Museu da Pessoa

Vivendo de livros

autoria: Museu da Pessoa personagem: José Reinaldo Pontes

P/1 - Nós gostaríamos que o senhor nos dissesse o seu nome completo, local e data de nascimento?

R - José Reinaldo Pontes, Itatiba, estado de São Paulo. Data de nascimento dia 14 de abril de 1947.

P/1 - Quais os nomes dos senhores seus pais?

R - Joaquim Rodrigues Pontes e Zelinda Genoveva (Piovesana?) Pontes.

P/1 - Fala um pouquinho pra gente sobre a origem da sua família?

R - A minha família pelo lado paterno são descendentes de portugueses e pelo o que eu pude constatar a família Pontes se não veio com Cabral veio logo depois porque ela é muito antiga em textos do século XVI já aparece a família Pontes aqui no estado de São Paulo e no estado do ceará depois também vai aparecer muito. O lado materno, (Piovesana?) é italiano, vem do Veneto de uma cidade pequena ao lado de Treviso. Os meus avós vieram de lá, ou seja, pai e mãe da minha mãe são deTreviso no Veneto.

P/1 - E o senhor saberia dizer em que época eles vieram para o Brasil?

Mil oitocentos e noventa e oito chegou o meu avô.

P/1 - E qual era a atividade que eles vieram desenvolver aqui no Brasil?

R - Agricultores na região de Itatiba. Entre Itatiba e Jundiaí dedicado-se ao plantio de uva. Fabricação de vinho que seguia para Judiai.

P/1 - E pra que eles vieram pra Itatiba, o senhor sabe?

R - Eu desconheço a razão. Eu acho que isso não dependia muito deles. Eu acho que isso era um pouco determinado. Eu acho que havia ação governamental que determinava para onde que o imigrante ia. Mas isso aí é uma suspeita só. Eu nunca pesquisei a fundo isso.

P/1 - Quais eram as atividades dos seus pais?

R - A minha mãe é costureira, trabalhava para a família e também pra fora, né? E o meu pai sempre se dedicou à agricultura: plantio de uva, milho, um certo período fabricação do vinho, criação de porcos, criação de galinhas. Mas tudo de forma artesanal, né, nada em grandes quantidades. Tudo pra atender a família, os vizinhos, o mercado. Aquela coisa bem...

P/1 - O senhor falou da sua mãe que ela costurava pra família. Quantos irmãos o senhor teria?

R - Uma irmã.


P/1 - Uma irmã. E hoje ela se dedica á que atividade?

R - Ela é sócia num empreendimento livreiro, portanto ela é livreira também, mas a formação dela é psicologia. Ela tem curso superior em Psicologia.

P/1 - Como e quando os senhores vieram para Campinas?

R - Comercialmente em 68 eu. Ela se integra no projeto posteriormente. Mas para estudar eu vim antes porque em 63 eu já fazia o colégio aqui, na época era o clássico, né, hoje é o ensino médio no Culto à Ciência. Porque eu terminei o ginásio no Itatiba e na época não havia o segundo grau lá, hoje o ensino médio.

Então a gente terminava o ginásio lá e tinha que vir pra Jundiaí, São Paulo, Campinas ou Bragança, as cidades limítrofes mais próximas.

P/1 - E por que escolheu Campinas?

R - Eu acho que foi mero acaso. Houve uma minha prima ou tia, eu não sei bem, que se encarregou dada a limitação de ação dos meus pais ela se encarregou de me trazer pra Campinas pra procurar um colégio e eu me lembro que nós descemos na estação, eu me lembro que nós descemos pela Treze de Maio e fomos parar no Culto à Ciência. Aí eu sei que eu fiz um exame de admissão pra entrar no Culto à Ciência e assim foi. Depois disso é o caminho normal, né, depois de Culto à Ciência vem PUC e um início de mestrado na UNICAMP que eu abortei pra me dedicar à livraria.

P/1 - Qual foi a sua graduação?

R - Graduação Letras, Português-Francês.

P/1 - Vamos voltar um pouquinho.

R - E a pós-gradação Lingüística. Eu só fiz o primeiro ano. Eu fiz só o primeiro ano de Lingüística já tinha o meu plano de tese elaborado, mas decide não passar à pesquisa. Eu optei pelo comércio isso ocorre em 70. Mas paralelamente aos estudos eu já mantinha a livraria em Itatiba. Então digamos que eu tive uma vida dupla ou talvez até tripla nos anos que vão de 68 a 72: estudante, professor e livreiro, que depois vai acabar ir seguindo só para o ramo livreiro e depois editor. Mas isso já é uma outra história.

P/1 - Então voltando um pouco, como era a cidade de Itatiba, o bairro que o senhor morava na sua infância porque o senhor veio pra cá na época do ensino médio. Então a sua infância como que foi em Itatiba?

R - Bom. A gente morava na zona rural, né, então eu ia a pé todo dia. Eu caminhava cinco, seis quilômetros do sítio de onde a gente residia até a escola, né? Tanto no grupo escolar, quatro anos no Julio César, né, Escola Estadual de Primeiro Grau, na nomenclatura de hoje Julio César na época, Grupo Escolar Coronel Julio César e depois mais quatro anos de ginásio no Ginásio Estadual Manuel Euclides de Brito. Então era uma caminhada diária de cinco quilômetros. Pra ir ia para o colégio e cinco pra voltar. Assim foram os oito anos de Itatiba. E fora estudar a gente ajudava no sítio e uma vez por semana eu pegava uma cesta de verduras e de frutas que eram produzidos no sítio e a vender na cidade. Era assim que se mantinha a família. Um pouco de venda, né, não se tratava de exploração infantil não. Hoje talvez os meus pais fossem condenados pelo Código da Criança e do Adolescente. (RISOS)

P/1 - O ECA. (RISOS) (Estatuto da Criança e do Adolescente)

R - Normal, na época todo mundo fazia isso, né? (RISOS)

P/2 - Mas e brincadeira? O senhor também brincava um pouco?

