Museu da Pessoa

Zona Cerealista do mundo inteiro

autoria: Museu da Pessoa personagem: João Luiz Correa Lima

P/1 – Só para registrar, fala pra mim o seu nome completo, local e data de nascimento.

R – João Luís Correa Lima, São Paulo, nascido dia 24 de abril de 48.

P/1 – Você, desde a sua adolescência, juventude, já queria ser comerciante, como é que era isso aí?

R – Eu comecei a minha vida aos 13 anos de idade. Eu vim trabalhar com um tio meu que era comerciante, José Lins Guglielmi, que é comerciante até hoje também e eu comecei trabalhando com ele. Nos últimos tempos que eu estava com ele, eu estava já… eu comecei com 13, estava já com 15, 16 anos, a gente começou exportar banana, ia para Itariri, Petroleiro, pegava o trem, ia até lá, comprava banana e mandava para a Argentina e depois disso, com 16, 17 anos, eu vim trabalhar com um outro meu tio, Júlio Guglielmi, que foi meu sócio até há pouco, que ele morreu. Em 1967, nós fizemos a JMG, que existe até hoje e essa firma se dedicava à importação, principalmente, de cravo da índia, especiarias e trabalhávamos com alho também aqui na frente, na frente desta loja em que nós estamos agora, na Rua da Alfandega mesmo, e nós trabalhávamos muito forte com alho, nós não tínhamos dinheiro, não podíamos perder, então, trabalhávamos com especiaria, que era um mercado bem seguro, que não se perdia nunca. Antigamente, importação era… naquela época, você escolhia mercadorias que você ia importar para ver o que dava mais lucro, porque o dinheiro não tinha, não existia dinheiro, entendeu, nós não tínhamos dinheiro…

P/1 – Como assim?

R – Não existia dinheiro, nós não tínhamos dinheiro par importar, não tínhamos dinheiro pra… então, tinha que comprar coisa que dava muito lucro, só, só isso. A gente procurava comprar coisas que davam muito lucro e trabalhava com alho para vender no varejo, a caixinha, nós vendíamos alho aqui na frente, a firma era aqui na frente, onde existe hoje uma agência de viagens. E daí, dessa data em diante, nós fomos trabalhando, fomos trabalhando, depois vieram as cotas… não, veio primeiro, o depósito compulsório, você tinha que depositar o dinheiro para fazer importação, você pagava duas vezes a mercadoria, uma vez, o dinheiro ficava preso um ano no Banco do Brasil para depois, eles te devolverem o dinheiro e como fazia naquela época, a gente não tinha dinheiro, mas toda mercadoria importada dava muito lucro. Então, nós íamos aos compradores fortes, que não eram importadores, os comerciantes do CEASA e vendia, por exemplo, se o alho custava dez, nós vendíamos a sete, mas nós pegávamos o dinheiro adiantado deles, fazíamos o deposito compulsório, que era obrigatório fazer o deposito compulsório no Banco do Brasil, para depois importar. Quando a mercadoria chegava, eles ganhavam muito dinheiro, porque tinham comprado barato, era muito lucro na época, nós ganhávamos também o deposito compulsório inteiro, que ia voltar depois de um ano, mas era lucro certo que tava depositado já no Banco Central da época…

P/1 – Isso em que ano, mais ou menos?

