Museu da Pessoa

Viva a sociedade alternativa

autoria: Museu da Pessoa personagem: Ednéa Martins

P/1 – Sra. Ednéa, primeiramente eu gostaria de agradecer a sua participação no nosso projeto e para começar eu gostaria que a sra. dissesse o seu nome completo, local e data do seu nascimento.

R – Ednéa Martins. Nasci em Santa Cruz do Rio Pardo, interior de São Paulo, em quatro de fevereiro de 48.

P/1 – E o nome dos seus pais?

R – Euclides Martins Barbosa e Josefina Vilela Barbosa.

P/1 – A sra. tem irmãos?

R – Nós éramos em seis irmãos, atualmente estamos em três: o irmão mais velho, Edvar, e a irmã mais nova, Helena.

P/1 – E dentre esses seis irmãos a sra. é a primeira, segunda, terceira filha?

R – Dos seis filhos eu era a quarta. Agora que só estamos em três eu sou a do meio.

P/1 – E a sra. falou que sua família é de Santa Cruz do Rio Pardo. Onde se localiza a cidade?

R – Santa Cruz do Rio Pardo fica mais próxima de Ourinhos, portanto mais próxima do Paraná. É uma cidade de terra roxa, onde predomina a plantação de cana. Fiz parte de uma família bastante numerosa, porque os meus avós foram os fundadores da cidade e ainda temos lá muito primos.

P/1 – Seus avós fundaram a cidade?

R – É. Meus avós paternos. Meus avós maternos eram de Minas Gerais.

P/1 – Quais eram os nomes dos seus avós paternos?

R – João Candido e Undevina Martins.

P/1 – A sra. sabe dizer qual foi o motivo que os levou aquela região e a fundar uma cidade?

R – É... Não é bem que fundaram, né? Eles pegaram a cidade iniciando a sua população e mais porque eram plantadores. Então um pessoal que trabalhava mais com área de sítio. Chegaram, tomaram posse de algumas terras e por lá ficaram. Desbravaram ali a região. Mas não foram muito felizes nessa história não, porque no fim acabaram também perdendo muitas terras. E morreram lá. Cresceram e até o final da vida ainda estava todo mundo lá.

P/1 – E o seu pai? Ele herdou um sítio do pai dele?

R – Herdou só pouquíssima coisa. Os filhos todos quando cresceram já não tinham mais a terra da família. Eles foram aos poucos comprando cada um o seu pedacinho, mas papai foi para o comércio também. Ele era um comerciante, no começo empregado de um mercado, depois começou a montar o seu próprio negócio. Então na cidade de Santa Cruz, o tempo todo quando nós estávamos lá, ele era um comerciante. E como era uma cidade que também naquela época não tinha faculdade nenhuma, os filhos todos começaram a vir para São Paulo. Quando chegou em mim, que já era a quarta filha vindo para São Paulo, eles também vieram. Normalmente os pais continuam no interior e a família vai visitar. Meu pai e minha mãe não quiseram saber, não. Disseram que queriam ficar era junto com os filhos e vieram para São Paulo também. Mesmo porque também já estavam se aposentando, né? Então vieram para ficar por aqui. Morreram aqui na cidade de São Paulo.

P/1 – E que tipo de comércio seus pais tinha lá em Santa Cruz?

R – Mamãe era filha de mineiros, então, como boa mineira, fazia muitos doces, muitos pães. Eles trabalharam tanto no comércio de bar, que foi em uma época também da construção de Brasília, Santa Cruz do Rio Pardo era meio rota, né? Tanto fazia comida para os trabalhadores, como também fazia banquete para os políticos locais. Então eles viviam muito mais, assim, de uma espécie de bar restaurante. Depois que passou esse período, daí eles foram para padaria. Biscoitinhos de polvilho, pães de queijo, doces da região. Assim, eles acabaram indo para um ramo mais de padaria e foi o último negócio que eles tiveram antes de a gente vir para São Paulo.

P/1 – E os filhos ajudavam nessa padaria?

R – Todos! (risos) Todos, desde muito pequenos. Com doze anos eu já servia mesa, ajudava na cozinha, batia doce. Todos os filhos. Todos. Dos seis, os dois mais velhos eram homens, depois vieram as quatro mulheres. Mas todos, tanto os meus dois irmãos, como todas, todos pegaram no batente desde cedo. E estudávamos, né? Todos nós queríamos fazer faculdade, então a gente estudava muito. Era naquela época ainda dos grandes institutos de educação. Você tinha muitas tarefas para fazer em casa, mas isso não impedia de trabalhar e ajudar não.

P/1 – E a sra. lembra se gostava ou não de trabalhar ali na padaria?

R – Gostava. Como moça a gente achava até divertido, né? Você ficava no balcão atendendo as pessoas e isso dava uma espécie de relacionamento social. Mas como os meus pais respeitavam muito essa coisa da gente estudar e de passear, dançar... A infância da minha geração foi muito rica no aspecto de que tinha clubes em que você ia aos grandes bailes, com grandes orquestras, saia para namorar. Então a gente teve muito essa liberdade. Então ajudá-los não era uma coisa que pesava, não. Pelo contrário, era gratificante.

P/1 – E como era o ambiente, a sua casa, quando você era criança ali em Santa Cruz?

R – Ah, as casa eram muito grandes, né? A casa em que eu nasci tinha frente para uma rua e chegava até a rua seguinte. As quadras eram de 100 metros, então para você ter uma idéia eu tinha um quintal com tudo quanto era tipo de árvores. Com mangueiras, pés de laranja, dois abacateiros enormes. Eu me lembro muito bem que a gente tinha dois pés de pêssegos e que a gente colocava um cano entre eles pra brincar de trapezista de circo. A infância era muito rica! Como tinha dois irmãos, tinha muito essas coisas também de brincar de bolinha de gude, empinar pipa. E a gente quem fazia as pipas, né? Lógico. Era uma infância muito feliz, no interior, com muito mato, muito rio. A gente ia muito nadar no rio, era o clube náutico da cidade. Então, o instituto de educação que a gente estudou era próximo do grupo escolar também, da creche, do asilo. A gente tinha uma quadra inteira onde rodeava, que é todo um parque enorme cheio de flamboyants maravilhosas e margeando essa praça tinha a creche, o ensino fundamental hoje, o ensino médio, o asilo, a igreja matriz, a Santa Casa. Então era uma quadra dedicada à educação e cuidados. E a gente brincava naquele jardim, namorava, e era, é ainda, muito bonito lá.

P/1 – E a escola? Que escola a sra. freqüentou e o que achava da escola?

R – Eu e meus irmãos sempre fomos criados: “Temos que estudar!”. Minha mãe valorizava muito essa questão de você estar estudando, ir bem na escola, então a escola era um espaço bastante gostoso e desafiador. Quando nós entramos na nossa mocidade, de 58 para 60, já havia a questão dos grêmios livres, né? Não só a gente gostava de estudar como a gente gostava de participar do grêmio, meus irmãos tocavam na fanfarra local. Enfim.

P/1 – E para conciliar o trabalho com a escola? Era uma coisa complicada?

R – No ginásio foi tranquilo, né? Não era muito difícil não. Mas quando fui para o colegial eu já queria, quando eu entrei no 1º colegial eu já sabia que queria fazer Química. E meus pais, por terem já condições econômicas não muito favoráveis, a minha mãe queria que a gente fizesse o curso para ser professora. Então na época chamava curso de formação de professores. E foi uma guerra dentro de casa porque daí eu queria estudar de manhã, tinha que fazer o normal, não tinha jeito. Assim, eu ia, à noite ia fazer o científico e eu tinha que trabalhar à tarde.

[INTERRUPÇÃO NA GRAVAÇÃO]

P/1 – Estávamos falando da dificuldade de conciliar o trabalho com a escola e a sra. mencionou que já sabia que queria fazer Química. Por que Química? Qual foi o motivo de gostar?

R – Ah, não sei se teve algum motivo especial que me levou a... Na verdade eu não lembro direito. Talvez lendo bula de remédio, algumas coisas mais relacionadas à Farmácia do que a Química Industrial. Mas me encantava esse mundo das fórmulas. Achava... Na verdade, na época em que eu estudava você não tinha professores de Química. Como até hoje falta, né? Imagine naquela época. Então meu professor de Química era um dentista. Meu professor de Física foi um engenheiro da cidade. O professor de Matemática era o único que você ainda conseguia informação especializada na área para dar aula em uma cidade pequena do interior. Mas, conforme você vai estudando, no ginásio você tem as noções de físico-química, alguma coisa dentro do estudo das ciências no ginásio deve ter me encantado. Mas em especial eu não lembro, assim, de nada. Então aí eu tive que trabalhar à tarde, conclusão: eu estudava era de madrugada. Voltava 11h00 da escola, sentava e ia até umas duas horas estudando. Como o curso de magistério era muito mais trabalhos, né? Claro que tinha matérias pesadas também para estudar, mas desenvolvia muito mais trabalho, que eu acabava fazendo um pouco no balcão da padaria. E o resto era de madrugada que estudava e na tarde do domingo, porque sábado à noite era passear. (risos) Domingo à tarde também a gente passeava, ia pra praça, ia para os clubes, passeava. Então tinha que dar conta durante o período. Mas tudo era muito perto, né? Bem diferente de hoje. A escola é perto, a casa é perto. Assim facilitava muito, o tempo rendia mais do que rende hoje, apesar de que hoje você não tem mais noção de tempo e de espaço, né? Mas de qualquer forma, o tempo naquela época acho que favorecia mais.

P/1 – E a sra. fazia alguma relação entre o estudo da Química e o seu trabalho na padaria? Por exemplo, o fermento do pão. A sra. gostava de fazer essas relações ou não chegou a pensar?

R – Não. Na época acho que eu não relacionava tanto não. Acho que na época o meu encanto era a questão de fórmulas, de indústria. Eu achava que um dia eu iria trabalhar em alguma grande indústria. Mas no fim, o fato de eu ter começado a dar aula já, enquanto eu estava na faculdade dei aula no primário, e aí você começa a estudar Química e logo depois você já está dando aula também porque, como eu já mencionei que não era tão bem economicamente, eu tinha que trabalhar durante a faculdade, né? Aí comecei a dar aula e comecei a me encantar, porque como eu era já uma pessoa muito comunicativa, então dar aula para mim era muito prazeroso. Ainda mais sendo na questão da adolescência, né? Aí tanto me encantou que depois eu me especializei em dar aula praticamente de laboratório. Eu ensinava a teoria através da prática. Eu nunca dei aula em qualquer escola em que não tivesse condições de estar trabalhando em um laboratório.

