Museu da Pessoa

A rainha do Repente

autoria: Museu da Pessoa personagem: Maria Alexandrina da Silva

Projeto Mapa Sonoro do Brasil
Depoimento de Mocinha de Passira (Maria Alexandrina da Silva)
Entrevistada por Eduardo Miranda, Arnaldo Xavier, José Santos e Gilmar Santana
08/08/1998
Entrevista nº MSB_HV001
Realização Museu da Pessoa

P/1 – Boa tarde, Mocinha. A gente gostaria de começar a entrevista pedindo a sua identificação, seu nome e local de nascimento.

R – É Maria Alexandrina da Silva, Passira, Pernambuco. __________, né? É depois da cantoria, quando eu comecei a cantoria, aí __________ lá em casa __________ Maria: Maria José, Maria Max e Maria Alexandrina. Maria Maior, Maria Menor, e tinha que ter apelido, daí Mocinha. De onde? Passira.

P/1 – Você podia dizer um pouco sobre seus pais, o nome e origem deles?

R – Meus pais eram de origem camponesa. Meu pai gostava do campo, minha mãe também. Eu só gostava do campo para buscar o que tava pronto. Tá maduro, vou buscar. Então, João Marques da Silva e Alexandrina Maria da Silva.

P/1 – Eles trabalhavam em quê?

R – Geralmente no campo. Agora, no campo se dividia entre agricultura e a criação de animais. Por aí eu fui surgindo, buscando aquele bezerrinho bonitinho pra mim, aquele carneirinho fofinho, aquele bodinho bonitinho que ninguém podia vender e nem matar. Só preto. O campo pra mim só pra passeio, também. Fui a última deles, né? Tinha que ter um capricho assim para não ir no campo, só buscar. Às vezes não tava nem pronta, eu já ia buscar. Antes da hora.

P/1 – Você teve quantos irmãos?

R – Somos quatro, três mulheres e um homem. Três Marias e um Severino – que devia ser José, né?

P/1 – Mocinha, você consegue se lembrar de como era a sua casa na sua infância?

R – Eu me lembro. A minha casa era na beira de um açude na várzea do rio Cotunguba, que banha, inclusive, o vale da Passira, ao lado oposto do Capibaribe. Era uma casa com muitos ________, muita coisa, e aquele açude na frente para eu tomar banho, subir nos pés de árvores... Essa casa foi desfeita devido às cheias. Eram cheias em cima de cheias e ninguém mais aguentava tanta perda de coisa, aí fizeram uma casa na ladeira. Morreu a casa, mas ficou a memória.

P/1 – Você lembra das suas brincadeiras de infância com suas irmãs e do que vocês brincavam?

R – Eu sempre brinquei de inventar. Ia na cerâmica da vizinha, pegava barro escondido, à noite, seja a hora que ela não estivesse, e trazia um monte de barro pra fazer boneca, criar bonecos. Agora, quando _________, ia fazer os bonequinhos ocos assim, para ele pegar a chupeta, para botar o leite e botar o mingau e botar _________ também, porque aquele leite tinha que sair, né? Tinha que escaldar o boneco. Fazia três, quatro bonequinhos de barro, depois ia no fogo que cozinha panelas e esses bonecos eram cozinhados. A hora que os caras estavam com aqueles paus empurrando os vasos, que eles dizem cardear, é a hora que a panela tava boa, e mexia numa _________ de boneco. Quando eu tirava dez, tinha quatro ou cinco perfeitos, o resto tava tudo quebrado. Era um desperdício, porque tinha _________ da região. Eu trocava por brinquedos bonitos, por peças de panos, por sapatos, por esmalte, por batom. Porque eu fui inventando boneca e as meninas vinham tudo procurando esse boneco.

P/2 – Essas bonecas são parecidas com as de vitalina?

R – Não, aquele de vitalina era muito miudinho. Ele era grande. Era bicho que eu pegava mamadeira, pegava 200 gramas de papa.

P/? – Quer dizer que você tem uma vocação pra escultura?

R – Mais ou menos por aí. Daí esses bonecos, _________ dos bonecos e já pulei pra outra área, porque eu sempre sonhava com o som de viola, instrumento de corda, meu sonho era esse. Na região aparecia de vez em quando as cantorias, principalmente na época da safra – que a gente diz quando amadurece o milho e o feijão, a fava começa e o algodão quer brotar –, os caboclos convidavam aqueles violeiros que vinham de longe. Já estava na agenda: mês de setembro, outubro tinha muitas cantorias na região. Eu participava como apologista, pedindo muito silêncio ao povo, que terminava fazendo mais barulho do que o normal.

