tenho uma visão corporativa, sabe? Acho que talvez, se eu não tivesse essa percepção também, de que a gente precisa… As contas precisam fechar, né? Embora eu seja psicanalista autônomo, as minhas contas tem que fechar no final do mês. Talvez, se eu não tivesse tido bagagem toda, eu não teria hoje essa preocupação e não estivesse nem aqui, estivesse em outra situação. Mas a gente vai aprendendo, eu acho que tudo é muito válido, aprendizado é muito válido.
Nesse período eu comecei a… Eu estava muito voltado para a religião. Eu comecei a entrar dentro da religião de uma forma que transcendia, sabe? Comecei a entender o sentido da minha vida, tive várias experiências também dentro desse período, mas com outras coisas, não só na Umbanda; a Umbanda sempre foi a minha base, mas com a ayahuasca, com experiências mesmo de vida, de outras crenças. Tive uma conexão muito grande com o candomblé, para entender um pouco; acho que foi importantíssimo, eu tenho um respeito e um amor pelo candomblé enorme, porque o candomblé na verdade é a resistência da matriz africana real. A Umbanda não traz essa resistência toda, a Umbanda se adequou ao padrão, a sociedade, ao embranquecimento dessa sociedade. Isso foi uma coisa… Veio da natureza, não sobreviveria se tivesse resistido. O candomblé não, o candomblé fechou as portas, resistiu e lutou, então tem esse… Tenho pelo candomblé respeito, admiração pela força que ele traz, da preservação, da consciência da matriz africana, da história, do preto, de tudo que a gente viveu pra chegar até aqui. E mesmo hoje, com dificuldades de se posicionar, de falar, de se integrar dentro de um contexto social, a nossa fé, a nossa história… A fé, a religião faz parte da nossa construção.
Eu nasci na Umbanda, então eu tenho memórias da Umbanda de bebê, de bebê de colo, como eu tenho memórias da Umbanda de hoje, fazendo Umbanda, à frente da Umbanda, mas eu sempre tive essas memórias sofridas também da religião, sabe?

Da dificuldade. Eu lembro que eu tinha cinco anos, por aí, acho que talvez até menos; nós fomos ao terreiro e estávamos voltando, eu e a minha mãe, era o final da tarde, e um carro parou e começou a xingar a gente, porque a gente estava de branco. Lembro que a minha me pegou no braço; na esquina tinha uma farmácia e a gente entrou na farmácia, entrou em desespero, e eu não estava entendendo nada, sabe? Falei: “Nossa, mas que…” E ele xingando de macumbeiro, de tudo que você imagina, mas na época eu não entendia assim, sabe? “Nossa, por quê? Que desespero!. Não aconteceu nada, na minha cabeça não tinha…
Eu lembro que tinham aqueles orelhões na entrada da farmácia, e a minha mãe ligou em casa para ver se o meu pai já tinha chegado, para ir buscar a gente de carro, porque não…
Então a gente não andava de branco, não tinha guia no pescoço para ir para a escola. Na brincadeira a gente era o macumbeiro da turma, entendeu? As pessoas podiam até frequentar, mas não se assumiam como da religião, e eu lembro que a gente nunca negou. Meu pai sempre falou: “Não, vocês têm que ter orgulho da religião de vocês. A gente tem que ter orgulho daquilo que a gente é”. Então tinha que ir.
Hoje você vê os mesmos problemas no colégio. Crianças que fazem uma obrigação religiosa não podem ter o pano na cabeça porque isso afeta alguma coisa, arrumam problemas por guias de crianças em escolas. A gente vê isso no Brasil inteiro, em tudo quanto é lugar. Todo dia tem umas notícias dessas. A gente fala que está em 2022, mas com a cabeça tão fechada como em 1980, talvez, é tão preconceituosa como em 1980, em que o sarro era uma constante, sabe? O sarro da religião já era uma constante na vida, ser zoado porque você era de uma matriz africana, e as pessoas ainda falavam assim: “Nossa, mas vocês são brancos!” Eu ouvia muito isso, até hoje eu ouço: “Você é branco, por que você foi para a Umbanda?” Porque até o kardecismo, que é uma religião europeia, de brancos, ela é bem aceita. O espiritismo é bem aceito na alta sociedade, entre as pessoas, entre os intelectuais, entre as pessoas… Socialmente ele é bem posicionado. A Umbanda não, ela vem quebrar um padrão que vinha do colonialismo e que se a gente olhar para trás, ele vem lá do século seis, com a demonização da África e do povo africano como o povo realmente amaldiçoado. A gente vem vivendo esse rolo, e mesmo não sendo preto, sendo branco, eu imagino na pele do preto como deve ser, na essência, na alma, sabe?
Desde criança a gente tinha esse lance. As crianças pretas eram todas minhas amigas na escola, porque elas eram do terreiro, eram as pessoas que eu tinha relação no terreiro, então eu sempre me relacionei com todo mundo. Nunca tive problema de relação dentro das escolas que eu estudei, das classes, mas eu lembro que eu era um dos poucos que entrava nos grupinhos, que iam em casa, que faziam trabalho junto, gostavam deles, porque existia um preconceito enorme - meio velado, mas já de julgar o comportamento ou alguma coisa pela cor, pela religião, por isso, por aquilo.
É que a gente sempre foi… Em casa a gente sempre foi meio casca grossa também, sabe? Nunca deixou as coisas muito quietas, não, então de alguma forma quando você começa a se posicionar, você começa a levar um grupo para o seu lado, mas as pessoas não entendiam muito.
Eu lembro que uma professora minha… Olha, isso veio agora! Eu estava chegando na quinta ou sexta série e existia um bazar que a escola fazia para vender as coisas que fazia de artes. Pano de prato que a gente pintava, umas coisinhas de artesanato. Essa professora me pôs no caixa e eu precisei sair para alguma coisa; eu ia pôr um rapaz - lembro o nome dele, mas não vou citar - e ela me chamou e falou: “Não, ele não”. E eu: “Quê?” Mas eu precisava sair, precisava ir ao banheiro, precisava… Não lembro o que ia fazer. Ela falou assim: “Ah, não. Ele é meio… Não é muito confiável”. E era um dos poucos pretos que tinha na minha sala.
Aquilo me chocou. Eu falei: “Puta merda! Ela é preconceituosa”. Mas eu tinha, em algum momento, que me silenciar dentro disso tudo.
A vida vai mostrando a construção do ser, da nossa alma. Acho que a própria Umbanda me ensina a perceber a alma do outro. A Umbanda vem me ensinando há muitos anos a perceber que a nossa relação é de alma, não é de carne, não é de cor, não é de gênero, de nada, e aí eu vim entendendo que essas dores existem até hoje. Quando você entra numa comunidade, quando você chega perto de uma comunidade, quando você começa a pensar no olhar social, elas vivenciam até hoje - as pessoas se sentem invisíveis, sabe? Pela classe social, pela cor, pela religião, pela crença que elas carregam.




















