R – Isso foi mais ou menos… o do depósito compulsório, eu diria que foi em 78, 80… depois, paralelamente a isso, vieram as cotas de alho que quem tinha uma cota de alho era a mesma coisa que ter um poço de petróleo, dava lucro porque só podia importar quem tinha as cotas. Nós, como tínhamos feito essa operação de vendas antecipadas, então, nós tínhamos uma cota boa na época. Depois disso, o Brasil passou por uma fase muito difícil, que não existiam dólares, então, para você importar, você precisava exportar, então, você aumentava a sua cota de dólares, você era obrigado a exportar. Por exemplo, você tinha uma cota de um milhão de dólares por ano pra você passar para um milhão e cem, você tinha que exportar os cem mil dólares, isso te dava o beneficio e para um milhão e duzentos, você tinha que exportar duzentos mil dólares. Nós fizemos, então, nós saímos para buscar o mercado internacional. Nessa época, eu tinha aqui comigo o meu irmão trabalhando também, eu tinha comigo a minha irmã trabalhando também. Então, nós exportávamos não para ganhar dinheiro, nós exportávamos pimenta que tinha um valor alto, roupas para Argentina, mas mais para aproveitar os dólares na importação, nós não fazíamos questão de ganhar dinheiro na exportação, mas sim, na importação. E com isso, nós fomos criando um nome em pimenta, tal, lá fora e chegamos a exportar depois, quantidades significativas, mas paralelamente a isso, também, nós fazíamos feiras. Sempre nós fizemos feiras fora do país. Nós fazíamos feira, digamos, a firma tem 50 e tantos anos, nós fazemos feiras há mais de 40 anos, nós fizemos feira no mundo todo, sempre objetivando a exportação e também, a importação. Nós somos pioneiros em alguns tipos de exportação de grãos, tal, que o Brasil nunca tinha exportado, nós começamos a exportar, graças a essas feiras que nós fazíamos. Naquela época, 1980, 86, minha irmã trabalhava comigo, ela… você imagina, naquela época, ir para o Paquistão, então, nós fomos para o Paquistão, lá, ela foi para o Paquistão para conseguir desenvolver alguns negócios lá de exportação e mulher, naquela época, nem andava no Paquistão, entendeu, era até perigoso, mas aconteceu. E foi daí que a firma teve sucessões, quer dizer, eu tive primeiro, minha irmã, meu irmão, que trabalharam comigo, depois, o Reinaldo que é meu sócio hoje, que é filho do meu sócio que morreu, que veio trabalhar comigo e isso só agregou. Então, nós, a partir dos idos de 1982, assim, nós montamos uma estrutura… em 1982 teve os benefícios fiscais da importação para firmas que eram de outros estados, então, nós formamos uma outra firma num outro estado para aproveitar os benefícios fiscais. Nós estávamos em Vitoria, porque Vitoria dava os incentivos fiscais na época. Em Vitoria, nós procuramos fazer mais alguma coisa e veio o café, nós começamos a entrar no mercado do café verde, nós fomos um exportador significativo de café verde. De Vitoria, fomos um dos seis, sete maiores exportadores de café verde, nós montamos uma estrutura muito grande em Vitória, em um terreno de 20 mil metros, um armazém de sete, oito mil metros, nós temos lá, para beneficiar o café, para fazer o café e nesse ponto, nós importávamos e exportávamos também. Daí, surgiu um negócio de importação de carros, nós fomos pioneiros também na importação de carros. Quando o Collor abriu a importação, nós importávamos carros, Mercedes, todo tipo de carros Lumina dos Estados Unidos e nós vendíamos aqui no armazém, então, eram os carros com cheiro de pimenta, com cheiro de alho e aqui era o nosso deposito. Depois, nós fomos para as concessionárias, nós chegamos a ter 11 concessionárias da marca Peugeot, Renault, Nissan, nós tivemos 11 pontos de vendas. Continuávamos com a importação, mas nós focamos mais as concessionárias, foi mal negócio, depois nós acabamos com as concessionarias e voltamos para cá. Nós saímos daqui na época, fomos trabalhar nas concessionárias, mas sempre deixamos os armazéns aqui, trabalhávamos por aqui também, mas não enfatizávamos tanto. Depois, as concessionárias viraram um mal negócio e nós voltamos pra cá e estamos até hoje aqui com exportação, nós fomos pioneiros em vários produtos da exportação, como pipoca, feijão fradinho, então, nós ganhávamos pelo pioneirismo de tantas feiras que nós fizemos, nós conhecemos clientes de tudo, de qualquer produto, então, pra mim, se falar: “Você tem que vender tal produto”, a gente sabe quem são os compradores, quem são os compradores que existem no mundo, devido às feiras que nós fizemos, tá? Nós chegamos a fazer feira até na Alemanha, quando a Alemanha era separada, em Leipzig, que nós fomos com as amostras num trem, queriam prender a gente que nós estávamos com pimenta no trem, com sacos de pimenta no trem que a gente levava de amostras. Naquela época, Leipzig era comunista, mas nós fizemos feiras no mundo todo e continuamos fazendo até hoje. E isso levou a gente a esse conhecimento do mercado. Então, nós temos um conhecimento de mercado, relativamente, bom e nós conseguimos vender o que o Brasil tem para vender, a gente sabe o comprador que compra, conhece os compradores devido às feiras, tudo isso, nós não temo problema nenhum porque se eu vendo para uma pessoa que não é seria, não tem problema, eu desvio

a mercadoria para outro que eu conheço, outro que compra essa mercadoria em qualquer parte do mundo, eu desvio e não tenho problemas de liquidez, tenho pouco problema de liquidez. Tivemos algum problema com a Síria, perdemos algum dinheiro com a Síria, Líbano também, mas de um modo geral, a exportação foi sempre bom pra nós. Agora, com a crise no país, nós nos adentramos a crise também, estamos com problemas também, devido à situação atual do governo. Mas estamos superando.