P/1 – E como foi o início dessa carreira de professora? Onde é que a sra. foi dar aula? Como foi o convite para dar aula?

R – Bom... Convite nem tanto, né? Porque a gente foi atrás mesmo porque precisava. A primeira escola que eu dei aula aqui em São Paulo foi o Instituto Anhanguera, na Lapa, e era uma moleca ainda. Entrava pelo portão dos professores e os porteiros naquela época falavam: “Não. A entrada de alunos é do outro lado.” Porque estava ainda no segundo, terceiro ano de faculdade e ainda não tinha ar de professora. Mas foi muito rico, porque trabalhar mais cedo significa que você vai ganhando mais experiência também ao longo do período todo que você vai... Quanto mais você dá aula, mais você aprende. Com qualquer professor é assim. Você vai enriquecendo, né? Como a gente sempre falava: “Muito se ensina, muito se aprende.” Foi bastante rico. E também o fato de querer estar sempre aliando essa coisa da aula prática, de tentar trabalhar com projetos, o que mais me aproximou foi da questão da Nutrição e dos fármacos de forma geral. Então essa coisa de estar desde logo se encantando de que você tinha que ter uma vida mais natural, você tinha que estar trabalhando com uma alimentação mais adequada, e aí a questão da Fitoterapia e da Homeopatia foi cada vez se acentuando mais. A Homeopatia é muito interessante se discutir na sala de aula, porque como você trabalha com um conceito que é muito mais de energia do que matéria, quando você está fazendo com os alunos uma extrema diluição ele está vendo que não tem mais matéria nenhuma e aí você está praticamente pegando uma... Trabalhando com sutil mesmo, né? Isso é muito rico, dá uns debates bem encantadores. Hoje já é mais tranquilo por causa da física quântica, mas naquela época, que você estava iniciando, ainda não tinha essa questão ecológica e muito menos a física quântica. Colocava mais questões, né? Parar, pensar, refletir.

P/1 - E a sra. pode contar um pouquinho como foi esse início na faculdade? Como é que foi que a sra. passou a freqüentar a universidade, em que ano foi?

R – Quando eu entrei na faculdade eu entrei na Unesp, em Araraquara. A faculdade era período integral. Eu consegui fazer só dois anos em Araraquara, porque não conseguia mais emprego lá de jeito nenhum e não conseguia também me manter, então eu acabei vindo para São Paulo, para trabalhar. Assim, o meu terceiro ano era faculdade meio período e aí eu trabalhava. Já comecei a dar aula no terceiro ano. Aí dei aula no terceiro, no quarto e não parei mais, né? Desde que me formei continuei dando aula. Mas sempre foi da mesma forma que eu já fazia no colegial: eu trabalhava e estudava. Dando aula complica um pouquinho mais porque você tem que não só preparar a aula como você tem a correção. Então é bem diferente de quando você trabalhava no comércio que você vai lá, foi, acabou. Aquele horário e pronto. Dar aula não. Dar aula significa... Ainda mais quando você é uma aluna! Você tem que preparar uma aula pra você entrar numa classe de 40 alunos. Porque se não você vai entrar insegura e isso ninguém quer, então você tem que preparar a aula. E saindo da aula você tem correções de trabalhos. Então sábado e domingo é sempre trabalhando (risos), corrigindo, preparando. Mas quando você faz aquilo que você gosta, né? Como eu estava dizendo, tudo é muito rico. E eu fui me aprofundando nessa questão, de ligado à Química, muito à questão ambiental. Então eu me lembro que em 1974 eu já levava os meus alunos pra conhecer a espuma lá, perto de Salto, que houve uma época que tinha umas fábricas de detergentes e que poluía toda a cidade. Também alumínio, da fábrica de cimento, todas as casas com aquela coberta de cimento e conversando com os trabalhadores a questão do cimento. Eu sempre dei a aula da Química voltada com um olhar para a natureza. E acho que isso é por conta de que eu nasci na natureza. Eu nasci em uma cidade que era rio, muitas árvores, muito mato. Desta forma, desde aquela época já ligava muito a questão ecológica à questão do estudo de Química e, portanto, era uma questão da alimentação: “Eu tenho que comer bem.” Porque a gente cresceu assim! Eu cresci comendo o ovo da galinha que a minha mãe criava. Era a horta que você tinha no quintal, era a fruta que você pegava no pé. A gente já foi criado assim. Então falar em orgânico, hoje em dia você fala, mas naquela época tudo era orgânico, né? E para estender isso ao campo de hoje foi muito fácil, você ser crítica a esses aditivos e conservantes que se colocam. E isso a gente colocou a discutir bastante com os alunos, quando eu dava aula. Tanto pegando na questão da alimentação como pegando a questão dos aditivos e conservantes. De como hoje, com o tal de beneficiamento, você imagina chamar de beneficiamento uma coisa que desvitaliza totalmente o alimento (risos). Benefício para quem, né? Então tinha muito vínculo. Sempre teve muito vínculo na minha vida estar dando aula e estar plantando um pé já para ir para um comércio de produtos naturais.

P/1 – Vamos falar um pouquinho dessa época em que a sra. deixou a sua cidade natal, onde a sra. estava acostumada com os orgânicos. Como é que foi a sua chegada em São Paulo? Em que ano foi?

R – Mil novecentos e sessenta e seis? Mais ou menos isso. Quando eu cheguei em São Paulo eu ainda fui dar aula uma vez com um bonde! Por incrível que pareça (risos). Apesar de só ter 63 anos, ainda peguei o bonde na Avenida Ibirapuera. Chegamos e fomos morar em Pinheiros. Aí vieram várias amigas conosco e então mamãe já montou uma pensão em Pinheiros, para gente poder, no começo, sobreviver. Passaram dois anos só em que a gente morou em Pinheiros aí a gente comprou uma casa no Campo Belo, que na época tinha o córrego da traição, que era a Avenida Bandeirantes, e a linha do bonde, que era na Avenida Ibirapuera, quando a gente mudou para lá. Claro que isso durou pouquíssimo tempo. Logo depois já veio o traçado, né? Mas eu fui dar aula uma vez, me lembro muito bem, para o segundo ano primário ainda, de bonde. Não dava muito certo não porque você tinha que levantar muito mais cedo, já que ele era pouco ágil. (risos) Mas tem esse ar bucólico. E aí a gente cresceu nessa casa. Nós vendemos a pouco tempo porque meus pais faleceram e tinha uma irmã que também deficiente que continuou morando na casa. Então foi a casa da história, aqui em São Paulo, da família. Ficamos nesta casa mais de 40 anos. E o Campo Belo era um bairro gostoso para morar, apesar de que na época tinha muita bandidagem, né? Eu me lembro que meu pai ia me buscar no ponto de ônibus, com medo: “Você está descendo meia noite!” Porque eu trabalhava e estudava. Estudava à noite e chegava em casa meia noite. Naquela época Moema já era muito problemático. Mas foi pouco tempo. Depois, com a construção da Avenida Ibirapuera, da Avenida Bandeirantes, foi ficando mais tranquilo. E um bairro que tinha bastante movimento noturno também, com os bares alemães, bem próximo, assim, do Brooklin. Você tinha muitas atividades. Próximo do parque do Ibirapuera também.

P/1 – E a sra. lembra da sua primeira impressão da cidade de São Paulo? De quando a sra. chegou?

R – A gente já vinha muito para São Paulo, porque eu tinha duas tias que moravam aqui. Tem um fato interessante porque quando a gente era pequena, maçã vinha só da Argentina, né? Então você comer uma maçã era uma coisa muito prazerosa. E o cheiro da maçã também. Eu me lembro que quando eu era pequeninha, as minhas tias de São Paulo vinham nos visitar, levavam maçãs e eu achava que São Paulo era uma grande maçã, aquele cheiro gostoso da maçã. Então, obviamente, quando eu vim conhecer (risos)... Você meio que se decepciona. Mas não decepciona porque é uma cidade grande e para um criança, né? Tudo é muito grande. Então a gente já vinha muito. Tinha duas tias que moravam aqui e a gente vinha passear. Agora, morar mesmo, de vir estudar aqui e aí então você já está mais jovem, vai começar, vamos dizer, a paquera, querer namorar, aí já foi um pouquinho mais complicado. Interior era muito melhor, porque você tinha um relacionamento com as cidades vizinhas a nossa, você tinha uma troca afetiva muito grande. E São Paulo não, né? Aqui você ia para uma balada, os relacionamentos eram muito menores nesse aspecto.

P/1 – Falando nessa dificuldade de sociabilização, ali no Campo Belo onde a sra. costumava passear, freqüentar, fazer compras?

R – Compras eram desde no próprio comércio local em Moema, até Santo Amaro. Porque como eu ia dar aula em Santo Amaro, na região de Santo Amaro em que a gente dava aula, utilizávamos muito o comércio do Largo 13 de Maio, aquela região toda de Santo Amaro que já era um local de grande comércio. E passear era nos bares da região. A minha família sempre foi muito unida, uma família numerosa e muito unida, então a gente também se reunia muito. Papai, vindo de uma família de interior, e minha mãe mineira, o truco era um jogo familiar. Juntava aquela família enorme, formava várias mesas. Essa coisa, assim, do lazer era um pouco dentro da própria família e um pouco fora, onde você vai querer conhecer outras pessoas, né?

P/1 – E quais eram as regiões boas de bares e restaurantes ali?

R – Na atual Avenida Ibirapuera, naquela época já, perto da igreja de Moema, no entorno. Era nessa região. Porque o bairro ainda era muito pequeno, não tinha esse desenvolvimento que tem hoje. Mas você já tinha muitos alemães que tinham muitos bares, com os seus chopes e as suas salsichas. Desde aquela época já era assim. Então eram mais nesses bares que a gente ia conhecer as pessoas. Balada também era em Pinheiros, né? E como a gente já tinha morado em Pinheiros, também tínhamos uma referência de lugares em Pinheiros. Eu também tinha dois irmãos também que faziam USP, então... Eu não fiz USP, mas eles fizeram. Assim, na época do CRUSP, fervilhava. E minha irmã estava no segundo ano de Ciências Sociais e a gente ia muito pro CRUSP, passeava na Cidade Universitária, tinha esse relacionamento. E depois também naquela época tinha o famoso curso do grêmio. A gente chamava curso do grêmio porque era o grêmio da USP que acabou se unindo e querendo fazer cursinho pras pessoas que não tinham como pagar. Então ele era um cursinho que era dentro da Cidade Universitária. Só que começou a profissionalizar de uma tal forma que eles acabaram montando cursinhos fora mesmo, que o nome continuava sendo o mesmo, era cursinho do grêmio, mas já era uma empresa particular. Meu irmão fazia Geologia e trabalhava no cursinho. Então todos nós tínhamos uma vida intensa, nesta época, no cursinho. Quando eu vim para São Paulo, a primeira coisa que fui fazer foi cursinho, para poder entrar na faculdade. E aí logo depois já veio a ditadura, então todo esse movimento da Maria Antônia, da briga com as Ciências Sociais, que era na Maria Antônia, o Mackenzie, né? Que o pessoal do CCC, que era o Comando de Caça aos Comunistas, se infiltraram dentro do Mackenzie e guerreavam com o pessoal da Maria Antônia, que era o pessoal das Ciências Sociais da USP, que a minha irmã fazia. A mais velha que eu, que já é falecida. Então naquela época tinha muito isso de riqueza tanto intelectual quanto de diversão também, porque você acabava brigando e se divertindo, né? (risos)

P/1 - E nesse clima de efervescência cultural e política, como foi terminar a faculdade? Em que ano a sra. terminou?