(PAUSA)




















































(46:06) P/1 - Retomando, Luís, o assunto que a gente estava comentando, você comenta que você frequentou o terreiro com a sua mãe desde a sua infância. Já era uma prática da sua família toda ou era somente da sua mãe? Conta um pouquinho como era isso?

R - A minha mãe era… Meus pais, enfim, eles viviam muito a espiritualidade. Meu pai era muito aberto, ele era kardecista na formação maior dele, mas ele era uma pessoa muito curiosa dentro da religião. Ele gostava da Umbanda demais também, mas a Umbanda foi mais uma relação que a gente teve pela família da minha mãe. A minha primeira madrinha [de Umbanda] era amiga da família; a família dela é amiga da nossa família, da família por parte da minha mãe, então a madrinha Marília, a Marilene que era irmã dela, que eram duas senhoras que cuidavam do terreiro, elas eram amigas, então a gente tinha uma proximidade também de infância, de conviver com os filhos deles, com os filhos delas, com a família toda. E aí, eu fui crescendo e quando eu me vi umbandista, quando me vi dentro da religião eu já estava entregue, sabe?
Eu tive outras experiências, como eu te falei, com apometria, com o Candomblé - com o Candomblé ainda muito forte, mais próxima do que ela é hoje, enfim, experiências espiritualistas que nunca me modificaram, só [se] integraram dentro da minha fé, dentro da minha construção espiritual, aquilo que eu sou hoje, num autoconhecimento, na consciência da espiritualidade. Eu acho que esse movimento da vida espiritual foi algo muito forte, que é difícil você olhar, parar para pensar que queria ter aquele pilar,

o pilar do espiritual como algo em equilíbrio com o restante.
A gente, dentro da psicanálise, olhando o todo, a gente é biopsicossocial e espiritual, tanto que o espiritual é uma vertente. Eu não queria o desequilíbrio, mas não conseguia não olhar mais para o espiritual do que para outras coisas. Não que eu não vivesse uma vida social, vivi e vivo ainda normal, mas o olhar para o espiritual é algo que de uns bons anos para cá - acho que, talvez de uns dez anos para cá - ele vem na frente, sabe? Ele vem me colocando na frente para viver mesmo, com mais verdade, talvez com o olhar para fazer disso uma missão de vida, como eu tenho feito e tenho tentado fazer, e aí o mundo, essas percepções que eu tenho dentro do mesmo espaço.
Hoje o espiritual é algo que me norteia. Hoje a espiritualidade é o que me norteia, é algo que me traz sentido na vida.





















































































(50:26) P/1 - E falando ainda sobre espiritualidade, existe algum aprendizado que você teve da sua religiosidade que você traz para sua atuação profissional?









