Museu da Pessoa

A bibliotecária do sindicato

autoria: Museu da Pessoa personagem: Rosana de Freitas

Projeto: Memória DIEESE 50 anos

Entrevistado por: Carolina Ruy e Nádia Lopes

Depoimento de: Rosana de Freitas

Local: São Paulo

Data: 24/10/2006

Realização: Instituto Museu da Pessoa

Código: Dieese_TM023

Transcrito por: Patrícia Garrafa

Revisado por: Ana Paula Ferreira Silva


P/1 – Queria que você começasse falando seu nome completo, local e data de nascimento.


R – Rosana de Freitas. Nasci em Santo André, São Paulo, dia 13 de Junho de 1965.


P/1 – Rosana, qual a sua formação?


R – Sou bibliotecária. Fiz uma especialização em... É... Ô, meu Deus, como é que chama o nome? [PAUSA]. Me deu um branco agora... Ciência da Informação, é exatamente esse o nome. Eu fiz uma outra, na parte de Relações de Trabalho, na PUC. Mas... É... Não cheguei a fazer Mestrado, foram só cursos de especialização.


P/1 – Quando fez essa faculdade?


R – A faculdade, 1985, eu me formei. A especialização: a primeira foi em 1990, 1991 e a segunda... 2000, 2001.


P/2 – Por que fez esse curso? Qual foi o seu interesse?


R – Qual deles?


P/2 – Biblioteconomia.


R – Olha, na verdade, porque a namorada do meu irmão mais velho fazia biblioteconomia e falou um monte de coisas, que era legal... eu tava naquela época totalmente sem saber o que fazer, prestei vestibular pra... Fonoaudiologia numa faculdade; na outra, Comércio



Exterior; na outra Biblioteconomia. Ou seja, não tinha a menor idéia do que queria fazer. Aí acabei escolhendo Biblioteconomia. E é uma coisa que gosto de fazer, não a parte técnica, mas a de pesquisa, de atendimento, de consultas, é uma coisa gostosa de se fazer. A parte chata de classificação, catalogação, nunca gostei.


P/1 – Como foi essa época da faculdade? Conta um pouco pra gente. Você... Como foi assim, no sentido profissional e pessoal, assim. Como você se encontrou, se tinha amigos...


R – É... Eu nasci em Santo André, fiz a faculdade lá também. Então, era uma faculdade pequena, não era uma universidade, então não tive nenhuma... Não tinha essa participação política que muitas pessoas tiveram nesse período. Eu era nova, tinha 17 anos quando entrei na faculdade. Era um curso que durava três anos, quando

entrei foi o último ano que ainda existia nível universitário com três anos, depois passou para quatro. Então me formei, com 19 anos, estava formada. Acho que tinha pouca experiência, pouco envolvimento político, é... Morava com meus pais, em Santo André, então não tenho... acho que grandes lembranças dessa época, não.


P/1 – Qual foi seu primeiro trabalho?


R – É... Eu fiz estágio numa biblioteca escolar perto da minha casa. Foi assim logo que entrei na faculdade, precisava de grana, tal. Fui fazer estágio nesta biblioteca. Uma escola pública, estadual, que, como quase todas, tem uma biblioteca e não tem bibliotecária, não tem ninguém. Fui eu que tinha acabado de entrar na faculdade, não sabia fazer absolutamente nada [RISOS], não tinha ninguém pra supervisionar o estágio... Então foi um estágio assim, meio curto. Eu fiquei acho que três meses e saí porque não dava não, pra mim.


P/1 – E depois disso?


R – E aí depois disso, fui procurar outros estágios. Aí fui no Ciee [Centro Integrado Empresa Escola], em São Paulo, e fui na Fundap [Fundação de Amparo à Doença e à

Pobreza]. E aí comecei a fazer estágio em duas bibliotecas, em São Paulo: na Biblioteca Municipal Monteiro Lobato e em uma Biblioteca Jurídica na Secretaria do Estado de São Paulo. Então de manhã fazia num lugar, de tarde num outro e voltava pra Santo André a noite, pra faculdade. Era assim, uma vida totalmente corrida. E aí fiquei acho que um ano, mais ou menos, nesses dois estágios. E aí uma professora minha falou que estavam precisando de um estagiário no DIEESE [Departamento

Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos]. Porque essa professora conhecia uma pessoa no DIEESE. Eu nunca tinha ouvido falar no DIEESE, não sabia o que era. Mas aí resolvi ir olhar, porque o estágio era de oito horas, então tinha possibilidade de ficar em um só lugar e eles propuseram pagar o que ganhava nos dois. Na verdade era até mais: Eu ganhava acho que um salário mínimo em cada um e fui no DIEESE para ganhar três salários mínimos. Então era muito melhor. E aí tem uma história engraçada desse negócio, porque cheguei no DIEESE, não conhecia, não sabia o que era. O DIEESE era na Rua das Carmelitas. Aí subi, fiquei num lugar horrível, horroroso. Fiquei lá esperando e... horas... Quem me atendeu foi o César Coucone. E aí, quando entrei, um monte de caixas, aquela bagunça, o lugar era feio, desorganizado, sujo. E aí, enquanto ele me entrevistava e conversava comigo, era um dia que o DIEESE estava divulgando alguma pesquisa. Então tinha várias televisões, jornais, ligando pro DIEESE. E era o César que dava as entrevistas. Então, ele parava o tempo todo porque alguém falava: “Ah, Rede Globo quer falar com você”, e não sei quem... E fiquei encanada, que aquilo era uma sacanagem [RISOS], falei: “Não é possível que uma espelunca dessa tenha um monte de televisão ligando; isso daqui deve ser enrolação. Até a minha professora mandou... [RISOS]. Foi super engraçado, e daí depois vi que não era nada disso, enfim. Conheci o quê que era o DIEESE e acabei entrando então como estagiária na biblioteca. Que também não tinha bibliotecário, tinha uma pessoa que trabalhava lá, que era o Helinho. Mas aí já estava no segundo ano, já tinha noção do que tinha que fazer. E fiquei dois anos como estagiária, me formei. E aí, bom, fui construindo toda uma história.


P/1 – Mas aí quando fez essa entrevista, já ingressou assim? Ou desistiu do DIEESE essa vez?


R – Não, aí a gente conversou, ele deu as entrevistas. Eu fiquei acho que três horas lá para ele me atender, entre ir e voltar, ir e voltar. Mas aí tinha a questão do salário que pesava. Eu saí de lá e fui procurar o que era DIEESE, tentar ver se era uma instituição séria, conversei com a minha professora. Ela falou: “Não, é um instituto assim, assado”. Aí fui, pedi demissão dos outros dois e aí fui pro DIEESE. Foi uma questão acho que de uma semana, estava trabalhando lá.


P/2 - Você lembra do primeiro dia de trabalho?