R - Eu terminei a faculdade em... Nossa. Não sei responder. Pode pular essa pergunta? (risos)

P/1 - Pode. E qual faculdade era?

R - Eu fiz faculdade de Química, terminei na Oswaldo Cruz. Fiz os dois primeiros anos na UNESP e depois eu vim para cá. Hoje eu escolheria o Mackenzie, mas ninguém nem pensava em fazer Mackenzie se tivesse alguma visão política mais libertadora como a gente foi criado. Então o Mackenzie era extremamente rigoroso, você não podia usar calça comprida, né? Era uma instituição extremamente rígida, tanto é que o CCC estava lá. Assim, nunca nem se imaginava. Fora a USP e a UNESP... Na época não existia UNESP ainda, era um instituto isolado da USP. A gente entrou lá porque era automática a transferência, só que eu tive a infelicidade de pegar exatamente o período em que se criou a UNESP, então não deu para fazer a transferência. E aí eu acabei indo para a Oswaldo Cruz terminar o curso.

P/1 - E terminando o curso a sra. continuou na atividade de professora?

R - Continuava dando aula.

P/1 - Em que local?

R - Eu comecei, como a Oswaldo Cruz era Barra Funda, o lugar em que primeiro eu fui dar aula, fora essa experiência que eu tive com a Lapa, foi para Osasco, porque era a região mais próxima, mais fácil. Então eu dei aula vários anos na região de Osasco. Mas quando eu me formei eu já estava na Vila Sônia, que é Butantã. E na Vila Sônia eu fiquei muitos anos. Foi lá que eu realizei um projeto de ensino de Química através de aula prática. Porque, primeiro que era um colégio em um bairro de classe média, então a Associação de Pais e Mestres era muito forte, o que significaria que qualquer coisa que eu pedisse para um laboratório eles davam porque sabiam que você ia dar um curso bem dado, dentro de um projeto. Então eu me encantei com a escola e fiquei lá. Eu tinha um laboratório maravilhoso, a única coisa é que eu tinha que trabalhar muito mais do que as aulas, né? Para você arrumar, montar, até mesmo porque eram 40 alunos. Desta forma, eu ficava dando aula para 20 alunos na parte teórica, eles ficavam fazendo relatório, tinha toda a pesquisa bibliográfica, enquanto eu ficava com os outros 20 na parte prática. E a infraestrutura do prédio permitia você fazer isso muito bem. Então, depois que eu fui para esse colégio eu fiquei muito tempo lá. Aí veio toda a questão de sindicalização, os professores não tinham sindicato, ainda mais da rede estadual, porque era uma associação. E aí como a gente tinha uma visão política já bem forte, nós achávanos que tínhamos que ter uma associação com caráter sindical para a gente poder fazer uma boa negociação com o governo. E aí começou a criação da Associação dos Professores, que é a APEOESP, hoje é o Sindicato dos Professores. E eu me envolvi dentro desse projeto não só de ensino como de militância política. Fui sindicalista, cheguei a ser a diretora do nosso sindicato hoje, da APEOESP, por dois anos. Era representante da região primeiro e depois que fui ser da diretoria. Então eu tinha uma vida política bem intensa também.

P/1 - E quais eram as principais questões que vocês debatiam ali, dentro do sindicato? As principais reivindicações naquela época?

R - Em primeiro lugar era a questão salarial e as condições de trabalho, né? Mas a gente tinha na região uma questão cultural muito forte. Então tinha um projeto que chamava "Teatro como instrumento de educação" que você entrava nas escolas dando oficina para os alunos, para eles começarem... A idéia era que eles começassem a debater que escola eles tinham, que escola eles queriam, como que eles transpunham, principalmente quando você trabalhava com periferia, que de Vila Sônia para Taboão é um passo, né? Então você trabalhar naquela época Taboão era muito complicado, em termos de periferia e a gente entrou muito com isso, com esse projeto de "Teatro como instrumento de educação" pra fazer com que os alunos não sentissem que eles poderiam ir até um determinado ponto. Todos eles sempre acharam que tinha uma grande muralha na frente deles, que eles nasceram na periferia e na periferia eles iriam morrer. Então isso despertava muito... Mexer mesmo. Questionar ou ver que eles podiam ter um lugar ao sol. Dentro da APEOESP esse projeto foi muito interessante, enriqueceu muito e a gente fez, fazia muitas mostras de teatro em função disso, das peças que eles mesmos... Culminava com um grande evento na Caetano de Campos, no teatro da Caetano de Campos, que então fechava. Mas todas as peças que se apresentavam, no final você tinha debate com os espectadores. Era muito rico. Foi muito efervescente essa época (risos).

P/1 - A sra. fala com muito carinho dessa época de professora, né?

R - Ah, mas é de uma riqueza extraordinária, né? E, mais do que isso, a gente tinha sonhos (risos) de que era possível se fazer, e eu acho até que a gente fazia muita coisa. Não posso dizer que nós não demos a nossa contribuição histórica. Teve, porque muitas escolas que tinham grandes problemas, a gente acabava fazendo com que a população do entorno da escola entrasse dentro da escola e acabava assumindo. Mas eu acho que era muito ligado a sonho mesmo de transformação, né? A gente era socialista convicta (risos).

P/1 - E essa atuação em escolas foi até que ano?

R - Bom, eu me aposentei e aí fui para o comércio. A Alternativa fez 17 anos, agora em agosto. Eu ainda continuei trabalhando mais dois anos, então até quinze anos atrás eu tava dando aula. Só que aí eu já tinha saído do magistério público, comecei a dar aula no Colégio Santa Cruz, no projeto de supletivo que a Congregação Santa Cruz praticamente sempre subsidiou, que era um projeto maravilhoso. que aliás é esse projeto que eles tentam implantar nas escolas públicas, com a aprovação automática, só que de uma forma incoerente, sem lógica, né? No Santa Cruz a gente montou um projeto que visava sim quase que a promoção automática, porquê? Porque primeiro você tinha menos matérias por ano, então se eu dava Química, Física

não era naquele ano, era no outro ano. Possibilitava você ter mais aulas, ter aulas dobradinhas, que mesmo você tendo um número grande de alunos por sala de aula era possível você conhecer, porque você ficava mais tempo com ele. Paga-se bem, então ninguém faltava, né? Que é o grande problema da escola pública, porque paga tão pouco que os professores não ligam muito de faltar, não. ter aula dobradinha é quase que impossível. O que possibilita você acompanhar as dificuldades do aluno, então você sabe mais ou menos como ele entrou, que objetivos você conseguiu com ele, o crescimento dele naquele processo de aprendizagem, para que você possa aprová-lo para o ano seguinte, que ele vai estar acompanhando já em um grau mais elevado.

Então esse projeto da promoção automática é algo fantástico, desde que feito com condições de implantação, porque é bom mesmo. É uma visão fantástica, eu acho. Mas que, claro, a escola hoje pública

está falida por conta disso, né? Você vai, não tem... O processo de aprendizado não é mais encarado como um grande desafio. Porque isso que é o rico do aprendizado. É você saber que você não sabe e como é que você vai aprender, como é que você vai incorporar aquele conhecimento. Aprender sempre tem que ser um grande desafio. Não é só no serviço, né? É desde o processo de criança. Você não tem que aprender brincando! Você pode aprender com prazer, mas não é brincando, porque a passagem de aprendizado é um desafio, então ele parte de você ter um estímulo. Pra você vencer aquela tarefa. Pode ser bem prazeroso sim, e deve ser, porque ele tem que ser um projeto de ensino bem dado. Eu falo com muito carinho mesmo, né? (risos) Porque foi muito bom! Ter vivenciado tudo isso, para mim foi muito rico. E o salto também, da vida de professora para a vida de comerciante também foi enriquecedor, porque eu continuei ainda trabalhando com a Química, os produtos naturais, né? Continua sendo rico.

[TROCA DE FITA]

P/1 - Sra. Ednéa, focando agora um pouquinho mais na parte do comércio, quando é que começou, que a sra. começou a sentir essa vontade ou começou a ter como objetivo ter um comércio?

A partir de que época?