R - Ah, muita, muita. Eu acho que tanto daqui para lá quanto de lá para cá. Nem tudo é espiritual e nem tudo é emocional. A gente tem que buscar realmente essa zona de equilíbrio, mas eu acho que é um olhar para o outro, o olhar para a construção, das pessoas perceberem muitas vezes as necessidades do outro e com o olhar empático para conseguir às vezes escutar aquilo que muitas vezes a gente não daria ouvidos dentro do espiritual e idem no profissional.
Acho que a gente é um ser só, a gente vai vivendo um pacote. Eu me considero um psicanalista integrativo, então eu não consigo hoje viver só a psicanálise crua e cartesiana, sabe? Hoje eu acho que a gente é um monte de coisas que compõem o nosso ser e fazem… Que configuram a nossa essência, o nosso ser, a nossa missão de vida, enfim, e que está ligada a tudo. O espiritual é o pilar para a psicanálise mesmo, do sentido da vida, é o pilar que traz sentido. Então quando você fala do ser, da construção do eu, a gente vai ter um pilar que vai trazer um sentido, e quando eu consigo olhar o sentido da minha vida e conciliar ele dentro dessa minha verdade, com aquilo que eu acredito, com aquilo que eu tento viver, aí eu acho que existe uma comunhão de esforços, de energias, de desejos também; [eles] se juntam de alguma forma para olhar mesmo para vida, para aquilo que a gente está se dispondo a fazer.
A psicanálise traz ao consciente aquilo que o inconsciente sofre; o espiritual te leva a uma expansão da consciência por aquilo que você não tem acesso, mas que te faz um ser maior, um ser mais dono de si, mais dono da tua missão de vida, da tua existência, mais pleno daquilo que você realmente pode exercer como ser humano. Então acho que são duas expansões que se juntam dentro dessa oportunidade de olhar para o todo,

mas é claro que são posições diferentes. Eu estou dentro da clínica psicanalítica, eu estou dentro da minha tenda, eu estou babalaô, e aí eu tenho uma função diferente. Eu tenho um olhar diferente também, tenho um objetivo diferente, senão a gente não dá conta de tudo.





































































































(54:12) P/1 - Eu queria que você comentasse quando surgiu a ideia de você se tornar psicanalista. Como a psicanálise surgiu na sua vida?



R - Eu já tinha… Uns cinco anos antes de sair do corporativo eu vim fazer psicanálise. Fui estudar, fiz alguns cursos, fui buscar uma pós, um curso livre. Fui fazendo um monte de coisas e algumas coisas eu não encontrava. Eu pensei em fazer Psicologia, que era uma coisa que eu tinha vontade na época que fui prestar vestibular e de verdade não ia ter condições de pagar. Algumas coisas a gente… Não existia um incentivo para faculdade naquela época, então você ou pagava ou não pagava, não fazia.
Quando eu comecei a estudar psicanálise, um amigo tinha um espaço e eu comecei a atender à noite no espaço dele. Fiquei quase cinco anos fazendo uma transição, formando aquilo que eu realmente queria, analisando o que eu já não queria mais, que tinha sido super importante para mim, que tinha mudado coisas até, para talvez ter uma estrutura hoje, para poder fazer esse movimento.
Comecei a clinicar. Quando eu saí da empresa eu já estava na clínica, basicamente abrindo os horários do dia. Eu já trabalhava toda noite e final de semana, e aí essa transição foi leve, foi algo meio que… As pessoas falavam: “Você é louco! Você nem imagina, você vai largar isso tudo? Você vai?” E eu falava: “Não, não dá mais!” Não descia mais, não tinha mais sentido, sabe? E aí eu comecei a viver a profissão da psicanálise e me encontrei.
Profissionalmente, acho que foi um super passo. Eu estou vivendo a psicanálise pura na minha vida há mais ou menos uns quatro anos só, só a psicanálise; há quase uns dez [anos], ela conciliada com outra atividade.

























































(57:12) P/1 - E voltando um pouco nessa questão da religiosidade, você já sofreu algum preconceito no ambiente de trabalho por conta de ser umbandista?