P/1 – Agora, queria voltar para algumas coisas. Você falou umas coisas muito interessantes, mesmo, pra gente, agora, você acha…

PAUSA


P/1 – Você acha qual que é a importância de ter conhecimento no comércio? Qual que é a importância de saber das coisas, da informação?

R – É tudo. Você tem que ter o conhecimento para poder negociar, se você não tiver o conhecimento, você não tem como negociar. E não é o conhecimento, você tem que saber os compradores, os vendedores, tem que ter o conhecimento de tudo.

P/1 – Mas essas feiras…

R – Ajuda bastante você ter um conhecimento geral do mercado no mundo. Essas feiras são feiras muito grandes que se realizam na França, na Alemanha, anualmente, elas se realizam na França, na Alemanha e em Dubai. Hoje em dia, o melhor mercado pra gente é Dubai, são os clientes do mundo árabe, nós deixamos de vender para os Estados Unidos, nós deixamos de vender para a Europa, hoje, praticamente, o nosso comprador e o mercado árabe.

P/1 – E o quê que vocês vendem para lá, hoje?

R – Nós vendemos café, nós vendemos pimenta, nós vendemos cravo da índia, nós vendemos gergelim, nós vendemos feijão, nós vendemos pipoca, tudo o que o Brasil produz, a gente vende. E se tiver que vender mais coisas também que o Brasil venha a produzir a mais do que a necessidade daqui, a gente vende.

P/1 – Entendi. E como é que começou na sua vida essa questão das feiras? Era comum que os comerciantes aqui da Zona Cerealista fossem?

R – Não, nenhum comerciante daqui vai às feiras. Hoje em dia, um ou outro vai para participar, mas nós íamos sempre com estande, nós montamos um estande nas feiras desde aquela época, nós montávamos estande, quando tinha que pagar; hoje em dia, o governo ajuda com uma parte, colabora com uma parte dos custos, mas nós chegamos a fazer muitas e muitas feiras que nós bancávamos sozinhos e toda feira que nós bancávamos, sempre tinha um retorno, sempre se achava um comprador diferente que pagava a feira. Todas as feiras nos últimos 40 anos, que a gente faz feira, em todas elas, nós tivemos retorno, nunca nós tivemos de uma feira que nós tivemos que bancar do nosso bolso

P/1 – Então, vale a pena, então?

R – Vale a pena.

P/1 – E como é que funciona uma feira para gente que não conhece ou para quem não viu?

R – Para quem não viu, uma feira, você expõe os seus produtos que você tem para vender para todos os compradores do mundo, todo mundo costuma frequentar as feiras. Para os compradores, todo mundo, você expõe lá para os compradores. Como uma feira daqui que você expõe os produtos para os supermercados comprarem. Lá, você expõe para o mundo, em vez de você expor aqui, você expõe para o mundo.

P/1 – E tem muitos estandes do Brasil ou são poucos?

R – Atualmente, a APEX tem ajudado bastante, hoje em dia são mais estandes, quando nós íamos, éramos nós, Bauducco, um ou outro pequeno que ia, hoje, a APEX já proporciona isso para muita gente, para quem quiser participar é só ir na APEX que ela dá um incentivo para participar.

P/1 – E você se lembra qual que foi a primeira feira que você foi, que você organizou?

R – A primeira feira que eu fui foi na França, nós fomos até só ver, foi a minha irmã que foi nessa feira só para ver e no ano seguinte, nós já começamos a fazer isso, foi nos idos de 1976, 77, por aí.

P/1 – Aí você foi?

R – Na próxima, nós já estávamos presentes, não sou eu, hoje a firma não é minha, tem eu, tem

a minha filha, tem outra filha, tem outro filho, tem outro sócio, filho do meu sócio, que já faleceu, então, sempre alguém vai estar na feira, não que eu, mas alguém da empresa sempre vai estar, dois ou três colaboradores, a empresa sempre vai estar presente na feira.

