Museu da Pessoa

Vida no interior

autoria: Museu da Pessoa personagem: Antonio Carlos Moral Marcos

Plano Anual de Atividades 2013
Projeto Nestlé - Ouvir o Outro Compartilhando Valores – Pronac 128976
Depoimento de Antônio Carlos Moral Marcos
Entrevistado por Tereza Ruiz
Mirandópolis, 04 de julho de 2014
Realização Museu da Pessoa
NCV_HV32_Antônio Carlos Moral Marcos
Transcrito por Liliane Custódio


P/1 – Então primeiro, Antônio, eu vou pedir pra você falar pra gente seu nome completo, data e local de nascimento.

R – Antônio Carlos Moral Marcos, nasci em Santa Adélia, Estado de São Paulo, em nove de julho de 1958.

P/1 – Agora o nome completo e data e local de nascimento, se você lembrar, do seu pai e da sua mãe.

R – Meu pai é Abelardo Marcos Rodrigues, nasceu em 31 de dezembro de 1919, em Novo Horizonte. E minha mãe é de 26 de dezembro de 1922, em Santa Adélia.

P/1 – Antônio, o que seus pais faziam?

R – Meu pai trabalhava no comércio de café, e minha mãe era professora do Estado.

P/1 – Seu pai era comerciante?

R – Meu pai tinha uma origem rural, trabalhava com café, aí começou já aos 18 anos trabalhar no comércio de café e trabalhou a vida inteira com isso.

P/1 – E sua mãe era professora, você disse?

R – Minha mãe era professora primária, do Estado.

P/1 – Conta um pouco como eles eram como pessoa, de temperamento, personalidade.

R – Meu pai é bastante comunicativo, ele tem muito estímulo, muito interesse em saber das pessoas, pergunta tudo, quer saber tudo e guarda tudo, tem uma boa memória, tal. E essa característica, eu acho que ajudou na profissão dele, no comércio. E minha mãe era bastante calma, tranquila, compreensiva, então ela cuidava bastante da gente, meu pai viajava, a gente morava lá em Santa Adélia, no interior. Depois, em 64, quando eu tinha seis anos, nós mudamos pra São Paulo.

P/1 – Eu vou te perguntar dessa mudança. Só voltando um pouquinho, você tem irmãos?

R – Nós somos quatro irmãos. Eu sou o mais novo.

P/1 – Qual o nome dos seis irmãos? O que eles fazem?

R – Os três são engenheiros. O Paulo Afonso é o mais velho, José Roberto e Abelardo.

P/1 – Todo mundo engenheiro? Agrônomo? É isso?

R – Não. O Paulo é engenheiro mecânico, engenheiro de segurança; o Zé Roberto e o Abelardo, engenheiro civil, os dois fizeram civil.

P/1 – Você sabe qual é a origem da sua família? Seus avôs, ou bisavôs, de onde eles vieram?

R – Todos da Espanha. Todos. Os pais do meu pai e os pais da minha mãe.

P/1 – E você chegou a ter contato com eles? Eles te contaram por que eles vieram para o Brasil, o que eles vieram fazer quando chegaram ao Brasil?

R – Foram os avôs do meu pai que vieram. O meu avô era pequeno, em 1895, e vieram em busca de trabalho, a situação difícil na Espanha naquela época. Eles chegaram aqui pra trabalhar no café. Naquele tempo, eles faziam um sistema de parceria. Mas com cinco, seis anos trabalhando no café, eles já conseguiram comprar uma terra.

P/1 – Isso em Santa Adélia, ou não?

R – Naquela região. Naquela região de Santa Adélia.

P/1 – Então vieram trabalhar como produtores rurais mesmo?

R – Exatamente. É.

P/1 – E seu pai prosseguiu até trabalhar com comércio?

R – Meu pai prosseguiu, começou a trabalhar com comércio cedo, e depois comprou já alguma propriedade rural. Em 1951, ele comprou uma propriedade aqui em Mirandópolis.

P/1 – Qual o nome da propriedade?

R – É Fazenda Santa Maria. É onde eu tou hoje.

P/1 – Conta um pouco pra gente, nessa fase de infância, como era a casa que você morava, como era o bairro.

R – Eu nasci, meu pai já morava numa casa boa, numa casa bem no Centro de Mirandópolis, ao lado da igreja matriz, em frente à praça, em 58. E a primeira infância minha foi lá. Então era um lugar tranquilo, a gente tinha contato com a área rural.

P/1 – Era em Mirandópolis ou Santa Adélia.

R – Lá em Santa Adélia. Aí em 64, com seis anos, é que nós mudamos pra São Paulo.

P/1 – Essa casa de Santa Adélia, você tem recordação de como era a casa assim pra descrever um pouco?

R – Sim. Sim. Era um sobrado, uma casa grande, e no fundo, o terreno era grande, tinha uma área de terra e tinha uma edícula onde morava uma moça que trabalhava com a gente, cuidava da gente. E essa senhora, ela era solteira, ela acabou morando com a gente por 35 anos.

P/1 – Como era o nome dela?

R – É Aparecida. Cida.

P/1 – E você falou que vocês tinham contato com a zona rural, porque já tinha o sítio ou uma propriedade, na época, próxima? Como era isso?

R – Tinha uma propriedade, mas eu ia com o meu pai, ele ia visitar algumas propriedades já trabalhando como comerciante, então eu lembro alguma coisa disso. Mas eu saí de lá com seis anos.

P/1 – Bem pequeno.

R – É. Pequeno, novinho.

P/1 – E por que vocês se mudaram pra São Paulo?

R – Mudamos por alguns motivos: primeiro, que meu pai no comércio de café tinha um sócio, o irmão dele, e a negociação era principalmente em São Paulo e Santos. E naquele tempo tinha dificuldade de comunicação, ele tinha que ir a outra cidade pra telefonar, era difícil. Então ele achou que ficando em São Paulo ia facilitar esse trabalho dele. E também meus irmãos mais velhos estavam já em idade de cursinho, de faculdade, ele achou melhor a gente ir pra lá.

P/1 – E como foi essa mudança assim, você lembra? Onde vocês foram morar em São Paulo e qual foi a sua impressão quando você chegou a São Paulo? Qual era a diferença da casa, o bairro, a cidade?

R – O bairro é o bairro de Indianópolis e era uma casa também muito boa, tal. E eu lembro que a gente andava de bicicleta, jogava futebol nos terrenos por ali, tinha umas praças. Eu tenho um irmão que tem um ano e três meses de diferença de mim, então a gente brincava junto e tal.

P/1 – Você estranhou muito quando chegou? Você lembra qual foi sua impressão?

R – Não. Não estranhei muito. O que mudou foi que em Santa Adélia eu não ia à escola. E quando eu mudei pra lá, eu entrei no pré, pré-primário e tal, e passei a frequentar a escola, isso foi uma mudança. Mas eu gostava da escola, tal, e foi legal.

P/1 – E o bairro pra qual você mudou, como ele era na época? Era um bairro mais residencial? Descreve um pouco.

R – Residencial. Um bairro residencial. Era um bairro tranquilo, então a gente ficava andando de bicicleta. Acho que não tinha tanta preocupação, naquele tempo, com segurança, era mais tranquilo. Então a gente ia à praça, ia à padaria, ia ao mercado. Era legal.

P/1 – Vocês moraram quantos anos em São Paulo? Você morou quantos anos?

R – Então, eu morei dos seis aos 17.

P/1 – Ah, bastante tempo vocês ficaram ali.

R – Que eu estudei até terminar o colégio, o nível médio, aí eu entrei na faculdade, em Piracicaba, então com 17 anos eu saí de São Paulo, fui pra Piracicaba.

P/1 – E nessa fase de infância ainda, você mencionou algumas brincadeiras, eu queria que você contasse um pouco do que vocês brincavam, com quem você brincava.

R – Então, em Santa Adélia, a gente tinha alguns amigos, uns vizinhos, os meninos lá da vizinhança, tal. Principalmente futebol, bicicleta. Principalmente isso.

P/1 – Tinha uma brincadeira preferida?

R – Ah, acho que era o futebol. Jogando futebol, andando de bicicleta na praça.

P/1 – Em São Paulo também você jogava futebol?

R – Também.

P/1 – E jogava aonde?

R – Tinha um terreno perto de casa, jogava em casa, no corredor, na garagem. Então brincava, arrumava um jeito de brincar.

P/1 – E as refeições na sua casa, você lembra, nessa fase de infância, o que vocês comiam, quem cozinhava, como era o momento da refeição?

R – Então, na refeição, a gente esperava pra almoçar todo mundo junto, sempre tivemos esse hábito de almoçar todo mundo junto. Minha mãe chegava da escola, a gente também chegava, aí reunia todo mundo pra almoçar. Sempre a Cida, essa senhora que trabalhava com a gente e morava com a gente, ela que organizava tudo, minha mãe tava na escola. Mas a gente reunia, tudo, pra almoçar. E ficava minha mãe lá no meio de cinco homens. Mas era bom.

P/1 – E o que vocês costumavam comer? O que era a base da alimentação nessa fase de infância?

R – Ah, acredito que arroz, feijão, bife, salada, alguma verdura. O básico aí.