R - Ah, sim, claro. Futebol e as brincadeiras.

P/2 - Quais que o senhor mais gostava?

R - Além do futebol? Porque o futebol não precisa nem dizer, né? (RISOS) Aquelas tradicionais de criança, né, brincar de pegar de pega, aquelas coisas, né?

P/1 - E como era Itatiba naquele momento?

R - Itatiba na época era uma cidade de aproximadamente 20 mil habitantes e hoje tem quase cem mil que é a proporção do crescimento das cidades brasileiras, né? Nós estamos falando de 50 anos atrás e é uma cidade calma, pacata, já não é tanto. Hoje tem quarenta mil veículos na cidade, por aí se vê que terminou a pacatez Itatibense, né? Ou pacatez Itatibana, né, que eu descobri recentemente que há uma crônica do Drummond que fala de Itatiba e ele fala em “pacatez Itatibana”. O mundo do livro é bom porque a gente descobre coisas essas. Você podia imaginar que Itatiba mereceu uma crônica do Carlos Drummond de Andrade em 1963? Descobri a semana passada.

P/1 - Ah, que interessante! O senhor tinha muitos amigos quando era jovem?

R - Sim.

Os amigos do sítio, os vizinhos, né, que eram os amigos de futebol de brincadeira e os amigos da escola que eram todos da cidade.

P/1 - Quando o senhor era criança o senhor ia fazer compras na cidade de Itatiba. O senhor ia acompanhado das pessoas da sua família? O que o senhor lembra das lojas de Itatiba?

R - Eu ia fazer compras, claro que o grosso das compras eram feitas pelo meu pai, inclusive era pago por ano, né? Marcava tudo numa caderneta, famosa caderneta da venda, né, não só venda, mas também a padaria. E é incrível, é inconcebível uma coisa dessa hoje,né? Pagava por ano na colheita. Quando colhia a uva recebia. Os compradores eram de Jundiaí, tradicionais fabricantes de vinho e aí ia no armazém e pagava a conta anual. Mesma coisa na padaria. Eu me lembro que o armazém onde a gente fazia as compras era o sobrenome do dono era (Escavone?), (Pascoal Escavone?) era o dono, “Pascalão” era o apelido, a venda do “Pascalão” do senhor (Pascoal Escavone?) e a padaria era (Colete?), Dona Otília (Colete?) era a dona da padaria. Claro que não precisa nem dizer que não existe mais, né? Existe ainda os prédios onde funcionou isso.

P/1 - O senhor se lembra se sua mãe ou alguém da sua família ia fazer compra em São Paulo? Como é que eles iam para são Paulo? Se eles iam.

R - Não. Tudo era feito em Itatiba. Na pior das hipóteses em Jundiaí em termos de compra. São Paulo era só os atacadistas que iam, acho eu.

P/1 - Havia na sua família alguma expectativa para que seguisse determinada carreira profissional?

R - Não. Absolutamente nenhuma determinação, tudo aconteceu por acaso.

Eu fiz o grupo escolar, o ginásio, o colégio e no colégio, no Culto à Ciência, portanto, é que eu comecei a despertar pra línguas, né? Eu tinha e eu gostava das aulas de francês desde o ginásio já, né? As aulas de francês, inglês, latim. Eu tinha uma predileção. A própria língua portuguesa, é claro, e isso determinou a que eu escolhesse fazer Letras, mas não houve nenhuma imposição, nada, nada. Em até algum momento eu tive ligeira idéia de fazer o Itamaraty e fazer a carreira diplomática, mas isso passou rápido.

P/2 - Quando o senhor veio estudar aqui em Campinas o senhor ficou morando aqui em Campinas?

R - Sim.

P/2 - E o senhor morava como aqui em Campinas? Com quem?

R - Há várias fases. Umas de morar em pensão, morar em pensão na José Paulo, na Aquidaban, não havia essa Aquidaban de agora, era outra Aquidaban, né? Era simplesmente uma rua antiga e eu tinha uma tia em Valinhos também. Então em alguns períodos eu morei em Valinhos. Ficava na casa da minha tia que era muito mais próximo do que Itatiba. E é um período também que eu viajo diariamente. Naquela época não existia a rodovia Dom Pedro e o ônibus vinha por Valinhos pra Campinas. Então eu vinha todo dia, mas era um problema muito sério porque tinha que sair de lá seis horas da manhã, né, o ônibus saía às seis e então tinha que sair de casa às cinco. Então isso aí eu fazia com uma certa dificuldade. Então as soluções foram mesmo pensões e a casa da tia.

P/1 - Em algum momento o senhor sentiu uma certa inclinação pra trabalhar como o comércio?

R - A inclinação veio naturalmente durante o ginásio em Itatiba porque eu comecei a perceber que na medida em que eu comecei a ler livros da biblioteca e livros que eu ganhava do professor pr ter feito uma boa redação o professor dava um livro do Monteiro Lobato, né, aquela sede de leitura me levou a procurar livros e eu comecei a comprar pelo reembolso postal. Um método de compra jurássico, né, porque hoje ninguém compra mais por reembolso postal, né, é tudo pela internet. Mas eu comecei a comprar pelo reembolso postal pra saciar a minha sede de leitura que os livros que tinham na biblioteca não davam, né? E eu percebi que outros colegas e também os professores queriam comprar livros e não tinham tempo e tomavam a iniciativa de comprar. Então eu passei a aceitar pedidos incluídos no meu, ou seja, eu pedia O Guarani do José de Alencar. “Ah, eu vou pedir o Guarani”. “Ah, pede um pra mim também”. “Ah, eu estava a fim de ler Os Sertões”. “Pede um pra mim”. E eu comecei a pedir e vinha tudo da Editora Gertum Carneiro que depois do Rio de Janeiro em Bonsucesso que depois mudou de nome para Tecnoprint e hoje chama-se Ediouro. Eles tinham um serviço de reembolso postal que funcionava muito bem. Eles mandavam catálogos para o Brasil todo, né, tropeçava no catálogo da Editora da Gertum Carneiro. Eles publicavam e publicam até hoje aquelas palavras cruzadas, né, e junto vinha a proposta de compra então com aqueles folhetos eu fazia as compras. A partir daí eu passei a colocar um pequeno lucro em cima disso, né, a editora me dava um desconto. Comprando dez você ganha, sei lá, mais um livro. Aí eu tinha dez livros pra comprar e esse livro que vinha a mais eu vendia e eu comecei eu sentia o gosto do lucro e esse lucro ficou até hoje, né? Esse gostinho pelo lucro ficou. E a coisa foi caminhando até eu ser forçado a abrir uma livraria em Itatiba, forçado entre aspas. Porque como não tinha na cidade uma livraria e havia essa demanda reprimida, pequena, mas havia. Deu no que deu: tive que abrir a livraria. E assim foi na Rua Camilo Pires, 437. Estamos no ano de 1968.