P/? – Você se recorda a primeira vez que você viu violeiros em ação?

R – A primeira vez que eu vi foi pertinho de casa. Foi um tal de Manoel Nogueira e João Soares, os dois são mortos hoje. Eu via aquele povo chorando, aqueles _________ cantando aquele romance – acho que era romance que eles cantavam, os motes antigos que diziam: “Os ossos choram com pena da carne que apodreceu”, aí muita gente chorava, porque a realidade da vida é ali mesmo, né? Foi a primeira. A segunda foi do outro lado, do lado do sol se pôr, na casa do Amado de Melo, aí foi Severino Cambuci e Severino Moreira. E depois que eu ouvi a terceira comecei a fazer versos de sextilhos.

P/? – Isso você tinha quantos anos?

R – Na faixa dos doze anos, por aí. Antes dos treze anos eu já cantei com os _________ três horas numa noite. Essa cantoria começou quase nove horas da noite e foi até meia-noite.

P/? – Você cantava todas as modalidades?

R – Todas, não. Principalmente martelo agalopado – que é difícil demais, ele não tem alvo –, mas já cantava o quadrão, cantava moda de sete, moda de dez, o quadrão de dez, o quadrão de sete, o quadrão de oito – que de sete é Mourão. Mourão era de sete ou de dez, né? Mourão de sete era aquele antigo. O Mourão antigo, o primeiro não rimava com o terceiro, o primeira era pegando a deixa, então o segundo rimava com o quarto, o quinto com o sexto, e o sétimo tinha que rimar com o quarto e o segundo. Por aí começou a caminhada.

P/? – E a sua família? O que achou disso?

R – Meu pai foi o que deu mais força pra mim. Ele dizia pra cantar, fazer as estrofes, mas em silêncio, aí pai dizia: “Faça alguma coisa pra gente ouvir.” Eu digo: “Não, compra uma viola que eu faço.” Pai não era de dizer que não. Aí todo mundo na nossa família __________ conselho, né? “Vou comprar viola para quê?” A minha vizinha, que só tinha irmão homem: “Faz uma __________.” Eu digo: “Não tenho incentivo de fazer isso, não. Vai chamar um cara para cantar comigo.” Pai foi num distrito de Passira chamado Telha Branca. Tinha a viola de um cara lá e compramos a viola, acho que era a régua inteira essa viola, tinha 12 cordas. __________. Parti para a cidade de Feira Nova e fiz um convite ao seu Zé Monteiro. No sábado próximo ele não podia, então no outro. E começou a fazer os convites, na hora que o cantador chegasse era __________, muitos fogos explodindo no ar. Nessas alturas, quando o jipe... Era __________, na época. Quando o jipe vai parando minha mãe diz: “Lá vem o cantador.” Ele tava com uma caixa de bonecos. Achei que ele não levou fé, falou com todo mundo, falou com minhas irmãs, falou comigo, olha para a minha irmã maior e disse: “Essa moça aqui?” Pai disse: “Não, é essa daí.” Ele disse: “Essa menina?” “É, essa.” Eu perguntei pra ele quais seriam as cordas, ele fez a lista, meu pai comprou. Ele afinou do jeito que ele quis, mas é porque eu não sabia afinar, né? Eu também não toquei, eu não sabia. Eu botei a viola na porção, porque também cantar sem a viola era difícil, e começou por aí. Na outra semana já tinha outra cantoria, e lá vem outra, lá vem outra e pronto. Não teve negócio de eu passar dois meses cantando em casa. _________ se trancou no começo dessa cantoria, quando viu que tava assim destrancou. Eu disse: “Vai ser a maior decepção do mundo”, que quando a coisa começou, no terceiro baile ele abriu a porta. Na época não sei qual era a moeda mais alta, ele põe na bandeja, aí levou fé. Tinha que sair alguma coisa, né?

P/1 – Você começou e não parou mais.

R – Eu tive as paradas por motivos de doença. Teve uma parada que foi através de problema sentimental que não deu certo e eu tive que fugir de uma coisa pra outra, de um estado pra outro. Nós íamos até o Rio de Janeiro, passei um tempo escondida por aí e depois voltei. Tive mais cabeça e tudo, agora sou eu. Meus pais me liberaram por quê? Eu nasci só, ninguém vai morrer por mim. Ninguém morre acompanhado, né? A não ser no desastre, mas um morre primeiro que o outro.