P/1 – E vocês tinham na sua casa, nesse momento de refeição, o hábito de contar história, de conversar?

R – Sim. Sim. Contava as histórias, cada um do seu meio, da escola, minha mãe contava. Meu pai viajava um pouco, ele vinha pra cá, ele ia pra Santos, mas a maior parte do tempo, ele tava em casa. Então a gente contava histórias. Outra coisa também é que a gente... Acho que era o único da família do meu pai que tava na capital, então a família dele, uma família grande, 11 irmãos, e bastante gente, então era um ponto de apoio para o pessoal da família. Precisava ir pra São Paulo por qualquer motivo, trabalho, médico, motivo de saúde, ficava em casa. Então uma coisa que eu lembro, que em casa, muitas vezes, uma grande parte do tempo tinha algum parente, algum primo, uma prima, um tio, que ficava lá em casa alguns dias. Isso era uma coisa comum. Minha mãe gostava de receber, era muito atenciosa. A minha mãe faleceu há sete meses, e o meu pai tá lá em São Paulo, ele mora lá, tá com 94 anos. Mas então sempre tinha parentes, sabe? A minha casa era agitada naquele tempo.

P/1 – Você lembra se tinha entre esses parentes, ou da sua família mais próxima mesmo, um contador de causo, essas pessoas que gostam de contar história?

R – Ah, sempre tinha. Com certeza. Tinha um pessoal que contava as histórias, as histórias lá de Santa Adélia, as histórias de quando meus avôs vieram, as histórias do meu pai.

P/1 – E tem alguma dessas histórias que tenha ficado gravado na sua memória, uma coisa que você não tenha esquecido, que tenha sido marcante?

R – Ah, eu acho que são muitas histórias. Mas uma coisa que me marcou assim, de ver nessas histórias todas, essa noção do tempo que eles tinham. Pra vir de Santa Adélia até Mirandópolis, as estradas eram de terra, tinha que atravessar o córrego, que não tinha ponte, então essa viagem demorava dois dias. Então como demorava tanto tempo, vinha aqui e ficava pelo menos uma semana. Então eu vejo que as coisas, assim, eram devagar, então isso aí acabava proporcionando muito tempo pra contato entre as pessoas. E isso é uma coisa que mudou muito. Hoje se eu vou visitar alguém, eu viajo, chego lá... Ou um primo meu vem aqui, ele chega aqui... Viaja de manhã, chega, almoça, conversa rapidinho, troca alguma coisa, e ele vai embora. Quer dizer, ele fica duas horas, três horas aqui. Todo mundo tem muito compromisso, é muito corrido, e acaba sobrando pouco tempo pra contato.

P/1 – É um ritmo de vida muito diferente.

R – É. O ritmo mudou muito.

P/1 – Antônio, vocês tinham o hábito de beber leite na sua casa?

R – Sim. Bastante.

P/1 – E em que ocasiões? Assim, como era preparado?

R – Ah, a gente tomava o leite de manhã, quente com café, à tarde tomava leite gelado com achocolatado, e às vezes à noite. Na época mais quente, gelado; no inverno, um leite quente com chocolate também,

P/1 – E vocês sabem de onde vinha esse leite que vocês consumiam, onde vocês compravam? Qual era a origem?

R – A gente comprava na padaria. Era o leite B, naquele tempo.

P/1 – Vinha em saquinho? Como era?

R – Vinha numa garrafinha de vidro um tempo, depois passou a vir nessa embalagem Pak aí, sei lá.

P/1 – Caixinhas?

R – Aquelas caixinhas.

P/1 – E café? Você mencionou café com leite. O café, vocês tinham o hábito de consumir também?

R – Sim. Meu pai trabalhava com café, a gente tinha... Ele acabou, aqui na fazenda, plantando café, tinha café. E ele tinha uma maquininha de torrar, moer, a gente empacotava, então tinha sempre um café bom, fresco em casa. E tinha esse hábito de café da manhã, depois tomava café depois do almoço, e às vezes no final da tarde, no meio da tarde.

P/1 – E como era preparado o café?

R – O café era coado com coador de pano naquela tempo. E tomava o café puro mesmo.

P/1 – Nessa fase de infância, você lembra o que você queria ser quando crescesse?

R – Não. Eu lembro quando eu tava já talvez no final do ensino fundamental, por aí, que eu via meus irmãos… era o assunto de engenharia, como os três são engenheiros, então os mais velhos, eu via o assunto de engenharia. Então, eu comecei a ter contato com os estudos dos meus irmãos, os dois estavam fazendo Engenharia. Então acho que tinha esse assunto em casa, eu achava interessante, eu pensava em Engenharia.

P/1 – Mas alguma área específica?

R – Não. Talvez mecânica, talvez civil, talvez elétrica, não sei, eu ficava pensando nisso. Tanto que quando eu fui fazer o colégio, eu fiz o colégio profissionalizante, e no primeiro ano já tinha que fazer a opção de quê área. Aí eu fui fazer na área de mecânica, na parte de exatas com laboratório de mecânica.

P/1 – Então a primeira profissão que você imaginou foi ser engenheiro?

R – Isso. É. Fiz três anos no colégio, fazendo esse laboratório de mecânica. E eu gostava disso, achava legal mecânica de automóvel, mecânica de não sei o quê. Então pensava em mecânica. Mas nessa época começou a me incomodar aquele movimento de São Paulo, o trânsito, aquele estresse da poluição, da violência, aglomeração, muita gente. Nas férias, a gente passava aqui no interior, vinha aqui pra Mirandópolis, e ficava na fazenda. Então tava um contraste muito grande a tranquilidade daqui, o espaço, e São Paulo. Daí eu comecei a associar que Engenharia Mecânica, ou qualquer coisa assim, eu tinha uma probabilidade grande de ficar em São Paulo, e eu tava vendo que eu não queria isso. E aí comecei a ver outras áreas de Engenharia, a possibilidade de fazer Engenharia e talvez morar no interior. Foi onde conversando na escola, tal, fui pesquisando e vi a parte de Engenharia Agronômica. Comecei a me interessar, porque era uma área que podia ligar as coisas.

P/1 – Foi aí que você decidiu então.

R – Isso.

P/1 – A gente vai entrar nessa parte de faculdade. Eu vou voltar só um pouco agora pra tua infância. Você mencionou que quando você chegou a São Paulo, a principal mudança foi quando você entrou na escola. Eu queria saber quantos anos você tinha quando você entrou na escola e quais são as primeiras recordações que você tem da escola.

R – Eu tinha cinco anos e meio quando entrei no pré. Eu lembro de um monte de gente desconhecida, como eu tava vindo do interior, tem essa diferença, todo mundo conhece todo mundo. Então onde eu fui criado, em Santa Adélia, eu conhecia todos os vizinhos, o pessoal ia a casa. E como mudei pra São Paulo, você não conhece ninguém, não sabe quem é o vizinho, na escola, eu não conhecia os meninos, então esse choque dessa mudança. Mas deu certo que o meu irmão acabou entrando na mesma sala que eu. Entrou no mesmo ano, ficou na mesma sala, então pelo menos tinha ele lá junto, tal.

P/1 – Como era essa escola, essa primeira escola?

R – Era uma escola particular, chamava Ateneu Ricardo Nunes, ali em Indianópolis. Ajudou que era uma escola não muito grande, não tinha tantos alunos por sala, então isso o contraste foi um pouco menor. Se fosse uma escola pública, ou uma escola muito grande, tal, podia sentir até mais.

P/1 – Quanto tempo você ficou nessa escola? Você fez do começo ao fim do ensino básico, ou não?

R – Essa escola, eu fiquei cinco anos, eu fiz o pré e os quatro primeiros anos. Naquele tempo era primário e ginasial.

P/1 – E nessa primeira escola, teve algum professor ou professora marcante?

R – Eu não lembro. Eu acho que não, senão me lembraria.

P/1 – E nessa fase de infância ainda, tem alguma história que tenha ficado marcado pra você? Uma coisa que você sempre lembre, de repente contam na família até hoje? Um causo mesmo, uma história marcante dessa fase da infância?

P/1 – O que eu lembro é que já com, sei lá, oito ou nove anos, meus tios, meus irmãos mais velhos, meus tios, meu pai, a gente começou a assistir futebol. Aí nós mudamos também, depois de seis anos em Indianópolis, nós mudamos para o Ibirapuera. Aí eu morava a duas quadras do Parque Ibirapuera. Então passei a frequentar o parque. Meu pai fazia caminhada, eu e meu irmão íamos também caminhar com ele, brincar, jogar futebol. E nessa época passamos a frequentar o estádio. Na família todo mundo é corintiano, então a gente ia assistir ao jogo do Corinthians. Acho que era um momento que juntava a família e curtia aquilo lá. Era uma coisa que marcou. Era legal.

P/1 – Você lembra a primeira vez que você foi ao estádio?

R – Não. Não lembro. A primeira vez, não.

P/1 – Ou a primeira recordação que você tem do estádio? Qual é?

R – Eu acho que a primeira vez foi no Pacaembu.

P/1 – Não precisa ser a primeira recordação, mas uma lembrança que você tem dessas idas ao estádio.