R - Eu sempre me posicionei como umbandista. Nunca percebi no trabalho em si. Como eu acho que eu tive uma construção profissional na época da… Porque eu também não tive muitos empregos, fiquei muito tempo em um lugar só, mas existia uma… Talvez um olhar, “essa Umbanda”, sabe?
A gente brinca que os macumbeiros se acham no ar; você vai fazendo amizade, fazendo vínculo com as pessoas, se cruzam no ar, então a gente vai… A gente se fortalece também, de uma forma; você tem que criar uma representatividade dentro dos lugares que você está.
Uma coisa que falta muito para a Umbanda é representatividade, talvez até política, de alguém que olhe pelas necessidades políticas e pelos direitos de liberdade. Enfim, a gente depende do desejo daqueles que não são umbandistas e que colocam a gente às vezes em uma pauta solidária, mas não que vivem a nossa verdade, a nossa dor do dia a dia, as dificuldades da religião.
Eu, diretamente, não [senti preconceito], no trabalho não. Mas no colégio, na infância, muito, era até comum. Nem considerava-se mais agressão, em algum momento isso virou uma piada, sabe? “Ah, o macumbeiro! Ah, chama o Luís lá, para fazer…” Às vezes você ria, em algum momento você para pra ouvir a agressão e não tem força para modificar aquilo.
As agressões, às vezes elas acontecem porque a gente não tem força para lutar contra elas, não tem recurso, porque no máximo o que você vai falar é criar um outro problema dentro de uma estrutura escolar, de uma época que se você falasse de liberdade religiosa você era percebido de forma diferente, enfim, também não tinha essa consciência. Meu pai [era] mais incisivo em algumas situações negativas, de ir mesmo, de… Mas a gente sabe que depois a gente sofria as retaliações veladas, que não existiam, mas que existiam no dia a dia. Então a gente vai criando uma casca, para entender.
Tem uma fase da vida também que você vira espírita e não umbandista, então todo mundo é espírita. Você não sabe qual linha espiritista aquela pessoa frequenta, e aí é menos preconceito. Muitos confundem, pode ser kardecista e tal. O kardecismo é mais

bem aceito, então a gente acaba virando umas coisas assim, mais… Isso até hoje, se você sai de branco para ir ao supermercado e você não é médico nem enfermeiro, você sente, você percebe, na forma de relacionar-se.
Quando a gente veio para esse espaço… Eu abri essa casa durante a pandemia. Minha madrinha passou a casa dela e saiu da frente; estava com noventa anos, não ia mais tocar os trabalhos. Nesse período, eu tinha feito sacerdócio com o Pai Ronaldo Linhares, mas sem pretensão de nada. Aí veio a pandemia, os trabalhos pararam; comecei a fazer algumas coisas em casa e o movimento começou a crescer, aí a gente começou a procurar um espaço, porque não dava para fazer em casa. Eu moro num condomínio, em uma vila, e as casas são muito próximas. Naquele pico da pandemia, sabe? Medo de aglomerar, medo de, enfim, de colocar as pessoas também, de alguma forma… Deixar elas inseguras.
A gente começou a procurar um espaço e foi uma saga, porque vários lugares, quando a gente dizia que era Umbanda… Aí o preconceito foi… [A resposta] era “não”. Cheguei a falar em um espaço, achei um salão incrível e falei que era uma casa religiosa, que era um espaço religioso. Quando eu voltei para ver com outras pessoas, que eu levei para ver o espaço, o rapaz falou assim: “E a igreja de vocês é de qual?” Eu falei: “Não, não é igreja, é terreiro de Umbanda”. O menino, o corretor deu uma arregalada no olho e aí eu já falei: “Hum!” E já estava batendo o martelo, sabe? Eu era o único. No outro dia ele me ligou, falando: “Ai Luís, tinha um rapaz na frente e eles fecharam. Vou tentar ver alguma outra coisa para você”.
Isso foi em vários lugares. Um corretor até me disse: “Olha, vou dizer, vocês estão muito… A gente está na zona leste, mas é muito perto do centro. Se abrir um terreiro de Umbanda aqui, uma casa de Umbanda, você vai desvalorizar o imóvel. Tenta buscar mais para o extremo, porque você consegue. Aqui você não vai conseguir”.
Passei na frente deste espaço que estava para alugar. Precisava de uma reforma, de um movimento de arrumar mesmo, estava feio o negócio. Mas aceitaram, falaram que tudo bem. E de cara eu já comecei a falar, porque foi o último espaço que eu dei oportunidade, sabe? [Pensei:] “Se não der certo, a gente vai fazer uns trabalhos lá no santuário e aí vou ver o que vai acontecer.” Mas sem também ficar se magoando, se permitindo viver isso. Cada ‘não’ é uma dor, porque você sabe o porquê do ‘não’.
A gente abriu essa casa, e aqui é uma rua que tem movimento comunitário forte. Tem várias comunidades pequenas, tem até invasões. A gente caiu numa rua assim, super… A gente percebeu que as pessoas poderiam, a gente poderia se engajar talvez em alguma causa.
Logo que a gente chegou, eu fui me apresentar para todos os vizinhos. Bati de porta em porta pra dizer quem eu era, o que a gente estava abrindo. É um bairro misto, comercial e residencial, mas achei que a gente devia esse respeito também, de estar chegando, se apresentando, enfim. Alguém perguntou, dentro dessas conversas, se a gente ia fazer alguma ação, e eu falei que a gente estava pensando, a gente tinha algumas ideias, mas a nossa ideia inicial era olhar para a alimentação - estava na pandemia, sabendo das necessidades das pessoas, a gente começou.
No primeiro mês a gente conseguiu juntar sete cestas, no segundo umas quinze, e hoje a gente tem setenta famílias cadastradas, e um monte ainda na fila de espera, porque não dá pra gente atender todo mês. Mas a gente conseguiu achar um espaço para se juntar, para fazer também o nosso papel social dentro desse grupo, nesse bairro, nesse quarteirão - talvez nem tanto assim.
A gente tem feito ações junto com essa comunidade, com essa galera que está aqui em