R – Lembro. Lembro porque era... É assim, foi muito, muito engraçado. Porque essa pessoa que trabalhava na biblioteca, o Helinho, era uma figura. Era um cara que estava assim, bastante tempo no DIEESE, que tinha uma fama assim, de uma pessoa que não gostava muito de trabalhar e meio que ficou encostado. Tipo, “Já que você não faz nada mesmo, fica na biblioteca”. Isso é um problema de biblioteca até hoje, né? Escolas, principalmente: professora se aposenta, não tem o que fazer, manda pra biblioteca. E o Helinho era uma figura assim e eu tinha 19 anos de idade. E era assim, ele ficava o tempo inteiro me cantando, “Porque a Rosana é bonitinha, a Rosana é isso. Ah, vamos limpar a biblioteca”. Ele me fazia subir a escada: “Não, sobe a escada e pega aquele livro”. E eu ia de minissaia [RISOS]. Então era assim, uma gozação essa história, no começo no DIEESE. Mas o DIEESE sempre foi um lugar muito gostoso de trabalhar, então não tinha... Eu não levava isso pro lado pessoal, de sacanagem, tal. Eu levava tudo na brincadeira. Mas tem essas histórias mesmo de... Era uma menina jovem, bonita, o cara era todo “malandrão”, então... Aí não deixava ninguém entrar na biblioteca. “Não, o quê que vocês querem?”. “Quero falar com a Rosana”. “Não, não. Eu que atendo, a Rosana não vai atender ninguém” [RISOS]. Ficava meio assim, tomando conta da Rosana. Não podia ninguém falar com a Rosana, era só ele. Era muito engraçado essa época [RISOS].


P/1 – E você entrou na biblioteca, né?


R – Na biblioteca.


P/1 – E você ficou lá?


R – Então, daí fiquei dois anos como estagiária. Já, na verdade, tinha me formado e continuei como estagiária ainda um tempo, até o DIEESE me contratar como auxiliar de biblioteca. Daí

fiquei acho que um ano ou dois, não me lembro mais. Acho que um ano como auxiliar, aí virei bibliotecária, que não existia essa função no DIEESE. Daí então eu virei Técnico Júnior. Fiquei na biblioteca acho que de 1984 até 1995, 1996, uns 12 anos na biblioteca. Aí, neste período, a gente conseguiu, através de um projeto com financiamento da Finep [Financiadora de Estudos e Projetos], fizemos uma... um grande avanço de informatização da biblioteca, de organização, contratou uma grande equipe de restauradores de documentos, de pessoas para fazer toda a classificação, processamento técnico e informatização. Então foi um período, se não me engano foi 1990, 1989... que a biblioteca teve um avanço muito grande. Saiu do que era, um depósito de livros, pra virar realmente centro de pesquisa em educação. E aí com essa equipe que foi contratada com esse projeto, o projeto acabou, mas a gente conseguiu manter pelo mais…ficaram três pessoas desse projeto. E aí comecei a fazer outras coisas no DIEESE porque tinha já duas bibliotecárias que tinham ficado, um auxiliar. E foi uma época que o DIEESE estava começando essa questão de buscar recursos fora do movimento sindical. Então teve que fazer muito projeto pra tentar levantar dinheiro mesmo, recurso pra pagamento de salário, pra tudo. E aí resolveram montar uma estrutura, uma Secretaria de Projetos, que era formada por mim e pela Solange Sanchez, pra fazer essa questão de elaboração, de buscar recurso, de buscar entidades que financiassem, de fazer projetos de... alguns projetos, a gente mesmo executava, de prestação de contas, a gente fazia tudo.


P/1 – Que ano foi isso, mais ou menos, que começou os projetos?


R – Eu acho que em 1996, se não me engano, a Secretaria de Projetos foi montada.


P/2 – Você lembra do primeiro projeto que foi aprovado?


R – [PAUSA]. Ai, não me lembro. Mas um dos primeiros, inclusive, é aquele livro que “tá” ali atrás do mapa, da questão de gênero. A gente teve, acho que três ou quatro projetos com esse financiador, que é o Fundo de Igualdade de Gênero. Acho que foi um dos primeiros que a gente fez, acho que foram esses. Foram esses sim, uns três ou quatro.


P/2 – E como foi o lançamento, a repercussão do produto?


R – Ah, foi um sucesso. Tanto que a gente fez em três línguas. Tinha em Português, em Inglês e Espanhol. Foi um, acho que, um dos primeiros produtos que a gente fez em cima do nosso Banco de Acordos e Negociações Coletivas, que era levantar nos acordos as cláusulas que tratavam de questões de gênero. Também foi nessa época que começou essa questão de gênero e raça ser colocada em pauta, né? E... Foi um grande sucesso essa publicação.


P/2 – Nessa sua mudança de biblioteca pra projetos, como que foi essa mudança pra você?


R – Ah, então, esqueci de uma parte. Posso voltar?


P/1 – Claro.


R – Antes da Secretaria de Projetos, passei um ano mais ou menos, ou dois, tentando estruturar a Secretaria Geral do DIEESE. Que nunca foi uma coisa muito bem organizada. O quê que era a Secretaria Geral? Na verdade era a parte de apoio à direção técnica, às secretarias da direção técnica, mas uma parte de arquivo que ficava separado da biblioteca. E aí isso nunca teve uma organização. Então saí da biblioteca pra tentar organizar esse setor.


P/1 – Mas foi iniciativa sua mesmo ou foi orientada por eles?


R – Não. Na verdade foi uma demanda da Direção Técnica, de tentar organizar, colocar uma ordem... Meio que treinar as secretárias pra melhorar o atendimento. E aí a gente fez isso, reestruturamos o setor e aí virei uma coisa meio de assessora da direção, meio chefe de gabinete do diretor técnico, que na época era o Serginho... E aí não deu muito certo porque eu era casada com ele na época, então não dava certo. Porque, eu já não sou muito... fácil de... [RISOS]. ser mandada. Ainda mais sendo casada com a pessoa que você “tá” trabalhando. Então, não dava certo. Aí eu conversei... “Serginho, não dá,

não posso trabalhar com você”. Porque ele mandava fazer alguma coisa, eu falava: “Não, não vou fazer porque não concordo”. [RISOS] Onde já se viu funcionária que fala que não vai fazer. Eu falei: " Não vai dar, melhor eu sair. Melhor colocar alguém". Porque a gente mistura as coisas, você não consegue separar as relações. E aí que foi que fui pra Secretaria de Projetos. Foi um momento... Eu até esqueço as coisas que...


P/1 – Quanto tempo que durou isso?


R – Acho que durou um ano e meio, dois anos, uma coisa assim.


P/1 – E você chegou a exercer essa função de assessoria assim...


R – Cheguei. Acho que essa função deve ter durado uns quatro, cinco anos. Mas daí percebi que não dava certo, que não ia... Porque a postura que tinha em relação ao Diretor Técnico, não dava.


P/2 – E aí na Secretaria de Projetos, você sentiu um impacto assim em relação à mudança de atividade? Você sentiu dificuldade, como que foi isso.


R – Ah, acho que sim porque nunca tinha feito projeto. Nem eu, nem a Solange. A gente aprendeu fazendo, então foi uma construção... Mas foi até legal porque como que ninguém sabia fazer, a gente aprendeu, acabamos fazendo, desenvolvemos um manual de como elaborar projetos pra toda a equipe. A gente dava cursos de elaboração de projetos. Eu cheguei até a dar uma aula na PUC num curso, sobre isso. Então acho que foi um grande aprendizado, uma coisa...