R – Uma coisa que eu lembro era de ver os meus tios, irmãos da minha mãe, eles moravam em São Paulo, tal, então a gente tinha mais contato com eles, tal. E uma coisa que eu lembro bastante, a gente ia ao campo assim, ao estádio, eles são aqueles espanhóis bem turrões, discutem, falam alto, meio fervoroso, e a gente era tudo corintiano, tinha um que era são-paulino. Então no estádio ali me marcava de ver como eles ficavam tensos e nervosos. É impressionante, assim, um fanatismo. Isso é uma coisa que me marcou.

P/1 – Tem alguma partida que tenha sido inesquecível, um campeonato?

R – Eu lembro de algumas. Uma que eu lembro bastante foi em 77, quando o Corinthians foi campeão na final jogando contra a Ponte Preta no Morumbi. Depois de 23 anos, finalmente o Corinthians conquistou o Campeonato Paulista. A gente tava lá atrás do gol, ali onde saiu o gol, tal.

P/1 – E como foi a sensação?

R – Ah, muitos anos aguentando palmeirense, são-paulino perturbando a gente. E a gente acompanhando, acompanhando todo ano, num quase, quase, não dava, então foi muito legal.

P/1 – Vocês comemoraram? Teve uma comemoração?

R – Ah, com certeza. Com certeza.

P/1 – Você tem um ídolo no futebol?

R – Um ídolo? Ah, acho que não.

P/1 – Um jogador assim preferido?

R – Não, em termos de jogador, de atleta assim, eu admiro muito o Pelé. Naquele tempo ele jogava ainda. A gente ia ao estádio, ele tava jogando. Só que jogava contra o Corinthians, mas... Depois os anos foram passando, ele se aposentou, eu vejo outros jogadores, então hoje você analisa, acaba misturando a vida particular com o profissional. Então você tem uns jogadores que são meio que bandidos, mau exemplo, mau caráter.

P/1 – E o Pelé você admirava?

R – Então eu admirava o Pelé por tudo que ele foi, por tudo que ele é como pessoa, tal.

P/1 – E nessa fase que você sai, você tava contando, que ficou cinco anos nessa primeira escola, depois sai e vai pra outro colégio fazer o Fundamental, o que é hoje é o Fundamental II, na época era o Ginásio.

R – Isso. É.

P/1 – E nessa fase de ginásio já é uma fase que você vai entrando na adolescência, começo da adolescência. Eu queria saber o que muda na sua vida em termos de amigos, de passeios, se você saía, pra onde saía.

R – Então, nessa época eu me envolvia bastante com esporte, tanto na escola, como fora dela. E você acaba fazendo amizades. Uma coisa que me marcou, tinha um garoto que tava na minha sala e ele tinha vindo dos Estados Unidos. Ele era americano, o pai dele veio trabalhar pra cá, e ele gostava de basquete. Então eu ia fazer trabalho na casa dele e tinha lá, como todo americano, tinha uma tabela lá. A gente fazia o trabalho, depois ficava brincando de basquete, tal. Na escola, eu acabei entrando... Tinha futebol e tinha handebol, acabei entrando no time de handebol. E isso foi uma coisa que facilitou um contato, um contato melhor com o pessoal de lá, tal. Porque quando a gente ia viajar, que era nas férias, a viagem era com a família ou, principalmente, a maior parte das vezes, a viagem era pra cá. Vinha pra fazenda pra passar as férias aqui. Aqui juntavam os primos que moravam aqui, alguns de fora, mas juntava todo mundo aqui. Então era o que a gente mais gostava de fazer. Então percebo, assim, em São Paulo você tem mais dificuldade de contato, fica mais distante, as pessoas ficam mais distantes. Então tinha essas amizades da escola, tal, de estudar junto, e do esporte. Mas quando eram férias, ia viajar, acabava vindo mais pra cá mesmo.

P/1 – E festa? Você frequentava festas nessa fase de adolescência, do ginásio, colegial?

R – Não. Lá em São Paulo, muito pouco. Não lembro assim. Era...

P/1 – Era mais escola e esporte então?

R – É.

P/1 – De lazer era mais esporte. Cinema, essas coisas?

R – Sim. Cinema. Cinema, sim. Quando eu tava no ginásio, eu fui a uma escola estadual, uma escola pública, aí já era uma escola bem grande, tal, e uma escola pública. Mas com 15 anos, eu já fui para o colégio, aí fui estudar no Objetivo, na Paulista. Eu lembro assim, no Ginásio, eu não estudava quase nada, passava na rapa ali, ficava com uma ajudinha do professor pra poder passar com cinco. Quando eu fui para o colégio, eu lembro bem, eu cheguei lá, tal, começou a aula, eu ia conversar, comentar alguma coisa com o colega, ele: “Calma, agora não, o professor tá falando” “Mas como assim não pode?”. No ginásio, a gente conversava, o professor dando aula, a gente conversando. Daqui a pouco eu ia perguntar um negócio: “Não, não, agora tá em aula, não posso conversar”. Foi um choque assim de ver, nossa, todo mundo a fim de aprender. E a conversa do vestibular. O vestibular, aquela coisa difícil, então quem tava ali, tava pra estudar mesmo. Então foi onde eu me toquei, falei: “Poxa vida, eu vou concorrer com esse pessoal e tá todo mundo empenhado, estudando e dedicado. Acho bom eu começar a me dedicar também a isso aqui”.

P/1 – Foi uma mudança grande de postura.

R – Exatamente. Então, e isso aí que seria uma época de, sei lá, de sair com o pessoal, de festa, não sei o quê, foi muito pouco. Eu lembro na minha classe, naquele tempo nós éramos 50 na classe, eu acho que tinha uns quatro ou cinco, no máximo, que curtiam som, sair, carro, festa; o resto muito focado em estudar, estudar e estudar. E aí já no segundo colegial, nossa, eu lembro, estudava de manhã, chegava a casa uma e meia da tarde, à tarde estudava, à noite estudava até a hora de ir dormir.

P/1 – Estudou muito.

R – Então era estudar mesmo.

P/1 – Você contou um pouquinho já pra gente como você decidiu essa coisa de ir pra Engenharia para ser agrônomo. Queria que você me contasse um pouco como foi essa decisão nessa fase de colegial e como foi o ingresso na faculdade.

R – Então, a decisão foi por conta daquilo, eu comecei a sentir uma pressão lá de São Paulo. Eu senti certo desconforto de muita gente. Nessa época teve aquela epidemia de meningite. Teve uma epidemia lá em São Paulo, sabe? E eu ia de ônibus pra escola. No ônibus tinha um monte de gente, todo mundo apertado. No inverno, tudo fechado. Aí chegava a casa, ligava a televisão, falava que a epidemia tava se alastrando, de meningite, que matava, era muito perigosa, pra evitar aglomeração, evitar lugar fechado. Mas como assim? Eu tou indo de ônibus, todo mundo fechado lá dentro, na minha sala tem 50 pessoas. O Objetivo, no intervalo, aquilo um monte de gente, não sei quantos mil alunos lá. Começou me dá certo pânico assim, aquela situação. E já tava juntando com aquele estresse de trânsito, de poluição, de violência. Falei: “Gente, acho que eu vou dar um jeito de... Se puder sair de São Paulo...”. Nem na faculdade eu não pensava, mas principalmente pra trabalhar, se pudesse trabalhar no interior, já comecei a perceber que seria uma boa. E aí eu procurei dentro da área da Engenharia dar uma olhada nas faculdades que tinham. Acabei achando interessante Agronomia, que ia juntar a parte técnica da Engenharia com a área rural. Assim, acabei começando ler sobre isso e me interessar por isso.

P/1 – E como você escolheu a faculdade que você ia prestar e qual foi a faculdade que você entrou?

R – Então, a faculdade, naquele tempo eu já comecei a pesquisar, e a faculdade considerada a melhor do Brasil, na época, era a escola de Piracicaba, da USP, Luiz de Queiroz. Então eu falei: “Eu vou tentar a melhor”. Eu tava estudando bastante. E aí mudei, eu lembro bem, eu mudei... Nos simulados, você coloca a área que você quer e a faculdade, o curso, e eles já soltavam uma classificação geral e uma classificação por curso. E eles faziam uma projeção. O colégio, eles acabavam integrando com o cursinho e com as outras unidades do Objetivo, isso dava seis mil alunos, uma coisa bem representativa. E nos simulados, quando eu passei pra área de Agronomia, então eu ficava, nesse universo de seis mil alunos no simulado, eu ficava em 20º, décimo, às vezes até melhor que isso. Então eu achava que ia dar. Falei: “Vou tentar a melhor”. Tanto que eu fiz vestibular, só me inscrevi pra esse curso, fiz só essa prova. Fiz só essa prova da Fuvest e não tentei outra coisa, não tinha segunda opção. E aí acabei passando.

P/1 – E como foi essa mudança de cidade? Como foi o primeiro contato com a universidade? Qual foi sua impressão? O que mudou na sua vida?