volta com a gente, que acolheu a gente tão bem, que trouxe um sentido diferente para o nosso trabalho, e hoje eu percebo que a gente se tornou amigo da comunidade, sabe? É muito legal você sair aqui na rua. Você cumprimenta, conversa com as pessoas, as pessoas vêm e conversam com você. A gente troca ideia, a gente faz ações para minimizar as necessidades do bairro e faz… Está cuidando agora de uma pracinha que tem aqui na frente, coletivamente; era um lugar bem abandonado, abandonado pela própria Prefeitura, não existe nenhuma manutenção. A gente [disse:] “Vamos cuidar juntos, vamos olhar juntos para o nosso espaço.”
O que falta para as crianças no começo do ano para a escola, a gente faz o movimento de ajudar a criar os kits escolares, os kits para recém-nascido. A gente cria kits, entrega kits para mães que estão entrando no processo de gestação e não têm nada, então [fazemos] um kit completo mesmo, para elas poderem ter tudo em casa, de roupinha até fralda. [Fazemos] as cestas básicas, as ações que a gente tem de levar comida para os moradores que vivem nos viadutos aqui do arredor, então a gente tem uma escala de participar, de levar da nossa tenda a alimentação para essas pessoas, até produtos de higiene básicos, absorventes, que as pessoas pedem. A gente começa a olhar e tenta levar um pouco de dignidade, porque às vezes é indigno, sabe? Não é digno. Quando a gente foi cadastrar as famílias de casa em casa, tinha coisas que não eram dignas, não eram dignas para viver. A gente não poderia ficar indiferente.
A gente fala de Deus, de amor, fala de fé e não fala da fome, não fala do frio, não fala dos medos, das agressões, então não vale nada, não vale para mim. Não representa a essência da fé que eu carrego no coração. Se não tiver um olhar também para a vida humana, se não olhar para o ser humano, para o coletivo, não dá para você fazer uma festa no terreiro e saber que o seu vizinho está passando fome. Tem criança que não tem caderno e que aplaude a cesta quando chega. Então são situações que levam a gente a olhar para a nossa posição, a se posicionar diante de um todo, diante do coletivo, diante do social, das causas diversas.
A gente tem uma casa [que] é aberta com o fundamento da diversidade, da integração, do acolhimento de todas as causas. E a gente está numa posição de buscar mesmo,

a nossa orientação já vem do preto, [é] uma casa de preto velho; é uma casa que tem como essência a luta do preto, do escravo, do marginalizado, do demonizado… Muito mais do que o marginalizado. O marginal é pouco, o marginal vai preso, o marginal cometeu erro, ele é demonizado, a figura do demonizado, a figura do excluído. Então a nossa casa traz isso, ela tem essa proposta.
A gente foi se juntando com pessoas e hoje a gente tem uma casa regular, uma casa aberta. Ela é filiada a uma federação muito correta, muito idônea. A gente busca fazer ações junto com outras pessoas, com outros… Mas o nosso trabalho é aqui, é aqui no nosso cantinho, na nossa rua, aqui no nosso bairro. É aqui que a gente faz as festinhas de Natal, de dia das crianças, que a gente interage com a molecada, que a gente vê as pessoas buscando, tentando fazer ações para encaminhar pra trabalho, quando a gente sabe que alguém está precisando de emprego. A gente vai fazendo o que dá, o melhor que a gente pode, e vai se juntando aqui, unindo forças. Quando a gente vê, já, as coisas vão dando certo.



























































































































































































































(1:13:52) P/1 - E em que bairro vocês estão, Luís?

R -

Eu estou na Vila Prudente.





(1:14:01) P/1 - Certo. Você tinha comentado a respeito da abertura dessa casa durante a pandemia, então houve uma série de atividades, vocês estavam ativos para conseguir organizar tudo isso, inclusive essas ações que vocês fazem. E como foi esse período da pandemia, pessoalmente, para você? Em relação a tudo que você precisava fazer, em relação aos seus atendimentos como psicanalista, em relação à sua saúde mental, como tem sido esse período?