P/2 - Quantos anos o senhor tinha nessa data?

P/1 – Vinte.

R – Bom. Eu já tinha feito aqui o Culto à Ciência e estava na faculdade. Estava fazendo faculdade.

P/1 – Tinha 21.

R - Estava fazendo faculdade.

P/1 – Falando um pouco dessa sua fase da juventude que o senhor já trabalhava quais eram os divertimentos que o senhor tinha? O senhor freqüentava bailes, cinemas, festas? Como eram as suas atividades de lazer?

R - Cinema sim. Cine Santa Rosa, Cine Marajoara, Cine Avenida. E os filmes eram seriados, né? A gente via o Zorro, o Tarzan, né? E acho que eu gostava mais dos seriados que passavam antes do filme, né?E cinema era um dos passatempos, leitura. Bailes, clubes assim só movido pelo futebol mesmo. A parte social não.

Eu sempre fui anti-social nesse sentido de freqüentar bailes e tal. Inclusive eu acho que eu não fui nunca em nenhuma formatura, nenhuma. Ao, não tenho lembrança. Nenhuma formatura. Nenhuma dessas etapas.

P/1 - Na sua família vocês faziam viagens para outras cidades? Que transportes que utilizavam?

R - O transporte sempre ônibus. Agora viagens para outras cidades sempre se restringiram a Valinhos. Tinha essa tia que me acolhia quando eu estudava em Campinas e Campinas. Nenhuma outra cidade.

P/1 - O senhor chegou a andar de trem?

R - Sim. Andei de trem. Houve um trem em Itatiba, mas ele foi extinto eu acho que eu tinha cinco ou seis anos então eu não tenho lembranças. Apesar de que vagamente eu tenho na cabeça um apito que parece que era o ultimo dia que o trem ia funcionar. Chamava-se Estrada de Ferro Itatibense. Ia de Itatiba a Louveira. Então quem queria ir de Itatiba a Campinas tomava um trem até Louveira e Louveira pegava outro até Campinas. Jundiaí e São Paulo a mesma coisa. Mas eu nunca utilizei. Só estou me lembrando vagamente do apito que me parece que era o fim do trem, era o ultimo dia dele. Mas eu viajei de trem muito de Campinas a São Paulo durante a minha atividade já no início da minha atividade livreira aqui em Campinas. Também fui a Rio Preto de trem entre os 15 ou 18 anos, não sei precisar bem. Rio Preto e me lembro de ter feito uma viagem de trem de Bragança a Campo Limpo. Havia uma linha bragantina. Tinha a Estrada de Ferro Itatibense, que era Itatiba e Louveira, e tinha a estrada de ferro bragantina que vinha de Vargem, que é quase na divisa já com Minas Gerais. Vargem, Bragança e ia parar em Campo Limpo. Mas a pessoa de Bragança que quisesse vir a São Paulo ela embarcava em Bragança e ia até Campo Limpo e de lá pegava a Paulista. Era assim que funcionava. Essas são as lembranças do trem.

P/1 - E como eram as viagens de trem? Qual é a lembrança

R - A lembrança que eu tenho dessa viagem de Bragança a Campo Limpo é que eu cheguei com a camisa toda furada das fagulhas do trem que vieram e furaram a minha camisa. Mas as viagens pra São Paulo e Campinas, Campinas e São José do Rio Preto é maravilha, né? Eu adorava o trem, adoro até hoje. Eu acho um crime o que foi feito no Brasil com a extinção porque você pode considerar a ferrovia extinta no Brasil. Eu passo agora ali na Paulista e desce lágrima no olho da gente ver o estado em que estão as ferrovias, não estão, não existe mais na minha opinião. É um absurdo total e completo. Quando a gente vê todos os países, né, ainda ontem nós vimos, né, duas horas e três minutos Londres-Paris, né? É uma maravilha. Japão, América do Norte todo mundo avançando na tecnologia ferroviária e o Brasil optou pelas rodovias. Não foi um bom caminho, não foi um bom caminho. Eu tenho sérias dúvidas sobre o futuro do transporte coletivo no Brasil.

P/1 - O senhor assistiu então o advento das rodovias. Da rodovia Anhanguera, o senhor poderia falar um pouquinho?

R - Da Anhangüera não. Quando eu comecei a utilizar a Anhangüera pra buscar livros em São Paulo nas editoras eu pegava ônibus que no inicio de tudo isso, claro, né, não tinha carro. Tudo era ônibus. Ou trem a partir de Campinas ou ônibus a partir de Itatiba. A Anhangüera já existia só que era uma pista só, né?

P/1 - E as outras todas?