P/1 – Mas a primeira que você foi, foi em 77?

R – Foi em 77, 78, por aí.

P/1 – E como é que foi? Você se lembra?

R – Foi… o nosso mercado principal era os Estados Unidos, com a pimenta, nós temos um armazém de pimenta em Castanhal no Brasil, que nós exportamos por lá e foi uma grande surpresa a hora que a gente chega na feira, vê um saco da nossa pimenta numa firma americana, a maior firma americana do mundo que expunha as especiarias para vender para oi mundo, tinha um saco de pimenta lá que era nosso. Nós éramos o exportador, então, foi uma grande surpresa.

P/1 – Foi bom, foi uma alegria, então?

R – Foi uma alegria. Aquela então, que era a maior empresa americana que trabalha com esse produto.

P/1 – Agora, o que os outros comerciantes falaram ou pensaram disso na época? Você se lembra o que aconteceu?

R – Olha, é difícil você saber o que os outros comerciantes falaram ou pensaram, porque os outros comerciantes, aqui, muitos foram tendo sucessão, ou foram acabando naturalmente, então, eu… o pessoal sempre admirou a gente, sempre falou bem da gente, nunca tivemos problema com ninguém.

P/1 – Entendi. Agora, no começo, quando você entrou aqui no comércio, com seu tio, José Guglielmi, como que era a Santa Rosa?

R – A Santa Rosa era puxada por cavalos. Existia o bebedouro de cavalos no Largo do Pari, tinham as carrocinhas de cavalos que faziam as entregas, tinham os caminhões que faziam as entregas e não existiam os CEASAs que existem hoje espalhados pelo Brasil, todo mundo vinha comprar na rua Santa Rosa, todo Brasil vinha comprar aqui, vinha comprar em dinheiro, não existia duplicata, não existia cartão, não existia nada disso. No final do dia, você pegava um saco de dinheiro e levava para o banco. Todos os dias era… hoje mudou, hoje é fatura, é vendedor, tal, mas naquela época, você escolhia para quem você vendia, não é que você vendia para todo mundo, você tinha que ser amigo para vender, senão, você não vendia, porque era muito fácil, importar, eram poucas importadoras e muitos compradores, então, era muito fácil. Você escolhia no rol de dez mercadorias, porque você não tinha dinheiro, você ia ver o que ia dar mais lucro pra você importar, não se importava qualquer coisa, não, era o que dava mais lucro pra importar. Essa era a época em que eu comecei.

P/1 – E pra atacado também imagino que era uma loucura, né?

R – Não, isso era pra atacado.

P/1 – Pra atacado, né?

R – Para o atacado. O atacado, o Brasil todo vinha comprar aqui, não existia o CEASA, não existia nada. Era o Brasil todo vindo comprar aqui e pagando sempre com dinheiro, nem com cheque eles pagavam, era tudo dinheiro.

P/1 – Sei, e acho que devia ser uma movimentação enorme, então, dia e noite, né?

R – É, é verdade. Naquele tempo, tinha que se pagar o imposto do que se vendia, diariamente, pegava o dinheiro, já pagava o imposto. O banco fechava às quatro, pagava mais imposto pra poder vender até às seis. O IC… na época tinha outro nome, mas você tinha que recolher diariamente.

P/1 – E o quê que se vendia mais nessa época? Era diferente do que se vende hoje?

R – Não. É praticamente a mesma linha do que eu vendo hoje, alho e todas as coisas mais.

P/1 – Entendi. Agora, você se lembra quais eram as maiores firmas na época? não tô falando de famílias e nem de pessoas, mas as maiores firmas da época, assim, que…

R – Na minha época, que eu comecei, F Monteiro, João Marques da Silva, a Real Importadora eram as maiores firmas da época.

P/1 – Entendi.

R – Poucas… muitos feirantes da época que eu comecei foram para supermercados e foram muito bem sucedidos, os que foram para supermercados, todos eles foram bem sucedidos. Foram poucos, mas os poucos que foram, foram bem sucedidos.

P/1 – E como é que eram os feirantes? Tinham muitos? Vocês vendiam muito para feirantes na época?

R – Feirante era um comprador… eu diria que se não era o principal, era um dos principais. Feirante era muito fortes, muito grandes e quase todos eles se abasteciam aqui, eles vinham segunda-feira, que segunda-feira não tinha feira, então, segunda-feira era o dia em que o feirante vinha, fatalmente, vinha.