P/1 – Foi nessa época também, em 1995, 1996, foi uma época também de... me parece que no Brasil teve um surto de projetos, ONGs, assim... Você acha que teve um pouco isso também, essa inexperiência de vocês, foi também uma inexperiência meio que geral?


R – Meio geral e acho assim, principalmente os sindicatos... Foi a época que criou-se o FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador], então... E vários sindicatos começaram a ter que fazer projetos pra conseguir recursos do FAT, para os cursos de qualificação... Foi mais ou menos nessa época. Então tinha uma grande procura, inclusive eles procuravam o DIEESE pro DIEESE elaborar projetos pra eles, pra eles pedirem recursos pro FAT. E isso foi uma coisa que o DIEESE nunca fez. A gente falou: “A gente pode até... Vocês trazem o projeto, a gente pode dizer, tá bom ou não tá, pode melhorar... Mas o DIEESE não pode fazer um projeto por fazer, não faz parte, na assessoria do DIEESE não está inclusa esse tipo de coisa”. Até porque é complicado. Você faz para um sindicato e não faz pro outro, pode ter um favorecimento de uma Central... Essas coisas sempre foram complicadas no DIEESE. Mas a gente, assim, tinha uma sintonia boa, eu e a Solange. Eu sempre fui a... eu tinha uma característica mais de organização da parte de fazer orçamento... de administrativa, de prestação de contas. Isso é uma coisa que sempre gostei de fazer. E a Solange, a parte mais de elaboração das justificativas, parte mais técnica. Até porque a formação dela era de Socióloga, e a minha apesar de ser bibliotecária, sempre gostei da coisa da gestão administrativa. Acho que isso que tinha de ter feito de faculdade, era Administração, outra coisa.


P/1 – Acho que a experiência de qualquer coisa...


R – É, que é a coisa da gerência, que é uma coisa que gosto de fazer.


P/2 – Em relação a projetos. Até então, o DIEESE, ele sempre foi visto assim, foi associado à imagem do DIEESE, assessoria nas campanhas salariais, né? Com o projeto, começa a ter um outro tipo de participação. Você acha que a visibilidade do DIEESE, frente ao movimento sindical, teve uma mudança? Começou a ter uma demanda diferente? A partir desses...


R – Dos projetos? Eu acho que não. Eu acho que a parte de atendimento sindical que o DIEESE deu, continuou dando, independente dos projetos. O que você teve foi uma redução do número de sócios do DIEESE, muito grande, nesse período. Foi um período que o movimento sindical entrou numa grande crise também. Muitos sindicatos fecharam e muitos sindicatos deixaram de ser sócios do DIEESE. Então, se diminuiu esse tipo de atendimento foi porque reduziu mesmo o número de sócios, não porque a gente deixou de fazer esse tipo de atendimento. É... E essa parte de projetos era uma outra coisa que a gente fazia paralelamente. Inclusive a equipe que dava o atendimento sindical também fazia a parte de execução dos projetos, muitas vezes. Então a gente acabou qualificando muita gente no DIEESE em assuntos que as pessoas não entendiam e que acabaram tendo de se aprofundar pra poder dar conta de fazer os projetos que a gente conseguiu recurso e depois tinha de executar, né? [RISOS]. E a gente tentava, na verdade, tentar o máximo possível do recurso que a gente obtinha, que isso fosse apropriado pelo DIEESE. Então, se a gente tivesse de contratar um consultor, um especialista, pra desenvolver um tema de um projeto que a gente tinha conseguido o recurso, não ia sobrar dinheiro pro DIEESE. Ao mesmo tempo também, você não ia capacitar a equipe do DIEESE em assuntos novos. Então, foi uma oportunidade, acho que, de capacitação da equipe muito grande, sobre temas variados que esses projetos proporcionaram e, ao mesmo tempo, um acúmulo de trabalho. Acho que isso todo mundo sentiu. A hora que o DIEESE começou a abrir essa parte de projetos e a própria equipe tinha de dar conta de, além de fazer o que já fazia, fazer os projetos, e ninguém nunca ganhou nada a mais por isso, foi um peso a mais de carga de trabalho. Acho que todo mundo sentiu um pouco isso, até reclamavam e tal, mas... Enfim, isso ajudava a pagar salário, então não tinha muito que reclamar, né? Tinha que fazer e acabou.


P/1 – Eu queria voltar um pouquinho na questão da biblioteca, antes da gente falar... Porque assim, você entrou... Nos primórdios da sua entrada, você entrou na biblioteca, né? Você acha que a biblioteca... Você influenciou bastante pra que ela se organizasse? E também, qual que é a importância que o DIEESE dá? Qual que é a função da biblioteca pro DIEESE?


R – Pois é. Na época que entrei a biblioteca não era quase que usada. Era um depósito de livros. Até porque ninguém sabia o que tinha lá dentro, você não conseguia recuperar e o que recuperava era pela memória do Helinho que era quem tomava conta, então, ele sabia muitas coisas de cabeça: “Está em tal prateleira”. Mas as pessoas, por exemplo, tinham, cada um, os seus arquivos pessoais, particulares, reproduzindo o que tinha na biblioteca. Porque, quando a pessoa precisava de alguma coisa, sabia que no arquivo dele achava, porque se fosse na biblioteca não ia achar nunca. Então, esse processo de convencer as pessoas de que poderiam abrir mão de seus arquivos pessoais, que quando

precisassem de alguma coisa, o material estaria disponível, isso foi um longo processo. Acho que até hoje tem pessoas no DIEESE que continuam mantendo arquivos paralelos porque acham que se mandar pra biblioteca vai sumir. E isso a pessoa vai falar: “Não, a gente manda pra aí e nunca mais acha”. Então acho que isso a gente conseguiu mudar. Sobraram aí poucas pessoas, mas aí são as características individuais de cada um. Mas a maioria, acho que, passou a confiar no serviço que a biblioteca prestava. [PAUSA]. Quê mais, desculpa? Eu me perdi...


P/2 – A partir de montada a biblioteca, como é que era assim... Uma curiosidade até que eu tenho... Visitas, pesquisa... Você chegou a se ver numa situação dessas, de pessoas de fora...


P/1 – As pessoas de fora usavam...


R – Ah, o DIEESE tinha muito atendimento para estudante, principalmente. Estudantes universitários, pesquisadores de outros países que vinham fazer pesquisa no DIEESE. E aí o atendimento na verdade, hoje ele é mais restrito, mas naquela época a gente atendia muito o público externo. Até porque, na... Também naquele período, muitas faculdades e universidades não tinham biblioteca. E isso mudou hoje. O MEC, acabou sendo obrigatório, para poder abrir um curso, você tem que ter uma biblioteca sobre aquele assunto. Mas há 10, 15 anos atrás, isso não era uma realidade. Então os estudantes da PUC, enfim... Até, inclusive... A USP sempre teve biblioteca, mas sempre teve muito estudante da USP que iam fazer pesquisa, por exemplo, sobre movimento sindical, e era o DIEESE que tinha todos os documentos sobre isso. A gente tinha um grande arquivo de jornais sindicais que só nós tínhamos, que acabou sendo doado para o Arquivo do Edgar Leuenroth, na UNICAMP. Mas então, esse atendimento externo era bastante procurado.


