Museu da Pessoa

Walter Souza Borges

autoria: Museu da Pessoa personagem: Walter Souza Borges

Nome do projeto: Projeto Vale Memória
Depoimento de: Walter Souza Borges
Entrevistado por: Danilo
Local: São Luís
Data: 1/ 7/ 2002
Realização Museu da Pessoa
Código do depoimento: CVRD_CBSL018
Transcrito por: Elisabete Barguth


P1 – Walter boa tarde, a gente pode começar você falando o seu nome completo, local e data de nascimento.

R – Meu nome é Walter Souza Borges, eu nasci em Belém do Pará, sou paraense, em 1962.

P1 – E seus pais são de onde?

R – São do Belém do Pará também.

P1 – E eles se conheceram lá, como foi isso aí?

R – Meus pais se conheceram em Belém do Pará mesmo.

P1 - Atividade deles qual que era?

R – Meu pai é supervisor técnico em eletricidade aposentado e a minha mãe só trabalhava em casa mesmo cuidando da família.

P1 – E você passou sua infância aonde? Em Belém do Pará, mesmo?

R – Minha infância era meio tumultuada, como meu pai trabalhava por todas as empresas, do Brasil todo e eu crescendo correndo o mundo, então todos os estados do país eu conheço. Meu pai trabalhava em empresas e ficava um ano em cada cidade e assim foi minha infância, não foi uma infância muito pra criar laços de amizade, normalmente era pra criar e eu não tive como fazer um laço de amizade.

P1 – Você então passava um ano em cada cidade?

R – Passava um ano em cada cidade.

P1 – E como era? vocês ficavam tinha alojamento da empresa?

R – Meu pai alugava uma casa e nós ficávamos numa casa mesmo ele trabalhando, então nós moramos no Rio, Sergipe, Bahia, Manaus de um lado pro outro.

P1 – E como fazia escola nessa época?

R – Estudava normal, como eu falei pra você, a gente estudava e o próximo ano a gente ia pra outra cidade, começava de novo a fazer amizade de novo.

P1 – Como foi a sua escolha profissional, como aconteceu isso, com que idade que foi?

R – A minha escolha profissional acho que veio também em relação ao meu pai, que meu pai também é supervisor técnico em eletricidade e hoje todos nós tanto eu como meu irmãos também são ligados em eletricidade, eu fiz escola técnica.

P1 – Aonde?

R – Em Belém do Pará e também fiz elétrico em eletrônica, então hoje eu sou técnico em eletrônica na Vale do Rio Doce.

P1 – E você chegou a morar um tempo maior quando você estava estudando, fazendo escola técnica em Belém ou não ou tava nessa correria aí?

R – Nesse caso eu fiquei mais tempo, eles foram pra Bahia e eu fiquei estudando escola técnica, fiquei mais tempo. E também teve um período que eu decidir ser padre, eu tive uma parte que eu me separei da minha família pra estudar no seminário católico pra ser padre.

P1 – Aonde era o seminário?

R – Em Belém mesmo e depois eu fui pra Bahia.

P1 – E como foi essa vocação? que idade que você tinha, como surgiu isso?

R – Essa vocação surgiu com nove anos de idade, esse interesse, e posteriormente com 16 anos eu ingressei no seminário católico pra ser padre.

P1 – Isso foi espontâneo, a sua família é católica?

R – Não, meu pai não aceitou porque ele era espírita, a minha família quase toda era espirita e de repente eu decidi ser padre, então foi muito difícil, foi uma separação doída, né, mas infelizmente também eu não consegui ser padre... na Bahia eu passei alguns anos na Bahia tentando ser padre e fui expulso do seminário, né, então eu voltei pra casa e aí teve que começar uma relação de novo de pai e de filho porque eu já tava com 18 anos e eu entrei no seminário muito novinho com 10 anos e aí eu perdi uma relação de carinho, de amor com meus irmãos, com meu pai aí teve que reiniciar esse processo de novo.

P1 – E você depois desse período foi fazer escola técnica?

R – Exatamente, porque eu sai do seminário sem perspectiva. Tinha um segundo grau do seminário, tinha uma formação em filosofia tem que estudar todos os anos filosofia, tava começando teologia quando fui expulso e fiquei sem perspectiva nenhuma, aí quando eu voltei pra casa meu pai me orientou a fazer escola técnica, na área dele e tal como eu não tinha nada fui fazer escola técnica na área dele.

P1 – Posso te perguntar por qual motivo você foi expulso? quer falar disso?

R – Posso, não tem problema, como a gente era vocacionista e era ligado a igreja católica e era enclausurado, a gente era preso, a gente não usava cabelo, era careca, usava uma batina, a comida vinha por baixo da porta, a gente ficava preso em cela, a gente chamava de cela era um quartozinho de três por três, tinha cama, uma escrivaniazinha, quadro, um banheiro e normalmente a comida vinha por baixo, tinha uma portinha tipo entrada de cachorro... eles colocavam por baixo. E tinha aula, os padres entravam na cela pra dá aula, a gente tinha voto de silêncio, não podia falar, além de voto de castidade, de silêncio e eu passei muitos anos da minha vida lá, aí eu passei a questionar demais, porque a gente começava a perguntar, porque a gente perguntava por escrito e eles falavam que era uma questão de fé. Então quase tudo que não tinha resposta era uma questão de fé, isso é chamado na igreja como dogmas da igreja, né, você tem pergunta, mas não tem resposta, aí eles colocam como um dogma de fé e isso me deixava contrariado... E eu sempre questionando e acabaram dizendo que eu não tinha vocação porque eu questionava demais e eu tinha que passar um período fora, na realidade não foi uma expulsão, foi um período fora mas na realidade foi uma expulsão.