P/? – Mocinha, e o rio Capibaribe no teu processo de criação?

R – Passa rasgando.

P/1 – O que ele é na tua música?

R – Eu acho que ele ainda é adormecido, porque antigamente ele só tá dormido, ele não tem mais água. O Capibaribe não tem mais água, só tem pedra e areia, mas é a tradição: maior rio de Pernambuco é o rio Capibaribe. Como o rio Paraíba é do seu estado, então o nome é o Capibaribe, depois vem o rio Beberibe, vem o Ipojuca, o Una, vem o Piratuba, o Tapacurá... Vem outros rios, mas vai descendo ao Capibaribe, que vem da Serra do Acaraí, rasgando o brecho da Madredeus, cortando ali por dentro, __________, Surubi, aí vem rasgando Limoeiro, __________, e São Lourenço ele faz isso. Ele vem pra tomar contato com o Beberibe, que já vem do outro lado, ali eles fazem a pororoca, dentro do mar. Cantando galope na beira do bar, os rios.

P/1 – Mas você saiu de Passira quando?

R – Eu saí no dia 30 de julho, mas eu sempre saio de Passira, eu visito Passira. Eu tenho casa fixa em Passira, mas eu sempre viajo muito e Passira fica só pra me receber quando eu estou chegando pra repouso.

P/1 – Eu perguntei mal. Depois que você começou a cantar e tudo você mudou de cidade.

R – Eu sempre tive casas fora, mas a minha de Passira é uma relíquia: ali não pode, é uma coisa que tem que ficar. Eu sempre morei em Gravatá, tenho casa em Feira Nova, que também passo dias lá, mas é Passira. Esse negócio é só para trânsito, Passira mesmo é meu refúgio. _________ ninguém nem me procura, tem que me dar pelo menos 48 horas de folga.

P/? – Passira, você enfrentou um monte de preconceito. Você é uma mulher no meio da viola.

R – Rapaz, trinta anos atrás era muito mais do que hoje. Eu não tive muita dificuldade porque meu pai me deu o maior apoio, não tinha preconceito de família, mas tinha preconceito de cantadores e de mulheres de cantadores, que pensavam que se eu ia sentar junto do marido dela para eu ir morar com ele. Agora namorar de banda é difícil, né, bem? O cabra aqui e eu aqui pra namorar. Tinha que cantar de frente, né? Mas isso sempre existiu.

P/? – Fala das duas violeiras __________, a Otília Soares.

R – Otília Soares foi a primeira mulher que __________. Eu tinha catorze anos de idade e tinha um tio que morava em Cavaleiro, aí esse tio meu, que é irmão da minha mãe, trouxe ela para a minha casa, casa dos meus pais, e a gente fez uma cantoria grande. Essa cantoria terminou de manhã com o aboio de vaqueiro no botequim. Sabe o que é um botequim? Bebum de cana, pratos de galinha, de peru, tiragosto... Otília, cheguei a cantar com Otília. Agora não tenho nada de Otília decorado; sei que Otília tá viva, mora em Cavaleiro. No ano passado ela esteve em Vitória, veio visitar um colega nosso que teve o terceiro derrame, que é o Raul Ferreira, e deixou __________ de lembrança pra mim, porque eu também estava viajando. Essa Otília Soares é de Campina Grande. Eu conheço o Manuel Soares, o irmão dela, o Arnaldo conhece... E veio Maria das Dores, também contemporânea da Otília Soares. Tudo na década de 20, porque elas nasceram em 15, por aí. Maria das Dores vive ainda na cidade de Itabaiana, e ela pendurou a viola na década de 70, por aí. Em 68, 69 eu acho que ela tava encerrando a cantoria, porque ela achou que tava mais difícil, já tinha passado pela juventude, e o marido dela, mais velho do que ela, também. Agora ela parou de viajar, mas de cantar, não. Toda semana tinha uma cantoria na casa da Das Dores. A última cantoria que eu fiz em Das Dores foi em maio de 94 – que ela faz aniversário no mês de maio, só não sei o dia – e eu tentei algumas estrofes de Das Dores na época de Das Dores. Todo mundo tem seu auge, né? Ela casou com um elemento que era cantador, da Paraíba também, contemporâneo, conterrâneo, tudo, mas acontece que ele sempre era machista e sempre existe esse desafio, né? “Canta, vai! Você vai defender a mulher, vai defender o homem.” Mas as estrofes de Das Dores surgiram sem desafios, porque cantoria, em geral, vem desafio. Agora quando o cara avisa um desafio ele quer dizer um malcriado, uma polêmica, porque tudo isso é desafio. Quando você pega uma viola e pega pra fazer um repente já é um desafio. Desafiando pra ver quem tem mais criatividade ali, né? Das Dores estava cantando com o marido dela, o Zé Pereira, e eles sempre cantavam em três, porque ele não aguentava muito os cacetes das Dores e passava para outro. Vamos dizer que eu tenho um metro e 55 e ela tem um metro e 50. Pequenininha, né? Aí, terminou a estrofe dizendo: “Isso quando eu crescer eu já estava dizendo quem é”, e o nome do marido é Zé Pereira. Ela disse: “Muito obrigada seu Zé, eu agradeço ao senhor, __________ amor, que a moça que tiver _________ não casa com cantador (risos).” Aí o Pereira, trim, ia fazer o quê? Não tinha nada a dizer se o cantador era ele, né? E por aí se vai.