R - Como eu já dava aula focando muito essa parte da alimentação e da Fitoterapia, quando eu comecei a dar aula de Química Orgânica não tem como você fazer experimento, porque experimentos de Química Orgânica demoram um dia inteiro para você fazer uma reação química. Então, jamais poderia dar com prática qualquer coisa dentro do ensino de Química Orgânica. Assim, eu acabei caindo para a Fitoterapia, fiz curso de especialização nessa área e montei uma grade, um programa de ensino de Química Orgânica muito voltado, focado nessa questão da alimentação e da Fitoterapia. Como eu estava para me aposentar e achava que tinha que continuar trabalhando em alguma coisa, eu comecei a conversar dessa coisa de montar um comércio, já que meus pais também tinham sido comerciantes esse lado existia também forte. E aí minha irmã também estava saindo de trabalhar em multi-nacional, já muito frustrada, trabalhar em Rh. Ela fez Economia, então essa parte era muito desgastante, também queria montar um negócio e nós nos unimos e começamos a pesquisar dentro da idéia, primeiro, de montar uma farmácia de manipulação, que era ainda o meu grande sonho da Química, de mexer com fórmulas, tal. Mas não podia ser farmácia. Primeiro que eu nunca me tratei com remédios normais, já me tratava com Homeopatia. Como eu ia vender uma coisa na qual eu não acreditava? Então a gente acabou optando por começar a ver essa questão dos produtos naturais. Como a gente também tinha muita referência em Pinheiros, a nossa pesquisa foi meio nesse campo. Dessa forma, a gente começou a pesquisar que casas de produtos naturais tinha aqui na região. Vimos que em Moema tinha a Alternativa, uma casa enorme, grande, completa e, quando a gente começou a fazer a pesquisa em Pinheiros, vimos que só tinha lojas pequenas e que na verdade elas não conseguiam se estruturar e durar muitos anos, porque quem é naturalista mesmo não gosta de ir em várias lojas fazer compras. Você quer ir em um lugar e achar tudo! Então acabava que as lojas pequenas não davam muito certo. Foi a primeira grande discussão que eu e minha irmã tivemos: nós teríamos que tentar montar uma loja grande, portanto teríamos que ter mais capital e também ver se a gente achava o know how. Foi quando a gente foi buscar, então, o pessoal da Alternativa em Moema, que já era Alternativa Casa do Natural. A história da Alternativa, ela iniciou como Alternativa, então, nos anos 60, assim como você tinha os grupos políticos que iam para a militância política, você tinha os grupos ecológicos, os naturalistas, que iam para o movimento de querer uma sociedade alto-sustentável, de acabar com a questão dos agrotóxicos, a contaminação do ambiente. Tinha toda essa discussão. Então, o pessoal da Alternativa, chamava Alternativa porque já tinha essa história mesmo de grupo que vinha do movimento ecológico e que acabou montando uma loja pequena, que eram os pequenos produtores, e que aos poucos foi crescendo e acabou tendo um grande nome. Uma referência de produtos naturais era a Alternativa. Os dois sócios racharam e criou-se a Alternativa Casa do Natural e a Alternativa Biológica. E foi com o pessoal da Alternativa Casa do Natural de Moema que a gente fez uma sociedade no início. Quando veio o Plano Real ele faliu, não soube trabalhar sem a inflação. E aí nós compramos a marca Alternativa Casa do Natural, que existe há 17 anos, completou agora em agosto, na Rua Fradique Coutinho. Uma região perfeita, né? Porque ali começou... Vila Madalena era um burburinho, os barzinhos, pessoal da USP se encontrava ali. Eram os estudantes, era o grande “buxixo” já naquela época, mas não com essa visão de bares, mas muito mais estudantes, psicólgos, né? Você tinha já vários consultórios, você tinha artistas na região. Todos que buscavam uma vida mais natural. Então ter um comércio voltado para produtos naturais dentro da Vila Madalena, a gente já sabia que era a primeira coisa que você tem que buscar, que era um ponto favorável para o crescimento da empresa. E nisso fomos muito felizes porque, realmente, a Alternativa se firmou, né? Há 17 anos na Vila Madalena e crescendo. Como sempre, continua lá, firme (risos).

P/1 – Agora uma pergunta um tanto quanto de leigo: O que implica ser um naturalista? Quais são as condições para que você tenha esse estilo de vida?

R – Primeiro, você achar que o alimento é fundamental para a sua saúde, porque quando você aduba uma planta ela cresce bem, se você não aduba ela morre, fica doente. O homem é a mesma coisa! Alimentação é fundamental para a sua saúde. E o que é isso da alimentação? Primeiro você trabalha com a questão do integral, ou seja, o produto é inteiro de como ele foi plantado e foi colhido. Então, o arroz não passa por nenhum processo de industrialização, de tirar as películas protetoras deles, que é onde está boa parte de suas vitaminas e sais minerais. Desta forma, você não está desvitalizando os alimentos, você está comendo o alimento mais inteiro, como ele foi produzido. Em segundo, se esse alimento inteiro ainda for orgânico, ou seja, se ele foi plantado em uma terra que só é adubada com folhas, cascas, resíduos naturais, que você vai fazendo uma compostagem e não, você não vai usar adubos artificiais, os famosos NPK. E

também no processo de colheita você não precisa colocar tantos conservantes nele para conservar, né? Significa que você está comendo uma coisa muito mais saudável. Então você pode pagar um pouco mais caro o alimento, mas você não vai gastar na farmácia. Esse é o ponto número um que você realmente está buscando.

Quando você transporta isso para a sociedade, você fala assim: "Eu não quero uma terra compactada, com grandes máquinas pesadas

que compactam a terra. Não tem nenhuma minhoca, nenhuma aeração. Significa que não tem a minhoca, não tem o passarinho, não tem toda a cadeia de animais que você pode ter como riqueza em uma região. A grande diferença de você trabalhar com as grandes plantações hoje é também o agrotóxico, mas muito mais. Como é que você preserva essa terra, como é que você trata essa terra, como é que você desgasta. Dentro do estudo mais estipulado, mais filosófico, é o cartesianismo, né? Descartes veio com a idéia de que o planeta era uma grande máquina, que você tinha que produzir pra... Então não se importava mais em você maltratar a terra mãe, ela que tinha que te dar e você poderia estar maltratando, destruindo. A idéia de você achar que o homem é uma grande máquina, significa que a natureza também é essa máquina e você está trabalhando aí com máquinas. Não tem mais aquela coisa de não destruição, né? Porque quando você tinha terra mãe, um caráter, vamos dizer, não sei se a palavra correta é amoroso, mas seria você tentar ter um olhar mais solidário, de que existe uma troca entre você e a natureza. Nesse aspecto você não vai nunca maltratar, você nunca vai destruir. Hoje não! Você quer arrancar da terra, né? Você não quer que ela produza para você de uma forma harmoniosa, mas você quer arrancar dela o que ela tem. Então, por agrotóxico, por máquina pesada, isso é a forma violenta de ser, hoje. Aí você, em contrapartida, o que tem hoje? Você tem muito mais doenças. Não dá mais. Câncer, diabetes e as outras doenças todas. É absurdo hoje o número de pessoas que tem. É uma alimentação desvitalizada! Tudo industrializado. Tudo tem agrotóxico, tudo tem açúcar, principalmente. Você vai no supermercado, não tem nada que... Né? Tudo tem farinha, que farinha se transforma em açúcar. Com exceção da seção diet, que é outro absurdo, porque sacarinas, esses adoçantes que você usa já são comprovadamente prejudiciais à saúde. Tem vários experimentos, mas ninguém proíbe, né? Tinha que estar proibido já. Mas, com exceção dos produtos diet e da feira que está dentro do supermercado, todo o resto tem açúcar. E açúcar um crime para o organismo. Ele vai fermentar. Você come e toma aquele monte de açúcar, o açúcar fermenta tudo e você não vai ter nunca um processo digestivo mais natural, porque você tem uma grande fermentação no intestino. E ainda com a parte da Medicina sempre focada nas especialidades, não se olha mais o homem como um todo, então leva essa... Hoje, o processo de industrialização é outra coisa que tem de ser revista, né? Mas eu acho que algumas coisas já estão começando a implantar. Essa questão da agricultura familiar, que muito se fala hoje, tenta resgatar um pouco essa idéia de você tentar, apesar de ter os agronegócios se expandindo e tal, paralelamente a isso você tem a agricultura familiar se desenvolvendo também. E quem sabe ela não prospera bastante pra gente conseguir ainda regatar essa coisa do ecológico.

P/1 - Então, retomando, a sra. procurou intencionalmente um ponto no bairro da Vila Madalena para se aproveitar desse clima de efervescência cultural que o bairro estava passando e que se tornou característico do bairro. Como é que foi o início do comércio ali na Vila Madalena? Com o quê a sra. se deparou? Com que tipo de público? Dificuldades?

R - Quando você começa um comércio, uma empresa qualquer, o SEBRAE fala muito isso, os dois primeiros anos e até o terceiro ano você enfrenta muitas dificuldades, porque normalmente se tem um capital para você montar e nunca tem o capital para você continuar esses anos. Enquanto a empresa não se firmar e não poder te dar um salário, você não tem como, ainda, tirar da empresa. Tudo que entra você tem que reinvestir e gastar nela mesmo. Então, eu continuei dando aula, eu tinha como me manter. Eu trabalhava à noite, dava aula no supletivo do Santa Cruz e durante o dia eu ficava na empresa. E a minha irmã também! Ela ainda também tinha esse lado, que era casada, então o marido ficou meio que sócio dela e aí tinha esse lado que ela podia se dedicar mais, sem estar, nesse início, dependendo tanto do próprio dinheiro da loja. Então foi muito importante que nos dois primeiros anos, tudo que entrava, você reinvestia. Na época nós tínhamos cinco, seis funcionários. Hoje tem quase trinta. Era uma casa pequena. Nos três primeiros anos a gente não tinha um restaurante, só tinha um entreposto de produtos naturais bem grande já, que a gente trabalha com, mais ou menos, 5.000 itens, e a lanchonete. Mas aí os próprios clientes começaram a falar: "Poxa, mas a lanchonete é muito pouco! Tem que fazer um arroz integral, uma salada, pra gente comer um lanche mais reforçado. Se alimentar mesmo!" Porque os lanches nossos tinham alguns princípios, certo? Trabalhávamos só com assados, não trabalhamos com fritura de forma nenhuma. Tem vários princípios. Não se usa batata, porque a batata apodrece com muita facilidade, então exige muito agrotóxico e, dessa forma, é um alimento totalmente desvitalizado. A gente sempre substituiu a batata pelo inhame, por cará e pelas abóboras, né? Por outras raízes. Tomate também. É muito difícil você ter bastante tomate orgânico. O tomate também é um alimento altamente perecível que, para você ter ele bonito na sua mesa você pode saber que foi uma química prejudicial à saúde muito grande, e não uma química boa, né? (risos) Então tem alguns conceitos que desde que a gente montou a lanchonete, já trabalhávamos em cima deles. A questão do integral e de você tentar trabalhar, no máximo possível, com o orgânico. E se não era possível, então não entrava como alimento. E isso a gente tem até hoje. Até hoje a gente não trabalha com tomate, os clientes vão e falam: "Ah, mas e aquela saladinha de tomate?" Eu falo: "Pois é, mas aquela saladinha de tomate, meu, não é bem uma saladinha. (risos) É algo muito ruim." E a gente ainda tem esses princípios, enquanto casa de produtos naturais que leva em primeiro lugar a questão da qualidade mesmo!

