Museu da Pessoa

Vendendo cachorro quente

autoria: Museu da Pessoa personagem: Cilson Marques de Lima

P/1 – Cilson, diga o seu nome completo, aonde você nasceu e o dia?

R – Cilson Marques de Lima, nascido ao 04 de agosto de 1963, Santo Antônio da Platina, Paraná.

P/1 – O nome dos seus pais?

R – João Marques de Lima, já falecido e Íria Rosa de Lima, a mãe.

P/1 – Qual é a ascendência, você sabe?

R – Como é?

P/1 – Ascendência, se é italiano, português...

R – É Mineiro.

P/1 – Mineiro? Eles vieram de Minas?

R – Meu pai, mineiro e minha mãe paranaense, mesmo.

P/1 – Que cidade seu pai nasceu?

R – Meu pai, acho que é Governador Valadares.

P/1 – E a sua mãe?

R – É Santo Antônio da Platina. naquela região ali.

P/1 – Cilson, o que eles fazem? O que o seu pai fazia, qual era a profissão dele?

R – Meu pai era agricultor, antes. Depois ele foi... a gente foi embora para o Paraná, lá em Andirá,

lá ele entrou na Prefeitura Municipal e trabalhou durante 15, 16 anos, na parte de... ele era pedreiro da prefeitura. Fazia de tudo na prefeitura, assim de serviços de pedreiro. Inclusive, o apelido dele era João Lajota. Ele fazia as lajotas da cidade inteira, era ele que fazia. Era o apelido dele.

P/1 – Quando o seu pai era agricultor, o que você lembra do trabalho que dele?

R – Ah, não lembro. Eu era pequenininho, tinha uns 3, 4 anos quando a gente foi morar na cidade.

P/1 – Bom, você falou que tinha uns 3 ou 4 anos, o que você lembra da cidade, quando você era criança?

R – Da cidade, lembro bastante coisa, brincadeiras, essa coisa... eu era o rei da bolinha de gude. Quando saí de uma vila que eu morei na Vila Americana, para morar na Vila Industrial, na mesma cidade, que meu pai vendeu uma casa e comprou outra, enchi aquelas latas de óleo, colocava as bolinhas de gude tudo dentro, e nunca esqueço, quando a gente saiu para mudar na outra casa foi um caminhão da prefeitura, ainda, aqueles caçamba grande buscar a mudança, e eu saí com aquela lata assim, jogando na molecada. (risos) Isso nunca vou esquecer, mas o que foi de bolinha de gude que eu distribuí....

P/1 – Você foi dando as bolinhas?

R – É, fui jogando assim e a molecada foi correndo atrás.

P/1 – Que outra brincadeira que vocês faziam que você lembra?

R – Ah, mais assim que eu gostava era jogar essa bolinha de gude. Outras brincadeiras... antes jogava muito aquela malha, hoje a molecada não joga mais, né. Vê mais adulto jogando malha, aquelas que expõe os toquinhos e você vai e corta as pontas e tal.

P/1 – E quem era a sua turminha com quem você jogava bolinha de gude? Quem era o teu pessoal?

R – Molecada da época, hoje a gente não lembra muito. Tinha um carneirinho que era o Jaiminho, ainda faz uns dois anos eu fui lá para o Paraná e encontrei ele lá, ele tem um bar agora. Tinha o Zézinho tio dele, o Cido, o Neguinho... Esses moleque assim... hoje eu só vi um... até hoje, digo da época assim.

P/1 – Eles eram seus vizinhos?

R – Era tudo ali, morava tudo vizinho ali. Aí vai sumindo, molecada assim você vai...

P/1 – E da escola, o que você lembra? Você estudou?

R – Estudei.

P/1 –Onde você estudou?

R – Estudei no Paraná, também, né? Da infância você está falando ainda? Estudei lá no Paraná também, fiz o primário lá. É, o primário completo eu fiz no Paraná. E depois, o primeiro grau fiz em São Paulo, em São Bernardo do Campo. Mas da escola eu fiz lá do Paraná mesmo. Você quer saber o quê da escola?

P/1 – O que você lembra da escola, da infância, vocês tinham uniforme? Quem eram os seus professores? Os mais queridos?

R – Hum, assim...

P/2 – As peripécias que aprontava na escola?

R – Eu lembro só de uma professora, só do primeiro ano.

P/1 – Qual o nome dela?

R – Chamava Elvina.

P/1 – Você gostava dela?

R – Uh! Ela era legal. É que a gente morava em Vila, já uma classe mais pobre e ela morava lá no centro, a gente de vez em quando passava lá na casa dela, ficava conversando, ela chamava para entrar, sabe? Muito legal a professora nessa época.

P/1 – Era do quê?

R – Do primário. Primeiro ano. Mais que eu lembro é dela, sabe?

P/1 – Cilson, e a tua casa, você tem irmãos?

R – Tenho.

P/1 – Irmãs?

R – Tenho, mais quatro, né? Faleceu um e eu tenho mais três agora.

P/1 – Quem são, o nome deles?

R – A minha irmã, duas irmãs casadas, as duas moram aqui também, uma é a Rosa, dona de uma escolinha aqui na Dom Pedro “Mundo Encantado da Criança.” Tem a outra minha irmã, a Cidinha, casada também e um irmão solteiro.

P/1 – E como era a vida de vocês na casa? Como vocês se organizavam? Acordavam a que horas? Descreve para a gente como era a sua casa com todo mundo lá.

R – A gente sempre foi muito unido nessa parte aí, né? Como estava te falando dos meus irmão, eu tenho mais um irmão, só que ele faleceu há dois anos atrás, tinha 26 anos, faleceu. Levou três tiros lá em São Paulo numa briga. E a gente vai crescendo, crescendo... a minha irmã, essa casada que tem a escolinha foi embora para São Paulo e aí o meu pai faleceu, ela já estava lá e a gente foi. Ela chamou a gente para ir embora, como era muito unido, chamou eu para ir embora para São Paulo. Lá na época eu trabalhava numa fábrica de móveis, era encarregado de uma fábrica de móveis lá no Paraná, e ela chamou, e eu saí da fábrica e fui embora para São Paulo. Chegou lá, entrei numa loja de calçado. Ela trabalhava no Banco Itaú, essa irmã minha, a Rosa, ela falou: “Não, você vai trabalhar no Banco.” Eu falei: “Eu gostaria, né?” Ela falou: “Não, porque você já começou contabilidade, vamos lá que você entra no banco, eu te coloco de todo jeito.” Aí, eu fiz o teste no Itaú e não passei.

P/1 – Passou?

R – Não. Aí fiz o teste no Bamerindus e passei, fiquei uns quatro, cinco meses trabalhando, a minha mãe morava no Paraná ainda, a minha mãe e os outros irmãos. Aluguei uma casa em São Paulo e levei eles para morar lá em São Paulo com a gente. Então, nunca separou. Foi... foi... foi para São Paulo e a minha mãe voltou para o Paraná, porque a casa lá é nossa, a minha irmã veio para São Carlos, essa de São Bernardo. Eu vim visitar São Carlos, gostei daqui, já estava no banco, pedi transferência do banco para São Carlos, não tinha vaga, fui embora para Descalvado. Vim para Descalvado, com transferência, morando aqui. Aí a minha irmã que morava no Paraná ainda, eu vim embora para cá também, a minha mão veio... ficou... ficou tudo unido de novo. Agora a minha irmã mora numa esquina, eu moro ali no meio e a minha mãe fez uma casa para ela também, na outra esquina. Então, mora tudo pertinho assim.

P/1 – Cilson, quando você mudou para São Bernardo, qual que foi a tua impressão, você saiu do Paraná e foi para uma cidade grande? O que você lembra?

R – Nossa Senhora! Eu lembro mais dos sarros. Nossa! O pessoal lá gosta de tirar uma que... Bom, eu paranaense, cidadezinha desse tamanho, lá no Paraná a maioria... bom aqui alguns usam, também, botina, bota, calça jeans, eu gostava de usar isso eu fui para São Paulo, no Bamerindus, fiz entrevista, era uma mulher, ainda, chefe de serviço: “Mas o que você veio fazer para cá?” Falei: “Vim trabalhar, né?” “Mas você quer trabalhar no banco mesmo?” “Se eu passei, eu quero trabalhar, é a minha maior vontade trabalhar no banco.” “Onde você trabalha?” “Eu trabalho numa loja de calçado, aqui.” Aí ela falou assim: “Bom, você passou, gostei de você, você pode começar hoje?” Falei: “Posso.” “Então, você vai em São Paulo, na Boa Vista e tal, você vai fazer um exame médico lá e aí você vê, faz a barba, corta o cabelo, boa aparência e se você quiser um banho de loja, você pode também.” Eu falei: “Ah, mas no momento eu não posso agora, né?” Aí eu trabalhei uns 15 dias ainda daquele jeito de bota, o pessoal tirava o maior sarro: “Olha, aqui não tem cavalo para você montar não, meu.” Eu usava aquela bota até aqui assim. Colocava a calça...

P/1 – Por dentro da bota?

R – Não, colocava por cima, mas ficava aquele negócio assim, aquele cano. Bom, não tinha condições de comprar porque fui para São Paulo com uma mochila cheia de roupa, morando com a minha irmã, já morando com ela. Ah, mas foi uns 15, 20 dias lá no banco, conheci um cliente lá muito legal, ele falou assim: “Olha, vai lá na loja, você pode comprar o que você quiser, depois você me paga.” Eu fui lá e dei um banho de loja.

O pessoal tira um sarro, viu.

P/1 – Que loja era?