P/1 – Eu vou voltar pra questão dos projetos então. Você falou que os sindicatos acabam não se utilizando muito dos projetos, né? E esses projetos são voltados para que público assim?


R – Não, não é que não se utilizam. Acho que são duas frentes de atendimento do DIEESE. Uma coisa é a assessoria sindical, que é o atendimento das negociações coletivas, palestras... Os trabalhos de perda salarial, os trabalhos de campanha salarial que são feitos para os sindicatos sócios. Mas, todos os projetos que o DIEESE faz, acho que a gente até, no começo, acabamos extraviando um pouco disso: pegar projetos que nem fosse do movimento sindical, depois a gente percebeu que era um... que isso não... não “tava” na linha certa. Então, a gente só faz projetos que tenham a ver com a atividade do DIEESE que seja também de interesse do movimento sindical. Que o produto desse projeto possa de alguma forma contribuir para as atividades do movimento sindical. Muitas vezes nem eles percebem. Porque a gente, de repente, produz estudos. Por exemplo, esse que mostrei pra vocês, esse aí do Trabalho dos Acordos que levam a questão de gênero, raça, nos acordos. Nem os próprios dirigentes sindicais na época se davam conta disso. Então esse projeto, por exemplo, além do livro, a gente promoveu vários seminários, principalmente com as lideranças de mulheres das centrais sindicais e dos sindicatos, para capacitá-las na negociação. Como é que eles, na negociação, incluem cláusulas que defendem o direito das mulheres e a questão de raça, nos acordos coletivos. Então são todas as coisas... São projetos que, de alguma forma, atendem, nem sempre, uma demanda. Porque às vezes o movimento sindical não percebe que é importante. Então, o DIEESE acaba se colocando na frente de uma questão que vai ser importante pro sindicato.




P/2 – Uma coisa sobre capacitação. É... Essa questão da qualificação dos trabalhos que são feitos, inclusive, visando a qualificação até dos dirigentes. O DIEESE sempre teve um, assim... Trabalha a relação nessa capacitação, teve aqueles Pcda [Programa de Capacitação de Dirigentes e Assessores], né? Você chegou a participar de algum curso de formação do DIEESE?


R – Cheguei. O Pcda, na verdade, eu, primeiro Pcda, eu fui uma das pessoas que... Participei da parte da organização do apoio do Pcda. Foi em 1994 o primeiro curso. Até tem uma história engraçada que no... Esse primeiro curso foi feito num hotel em Atibaia. Vários depois continuaram sendo feitos lá. E aí, era o primeiro, a gente não sabia... Eram 100 dirigentes sindicais, então... De vários lugares. A gente marcou como ponto de encontro a Praça da República, pra eu chegar lá com o ônibus: as pessoas iam chegar no aeroporto, pegar... Naquela época, a gente não tinha dinheiro pra pegar táxi, eles iam pegar ônibus do aeroporto até a República e eu ia chegar lá pra pegá-los e ir pra Atibaia. Bom, fomos. Lógico que atrasou, o ônibus ficou uma hora lá parado... Finalmente, quando a gente... Aí passou pelo aeroporto, mais duas horas no aeroporto pra pegar outras pessoas que tinham atrasado e tal... Quando chegamos em Atibaia e abrimos o porta-mala, a gente tinha sido roubado e não tínhamos percebido isso. Alguém abriu o porta-mala na Praça da República e roubaram umas três caixas de material que a gente ia distribuir no curso e uma mala, que era a minha, claro! [RISOS]. A única mala roubada foi a minha. E eu fiquei lá uma semana sem mala, sem... [RISOS]... Pedindo roupa emprestada de todo mundo. E aí esse primeiro curso, então, eu fui... A pessoa de toda organização mesmo, de infraestrutura, de... Passagem aérea, de material, de... Fui eu que, eu com uma equipe, mas eu que coordenava essa primeira turma que eram três: tinha a amarela, a vermelha e a azul. Deste curso, a gente fez uma viagem internacional que foi, acho que a única também que fazia parte do programa. As pessoas, durante os 45 dias, conheciam tudo o que tinha com relação à questão da qualidade e produtividade e depois tinham viagens pra conhecer como era isso que eles tinham aprendido, em outros países. Então tiveram quatro delegações: uma foi pros Estados Unidos, duas pra Europa, países diferentes, e uma pro Japão. E eu fui coordenando essa delegação que foi pro Japão. Coordenando os trinta dirigentes sindicais... Grande experiência, uma longa...


P/2- Era a primeira vez que você tinha ido pra lá?


R – Primeira vez que eu tinha ido pra lá. Isso foi em 1995.


P/1 – No Japão?


R – No Japão.


P/1 – Como que foi? Conta pra gente?


R – Ah... [RISOS] Foi muito bom. Foram 15 dias de viagem, de visitas... Um país totalmente diferente, com dirigentes sindicais que nunca tinham saído do Brasil, muitos deles. Ninguém falava Inglês e aí a gente descobriu que também não faz a menor diferença, porque ninguém fala em Inglês no Japão, só os grandes dirigentes de empresa, na universidade e nos hotéis quatro estrelas. No resto, ninguém fala Inglês, as estações, tudo escrito em japonês...


P/1 – E vocês se viraram como? [RISOS].


R – Era uma loucura. A sorte é que tinha uma pessoa, que é um técnico do DIEESE, o Tadashi que acho que, não sei se a Nádia conhece, é da subseção do DIEESE de São Bernardo e é japonês. E fala alguma coisa e entende. Então, eu, Tadashi e o Prado, que também foi... Um dia antes de cada uma das visitas, a gente saía pra descobrir como é que chegava no lugar, porque tinha que ser tudo de trem, de ônibus, não tinha carro à disposição. No Japão não tem endereço nas coisas, as casas não têm número. Tem o nome da rua, mas não tem numeração. Então era uma loucura. A hora que todo mundo ia jantar, descansar, a gente ia pegar metrô, trem, para descobrir como é que chegava no lugar, no dia seguinte, porque senão a gente não ia chegar nunca com aquele... Trinta dirigentes sindicais. Aí, o primeiro dia que nós fizemos isso, procura endereço, não acha... Duas horas... Bom, aí conseguimos achar e resolvemos que a gente ia comprar os bilhetes do trem: “Vamos comprar os bilhetes pra não ter que ficar na fila amanhã de manhã”. Aí compramos 30 bilhetes. Chegamos no hotel, de manhã, distribuímos pra todo mundo. E fomos... Aí passa o bilhete e “béééééé”, apita. Nenhum passava [RISOS]. Não acredito. Aí vou falar com um cara, um guarda lá, não consegui entender nada. Nem o Tadashi entendia. Bom, conseguimos descobrir que os bilhetes só têm validade pro dia, a gente perdeu os trinta bilhetes e tivemos que ir pra fila comprar de novo. E assim foi indo. Mas deu tudo certo, não chegamos atrasados em nenhuma reunião, conseguimos levar todo mundo... Foi uma grande viagem.