Então é só arroz integral, a gente não trabalha com arroz branco, e tenta no máximo possível conseguir produtos orgânicos para por na nossa refeição, o que não é fácil, né? Porque a produção ainda é muito pequena. Assim, passando os três anos iniciais, que aí então começou-se a estruturar melhor a loja, aí eu me aposentei definitivamente. Parei de trabalhar como professora e aí fui me dedicar a ser uma empresária. Foi muito conflituoso pra mim! Primeiro porque eu era uma sindicalista (risos), brigava com os patrões para melhorar as condições de trabalho e de repente eu era a patroa, né? Então no início foi bastante conflituoso essa relação de patrão-empregado, mesmo a gente tendo clareza das condições de trabalho. Do jeito que estão montadas até hoje as pequenas empresas, é muito difícil você trabalhar dando totais condições de trabalho para um funcionário, entendeu? Porque não tem, a própria legislação e a própria estrutura da pequena empresa ainda é muito ruim. Agora, a gente sempre foi muito legalista, até por conta da história de vida nossa, né? Assim, nunca tivemos um trabalhador que não fosse registrado; assim que a gente pode, já implantamos plano de saúde para todos eles, empresarial; essa questão de ter os quatro meses de liçença gestante. A gente sempre quis dar as condições de trabalho para os nossos trabalhadores que fossem um pouco mais próximos de algo que estivesse dentro do espírito da casa, que

a questão da qualidade de vida. Como é que eu posso querer comer bem e trabalhar mal? É completamente incompatível. E isso também a gente conversava muito com os próprios funcionários: "Olha, vocês vão comer o alimento que eu estou dando, vendendo para todos os meus clientes. Vocês estão comendo uma comida privilegiada, que não é barata e isso..." Bom, vamos parar? Porque a pergunta se perdeu.

P/1 - Não, não. Pode continuar!

R - Então essa questão da relação com os funcionários sempre foi rica em termos até de aprendizado mesmo, né? De você estar buscando sempre trabalhar da melhor forma possível. Incentivo a beber água. As pessoas não bebem água! É porque é de graça? É o melhor alimento que existe, ainda mais quem trabalha com ar condicionado, porque os teus rins é que vão filtrar o teu sangue, que é o que representa a vida. E ele tem que estar bom! Assim, a água é fundamental para a liberação dos elétrons, para começar todo o processo. Até isso a gente sempre debateu com os funcionários: "Olha, você está trabalhando ali, você tem que ter a sua garrafinha de água, você tem que se alimentar bem, comer bem dentro do possível." E também dar cursos de formação. A gente sempre teve. Os funcionários que entram na loja vão saber porque aquilo não é um mercado comum, um supermercado comum,

é diferenciado. Que tipos de produtos que a gente vende, como é que a gente vende. Passamos isso para todos eles, tem todo um processo. Fora isso, atualmente a gente tem uma profissional que dá palestras para os funcionários, para motivação mesmo, né? De trabalho em equipe, de estar se motivando. Afinal de contas ele fica oito horas no serviço, mais tempo no serviço do que em casa, então ele tem que gostar do que está fazendo, do que tem que fazer. E também já tem bastante anos que a Alternativa contratou uma empresa especializada na área de manipulação correta. Elas chegam na empresa primeiro e dão palestras sobra a manipulação dos alimentos, a questão da contaminação, ensinam toda essa parte do correto manipular. E elas vão, uma vez por mês, sem falar a hora nem nada, coletar os produtos que a gente vende na geladeira, o que a gente manipulou, o que nós produzimos. Pegam amostragem da unha dos funcionários que estão na área da manipulação, para ver se realmente eles estão com a higienização correta. Então essa parte da questão da qualidade de vida que a gente fala, que a gente vende, é bem mais ampla, né? Ela pega coisas de cotidiano. Você tem que estar sempre olhando a questão do desperdício. Em um restaurante você tem que tomar muito cuidado com o desperdício. Não é só porque vai diminuir o nosso lucro! Também porque diminui o nosso lucro, mas também porque você não pode ser um povo que desperdiça. É terrível você imaginar que um quarto dos alimentos produzidos são jogados fora, no processo de embalar, de transporte, de tudo. É uma coisa terrível, eu acho. Bem triste você imaginar: "Poxa! Mas o cara plantou lá, tá vendendo. Quer dizer que quando chega aqui

chega com um processo de tanta perda?" É, chega. Quase 25% de processo de perda dentre onde ele plantou e onde vai chegar na sua mesa. E você vai comer e ainda deixa resto no prato, né? (risos) É amplo!

P/2 -

Ednéa, eu queria voltar um pouquinho. Conta pra gente como foi o dia da inauguração da loja. O que você sentiu? Assim: "Sou professora e agora também tenho uma loja." Como é que foi?

R - Você sabe que essa coisa de ter nascido com condições bastante precárias, né? Econômicas. E ter sido professora, porque quando você vai ser professora você não vai pensar que um dia você vai ficar rica, vamos dizer, usar o termo. Ou seja, você vai estar bem. Eu já, desde os primeiros tempos, quando eu comprei minha primeira casa, eu já

olhava e falava: "Nossa! Essa é minha casa! Eu comprei." Sabe? Aquela satisfação que é fruto do seu trabalho honesto e prazeroso, principalmente. Então, com a loja, só acrescentou isso! De repente olhar a loja e falar: "Poxa vida!

Olha o que a gente montou." Meu pai ainda era vivo e fizemos questão que ele fosse lá: "Olha, pai! Vem ver como a gente pode e consegue." Apesar de todos os percalços, ainda olhar e ver que você conseguiu. A minha irmã é muito ligada em astrologia, então, lógico que ela fez todo um mapa astral nosso, da empresa, pra ver o dia em que iria inaugurar, a hora em que iria inaugurar. Eu confesso que eu respeito bastante o ponto de vista dela, mas não sou, assim... Eu não iria fazer isso, certo? Eu agiria muito mais com o coração, então: "Ai, olha! Hoje está um dia lindo! Vamos abrir!" entendeu? Era muito mais por aí. Mas a loja foi aberta assim. E aí tinha antigamente, ao lado da atual Livraria da Vila, uma papelaria de um amigo nosso. Quando ele viu que a gente abriu as portas, ele quis ser o primeiro cliente, sabe? Aquela coisa de: "Ai, que bom que vocês chegaram!" Então, foi muito rico a hora que abriu, desde você olhar, que a loja não é uma lojinha pequenininha, é uma empresa razoável, até essa coisa de você ter os amigos, que estavam morando ali e que vinham: "Eu quero ser o primeiro cliente. Eu quero inaugurar!" Ela começou bem tímida, como eu disse, com poucos funcionários. A gente já tinha as prateleiras todas imitando caixa

de verduras, tudo em madeira, que não eram bem cheias, né? Porque a gente trabalhava sempre com o que vendia e ia repondo. Vendia e ia repondo. Então, foi bastante batalhado, mas bonito. Muito bonito. (risos)

P/1 - A sra. pode descrever para a gente como era essa primeira loja da Alternativa lá na Vila Madalena?

R

- Se situa em frente à Livraria da Vila, que também é histórica do comércio local. Era uma antiga padaria, então o prédio é um prédio grande, porque já tinha um salão de venda dos pães, no fundo tinha o forno. Que quem tirou o forno fomos nós, que derrubamos depois aquele forno grande de lenha, né? Ainda tinha. No terceiro ano, que aí a gente foi montar o restaurante, foi que a gente colocou só algumas mesinhas, eram só dez mesas quando a gente começou. O forno ainda estava lá no fundo, então a gente não tinha nem o espaço geográfico para ampliar. Aí, quando chegou no quinto ano a gente já estava querendo derrubar o forno e ampliando as mesas, né? E tentando melhorar. Mas todo mundo, todas as pessoas que entravam na loja passavam para nós o que elas sentiam. Porque você entrava em uma loja que era de caixotes, imitando caixotes, que tinha muitas plantas, a gente sempre tentou trabalhar com essa coisa das plantas, e sempre uma música New Age de fundo. Porque a gente sempre teve como lema que a alimentação, você tinha que realizá-la em um ambiente limpo e calmo. Então a loja sempre transmitiu essa sensação para os clientes. As mesinhas da lanchonete tinham as floreiras, que dividiam o espaço com a mercearia, onde você tinha os produtos naturais e tinha as mesinhas. Então a gente dividia mesmo, um pouco de plantas. E a música ambiente era uma música que te levava a relaxar, olhar. A idéia era sempre assim: Olha aquilo que você está comendo. Sinta esta comida que está entrando. Para, porque você vive em uma cidade que é absurdamente estressante. Se você não se permitir, pelo menos naquele momento, olhar, parar, estar naquele momento realmente comendo, estar com você mesmo, já é o primeiro passo que você dá para a sua qualidade de vida. Então isso a gente sempre teve como lema. Você vai entrevistar a Helena e espero que ela te conte a história do celulódromo. Porque nós pegamos o início da implantação do celular, né? E aí ele entrou dentro dos restaurantes de uma forma meio violenta, então a gente teve esse conflito, dessa coisa da música New Age, e a Helena teve a brilhante idéia de colocar o celulódromo. Não era que você tinha um celulódromo, mas você tinha um espaço para pessoa olhar, parar e pensar. A gente sempre falava: "Permita-se desligar o seu celular, pelo menos na sua hora de almoço. Permita-se. O cosmo agradece".

P/1 - E quem é que montou o cardápio da lanchonete, do restaurante depois? Quem é que fez a seleção dos produtos que iam ser vendidos na loja?