R – Então, eu gostei bastante, porque a escola era bem organizada, uma escola bem ampla, a cidade é legal. E aí acabei juntando com um pessoal que vinha do interior, como eu, tinha um pessoal que veio de São Paulo, muitos tinham estudado em São Paulo. Quer dizer, deu uma filtrada ali, tal. Nós resolvemos juntar um pessoal, alugamos uma casa, montamos uma república. Então foi uma mudança grande na minha vida. Eu saí de casa, eu lembro bem, eu fui lá fazer matrícula, tal. Antes da república, no primeiro dia de aula, nós estávamos aqui em Mirandópolis, terminaram as férias, meu pai ia pra São Paulo, passou em Piracicaba, e num domingo à noite foi lá num hotel e acertou lá, deixou pago um mês, me deixou lá e foi embora (risos).

P/1 – Como você se sentiu?

R – Numa cidade diferente, não conhecia nada, não conhecia ninguém, não sabia nem onde era a escola. Isso é uma coisa que me marcou.

P/1 – Como foi a sensação? Você lembra?

R – Eu fiquei um pouco assustado, porque nunca tinha saído de casa. A gente fazia as coisas, mas meu pai, minha mãe, sempre acompanhando, junto com meus irmãos, aquele negócio todo, de repente me vi sozinho lá: “Agora eu vou ter que me virar”. Mas deu tudo certo, eu fui pra escola, já comecei a fazer contato e com um mês a gente já alugou uma casa e montamos uma república. Foi legal.

P/1 – E em termos de lazer, mudou alguma coisa na sua vida, na vida universitária?

R – Mudou. Mudou o contato com o pessoal, a gente tinha mais tempo, tinha mais contato. Aí começou, além de esporte, tinha as festas das repúblicas, então conhecer gente do interior, gente de outros estados, alguns alunos de outros países. Então foi um tempo de fazer bastante contato e conhecer um monte de gente. Além do esporte, tinha essas festas, essas reuniões aí, que os universitários… tinha bastante disso.

P/1 – E o curso era aquilo que você esperava?

R – O curso era o que eu esperava. O curso era o que eu esperava. Achei a escola muito boa, era bastante ampla, tinha todas as áreas e os professores eram bons, professores que tinham livros, sabe, você ia estudar, o livro era daquele cara. Então me surpreendeu. Realmente a escola era boa, não era à toa que era considerada a melhor do Brasil.

P/1 – Você falou que no primário você não teve nenhum professor marcante. Depois, assim, no ginásio, ou até terminar a faculdade, teve alguém ou alguns professores que te marcaram?

R – Sim. Na faculdade, sim. No colégio tinha alguns professores. Um deles, eu lembro bem, era o Heródoto Barbeiro, que passou a ser jornalista, ele foi meu professor de História. Nossa, a aula dele era impressionante. O pessoal matava a aula de outra sala pra vir assistir à aula dele. Marcou muito, assim. Nossa!

P/1 – Você gostava de História? Era uma disciplina que você gostava?

R – Gostava de História. Até então não gostava muito, entendeu? Mas a forma que ele dava aula, a forma que ele explicava, ele contava, ele contava como se fosse um caso, sabe? “Não, aí o cara foi lá e veio, aí o Lutero veio, começou a chover, o Lutero falou: ‘Pô...’.” Então ele contava essas histórias de uma forma que envolvia e você acabava aprendendo, então me marcou bastante. E na faculdade também. Na faculdade, alguns professores também muito bons, assim.

P/1 – Tem alguém especial assim?

R – Então, eu acho que mais da área de Zootecnia. O professor Vidal, o professor Moacyr Corsi, esses dois, por exemplo, eram diferenciados, sabe?

P/1 – E por quê?

R – Eu achava eles muito inteligentes, a forma que eles abordavam a questão era um negócio fora daquilo que a gente tava acostumado a ver. Davam uma abordagem diferente, que permitia enxergar, de fato, o problema e encontrar solução, um raciocínio diferente.

P/1 – Era uma área que você gostava, Zootecnia?

R – Então, até então eu não sabia, mas lá em Piracicaba, na Escola, a partir do segundo ano, as matérias já começavam a direcionar pra algumas áreas. Os dois primeiros anos eram básicos, aí você ia fazer a tua matrícula, você já tinha que optar: ou você vai pra área de Hidráulica, ou você vai pra Zootecnia, ou você vai pra Solos, enfim. Nas básicas, eu tive aula com esses professores e comecei a perceber certa afinidade com essa área da Zootecnia. Então acabei optando, fiz outras matérias, tal, mas concentrei mais em Zootecnia.

P/1 – Explica um pouquinho pra gente, em linhas gerais, qual é o trabalho do engenheiro agrônomo que tá mais especializado em Zootecnia? Com que ele lida?

R – Então, o engenheiro agrônomo especializado em Zootecnia, ele cuida da produção animal. A partir daí surgiu a profissão do zootecnista, que aí sim estaria bastante relacionado com esse agrônomo da área da Zootecnia. E é uma coisa interessante, porque você vai a uma fazenda que trabalha com pecuária e era muito comum falar: “Não, eu tenho um gado, tal, então eu vou contratar um veterinário”. Então eu lembro, visitava as fazendas, tinha um veterinário. E o veterinário não cuida dos animais, ele não cuida da produção, ele cuida das doenças dos animais. Escuta, quem vai cuidar da produção? Seria o agrônomo especializado em Zootecnia, que seria na produção de pasto, de forragem, produção de alimentos, na nutrição, na parte de mineralização, na parte de conforto animal, instalações, essas questões todas são questões de produção, que o veterinário tem só uma pincelada sobre isso, rápida. Então eu acho que primeiro o profissional numa propriedade de pecuária seria um agrônomo zootecnista, ou um zootecnista.

P/1 – Você fez estágios durante a faculdade?

R – Fiz. Eu fiz alguns estágios, fiz alguns cursos. Eu fiz um estágio em mecanização na Massey Ferguson, eu fiz estágio em Pirassununga, na parte de zootecnia, depois eu acabei entrando em Piracicaba. Anexo lá à escola tem o Centro de Energia Nuclear na Agricultura, o Cena. O Cena atuava tanto em Agronomia, Biologia, e tinha um setor de Zootecnia. Eu fiz amizade com uma veterinária que trabalhava lá, tal, e acabei achando interessante, sabe, e fui fazer estágio lá. Fiquei dois anos fazendo estágio lá.

P/1 – Durante a faculdade?

R – Durante a faculdade.

P/1 – O que era a sua função nesse estágio no Cena?

R – Eu participava das pesquisas, tanto na parte de campo, como laboratório. Então a gente trabalhava com coelho, com ovelhas, com bovinos, e a gente fazia coleta, e também no laboratório, fazia os exames, os procedimentos. Então foi um contato meu, o primeiro contato com pesquisa, alguns trabalhos, tal.

P/1 – Você lembra o que você fez, o que você comprou com suas primeiras bolsas de estágio? Pode ser no Cena ou nas anteriores. Como você usou? Porque foi o primeiro dinheiro que você ganhou trabalhando?

R – Foi. Quando eu entrei no Cena, eu comecei a ganhar, a receber, era remunerado. E o primeiro salário que eu recebi, eu fui lá e comprei uma moto. Eu tinha vontade de ter uma moto, e meu pai tinha medo, não queria, não deu moto pra nenhum irmão meu, aí eu fui lá e comprei uma moto.

P/1 – Qual era a moto?

R – O contrato meu era de 12 meses, eu ia receber, seu eu não me engano, 500 reais, e a moto eu comprei em 12 parcelas de 400 reais. Quer dizer, já liquidei com tudo e comprei a moto. Era uma Yamaha TT 125. Meu pai, automaticamente, não gostou de eu ter comprado moto. Eu lembro, ele falou: “Ah, você tá ganhando agora, tá podendo, então eu vou cortar a sua mesada”. E cortou a minha mesada. Por um tempo lá, ele endureceu (risos).

P/1 – E como você fez pra se manter?

R – Não, ele dava lá o básico, minha mãe me ajudava ali. Depois passou a raiva e voltou ao normal. Mas isso aí foi o que eu fiz com o primeiro dinheiro.

P/1 – Nessa época, Antônio, você namorava?

R – Eu comecei a namorar quando eu entrei na faculdade. Comecei a namorar uma menina daqui de Mirandópolis.

P/1 – Que não foi a sua esposa?

R – Não.

P/1 – Não?

R – A minha esposa foi a minha terceira namorada. Mas elas eram daqui de Mirandópolis.

P/1 – Sua esposa também é daqui de Mirandópolis?

R – Sim.

P/1 – Mas você a conheceu mais tarde?

R – Não, eu conheci quando eu tava... Não, eu já a conhecia antes. Quando eu vinha aqui nas férias, tal, eu já conhecia. Depois, essa segunda namorada era uma amiga dela, uma grande amiga dela, tal, aí não deu certo, aí começamos a namorar.

P/1 – Você tinha terminado a faculdade já?

R – Não. Tava na faculdade. E ela foi fazer faculdade em Campinas, na PUC lá.

P/1 – Conta como vocês se conheceram.

R – Então, o pai dela era advogado, trabalhava com o meu pai, então a gente se conhecia desde quando era pequeno, vinha pra cá nas férias, tal. Já conhecia. Não tinha tanta amizade, mas já conhecia. Essa aproximação maior foi quando eu comecei a namorar uma menina que era uma amiga próxima dela, aí teve uma aproximação maior, tal. E aí ela foi estudar em Campinas, que era ali do lado de Piracicaba, tal. Aí a gente já tava namorando. Começamos a namorar aqui, nas férias.