P/1 – Eles vinham como? De carroça?

R – Não, já não… a carroça eu tô lembrando assim, nos primórdios, não era carroça, eram caminhões, não eram carroças. Carroças existiam para fazer pequenas entregas, mas já eram caminhões.

P/1 – E desde o comecinho, vocês já vendiam, você com o seu tio, né?

R – É, meu tio que é meu sócio.

P/1 – Vendiam alho, que mais?

R – Alho, especiarias, mas o meu forte mesmo, era o alho.

P/1 – Entendi. E o quê que aconteceu, você abriu uma firma nova?

R – Não, é a mesma firma desde que eu comecei até hoje, eu tenho… tenho outras formas, mas a firma que eu comecei é a firma que eu tenho até hoje. A firma que eu abri nova é a firma que eu abri porque tive os incentivos fiscais na época, então, eu tive que abrir a firma nova para ter os incentivos fiscais.

P/1 – E como é que é essa relação dos comerciantes daqui com o governo? Sempre vocês têm que negociar?

R – Não, o governo hoje… hoje em dia, isso aqui não existe para o governo, o governo não vê isso aqui, o governo vê o supermercado. Isso aqui tá fadado ao futuro, não tem futuro, porque hoje, os maiores compradores são os supermercados, então, nós somos o pronto-socorro do supermercado, se o supermercado faltou, ele vem aqui e se abastece aqui, senão, ele importa, ele tem a condição de importar muito maior do que a gente. Compra quantidades mais fortes, mais solido.

P/1 – Mas agora, você viu os supermercados hoje são assim, só que você viu eles começando, né?

R – Eu vi eles começando. Vi todos eles começando.

P/1 – E como e que foi isso assim? Eles saíram da onde, esse pessoal?

R – Poucos saíram daqui, o Verissimo saiu daqui, o…

P/1 – Dias Martins?

R – Dias Martins saiu daqui, F Monteiro saiu para supermercado daqui, que não deu certo, o Castaldelli saiu daqui, esse que vendeu agora para o Pão de Açúcar, o Francisco Rodrigues Filho que era feirante, que agora vendeu todas as lojas para o Pão de Açúcar. Era feirante aqui, foi para supermercado, ganhou muito dinheiro e vendeu para o Pão de Açúcar, que o Pão de Açúcar hoje compra todo mundo, procura comprar os que pode, né?



P/1 – Como é que o supermercado mudou a dinâmica aqui da Zona Cerealista?

R – Praticamente acabou. Com o advento do supermercado, isso tá acabando naturalmente, são pequenos compradores do norte, nordeste que compram especiarias, que compram alho, que alho é perecível, que supermercado não importa muito, que se abastece mais do mercado interno, mas o resto, supermercado importa em melhores condições que a gente.

P/1 – E além disso, você acha que tem um problema na própria apresentação da loja, assim, o varejo tá impactadinho, e aqui tem alguns problemas de…

R – Sim, falando em área de varejo, que não é o nosso caso, nós só somos atacadistas, não vendemos nada a varejo, mas o varejo aqui é mais sujo do que uma loja de supermercado, é logico.

P/1 – Então, acho que isso também dá uma… né?

R – Em termos de varejo, sim, mas não é o nosso caso, que nós não vendemos nada para varejistas, para consumidor final, nosso cliente é o supermercado, é o atacadista, é o grande atacadista, esse é o nosso cliente.

P/1 – E fala um pouquinho mais sobre essas feiras, então, pra mim. Quais são as feiras maiores que tem? Que tiveram no ano passado?

R – As maiores são… é um ano na França, que é a…

PAUSA


R – Um ano na França, que é a SIAL e outro ano na Alemanha, que é a Anuga. Essas são as feiras que existem já há muito, muito tempo e são as principais feiras do mundo. Depois, com o advento do Oriente Médio, Cingapura era o nosso grande comprador, depois, com o advento de Dubai, passou a ser Dubai o grande comprador e Cingapura diminuiu as compras, diminuiu os negócios. Hoje é Dubai que comanda o mercado de todo Oriente, então, começou a feira de Dubai de uns dez anos pra cá, começou uma feira em Dubai. Então, hoje, pra nós, a melhor feira é Dubai, porque em Dubai, nós temos todos os compradores. Nós deixamos de fornecer para os Estados Unidos, para a Europa, porque os compradores estão muito exigentes, ao passo que Dubai não, não são tão exigentes, não são tão chatos, e é mais fácil de se trabalhar. Você imagina que nos Estados Unidos, assim, num lote de pimenta, se faltar 20 quilos, o cara te manda um claim de 20 quilos para você pagar, isso não existe em Dubai, não existe em lugar nenhum.