R

- Como a gente já veio de uma história que tinha a Alternativa, ela já vinha com o know how. Então, os produtos que entravam nas prateleiras da Alternativa já tinham que passar por um crivo de ser o mais possível natural, né? Hoje você tem muitos produtos naturais já industrializados. No início você tinha bem poucos. Então sempre foi a Helena quem ficou com essa parte, junto com um funcionário que também veio de lá, o Wilson, quem fazia esse crivo de entrar o produto, você conversar com o fornecedor, você saber de onde que veio. Os produtos que se diziam orgânicos e que não tinham o selo do orgânico e que você não sabia a procedência, tinha que ir visitar. Chegava de repente, às vezes, em um sítio e ia ver como era. Sempre se tentou saber qual é a precedência, qual era o processo de... Hoje você já tem fornecedores com muita história, o que não quer dizer que você abandonou essa coisa de estar sempre buscando acompanhar a procedência dos seus produtos, mas sempre teve isso como desde o primeiro ano que se fundou a Alternativa. Então isso a gente já pegou esse know how deles. Fomos cada vez aprimorando mais, porque depois, com a informática, também ficou mais fácil você ter informações, de ver, qualquer dúvida que você tinha no produto você já ligava, entrava em contato e tentava saber o que... Procedência é fundamental! Porque se você pensa em termos de qualidade do seu produto, você tem que ter um crivo bem rígido em relação a isso, né? E na produção nossa, também já tínhamos várias receitas que vieram da outra loja. Mas nós compramos muito know how, pessoas que, por exemplo, tinha vários fornecedores, a Helena vai poder falar muito mais sobre isso porque essa parte ela acompanhava mais de perto. Eu ficava muito mais com vendas e a parte de fornecedores mesmo era mais com ela. Eu ficava mais na parte de produção, de acompanhar o andamento da cozinha e da vendagem, e ela muito mais com as compras. Mas, por exemplo, se eu queria fazer um salgado diferenciado, a gente só trabalhava com salgados... Como era um loja vegetariana, os produtos de soja, palmito tinha que ser o palmito pupunha. A gente trabalha muito com salgados de abóbora japonesa. Então essas, além de nós termos comprado o know how de várias pessoas

que já faziam, então a gente pagava para elas nos ensinarem, porque sabíamos que elas viviam daquilo e a vida toda foi melhorando, como nesse trajeto nosso todo a gente também foi buscando várias receitas, adaptando, fazendo e aí você caba entrando em um mundo em que você tem como princípios pouquíssimo sal e pouquíssimo açúcar e fazer com que a comida seja maravilhosa. Então, volta de novo às ervas medicinais, certo? Você usa as ervas, a gente usa acho que uns 30 tipos de ervas na nossa cozinha para que elas realcem o sabor dos nossos pratos. Assim, quando você come, você se sente saciado comendo menos e é muito mais saboroso, né? A comida é mais saborosa porque ela tem desde o tempero com as ervas até o fato também de eles serem integrais e serem o máximo possível orgânicos. O sabor é outro.

P/1 - Quais eram as atribuições da loja que a sra. mais gostava de fazer? Onde a sra. gostava mais de atuar ali na loja?

R

- Bom, como professora que era eu sempre gostei do relacionamento humano. Assim, estar nessa parte de vendas, no relacionamento com os clientes, sempre foi muito mais prazeroso. Mas eu não podia ficar só nessa área, então eu sempre trabalhei muito mais na questão da produção, na invenção de receitas novas, tentando buscar novos tipos de pratos, né? Como você fazer um escondidinho, por exemplo, com inhame e não com a batata. Ir fazendo as adaptações das receitas e ir buscando... Sempre escutando também o pensamento dos clientes e tentando implantar.

Porque naturalista é doido para trocar receitas, né? Então, sempre muito isso. Eu queria fazer um parêntese para pegar uma questão muito atual hoje que é a questão do glúten, pode ser?

P/1 - Pode, claro.

R - Então, eu saí da empresa, né? Há dois anos que eu estava já querendo vender, eu estava querendo me aposentar. Com 60 anos, eu achava que já tinha trabalhado desde os 12, já estava mais que satisfeita, então estava querendo mesmo era dar uma parada. E, no fim, acabou dando certo porque a Helena quis continuar, então ela comprou a minha parte. E aí fui voltando para o mato, porque acho que é o que eu sempre gostei, tanto que fui morar em Peruíbe, que a cidade tem uma história na família. Mas para mim é muito rico porque ela está perto da Reserva Juréia-Itatins, então não é só o mar, né? É importante estar perto de rio, perto de cachoeira. Para mim é minha grande paixão. Como eu saí e fui pra lá eu comecei a... Eu não sei se descuidei um pouco da alimentação, o que foi, mas comecei a engordar, não conseguia emagracer mais, sentia o estômago pesado. Coisas que a gente nunca tinha muito visto. Aí comecei a aprofundar os estudos. Falei assim: "Poxa! Mas..." Liguei para a Helena e falei assim: "Helena, você sabe que toda essa história do glúten hoje do trigo é que está pesando muito, muito? É porque nesse tal melhoramento do trigo eles aumentaram em 50% a quantidade do glúten. E o glúten é uma proteína extremamente pesada, então ela é... Quando a gente estava fazendo os nossos pães integrais, vimos que para você fazer um pão bom mesmo você tem que puxar a massa dele, mas puxar a tal ponto que fique transparente e sem quebrar. Então imagine só toda aquela elasticidade, aquela proteína enorme, você imagina aquilo em quantidade dobrada da época que você antes plantava. Falei assim: "Pô! Mas então a gente trabalha tanto pensando sempre na qualidade, no produto que veio da terra. Mas também você esquece que, paralelamente a isso, tem todo um estudo de melhoramento entre aspas, que eles falam, que aumentou tanto a quantidade do glúten no trigo que esse glúten está

provocando alergia. Ele é um alergênico. O que significa ter alergia? Significa que o seu organismo não reconhece mais determinadas proteínas, então seu sistema imunológico vai atacar aquele alimento como sendo um ser estranho que está te fazendo mal. E aí, no momento em que o teu organismo está atacando o teu próprio alimento você está completamente sem sistema imunológico! Seu sistema imunológico começa a ficar enfraquecido. Assim, todo o processo da alergia é isso. Aí eu descobri que tem hoje um ramo dos nutricionistas que está trabalhando nessa linha. É a nutrição funcional. Porque uma das coisas que a gente sempre teve "se não" foi com as faculdades de Nutrição, pois elas sempre andaram paralelas à grande indústria do alimento. Então

é a coisa mais rara saber que alguém se formou em Nutrição e foi para o naturalismo. Não vai! É imcompatível o programa que é dado na faculdade de Nutrição com o naturalismo. Não dá! A pessoa, ela é uma pessoa voltada para os produtos da grande indústria, tanto de alimentação quanto dos ditos alimentos funcionais, né? Então ter descoberto que hoje existe esse ramo da Nutrição, extremamente novo, nossa! Me encantou. Eu fui correndo ver isso como que era. E comecei a comer sem a farinha, ou seja, eu comecei a fabricar meu pão com a farinha de arroz, comecei a fazer bolos sem a farinha branca e percebi que não só eu emagreci rapidamente como eu estava me sentindo leve, não tinha mais nenhum problema no intestino. Já estava, assim, totalmente melhorado, radicalmente. Eu acho que isso está ligado também a questão da idade, né? Onde o anabolismo fica muito maior do que o catabolismo. Também no meu caso teve um pouco isso. Mas, enfim, hoje mais do que nunca precisa começar, além de só ser um naturalista, além de você só falar do integral e do natural, há que rever essa questão da não digestão de determinadas proteínas que estão causando tantas alergias e que estão levando tanto ao câncer. Porque na medida em que todo o seu sistema imunológico se fragiliza, pronto! O câncer é isso, né? Você pegar as doenças cujo o sistema imunológico está totalmente fragilizado, fora toda essa questão da respiração. Então a questão do glúten é uma questão que precisa, né? O pessoal fala: "Pô, você não está mais comendo pão. Como é que você faz? Então você não come mais nada!" (risos) Eu falo: "Pelo contrário! Hoje eu como de tudo, porque vocês é que não comem! Você levanta e come o pãozinho com leite, depois você vai almoçar o arroz e feijão." Assim, quando você para de comer a farinha, você enriquece muito a sua alimentação, porque você amplia muito o leque. Nordestino come inhame de manhã e come o cuscuz que eles fazem, que é do milho, e não tem tanto esse problema quanto nós, paulistas, estamos tendo. Tem que se pensar um pouco isso.

[TROCA DE FITA]

P/1 - A Sra. falou sobre a importância de se conhecer um pouquinho sobre as propriedades dos alimentos. Você acha importante o funcionário ter esse tipo de conhecimento também, para orientar os clientes?

E a loja investe para que o funcionário tenha esse tipo de conhecimento?

R

- A loja tem uma preocupação muito grande com todo funcionário, principalmente aquele que fica no atendimento aos clientes mesmo, né? Mas os que ficam atrás também! Como eu tinha falado antes, a gente dá cursos de formação para todos eles que entram, para todos de forma geral. Para quem trabalha no processo de produção, que está na cozinha, também. E quem vai para o atendimento, no caso do almoço, eles tem um curso de formação mais rápido, porque aí a gente dá um texto para eles, explicando bem o que é produto integral, o que é produto orgânico, o que é um produto biodinâmico, que é muito mais que orgânico, né? A diferença do biodinâmico é que além dele não ter agrotóxico nem nada, o produto sofre um processo de dois anos de desintoxicação da terra antes de começar a produzir, então ele é muito mais que orgânico. O que é o arroz cateto, o que é o arroz agulha, por que a gente trabalha mais com a lentilha e com o feijão azul. Então, toda essa parte, para quem faz o atendimento do restaurante, eles tem todo esse texto, a gente senta, conversa. O que é um aditivo, o que não é, por que nosso produto é diferente dos produtos de qualquer outro supermercado. Até porque os clientes perguntam, né? "O que é isso? O que é aquilo?" Eles têm que saber explicar. No caso de quem é o vendedor, esse tem um processo muito mais amplo de atendimento, então ele passa... O Wilson, que cobre esta parte, ele está conosco desde que montou-se a loja, então mais de 17 anos, é ele quem faz essa parte de atendimento ao cliente de forma geral e, portanto, que dá o treinamento. Óbvio que quando eu estava na empresa quem dava esse treinamento era eu. Desta forma, dentro, por exemplo, da parte de fitoterapia, a gente tem um compêndio que tem todos os fitoterápicos que a gente trabalha. São quase 400. Dos que tem estudos, desde os princípios ativos, as indicações, contra-indicações, lactação, se criança pode ou não, todos os que têm estudos a gente tem a informação e estão catalogados e esse compêndio está lá para mostrar aos clientes que quiserem saber. Da que a gente fala farmácia caseira, que seriam os fitoterápicos, desde planta toda, que é essa a diferença, né? Ele é considerado mais um alimento do que um medicamento no conceito fármaco-científico, no caso. Aí os que tem extratos, os que são tinturas, ou seja, que passaram por um processo de extração, que são considerados, então, mais medicamento. Essa parte, a pessoa precisa ter muitos anos de loja para dar qualquer informação para o cliente, se não ela não dá. Quem dá é o Wilson, que já tem essa bagagem, ou a Helena ou eu, quando estava lá. Agora, da parte do empório, que você está vendendo os produtos, a gente não só ensina a fazer, dá as receitas corretas, as pessoas vão fazer uma soja e não sabem que, se é o grão, tem que dar aquele choque térmico para tirar o gosto, que é uma toxina, né? Como também a soja, a proteína desidratada de soja, que eles falam: “Ah, você tem hidratar” Não. Não pode hidratar se não vai ficar com o gosto aguado. Você tem é que por um tempero e não uma água. Todas essas dicas de cozinha, de alimentação, o funcionário que está no atendimento tem que saber para poder falar para o cliente. Então nós ensinamos também como fazer de forma mais saudável. Ninguém tem, nós não temos esse conceito de que nós temos uma receita e ela tem que estar a sete chaves, guardada em um cantinho. Não. Pelo contrário! Nós temos um conceito de que temos que tentar socializar o nosso conhecimento o máximo possível, para todo mundo ter. Então, por exemplo, se eu vou fazer um doce eu não uso um leite condensado, porque tem açúcar branco. Eu tenho que fazer o meu leite condensado com açúcar mascavo, com açúcar demerara, que é o açúcar que ainda contém ferro. E, mesmo assim, a gente sempre fala: “Tem que ser com pouquíssimo, porque açúcar de mais faz mal.” Então é super importante essa parte de formação dos funcionários, porque para nós é importante passar esse conhecimento para o cliente de forma geral. O cliente que chega na nossa loja é uma pessoa que quer saber mais sobre o seu alimento. Ele quer aprender! E a gente está lá para isso.