P/1 – Você lembra como vocês começaram a namorar? Teve um pedido de namoro?

R – Teve.

P/1 – Como você se interessou por ela?

R – É assim, eu já comecei a me interessar por ela quando não ia bem o namoro com essa amiga dela, aí tava terminando, tava praticamente terminado, a gente foi a um baile e essa amiga dela disse: “Olha, nós não estamos bem, mas você não vai ficar com outra. Se você for dançar, dança com a Denise, que ela é minha amiga, com ela pode” (risos). Então eu fui e dancei com ela. E mal sabia ela que acabou aproximando a gente aí. Depois terminei e num outro baile, tal, teve pedido de namoro, aquele negócio todo.

P/1 – Você a pediu em namoro?

R – Isso. É.

P/1 – E vocês namoraram durante quanto tempo?

R – Nós namoramos durante oito anos.

P/1 – Bastante.

R – Não, oito não, seis anos. Seis anos.

P/1 – E como era o namoro de vocês? Conta um pouco assim o que vocês faziam juntos.

R – Então, como era daqui, a gente saía junto aqui. Saía, ela ia à fazenda, eu frequentava a casa dela, ia ao barzinho, às baladas. E tinha uma amizade, bastante gente junto, muitos amigos.

P/1 – Você vinha bastante pra Mirandópolis?
R – Então, quando eu morava em São Paulo, eu vinha pra cá em julho e em dezembro. Depois, quando eu tava em Piracicaba, aí eu passei a vir, além de julho e dezembro, quando eu não estava em estágio, ou curso, eu fazia curso nas férias, ou estágio, quando não tava, aí vinha pra cá. Passei a vir também, aí já tinha carro, tal, tinha uns amigos que tinham carro, juntava, a gente via nos feriados também. Mas como ela estudava em Campinas, também muitas vezes eu passava em Campinas, ficava lá, ou de lá a gente ia pra São Paulo, que meus pais moravam em São Paulo. A gente fazia muito isso, ia passar fim de semana em são Paulo e saía lá.

P/1 – Quando vocês se casaram, você já tava formado, né?

R – Já. Eu me formei e me casei quatro anos depois.

P/1 – Que ano você se formou?

R – Eu me formei em 79. No final de 79. Só que aí eu fiz mestrado lá em Piracicaba mesmo, aí fiquei mais dois anos e meio lá.

P/1 – Qual foi sua área de mestrado?

R – Eu fiz em Nutrição Animal e Pastagens, que é dentro da Zootecnia. Então eu fiquei em Piracicaba. Naquele tempo, o curso de Agronomia eram quatro anos, hoje são cinco, então fiquei os quatro anos da faculdade, mais dois anos e meio de mestrado. Fiquei seis anos e meio lá.

P/1 – E nessa época de mestrado, você tava como bolsista ou você trabalhava com alguma outra coisa?

R – Bolsista.

P/1 – Como bolsista. E quando você descobriu que você queria trabalhar... Você trabalha com pecuária leiteira hoje, é isso?

R – Isso.

P/1 – Quando você descobriu que você queria trabalhar com pecuária leiteira? Foi nessa fase da faculdade, no mestrado?

R – Nessa fase da faculdade, do mestrado, eu tive contato com diversas áreas da Zootecnia e achava interessante a pecuária, bovinos, gostava também de equinos, enfim, acho que mais isso. Mas pelas fazendas, pela atividade em si, econômica, não na pesquisa, mas na prática, eu achava mais interessante bovino. E o que mais tem, né? Comecei a me interessar mais por bovinos.

P/1 – Teve um marco pra tomar essa decisão, que você ia trabalhar mesmo com bovinos?

R – Não. Não teve. Eu percebia que eu gostava também de equinos, e a gente até tinha cavalos, mas nessa época eu comecei a perceber, pensar financeiramente, a análise econômica do negócio, o negócio em si, a atividade como um negócio. E a gente tinha cavalo e eu percebia que cavalo gastava muito e valia pouco, era tipo um hobby, então devia continuar assim. Como atividade, tal, pra trabalhar, eu comecei a ver mais resultados com bovinos. Eu lembro que na escola, nessa época de mestrado, você começa a mexer com pesquisa, então eu via que tinha muito mais pesquisa na área de bovino de leite. Até lembro uma vez o professor que foi meu orientador, o Wilson Matos, e naquele tempo, até hoje eu acredito que não, mas a raça que tinha o maior número de trabalho, onde tinha mais pesquisa, era a vaca holandesa. Era a coisa mais estudada, mais pesquisada, uma raça especializada em leite. E como eu tava mexendo com pesquisa, então tinha muitos trabalhos, tal, acabei assinando uma revista americana de publicação de trabalho científico e comecei a me interessar por isso e via que era legal, bastante estudada. O negócio era muito trabalhado uma coisa séria. Assim, gostei de mexer com isso.

P/1 – E como você passou desse interesse, que era acadêmico, um conhecimento, um interesse acadêmico, pra prática mesmo, pra trabalhar com isso?

R – Então, é que do mestrado, eu acabei prestando um concurso pra área de pesquisa na Secretaria da Agricultura, no Instituto de Zootecnia de Nova Odessa. Eu tava terminando, saiu um concurso, acabei passando e vim trabalhar em Andradina. Tinha uma vaga aqui em Andradina, numa fazenda experimental. E lá era com gado de corte.

P/1 – Qual era o seu trabalho?

R – Coordenar a pesquisa. E eu acabei trabalhando, durante o mestrado, focando na área de utilização de resíduos da indústria do açúcar e do álcool. Naquele tempo, o Governo tava estimulando o Proálcool. Então foi quando explodiu aí o Proálcool, saiu usina pra tudo quanto é lado, então expandiu, começou uma expansão grande das áreas de cana. Daí surgiu uma preocupação de utilização, explorar esse uso de subprodutos da indústria do açúcar e do álcool e na alimentação de bovinos. Então eu acabei focando o meu estudo aí: utilização de levedura, utilização de bagaço, ponta de cana, o palmito, essas coisas todas. E acabei fazendo a minha tese com o tratamento do bagaço pra utilização em bovinos. Eu vim pra Andradina, no Instituo de Zootecnia, pra coordenar essa área de pesquisa, trabalhos nessa área aí.

P/1 – Você foi morar em Andradina? Você se mudou pra...

R – Não. Eu morava aqui na fazenda. Vim morar aqui provisoriamente, são quarenta e poucos quilômetros, eu viajava todo dia. Eu ficava na fazenda e ia pra lá todo dia.

P/1 – E quanto tempo você ficou nesse cargo de coordenação de pesquisa?

R – Então, quando eu entrei lá, eu senti um choque de ver como serviço público. Ninguém queria trabalhar. Chegavam as coisas lá, eu falava: “Não, vamos fazer isso. Hoje é segunda, vamos fazer isso, terça isso...” “Não, não, não, calma. Calma. Vamos fazer isso aqui hoje, segunda, aí quinta-feira fazemos isso aqui, semana que vem...”. Eles queriam distribuir o trabalho ao longo do mês todo, que podia fazer em uma semana. Eu falei: “Como assim, gente?” “Não, não, não. Se você terminar isso aí, vão mandar outro. Calma, vamos fazer isso. Calma aí. Desacelera”. Então, sabe, eles tinham um ritmo muito lento. Foi um choque pra mim, que eu fiz o trabalho de mestrado com empresas privadas, então tinham pressa, tinha verba, tinham pressa, queriam resultado. Chegou lá: “Não, não, não, não tem pressa, porque também não tem verba. O carro não pode sair, não tem combustível, não tem isso”. Então eu fui mesmo que tomando uma ducha de água fria assim, sabe? E aquelas ideias que eu tinha, que eu passei pra Nova Odessa, eles: “Não tem verba agora. Calma”. Fui me decepcionando com a pesquisa na área pública. Mas já nesse tempo, as escolas começaram a procurar parceria com empresa privada pra poder realizar as pesquisas. Então eu vi que tinha que fazer isso por aqui também. Mas esse processo era um pouco lento e tal.

P/1 – E que decisão você tomou a partir disso?

R – Então, nessa época, com o contato aqui em Mirandópolis, com negócios, com negócios de atividade agropecuária, tal, um prisma da pecuária, tal, meu pai já trabalhava com cana, eu comecei a organizar aqui a fazenda com cana, plantar a cana para o meu pai, estudar um pouco sobre a cultura da cana.

P/1 – Vocês tinham gado também na fazenda?

R – Tinha gado. E surgiu uma oportunidade de arrendar uma fazenda. E nisso, o meu sogro me ajudou, me indicou, me apresentou, me ajudou muito nisso e acabou dando certo e eu arrendei uma fazenda.

P/1 – Aqui em Mirandópolis?

R – Aqui em Mirandópolis. De 125 alqueires, de um senhor de idade, tal, que ele queria se afastar. Eu acabei arrendando pra plantar cana pra mim. Não para o meu pai, pra mim e pra um irmão meu, um tio. Fiz lá tipo um condomínio. Mas a fazenda era arrendada por mim, eu subarrendava pra eles, tinha um ganho aí. Então comecei a fazer meus próprios negócios. Foi onde eu percebi a diferença com o Instituto de Zootecnia, a pesquisa na área pública, que tava muito devagar.