P/1 – E você vendia o que mais para os Estados Unidos?

R – Para os Estados unidos, nós vendíamos… nós chegamos a ter uma firma de mármore nos Estados unidos, nós tínhamos uma marmoraria aqui, uma firma de mármore nos Estados unidos, nossa gente lá, nós vendíamos pimenta para os Estados Unidos, fizemos várias parcerias com a Mccormick, num dos nossos armazéns do norte, nós alugávamos para a… chegamos a alugar para a Mccormick para ela preparar a pimenta dela para exportar para ela e nós exportávamos também para ela. A Mccormick é a maior mundial de especiarias. Além da pimenta, eu exportava cravo da índia para os Estados Unidos, cheguei a exportar pipoca para os Estados Unidos, café torrado, teve uma época que nós tentamos fazer uma… fizemos várias exportações de café torrado para os

Estados Unidos, inclusive, nós chegamos a montar uma firma nos Estados Unidos para trabalhar o café torrado, mas não deu certo. Lá, o café torrado, eles têm o beneficio deles na importação que o Brasil não tá, então, nós temos que pagar o imposto que eles não pagam lá, então, não deu certo o café torrado, essa firma fechou, também, nos Estados Unidos. Praticamente isso. Nós vendíamos… chegamos a ter uma cafeteria na China também, abrimos um mercado com a China para café, nós tentamos e também não deu certo, chegamos a ter cafeteria, sócio na China, tal, mas não deu certo também. Nós arriscamos em diversas frentes de negócios, nós arriscamos.

P/1 – Sei. E o quê que você acha disso, assim, dessa vontade de arriscar, porque tem pessoas que estão há 30 anos vendendo batata, cebola, a mesma coisa, como que é isso?

R – É que aqui tem sucessão, vai renovando, né, então, eu tenho as minhas ideias, mas hoje em dia tem o meu sócio que tem outras ideias, que é filho do meu sócio que já faleceu e tem os meus filhos que têm outras ideias, então, todo mundo, muitas vezes, é a ideia de um, a ideia de outro… então, eu acho que o que faz isso acontecer é mais a renovação que existe. A renovação que vai buscando novos desafios.

P/1 – E você acha isso importante, assim, ter uma inovação?

R – Eu acho importante, importantíssimo, você não pode… o mundo todo dia muda, a gente não acompanha mais a evolução do mundo, a mudança e de idade, a gente já não acompanha, a gente acompanhava quando tinha 30 anos, hoje em dia, já é mais difícil. Difícil pegar um avião pra ir pra cá, ir pra lá, mas naquela época, toda hora, tinha alguém na Europa, alguém nos Estados Unidos, alguém no Oriente. Sempre nós fomos de viajar muito, de buscar muito, por isso, o nosso conhecimento dos clientes fora. Que o nossos grande patrimônio hoje é o nosso conhecimento dos clientes, nós temos conhecimento do que nós trabalhamos, então, nós temos conhecimento dos clientes do mundo todo, praticamente, nós sabemos onde colocar mercadoria no mundo. Você pode me dar, falar: “Você tem que vender palito de fosforo”, nós temos o comprador para palito de fósforo.

P/1 – Como é que foi sair de alimentos para entrar em outros produtos, assim?

R – Nós não saímos de alimentos… nós estamos no alimento.

P/1 – Mas tô dizendo, expandir assim, para mármores, carros, por exemplo.

R – Foram novas experiências que nós fizemos. Nos carros, nós trazíamos os carros importados, então, nós fomos mantendo um certo conhecimento de mercado com os outros concorrentes que não eram importadores, que eram só revendedores de carros. Daí, veio uma oportunidade de nós montarmos uma marca aqui, depois a segunda marca, depois a terceira marca e assim, nós abrimos 11 concessionárias. Talvez, se nós tivéssemos aberto 11 supermercados, teria muito mais negócio do que abrir a concessionaria, e hoje, fatalmente, nós já teríamos vendido para o Pão de Açúcar, que ele compra tudo.

P/1 – E você falou um pouquinho de como você acha que vai ser o futuro daqui, né, você que tá vendo isso aí…

R – Na minha visão, o futuro daqui não tem. Não tem como crescer.