P/1 – A Sra. Mencionou lá atrás a reposição da mercadoria, como vocês costumam não entulhar a loja de mercadorias. O que é vendido vocês repõem na mesma medida. Como é que funciona o estoque na Alternativa?

R – Com muito controle. Muito controle. Hoje, a parte de estoques da Alternativa é bem controlada. Então, primeiro isso que você não trabalha com grandes estoques, né? Mas os produtos entram pela lateral da loja, vão para o fundo, lá dentro você já tinha a nota do pedido, daí vai no computador comparar o que chegou, se o pedido seu bateu. Se bateu, já solta as etiquetas, os produtos já são etiquetados e uma parte vai para a loja, com um repositor de mercadorias, e outra parte, que não cabe na loja, já vai para uma outra caixa, em uma prateleira devidamente etiquetada pra fazer. Os produtos que começam a entrar na margem da data de validade também têm funcionários específicos para isso, que estão sempre olhando. A gente não admite ter um produto com data vencida na loja. Pode até acontecer, mas não é para acontecer! Porque tem um funcionário que faz esse serviço, assim como também os da geladeira. Da geladeira que eu quero dizer é a geladeira da cozinha. Você comprou um alface, ele está lá no cantinho, tem que ser usado, então tudo é marcado a data de validade. Tem um funcionário que é encarregado disso: todo dia, final de expediente, ele vai vistoriar todas as geladeiras para você ter o controle dos produtos, da validade e do controle da qualidade.

P/1 – E a Sra. sabe dizer qual é o produto mais vendido na Alternativa?

R – Ai, não saberia te responder isso assim não. Teria que ver com a Helena. Na verdade, cada setor você tem... Por exemplo, setor de grãos! Arroz integral, que é o mais vendido. Aí se você pegar dos açúcares, mel é mais vendido do que açúcar. Nos sucos... A loja é setorizada, né? Por prateleiras. Aí você tem as farinhas. Em cada setor você vai ter um que é o mais vendido, mesmo na farmácia caseira. Mas quem vai poder te responder isso na ponta da língua é a Helena. Como eu estou afastada da loja há praticamente quatro anos, que já fazem dois que eu saí em definitivo, mas dois anos antes de eu sair em definitivo eu já estava fazendo um movimento de ficar pouco. Assim, eu ficava quatro meses, a Helena ficava oito. Eu já estava me retirando da loja. Então esse acompanhamento assim eu não saberia te responder. E só pegando a questão, nós temos o controle, de três em trem meses, de produtos que não são vendidos. Você tem relatórios hoje, tá certo? Por quê? Porque um produto que entra em uma prateleira ele paga um aluguel caro. Não é barato não. Desta forma, ele não pode ficar mais de três meses sem ser vendido. Se ele ficou, sai da linha, do mix da empresa. Ou às vezes não sai, mas então um cliente em especial que precisa daquele produto e você acaba ainda comprando. Mas hoje a Helena tem esse quadro: não só os produtos que vendem mais como os que não estão sendo vendidos e que você tem que tirar. De três em três meses é feito o relatório.

P/1 – Como é que a Alternativa lida com essa preocupação sobre as embalagens? Dá preferência para as embalagens que sejam de plástico biodegradável ou de papel reciclado? Como é?

R – Pois é. Essas são, como falam, as grandes incoerências da vida, né? É bem difícil você conseguir fazer isso. Por exemplo: a embalagem dos chás não é a ideal. Mas também não tem como você trabalhar com a ideal. Você vai trabalhar com papel manteiga, que seria um papel mais ideal? Não dá! Você acaba pondo em um plástico. Não é o ideal. A questão dos copos: nós não trabalhamos com copo de vidro agora. É impossível! Entram 500 clientes em uma loja, eu não dou conta de garantir uma lavagem correta de um copo, entendeu? Mesmo que tivesse... Cada máquina de lavar que você compra, aquilo não é barato, é um investimento alto, você teria que ter muitas para dar conta dessa demanda. E essa é uma das grandes incoerências nossas. Desde que abriu a gente fala (risos) que não gostaríamos de trabalhar com alguns produtos que são ditos nocivos ao planeta e a gente não conseguiu ainda estar dentro de uma coisa mais ideal. As sacolinhas plásticas estamos acabando com elas, estamos botando sacolinhas de papel, estamos vendendo uma sacolinha de algodão a preço de custo para os clientes que querem ter, levar. Muitos levam já a sacolinha quando vão fazer as compras. Então a embalagem da compra não é tão complicada, mas a embalagem dos produtos ainda é muito complicada. Para levar para casa você está trabalhando com, bom, isopor. Embalagens de isopor. Nossa, não degrada! E aí, como faz? Você trabalha com a de alumínio. Poxa, mas alumínio você põe o alimento quente e contamina o alimento. A gente já está cansada de saber que não se deve fazer comida nas panelas de alumínio, que o alumínio contamina toda a nossa ossatura, né? Mas você acaba trabalhando ainda com a embalagem de alumínio. As indústrias ainda não avançaram nessa parte e nós ficamos impotentes perante isso. E também a questão do preço. Você fala assim: “Ai, então eu vou por o copo de vidro, vou por de qualquer jeito.” Tá, mas então eu vou ter um funcionário que vai trabalhar com isso, vou ter que ter mais três máquinas para lavar e aí você está gastando também mais eletricidade. Tem toda uma coisa do custo do produto que, quando você está ali, você acaba nas contradições.

P/2 – E por haver todo esse rigor no controle dos prazos de validade, vocês conseguem trabalhar com produtos naturais importados?

R – A gente tem pouquíssimos produtos importados. Pouquíssimos. Algumas vitaminas, alguns chás e temperos, temperos indianos, mas a gente trabalha com pouquíssimo importado. Na verdade a gente tenta valorizar cada vez mais o pequeno produtor, sabe? Essa coisa do glúten que eu estava falando para vocês, a dona da fábrica Aminna, que hoje trabalha com grandes produtos sem glúten e sem leite, é uma desbravadora. Foi tentando, buscando receitas, fazendo e acontecendo. Então você tem pequenos produtores que você tem que estar também cada vez mais incentivando. Não é que os produtos importados não são valorizados, é que a gente acha que dentro do Brasil você tem uma gama grande que dá para você trabalhar com ela sem tanta necessidade... Essa é uma grande questão do agronegócio: se a gente produzisse alimento, cada país para o seu país, cada região para sua região, você não teria necessidade de grandes plantações com tanto agrotóxico, com tanta coisa, entendeu? Tanto transporte. Eu acho que o grande caminho para você conseguir melhorar o planeta era transformar mesmo a questão da agricultura familiar. Você vai plantar para aquela região. Por que eu tenho que produzir aqui em São Paulo e mandar lá para Manaus? Não! Manaus produz os seus. E para a China então, nem se fale! Quer dizer, você fica produzindo alimento para mandar pra tão longe? Mas isso é uma coisa completamente ilógica, em termos de você pensar para melhorar o planeta. Não é por aí.

P/1 – A loja trabalha com entrega de mercadorias? Com delivery?

R – Não. Nós tentamos. É outra coisa extremamente complicada você trabalhar com motoqueiro, que vai fazer essa entrega. Não tem outro veículo. Os motoqueiros não têm faixa para circular própria, é extremamente complicado. É uma questão de plano de saúde. A gente tentou por delivery sim, mas a gente achou que não dá, não compensa e a gente quer que os clientes venham conhecer a loja: “Vem aqui conhecer, vem saber, vem se informar.” Talvez se tivesse uma forma mais adequada de meio de transporte, de você estar... Porque não adianta! É o motoqueiro mesmo. Se por em um carro vai ficar em um custo absurdo. Talvez se eu estivesse trabalhando com uma forma mais razoável de o motoqueiro trabalhar, talvez desse. Mas do jeito que está... Apesar de que a pizza não tem jeito, né? Engraçado que eles falam: “Nossa, eles adoram quando a gente vai entregar pizza na casa, mas no trânsito xingam a gente!” (risos) Eu falei: “É...” Faz parte das incoerências que eu estava dizendo. (risos)

P/1 – Partindo agora para um lado mais final da entrevista, e pessoal, como é o seu dia a dia hoje? Qual é a sua principal atividade?

R – Meu dia a dia hoje? Ah, está maravilhoso! Estou aposentada. Então, assim, primeiro o ritmo de ser da gente é muito dinâmico, né? Não tenho característica de me aposentar e parar. Assim, quando eu cheguei em Peruíbe, fui procurar uma instituição que desse para fazer um voluntariado e estou dando aulas de artesanato com recicláveis para as crianças, dentro de uma instituição católica, que eles tem 350 crianças que de manhã vão para a escola e à tarde vão para lá para ter aula de reforço. É um projeto dos italianos, padres italianos, famílias italianas católicas que bancam, apesar de que também agora eles têm subsídio da Petrobras com a banda, com o ballet. Já houve projetos também do Banco do Brasil na questão da computação, da iniciação ao primeiro emprego. Eu falei que já estava há quatro anos tentando sair, né? Então eu já estou há quatro anos com o trabalho dessa coisa de fazer artesanato com as crianças com recicláveis. Você discute toda a questão da ecologia com elas, porque você está trabalhando com os recicláveis, mas também a questão da ordem, da organização. Porque aí você tem todo um trabalho de uso da água, do uso do detergente. Tem todo um trabalho educativo por trás também. No resto, assim, estou pintando, estou me dedicando um pouco à arte. Nem sabia que tinha esse dom. Então a gente tem uma professora com um ateliê lá e formamos um grande grupo de amigas, tudo em torno do ateliê. Formou-se um grupo de amigas mesmo. Tanto você troca em termos de trabalho artístico que você está fazendo até a coisa de que se reúne. Fora isso eu moro ao lado do mar, 50 metros do mar, e estou há 500 metros das cachoeiras da reserva Juréia-Itatins, então tem essa coisa da fotografia da mata atlântica, que estou tentando trabalhar com isso, e esse ano em especial foi o filho de um amigo nosso que foi para lá e que é um engenheiro agrônomo. Assim, já estou até vendo que vou entrar em um trabalho com ele (risos), porque ele está fazendo um trabalho de horta em escolas de periferia e eu já quero entrar com a medicina caseira, entendeu? Ensinar o pessoal a usar mais arnica, usar... Mas isso a gente ainda está conversando. E é assim: a gente não para. A gente é um eterno buscar, ver, fazer. E vamos morrer aprendendo, né?