R – Era um mini -shopping lá em Piraporinha, Diadema, era de um turco, ainda. E o filho dele, esqueci o nome dele agora, ele falou: “Não, vai lá e pode comprar o que você quiser.” Aí eu fui lá... usava camisa xadrez, calça jeans... calça jeans continua usando, mas aí já troco de sapato, camisa, e eu ia trabalhar mais apresentado, né? Eu tinha um cabelo desse tamanho assim, Olha. Não trouxe foto para você ver... depois gente vai mudando a fisionomia conforme vai trabalhando e convivendo com as pessoas, bom, outra coisa, né?

P/1 – E o trabalho no banco, quem te ensinou a fazer? O que você fazia?

R – Ah, eu entrei na compensação de cheques, ticando... antigamente ticava cheques desde menor valor até o valor do piso que tem no banco hoje... o piso da compensação maior. Então, ticava assim, todos os cheques. Pilha de cheque, você tinha que conferir um a um. Eu fiquei seis meses ticando cheque ali. Quando você entra, eles te dão os melhores trabalhos, né? Aí depois, “Ô, estão precisando na Compensação. Você vai trabalhar?” Aí fui carimbar cheque na Compensação, só que... pelo amor de Deus... cheque também que não parava de carimbar. Aí depois fui para o caixa, a Marilda, chefe de serviço, uma mulher muito legal, eu falei para ela: “Não tem jeito de eu ganhar mais aí no banco?” Eu já estava com um ano, podia... ela falou: “Mas como assim?” Eu falei: “Ah, eu trouxe a minha mãe para cá, estou com a minha família aqui, estou pagando aluguel...” “Ah, eu tenho no caixa, e pá...” eu falei: “Bom, no caixa... no caixa, eu tenho experiência com dinheiro...” “Mas como? Por que você não me avisou?” “Pô, na minha carteira, eu era cobrador de ônibus no Paraná também e eu andava com o dinheiro tudo aqui nos dedos, olha...” É, dentro do ônibus, era cobrador assim, usava gravatinha e camisa manga sabe? Fazia Andirá – Santo Antônio da Platina, Andirá – Jacarézinho, então, você ia, ficava o dia inteiro na cidade e voltava. E na hora ali enche o ônibus e você vai... não sei se você já viu?

P/1 – É desses que vai parando?

R – É isso. Você vai colocando o dinheiro aqui no dedo.

P/1 – No dedo? Mas como assim?

R – Ah, eu colocava tudo aqui. O pessoal lá usava isso, você dobra a nota de dez, de um e vai colocando aqui, aí a hora que você vê que está cheio, aí você vai colocando no bolso, mas primeiro é aqui, não dá tempo de você tirar do bolso e fazer troco, certo? Aqui mesmo que você faz troco. Aí ela falou para mim: “Bom, você tem experiência, então você vai para o caixa.” Aí eu fui para o caixa, já tinha um ano de banco. Fui para o caixa, fiquei um ano no caixa dentro da agência, aí precisou em PAB – Posto de Atendimento Bancário, que é dentro de empresa. Usava aquelas máquinas autenticadora nos PAB, não era automático, a agência não era interligada ao sistema computacional. Sistema antigo lá, aquelas máquinas Burroughs, você tinha que... certo? Aquilo para trocar fita era um negócio, né. Fui para o Posto de Atendimento, por eu trocar a fita de uma máquina daquela, troquei rápido a fita... não desprezando as mulheres, mas tinha seis, sete postos de atendimento bancário, porque era uma agência grande e é ainda, lá em Piraporinha, Diadema, né. Tinha na FMI, tinha na Grow, tinha na FIBAN, um monte de fabricação de máquinas especiais, FMI, tinha na FIBAN, tinha na Grow jogos e brinquedos, tinha bastante, né? Então, aí eu fui e a Teresa e a menina não conseguia trocar a fita do caixa. Aí, eu estava num posto de serviço, não tinha ninguém, chamaram eu para ir lá no posto trocar a fita, fui lá, troquei. Aí fui nos outros, tudo trocar as fitas para as meninas, só sujava a mão, porque... era ‘facinho’ de trocar, tinha que enrolar. Por isso... começou a expandir os postos de atendimento bancário, a Marilda me chamou lá, que era essa chefe de serviço junto com o gerente, falou: “Olha, nós estamos precisando de um encarregado para o Posto de Serviço aqui e nós escolhemos você, porque você vai em cima e tal.” Falei: “Então está bom, eu aceito.” “Só que você vai tomar conta de todos, segurança, para os PAB tudo, você que vai agendar.” Falei: “Deixa comigo.” Aí, de caixa fui para encarregado de Posto de Serviço, só que, como não tinha esse cargo, fui para chefe de seção. Era o cargo que tem na carteira, até hoje. Tomei conta um ano e meio desses PAB, aí colocaram outro, mandaram eu para a agência como chefe de caixa. Tinha 16 baterias de caixa, 16 caixas...

P/1 – Numa agência?

R – Numa agência, um só não dava conta. É numerário que vai para os caixas, caixa não podia ficar saindo dali, né? A gente que levava, aí ficou e o Denilson encarregado de caixa, dois encarregados. Fiquei uns dois anos, ali também, de encarregado de caixa com ele, aí passei para tesouraria, fiquei uns seis meses, aí da tesouraria precisou no Setor de Contas Correntes, como eu já tinha passado por ali, mais ou menos, voltaram eu para encarregado de Contas Correntes, chefe de seção, de novo. Só que não mexeu na carteira, né. Aí, vim para chefe de seção novamente, isso foi em 89, 90, mais ou menos. Aí foi quando eu vim para São Carlos, a minha irmã morava aqui, vim passear e tal, gostei da cidade. E onde eu morava estava ficando feio, porque eu morava em São Bernardo do Campo, morei perto de uma favela, eu e minha esposa não gostamos do lugar. Cada lugar que ia, era um pior do que o outro. Aí eu falei: “Ah, vamos embora para São Carlos.” “Vamos.” Aí, meu filho tinha quatro meses, quando nós viemos embora para cá. “Ah, vamos criar ele lá no Interior, que é melhor.”

P/1 – Cilson, vamos fazer uma retomada. Antes de você ir para São Bernardo você trabalhava em loja de móveis, o que você fazia?

R – Antes, eu trabalhei na loja de móveis. Era ajudante, aprendiz, entrei como ajudante. Aí, uns sete e oito meses, eu consegui ser encarregado da fábrica de móveis. Eu trabalhava no Setor de Embalagens, embalava móveis. Aí, embalando ali e tal, o cara que tomava conta saiu e como ele viu que eu estava ali uns oito ou nove meses e corria atrás das coisas, ele falou: “Olha, vou deixar você encarregado.” Fiquei um ano e pouco de encarregado nessa fábrica de móveis. Aí fui falar com o cara para ele aumentar o meu salário, porque estava trabalhando de encarregado e estava trabalhando demais. Ele falou: “Não, você tem dois anos e pouco aqui, vou te dar de encarregado? Tem gente com sete anos aí e não é.” Eu falei: “Bom, aí é diferente, você vê esse com sete anos e vê eu, porque eu estou trabalhando aqui como um besta, você chega e me joga oito, dez pedido na mão, eu tenho que sair tantos guarda-roupas até 18 horas, tenho que soltar para você. Quando não solto, tenho que trabalhar até oito, nove horas e chamar os meninos para ficar junto comigo. Eu que tenho que correr atrás das peças, estou trabalhando de encarregado, estou quebrando a minha cabeça, sendo que eu podia estar só embalando lá, que é só pegar as peças que já ficam no lugar. Pensa bem.” “Não, porque não vai dar, se você quiser é assim.” Eu falei: “Bom, se você não me der de encarregado, vou voltar para o setor de... embalando só e outro fica no meu lugar.” Aí ele falou: “Não, então vamos fazer o seguinte, vou aumentar um pouquinho o seu salário.” Aí aumentou por hora lá uma mixaria...

P/1 – Você lembra quanto você ganhava? Para a gente ter uma idéia.

R – Ah... um salário e meio, quase dois salário mínimo. Aí eu falei: “Ah, vou sair desse negócio aqui que não vira nada não... eu já consegui crescer, o cara não deu valor, peguei e saí. Eu estava conversando com um cara: “Oh, por que você não trabalha como um cobrador de ônibus? Ganha muito mais. Você vai ganhar três vezes a mais do que você está ganhando.” Aí eu falei: “Ah, então eu vou lá.” Fui lá em Santo Antônio da Platina, fiz o teste, passei e comecei a trabalhar como cobrador de ônibus também.

P/1 – Que empresa era?

R – A primeira, G. G. Tour.

P/1 – Qual a linha que fazia?

R – Fazia de Andirá, onde eu morava, a Santo Antônio da Platina. Passava pela cidadezinha Barra do Jacaré, Montereal, onde eu quase nasci, pertinho de Santo Antônio. E fazia ali pro meio, pegava a turma do sítio, ia parando o ônibus, parava, cem metro dava com a mão, já parava de novo.

P/1 – Quanto tempo levava a viagem?

R – Ah... era pouco, oito horas saía de lá, dez horas estava lá. Demorava porque uns 45 quilômetros. Eu lembro, uma vez eu fui de carro lá, tive que receber um PIS em Santo Antônio da Platina, eu já morava em São Paulo, fui e falei: “Nossa, olha só, demorava duas horas o ônibus para vim e eu com o meu carro gastei nem 40 minutos.”

P/1 – E o pessoal que andava nesse ônibus, quem era a clientela ? Você lembra de pessoas que sentavam sempre?

R – Tudo pessoa do sítio, que morava, né? Tudo pessoal de fazenda, do sítio, morava ali e ia para a cidade fazer compra, então, aquele ônibus era para isso, para ir para a cidade fazer compra. Quando não pegava na rodoviária era um saco, porque em Santo Antônio da Platina tinha um ponto lá na frente, tinha um armazém grande que o pessoal fazia compra, e aí eu tinha que sair de lá, jogar aqueles sacos tudo dentro do porta mala do ônibus, aquilo ficava... olha, nem sei a cor, preto, marrom, porque não era asfaltado. Uma terra! O cara fazia aquela compra e amarrava aquele sacão branco de açúcar, cheio, e jogava lá dentro. Só marcava o número dele, não tinha nem etiquetinha. Eu tinha um pincel... um... e aí, chegava no ponto, tinha que ir lá, descer, abrir para o cara, entregar para ele. E quando furava o pneu?