R - Logo que saiu a pandemia, que entrou o primeiro recesso, eu vou te dizer que me deu um desespero de cara. Falei: “Nossa!” Pensei: “O que eu vou fazer?” Porque… Só que profissionalmente, nosso trabalho cresceu absurdamente, mesmo com o modelo on-line, que nós adotamos inicialmente, até ter segurança. Isso persiste em vários pacientes, ainda hoje.
Comecei a atender gente de fora, que eu não abria para atender, gostava do atendimento presencial e tal, e abriu um outro leque de oportunidades. Profissionalmente foi uma oportunidade, talvez única, em toda a vida que eu vou ter,

porque veio uma avalanche de gente procurando ajuda e pedindo ajuda. Por outro lado,

você via os não privilegiados com isso, e aí quando a gente começou a fazer essas ações, a gente começou a perceber que você começava a ter pessoas que trabalhavam como diaristas, profissionais que trabalhavam como ajudantes, pedreiros, [que] faziam serviços de reparo… Esses começaram a ser cortados, eles começaram a perder a renda diariamente. Aí você começa a ver as pessoas que têm pequenos negócios perdendo, outros perdendo, enquanto a gente não via nenhum movimento que acalentasse, falasse assim: “Não, vai ter, tem que ter! Alguém tem que olhar para esse povo sofrido.” E aí a gente começou a fazer o que a gente pode, começou a ouvir o que as pessoas… Tentar levar o que as pessoas precisavam.
É muito difícil você entender essa causa quando você não a vive, mas quando você está no meio dela, que você começa a viver com pessoas, a se relacionar com essas pessoas, e as pessoas começam a te trazer um pedido de socorro… Aí a gente começou, dentro do grupo mesmo, a expandir o nosso… A gente começou a buscar, porque agora a gente fez uma campanha de roupa, então a gente cuida da roupa, faz uma seleção no que a gente recebe, para dar aquilo que seja digno para as pessoas usarem, de cobertor, enfim…
A gente teve semanas absurdamente frias, e a gente percebeu que tinha que fazer alguma coisa, que não poderia ficar indiferente; as solicitações, elas são muito primárias, sabe? Então quando você percebe socialmente que falta absorvente, e aí você vai perguntar qual a quantidade que cada mulher usa, e elas falam: “Não, só pra gente sair de casa. Em casa a gente se vira com uma toalhinha, é só pra gente ir para a rua, não precisa ser muito”. E você começa a falar: “Cara, ela não tem absorvente!” Eu não sabia quanto custava um absorvente, não fazia ideia do custo que isso gerava, como isso faz falta e como isso não é algo de primeira necessidade na lista de compras, do que podem comprar, dentro do que eles têm de recursos. Você vai vendo que são coisas mínimas mesmo.
Às vezes a gente pode se juntar, se unir, se fortalecer como sociedade, como ser humano. Isso fortalece a gente na alma. Você está integrado numa construção social que você pode dar o seu melhor e fazer com os seus esforços, algo para melhorar a vida das pessoas - mesmo que seja pouco, porque parece que em algum momento a gente fala: “Nossa, é tanto esforço, né?” Mas o pouco é o que você vai fazer, é o seu melhor.
Acho que a gente que traz esse olhar da espiritualidade não pode ficar só a ver o outro. Não posso clamar o espiritual e ignorar o ser humano do meu lado, não posso louvar o espiritual e entregar minha fé se eu não tiver condição de olhar para quem está na matéria, está na carne que nem eu, respeitar o que está do lado, independente do que ele seja, do que ele faz, do que ele quer, sem julgar, sem nada. A gente tem que se despir, até para a própria casa religiosa a gente tem que se despedir dos nossos valores, às vezes, sabe? Dos nossos preconceitos, dos nossos achismos. A gente vai sendo criado cheio de achismos, cheio de ‘julgamentozinhos’, leves, muitas vezes, quase imperceptíveis, mas que vão colocando a gente sempre… Quando você vai entrar numa zona como essa você vai ter que se libertar deles, porque não importa quem vem na casa. A casa é aberta para quem quiser e eu não vou fazer filtro, até porque a proposta não é essa. A gente vê as casas muitas vezes sendo construídas já meio elitizadas, e a gente tem mesmo… A nossa ideia mesmo é se firmar cada vez mais nessa zona mais periférica, pra gente também construir o sentido do nosso trabalho aqui dentro, para a gente construir o sentido da nossa missão espiritual até, que é o olhar.