P/1 – Na questão de alimentos, você acha?

R – Eu acho que na questão de distribuição de alimentos. Quem vai dominar são os supermercados e nós vamos ser pronto-socorro dos supermercados, o que falta, ele compra aqui.

P/1 – Mas ainda… você acha que ainda a Zona Cerealista tá se aguentando?

R – Ainda está se aguentando, está se aguentando, não é a Zona Cerealista que eu conheci, que eu comecei a trabalhar, mas sempre existem as oportunidades, lógico.

P/1 – E os produtos mudaram… você falou que continuam os mesmos, mas a importância, antes, pelo o que eu tô falando com os comerciantes, é que se vendiam produtos básicos para o Brasil inteiro, né, antigamente?

R – Vendia para o Brasil inteiro, lógico.

P/1 – Só que hoje não é mais assim?

R – Hoje não é mais assim, hoje, os supermercados é que dominam, existe Ceagesp no Brasil todo, entendeu? O Ceagesp do Maranhão faz a importação que nem eu faço a importação aqui. Então, já está mais diluído, os compradores não mais vem aqui pra comprar, não mais necessitam vir aqui para comprar. Hoje, o vendedor vai na casa do comprador oferecer a mercadoria, pedir pelo amor de Deus pra comprar, coisa que não existia. Quando eu comecei, o cara vinha pedir favor pra ele de vender, completamente diferente, né? mas isso faz 50 e tantos anos…

P/1 – Agora, o CEASA e o Ceagesp saíram daqui de dentro da Zona Cerealista em São Paulo, pelo menos?

R – Os comerciantes do CEASA não são os mesmos comerciantes daqui, não tem ninguém daqui que… raríssimas pessoas foram para o CEASA, abriram armazéns lá, mas eu creio que no deu certo, eles não estão lá, não saíram daqui.

P/1 – Você pegou alguma enchente aqui?

R – Pegamos várias enchentes.

P/1 – Como é que é quando acontece?

R – Água de um metro aqui, aqui foi região de enchentes, hoje eles transferiram as enchentes daqui pra outro local, mas enquanto você joga asfalto na terra, a terra não tem como absorver a água, então, aqui enchia de água, enchia muito de água. Nós tivemos vários e vários problemas de enchentes. Até chegamos a receber uma indenização da prefeitura na época bem considerável.

P/1 – Mas você já perdeu coisas com a enchente?

R – Muita, muita coisa.

P/1 – E como é que é quando enche assim?

R – Hoje não enche mais, tá? Quando enchia aqui, enchia como qualquer enchente que dá em qualquer lugar, a água começa a subir, subir, subir, muitas vezes, abriam o reservatório, porque ano tinha mais como armazenar água e aqui subia mais, como aqui era mais baixo, subia mais.

P/1 – E você tinha que fechar as portas aqui?

R – Não, não adiantava fechar as portas que água entra por dentro, entra por baixo, entra de todo lugar. Água entra pelo ralo, por tudo. Isso aconteceu diversas vezes, até uns 20 anos atrás, depois, não aconteceu mais.

P/2 –

Tinha muito prejuízo por causa das enchentes?

R – As enchentes causavam alguns prejuízos, tá? Uma delas, eu fui ressarcido pela prefeitura, mas foi só uma, as outras não.

P/1 – Você tem muita família aqui na Zona Cerealista? Você falou que tem o seu tio…

R – Tenho, tenho muita família aqui. Eu, praticamente… meus avós são daqui, dessa zona, meu avô já tinha máquinas de beneficio de feijão, toda minha família é estabelecida, foi estabelecida. Hoje, meus irmãos que não fazem mais parte daqui são estabelecidos também, então, toda minha família, praticamente, por parte da minha mãe é de origem daqui, do bairro e trabalham aqui.

P/1 – Qual que é o nome do seu avô e da sua avó?

R – Pascoal Guglielmi e Angelina Caruso Guglielmi.

P/1 – E o do seu pai?

R – Honestario Correa Lima.

P/1 – Sua mãe?

R – Conceta Guglielmi Lima.

P/1 – Você tem uma descendência italiana, então?

R – Eu tenho descendência italiana, embora o meu nome seja João Luiz Correa Lima, eu tenho descendência italiana e tenho passaporte italiano.

P/1 – Mas o nome seu completo é maios português.

R – É, mais português porque o meu pai era brasileiro.