P/1 – É problema.

R – Duas roupas, eu carregava. Tinha uma mochila, porque... olha a camisa que usava, camisa branca e calça azul. Então, você tinha que trocar o pneu, tinha que tirar aquela roupa, pôr por cima, tirava não, colocava por cima aquela roupa mais suja para não sujar a outra. Aí, aquele porta-malas do ônibus, tudo aquela chave, tudo sujo, porque lá é terra e os ônibus tudo velho, e trocava o pneu. O motorista ficava louco quando trocava o pneu. (risos) Aí foi que eu trabalhei nessa empresa G.G.Tour, depois eles venderam, aí entrou a Viação Jóia, outra empresa. Quando eu saí já estava asfaltando tudo, sabe? De Andirá para a Barra do Jacaré já estava asfaltado, aí já estava asfaltando da Barra do Jacaré a Santo Antônio da Platina. Eu peguei asfalto ainda, quando eu saí de lá. Então, aí começou a melhorar as coisas, né. Isso aí faz o quê, nossa... faz dez... dezoito, que eu tinha dezessete anos. Tenho 36. Faz tempo. E era assim a coisa por lá.

P/1 – E olha só, quando você já estava em São Bernardo é que você conheceu a sua esposa?

R – Não, a minha esposa eu conheci assim, fui embora para São Paulo, o meu último dia na empresa Viação Jóia, que pedi a conta para ir embora para São Paulo. Meu último dia o meu pai faleceu, aí fiquei mais uns seis meses lá no Paraná, eu já estava certinho para ir embora, aí fui embora para São Paulo. Fiquei uns quatro ou cinco meses lá em São Paulo. Minha mãe morava em Andirá ainda, aí eu fui fazer uma visita para a minha mãe no Paraná, estava já morando em São Paulo. Minha esposa estava na casa do tio dela e eu conheci ela ali, num lugar interessante, porque o pai dela não deixava, num domingo nós foi namorar num cemitério.

P/1 – Como que surgiu essa idéia?

R – Nós nunca esquece. Porque ela falou... olha, ela já tinha 21 anos: “Nossa, meu pai é bravo, não sei o que tem, se ele vê eu com você...” eu falei: “Então vamos lá no cemitério, lá tem bastante tumba, assim a gente fica lá atrás conversando.” E aí fui.

P/1 – Ela não teve medo?

R – Não, foi durante o dia.

P/1 – Era perto o cemitério?

R – Era pertinho... eu conheci ela assim, dali... e ela nem morava em Andirá, foi na casa de um tio dela... Ela morava em outra cidade, no Paraná. Aí ela: “Ah, você não vai me escrever, não sei o quê...” E eu comecei a escrever para ela, escrevia só, não ia lá. Aí, eu vi que ela correspondeu, depois de uns quatro meses eu fui pra cidade dela fazer uma visita para ela. Só que não podia ir na casa dela.

P/1 – Por causa do pai?

R – Porque o pai era terrível.

P/1 – Era mesmo?

R – Ela falou: “Se você for vir aqui o meu pai vai te dar seis meses para você casar.” Sabe, aqueles mineiros mesmo? Aí, nós ia namorar na casa da Isaura, uma conhecida dela lá, até hoje conhecida nossa. A Isaura e o... o marido dela é japonês e eu esqueço o nome dele. E ela ia na casa da amiga dela e nós ficava lá, conversando, namorando, ela falava: “Pode ficar à vontade aí.” Namorei ela uns... mais de um ano. Aí o pai dela... eu falei: “Não, eu vou lá na sua casa, porque não dá para ficar vindo aqui na casa da outra, seu pai vai descobrir.” “Ah, então vamos lá.” Fui lá, o pai dela falou: “Você tem seis meses para você casar.” Falei: “O que é isso, vou casar assim? Conheci a filha do senhor agora - nada, já tinha conhecido - como que eu vou casar com seis meses?” Aí ele foi pegando amizade, e eu ia todo mês para lá. E o negócio começou ficar meio caro para mim, mesmo, né. Saía lá de São Paulo, de São Bernardo do Campo para ir para o Paraná, passava onde eu morava, pertinho de Londrina quase, a cidade, para ir namorar, fui enrolando... virei a falei para ela: “Ah, então vamos casar.” Mas enrolei ele um ano e meio mais ou menos. “Olha, estou comprando e tal... estou comprando jogo de quarto, acabei de pagar isso.”

P/1 – Ele te cobrava o casamento?

R – Ele cobrava. “E aí, quando vamos fazer o casamento?” Eu falava: “Calma... calma.” E fui levando... fui levando, namorei ela três anos, aí com 24 anos eu casei.

P/1 – E a mãe dela? Não pressionava também?

R – Madrasta, ela tem, a mãe dela faleceu ela era novinha, estava no colo ainda. Ela tem madrasta até hoje. O pai dela já faleceu também.

P/1 – Como chama a tua esposa?

R – Nilva.

P/1 – Nilva do quê?

R – Nilva Luíza Oliveira Lima.

P/1 – Como é que foi o seu casamento?

R – Ah, foi legal.

P/1 – Descreve a cerimônia, onde foi?

R – Foi lá no Paraná, na igreja... ah, para te falar o nome eu não sei, porque não morava na cidade. Ela falou: “Olha, a gente vai casar, quero casar na igreja aqui, que eu moro aqui.” Eu falei: “Tudo bem, a gente casa, venho de lá e a gente casa aqui.” Aí fizemos a lista de uns convidados de Andirá que eu conhecia, né? Era cidade não muito próxima, para o pessoal ir, sabe? Ela falou: “Vamos convidar o pessoal aqui da cidade, então?” Aí a gente casou na igreja lá, o pai dela tinha uma casa grande. O pai dela fazia carroça. Carroça, charretes, fazia na mão mesmo, o homem era danado.

P/1 – Sozinho, ele fazia?

R – Sozinho. Fazia ali naquele... raspava aquele pau com aquele... esqueci o nome para te falar.

P/1 – Formão, lima?

R – Formão, essas coisas aí. Fazia tudo ali. Então, tinha um barracão grande, ele limpou tudo e eu ainda não tinha muito amigo ali, comprei dois barril de chope, fizeram um bolo grande e a gente casou ali. Na época, eu estava no banco já, né? Eu tinha um Fusca 71, um fuscão azul e... ah, foi legal... aí escreveram, amarraram aquele mundo de lata por baixo, para mim não poder tirar, eu fui até Cornélio Procópio à noite...

P/1 – Com aquelas latas?

R – Chegou lá eu cortei tudo as latinhas assim para... porque peguei a pista, né? Aí: “Vamos dormir num hotel aí.” Achei um hotel e ficamos lá. No outro dia, acordamos e eu tive que ir embora já, domingo, o meu cunhado estava me esperando que na segunda eu ia trabalhar. Me deram mais um dia, fui trabalhar só na terça. Mas o casamento foi legal. E taí até hoje. Uns doze anos, já.

P/1 – Cilson, você falou que veio para São Carlos porque gostou da cidade. O que te encantou? O que você gostou da cidade?

R – Ah, eu gostei pela... porque eu trabalhava em Diadema, Piraporinha, morava em São Bernardo, ali perto da Globo na Vila Fênix, aí mudei para o Bairro Nazareth, era um bairro danado, um perigo porque morava perto de favela. Porque aluguel lá é puxado, você sabe, né?

P/1 – É.

R – Eu tinha que fazer dois trabalhos no banco para dar. Depois que eu consegui encarregado e você vai subindo e tendo mais condições de vida. Então, a minha irmã morava aqui em São Carlos, eu vim passear aqui na casa dela: “Puxa, mas aqui é gostoso, cidade calma, tranqüilo.” Ela disse: “Porque você não vem para cá?” Falei: “Ah, mas não é assim, né?” Aí vim outras vezes, falei: “Olha, gostei daqui, acho que eu vou mudar para cá.” “Ah, você está brincando.” Falei: “Vou!” Aí , além do banco que eu trabalhava, fazia uns rolo de carro lá, sabe. Mexia com carro.

P/1 – Você comprava, vendia? Como era isso?

R – Comprava, vendia. Aquela época tinha uns juros altos, cheguei ganhar um dinheirinho. Aplicava o dinheiro, segurava...

P/1 – Comprava de quem? Particular?

R – Particular. Pessoal, cliente que ia oferecer, seis anos, quase sete só naquele banco, você vai conhecendo muita gente, né? Aí eu falei: “Ah, mas eu vou para São Carlos.” E falei com a chefe de serviço, “Ah, mas é difícil, São Carlos não tem vaga, lá você não vai conseguir.” Falei: “E se... outra cidade próxima?” Aí, mexeu, mexeu, ela falou: “Uh, vai inaugurar uma agência em Descalvado, você topa de ir para lá como chefe de seção? Se você quiser ir para ficar perto da sua família, eu te libero.” Aí eu falei: “Ah, então eu vou.” Eu tinha uma Brasília 79, na época, um Fusca 76 e uma CB-400 eu vendi tudo. Vendi a Brasília, comprei meio terreno onde eu moro hoje, vendi o carro, vendi a moto, fiquei sem nada. Falei: “Só que, também, eu vou fazer a minha casa ali.” E fiz, né? Comprei meio terreno, é 5 por 25, fiz um minhocão ali até no fundo. Dois dormitório, sala cozinha, banheiro e fiz. Vendi tudo, comprei os tijolos, contratei o pedreiro, a parte de lajota de laje, falei: “Bom, cobrindo até em cima a gente entra na casa.” E vim, a minha mãe morava no fundo da casa da minha irmã ali numa edícula, falei para ela: “Posso ficar uns 40 dias aqui?” Acabei ficando 60 dias morando com ela para não pagar aluguel e consegui a transferência para Descalvado. Então, eu morava aqui em São Carlos e ia para Descalvado todo dia, de ônibus. Pegava o ônibus às seis e meia ali na pista. Foi uma vida dura, também, no começo, porque não tinha carro, tinha vendido tudo, né? Já estava acostumado com aquela mordomia. Tinha dois carros, tinha uma moto, não era muita coisa, mas você vê em 89, 90, uma Brasília 79, dez anos de uso, vamos supor, é um carro 84 hoje, né? Não...