P/? – E a Chica Barrosa?

R – Ela é defunta na minha época. A Chica Barrosa é uma história que vinha em várias antologias. As que eu conheci mesmo, vamos dizer, que conheci __________, em 69, 70 ela morreu. Essa menina tinha 34 anos de cantoria, tava cantando e morreu por aí. Eu conheci a Doralice, que também cantou um pouco. Essa também morreu. A Terezinha _________, que morreu louca, também. Morreu louca porque ela tinha tendência de cantar, ela era de São José do Egito, mas quando ela casou havia um cerco para que ela não cantasse. Ela arranjou algumas coisas pra se divertir, mas ficou com uma coisa lá, depois enlouqueceu e partiu, e o cabra ficou. _________ tem a Minervina Ferreira da Serra de Cuité, Paraíba. Você conhece a Minervina?

P/? – Conheço.

R – E a Maria Soledade, que é de Alagoa Grande, mas que mora em João Pessoa?

P/? – Só de nome eu conheço.

R – A Maria Soledade... Na excursão A Viola Brasil de 87 eu fiz dupla com a Maria Soledade. A gente saiu de Olinda e fez dezesseis capitais e cinco cidades grandes do Brasil, duplada com ela. Ela é sempre envolvida nessas coisas de sindicato, ela foi presidente de sindicato de Alagoa Grande. Depois daquele problema da Margarida entrou a Penha, depois Soledade, e depois ela se aposentou por ali, em João Pessoa. E o século XXI é que vai dizer o que vem por aí, né? Quais são os gênios da viola feminina que surgirem.

P/? – Mocinha, você falou da sua saída de Passira quando pequena com um problema sentimental, e depois passou um tempo fora, né?

R – É.

P/? – Eu queria saber, se você pudesse falar um pouco dessa bagunça que aconteceu. Quando você voltou – se você voltou –, para onde foi? Como é que você levou a sua carreira depois disso?

R – Isso aí eu já falei. Quando a gente fala um problema sentimental é um problema do coração. Não tem mais o que dizer, é um problema do coração. Então _________. Isso aí é um casamento que não deu certo. O cara queria que eu tocasse forró, e em nome dos vinte forrozeiros que eu não quero nem mencionar o nome dele. Ele tá vivo, eu vi ele andando um tempo desse, ele me deu até um abraço e um beijo pra mim pelo Josafá de ________, da Paraíba. Eu não tinha tendência pra cantar forró, eu queria cantar repente com viola, e não forrozando. Ah, mas aquilo __________ que aí tinha ir com ele beber. _________, alguma pessoa conhecida. Entramos em atrito. Ele não queria aceitar o desquite da época – não era divórcio, era desquite – e eu só peço desquite todo jeito. Com papel ou sem papel, tá tudo acabado. Para isso eu tive que dar uma saída, porque é um povo meio violento. Meu pai achou melhor me esconder e eu vim pra casa de um primo meu em Caxias, no Rio de Janeiro. Aí passei muito tempo, mas fiquei isenta de cantoria por ali, que eu to chegando por ali e não to sabendo nem de nada, né? Depois de dez anos que eu vim pro Rio eu já _________. Nessa época também tava muito difícil e eu _________, porque podia viajar, qualquer coisa, porque meu primo foi me buscar em casa. Foi pra casa do meu pai, tudinho, para poder, eu já tava no Recife, escondida para lá, mas _________ na aldeia dos caboclos ferozes. Quando eu vim eu falei: “Deixa eu ver como ele tá, como ele tá.” Depois melhorou o negócio e eu voltei. Depois ele quis ser meu amigo, mas esse negócio de gato com o rato, né? Nunca se admite. Por mais que você junte o gato e o rato tem um momento que eles se estranham, e pelo que eu _________ ser o gato, dificilmente o rato visse o gato. __________ que nem aqueles gabirus.