R - As outras todas vieram depois, né, porque Bandeirantes, Dom Pedro são sempre posteriores. Mesmo a estrada que eu me lembro de alguma viagem até Jundiaí na infância era terra Itatiba e Jundiaí. Tudo erra e eu me lembro que dos dois lados da estrada tinha erva cidreira. Não sei porque eu lembro disso, mas tinha erva cidreira. Eu não sei se eles plantavam. Eu acho que algum problema de erosão, alguma coisa. Eu acho que a erva cidreira tem uma raiz forte e segura alguma coisa. Mas do começo ao fim era plantado de erva cidreira. Hoje a gente vai procurar erva cidreira pra fazer um chá e não acha mais. Tem que comprar de pacotinho. (RISOS)

P/1 - Como é que o senhor se lembra assim da importância do crescimento da cidade de Campinas nessa sua presença em Campinas não apenas como livreiro, mas também como estudante? Como que o senhor vê as transformações que aconteceram em Campinas desde o momento que o senhor praticamente passou a viver aqui porque estudava aqui até os dias de hoje?

R - Eu senti sempre nesse tempo e até hoje. O desenvolvimento de Campinas é uma coisa acho que até desproporcional com relação a outras regiões do país, né? Eu reputo isso a ela ser se não é mais em função da destruição das ferrovias o entroncamento rodoferroviário e aéreo muito importante. Então eu acho que essa situação geográfica privilegiada fez é que fez esse torvelinho, né? Transformou Campinas numa metrópole, né? Quero dizer, completando porque isso não ficou claro: que essa localização geográfica privilegiada é que atraiu as multinacionais e as universidades tudo pra fazer esse pólo de crescimento.

P/1 - Quando o senhor começou a sua livraria como é que o senhor pensou na localização dela? Como que o senhor estudou, planejou a localização da sua livraria em Campinas? Porque ela já existia em Itatiba. Fale um pouquinho sobre essa transferência.

R - A escolha da localização da livraria em Campinas ela foi pautada pela mesma orientação de Itatiba. Eu pensei num lugar central onde tudo acontecia, né? No caso de Itatiba era no centro eram os clubes, no centro era o _________, no centro é o comercio. Quando chegou a hora de Campinas porque Itatiba estava limitada, né, a orientação foi a mesma. “Preciso ir onde em Campinas? Ao centro?” Então passei a ficar de olho no centro a procura de um local pra eu me estabelecer e nesse momento no centro que eu visava apareceu uma oportunidade porque na época eu já era freqüentador das livrarias do centro de Campinas que eram a Livraria Teixeira, Livraria João Amêndola, Livraria Imaculada, Livraria Martins era o sobrenome do dono, Livraria Brasil. Livraria João Amêndola já falei, né? Bom; essas são as principais. Eu descobri uma livraria na rua Doutor Quirino que se chamava Lisa, Livraria Lisa. Por que ela tinha esse nome? Porque ela era uma sucursal de uma editora em São Paulo que estava em franca expansão. Lisa Livros Irradiantes. É uma editora que a época tinha muita presença no mercado editorial principalmente no ramo de livros escolares e eles abriram filiais em enes cidades do Brasil e esse crescimento rápido foi problemático pra eles. Eles tiveram que começar fechar pra concentrar as atividades em São Paulo e botaram à venda as livrarias. E como eu descobri e tinha contato com o gerente que era irmão do proprietário e eles estavam em falando em fechar ou vender e coloquei-me como candidato à compra e o negócio foi concretizado e esse é o local até onde eu estou até hoje na Doutor Quirino. Claro que o prédio é outro, né? Era um prédio antigo e num momento em que não teve mais condições nós tivemos que partir pra demolição e construção de um prédio novo.

P/1 - Quando o senhor se estabeleceu aqui em Campinas o senhor considerou a presença mesmo se estabelecendo no centro o senhor considerou a presença das universidades?

R - Claro. E esse é um ponto muito importante. Na época a PUC funcionava cem por cento no centro. Todos os cursos eram ma Marechal Deodoro. As escolas de segundo grau eram todas no centro, depois é que vai abrir a Notre Dame, mas não fora, logo ali, né? A Unicamp estava engatinhando ainda e então ao alunos da Unicamp compravam todos os livros no centro. Hoje a realidade é bem outra: ninguém vai mais ao centro. E quando eu digo ninguém é ninguém mesmo. Não há nenhum exagero disso. Todo mundo consome, agora estou me referindo ao consumo de livros, né, todo mundo consome nos shoppings e nas próprias universidades. Dentro da Unicamp havia, eu não sei porque eu acho que está havendo uma mudança lá agora, eles estão querendo fazer alguma modificação, mas até o ano passado havia 37 livrarias dentro da Unicamp. Dentro da PUC passa-se o mesmo nos diversos campus, né, ou nos diversos campi, né? Então isso tirou totalmente o público do livro do centro. E isso se aplica não só às universidades, mas às escolas também porque há um novo fenômeno acontecendo que as editoras vendem direto às escolas. Muitas escolas produzem os seus próprios métodos, portanto os alunos já não compram livros porque os livros os preços dos livros já estão embutidos na matrícula, na mensalidade. Isso fez uma queda brutal no faturamento das livrarias, o que redundou no fechamento de muitas. A Papirus, por exemplo, que tinha quatro livrarias em Campinas hoje não tem mais nenhuma. Eles centralizaram tudo na editora. Fecharam quatro livrarias. A Livraria Livropel fechou recentemente. Ela existia desde 1980 aproximadamente. A Papirus é de 76, né, a Papirus começou dois anos depois de mim. A Livropel quatro, cinco anos depois. A _____________ fechou, a João Amêndola fechou, a Universal. Todas as que eu citei anteriormente no ato da minha pesquisa pra eu abrir uma livraria fecharam. Então esse grupo migrou. E não vamos falar na internet, né? Porque isso aí já é um outro problema. Mas o público do centro migrou e não tem nada a ver com a pergunta, mas eu não posso deixar de exprimir que o centro de Campinas está feio. Tem que tirar essas placas horríveis aí, tirar todas essas placas pavorosas. Mas pra isso é só uma lei como fez com muita felicidade o prefeito de São Paulo. Ele fez um trabalho fantástico. Na minha opinião isso é que tinha que ser feito há muito tempo. Acho louvável esse trabalho, né, que não é nenhuma novidade. Quem viaja pra cidades européias vê como é que se faz um centro da cidade, né, como é que se preservam os centros da cidades. O Rio de janeiro está conseguindo grandes avanços. A região da Lapa, Praça XV, Rua do Ouvidor. As pessoas se movimentam hoje com tranqüilidade. As livrarias estão voltando, estão nascendo novas livrarias. Não só livrarias. Outros tipos de comércio. O pessoal faz happy hour no centro, coisa que tinha desaparecido no Rio de Janeiro. Infelizmente Campinas não acordou ainda pra essa realidade, né? Nós tínhamos aí alguma perspectiva anos atrás, mas houve um lamentável assassinato que estragou um pouco os planos do prefeito então empossado.