P/1 – 89

R – É, 89 por aí, né. Então, aí eu fiquei sem carro, ia todo dia, pegava o ônibus ali, era uma viagem todo dia. Ia e voltava, ia e voltava... Daí falei: “Não. Vou estudar novamente.” Fiz vestibular na ASSER e entrei na ASSER. Fiz Administração de Empresas dois anos, parei um pouco com a casa e comprei um carro. Aí começou a melhorar, né? Então foi por isso que eu gostei da cidade, muito tranqüila, você acaba gostando. Porque lá era terrível, em São Paulo, eu não moro mais lá, nem ferrado. Depois que mataram o meu irmão, ainda.

P/1 – E teve alguma coisa que você estranhou aqui em São Carlos? Em Descalvado?

R – Na cidade aqui?

P/1 – É.

R – Ah, eu só estranhei aqui o clima no mês de agosto, que eu não gosto.

P/1 – Por quê?

R – Muito vento, muita ventania. Falei: “Cidade legal dessa, está certo, cidade com esse clima, né?” Mas o mês de Agosto aqui, e o mês que eu mais comemoro festa na minha casa e o mês que eu não gosto. Porque eu e o meu filho faz aniversário junto.

P/1 – Ah, no mesmo dia?

R – Junto, ele faz dia 4 e eu no dia 5. 4 de agosto e dia 5, então, todo ano faz festa.

P/1 – Cilson, você ficou lá em Descalvado até quando?

R – Eu fiquei dois anos e dez meses lá.

P/1 – Daí o que aconteceu?

R – Bom, daí fui para Descalvado como... com transferência, chefe de seção, em Descalvado consegui a promoção de chefe de serviços, fiquei lá, levantei a agência, ficou legalzinha, bonitinha, aí o supervisor ia na agência , fazia vistoria tudo, falou: “Ah, não. Preciso de você em Araraquara, porque você vai arrumar lá para mim.” Falei: “Não, porque lá é ferrada a agência . Eu estou com uma agência aí de onze funcionários, você vai me dar uma de trinta?” Ele falou: “Mas você tem condições, você topa ir para lá? Eu já te indiquei lá na regional de serviços.” Eu falei, se não vai, você sabe como é que é. Você tem uma promoção, você rejeita, eles começam a te queimar, e é isso mesmo, qualquer lugar. Não foi porque o outro indicou, então alguma coisa tem, né? Aí mandaram eu para Araraquara, de Descalvado fui para Araraquara. Aí fiquei um ano em Araraquara, certinho.

P/1 – E você continuava viajando?

R – Não, de Araraquara eles falaram: “A gente vai pagar aluguel para você porque não dá para pagar passagem todo dia. Você vem morar em Araraquara.” Aí, fiquei um mês viajando, arrumei uma casa lá, o banco paga aluguel para a gente. Pagaram aluguel durante um ano, em Araraquara. Aí chegou o nosso regional de serviços lá e falou: “Olha, nós estamos precisando de você lá em Barretos, está uma bagunça lá. O chefe de serviço não manda o movimento... Eu sei que você deu uma arrumada aqui e tal.” Eu falei: “Mas e o aluguel?” “Eu te pago de novo.” Falei: “Então manda, né?” E era bom que cada vez que você ia para outra agência eles te davam um aumento de dois nível, então eu já estava beirando ali um gerente iniciante, um gerente ganhava aí, 1600, 1700 reais e eu estava ganhando 1400 reais pelo meu cargo. Quem iniciava de chefe de serviço ali ganhava 1100. Porque eu já tinha duas transferência, então eles davam aumento de 10%, na época, era bom. Depois mudou para dois nível, a última vez, e te pagava aluguel. E esse aluguel era assim, você... eu aluguei uma casa de 400 reais em Barretos. Eles adiantavam o dinheiro para você, eles me deram 4.800 reais, era adiantado na sua conta.

P/1 – Pelo aluguel? O ano inteiro eles pagavam?

R – O ano inteiro eles te pagavam. Te pagavam um ano, te creditavam na sua conta aquele valor e você se virava. Então, era bom, né? Porque daí você trocava de carro. Eu troquei de carro, apliquei na minha casa aqui um pouco, né? Inclusive aluguei a minha casa aqui e daí eu tinha essa vantagem, porque eu aluguei a minha casa por 250 reais e pagava 400 lá. Então eu usei o dinheiro e só tirava 150 do bolso. Aí fui para Barretos, a hora que estava uma beleza lá, a agência bonitinha, inclusive um gerente foi mandado embora lá, fez umas bagunças , foi mandado embora e quase rodei com ele. Só não rodei porque foi um supervisor lá, olhou e viu que não tinha nada a ver, né? Aí foi um gerente substituto de Marília, não, veio um cara de Curitiba, gerente substituto de lá, ficou 30 dias lá em Barretos. Aí ele foi para Marília, você vê, ele gostou tanto de mim que ele insistiu para eu ir para Marília e eu não fui. Não fui, não quis ir “Ah, não, aqui é gostoso, Barretos, estou gostando daqui e tal.” Aí logo veio outro gerente na agência porque eu tinha mandado embora esse substituto, que acabou indo para Marília. Aí foi onde esse outro gerente aí, não entendia muita coisa, ele caiu no conto de fada dos fazendeiros, lá. O cara era muito esperto, ele liberou um cheque de 490 mil, na boca do caixa ele liberou 90 mil reais, como não tinha dinheiro disponível nesse valor, ele fez três cheques ADM, três cheques administrativos, para ele pagar três títulos em outros bancos, nominal, tudo certinho. Ele precisava dos 90 mil naquele dia. E na pressão, na pressão ali, o gerente ligou lá para Mato Grosso do Sul, de onde era esse cheque, o gerente lá disse para ele que só liberava devido uma boiada que estava esperando essa pessoa dono do cheque, esse terceiro aí. Mas na pressão, o gerente falou: “Olha, até 15 horas você me liga.” E o outro já estava ali na agência desde meio-dia, e pressionando e tal, porque ele estava... ele é bom de papo. Uma e meia da tarde o gerente não agüentou e foi almoçar com o cara, pá... liberou o cheque. Eu estava no andar de cima na minha contabilidade, o Pedro, o gerente, foi correndo, subiu a escada : “Olha, Cilson, vai dar zebra isso daí. Ele liberou um cheque para o cara.” Falei: “Ih, rapaz!” “E já fez.” Falei: “Bom, eu não assinei nada, né?”

P/1 – Você teria que assinar junto?

R – Eu teria que assinar o cheque administrativo, porque o valor era alto, né? Trinta e poucos mil. Mas eu tinha um encarregado na parte de baixo, tomando conta para mim. Bom, quando foi no outro dia de manhã, fax... cheque sustado...

P/1 – O de 450?

R – 490 mil reais. Ah, o gerente ficou louco: “Não, porque não pode...” já ligou lá para o gerente, já xingou ele por telefone. Um valor desse a regional cai matando em cima, né? Aí o SECON que é Setor de Credito, já avisa a regional, aí fica todo mundo sabendo ali, aquele miolo ali. Aí, liga para a agência: “E porque fez isso, porque...” aí o diretor de serviço ligou para mim, a agência já está uma porcaria, o banco estava falindo, o Bamerindus, estava que... já ia mandar um monte de funcionários embora fazia uns cinco, seis meses atrás, seguraram. Aí ele falou que eu tive culpa, porque que eu não avisei a regional de serviço, eu falei: “Então vocês não precisam de gerente, heim!” Se o gerente não tiver autoridade para fazer isso daí. “Deixa eu tomar conta da gerência, então, que eu não liberava este cheque.” Falei desse jeito para o meu regional. Ele falou: “Não, porque você é o chefe de serviço, você tem que avisar, porque não sei o que foi... foi... “ Rolou, isso foi finalzinho de janeiro, comecinho de fevereiro, dia 14 de fevereiro de 96, eu fui mandado embora do banco. E eles alegaram que foi muito prejuízo na agência, tal e tal e mandaram eu embora. Que eu fui um dos culpados a dar prejuízo para a agência . Inclusive eu não assinei o meu termo de saída do banco.

P/1 – Você não assinou?

R – Tssuu... tssuu. Chamaram duas testemunhas e assinaram, eu falei: “Eu não concordo porque eu não fiz isso aí. Vocês estão colocando no papel para mandar eu embora.” Agora, falei para o meu regional: “Se fosse outro regional de serviço que estivesse aí, eu não estava sendo mandado embora.” Ele falou: “Por quê?” Eu falei: “Porque você não entende nada do serviço.” Falei na cara dele. Ele falou: “Ah, você está nervoso.” Falei: “Não estou nervoso, você vai ver que eu estou certo.” Não mandaram o gerente embora.

P/1 – Não? Só você que mandaram?