A Umbanda nasce com essa… A Umbanda se oficializa, na verdade, pelo preconceito. Quando o seu Zélio, que é o fundador da Umbanda… A Umbanda já existia como prática muito antes, você já tinha a origem das incorporações e das práticas umbandistas em outras casas, mas com outros nomes, sem nomes talvez, e ele quando vai na… Ele sofre ataques, ele sofre com a mediunidade. Levam ele na Federação Espírita, lá ele traz um caboclo e esse caboclo é impedido, ele é julgado por ser um índio, então a Federação Espírita diz que aqueles espíritos ali não… [Eles] precisam buscar um outro lugar, porque ali não é lugar para um espírito daquela energia, daquela evolução; ali era lugar para espíritos evoluídos e ele tinha que buscar evolução. Enfim, ele volta e então funda a Umbanda. E esse caboclo, o Caboclo das Sete Encruzilhadas funda Umbanda. Ele disse que a partir daquele dia nenhum espírito ia sofrer o preconceito pela cor, pela raça, pela condição, pela representatividade social. E a Umbanda nasce desse preconceito, dessa exclusão, então viver a Umbanda sem olhar para as exclusões não é viver a Umbanda na essência dela. Viver a Umbanda sem olhar para o universo e para as exclusões e para as necessidades do seu universo, que seja, porque eu não consigo fazer nada além desse bairro aqui, desses quarteirões, dois quarteirões que a gente ajuda, que a gente atua, na verdade. Se não, não é por mal, mas não dá conta, então “vamos tentar aqui” e aí o outro faz ali, o outro faz ali, e a outra igreja pode fazer lá, um outro templo pode fazer ali.
Se o olhar do espiritual conseguir integrar e perceber uma sociedade necessitada, carente, pedindo socorro e fizer alguma coisa, é incrível! Não é esmola, porque às vezes as pessoas falam: “Mas você vai ficar dando cesta básica até quando?”. Até quando as pessoas precisarem, porque quantas não vêm e te falam: “Olha, arrumei emprego e eu estou ganhando cesta básica aqui no meu trabalho, eu não vou pegar mais”. Puta, é uma festa, é uma alegria, porque você fala: “Ah, as pessoas são abusivas, você alimenta o cara”. Não, não! Não é a comida que vai alimentar. O sistema exclui, o sistema torna essas pessoas desnecessárias até elas não sentirem papel, fundamento social em nada. Então você conversa, você vê algumas crianças que quando a gente deu o kit escolar, a gente comprou o caderno, estojo, mochila, sabe? Parece que alguém olhou, sabe? Você fala: “Cara, um estojo!” Com meia dúzia de lápis, duas canetas e você fala: “Caramba, é nada, né?” Para cada um que adotou uma criança, que a gente cadastrou as crianças separadas de acordo com o ano escolar delas, era nada. Muita gente adotou vários, trouxe vários kits, e as crianças ficaram enlouquecidas.
Você fala: “Cara, é uma bola no final do ano”. Uma bola, uma boneca, é uma embrulhada, é uma caixa de bombom na Páscoa. Eu só abri aqui para o dia da sopa, pra fazer uma sopa e tomar com a comunidade juntos - a gente toma junto, a gente come junto, a gente tá junto. A gente faz o que a gente vai comer, quando a gente vai dar a gente dá o que a gente come, o que a gente tem e eu acho que isso permite que a gente prospere nesse âmbito, de ter mais pessoas engajadas, mais pessoas solidárias às nossas intenções.
É muito difícil você integrar pessoas com as suas intenções no mundo de hoje. É muito medo, as pessoas ficam com muito medo. “Será que se eu levar lá, será que vai entregar?” A gente está sempre com o pé atrás. Até quando a gente vai trabalhar nessas ações sociais a gente tem que tirar isso; a gente tem que quebrar, tem que romper esse julgamento. Ele vai fazer o que ele quiser com a cesta básica que eu dou para ele, ele vai fazer o que ele quiser e vai viver da… Eu estou fazendo o nosso melhor, a gente cadastrou essa família, está precisando e vai receber. A gente só tem um critério de cadastrar mulheres, então são famílias, todas as mulheres são cadastradas.









































































