P/1 - Infelizmente.

R - Infelizmente mesmo.

P/1 - Nós gostaríamos que o senhor comentasse um pouco nas demandas dos seus clientes. Quais são os livros, quais são as áreas que interessam mais aos clientes da sua livraria?

R - Bom; a minha livraria é uma livraria geral, embora a ente se proponha trabalhar com tudo é difícil trabalhar com tudo. Então a gente se centraliza em Ciências Humanas. E dentro das Ciências Humanas uma das áreas prioritárias é Sociologia, Filosofia, Lingüística. Em cima de Idiomas também tem uma parte considerada. Livros de arte, dicionários. Eu não êxito em falar que o nosso setor de dicionários é o melhor do Brasil e o nosso setor de Futebol que é uma criação mais recente justamente pra fazer face à concorrência. Diante da concorrência das escolas, das editoras e da internet nós criamos um andar só para o futebol e com isso nós reunimos toda a bibliografia brasileira do futebol em Campinas na rua Doutor Quirino, 1223. Nós recebemos toda semana pessoas do interior do estado, de São Paulo, do Rio de Janeiro, de outros estados e de outros países que vêm só pra visitar o nosso setor de futebol. Para criar, pra darmos atenção ao setor de futebol e torna-lo, não é o mais completo do Brasil, é o único do Brasil, eu só tenho paralelos nas livrarias inglesas onde eu fui me inspirar pra fazer esse trabalho, claro. Pra isso que a gente viaja, né, se viajar e não aproveitar nada pra que vale viajar? Pra tonificar o setor Futebol eu tive que sacrificar dois setores: Informática e Direto. Eu não trabalho com Informática e Direto. Informática porque são livros de vida muito curta, né, e quem está no mundo da informática não precisa de livros, né, o computador resolve tudo. E o Direito porque pra área de Direito você precisa ter um especialista no setor e há várias livrarias especializadas em Direito na cidade. Não tem sentido concorrer com eles. Eles fazem um bom trabalho, são especializados e eles trabalham com Direito e eu trabalho eu procuro outras áreas pra trabalhar. Esse é o meu pensamento.

PAUSA

- TROCA DE FAIXA

P/1 - Então. O senhor estava falando das áreas que o senhor se especializou, no caso do Futebol.

R - Sim. Sobre as áreas então além das tradicionais ligadas às Ciências Humanas uma das mais recentes é o futebol. Depois do futebol nós criamos também uma área sempre no sentido de inovar criamos um setor original que é literatura sobre Cachaça, Bares e Boemia.

Então nós tivemos a visita aí do jaguar lançando livro e não pude me furtar a idéia de criar um setor de bibliografia brasileira da cachaça, boemia e bares. E claro que não vai ser uma coisa tão extensa quanto o futebol que já tem quase dois mil títulos, né, mas é diferente. Nós colocamos lá algumas cachaças também pra dar uma cor local ao setor e mantemos os setores normais, né, ou seja, literatura variada, arte sem nunca esquecer que nós fazemos importação direta de livros também de alguns países nós importamos diretamente. Casos de Portugal, Espanha e França. De outros países nós importamos via importador, mas esses nós temos importação direta através de colegas livreiros daqueles países.

P/1 - Aqui em Campinas não existe, por exemplo, a livraria francesa?

R - Nós cumprimos esse papel. Nós temos um andar para livros franceses. Então nós temos lá todos os métodos utilizados nas escolas, literatura francesa clássica e contemporânea e livros de arte e ciências humanas também.

P/1 - A sua loja passou por uma reforma estrutural.

Eu queria que o senhor comentasse, por favor, como é que o senhor organizou a disposição dos setores nesse novo espaço?

R - No prédio antigo que nós tivemos que demolir por questão de que ele estava inadequado à circulação de pessoas com o aumento de livros e condenado pela incursão de pombas no telhado, ratos, baratas e cupins que estavam comendo toda a estrutura de madeira e prateleiras. Então antes que aquilo desmilinguisse eu optei por fazer um novo projeto e baseado mais uma vez em modelos estrangeiros eu optei por uma estrutura de aço considerando, inclusive, que havia uma economia cerca de 30 por cento sobre a construção em alvenaria. E além de ser uma nova proposta arquitetônica. Infelizmente, eu tentei comprar um prédio ao lado pra fazer uma expansão horizontal, mas não houve possibilidade, ninguém vendia dos lados na época. Então eu tive que optar pela verticalização e isso me custou um problema sério que com o tempo eu comecei a perceber que a maioria das pessoas não gostam de subir escadas. Só os clientes de futebol, eles não tem problema nenhum, mas as pessoas de mais idade não gostam de subir escada. E nessa nova livraria, contrariamente o que havia na anterior onde não havia espaço pra abrigar tantos livros, principalmente com a expansão das editoras que já chegam a três mil editoras no Brasil, né, números alarmantes com relação à livraria. Não chega isso de jeito nenhum no Brasil, creio que chega a metade. Enfim. Dedicamos a entrada da loja às novidades. Então quando você entra na loja você tem a novidade, ou seja, nada original: os Paulo Coelho, as auto-ajudas, literatura popular e os livros de arte estão na entrada. As surpresas vêm depois: os livros infanto-juvenis estão no subsolo, a literatura para adultos está no primeiro andar, no segundo andar vem o futebol e outros esportes, depois vem as ciências médicas e odontológicas e, finalmente, a livraria francesa. Portanto o pessoal que vai ver livro francês tem que estar bem preparados fisicamente porque está lá no último andar. Mas o pessoal é resistente e sobe.