R – Eu e um caixa da agência . Dali dois meses, mandaram o gerente embora. Aí mandaram o gerente e o gerente adjunto, porque disse que eles tiveram culpa. Mas não é, o banco estava falindo, eles tinham que dispensar funcionário e colocar alguma coisa lá, como houve isso aí, a gente foi um dos escolhidos aí. Você vê, eu ganhava mais ou menos bem, um chefe de seção ali ganhava 700 reais por mês, para ter um chefe de serviço ali, ele ia ganhar 900, e eu ganhava 1.400 reais por mês. Você vê, eles tinham que diminuir folha de pagamento também, né? O gerente ganhava 2.500 reais por mês, esse gerente, o outro ganhava 1.700, o que foi embora. Então, é uma coisa assim que tudo tem a ver um pouco e eles vão diminuindo. É mesma coisa uma empresa aí, ela vai quebrando, tem que diminuir a folha de pagamento, senão o cara não consegue pagar. O que ele faz? Mandam aqueles que ganham mais. Eu acho que é por aí. Então, aí eu fui mandado embora.

P/1 – Qual foi a primeira coisa que você pensou quando foi mandado embora?

R – Ah, eu fiquei assim... sabe? Ah, nem sei te falar. Fiquei meio desnorteado. Falei: “Eu não acredito!” Ligaram uns amigos meu, liguei para Araraquara, Descalvado: “Não acredito que te mandaram embora.” Ah, não é contando papo, mas eu entrei no banco ticando cheque, de escriturário fui para o caixa e subi dentro do banco, e eu não acreditei que eu fui mandado embora. Eu cheguei ser sincero, fui para a regional de serviço em Ribeirão Preto, de Barretos, o gerente, o turco, não quis deixar eu ir sozinho com o meu carro. Ele mandou um subgerente me levar, ele falou: “Não, ele está muito nervoso, você não vai sozinho.” O Gilberto foi me levar ainda em Ribeirão Preto. Eu cheguei chorar, saí da sala chorando, porque eu não acreditei, eu tinha treze anos de banco, pô! Não é? Eu dei a minha vida naquele banco. Eu entrei com 19 anos, você vê, eu dei a vida ali e dava a vida, em Barretos, aquele caixa automático quebrava, eu ficava com bip, era sábado, domingo, ia lá arrumar aquilo lá. Eu desenroscava dinheiro, eu até fazia serviço do técnico, eu tirava aquela máquina, tudo. Às vezes enroscava dinheiro ali, num lugar que você quase nem via, só o técnico sabia e tirava. Uma pecinha daquela enroscava, tinha um óleo lá que o técnico deixou para mim e explicou, eu fazia de tudo no banco, assim, essas coisinhas. Eu não acreditei quando fui mandado embora por isso, porque ali em Barretos eu dei a vida. Então, fazer o quê, né? Aconteceu. Aí eu saí falei: “Bom, agora eu vou fazer o quê?” Eu tentei, mandei um monte de currículo aí, o único que pegou currículo meu aqui em São Carlos foi o Banco Real, ainda o gerente ficou meio assim e pegou, só. Tinha amigos, e tenho ainda, que trabalhava dentro de banco aqui que era amigo meu, assim, olha, que trabalhou em Descalvado junto comigo, trabalhava no Bamerindus daqui, foi lá aprender de gerente, levei o cara em todos os clientes do banco, fui num sítio, fui em três, quatro sítio com ele: “Esse cara é bom, esse é bom, esse é bom... a conta dele é isso, é aquilo... o saldo médio é tanto...” “Puxa, você conhece mesmo.” E ele saiu do Bamerindus, fui pedir trabalho para ele: “Eh, aqui também é mandado embora...” Mas é assim, sabe, quando você sai, você não tem amigos...

P/1 – É, né?

R – Não tem. O gerente de Barretos foi mandado embora era... ia falar besteira... mas era assim, olha, amigo mesmo, mais amigo. E, olha, sábado, churrasco na casa dele, domingo para o clube no Rio das Pedras, ele era sócio, eu ele a família, na festa do peão, o primeiro ano que eu fui lá era rancho, daqueles agricultores, fazendeiros, e você sabe, Barretos, você entra por trás do estádio. Cheio de rancho...

P/1 – Esse novo agora?

R – É esse novo cheio de rancho, dos cara que tem dinheiro, lá. Olha, você vê em 95 almocei junto com o Sérgio Reis, lá no rancho do Mané, esses cara lá o Mané, um desses que deu um golpe também no banco, sabe? E tudo junto com os cara lá, junto com os artistas, dessa vez estava o Sérgio Reis, sabe? Esse gerente foi mandado embora do banco. Ele foi para Sorocaba, me prometeu um trabalho que você precisa ver. Liguei para ele quando saí... liguei lá de Barretos, falei: “Olha, fui mandado embora do banco.” Falou: “Não acredito, não sei o que tem, pá... Mas fica tranqüilo que eu vou colocar você aqui, eu estou trabalhando no banco agora.” Chamou eu para trabalhar com ele, me chamou na corretora de seguros dele. Eu falei: “Ah, mas para mim não dá.” Ele falou: “Olha, eu estou vendo um negócio aqui, eu vou chamar o meu cunhado, se o meu cunhado não topar, eu chamo você para tomar conta.” Chi... mandei o currículo para Sorocaba, para ele, ele trabalha no Banco Noroeste hoje...

P/1 – Ah, tá...

R – Ele entregou no Banco Noroeste, dali dois meses liguei para ele: “É, está difícil.” Dei meu telefone para ele faz dois anos e cacetada, ele nunca mais ligou para mim.

P/1 – É mesmo?

R – E era...

P/1 – Super amigo...

R – Faltava um subir em cima do outro, só, de tão amigo que era. Você vê, é o que eu falo, saiu...

P/1 – Acabou.

P/2 – Quanto tempo você ficou, nesse meio tempo?

R – Então, aí eu saí do banco, recebi um dinheiro do banco, né? Fiquei uns quatro ou cinco meses, montei aquele negócio de polpas de frutas, de suco congelados, mas não virou muito...

P/1 – Da onde surgiu a idéia de montar?

R – Ah, eu fui lá na feira de automóveis, eu estava vendendo o meu carro, eu tinha um UNO 96 que tirei lá em Barretos, na época era zero. E estava vendendo, apareceu um rapaz lá que estava vendendo o carro também, um ex-bancário e eu estava conversando com ele e tal, trabalhava em banco, ele falou: “Olha, tem um negócio bom para você aí, um negócio de polpa de frutas, e tal, tem cinco freezer na minha casa, tem um carro já, eu te vendo baratinho. Com freguesia e tudo, você pode acompanhar.” Eu falei: “Quanto você quer?” Era sete mil reais na época. Eu fui ver e falei “Eu dou cinco.” Ele falou: “Está fechado.” Aí eu comprei, mas... não virou nada, negócio de polpa de fruta. Aí eu estava entregando para um freguês meu e ele ofereceu o carrinho de cachorro quente, falei: “Nunca fiz cachorro quente na minha vida, nem sei como faz.” “Eh, mas isso daí qualquer um faz.” ele falou: “Eu já vi que você é esforçado, não sei o que tem, vou te dar com ponto no Broa e tal.” Aí eu estava com o meu negócio de polpa de fruta, como é que eu ia comprar o negócio de cachorro quente? E eu tinha uma Saveiro, né? Aí ele falou assim: “Olha, te dou com um ponto no Broa.” Falei: “Vamos ver, se o carrinho couber na Saveiro sem tirar a capota, eu compro.” Porque ia ser um tal de tirar a capota, e não podia deixar com a capota por causa das caixa de isopor que é dentro da... E coube certinho. Ele falou: “Experimenta, vai no Broa domingo, só que nós tem que fechar negócio. Vai no Broa para você ver domingo, o cara vendeu tanto, tanto, tanto... mas ele não quer saber de trabalhar. Isso porque ele tomou isso, isso, isso de cerveja, comeu isso, isso, isso de lanche.” Falei: “Nossa, ainda ganhou tudo isso?” “Ganhou.” E a polpa de fruta dava 40, 50%. Ah, eu fui o primeiro domingo, investi 50 e poucos reais, fiz 90 e ainda sobrou coisa. Falei: “O negócio acho que é bom mesmo.”

P/1 – Cilson, estávamos falando do ponto do Broa. Descreve o Broa, como que é?

R – O Broa é uma represa que tem ali no município de Itirapina e o pessoal usa ali como uma área de lazer, tipo uma praia, uma praia artificial de lazer, né? Para o pessoal ir de domingo, faz um churrasco, toma cerveja, essas coisas aí. Pessoal usa aquela represa ali para isso.

P/1 – E tem muita gente lá?