(01:28:33) P/1 - Eu gostaria de te perguntar quais são as coisas mais importantes para você hoje em dia.





R - Nossa, que difícil. Eu acho que eu tenho, hoje em dia, buscado ser feliz, sabe? Eu tenho percebido que as coisas mais importantes são aquelas que preenchem a nossa alma, o nosso coração, que respondem àquilo que a gente coloca na vida como missão.
Eu acho que o mais importante hoje é continuar fazendo o que eu faço, é estar me integrando e buscando a minha felicidade nos entornos das coisas que eu faço, não só da minha vida espiritual, profissional, social, acho que isso é... Familiar, acho que é o mais importante.



















(01:29:44) P/1 - E quem é a sua rede de apoio, Luís?

R - A minha rede de apoio, ela começa… Tem várias redes de apoio. Para a minha vida pessoal eu acho que a minha família é… A gente é uma rede de apoio presente na vida do outro. Mas para as ações espirituais, o grupo de trabalhadores da casa é algo, nossa, indescritível! O envolvimento, o comprometimento das pessoas com a ação da casa… Minha rede de apoio é um pouco também essa comunidade que me ajuda em ações que a gente precisa fazer, às vezes físicas, como, sei lá, limpar pracinha. A gente precisa se movimentar e não tem braço para isso. E a pessoas que frequentam a casa, amigos próximos.
Eu acho que a gente tem esse projeto da tenda [e] ela passa por essas pessoas, ela só existe porque essas pessoas fazem acontecer. Sozinho eu teria parado na quinta cesta básica; quatro, cinco cestinhas era o máximo que dava pra suprir. E hoje a gente tem um universo maior, a gente consegue fazer outras coisas com o envolvimento das pessoas que estão juntos comigo e que caminham juntos nessa estrada, com esses objetivos muitos parecidos.
É legal porque se tem um pessoal mais velho da nossa geração, um pouco acima, também veio chegando uma moçada nova, cheia de energia, sabe? Cheia de força para o outro, para o social, para as causas nobres da vida e isso dá uma puta… Nossa, enche a gente de esperança! Quando você pega a molecada e sai para distribuir comida, você está com três, quatro jovens de dezoito [anos que] podiam estar em uma balada, podiam estar fazendo outras coisas… "Não, hoje é dia da gente distribuir alimentos." Envolvidíssimos, sabe?

Vivendo aquilo como uma verdade, já, então a gente vai se enchendo de esperança. Acho que a gente apoia tudo, pra tudo! Um sozinho não faz nada, a gente não faz nada.

(01:32:46) P/1 - E quais são os seus sonhos para o futuro, Luís?

R - Ah, meus sonhos! Nossa, meus sonhos… Às vezes a gente é meio… Tem uns sonhos meio longínquos, que parecem distantes no olhar, mas não sei… Em algum momento a gente ter uma sede própria, ter uma estrutura de parcerias melhores para nossas ações.
Pessoalmente eu sou uma pessoa que gosta muito de estar em movimento, de viajar, de fazer coisas que me façam bem, que me façam feliz. Eu sou uma pessoa que gosta muito de se planejar para o futuro, com viagem, com passeio, diversão, porque na vida você precisa do todo. Mas sonho mesmo eu acho que é estruturar esse projeto de uma forma com mais segurança, talvez com mais autonomia, tendo um espaço talvez melhor, mais adequado para a gente poder estar fazendo as nossas ações e estar recebendo hoje… Às vezes a gente tem dificuldade de espaço para guardar, por exemplo, roupa; a campanha que a gente fez do agasalho foi… A gente já punha no carro para levar para casa, porque não tinha onde colocar.
Eu acho que o sonho é que as pessoas pudessem não precisar das nossas ações, que essas crianças que vivem nessas comunidades tivessem condições iguais às de qualquer criança, acesso igual à qualquer criança - o direito à moradia, à alimentação, às coisas básicas, oportunidades básicas. Quando a gente trabalha com um projeto e busca fazer essas ações sociais, a gente vê só desigualdade, a gente só percebe a desigualdade, o quanto é desigual na oportunidade, na vida, no olhar para o ser humano, como é desigual! Como o mundo é desigual, como tudo, tudo para algumas pessoas é desigual. Alguém tem que olhar para o desigual, alguém tem que olhar por isso. Meu sonho era que existe essa igualdade no olhar, que a gente tivesse uma estrutura e respeitasse as diferenças, mas que desse oportunidades iguais, porque é triste ver um menino indo para a escola de chinelo estourado e feliz às vezes, mas lá ele vai sofrer, já está sofrendo. Ele já sai sem alimento, já sai sem as condições, sem o caderno, sem o material. Meu sonho era que as igualdades não estivessem só no papel, que elas fossem uma realidade da vida.

(01:36:36) P/1 - E qual legado você gostaria de deixar, Luís?

R - Ah, eu acho que… Legado é forte, né? Eu acho que eu gostaria de poder entusiasmar outras pessoas. Isso eu acho que a gente consegue, eu consigo fazer, de alguma forma. Entusiasmar as pessoas a olhar para as outras, perceber aqueles que estão do seu lado. Talvez o legado seja uma mudança de comportamento, uma mudança na percepção do ser humano pelo ser humano mesmo, mas eu acho que a gente se entusiasmar com o outro, já…

Se eu conseguir entusiasmar alguém com o outro, perceber alguém que está em uma condição de necessidade, já valeu.

(01:37:40) P/1 - Então nós vamos para a última pergunta.

R - Tá.

(01:37:45) P/1 - Como foi para você hoje contar a sua história pra gente?

R - Ah, foi ótimo! Eu me emocionei, viajei bastante, fui para lugares da minha memória que eu não acessava há bastante tempo. Foi muito prazeroso, realmente foi muito, muito prazeroso, adorei!


(01:38:18) P/1 - Bom, então a gente em nome do Museu da Pessoa, a gente agradece muito você ter aceito o convite e a conversa que a gente teve hoje também!







R - Oh, querido, que é isso! Eu que agradeço a vocês pela oportunidade de falar um pouquinho, de contar um pouco dessa… Não só da história de vida, da minha história de vida, mas desses projetos coletivos aqui que eu acabo carregando.