P/1 – Que outros grandes amores você...

R – Isso faz parte de uma coletânea passada que eu nem me lembro mais. Eu sou uma pessoa que não sou muito do passado, eu sou mais do presente, o agora. E __________ o que será o amanhã sabe Deus. Agora viver o presente, gostar do presente, porque o que a gente tem é o presente. Esse negócio de futuro, futuro... O futuro da vida é a morte, não é isso?

P/? – Mocinha, a gente queria reconstituir a trajetória da sua carreira profissional. Eu queria que você avançasse, você falou de Passira... Você foi pra alguma cidade grande que você se estabeleceu? Você ficava percorrendo várias cidades? Como é que era?

R – Minha história era em várias cidades, mas sempre morando em Passira. Eu passei um período em Caruaru, eu tive um programa na Rádio Cultura do Nordeste. Esse programa era de manhã, das seis às seis e meia da manhã. Eu fazia com o Orlando Severino três dias, e três dias era o __________ e o Beto Ferreira, no mesmo horário. De segunda a sábado. Eu passava em Caruaru, mas sempre de Passira; agora com uma casa em Caruaru, mas não esquecendo de Passira. Depois teve programa também da Rádio __________, no tempo de __________, ele tocava muita __________ cearense. Um programa da madrugada que a gente fazia na Rádio Clube, e da Rádio Clube a gente mesmo gravava para uma rádio de Maceió. Ele também tinha um programa de rádio, __________. Passamos assim por vários. Depois teve Rádio Planalto de __________. Eu tive oito anos de programas. E tive programa de rádio cultural, de Vitória de Santo Antão, que quando eu saio fica substituído.

P/? – Vamos falar sobre a sua experiência no rádio. O primeiro programa surgiu como? Eles te convidaram ou você foi procurar uma vaga?

R – Eu fui procurar, porque __________ de Caruaru tinha muito acesso lá dentro com o __________, Zé de Almeida, que eram os donos da Rádio Cultura. Ofereceram um espaço para eu escolher o horário, o horário foi escolhido de seis às seis e meia da manhã, pra pegar o __________ em casa antes de sair, né? Porque de manhã os caras só tomavam café e iam embora para a roça. Foi escolhido e eu tive acesso pra __________, Doraci, o Orlando Severino fez a dupla comigo. Eu fiquei segunda, quarta e sexta. Terça, quinta e sábado era __________ de Oliveira e Adalto Ferreira.

P/1 – O __________ era o produtor do programa?

R – Nós éramos da Rádio Clube. Eu estou falando da Rádio Clube. A Rádio Clube de Pernambuco que a gente fazia um programa de madrugada. Aliás, a __________ permanece com esse programa da madrugada. E __________ tinha esse programa de madrugada e também gravava na Rádio Clube para uma emissora – eu acho que era a Gazeta de Maceió – um programa que a gente também tinha, patrocinado pelas Lojas não sei o quê de __________ dos Índios, por ali afora.

P/? – O Gordurinha, não sei se você sabe quem é. É o autor de Chiclete com Banana, com a Almira Castilho.

R – Aquele cara morreu novo ainda. Morreu assim, bateu as botas de uma vez. Tá vendo como é a coisa?

P/? – E ó que o __________ é cearense, né?

R – (canta) Ó Deus, perder esse pobre coitado. E __________ na súplica cearense. Bonito.

P/? – Voltando a sua primeira rádio. Era de seis à seis e meia da manhã. Que tipo de relação você teve com o público? As pessoas escreviam, mandavam cartas?

R - __________ do casamento. Primeiro é pra cantar no rádio e aprender

__________ pouca gente fora. Porque __________ e pronto. E o __________, ele trava. Mas ficava na fossa, __________, campanha política __________, daquele, o João Lira __________, que já tinha o João Lira Neto. Ele era do mesmo ramo, de política, e era do mesmo partido, que era uma Arena, uma coisa assim. Então fazia aquelas campanhas até o limite que dava, quando não dava, dava o transporte para trazer.

P/? – Mocinha, a gente tá falando de política. Fala das Ligas Camponesas que você viu, foi na sua região que estourou tudo aquilo.