R – Aquilo lota de gente. Lota. Então, na época que me ofereceram o carrinho, o Nelsinho lá, virada lanches, que me ofereceu, outro dia, eu não me esqueço disso, se não fosse ele eu não estaria no cachorro quente. “Não, porque você vai, compra o carrinho, você vai ver como vai dar certo.” Falei: “Bom, só vou comprar se a minha esposa topar de ela pegar o carrinho e pôr aqui no Diocesano também, à noite, eu levo e trago ela todo dia e de domingo, como eu não faço entrega de domingo eu vou, faço entrega de polpa de frutas e vou para o Broa também junto com ela.” Aí eu comprei esse carrinho e fui para o Broa. Primeiro domingo estreamos ele no Broa e cheguei lá, montei ainda. Nunca tinha mexido com isso, nunca tinha mexido com barraca. Várias barracas que tinha, falei: “Upa, o pessoal tem barraquinhas, né!” Eu não levei nada, levei o carrinho e só, eu não vendi quase nada. Aí eu cheguei em casa, analisei o pessoal que ia lá, analisei as barracas, falei: “Bom, o negócio acho que tem que investir, né.” Aí mandei fazer uma barraca de três por três, uma barraca de ferro, comprei uma lona e ‘lonei’ em cima, colocava a barraca, levava as caixas de isopor com cerveja e refrigerante, coloquei o carrinho na frente e de domingo vendia. No carnaval já tinha essa barraca, eu tinha cinco freezer em casa, aí eu levei um freezer para lá, lotei de cerveja, refrigerante, pedi uns 500 pães, falei: “Tenho que vender tudo.” E vendi tudo, tudo no carnaval. Carnaval que eu mais ganhei dinheiro no Broa foi o primeiro ano que eu mexi com aquilo lá. Aí eu já estava vendo que o negócio estava dando certo, vendi o negócio de polpa de frutas. Estava querendo vender, no carnaval não tinha vendido ainda. A minha esposa vendendo cachorro quente aqui e eu com ela no Broa também. Ela que fazia os cachorro quente lá e eu ficava nos refrigerantes e nas cervejas. Em março, mais ou menos, de 97, eu precisei de um dinheiro para cobrir um cheque da polpa de fruta, eu não tinha mais nada, o dinheiro que eu tinha, eu tinha investido numa Saveiro, 5.000 reais da firma e estava tocando o negócio, sabe, com o dinheiro do banco que eu tinha recebido. Ela falou: “Ah, eu tenho dinheiro aí, eu tenho 350 reais.” Falei: “Puxa! Porque você não me falou?” Ela falou: “Não, mas é do cachorro quente que eu venho fazendo, você não pedia eu ia guardando.” Falei: “Caramba! Você está guardando dinheiro e eu não.” Eu falei: “Ah, vou fazer uma contabilidade então, né?” Fui na papelaria, comprei aquele livro de caixa que eu sabia, mais ou menos como fazia, porque eu sempre mexi com isso, né? E tudo que entrava, tudo que saía, eu ia colocando lá. Bom, resumindo um pouco, mais um mês eu fiz o meu lucro, da polpa de fruta, líquido, ficava no freezer e eu tinha cinco freezer, eu tinha um movimento bom e eu tinha que fazer um capital de giro. Era bom o meu capital de giro, só que eu tinha que ter um capital a mais para colocar ali dentro. Eu falei: “Nunca vai dar certo, porque já faz quase um ano que eu estou mexendo e o negócio vai ficando aí no freezer, está dando para eu pagar as contas, mas aquilo ficava 600, 500 reais ali dentro do freezer. Então falei: “Ah, não. Vou fazer o negócio.” Falei para ela: “Eu vou mexer com cachorro quente também.” Ela falou: “O que você pretende fazer?” Falei: “Vou comprar uma Towner, não tem nenhuma na cidade. O negócio é bom, mas será que dá certo? E não tem dinheiro...” Naquela época, em 97, a Towner estava caro porque estava começando, São Paulo já tinha, mas aqui não tinha.

P/1 – Como você teve essa idéia?

R – Então, justamente pelo carrinho que estava dando certo, o carrinho de cachorro quente estava dando certo. Eu falei para ela: “Se você faz 350 conto no Diocesano, eu acho que com a Towner, que chama muito mais a atenção, eu posso fazer uns 400, 500 reais e a gente paga a prestação. “Não, mas não dá. Você acha que vai dar?” Eu falei: “Eu vendo a Saveiro, vendo essa firma aí...” de todos os dinheiros, consegui 1.500 reais, comecei procurar uma Towner para comprar. Fui em Ibaté fazer uma entrega de polpa de frutas, cheguei lá, vi essa Towner aí. Bonita, sabe? Era o único dono, o cara tinha comprado aquele kit novinho e eu perguntei para ele: “Estou a fim de comprar uma Towner dessa aí, estou vendo lá em São Paulo.” “Não, eu vendo a minha. Vendo por isso, isso, isso... ” Briga com a esposa, lá, sabe? A esposa não queria ir... vai... não vai... eu falei: “Ah, mas eu não tenho dinheiro.” Ele falou: “Eu quero onze e meio.” Falou: “Olha, onze mil eu faço para você.” Ele falou: “Não, não dá para fazer por onze mil.” Acabou saindo por onze e meio mesmo. Aí ele falou assim: “Olha, eu pego a sua Saveiro...” Eu paguei seis e meio na minha Saveiro era 89. Falei: “Olha, eu te dou a Saveiro, 1.500 reais. Vê o que você pode fazer aí para mim. Financiamento no banco eu não quero.” Ele falou: “Eu te faço cinco prestações de 750.” Falei: “Nossa! Mas é muita coisa!” 750 reais. Falei: “Olha, eu vou pensar.” Cheguei em casa, analisei, falei: “A gente faz festa, a gente faz tudo, vamos...” Aí a minha esposa topou me ajudar também, falei: “Então vamos pegar.” Fui lá e falei para ele: “Olha, vamos fechar o negócio, você segura o recibo do carro...” Levei a minha Saveiro lá, ele adorou, porque era bonita, 89, tinha roda, era metálica, ele falou: “Não, a Saveiro é minha já, você me dá os 1.500 reais e está feito o negócio. Pode levar a Towner com o kit, eu te dou tudo aí.”

P/1 – Ela estava tudo equipada?

R – Tudo equipada, já estava com o kit, só não estava com aquele toldo que é do lado, que eu mandei fazer por causa do Broa. Aí eu falei para a minha esposa: “Se com carrinho nós vende aqui 30, 40 lanche, aqui no Broa, com a Towner, nós vai vender 60, 70. Vamos comprar sim.” Ela falou: “Você que sabe, então.” “Não é mais nem barraca, vou mandar fazer um negócio nessa Towner assim, assim, assim.” O jeitinho que eu pensei, deu. Festa do Clima aqui em São Carlos eu estreei a Towner, 97... é 97. Primeira festa do Clima eu paguei a primeira prestação dela.

P/1 – Na festa?

R – Na Festa do Clima. Falei: “Puxa vida! E eu preocupado, né? Graças a Deus, agora, a segunda nós damos um jeito de pagar.” E aí, comecei fazer festa fora, não tinha ponto aqui em São Carlos. Ia num lugar não dava certo, ia em outro não dava certo e eu comecei fazer festa fora, até pagar estas prestações. Aí que eu fiz o ponto lá na Escola Industrial, falei: “Vai indo devagarzinho aqui, que vai.” E comecei assim, pagamos a Towner normal, falei: “Agora é só lucro que vem.” Então, a idéia da Towner foi isso aí, por causa do carrinho que estava dando certo e eu resolvi fazer também, porque, falei: “Se você faz, eu também faço. Se você me ajuda...” Ela que sabia fazer purê, estas coisas... e a gente comprou a Towner por isso, devido ter dado certo o carrinho, falei: “Ah, vamos comprar a Towner.” Aí compramos essa Towner, aí eu falei: “Bom, agora a gente só vai mexer nisso...” Aí um dia ela estava lá no Diocesano, uma mulher chegou para ela e falou: “Você não faz festinha de aniversário?” Ela falou: “Eu não, mas posso fazer, né.” Aí ela chegou para mim e falou: “Mas como que nós cobra?” Eu falei: “Assim... assim... assim...” Fui ver quanto que era o pãozinho pequeno, e tal, calculei e falei: “Manda vê assim mesmo.” Falou o preço, a mulher aceitou e fizemos a primeira festa no Parque Sabará com o carrinho, aí, daquela ali ela espalhou para a outra. Aí foi para o Parque Faber, mandei fazer mil panfleto de propaganda e aí começou. Hoje, graças à Deus, tem duas, três, uma festinha por mês, esse mês tem duas. Fiz uma sábado e vou fazer outra, tudo com carrinho.

P/1 – Festa de criança, normalmente?

R – Festa de crianças. Festa de aniversário de crianças, de adulto, qualquer coisa a gente faz. Eventos, tudo. Agora tenho suporte para isso, né? Agora, dia 12, tenho uma do Dia da Criança, vai com a Towner, o cara não quer o carrinho, agora tem como escolher. (risos) Que nós temos três, agora, né?

P/1 – Como vem a terceira? É a Saveiro? Não, a Saveiro não. A terceira agora é uma perua?

R – Agora é um Uno que está montado.

P/1 – Um Uno?

R – O Uno foi o seguinte. Como a minha esposa trabalha lá no Diocesano com esse carrinho e o negócio estava ficando incômodo para ela, coitada, tirar o carrinho do estacionamento, empurrar. Ele tem um toldo que vai em cima, assim, todo dia ela tinha que desmontar, porque não passava na porta. Pra gente trazer ele e voltar eu cheguei a comprar uma carretinha para ser mais fácil para ela. Comprei uma Parati, comprei uma carretinha para ela levar e trazer o carrinho. Mas pra ela é muito incômodo, tem que ser em duas pessoas para colocar esse carrinho, desmontar, tirar. Então, ela guardava no escritório do estacionamento que tem ao lado do Diocesano. E para ficar mais fácil para ela, eu falei: “Eu vou comprar outra Towner.” Ela não gosta muito da Towner para dirigir. Ela tirou carta no Uno, você já viu, né? Não vou nem falar. Ela tirou carta no Uno, comprei uma Parati, porque eu não gostava do Uno muito, ela não se acostumou com a Parati, inclusive bateu a Parati. Também, um mês de carta... também, né? Perdi um dinheiro aí, perdi 2000 reais, por causa dessa batida. Falei para ela: “Vamos fazer o seguinte, eu vou comprar um Uno para você, vou montar um kit de cachorro quente, vou fazer um seguro desse carro, tudo bonitinho, você quer?” “Ah, é melhor para mim.” Ao invés de comprar outra Towner, comprou esse Uno, por que? O Uno serve para ela ir trabalhar e para gente passear, dar uma saída de vez em quando. Eu tiro o kit de trás, é um carro de passeio. Que nem agora ele está ali na frente. Você vê, está coberto lá, você pode até ver que é um carro de cachorro quente, mas não, só se eu te falar, porque senão você não sabe se é. Porque está coberto, está com os bancos, está sem propaganda. É um carro de passeio e de trabalho.