P/1 - Quem estuda francês é resistente.

R - Como?

P/1 - Quem estuda francês é sempre resistente.

R - Sim. Resistente em todos os sentidos. Fisicamente e resistir a uma série de idéias de fazer a diferença e não entrar na (turba luta?).

PAUSA – TROCA DE FAIXA DO CD


P/1 - O senhor comentou sobre a disposição dos artigos na sua loja. E das embalagens? O senhor tem promovido algumas transformações na forma de embalar os produtos?

R - No que diz respeito, por exemplo, à sacolas nós não usamos mais o papel pra embrulhar faz tempo, né? São aquelas sacolas de plástico e a gente procura sempre fazer uma sacola de qualidade porque a sacola sem qualidade ela é destinada ao lixo e isto não é bom. Fazendo sacola de qualidade a pessoa recicla e continua usando. Vai a feira com ela e isso é publicidade para livraria e não estamos gastando material inutilmente.

P/1 - Essa seria uma estratégia de publicidade. O senhor teria outras?

R - Nós não temos nenhuma estratégia de publicidade a não ser as sacolas e as etiquetas que nós pomos nos livros. Seja nos livros pra presente ou nos livros normais nós colocamos uma etiqueta para as pessoas lembrarem que a gente existe. Mas nós não fazemos nenhum tipo de publicidade em jornais, revistas, nada.

P/1 - Os senhores fazem algum tipo de promoção ou liquidação fizeram e fazem agora?

R - Fazemos periodicamente. Por exemplo, livros que nós compramos em grandes quantidades cujo tempo venceu, né, as pessoas já se cansaram um pouco daquele tema nós costumamos fazer promoções. Então a gente coloca preços 50 por cento abaixo do preço do mercado. Às vezes até menos porque guardar o livro não me parece ser uma boa política. O livro tem que circular. Quando os livros...Literatura Infanto-Juvenil, por exemplo, freqüentemente v oferecemos às bibliotecas de bairros carentes, à creches, escolas que lutam com dificuldades. Não só em Campinas, mas em outras cidades aí do interior. Sul de Minas nós oferecemos para as bibliotecas. Então além de fazer a promoção a gente faz também esse tipo de oferta porque já se aferiu ao lucro que podia e não custa também fazer essa parte porque eu acho importante também a livraria participar socialmente, né?

P/1 - E como é que se faz, se realiza, a relação, o atendimento aos clientes?

R - O atendimento aos clientes é feito em primeiro lugar no balcão. A pessoa que chega pede o livro. Tem ou não tem. Quando não tem a gente oferece a possibilidade da encomenda. A encomenda a gente promete para três dias. Quatro no máximo porque a gente sabe que rapidez é essencial.

A pessoa quando está empolgada na aquisição de uma obra literária seja por gosto pessoal seja por imposição do professor ela precisa do livro com rapidez senão ela vai perder a motivação pra leitura. Então a gente costuma entrega ro livro em três dias. Esse atendimento de balcão é feito também por telefone.Por telefone é possível mesmo o tipo de atendimento. A gente pega a encomenda e entrega em domicilio, né? É um motoqueiro que faz a entrega não só em Campinas como em qualquer cidade da região. Para cidades mais longínquas, em outros estados principalmente, segue tudo por sedex.

P/1 - E os senhores adquirem em que local esses livros solicitado se os senhores não têm?

R - As aquisições são feitas todas nas editoras. A maioria claro em São Paulo, né? São Paulo concentra seguramente 60 por cento das editoras brasileiras. As outras mais 20, 25 por cento estão concentrada no Rio e algumas em Porto Alegre,m belo Horizonte e Curitiba. Esse é o mundo editorial brasileiro que se concentra aí.

P/1 - A sua livraria o senhor disse que tem um atendimento no balcão. Esse atendimento é um atendimento personalizado e o senhor mescla com auto-atendimento também? Como é que o senhor trabalha? Só com o atendimento personalizado ou o senhor usa auto-atendimento.

R - O que é auto-atendimento?

P/1 - É quando o cliente tem acesso aos livros.

Ah, eu entendi que o carro parava na rua e a gente ia lá e atendia no auto. (RISOS) Brincadeira. Sim, claro, a pessoa pode circular pela livraria sem ser molestada. E a gente sente pela maneira que a pessoa entra numa livraria todos os funcionários já sabem se é uma pessoa que precisa ou não ser atendido. Há pessoas que são auto-suficientes. Quer quando conhecemos quer quando não a conhecemos a gente já saca que a pessoa já está direcionada. Então ela vai no setor dela, pega o livro e vai ao caixa. As pessoas dependentes procuram um funcionário logo na entrada da loja apresenta o seu papelzinho da escola ou recorte do jornal e o funcionário faz a pesquisa no computador e depois verifica a existência física do livro pra entregar para o pagamento no caixa ou para efetuar a encomenda. Felizmente em mais de 50 por cento dos casos a gente tem o livro pra pronta-entrega.

P/1 - A sua clientela tanto a que faz o auto-atendimento como aquela que exige o atendimento no balcão o senhor considera que ocorreram mudanças significativas no perfil dessa clientela desde o período que o senhor começou?

R - Mudanças houve, mas eu não consigo precisar de que natureza são essas mudanças. Não refleti sobre isso.

P/1 - E os seus clientes eles são fiéis? Existe fidelidade?