P/1 – A Sra. sente falta do comércio?

R – Ah, não. Não. Está muito bom ter vindo aqui, a Helena foi viajar e eu estou dando uma força para ela de ficar aí, porque ela está fazendo reforma, então não dava para ficar a loja sem ela.

Falei: “Ah, não. Eu vou, fico.” Mas é muito bom você ser visita, entendeu? Não quero. Estou me sentindo muito bem fazendo hoje só aquilo que me dá só prazer. Não tem mais esse desgaste de stress de São Paulo, porque lá eu moro em uma cidade de 50 mil habitantes, então não tem trânsito, com toda a natureza do entorno. E aí eu comprei uma casa que, obviamente, tinha que ter um quintal pra eu ter minha horta orgânica. Então, eu tenho minha horta que eu cuido, eu tenho o meu pé de limão pra eu fazer minha caipirinha. Eu colho o limão no quintal, tá certo? (risos) Eu acho que tem uma hora que você tem que parar mesmo, né? E aí agora é só curtir. Estou voltando do pantanal. Eu fui pra Cuiabá, pantanal do Mato Grosso, porque eu já conhecia o pantanal do Mato Grosso do Sul. Agora fui conhecer lá o pantanal. Aliás, foram queimadas dolorosas lá. Tristes. Mas é isso! É viajar, conhecer o Brasil, porque eu nunca tive opção de ir muito para o exterior. Nunca. Engraçado, né? Fui conhecer Machu Picchu, porque tem as coisas desde ligado à agricultura, porque os caras eram sábios, até a questão da natureza. Então, alguns lugares fora do Brasil, eu fui, Mas os meus passeios sempre foram pelo Brasil, entendeu? E ele é muito grande! Tem muita coisa boa.

P/1 – E de fazer compras? A Sra. gosta?

R – Ah, quem não gosta de comprar, né? (risos) Desde uma blusinha pra você ficar mais bonitinha até presentes. É tão bom presentear! Eu gosto. Eu gosto de comprar, sim. Mas nunca... Não sou... Se você me perguntar marca de tênis, marca de... Não sei! Até, outro dia, foi tão engraçado. Uma pessoa falou lá uma marca e eu: “Mas quem que fabrica? Que fabricação é essa?”, “Não. Isso não é fabricação nenhuma. Isso é um modelo!”, “Ah, bom!” (risos) Então, eu não conheço. Não sei. Não conheço grife, não sei nenhuma quase, entendeu? Nunca me importei com isso. Na minha adolescência eu era uma hipponga, como dizem, né? (risos) Mas não quer dizer que eu não goste de por uma roupinha da moda também, que eu ache bonitinha. As coisas que eu tenho... Eu tenho um jeito de me vestir e de ser. Se aquilo está adequado e eu gosto, é bonito aos olhos, eu gosto. Agora, gostar de fazer compra, no sentido que as mulheres gostam, de ir pra shopping e ficar olhando, isso não! Não é minha praia.

P/1 – E a Sra. acompanhou ali, ficou bastante tempo no bairro da Vila Madalena. A Sra. chegou a notar alguma diferença, alguma mudança no bairro, nesse tempo que ficou e viveu ali?

R – Nossa. A Vila Madalena tá completamente diferente, né? A primeira vez que eu vim para a Vila Madalena, a gente fazia sopão na rua, porque ainda tinham muitos estudantes por aqui. O pessoal se reunia no bar e tal. Quando chegava, tipo, dez horas que você estava ali conversando, jogando conversa fora, chegava uma turma e falava assim: “Vamos pro CEASA?”, “Vamos! Que que a gente vai fazer hoje?”, “Ah, vamos fazer um grande sopão!”, “Vamos fazer um assado!”. Saiam, pegavam o carro e iam lá no CEASA comprar não sei o que e a comida era feita na rua. E a Vila Madalena era estritamente um local mais de estudantes e artistas. Você tinha plásticos, muitos, né? O PV nasceu na Vila Madalena. O Penna, conheço o Penna de quando a gente começou a freqüentar a Vila Madalena, que começou a Associação Cultural. No início da feira, da grande feira da Vila Madalena, que passou por vários problemas, né? Hoje eu já não acompanho mais, mas a feira, quando iniciou, a Feira Cultural da Vila Madalena era uma feira de artistas. Depois ela começou a vender produtos meio que industrializados, né? Aquela coisa meio feita em... E começou também com muita bebida, muitos palcos pra shows. Começou a haver muito mais essa coisa de diversão extrapolada, né? Que não enriquece. Aí tiveram várias discussões e até nós participamos bastante desse processo de discussão, de reformulação, de voltar. Então, abre a inscrição para quem vai participar, mas também: “Quero ver o que você vai por”. De voltar às origens, resgatar mesmo como era antigamente. Agora, eu não acompanhei mais como que ela ficou. O processo ainda desse retorno, eu participei de todo ele e tal. E depois começou assim, então, a vir a noite, né? Começou a crescer na Vila Madalena. Veio um bar, veio outro. Veio esse grupo de empresários que acho que devam estar com uns dez bares hoje, né? Começou com um, dois, três... Cresceu muito. Pinheiro sempre foi um foco de diversão. Sempre foi muito rico nessa área. Então, a Vila Madalena, acoplada a Pinheiros, foi um prato cheio para acontecer. Nós participamos de muitas discussões dentro da Subprefeitura, sobre a questão do barulho, sobre a questão de... A gente até tentou fundar uma associação dos comércios locais da Vila. A associação não foi pra frente, não sei. Parece até que agora estão retomando, criando outra. Que era mais nesse sentido mesmo, de tentar, desde esse olhar de cuidado com o barulho e tudo, de tentar ver essa questão, como ainda resgatar essa coisa da arte. Daí também começou o roteiro da... Enfim, as mudanças são naturais, salutares, desde que sempre tenha-se essa preocupação com o cuidado. Não pode, de repente, você expulsar todos os moradores que aqui existiam em nome que você tenha um comércio local que é de diversão e a diversão extrapola de dentro do recinto, dos bares e dos restaurantes para as ruas, e acaba virando uma anarquia. Mas eu acho que São Paulo é uma cidade tão preocupada com tudo isso, de forma geral, né? Que como é uma grande cidade, se ela não tomar esse cuidado... Então ela sempre se cuidou. Eu nunca achei que isso extrapolasse de uma forma... Acho mais preocupante a garotada que está bebendo muito cedo hoje do que o barulho da atual Vila Madalena, entendeu?

P/1 – E a Sra., que foi por parte significativa da vida uma educadora, que lição a Sra. tirou dessa parte de comerciante? O que a Sra. aprendeu com o comércio?

R – Nossa. Aprendi tudo, né? (risos) Tive que aprender muito sobre produtos naturais, estudar mais ainda, porque a gente conhecia pouca coisa. E desde aprender a administrar um negócio. Como eu tinha falado, eu era uma sindicalista, então eu só pensava no lado do trabalhador e eu tive que começar a aprender do lado do patrão. De ser uma empresária, de ter que pagar corretamente todo dia trabalhado, sem atrasar nenhum dia, porque isso é sagrado. A pessoa trabalha, tem que receber. Até a questão de como estar sempre melhorando, de como você faz para estar sempre rico o teu negócio. A gente ainda tem muita dificuldade com isso, porque a forma, como eu tinha mencionado, com que a pequena empresa é administrada é muito cruel. E mais cruel estå sendo agora com os preços dos imóveis. Triplicaram assustadoramente aqui na região. Consequentemente o aluguel também triplicou. Então... O comércio todo funciona à base de aluguel. Até banco aluga, né? Imagina um comércio pequeno, onde você tem um capital menor. É tudo alugado, então o preço que ficou o aluguel está sufocando muito. Muito mesmo. Mas, estamos aí, né? (risos) Eu não! Eu estou saindo.
P/1 – A Sra. tem algum sonho?

R – Eu tenho um sonho de que eu continue envelhecendo do jeito que eu estou: tranqüila, em paz, tentando ter saúde, passeando muito, fazendo os meus raftings ainda (risos). Mas eu nunca fui de ter sonhos muito altos. Eu prefiro sonhos no dia-a-dia, aqueles que você vai... Sabe? Viver bem, né? Viver prazerosamente, gostando, estando tranqüila, rindo, brincando. Chorando também, né? Mas principalmente passeando. E ter um olhar para o outro. Essa coisa do voluntariado eu acho importante. Eu acho que você tem que dar, se você tem para dar. Não no sentido de dar, no sentido de doar: “Ó, estou dando sem tirar nenhum pedaço meu. Estou dando pelo prazer de dar”. Então, no sentido de uma doação mesmo. Eu acho que eu recebi muito da vida, então eu tenho que dar também. É isso que leva, né? Os sonhos são esses.

P/1 – E o que a Sra. achou de ter participado da entrevista? De ter dado o seu depoimento, a sua história de vida aqui?


R – Eu tinha já participado uma vez de uma entrevista relacionada a uma tese de mestrado. O pessoal estava fazendo, da USP, do movimento de professores, né? Mais aí foi uma coisa bem menor, foi uma conversa rápida, porque era também um trabalho que envolvia muito mais pessoas. Não sei. Na verdade você faz um remeber, né? (risos) E fazer um remember é bom! De vez em quando você olhar pra trás e ver tudo. Não sei. Vamos ver o que vai sair depois, né? (risos) Mas gostei, gostei de fazer o remember com vocês, especialmente porque vocês também tem esse lado de identificação comigo, né? Então foi prazeroso, foi bom.

P/1 – E tem alguma coisa que a gente não tenha perguntado ou abordado e que a Sra. gostaria de falar?

R – Não. Não lembro. Acho que cobriu tudo.

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Então, em nome do SESC e da equipe do Museu da Pessoa, agradeço muito a sua participação. Muito obrigado!