P/1 – Como que foi o choque cultural dos sindicalistas? Comida... Vocês se viravam bem?


R – Olha...


P/1 – Só curiosidade.


R – Olha, era assim, muitos não conseguiam comer com o Hashi, o palitinho. Não tem garfo, ou você come, ou você come [RISOS]. Então o Tadashi dava o treinamento lá, colocava o elastiquinho lá para ensiná-los a comer [RISOS] porque, como as visitas eram sempre assim, muito corridas, a gente acabava às vezes, almoçando no próprio local, tipo marmitex que eles traziam. Então também não tinha opção, eles tinham que comer. E no fim comia. E aí, à noite, tem grupos de dirigentes sindicais que tinham mais dinheiro, a diária era muito pequena, então não dava pra fazer grandes coisas. Mas tinham dirigentes sindicais que tinham dinheiro, diárias do sindicato, que acabavam indo em restaurante brasileiro, por exemplo, churrascaria, que era totalmente, assim, caro, pro padrão da nossa diária. Mas tinha pessoas no grupo nessa viagem que tinham grana e que se viravam muito bem. Então, mesmo sem falar inglês ou japonês, sabiam chegar no restaurante, chegavam em outros lugares pra se divertir muito bem. Os caras se viram, não tem perigo.


P/2 – Vocês visitaram alguma fábrica?


R – Visitamos. A Toyota, que era... A gente ficou em Tóquio e fomos até Nagoya, onde a gente visitou a Toyota. Acho que foi a única fábrica que a gente visitou. As outras com visitas eram para as centrais sindicais, institutos, universidades...


P/2 – E como foi essa recepção? Vocês foram em quanto do DIEESE, em quanto... Como que...


R – Era o DIEESE que “tava” levando um grupo de dirigentes sindicais, com apoio do governo brasileiro, era um financiamento do Ministério da Ciência e Tecnologia, pra conhecerem como que era... Aliás, isso acho que foi um impacto muito grande porque o movimento sindical no Japão é uma coisa, enfim... Não existe movimento sindical. O movimento sindical “tá” na própria estrutura da empresa. Os dirigentes sindicais são os funcionários da empresa, então... Isso era uma coisa que eles questionavam muito mas que é a realidade deles. Não tem jeito. Então... É outro mundo.


P/2 – O fechamento dessa experiência previa um intercâmbio dessas viagens nos Estados Unidos, Europa, Japão? Depois...


R – Teve depois, no final, acho que de 2005 a gente fez um novo seminário juntando todas as pessoas, eram 100 dirigentes, aonde a gente fez essa... Fechamento desse ciclo que durou desde 94... Dois anos, né? De curso, mais viagem... Aí foi, não me lembro mais, uns três dias de seminário que a gente concluiu, a troca de experiências e fechamos. E a partir desse módulo do Pcda que a gente foi adaptando, estruturando e que tiveram outros. Então, ao mesmo tempo em que dava apoio, eu também fazia os cursos, então tinha turma em que eu era apoio e tinha turma em que eu era aluno e participava. Eu ficava meio, fazendo um pedaço em cada um das turmas, mas acabei fazendo o Pcda.


P/2 – Uma coisa que a gente ouviu e que acho muito interessante. Que o Pcda serviu pra integrar os dirigentes das diferentes centrais sindicais, né? Como é que você viu isso? Dirigentes de centrais diferentes reunidos num curso?


R – Ah, isso é coisa muito engraçada e não é só Pcda, né? Qualquer curso que você fique isolado no local e que não tenha opção do que fazer durante uma semana, já é um absurdo, imagina 15 dias. Então, tem até uma brincadeira, que, no primeiro dia, os caras falam: “Pô, mas só tem mulher feia aqui”. No segundo dia, “Nossa, até que aquela é bonitinha”. No terceiro dia, todas são lindas, maravilhosas [RISOS]. E aí é essa história. Então no primeiro dia, a Força Sindical não quer nem ver a CUT: “Que absurdo, os caras não tem nada a ver...”. No segundo dia vão jogar uma bola, joga junto. No terceiro dia, estão tomando cerveja. No último dia, os caras estão chorando, se abraçando, porque você esquece a questão de, mesmo de trabalho, de ideologia, de tudo. Cria uma relação pessoal, é uma coisa muito impressionante. O que teve de casos amorosos, de namoros, de casamentos... Que rolaram no Pcda, merecia um livro. Algumas não publicáveis, mas... Foi uma coisa muito legal.


P/2 – Tem uma outra coisa. No meio dessa sua experiência toda, tem uma coisa que a gente não pode deixar passar, que é a experiência do Grêmio Recreativo dos Funcionários do DIEESE. Como foi isso?


R – Ai, o Grêmio. O Grêmio foi... Já não vou saber, acho que 1986, se não me engano... É... Eu sempre fui esportista, até hoje eu jogo voleibol, sempre gostei... E aí tinha muita, muito moleque no DIEESE, muita gente jovem. Até hoje também tem essa característica: O DIEESE tem muita gente jovem. E aí a gente resolveu organizar, começamos a fazer jogo de futebol, jogo de voleibol, participar de campeonato do SESC [Serviço Social do Comércio] e tal... E aí, na verdade, a idéia do Grêmio foi de uma pessoa que trabalhou no DIEESE que se chama Osvaldo, Osvaldão, que falou: “Ah, vamos organizar, vamos montar um grêmio recreativo, pra organizar as festas, a gente arrecada recurso”. E aí acabamos formando esse grêmio. Eu era Presidente, mas a idéia mesmo, a concepção de tudo foi do Osvaldo. E aí é isso, a gente participava dos campeonatos, organizava Festa Junina, Festa de Fim de Ano, Olimpíadas, Gincanas...


P/1 – Entre as pessoas do DIEESE?


R – Entre as pessoas do DIEESE, entre os funcionários.


P/1 – E como que funcionava, durou quanto tempo isso?


R – Acho que uns dois anos. E depois... Continuamos a fazer as coisas, mas sem...


P/1 – Sem essa organização.


R - É, não deu muito certo, não. As pessoas não se envolveram... Foi legal, mas não durou muito.


P/2 – Teve um torneio até que você participou, não teve um torneio?


R – Teve.


P/2 – Foi premiado, alguma coisa assim?


R – Sim. Me colocaram pra correr três mil metros [RISOS]. Esse tanto [RISOS]. Quase morri. Foi muito engraçado porque, tinha acabado a corrida e eu continuava correndo. Correndo, correndo. E aí todo mundo, no começo ria... “Nossa, acho que é tática dela, ela tá indo devagar, no final...”. No fim tava todo mundo: “Vai que “cê” consegue” [BARULHO DE PALMAS]. [RISOS]. Mas eu fui, terminei os três mil metros, em último lugar, mas corri. Mas ganhei medalha de tênis de mesa... Nem me lembro mais, porque a gente entrou em várias categorias lá. Foi muito engraçado.