P/1 – E aí você largou seu cargo, ou não?

R – Até que com um pouco menos de três anos, eu pedi demissão. Eu pedi demissão porque os produtores de cana de Mirandópolis, eles resolveram fundar uma cooperativa. E eu em contato com eles, tal, eles pediram que eu viesse pra cá pra fundar essa cooperativa, presidir essa cooperativa e trabalhar, coordenar a união dos fornecedores de cana de Mirandópolis. E nisso eu já tinha essa propriedade arrendada, tal. E nessa época também, esse senhor, que era o dono da fazenda, ele tinha um gado de leite. Ele gostava de leite e tinha um gado de leite, que era considerado um dos melhores rebanhos de leite de Mirandópolis. E ele me ofereceu vender o rebanho todo. Era um rebanho pequeno, acho que, se eu não me engano, umas 80 cabeças, me ofereceu o rebanho pra eu comprar. E acabei negociando com ele, facilitou de uma forma lá que eu pudesse comprar. E eu pensei: “Pô, se eu tive esse gado de leite, eu vou ter uma renda mensal”. Porque eu pagava mensalmente a fazenda, o arrendamento da fazenda. Com o leite, eu já conseguia pagar, sei lá, um terço, um quarto do que eu pagava pela fazenda toda, e ocupava 20% da fazenda. E se eu melhorasse esse leite, eu conseguiria pagar mais ainda. Quer dizer, deu certo, eu comprei e comecei com o leite.

P/1 – Que ano foi isso?

R – Isso foi em fevereiro de 84.

P/1 – Essa cooperativa que você mencionou de cana-de-açúcar, como era o nome?

R – Era Coopermira, Cooperativa dos Produtores e Fornecedores de Cana de Mirandópolis.

P/1 – E essa fazenda que você arrendava tinha um nome?

R – Fazenda União. Era do senhor Oscar Sampaio.

P/1 – E foi então que você começou com...

R – Eu comecei com o meu próprio negócio, comecei a plantar cana, plantar milho, e comecei com o gado de leite em fevereiro de 84.

P/1 – E você ficou com essa fazenda até quando?

R – Eu fiquei com essa fazenda até o começo de 93. Eu fiquei dez anos lá. Eu tinha arrendado por cinco anos, eu renovei, fiquei mais cinco. Nesse segundo período, esse senhor faleceu, aí eu renovei com os herdeiros, mas depois eu decidi mudar pra uma área do meu pai. Meu pai fez um comodato, cedeu uma área e eu mudei pra cá.

P/1 – Nessa nova área que você se mudou, você continuou com o cultivo de cana? Quais são as atividades?

R – Então, quando eu mudei pra cá, eu parei com a cana, porque a área era do meu pai, meu pai plantava cana, achei que não seria legal concorrer com o meu pai na cana. E ele plantava cana, por que ele ia ceder a área pra mim? Então eu peguei uma área e comecei a trabalhar com o gado de leite e plantava milho e sorgo pra produzir silagem nas áreas de reforma de cana. Achei que era uma maneira de conviver ali, não disputar a mesma área, entendeu? Aproveitar a sobra de terra que tinha na reforma de cana.

P/1 – Essa é a propriedade na qual você trabalha até hoje?

R – Essa propriedade, eu estou até hoje. E nessa época... Aliás, desde que eu vim, em 85, eu saí do Instituto de Zootecnia, além do meu negócio, eu cuidava do negócio do meu pai. Eu cuidava da fazenda, até por isso acabou juntando lá pra ficar centralizado, tal. Mas eu me concentrei mais no gado de leite. Acabei melhorando o gado de leite, já produzia mais, tal, e já exigia bastante atenção. Então eu cuidava dos negócios do meu pai com cana, com gado, gado de corte. E tinha café também, um pouco, até essa época. E o meu negócio ficou o gado de leite.

P/1 – E vou entrar um pouco nas questões da Boas Práticas na Fazenda, como começou a relação com a Nestlé, mas antes eu só quero voltar um pouquinho pra uma questão da sua vida pessoal. Queria saber como foi seu casamento. Quando vocês decidiram se casar e como foi o casamento?

R – Então, a gente teve um namoro bem tranquilo, a gente se dava bem. Não me lembro de brigas, sabe? A gente se dava muito bem. Eu acho que sempre teve muita harmonia e a gente percebeu que tinha um bom entendimento, aí fizemos o planejamento de terminar a faculdade, começar a trabalhar e casar. E deu certo.

P/1 – E como foi o casamento? Se foi em Mirandópolis, se teve uma cerimônia religiosa. Conta um pouco pra gente.

R – Então, o casamento foi aqui em Mirandópolis, a gente casou no civil, no religioso, fizemos uma festa no clube, tal, tinha bastante gente. Acabou que naquele ano o pai dela era candidato a prefeito. A eleição ia ser no fim do ano, a gente casou em julho. Então acabou aumentando um pouco o número de convidados também. Mas eu já morava aqui em Mirandópolis, eu morava na fazenda. A gente casou aqui e ela terminou a faculdade, mudou pra cá também. Aí a gente casou e viemos morar aqui na cidade, não mais na fazenda. Eu passei a morar aqui na cidade.

P/1 – Qual era a profissão dela? No que ela se formou?

R – Ela fez curso de Turismo. Ela gostava de música, dava aula de piano, e ela se formou em Turismo e começou a dar aula também de Português na escola aqui, depois ela passou a dar aula de Turismo na Faculdade em Andradina. Aí nós tivemos três filhos.

P/1 – Eu ia ter perguntar isso agora, se vocês tiveram filhos. Conta um pouco então como foi a primeira gravidez, como veio a notícia.

R – Então, foi planejado. A gente pensava sim em ficar talvez um ou dois anos sem filho, tal, e acabamos ficando menos de um ano e meio. E nasceu o João Paulo.

P/1 – Você acompanhou o parto?

R – Acompanhei.

P/1 – Como foi?

R – Eu até lembro... Eu não conhecia nada de gestação, de gravidez. Eu lembro bem, uma noite nós fomos a um churrasco, tal, fizemos uma festa numa fazenda de um amigo, aí de madrugada ela falou: “Tem uma água aqui na cama, não sei o que é isso, o médico falou que podia romper a bolsa, eu acho que tem que ver”. Eu falei: “Não...”. Eu cansado, tinha tomado uma cerveja: “Não, amanhã nós vamos ver isso” (risos). Na verdade, tinha que já fazer alguma coisa. Mas acabamos indo pra Araçatuba, que o hospital aqui não era muito bom, e o médico também não, a gente ia pra Araçatuba. Chegou a Araçatuba, o médico falou: “Não, você tinha que ter vindo mesmo. Rompeu a bolsa, eu tenho que fazer um tratamento no neném pra melhorar… acertar o pulmão dele, tal, pra ele já nascer, ter condições de respirar, eu tenho que fazer um…”. Nós ficamos lá de manhã até a tarde pra aguardar essa maturação, acertar, tal. E uma coisa que aconteceu foi que a Denise fez um ultrassom pra ver o sexo já com seis meses, no período da gestação, que já dá pra ver bem, tal. E desde o começo ela falava que era menino: “Ah, vai ser um menino, tal”. E com seis meses, ela fez um ultrassom, no ultrassom era uma menina. Saímos de lá, tal, eu falei: “Menina”. Ela só falava no menino, já tinha comprado algumas coisas pra menino. Eu falei: “Legal, é uma menina, vai ser ótimo, não sei o quê, tal, a gente compra as coisas pra menina, prepara pra menina” “Não. Vai ser menino” “Mas como assim vai ser menino? Você não viu o ultrassom? O médico viu” “Não, viu errado. Viu errado”. E aí nasceu o João Paulo.

P/1 – Era menino mesmo (risos).

R – Era um menino mesmo. Tava certa.

P/1 – E o parto, você acompanhou?

R – Não. Não entrei lá. Eu tava no hospital, tava junto, mas do lado de fora lá do centro cirúrgico.

P/1 – E você lembra a primeira vez que você viu o João Paulo assim, pegou nos braços?

R – Eu lembro que eu tava lá aguardando a saída, aí ela saiu de lá e só falava isso: “Não falei? Não falei que era um menino? Não falei que era um menino?”. Era o João Paulo.

P/1 – E qual foi a sensação assim, a primeira vez que você viu o seu primeiro filho, de pegar nos braços?

R – Ah, é muito legal. É muito legal, nossa. Eu não tinha noção do que era essa sensação, então foi muito legal. Teve essa surpresa aí, foi muito legal.

P/1 – Depois vocês tiveram mais dois.

R – Depois nós tivemos mais dois. Nós tínhamos decidido esperar pelo menos três anos, tal. Esperamos três anos, aí nós tivemos a Juliana, nasceu lá em Araçatuba também. E depois mais alguns anos, esperamos mais quase cinco anos, quatro anos e meio, aí veio a Mariana. A Mariana já nasceu aqui em Mirandópolis.

P/1 – Então são um menino e duas meninas.

R – Um menino e duas meninas.