R – Quando estourou estava precisando de estourar, também. __________ foi diferente de 64, né? Foi. 64, era uma coisa que ficou mais... Poucas coisas. Eu lembro que eu era pequena e chegaram carros durante as noites lá em casa, com pessoas pra se esconder e pra levar pra Serra da Passira, que hoje tá somente o esqueleto. A serra tá uma coisa quase morta, mas que na época era uma coisa assombrosa, tinha aquela cobra de veado e todo mundo tinha medo de andar. Escondia esse povo pra lá, que chegava à noite; eram os sindicalistas que estavam correndo e chegando e o pai botando pra dentro de umas grutas, pra lá. Ali passava, escondia e ficava pra lá até quando... Aquele povo era alimentado pelo meu pai porque ele levava coisa, agora eu não tenho muita noção do que ele levava. Eu sei que ele saía com as coisas pra lá, pra abastecer esse povo dentro da Serra da Passira.

P/? – Você viu o mito do Arraes, na __________.

R - __________ dos cordéis. __________ eram dominadas pelos coronéis. O cara chegava assim e botava. Se passasse um político à noite e pregasse um recado na sua porta de outro partido contra o dos coronéis, ela vinha com o carro dele e dizia: “Arranca essa porcaria da porta e bota o meu.” __________ cara de pau, __________ e não votava nele mais nunca. Agora acreditava que ele __________: “Bota meu retrato aí.”

P/? – Muitos políticos se valem ou devem se valer das cantorias nas suas campanhas. Você já participou disso? Teve algum período da carreira que você ficou vinculada à política, com as suas cantorias vinculadas à política ou a serviço de algum político?

R – A serviço, não, agora sempre em aberto, cantando pra Deus e o diabo. Nesse palanque aqui para Fulano de Tal e na outra cidade pra Cicrano. Não seria na mesma, mas em outra. Agora nunca vinculada, eu nunca me vinculei a partido porque eles queriam a coisa muito devagar, e uma coisa, esse negócio de paga-se 10% agora e 90% depois nunca me entrou bem.

P/? – Como é que é o pagamento?

R – Vamos adiantar aqui 20%, aí você vai, __________ e o cara perde, aí tu perdeu tudo. Perdeu __________ porque artista cantador da minha região é um artista que tem peso, ele tem pouco público. Ele tem que cantar pra político, aquele pouco se divide. Se é do partido do Fulano, a gente é do Fulano, então a gente não __________, não tem isso. Os políticos adversários se confraternizam, eles estão juntos e tudo o mais; mas o povo não, se divide. Tá cantando pra Fulano de Tal, __________ não vai pra cantoria sua. Aí eu sempre fiquei solta. __________ e subia pro outro lado e cantava pra outro do PDS, de outra cidade. O que __________ porque pra político eu sempre cantei com o cachê no bolso. __________. É tanto. O cara disse: “Depois eu pago.” Eu digo: “Não subo no palanque, eu já to anunciada.” O cabra foi e me deu um cheque: “Eu não pego cheque. Se vira, troca o cheque.” Trocou e eu disse: “Agora, sim.” Eu sei lá, esse cheque ficava pra depois, pra depois, pra depois... __________ pra receber depois. Não, só outra encarnação. [risos]

P/? – Você podia contar um pouquinho da sua experiência na Rádio Clube com o Gordurinha?

R – Era bom demais. Eu nem dormia direito pra não perder o programa das quatro horas. Duas horas da manhã estava todo mundo acordado, tomava o cafezinho, dava três horas e tomava um táxi, ia pra lá __________, Gordurinha, o Gordurinha gostava de um cafezinho, fumava e bebia uma coisinha também por aí. Tinha a cozinha lá preparada pra gente. E __________ tava no programa com a maior liberdade do mundo. Uma coisa é... Você estar dentro de um estúdio é muito bom de você fazer que estar na presença de milhares de pessoas. Comecei assim, achando bom. Achando bom a madrugada e sempre na hora das madrugadas __________ cantorias diretamente para rádio, fazia programa e por aí foi se abrindo várias __________. Agora o que é __________ devia pagar rádio. Até pra ouvir minha rádio, porque o meu substituto canta dez vezes mais do que eu o tempo necessário, porque eu faço às vezes um mês, dois, três sem ir lá.

P/1 – Você também trabalhou com o __________?

R – Se eu fiz o quê?

P/1 – Trabalhou ele?