P/2 – Não existe mais nenhuma idéia de voltar com o grêmio, não há nada disso? Não há uma possibilidade?


R – Possibilidade há, desde que as pessoas se organizem, né? Mas...


P/1 – Você acha que funcionou como uma socialização entre as pessoas, que ficaram mais amigas, ou não?


R – Ah, eu acho. Acho que o esporte sempre reúne as pessoas, né?


P/1 – Porque a idéia é essa, né?


R – Tanto que existem tentativas de montar jogo, principalmente de futebol, no DIEESE. Nunca dá certo. Eles têm até, na verdade, têm um time de basquete, que não é um time, mas têm várias pessoas no DIEESE que jogam basquete de quarta-feira no SESC. Daí era uma que foi chamando... E já deve ter umas sete, oito pessoas que vão toda semana jogar basquete, então...


P/2 – Já tem um time...


R – Já tem um time.


P/1 – Na sua vida é uma coisa importante assim, o esporte? Como é pra você?


R – Pra mim é porque eu gosto.


P/1 – Sempre foi assim?


R - Sempre foi. Desde criança eu fiz esporte. Acho que é... Acho que é uma coisa importante na formação, né? Não a questão da competição em si, mas da responsabilidade... Da atividade física que é uma coisa legal... E... Da atividade física você acaba evitando outras coisas que... Álcool, fumo, enfim... Coisas que, numa época de adolescente, jovem, realmente é uma coisa importante que eu acho legal.


P/1 – Teve um período que você se desligou do DIEESE, né?


R – Teve.


P/1 – Como é que foi isso?


R – Em 2001, quando a Marta ganhou a Prefeitura de São Paulo, o Márcio Pochmann, que é um professor da Unicamp, que foi técnico do DIEESE também, entrou junto comigo no DIEESE. Então a gente se conhecia há muito tempo, foi convidado pra ser Secretário do Trabalho da Marta. E ele foi procurar o Serginho porque estava montando uma equipe, pedir indicações, se ele tinha alguém do DIEESE, que “tava” precisando de uma pessoa pra ser o chefe de gabinete. E aí o Serginho falou: “Ah, eu acho que a Rosana. A Rosana é boa nessas coisas de gestão, tal e não sei o que...”. E aí ele veio falar comigo, o que eu achava. E eu já tava, bom, no DIEESE, há muito tempo. Essa questão de ser casada com o Serginho dentro da mesma instituição era uma coisa que já estava num ponto de estar me incomodando, porque as pessoas, acho que misturam um pouco a coisa, da sua competência ficar na verdade abaixo da questão de você ser mulher do Diretor Técnico. Então isso tava pegando um pouco, já estava um pouco cansada dessa história. E aí falei: “Ah, acho que é uma oportunidade pra sair, pra aprender as coisas”. E acho que foi até uma surpresa, acho que o Serginho indicou achando que não fosse topar. E aí eu acabei indo. Aí me licenciei, pedi uma licença sem remuneração, e foi uma grande experiência. Foi um trabalho super importante, acho que a gente fez na prefeitura, acho que pessoalmente... Tenho até hoje aí, problemas judiciais porque era coordenadora de despesas, então tenho processo no Tribunal de Contas, respondendo até hoje. Então tem o lado negativo da coisa... O DIEESE é uma coisa de, você está meio protegido, né? Você tá... É um órgão do movimento sindical, mas parece um órgão que está imune às coisas que acontecem. E quando você vai pro Poder Executivo, você está exposto, né? É uma outra realidade, então acho que foi uma experiência interessante.


P/1 – Como que era o seu trabalho lá na Secretaria? Como que era o seu cotidiano, o que fazia?


R – Ai... Chefe de Gabinete... Faz tudo. Então, por exemplo, toda parte de gestão de pessoal era comigo... A parte administrativa era comigo... Representação da Secretaria, eu que fazia... Então é um trabalho, assim, intenso. Foi um período que, pessoalmente, acho que não foi legal, né? Para meu filho, enfim... É uma coisa que demandava muito tempo, o DIEESE era mais tranqüilo, tinha uma jornada de seis horas, era perto de casa... Então, acho que teve um... Mas enfim, a gente se adapta.


P/2 – Você teve a oportunidade de estar fora do DIEESE nesse período. Como você avalia assim, como as pessoas viam o DIEESE. Você conseguia ter uma idéia disso?


P/1 – As pessoas fora do DIEESE, né?


R – Ah, acho que as pessoas sempre avaliaram bem o DIEESE, uma entidade respeitável, séria. Você dizer que é do DIEESE é uma coisa que normalmente “pega bem”. Todo mundo: “Ah, você é do DIEESE, ah, legal”. As pessoas conhecem, enfim, credibilidade, a impressão que eu tenho, de fora, é essa. Quando saí também, acho que teve um outro fator. O DIEESE já vinha de crises financeiras há muito tempo e, em 2001, passava por uma outra crise em que se discutia corte de funcionário. Então acho, também, que foi uma outra coisa que pesou. Então, já é uma pessoa a menos na folha, já que vai ter que cortar funcionário, acho que vai ser um bom momento. Isso também ajudou a decidir, porque era uma decisão difícil, né? Estava no DIEESE desde 1984, já tinha, em 2001, já fazia uns 17 anos, sei lá.


P/2 – Nesses momentos de crise, tem alguma coisa que lembra que foi forte pra você. Assim, no sentido dos funcionários discutirem como salvar o DIEESE?


R – [SUSPIRO]. Ai, tiveram muitas discussões, muitas discussões... A gente pensou em formar uma cooperativa, isso já foi uma coisa que aconteceu... Vamos todo mundo sair do DIEESE, montamos uma cooperativa pra reduzir o custo do DIEESE... De redução... É que todas as alternativas, você acaba não podendo viabilizar judicialmente, juridicamente. Então a gente poderia reduzir salário, mas o sindicato não ia concordar porque não pode. A cooperativa também era uma coisa que não dava pra fazer. A gente sempre tentava alternativas que evitassem corte de pessoal. E é uma coisa que ninguém queria que acontecesse, mas, infelizmente, acabou tendo de haver, não teve jeito.


P/2 – Teve corte?


R – Teve corte.


P/2 – E esse Projeto Memória, que estamos participando, como surgiu a idéia?


R – Então, aí o governo da Marta acabou, final de 2001, e ainda fiquei seis meses trabalhando com ela num Instituto que

montou, de 2001, não. Em 2004, acabou o governo, aí em 2005, ela montou o Instituto de Políticas Públicas, e convidou algumas pessoas do governo pra trabalhar. E fiquei trabalhando sete meses lá. E no fim, o Instituto acabou não conseguindo segurar financeiramente e teve de desmontar essa equipe. Aí, eu voltei, fui conversar com o Clemente.


P/1 – Aí, o Clemente já era o Diretor Técnico, quando voltou?