P/1 – Cilson, quando eu te conheci você falou que tinha um celular, porque às vezes as pessoas querem te localizar, como é isso?

R – A idéia do celular foi o seguinte. Comprei um celular porque tem as festinhas de aniversário que o pessoal liga, devido... eu não tenho telefone em residência, por isso. Nós dois não pára em casa, você vê, aquela hora eu saí correndo e esqueci o celular em casa e eu estou esperando uma ligação aí de Barretos, que o negócio é meio urgente. Um acerto do banco que eu estou fazendo e está para chegar, o dinheiro aí. Então, o celular é o seguinte, às vezes eu estou... Sábado, mesmo, um freguês me ligou: “Onde você está hoje?” Eu falei: “Eu estou aqui no Chiquinho.” “E como é que faz para pegar lanche?” Eu falei: “Fala o qual que você quer porque eu estou aqui dentro, hoje, e eu faço e te entrego ali na portaria. Você vem pegar mesmo?” “Uh, pode deixar que eu vou.” Então é para isso. Esses dias eu estava lá no Azul Banana, o cara ligou à uma hora da manhã que queria cachorro quente, mas queria mesmo. Tem outros lugares, mas ele queria o meu porque estava acostumado. Às vezes, também está chovendo, chovendo muito, não tem como trabalhar, né. É... que nem outro dia...

P/1 – Choveu muito.

R – Segunda, né?

P/1 – É

R – Então, não fui trabalhar. Tem uma freguesa minha que liga todo dia encomendando cachorro quente que ela passa pra pegar, e nem desce do carro. Liga: “Oh, eu quero esse... esse... esse...” Eu faço, já deixo na sacolinha, já vem com o dinheiro trocado, pára ali... tchhh... tchhh...

P/1 – Quando você não vai trabalhar eles passam na sua casa?

R – Também. Isso também. Mas, mais é ali no meu ponto, né? Em casa foi só uma vez que foram buscar, eu falei: “Olha, eu não estou trabalhando, mas se quiser vim pegar aqui.” Como a pessoa morava ali na Vila Nery, ali pertinho, foi, né? Mas é difícil ir. Mais é no meu ponto.

P/1 – Onde é o seu ponto onde você fica mesmo?

R – É na Escola Industrial, à noite, e no Anglo durante o dia, de manhã. no Anglo da Avenida São Carlos.

P/1 – E a sua esposa?

R – Fica no Diocesano. E fora os bailes que a gente faz de final de semana.

P/1 – Cilson, licença do carro... para o carro ficar lá, como é isso?

R – A licença é o seguinte. Você tem que ir na prefeitura e eles te dão uma licença. Hoje é difícil te dar, eles não estão dando licença para trabalhar. Eu tenho autorização da Prefeitura, da Higiene Sanitária e tudo. Foi difícil para mim conseguir, eu só consegui porque eu tinha venda ambulante de comércio de polpa de frutas. Aí eu conversei com uma amiga minha na prefeitura, ela falou: “Você vai lá e faz uma mudança de atividade.” Eu fui e fiz uma mudança de atividade, de comércio ambulante de polpa de fruta eu passei para comércio ambulante de cachorro quente. Então eu consegui autorização, mas você pode perguntar aí, a maioria não tem. Depois eu fui na Higiene Sanitária para ele vistoriar e colar aquele selo, me deram alvará, e estamos aí funcionando e eu paro em qualquer lugar agora.

P/1 – Pode parar em qualquer lugar?

R – Posso, porque eles não podem falar, né? Se eu quiser parar ali na frente da lanchonete ali, eu posso. Só não posso parar na porta do cara, mas do outro lado eu posso.

P/1 – Na frente não pode? Na porta não pode?

R – Não pode, porque ali é um lugar dele, né? Também não é justo ter uma pessoa que vende de tudo, lanche, de tudo... e você parar ali, na frente. Você pode parar ao lado. Uma vez eu fui trabalhar aqui no King Pen que teve uns baile, o segurança chegou para mim e falou: “O patrão não quer que você pare aqui. E nem ali, e nem ali.” Falei: “Ôpa, você está errado, meu filho, dessa marca para cá eu posso parar.” Ele falou: “Você não vai parar aqui, que eu chamo a polícia.” Eu falei: “Olha, você não está sendo educado comigo. Eu gostaria até que você chamasse a polícia.” “Por quê?” Eu falei: “Porque, olha aqui, eu não vou te mostrar, mas eu tenho tudo para trabalhar, autorização da prefeitura, da Higiene Sanitária, segundo eles lá, eu posso trabalhar onde eu quiser, eu só não posso trabalhar em frente do estabelecimento, mas, ao lado e do outro lado eu posso. Então eu vou ficar aqui.”

P/1 – Isso é lei?

R – Isso é lei. Ele foi e voltou: “Ah, você pode ficar aí mesmo.” Não pode dar moleza, se você for trabalhar num lugar e o cara: “Ah, você não pode trabalhar aí.” Se o cara sair... Em escola é 100 metros. Em escola isso é lei mesmo, é 100 metros longe da escola, porque a maioria das escolas tem cantina, né? Mas, se você chegar... que nem, no Anglo eu cheguei e conversei com o diretor, ele deixou eu pôr na frente, lá, ali no estacionamentinho, na entrada de carro, que nem área azul eu pago.

P/1 – É mesmo?

R – É porque é guia rebaixada e eu estaciono ali na frente. Eu chego, meu lugar está ali, ninguém põe o carro ali. Porque é guia rebaixada, né? Então eu chego e já está ali. Esses dias até o Sérgio açougueiro guardou o lugar para mim, “Olha, tinha muita gente aí, eu encostei o meu aí, mas já vou tirar.”

P/1 – Para você?

R – É. É uns cara legal.

P/2 – E ali na Industrial, por que você escolheu aquele ponto?

R – Olha, ali na Industrial escolhi ali porque não tinha ninguém ali também. Como é uma rua de passagem, de caminho para Tangará, tudo aqueles bairros ali, Vila Nery, a rua principal ali é a Marechal, o pessoal passa. Eu falei: “Olha, eu vou ficar aqui, porque se não der na escola eu faço uma freguesia de residência. Então, graças a Deus, deu certo. Você vê, às vezes na escola eu vendo pouquinho, fecharam um portão lá da escola esse ano. Então, eu não vendo só para a escola, eu vendo para a residência. Até nossa amiga aí já foi buscar lanche lá, vai lá de vez em quando, né? É uma freguesia de residência, o pessoal vai e gosta, porque a gente procura agradar a clientela, trabalhar com os melhores produtos, eu trabalho com pão embalado, não tenho contato de ficar pegando pão, ficar abrindo saquinho, colocar dentro, trabalho de luva, trabalho com a salsicha da Seara, a longuete, lata de milho em conserva você abre na hora, às vezes até o freguês chega e: “Ah, eu quero aquele tudo, lá.” Então eu abro na hora, ali para ele ver, às vezes já está aberto lá, eu não abro de muito, vai de um em um, às vezes acaba, chega lá, se não tiver é porque não abriu ainda e se tem é porque abriu ali. E assim, a gente procura agradar porque... você vai lá hoje, você gosta e eu te dei um produto bom, você vai voltar...

P/1 – É, né?

R – É, porque, pode estar onde for, por isso que tem vários fregueses aí que é fiel mesmo. Eles ligam: “Onde você está hoje?” “Ah, estou em tal lugar.” “Eu vou aí buscar.” É, tem o Doni...

P/1 – Quem é?

R – Confundi o Doni com o seu namorado.

P/1 – Quem é que tem fixo?

R – Ah, tem o Doni, o Leandro, o... ah! tem vários aí que liga para mim de sábado e tudo.

P/1 – Cilson, o pão que você usa é um pão diferente, também, não é?

R – O pão, ele vem de Campinas, não é daqui de São Carlos, é um pão embalado...

P/1 – Um a um, né?

R – Um a um, vem numa caixa de papelão, tudo certinho, um a um, separado. É um pão especial para cachorro quente que já vem embalado, né? Aqui em São Carlos, não sei, tanta... as padaria que têm aí nunca ninguém falou vou fazer igual.

P/1 – E qual a estrutura que você tem que ter na sua casa para estar fazendo o purê, o vinagrete, como é isso? Qual a estrutura que você tem que ter?

R – É a ajuda da minha esposa que... como hoje eu saí de casa e falei para ela “Olha, eu tenho uma entrevista às 14:00 horas e se eu não for, você vai no fórum para mim?” Porque a gente faz, só durante o dia, dois lugares, mais à noite, três lugares só com um carro só, que é só com a Towner. Faz de manhã no Anglo, à tarde no Fórum

e à noite na Industrial. Então, quando tem alguma coisa para a gente fazer, é ela que faz para mim. Eu cheguei em casa hoje, quase meio dia e ela estava fazendo o purê. Então, ela que faz o purê, eu trabalho o dia inteiro quase, ela faz o purê, o vinagrete é feito na hora também, tem a maquininha de cortar, não é feito na mão, maquininha de cortar vinagrete, você põe o tomate e fchuuuiii... em cinco minutos você faz um tanto assim de vinagrete, o tomate já sai quadradinho e o purê... o mais demorado para a gente é o purê, porque o nosso purê é natural, né? Descasca a batata, cozinha e... tem gente que faz artificial, daqueles tipo cinco minutos, nas o nosso não.

P/1 – Não é aquele purê de saquinho?

R – O nosso é natural, sempre foi, qualquer lugar que a gente vai... não sei se aquele dia lá você...

P/1 – Eu comi...