R - Existe cliente fiel e infiel. Os clientes fiéis hoje eles são poucos, mas eles ainda existem. Existe cliente que pesquisa na internet, vai no concorrente vem e pede a livraria pra gente mesmo que não tenhamos. Agora existem outros que vem. Não temos ele não pensa duas vezes: ele vai no concorrente ou pede por outros meios sem maiores delongas. Então a gente convive com os dois tipos de clientela. Mas claro que nós gostamos muito mais dos clientes fiéis.

P/1 - O senhor disse que a sua equipe já consegue perceber a intenção, vamos dizer assim, do cliente. A disposição do cliente na maneira como ele entra na livraria. Como é que o senhor seleciona essa equipe que trabalha na sua livraria?

R - Os funcionários que trabalham comigo estão trabalhando comigo há muito tempo. Mas todos eles receberam essa orientação ao começarem. E se um novo começar agora ele vai receber a mesma orientação. Ou seja, não molestar o cliente, deixa-lo à vontade, mas ter perspicácia de sentir que tal pessoa necessita de ajuda e então abordá-la e oferecer-se pra ajudar.

P/1 - O senhor tem a livraria a algum tempo. O senhor percebe uma mudança na forma de pagamento? Nas formas de pagamento? Como é que foi essa trajetória?

R - A mudança é brutal. A livraria em Campinas tem 33 anos. Durante os primeiros dez ou quinze anos todo pagamento era efetuado em dinheiro e em cheque. Os cartões não existiam. Inclusive tínhamos uma forma de pagamento muito original que a gente chamava “conta-amizade”. A pessoa tinha uma fichinha numa pasta, hoje seria no computar, na época era numa fichinha e a pessoa pegava o livro que ela queria ler e levava a gente debitava. Na semana depois, um mês depois ela vinha e pagava aquele e levava outro ou outros. E isso ia se acumulando e a pessoa ia saudando o débito anterior fazendo uma nova comprar. Nos últimos anos esse tipo de negócio desapareceu e com os cartões houve uma inversão total, né? Já não se recebe tanto dinheiro e nem cheque. Setenta por cento das nossas vendas são com o cartão. Dinheiro e cheque representam apenas 30 por cento. Então houve uma mudança radical na minha opinião pra pior. Eu não gosto de receber em cartão. Uma que eu vou receber daqui a 30 dias e outra que eles me descontam três por cento sobre o valor. Eu acho que cartão é bom pra quem paga com o cartão. Pra quem recebe nem tanto, principalmente no meu ramo do livro onde o lucro é limitado. O lucro do livro, isso é sabido, é universal, é de 30 a 40 por cento no máximo. No máximo. Quando é uma promoção é menos porque eu tenho que reduzir o nosso lucro pra vender mais como no caso citado anteriormente de livros que estavam parados, encalhados, já cumpriram o seu papel e tem que partir, né? Então esse cartão não veio pra bem. Mas é um mal necessário. Sem ele não se vende.

P/1 - No início do seu trabalho na livraria o senhor teve muitos problemas com inadimplência dos clientes? Existia? O senhor disse que existia um plano amizade que o cliente tinha como se fosse uma caderneta onde ele fazia o pagamento. Era o “fio do bigode”, não existia nenhuma forma de obrigar ao pagamento. O senhor podia falar um pouquinho sobre a inadimplência e esta estratégia interessante que o senhor usava na livraria?

R - A inadimplência existia. Era mínima, não era nada preocupante. Mas essa inadimplência era absorvida porque nós vendíamos muitos livros. Ao abrir a loja às oito horas já havia gente esperando para comprar livros. No início de aulas havia mesmo filas para comprar livros em todas as livrarias da cidade. Então esse grande movimento, essa venda de grande número de livros fazia com que a inadimplência fosse absorvida. Hoje a inadimplência continua existindo e ela não é absorvida porque a margem de lucro está igual, mas o volume de vendas diminuiu e muito. Estou falando de livraria tradicional. Não sei como se comporta, por exemplo, as grandes redes porque a minha livraria é uma livraria no modelo tradicional. Agora as grandes redes devem ter uma forma de funcionamento pra enfrentar essa realidade de outra natureza.

P/1 - Como que o senhor viu o advento do grande número de shoppings e redes de hipermercados na região metropolitana de Campinas?

R - Muito bom para o consumidor que tem um local de lazer onde ele resolve todos os seus problemas, vai ao cinema, vai ao supermercado etc., mas um desastre para o centro da cidade. O centro da cidade sofreu esse impacto e hoje nós somos sacrificados com a existência dos shoppings. Inclusive eu normalmente me perguntam, né, porque que a Livraria Pontes não vai para o shopping. É uma questão ideológica. Eu não vou para o shopping. Eu fico no centro que é a minha opção de comércio. Não me interessa o modelo livraria no shopping. Nenhuma razão comercial, talvez até exista, mas está meio profunda essa razão. Sim, talvez exista. Presumo eu que as despesas de se manter uma loja no shopping são muito altas. Então eu me pergunto se por mais que você venda compensa fazer face a essas despesas. Talvez seja essa a pergunte a pergunta que eu tenho me feito e eu optei resistir bravamente ao centro da cidade.

P/1 - Quais seriam nesses anos todos que o senhor exerceu a função de livreiro quais seriam os maiores desafios que o senhor enfrentou?

R - O maior desafio que eu enfrentei nesses 33 anos de atividade em Campinas é exatamente o último ponto abordado: o desafio é esse de agora. Como sobreviver a preferência do público de classe média e alta que vai consumir nos centros comerciais. Esse é o grande desafio. Fora esse eu não vejo nada que pudesse no passado me tirar o sono.

P/1 - Como a sua família vê o seu estabelecimento? A sua dedicação ao estabelecimento? Fale um pouco da relação da sua família com o seu estabelecimento comercial.

R - Bom; a minha família. Vamos começar então pelos meus pais. Os meus pais eles nunca fizeram parte porque eles têm um mundo deles e eles nunca então se imiscuíram nos negócios da livraria. Quanto a minha irmã ela se integrou a livraria após ter concluído o curso de Psicologia ela fez da sua livraria também e está perfeitamente integrada como sócia e faz parte e vivendo os bons momentos e os momentos de preocupação que a gente vive com a realidade atual ela participa assim. E os sobrinhos também. Hoje dois deles estão trabalhando na livraria como bravos resistentes também.