R – Já era. Não, na realidade não foi nem no final do Instituto. O Instituto já estava meio... Algumas pessoas já tinham saído e eu ainda estava lá. Aí o Clemente me chamou, pra conversar, dizendo que tinha, o DIEESE ia fazer 50 anos e

estavam querendo contratar alguém pra organizar, desde montar um projeto pra conseguir recurso até tocar esse projeto, organizar as atividades. E eu sempre, no DIEESE, fui que organizei a parte festiva, sempre foi comigo. Então todas as festas de fim de ano, festa junina, e... Uma coisa que gosto de fazer. E aí estava nessa coisa no Instituto meio... Assim... Cambaleando, e aí propus para o Clemente ficar meio período, falei: “Eu fico meio período no DIEESE, meio período lá no Instituto”. E ele topou. Mas depois de um mês, o Instituto acabou fechando mesmo. Aí voltei a falar com o Clemente e ele propôs que ficasse integralmente no DIEESE. E aí fui atrás... Fui no Museu da Pessoa, acho que uma das primeiras instituições que fui procurar, dizer o quê a gente tava querendo... E foi até a partir da proposta do Museu que me ajudou a montar o projeto para conseguir o financiamento na Petrobrás. E, paralelamente a isso, ao Projeto de Memória, a gente estava organizando vários seminários regionais sobre distribuição de renda. Desenvolvimento com distribuição de renda. Foi antes disso, antes do projeto de memória, a gente tinha feito esses projetos pra conseguir financiamento, pra realização dos seminários para poder fazer a comemoração dos 50 anos em todos os 16 estados que o DIEESE tem escritório regional. Então, eu que fiz esses projetos, consegui os financiamentos, organizei todos os eventos... Que culminaram depois, agora em abril, com o seminário internacional, a festa dos 50 anos, várias sessões solenes em câmaras municipais, assembléias estaduais, câmara federal, senado... Então, todas essas atividades de 50 anos foram organizadas por mim. E aí acabaram as atividades e estou neste momento só com esse Projeto de Memória e também fazendo outros. Eu estou agora também fechando um projeto aqui pra biblioteca de novo, então estou voltando pra biblioteca, tentando financiamento para biblioteca.


P/1 – Vou fazer uma questão antes da gente entrar nessas coisas mais atuais. Quando você voltou da Secretaria do Trabalho, em 2001...?


R – 2005. Voltei pro DIEESE em Julho de 2005.


P/1 – Aí quem era o Diretor Técnico era o Clemente.


R – Clemente.


P/1 – Como foi pra você, você se sentiu melhor, assim, pessoalmente. O trabalho dentro do DIEESE, tendo agora o Clemente como Diretor Técnico. Como você conseguiu se situar assim?


R – Eu acho assim, fui muito bem recebida de volta no DIEESE. Acho que isso faz muito bem. Todo mundo fala: “Pô, você fez falta, que bom que você tá de volta”. As pessoas acho que confiam um pouco nas coisas que faço, então acho que isso foi muito legal, faz bem pra gente ouvir isso. Eu acho que me sinto melhor, apesar de não ter a intimidade que tinha com o Serginho [RISOS] com o Clemente, prefiro... O Clemente na Direção Técnica, pro meu trabalho pessoal, acho que tem uma coisa mais de respeito, não sei. Pode ser bobagem da minha cabeça, mas, me sinto melhor. Coisa das pessoas não confundirem que tô lá porque sou mulher de alguém, estou lá por minha própria competência e... Acho que é mais, mais legal.


P/2 – E é curioso que você entrou no DIEESE e organizou a biblioteca. É como se organizasse a memória documental do DIEESE e depois participou da elaboração do Projeto Memória. Então, queira ou não, a sua atividade esteve colada a essa História. O que o DIEESE significa na sua vida?


R – Ah, acho que o DIEESE

é a minha vida. O DIEESE acho que foi importante para minha formação, apesar de sempre dizer que o DIEESE é uma péssima formação para quem está aí começando a trabalhar com questões de regras, de rotinas... O DIEESE é tudo muito, muito solto. A coisa da chefia, da cobrança... Se a pessoa não tem uma responsabilidade com o que faz é um prato cheio pra desvirtuar e não dá certo mesmo. Por outro lado é muito bom trabalhar numa instituição que não tem um horário rígido, que você tem suas responsabilidades, mas que tem uma flexibilidade, que as pessoas te respeitam, um ambiente gostoso. Uma coisa muito boa trabalhar no DIEESE. E fora esses quatro anos, tenho 22 anos no DIEESE. Tenho 41 anos de idade. A metade da minha vida. E acho que uma grande parte da minha formação se deveu a ter estado no DIEESE desde jovem, muito jovem.


P/1 – E na sua vida pessoal, você tem amigo, enfim?


R – Eu tenho grandes amigos no DIEESE, tenho amigos fora também, mas acho que tenho importantes amigos de dentro do DIEESE. Acho que a solidariedade é muito grande no DIEESE. Quando tem alguém precisando, você tem sempre um grupo de pessoas que se cotiza e que ajuda, o tempo todo. E é uma coisa bem legal.


P/2 – Como vê o DIEESE no futuro?


R – [PAUSA]. Ai, meu Deus... É difícil. Eu não consigo ver um DIEESE diferente... Apesar de achar que o DIEESE vai ter que mudar pra poder continuar por mais tempo, né? Mas acho que a questão financeira do DIEESE é uma realidade que está imposta. O DIEESE custa muito caro e o DIEESE não consegue arrecadar a receita necessária para esse custo. Ele tem uma equipe muito grande, uma equipe muito antiga... Viver de projetos é uma coisa muito instável. Então, cinqüenta por cento da receita do DIEESE vem de projetos. Isso é uma coisa muito complicada porque projetos são finitos. Acabou um projeto, até conseguir ou substituir por outro, ou renovar aquele, sempre tem um intervalo, que são os grandes momentos de crise do DIEESE. Então acho que nós estamos passando por uma maré muito boa esse ano, com muitos convênios que a gente conseguiu firmar... acho que o Governo Lula foi um fator positivo, quer dizer, o fato de provavelmente estar dando Lula no segundo turno dá uma perspectiva boa pro DIEESE para os próximos quatro anos, se o contrário se realizasse acho que a situação ia complicar. Mas acho que nós vamos ter que achar uma solução porque não dá pra manter essa estrutura que a gente tem de despesa, com a estrutura de receita. É algo que a gente tá tentando mudar, dentro do Projeto de Memória, inclusive, tem uma parte que não tá com o Museu, que é do DIEESE criar um novo plano de relacionamento com os sócios, que a gente tem que reverter essa estrutura de receita, a gente tem que arrecadar mais recurso sindical do que recurso de projeto. E passa também aí a parte mais difícil, que é para uma reestruturação interna mesmo, de pessoal, de formas de contratação, de salários, são discussões que têm que ser feitas e que são difíceis de se fazer. Então, pensar o DIEESE no futuro é pensar que a gente vai ter que mexer em coisas que são muito sólidas no DIEESE. Então acho que vão ser coisas que vão se abalar aí na frente. Eu acho que o Clemente é uma pessoa que... Se tem alguém que pode fazer, acho que é o Clemente. O Serginho provavelmente não faria, tanto que não fez e saiu do DIEESE tendo consciência disso. Mas acho que o Clemente teria condição de fazer.