P/1 – E como foi ser pai, Antônio? O que mudou na sua vida? Como é ser pai?

R – Ah, mudou bastante coisa. Eu lembro que demorou um pouquinho assim pra cair a ficha, sabe, de ter que estar junto ali, essa responsabilidade. A criança requer muito cuidado, você tem que estar... E tinha muitas tarefas que a Denise fazia, aí ela tava cuidando mais do João Paulo, e aí eu tinha que assumir. E ela meio que teve que dar uns toques de vez em quando: “Olha, isso é com você. Eu deixei com você, você não fez” “Não, não, tá bom, eu vou fazer”. Mas eu tive que me afastar um pouco de algumas coisas pra poder me dedicar à casa e ao filho. Mas era muito legal acompanhar o crescimento dele, depois brincar com ele, a gente brincava junto, então foi muito legal.

P/1 – Foi uma experiência boa.

R – Nossa Senhora, se foi.

P/1 – Eu queria saber como começou o seu contato com a Nestlé, qual foi a primeira vez que você teve contato com o Boas Práticas na Fazenda, como foi essa aproximação.

R – Então, quando eu comprei o gado, em 84, desse senhor, ele era fornecedor da Nestlé, então eu comprei o gado e continuei fornecendo pra Nestlé.

P/1 – É uma relação antiga então?

R – Já faz 30 anos e meio. Então, o Boas Práticas, eu não lembro bem, mas deve ter começado uns oito anos atrás, eu não sei. Quando a Nestlé começou com isso, com esse programa, e na época era a base, era a base da Embrapa, então era diferente. Eles tinham requisitos diferentes, as normas. Só que quando eles chegaram, me apresentaram o Boas Práticas, eu não lembro exatamente quem foi, mas o técnico foi falando, falando, falando, tal, e a medida que ele falava, eu: “Isso eu já faço” “Não, você tem que ter outro...” “Isso eu já faço” “Não, você tem que ter...” “Isso eu já faço”. Eu tive que adaptar muito pouca coisa. Mudar a rotina muito pouca coisa pra poder atender o Boas Práticas. Então de cara eu já me dei bem assim, entrei. E é uma coisa que tem fundamento. Você começa a se empenhar com higiene, com organização. Isso aí é uma coisa racional, você vai ter um resultado.

P/1 – Explique-me um pouco como é, assim, em linhas gerais, quais são os objetivos do programa, do Boas Práticas. Como é essa parceria com o produtor e quais são...

R – Sim.

P/1 – Você falou um pouquinho de normas, de adequação. Quais são os objetivos dessas normas?

R – As normas, eu acho que é segurança alimentar, talvez seja o objetivo maior. E as coisas são feitas de modo a você ter um rastreamento e ter segurança naquilo. Então as etapas do trabalho, elas têm que ser bem identificadas e todos os procedimentos definidos, estudados, já anotados, e os funcionários treinados, cientes daqueles procedimentos. E obedecer a normas de higiene, de segurança, então pra ter uma segurança no produto final.

P/1 – Você consegue dar um exemplo concreto pra gente, só pra ficar mais claro?

R – Um exemplo, eu acho assim, na higiene pessoal. Na ordenha, por exemplo, o Programa de Boas Práticas, uma norma de que o ordenhador tenha uma assepsia muito boa, unhas cortadas, que tenha condição de lavar as mãos lá dentro, na sala de ordenha, sem colocar a mão, com sabonete bactericida. Pra determinados procedimentos, ele use luva, essa luva tem que estar ali. Então isso é uma coisa que a gente sabe, no controle da mastite, ou outras infecções no ubre ali, tal, a gente sabe que tem um contágio, e a mão do ordenhador talvez seja o principal. Então é uma norma que, como eu disse, é racional. Se você prestar atenção na assepsia, você diminui o risco de contaminar, passar a doença de uma vaca pra outra. Então é uma coisa que a gente já fazia, de certa forma, e aí vêm as normas, a gente fez uma adequação, mas é uma coisa que a gente faz não só pra atender à norma, a gente percebe que tem fundamento, tem resultado. Esse é um exemplo.

P/1 – Antônio, você mencionou que muitas das normas, vocês já estavam adequados, já eram práticas que vocês tinham, e que algumas adequações vocês tiveram que fazer. Queria que você me dissesse um exemplo de uma adequação que vocês fizeram a partir do contato com o Boas Práticas, ou que vocês melhoraram.

R – Sim. Por exemplo, a gente já fazia a identificação dos animais com brinco, mas a gente não fazia a identificação dos animais que estavam sob tratamento. Isso ficava na cabeça do funcionário: “Ah, tal vaca tá com problema, eu to aplicando antibiótico nela”. E o Programa de Boas Práticas, ele exige que você faça uma identificação desse animal que está em tratamento. Então a gente adotou o procedimento de colocar uma cordinha vermelha na perna.

P/1 – E o que isso ajuda?

R – Isso pra quê? Pra evitar que esse leite com antibiótico vá para o tanque. A gente não pode mandar esse leite com antibiótico para a Nestlé. Então essa vaca tem que ser ordenhada separadamente. Então é uma coisa que ela fazia já, ordenhava separado, mas ela fazia as vacas que ela lembrava, que ela guardava na cabeça. A partir desse programa, a gente passou a fazer essa identificação, colocar uma cordinha, uma cordinha vermelha pra identificar que a vaca tá sob tratamento com antibiótico. Uma cordinha azul pra identificar que a vaca é recém-parida, também o leite não pode ir para o tanque. Então isso foi uma adaptação que a gente fez. Eu percebo assim, as normas são feitas de modo que a qualquer momento uma pessoa estranha chegue lá e possa saber o que tá acontecendo, entendeu? Se eu trouxer outro ordenhador pra substituir o meu que teve um problema, ele vai saber fazer, porque as normas são padronizadas. Ele não sabe qual vaca tá em tratamento, mas quando entrar ali, ele vai ver a cordinha no pé, ele já vai saber: “Essa eu não posso”. A vaca tem brinco. Os piquetes são numerados e tem uma placa. E lá dentro tem anotação, quais são os animais, quais são os números dos brincos dos animais que estão no piquete número tal. Então é tudo controlado. Outra adaptação que a gente fez foi a separação desses animais em tratamento num piquete separado, identificado lá “enfermaria”, lá ficam os animais doentes e que estão sob tratamento. Isso a gente não tinha, passou a ter. A identificação das vacas no pré-parto, então tá lá a plaquinha “maternidade”, então é onde ficam as vacas também que não são ordenhadas, então lá tem um tratamento diferenciado.

P/1 – Qual a importância nesse caso, por exemplo, do pré-parto, de ter essa separação?

R – No pré-parto, primeiro, são vacas que precisam de uma atenção, porque elas podem precisar de assistência no parto; segundo, as vacas que estão próximas de parir, elas já têm o ubre cheio de leite, e se ela ficar junto com as outras, corre o risco de um ordenhador diferente colocar em ordenha. Esse leite não é próprio pra ir pra Nestlé.

P/1 – Por que ele não é próprio?

R – Ele tem características diferentes e as vacas são tratadas com antibiótico. As vacas são tratadas com antibiótico 45 dias, 60 dias antes do parto, a gente coloca um antibiótico específico pra vaca seca, que não tá em lactação. É um antibiótico de longa duração, ele fica por 30 dias no ubre da vaca, e nesse período, esse leite é impróprio. Então ela não pode ser ordenhada. Fora outras consequências desagradáveis que teria. Então é importante que fique separada, identificada.

P/1 – Como é essa parceria, pra gente visualizar mesmo, entender melhor, entre a empresa e o produtor rural no Boas Práticas na Fazenda? Vocês recebem visita de técnicos? Existe uma capacitação ou uma instrução no nível técnico? Como é isso?

R – Então, no começo, os técnicos vieram e foram preparando, orientando pra fazer essas adequações todas. E depois de um ano, a gente já passou... Quando era no sistema da Embrapa, tinha uma classificação de bronze, prata e ouro, então a gente já tá adequado, a gente entra no nível bronze. Depois de um ano no nível bronze, aumentam algumas exigências, a gente passa para o nível prata, era essa classificação. Depois, por algumas dificuldades, tal, a Nestlé acabou adotando outra norma, que não é aquela da Embrapa, e agora não tem mais essa classificação. Mas teve uma orientação, a gente se enquadrou, passou a fazer parte, e aí a gente começa receber uma bonificação, uma bonificação por litro de leite.

P/1 – Como funciona essa bonificação? Tá relacionada com qualidade?

R – Se a gente atender, estiver enquadrado, obedecer, estiver dentro das normas, a gente recebe três centavos de bonificação por litro de leite. E aí é feita uma visita, uma inspeção anual. Anualmente vem um técnico pra inspecionar se a gente ainda continua dentro da norma, se tá atendendo. Se tiver alguma mudança na norma, eles informam a gente pra fazer a adequação.

P/1 – E quais você acha que são os benefícios ou as mudanças que essa parceria traz para o produtor rural, pra você, no caso, especificamente?