P/1 - A sua livraria ela ganhou novos contornos. O senhor poderia falar do outro negócio, vamos dizer assim, que o senhor integrou à sua livraria?

R - Do outro negócio? Ah, sim. Depois que a livraria já estava consolidada, o que eu entendo por livraria consolidada? Eu adquiri o prédio, né, no início era alugado. Quando eu comprei a livraria da Editora Lisa em 1974 eu comprei o estoque de livros, as prateleiras e o ponto. Alguns anos depois eu consegui comprar o imóvel. Alguns anos depois eu estava diante de um novo desafio. O primeiro desafio foi comprar a livraria. O segundo comprar o imóvel. O terceiro era assim: a livraria estava constituída e tem o seu caminho. Eu preciso criar um novo segmento no negócio do livro. Então já era uma idéia que eu já tinha desde os tempos da livraria de Itatiba onde eu já tinha publicado um livro sobre a cidade eu decidi entrar no negócio da edição e comecei com oito títulos na área de Lingüística porque como eu tinha feito Letras Português-Francês, curso de graduação e depois iniciado o mestrado em Lingüística os meus conhecimentos bibliográficos estavam mais orientados por aí. Então eu comecei a publicando oito livros de Lingüística de uma vez só. Tudo, claro, com recursos da livraria. A editora é uma parte da livraria nesse momento. Depois que ela vai ficar independente. E todos esses livros foram muito bem sucedidos. Todos com edições de dois mil exemplares de cada. A maioria se esgotou com certa rapidez e isso me possibilitou de fazer um novo lote de mais quatro e depois mais quatro e assim o negócio foi se consolidando até que nós publicamos um método de português para estrangeiro e esse é o carro-chefe da editora e é sucesso mundial, né? A gente vende cinco mil exemplares por ano, o que para a língua portuguesa é um bom número, né, que ele é só vendido no estrangeiro. Um ou outro exemplar é vendido aqui para alguém que quer levar para um amigo, né, mas toda a produção vai para a América, Japão, América do Norte e Mercosul, mais especificamente Argentina e Uruguai. E ainda falando desse segmento então que se adiciona a livraria hoje a editora está independente com 300 títulos publicados e funciona também em prédio próprio próximo ao campo do Guarani na Vila Lemos na avenida Arlindo Joaquim de Lemos, 1.333. E além dos autores nacionais que nós que começamos com oito autores nacionais hoje nós temos alguns autores estrangeiros algumas traduções do francês ou do inglês.

P/1 - Como é que o senhor percebe a demanda dos clientes, dos leitores, para essas atividades do senhor tanto na editora quanto na livraria? Como o senhor consegue aferir?

R - Várias técnicas são usadas: a primeira delas é leitura. Muita leitura de suplementos literários, de suplementos culturais, revistas especializadas brasileiras e estrangeiras e do próprio movimento da demanda no balcão porque todos os livros solicitados no nosso balcão eles são registrados mesmo que nós não o tenhamos e o freguês não o encomende. Ele serve como base para uma estatística pra ver que área que está sendo pedida: é Auto-Ajuda, é Literatura, Espiritismo. Enfim. É Política, é Economia? Qual é a área que está tendo a preocupação dos leitores. Na editora é a mesma coisa. É só acompanhar as publicações e ver as tendências do gosto do público e por aí a gente aferi se o livro interessa ser traduzido ou publicado ou não.

P/1 - Como o senhor vê hoje o comércio da cidade de Campinas, da região metropolitana de Campinas em relação ao passado?

R - Eu acho que essa pergunta já foi praticamente respondida num tópico anterior, mas é sempre importante repetir. Eu acho que essas mudanças dos últimos, digamos, dez anos eu acho da concentração do comércio em centros comerciais na periferia das cidades sacrificou e trouxe mudanças no centro. E a gente observa não só no ramo do livro porque eu tenho insistido talvez na questão de livraria. Mas vendo o comércio em geral eu acho que todo o comércio está sofrendo essa concorrência. Talvez um ou outro ramo não, mas a maioria sente essa dificuldade. Agora a vida continua e nós temos que criar alternativas para procurar minorar a queda de movimento, a queda de faturamento decorrente dessa realidade.

P/1 - Que lições de vida o senhor tirou da atividade do comércio?

R - Perseverança, luta. Não pode deixar a peteca cair, tem que continuar sempre batalhando e criando. Criar sempre, procurar sempre sair do caminho comum (senda?) batida e desbravar novos horizontes. Essa é a lição que fica e que nós continuaremos nos pautando por ela.

P/1 - Como que o senhor avalia esse projeto do SESC e o senhor ter sido convidado para participar desse projeto conceder essa entrevista?

R - Eu tive a oportunidade de verificar alguns livros já publicados nesse projeto sobre outras cidades e tive a impressão de que se trata de uma excelente forma de se documentar uma parte da história da cidade, né, e, conseqüentemente, do país, através dos trabalhos dos comerciantes que constroem e nessa construção está o progresso, a vida está inserido nesse trabalho dos comerciantes. Eu acho muito positivo eu acho muito oportuno esse trabalho.

P/1 - E a sua participação?

R - A minha participação, modestíssima participação.

P/1 - Nada disso.

R - Eu acho que vocês foram muito gentis nos convidando para esse depoimento e eu espero ter respondido as perguntas da forma, se não completa, pelo menos mais objetiva possível. E se precisarem de outras informações algo que tenha que a gente não tenha abordado, por favor, estou inteiro à disposição.

P/1 - Nós agradecemos muito a sua presença senhor José Reinaldo e ficamos aqui também totalmente à sua disposição. Muito obrigado.

R - Eu que agradeço. Muito obrigado.

P/1 - Obrigada.