R – Não, trabalhei com __________ não. Quando aconteceu aquela coisa da Guajará, lá do Pará por aí afora, eu tava nessa privacidade, eu tava nesse negócio de ir só cantar no rádio. Cantava fora. Primeiro porque eu não juntava nego fora. Se eu ia fazer uma apresentação através de um amigo da pessoa, seja lá uma coisa assim, bastava alguém bater palma pra mim já tava o cara com a porta aberta: “Vai-se embora daí e não aparece mais não.” Foi muito perdido esse tempo.

P/? – Você conhece Ariano Suassuna?

R – Ele conhece você de parceiro também.

P/? – Sim, eu sei.

R – Ele conhece também. Ariano já esteve em Passira, na minha casa.

P/? – O que você acha dele?

R – É uma figura que defende _________ principalmente pro lado de instrumentos, instrumentos de corda. Parece que toca nas cordas do coração de Ariano, porque ele gosta. Ele sabe do violino, sabe da viola, essas coisas. Ele gosta de ensinar __________ umas cantorias. Eu fiz cantoria com o Oliveira e Paneras, com Otacílio Batista e tudo o mais. Agora festival, não sei por quê... Ele diz porque festival tem muita máfia, ele não quis fazer uma abertura de festival, pelo lado dele. Festivais que aconteceram no Recife desde que ele tá na Secretaria de Cultura foram por outros canais. Na Secretaria de Cultura não saiu nenhum. Eles têm muita máfia por ali. Dá pra entender que tem porque tem gente com faixa preta pro primeiro e segundo lugar antes do evento acontecer. Tem coisa por aí, viu? Antes a pessoa já tem faixas e tem pessoas desclassificadas. __________ parece que foi agora, em 92 ou 93, o Viola Nordeste. __________ e o cantador da região, realmente conhecido, mas o cara é petista. Canta bem, desenvolve as histórias todas muito bem, __________ pra classificação. Doutor __________, quando saiu da mesa, disse: “Você está classificado.” Disse na cara. Era classificado até o vigésimo lugar, a gente ficou no quadragésimo. Quando Bacaré viu a folha, ele disse: “Vamos embora, aqui não presta mais pra ninguém ficar.” Porque chegou __________ que se arrastaram, não cantaram nada e ele batendo o papo e olhando pra mesa julgadora: “São esses que ficam e aqueles saem.” Já tudo implementado. Sempre existe isso, em quase todas as coisas assim. Quando a gente quer __________, tem alguém que vem, tem que interditar qualquer coisa ali, __________ você deixou de __________ foram muitos festivais em Olinda. Uma cidade que fez quinze festivais consecutivos parou. Porque entra outra __________ obrigando outras coisas que não estavam pro lado dele, de repente. Eu __________ repentista, __________ corderista dentro do esquema dele, mas aqui se o festival é de Repente, é de Repente. Mas o cara pega uma carta assim, de repente aquela carta que tem a pontinha ali virada é a tua. Uma vez eu passei por isso com o Arlindo de Oliveira, o Festival de __________ Santa Rosa, João Pessoa. Agora só porque o cara falou pra mim, ele sabendo que eu sou mais experimente, tenho mais reflexo e __________, só tinha duas cartas. Nós éramos a quinta e aí vinha a sexta, que era __________ e Vitorina a sexta, com Felipe Ferreira. O cara chegou no ouvido de Oliveira: “Não pega a primeira carta que tá muito pesada, pega a segunda.” É porque a primeira era a de Ferreira. Estava tudo pronto, esquematizado. Mas Arlindo não me passou, que eu teria pegado era a segunda, vai-te embora que eu vou crua aqui e você vai também. Não tinha nada de fácil pra gente cantar, a carta deles foi melhor. Isso sempre acontece em várias. __________ pegava no telefone e dizia: “Estou classificado? Se eu tiver eu vou, se eu não tiver eu não vou, não.” Aí o cara dá o __________ o telefone, __________ montava. Por isso o __________ disse que ia fazer um festival assim, __________ com os artistas convidados para cantarem espontaneamente, a plateia sugerir alguma coisa ou ele mesmo. Não aconteceu.

P/? – Você podia falar também dos shows __________, show antológico que te marcou, apresentações?