P/1 – Então, as pessoas confundem um pouco, talvez, né?

R – É.

P/1 – Indo para as perguntas finais, eu queria saber como é que tá… você falou que tá tendo crise hoje, né, aqui no país, mas que produtos você vende hoje, fazendo um panorama de hoje, como é que tá, como é que você acha que as pessoas vão sair dessa crise, como é que tá aqui o seu…

R – O momento é muito difícil. O país… a crise não é só aqui, a crise é no país todo, você sabe, não é novidade nenhuma, nós esperamos que com a mudança do governo, a coisa… não que vá melhorar do dia pra noite, mas paulatinamente, ela venha a melhorar, nós sabemos que no mundo, o rendimento do dólar é ínfimo ao passo que aqui, o rendimento do dólar é muito alto, todo mundo está querendo botar mais dinheiro aqui, só não bota porque não tem a segurança do retorno, de uma tranquilidade. A hora que isso estabilizar, eu acredito que vão vir muitos capitais pra cá que vão facilitar a coisa no mercado interno, aqui.

P/1 – E você tem algum produto que você gostou mais de trabalhar nesses anos todos?

R – A gente gosta do que dá dinheiro. Tudo que dá lucro a gente gosta. Por exemplo, hoje, o nosso… nós estamos exportando muito gergelim, nós estamos praticamente sozinho na exportação, outros não têm entrada, então, um produto da vez que nós estamos fazendo agora.

P/1 – E você tem em mente essa questão de produtos orgânicos, essa onda verde, você acha que…

R – Talvez, meus filhos tenham, eu não tenho. Talvez meus filhos tenham.

P/1 – Você tá com quantos anos hoje?

R – Eu estou com 68 anos, eu comecei aqui com 13…

P/1 – Tá 55 anos aqui?

R – Minha infância começou aqui, minha infância é daqui.

P/1 – Você cresceu nos armazéns, então?

R – Cresci nos armazéns, conheço… quando eu comecei, eu era o mais novo, hoje eu sou o mais velho daqui, então, eu vi várias gerações já passarem por aqui.

P/1 – Como é que foi crescer aqui?

R – Foi bom, foi gostoso, muito salutar.

P/1 – Então, você sempre acompanhou essas carroças, caminhão?

R – Não. Carroça foi força de expressão. Eu comecei quando tinham algumas carroças, mas já tinham os caminhões, não sou tão velho assim, né?

P/1 – Quais são seus projetos, sonhos para o futuro, hoje?

R – Meu futuro, o que eu projeto para o futuro é descansar. Projeto só descansar.

P/1 – Você pensa em se aposentar uma hora?

R – Aposentar, não, diminuir o meu trabalho, transferir mais responsabilidade para os meus filhos.

P/1 – Você tem neto, hoje?

R – Eu tenho sete netos homens, talvez algum venha pra cá.

P/1 – O que você acha de ter um livro sobre a Zona Cerealista, de poder entrar nele?

R – Eu acho uma iniciativa muito bonita, nunca houve isso nesse nosso setor, é válido.

P/1 – Uma coisa que tinha esquecido de perguntar pra você. Você tem alguma relação com o sindicato, é associado?

R – Eu fui diversas vezes, diretor do sindicato durante minha vida, em várias gestões, eu fui diretor. Depois, não… praticamente, nos últimos 20 anos ou 15 anos, eu me afastei do sindicato, entendeu, achei que… praticamente, quando eu sai para carros, eu parei de frequentar o sindicato. Mas frequentei muito o sindicato, fui diretor em diversas gestões.

P/1 – E como é que era o sindicato na sua época? O quê que ele fazia?

R – Na minha época, ele era mais atuante perante o governo, brigava mais. O nosso sindicato, devido não ter os supermercados que existem hoje, era mais ouvido, hoje em dia não é ouvido, porque não representa praticamente nada. Então, não tem nenhuma força, na minha opinião, perante o governo, não tem a força que tem uma entidade supermercadista…

P/1 – E o quê que era negociado com o governo pelo sindicato, por exemplo?

R – Eram negociados os impostos de mercadorias, benefícios de mercadoria para importação, o que faltava, se brigava para pagar menos impostos, preço de referência na CACEX, brigava por isso daí naquela época.

P/1 – Tá certo. Obrigado, viu, seu João Luiz.

R – Acabou?

P/1 – Acabou.

R – Foi ótimo.