P1 – Era alguma ordem especial?

R – Era chamado vocacionistas.

P1 – Vocacionistas.

R – Hoje ela não existe no Brasil, ela voltou pra Itália.

P1 – Ordem Vocacionista.

R – Ordem Vocacionista.

P1 – Então você foi fazer técnico um pouco mais adiante. E como você começa a sua carreira profissional? Em Belém você já tá mais estabelecido? em Belém, como foi isso daí já depois de formado?

R – Eu sai do seminário, eu tava na Bahia ainda, meu pai retornou, perdeu o emprego... teve uma recessão muito grande, perdeu o emprego e com uma base, como ele era paraense, a base dele, apoio, seria a família dele em Belém, então a gente retornou pra Belém e eu retornei junto com ele e entrei na escola técnica. Ele pediu pra eu entrar na escola técnica e entrei e comecei a fazer o curso na escola técnica. Então foi nesse processo que começou, logo eu terminei e aí teve o convite pra algumas pessoas entrar na Vale do Rio Doce, uma prova, uma seleção e cargo era um cargo muito estranho: era guarda freio. A gente em Belém não tem o costume com negócio de trem, então guarda freio, eu imaginava que guarda freio era alguma coisa pra parar o trem, segurar o trem, né, alguma coisa, guarda o freio... como a gente vai guardar o freio do trem?... Então a gente ficava imaginando na minha turma. Nós entramos em 40 e muitos estão na Vale ainda, outros saíram eu permaneci e passei 6 anos como maquinista, como guarda freio passei 6 meses. E eu me lembro que o guarda freio quando eu cheguei eu era muito cabeludão, tinha o cabelo grande e eles me pediram pra cortar o cabelo porque não ficava bem um cara todo cabeludão e me pediram pra cortar e eu falei assim: “Mas eu não tenho dinheiro”, “A gente dá pra você”, então o inspetor na época, o senhor Mozart, que eu tenho uma recordação muito boa dele, ele me deu 5 reais que na época era 5 cruzeiros e eu fui cortar o cabelo, ainda sobrou um dinheiro eu fui devolver pra ele, “Não, pode ficar”, então eu tive que cortar o cabelo que meu cabelo era grande imenso e acabei cortando. E uma coisa que eu me lembro assim de recordação, embora fosse árduo, duro o trabalho como eu entrei na Vale em 84 a ferrovia tava no 591 próximo a Açailândia, né, tava construindo a ferrovia e a gente teve que levar os trilhos até lá pra começar a construção. Só que a gente tinha que pegar os trens aqui, pegava o trem completo só que locomotiva ficava atras, né, então tinha que colocar um guarda freio na frente do trem, que na realidade não era na frente, era uma plataforma pra poder ir de ré até o 591, então ficava o guarda freio, o maquinista ficava lá atrás na composição, na locomotiva e o guarda freio ficava na frente. Então a gente ia a noite normalmente era a noite... Uma época eu fui e me lembro muito bem me botaram lá na frente, me botaram agasalho e tudo tava numa época de chuva e nós fomos 591 a 591 quilômetros você indo de ré, chuva, a noite no escuro, no relento e eu me lembro que chovia demais... fazia muito frio e eu ficava pulando na plataforma, gritando pra parar o frio porque era muito grande, era imenso. Amanheceu ainda com muito frio, todo molhado e de repente o sol veio muito forte e eu ali, me enxuguei com o sol forte, mas era doído, era muito forte mas a gente tem uma recordação muito boa, porque foi na época da construção da ferrovia. A ferrovia tem uma história de pessoas que sofreram, mas eram jovens e aquilo pra nós era uma aventura, tudo era uma aventura. Então isso é uma recordação que eu tenho de um trabalho árduo, mas hoje eu tenho uma imagem boa da construção que hoje existe aí, então essa é uma das grandes coisas que eu tenho, passei seis anos como maquinista e hoje eu sou técnico de eletroeletrônica da Vale do Rio Doce.

P1 – Só pra terminar o que é guarda freio afinal de contas?

R – Guarda freio é um manobreiro, normalmente é aquele que vai manobrar o trem, ele anda pendurado na calda do vagão, ele vai acoplar a composição ou os vagões entre eles, então o guarda freio é esse que faz essas manobras que o maquinista não enxerga.

P1 – Você queria contar alguma coisa, falar algo pra terminar, pra fechar.

R – Eu gostaria de falar que antigamente nós vestíamos a camisa da Vale, né, e esse vestir a camisa da Vale foi muito esquecido. A gente andava na cidade de São Luís Maranhão, a gente tinha orgulho de andar com a camisa da Vale e por algum motivo algumas pessoas resolveram não usar mais fisicamente a camisa, eles começaram a tirar a camisa pra ir pro centro, né, usar uma roupa dentro da mala e usava quando ia pro centro pras pessoas não perceberem que é da Vale. Já antigamente a gente tinha orgulho de andar na rua com a camisa da Vale, porque era uma referência não só a nível de São Luís do Maranhão, mas uma referencia a nível de Brasil e de repente essa imagem foi desgastando, né, e nós que construímos essa ferrovia, começamos essa ferrovia, pra nós é doído ver que a nova juventude que tá entrando na Vale tem vergonha de usar a camisa, então isso me constrange. Então eu gosto de usar a camisa, vou em qualquer lugar com a farda da Vale, eu sou professor de uma faculdade, dou aula com a farda da Vale, né, porque eu me orgulho do que eu visto. Porque ajudei a construir essa ferrovia, a juventude hoje que tá entrando agora que não conhece o outro lado da ferrovia, da construção mesmo, então eles tem um pouco de receio de usar a farda da Vale em outro lugar, então isso me dói um pouco.

P1 – Perfeito, obrigado Walter.