R – Eu comecei a aparecer mais depois que eu vim pra casa do Mestre Pinto. Ele foi me buscar e me trouxe pra Caruaru, a Rua __________, 154, __________. Aí eu comecei a me esbaldar mais na cantoria, viajar mais, porque Pinto era um gênio – e é um gênio ainda, porque gênio não morre –, mas queria ter mais espaço pra mim, pra viajar, pra cantar e tudo o mais. Passei três anos dessa vez com ele lá, a gente __________, eu tirei foto dele comigo assim, “A Rainha do Repente e o Papa dos Cantadores.” Essa fotografia está com a Elenice ou com Mariana, em Monteiro. De lá eu fui circulando, aí eu tive que deixar e ficar de maior para poder viajar mais. Essa trajetória minha até Caruaru foi difícil porque esse público masculino era muito agitado. Era época da __________, a coisa toda assim, __________ derivados por pessoas apologistas de cantorias, cantadores que estavam presentes, então tinha que andar com um investigador de menor comigo, porque qualquer coisa eu telefonava e vinha mais alguém me buscar. Passei por vários atritos. Teve cidade que eu cheguei e que foi preciso __________ pra vir solucionar um problema, que deu que a polícia correu. Porque __________ ia acontecer com o quê? Um dos vereadores queria, acho, me sequestrar, porque aquilo não era declaração de amor. Desse problema os outros vereadores deram cobertura, aí a polícia sai. Mas o cara lá bate na porta do Tiago Barbosa, que era o prefeito da época dessa cidade de Pernambuco, e o prefeito vem de pijama, o cabelo assanhado e diz: “Qual é o bandido aí?” O carro tava aberto e todo funcionando pra me sequestrar, botar dentro do carro e ir embora. Isso são coisas que aconteceram na minha cidade, aconteceu em Campina Grande, aconteceu em Camaragibe, muitas coisas assim. Eu fiquei sempre com medo de ambiente de bebida e de ter pessoas com segurança. Queria saber antes em restaurantes, boates, essas coisas, se tinha bebida. Então __________, outros já não, outros se prevalecem da bebida. Ele fez porque sabia, sabendo. E outros exageram porque ultrapassaram dos limites porque eu acho que a bebida é como automóvel: até 80 quilômetros você vai, depois de 80 você só vai pro __________. E a bebida, depois de 50% você vai perdendo a noção das coisas até cair no deslize, que às vezes, quando você vai reparar, é tarde.

P/? – Santificado seja o vosso nome, Mocinha de Passira. Mocinha, já que o assunto agora é aguardente: você lembra de algum verso relacionado, interessante pra cantar?

R - __________ foi aqui em São Paulo, na Senador Vergueiro, altura do número 500 e tanto, lá no Bar do Professor cearense, estávamos em três: Valdir Perez, Sebastião da Silva e Mocinha de Passira __________ porque era um bêbado incontrolável. Mas deixou isso, parou, é cantor evangélico, mas __________ por coca-cola e café e desejo de seu passado no presente não dar fé (risos). Ele apagou, mas ficaram vestígios. Como __________ esse pai por aí afora que ele nunca assumiu a paternidade. Filho dele, parecendo mais com ele do que __________, por isso que ele fez aquela canção ‘Saí sem Olhar pra Ela’. Deve ser um problema que aconteceu na vida dele. Quer dizer que ele não corrigiu, agora quer vir me corrigir? Que isso aí não se apaga, um filho que você fez não se mata. Como é que você apaga? Não tá feito? Mas ele não assumiu, __________ é disso nisso. Desejo do seu passado no presente não dá fé. Sobre cachaça, eu não sabia porque o nosso __________ é só repente. __________. A nossa função, desenvolvimento, é o repente, aí muitas coisas ficam perdidas. Muitas coisas são gravadas que a gente escuta depois, com muito tempo, eu falo: “__________, eu cantei isso. Essa estrofe tá certa, é essa daí, aconteceu depois que o cara disse __________.” Mas é uma coisa que não é decorada, só __________ e algumas coisas que às vezes dá um intervalo pra resfriar mais aí alguém declama, outro canta um poema, uma canção, mas __________é o repente.

P/? – Você começou cantando muito nova e sempre se imagina, ou pelo menos pra nós aqui no estúdio, a gente imagina que pra você poder cantar você tem que ter um repertório, uma certa vivência. Em função da sua pouca idade, como é que isso acontecia na sua cabeça? Como você se saía dessa situação, se você não se via em alguma situação embaraçosa pelo fato de ter pouca vivência e, de repente, se lançavam um __________ pra você cantar com pouca idade, como isso era resolvido na sua cabeça?

R – Porque na nossa área as pessoas que são da cantoria são pessoas já __________. Aqueles caboclos, aqueles sertanejos, pedreiros, o agricultor, era o vaqueiro, o fazendeiro, então eu escrevia temas de acordo com a função deles. “Fale um pouquinho de fazenda.” “__________ do meu cavalo.”