R – Então, eu acho que o principal benefício é no resultado dessas práticas de manejo, entendeu? Eu acho que, por exemplo, se eu não identificasse a vaca, mandasse o leite para o tanque, a Nestlé faz exame, eu ia ser penalizado, eu ia perder o leite de todo o tanque. Então além de não mandar antibiótico pra Nestlé, eu to economizando, deixando de perder um monte de litro. Diminui meu risco disso acontecer. No caso do manejo, por exemplo, as normas de localização do esterco, da esterqueira. Antes era muito próximo, isso aí facilitava mosca, a presença de mosca, que acaba prejudicando a higiene. A norma veio, disse: “Não, você tem que afastar um esterco”. Eu acabo sofrendo um benefício disso. Eu acho que esses benefícios são maiores que os três centavos por litro.

P/1 – Você acha melhora a qualidade da sua produção? Que essa parceria melhorou a qualidade da sua produção?

R – Eu acho que melhorou. Melhorou a qualidade da produção. Mas principalmente diminui riscos, sabe? Acho que principalmente isso. Melhora a qualidade à medida que a higiene acaba melhorando o nível de contaminação no rebanho, então acaba melhorando a qualidade, e aí eu acabo recebendo também mais pela qualidade, que a Nestlé faz o pagamento do leite por qualidade. Eu acabo tendo esse benefício também.

P/1 – E ter uma parceria com uma empresa como a Nestlé, você vê vantagens nisso pra um produtor rural? Mesmo a parceria comercial, eu digo. Não só dentro do projeto, mas, enfim.

R – Sei. Eu participo de um programa que chamava Nata, Núcleo de Assistência Técnica, então eu recebo a visita de um técnico que é ligado, não é funcionário da Nestlé, ele presta serviço, tal, mas é uma parceria com a Nestlé, a Nestlé subsidia esse custo aí. Eles arcam com aproximadamente 50% do custo. Aí eu tenho um técnico, um zootecnista que vem me orientar e acompanhar o rebanho. Essa é uma parceria que eu sou beneficiado, que eu tenho com a Nestlé e recebo benefício por isso. Outro benefício é o Programa de Boas Praticas. Outro benefício é na aquisição de equipamento. Só que aí, por exemplo, isso funcionou para o tanque de expansão, pra armazenar o leite.

P/1 – Conta um pouco essa questão de equipamento, que essa é uma coisa que eu nunca tinha escutado ninguém falar. Como essa parceria beneficia na aquisição de equipamento? E conta um exemplo.

R – A Nestlé financia. Eles financiam 100% pra você pagar em três anos sem juros. Quer dizer, eles subsidiam pra você adquirir esse equipamento. Isso é um incentivo. Só que eu comprei esse tanque, quer dizer, fiz esse financiamento, se eu não me engano, em 95, quer dizer, muitos anos atrás, uns 18 anos atrás, e eu acho que isso poderia acontecer mais vezes, entendeu? Pra comprar um trator, pra comprar um silo. Recentemente, eu recebi um telefonema da Nestlé, eles estavam fazendo uma pesquisa, tal, alguma coisa sobre um silo pra armazenar alimento para o gado, eu imaginei que talvez pudesse ter qualquer coisa assim, mas é uma coisa que eu acho que poderia funcionar melhor.

P/1 – Podia ser mais frequente.

R – Mais frequente.

P/1 – Que normalmente, essa solicitação não vem de você, é isso? É a empresa que oferece?

R – Isso. A empresa oferece.

P/1 – Conte-me um pouquinho sobre o Nata. Eu não sabia que você participava do Nata também. Como é a parceria no Nata? Como são essas visitas dos zootecnistas? Qual o trabalho que esse técnico faz junto com o produtor?

R – Então, eu lembro que o Nata já existia há mais tempo, eu nunca tinha sido procurado, nem me ofereceram, mas nessa época do Boas Práticas é que eu tive algum contato, fiquei sabendo, e aí eu soube da possibilidade de ter uma assistência e de que essa assistência seria subsidiada. Aí me interessei e acabei acertando, tal. E a partir daí, se eu não me engano, deve fazer um quatro anos isso, passou o técnico vir mensalmente, ele vem acompanhar as etapas ali da produção, no manejo com o gado.

P/1 – E no que te ajuda e a presença desse técnico?

R – Ajuda-me, porque esse técnico tá atualizado. Eu fico bastante ali na fazenda, eu mexo também com cana, eu mexo com seringueira, eu mexo com pessoal, e dedico, sei lá, 30% do meu tempo para o leite, e não to andando, não to fazendo curso, muito pouco, e às vezes não fico sabendo de algumas novidades, algumas coisas. Então eu acho que valorizo um técnico que só faz isso e tá bastante atualizado. Então se esse cara puder vir uma vez por mês, ele traz informações, sabe? Eu acho que é uma coisa interessante.

P/1 – E no caso desse técnico na parceria com o Nata, especificamente, você lembra também de algum exemplo? De uma dica, uma orientação que ele tenha dado que tenha te ajudado?

R – Ah, sim, diversas. Diversas. Na produção de alimentos, até na questão de preço, onde comprar, como utilizar. Sempre ele acaba trazendo informação que eu uso na produção e acabo economizando e fazendo melhor aí, uma coisa mais eficiente.

P/1 – Você se lembra de um exemplo?

R – Um exemplo? Um exemplo seria o uso de inoculante na confecção de silagem de cana. Eu já tinha usado, sabia que era um negócio interessante, que era necessário, mas sabia também que não tinha um inoculante que desse um resultado muito bom. E ele veio e disse: “Não, agora tem um bom, tem uma bactéria, tem uma empresa que desenvolveu, esse funciona e dá resultado, tem um custo-benefício interessante, tal”. Eu passei a usar e de fato vi que ele funciona.

P/1 – Qual o benefício do inoculante?

R – O inoculante age no controle das fermentações. Quando vai fazer uma silagem, você coloca ali uma bactéria, é uma bactéria que age mais rápido, isso evita fermentações secundárias que iam deteriorar a qualidade do alimento. Então ele evita que você tenha perdas, então você tem uma silagem de melhor qualidade.

P/1 – Tá certo. Eu vou encaminhando para as perguntas finais agora. A gente tem umas duas perguntas de fechamento.

R – Tá.

P/1 – Mas antes de fazer esse encaminhamento, eu queria saber se tem alguma coisa que a gente não tenha perguntado e que você gostaria de falar. Pode ser da vida profissional, pessoal, vale qualquer coisa mesmo.

R – Ah, que eu lembre, acho que não. No momento assim não to pensando em nada. Não me lembrei de nada.

P/1 – Tá certo.

R – Se eu lembrar depois, eu falo.

P/1 – Então a penúltima pergunta: quais são seus sonhos hoje?

R – Meus sonhos? Bom, falando aí profissionalmente, do negócio do leite, eu penso que a gente tem alguns estágios, a gente tá sempre evoluindo e eu quero atingir um ponto com esse gado de que alcance um nível genético bastante alto. E no momento, onde eu to mais me empenhando é na questão do conforto. Eu cheguei à conclusão de que pra genética que eu tenho, o conforto é inadequado, isso prejudica meus resultados. Então eu tenho tido resultados variáveis: ora positivos, ora negativos. Então eu entendo que eu não atingi um ponto de estabilidade. Então esse é um sonho, é levar a criação até uma estabilidade, onde ela tenha um equilíbrio e passe a gerar aí matrizes de boa genética, eu possa utilizar o esterco de qualidade, fazendo compostagem. E pra isso, eu sei que eu preciso ter um manejo, preciso ter um ambiente adequado, eu preciso ter conforto.

P/1 – O que você chama de conforto?

R – Conforto, eu chamo ter sombra, ter controle de temperatura, utilizar ventilador, aspersão, pra tirar a vaca daquele estresse térmico no período mais crítico, nos períodos mais quentes. A região nossa aqui é uma região quente. Então eu acho que tem que adequar tudo isso pra gente atingir um nível bom.

P/1 – Qual é a sua produtividade hoje, Antônio, de leite? Quanto você produz?

R – A produtividade, tem algumas maneiras diferentes de medir isso. Falando em termos de litros por vaca, em lactação por dia, tem uma média em torno de 21 litros por vaca, 22 litros por vaca. Essa é uma questão que rebanhos com uma genética semelhante a minha e que tem condições de conforto, elas vão tranquilamente aí pelo menos pra mais dez litros, 32, por aí, talvez 35. Então eu sei que eu to perdendo aí. Esse é meu objetivo hoje, é adequar pra que a vaca possa manifestar esse potencial genético dela.

P/1 – E qual é o rebanho que você tem hoje?

R – Em número?

P/1 – Quantidade. É.

R – Quantidade? Aproximadamente, eu tenho cem matrizes. Cem vacas. No total, são 220 cabeças com novilhas, bezerras, bezerros.

P/1 – Tá certo. E por último então, como foi contar a sua história? Como foi dar o depoimento pra gente?

R – Ah, foi legal. Eu acho assim, acho interessante que a Nestlé se preocupe com isso e pense na vida do produtor. Acho que é interessante. Legal. Às vezes a gente critica que a empresa quer o produto e nada mais. Então uma iniciativa de pensar no produtor como pessoa. Acho legal.

P/1 – Tá certo. Muito obrigada então. A gente encerra por aqui.

R – Tá joia.

FINAL DA ENTREVISTA