P/1 – Por que você acha? Qual é... O Clemente tem a personalidade... Que ele possa...


R – Eu acho que é a forma de gestão mesmo. O Clemente é um gerente, né? Por isso que me identifico um pouco com ele. O Serginho é muito mais... Também é gerente mas leva mais pro emocional, pro pessoal, para uma coisa que numa Instituição... A gente até brinca, o DIEESE não pode ser filantropia. Mas tem coisas que, sabe, a gente não consegue mexer. Tem pessoas que, você sabe, que aquela pessoa não adianta, não dá... Para o DIEESE, ela não ajuda, mas você não tem coragem, porque a pessoa está há não sei quanto tempo, a pessoa... É arrimo de família, ou se você mandar embora... Então você fica levando as questões pessoais e não consegue resolver as questões que são, enfim... É difícil, é muito difícil. Eu tenho consciência disso, parece crueldade, mas acho que, tem que fazer.


P/1 – Tem que ser mais pragmático, assim?


R – Tem que ser mais pragmático.


P/1 – A gente já falou um pouco desse projeto nosso. Mas assim, pensando de um outro ponto de vista: O que

acha do DIEESE estar agora parando pra rever sua história, resgatar. Você acha que é o momento?


R – Eu acho que é tarde. Eu acho que a gente demorou pra fazer isso. Tanto que uma grande parte da história, por mais competência que vocês tenham, e esforço que a gente esteja fazendo, a gente vai perder. Já perdeu. Não tem jeito. 50 anos, é... Pessoas que morreram, que você deixou de ter esse registro. Mesmo a parte documental, acho que tem muita coisa que se perdeu. E inclusive quando a gente pensa para frente... já fiz essa conversa com o Clemente. A gente tem que, sei lá, a cada cinco anos, no máximo, a gente tem que parar e fazer uma... Um esforço de resgate. Primeiro que acho que daqui pra frente você muda um pouco a... As pessoas passam a se preocupar com a questão da memória. E acho que esse projeto é importante para isso. Coisas que não eram levadas como importantes, como armazenamento, como forma de guardar. Acho que as pessoas começam a se preocupar com isso. Então acho que isso nunca aconteceu. Porque nunca ninguém parou pra buscar: “ah, vamos ver o que é importante, o que é importante registrar”. Então acho que,

sempre pra frente,

você muda a postura. Mas de qualquer forma, não dá pra esperar mais 50 anos pra fazer isso de novo. Então tem que ser uma coisa mais curta.


P/2 – Desse período todo que está no DIEESE, que fatos destacaria que foram marcantes na história do DIEESE, que viveu?


R – Nossa. [SUSPIRO]. Bom, eu acho que primeiro foi a saída do Barelli. Que pra mim marcou.


P/1 – Você estava aqui, já?


R – Eu tava. Barelli saiu em 1990. Não, acho que antes disso. Acho que em 1989 nós fizemos um Congresso dos Trabalhadores do DIEESE. Que já foi um momento onde havia uma crise entre movimentos e dirigentes sindicais do DIEESE e a Direção Técnica do DIEESE, que era a crise do Barelli com a Direção Sindical. E aí todos sabiam que o Barelli ia dançar, ia sair... E neste Congresso, também havia uma insatisfação muito grande dos trabalhadores do DIEESE quanto à forma como o Barelli conduzia as relações internas de trabalho no DIEESE. Então, neste Congresso houve inclusive uma eleição, uma eleição entre aspas, de possíveis candidatos à Direção Técnica. Tinham pessoas que estavam querendo ocupar o lugar do Barelli. Eu acho que uns três nomes que foram colocados ali, meio que pra bater chapa nos trabalhadores do DIEESE, votar. Depois no fim acabou que esse Congresso não... Acho que foi importante, teve uma comissão que se chamava de Perestroika que acho que até teve uns encaminhamentos interessantes na forma de trabalho, coisas que eram importantes mudar, que foram mudadas... Mas a sucessão do Barelli não se deu a partir desse Congresso, né? Foi um consenso. O nome do Serginho saiu de um acordo ali entre a antiga direção... Mas acho que isso foi um momento importante: saída do Barelli, entrada do Serginho. Daí eu acho que, Pcda, que foi, acho que... Antes, em 1993, teve um grande seminário dos trabalhadores de PBQP, que daí surgiu o Pcda. Acho que daí, pra mim, no que trabalhei e foi importante. [SUSPIRO]. Ah, que mais? Ah, são poucos momentos, né? E depois a minha saída e a minha volta [RISOS].


P/2 – E esse foi o mais importante, né? [RISOS].


R – [RISOS]. É que no DIEESE as coisas duram muito, as pessoas são as mesmas, então você não tem grandes mudanças. Eu voltei pro DIEESE como se nada, como se não tivesse saído, é impressionante.


P/1 – E quais as principais lições que tirou?


R – De quê?


P/1 – Da sua carreira, do seu trabalho no DIEESE, nesses 20 anos.


R – Lições [PAUSA]. Eu acho que... Trabalhar no DIEESE é uma coisa importante e legal porque você trabalha para os trabalhadores. A coisa de fazer, de estar fazendo bem é uma coisa que é importante para mim. Então, saber que estou trabalhando para ajudar as pessoas. Os trabalhadores e as pessoas menos favorecidas para que melhorem as condições de vida é uma coisa muito gratificante. A minha experiência quando saí do DIEESE foi no mesmo sentido. Eu trabalhei na Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade que era ajudar os pobres da cidade de São Paulo a sair da condição de pobreza. Na verdade,

me aproximei mais ainda, porque aí não era nem mais classe trabalhadora, mas os desempregados e excluídos. Então, pra mim, essa coisa de ajudar a quem precisa, me faz bem e é uma coisa que faço com prazer. Trabalhar no DIEESE me dá prazer, trabalhar na Prefeitura me dava prazer. E acho que aqui aprendi esses grandes princípios da solidariedade, acho que o DIEESE ensina isso muito bem. De responsabilidade porque também acho que o DIEESE delega muitas coisas para as pessoas. Independente da idade. Essa coisa de... Porque você é jovem, você não... Eles confiam nas pessoas, independente da idade, e acho que isso também é legal. Então te jogam uma responsabilidade e confiam que vai dar conta daquilo. Acho que isso é importante para as pessoas crescerem dentro do DIEESE. E acho que cresci muito com isso. Ah... [PAUSA]. Não sei o que mais...


P/1 – Então está ótimo.


R – Não sei...


P/2 – O quê você achou de contar um pouco da sua história, contribuindo para esse Projeto Memória?


R – Olha, pra mim, que sou péssima de memória achei ótimo, porque... Acho que a história do DIEESE é uma coisa muito importante pra vida de todos que estão envolvidos, para um movimento sindical e... a gente sempre acha que não pode contribuir, né? A história da gente, você não consegue perceber a sua história como fazendo parte da história de uma Instituição dessa. Mas acho que, na verdade, cada um, tem um pedacinho dela. Foi bom contar, gostei.


P/2 – Obrigada.


P/1 – Obrigada. É isso.