R – Então é toda... não é de saquinho. É tudo natural. O mais demorado é o purê, porque o resto... olha, o pão vem embalado, nós não tem trabalho nenhum, o trabalho é ligar para Campinas um dia antes, no outro dia está aqui o pão, ou liga de manhã, seis e meia, sete horas está aqui à tarde, você pede lá 250, 300 pães na semana. O purê é ela que faz, o vinagrete, o milho vem em conserva, a ervilha vem em conserva e só... batata palha, também, eu já peço da Bambini, vem embalada num saquinho, vem de Campinas também. E a salsicha ferve na hora. Faz o molho em casa ou já leva o molho, ferve ele na hora, tem um fogareiro embaixo. Não tem muito trabalho. Tem aquele trabalho... mais é do purê e é lógico, arrumar as coisas, que isso dá trabalho, né? Às vezes eu chego do Anglo tem que limpar o kit para ir trabalhar à noite, porque, a hora que você abre o carro, às vezes tem algum freguês esperando.

P/1 – Já tem?

R – É, eu vejo muito isso, né? Se você for lá às sete horas, falo para você eu estou lá às sete horas no meu ponto, você chega lá às sete e eu não estou lá, tudo bem, você vai esperar e eu vou abrir o carro e você vai ver aquele kit sujo de batata queimadinha ali do fogo, vai ter uma má impressão, então eu tenho esse trabalho aí: chega, limpa, tira, limpa... Nossa Senhora! É trabalhoso.

P/1 – Como que o pessoal costuma te pagar?

R – À vista.

P/1 – Dinheiro?

R – Não pode ter fiado, né? Se você tiver fiado num negócio desse, você quebra. É igual as polpa de frutas que eu comecei, parei também, um pouco por isso. Tinha 480 reais de fiado, acabei perdendo uns 200, mais da metade. Não recebi, não recebe. É quinze dia para um, dez para outro, você vai lá o cara sabe que você parou “Depois, você passa aí...” e vai te enrolando. Cachorro quente não, você vai numa festa, você entrou num baile lá, você saiu do baile, você vai comer. Sobrou lá dois reais, um e cinqüenta, um real, dois, não sobrou? “Ah! vou comer um cachorro quente.” Pagamento à vista. Por isso que é bom. Logicamente que o retorno é meio demorado, disso aí, porque é barato, mas... Como o ano retrasado foi bom para fazer festa, o ano passado eu cheguei até ganhar um dinheirinho, mas esse ano já está ruim. Como eu te falei, lá em São Pedro, você viu, ganhei “X” lá, esse ano eu perdi. Perdi dinheiro esse ano lá, então, já está ficando ruim para fazer festa. Eu fui em Torrinha fazer festa.

P/1 – Estas festas são diferentes, né? Porque tem as festas de crianças, e essas festas são...

R – Não, essas daí entram como...

P/1 – Festa de rua?

R – Festa de peão, festa de igreja, festa de aniversário da cidade, quermesse, essas coisas aí. Isso aí é diferente porque, aniversário de criança é feito aqui, na cidade e tal, a pessoa contrata, é “X”... o melhor...

P/1 – Pacote fechado?

R – É, pacote fechado. Você tem um filho, dois, três anos, “Ah, vou fazer o aniversário dele. Ah, mas eu quero cachorro quente, vou chamar o Cilson, que ele já está conhecido aí na cidade.” Bom, aí você vai lá e fala: “Olha, quero fazer uma festinha para o meu filho, vai 50 pessoas, umas trinta crianças, uns 20 adultos, quanto você acha que eu devo...” “O mínimo é dois ou três por criança.” aí você fala: “Para não ficar assim... manda 200 para mim.” Aí, esses 200 é pacote fechado. Te falo: “Olha, eu tenho uma reserva aí, que eu trabalho com pão embalado.” E eu levo reserva, essa que é a vantagem, você não passa vergonha. Se eu levar 200, acabou os 200... acabou, acabou. Chega lá uma pessoa: “Ah, eu quero mais um cachorro quente.” Você fala: “Não tenho.” “Ah, foi culpa do rapaz do carrinho, ele que trouxe pouco.” Então, eu ainda levo a má fama e você ainda sai por cima, às vezes. Então, a gente trabalha com a reserva que é esse pão embalado da Bambini. Você fala: “Eu quero 200.” Eu falo: “Olha, vou levar reserva.” Eu levo mais uma caixa de uns 50 pães, se acaba eu corto no meio e a pessoa come. Sábado eu fiz uma festa para o Catarino, irmão do Catarino, Vanderlei Catarino, ele pediu 200, eu levei mais uma caixa, e não era para levar reserva, eu que levei. Nem foi falado que eu estava lá no Fórum, ele foi numa quinta-feira, a festa ia ser na sexta e eu liguei para a padaria e consegui o pãozinho ainda. Liguei... e a minha esposa que fez com o carrinho, saiu mais uns 100 da reserva, mais 50, foram 300 lanches. Então, tem essa vantagem. Ela falou: “Olha, se você não me traz, eu ia passar vergonha.” E o pessoal comeu, hein, foi churrasco e cachorro quente, comeram para caramba. Então, aí... que é a festa de criança e a festa de peão. A festa de peão, também, hoje ficou ruim de fazer, porque você faz... tem uma festa de peão lá em Torrinha, um exemplo só, ano passado eu trabalhei lá, foi o pessoal da prefeitura que organizou ali, o prefeito, ele falou: “Eu quero 300 reais no espaço.” Você paga um espaço para trabalhar, esse ano ele vendeu para terceiros...

P/1 – A festa?

R – Vender os espaços. Vamos supor, tem um espaço, a prefeitura vai lá... eu tenho dois metros para trabalhar, dois metros para pôr a Towner lá. A minha Towner e cada um tem seu espaço já certo. Você vai lá e contrata “Olha, esse daqui é meu.” Aí você paga, eu paguei 300 reais, o ano passado eu fiz 1700 reais lá, bruto. Paguei o espaço, paguei as despesas e ainda sobrou uns 500 reais livrinho, por exemplo. Essa é a diferença que eu estou te falando da festa de criança, da festa de peão e da festa de quermesse de igreja. Lá em São Pedro eles exploram também, que é por espaço lá. E eu paguei 360 reais para trabalhar esse ano, cobraram mais caro. O ano passado, paguei 260, esse ano eu paguei 100 a mais. Então, se você não vende, você perde, entendeu? Você compra “X” de mercadoria, você sabe o que mais ou menos você vai vender. Como eu... no meu caso eu compro esses pães da Bambini, eu já compro e já levo um mundo de pão, para mim não ficar correndo atrás de padaria lá. E é onde eu dancei lá em São Pedro, eu perdi cinco caixas de pão, porque ano passado eu vendi um “X”, falei: “Eu vou levar tanto...” Ainda bem que eu levei só o que eu vendi o ano passado, falei: “Depois eu peço mais, na segunda-feira lá.” Foi onde eu dancei.

P/1 – Cilson, quando você faz as festas fora da cidade, onde você dorme? Você vai sozinho? Como você se estrutura?

R – Olha, ultimamente estava dormindo dentro da Towner, que a Towner... Bom, já faz dois anos que eu fiz festa junto com um amigo meu daqui, que ele tem uma barraca, bem montadinha assim... e eu levo tudo daqui de São Carlos. Então, pão, salsicha, tudo, na caixa de isopor. Aí você deixa na barraca dele, tira as coisas da Towner, deita o banco do meio, deita todos os bancos e leva um colchão em cima. O banco da Towner deita que ficam iguais todos os bancos, aí você põe o colchão e dorme dentro do carro. Para tomar banho, você toma banho no hotel, qualquer lugar. Lá em São Pedro, tomamos banho naquele hotel da esquina lá.

P/1 – Hotel Central?

R – É. A mulher cobrou um e cinqüenta por banho. Eles cobram... se a gente ficar em hotel, não compensa, porque é um negócio que se torna caro para você. A não ser que você está já estabilizado e tem um dinheiro sobrando. Tinha um cara lá, ficava em hotel lá em São Pedro, mas é um cara que mexe há muito tempo já com isso, e ele tem condições, né.

P/1 – Quem chama vocês para participar destas festas?

R – Quem chama?

P/1 – Como você fica sabendo?

R – Existe um manualzinho... um roteiro de festa. No começo, a gente pega aquilo lá e vai olhando, festa do peão e tal, festa de... agora, festa de igreja não aparece. Então, você fica sabendo assim, um comenta com o outro. Se foi em São Pedro “Ah, a festa lá é boa.” Se foi em Torrinha “Nossa, a festa lá é uma beleza.” Fui lá em Ibaté, fui em Porto Ferreira, o ano passado eu fui em Porto Ferreira, Nossa! A festa em Porto Ferreira é um estrondo de boa. Eu vou lá ver, 400 reais de prejuízo, o ano passado. Não dá, cobraram 850 reais para trabalhar num espaço de dois metros e meio para mim pôr a Towner. Olha, você tem que trabalhar que nem um burro velho ali mesmo, tem que fazer cachorro quente para caramba, meu! Você tem que trabalhar dois, três dias de graça e depois tirar o seu... isso, se der movimento, né. Eu perdi 400 reais em Porto Ferreira o ano passado, esse ano eu nem fui. Não estou indo mais em festa, eu estou procurando fazer ponto na cidade, igual eu estou fazendo. Depois que eu parei com festa que eu comecei ir no Anglo. Mas, ficar mais fixo na cidade, se tem festas aqui nestes bailes eu procuro dar um cartãozinho para o pessoal ligar para saber onde eu estou: “Olha, estou em tal lugar.” Quando não tem, eu vou no meu ponto, de sábado e de domingo eu não estou mais trabalhando, porque eu não agüento também, né? Segunda a sábado, chego em casa quase onze e meia, meia noite e às sete horas da manhã estou levantando, oito horas estou em frente o Anglo, fico até às onze. É uma correria o dia inteiro, não tem parada. E fora os concorrentes, que já estão atacando, né? Ontem, foi uma mulher no Anglo à noite.

P/1 – E aí? Você já estava lá? De noite você fica lá também?

R – À noite não. Ela sabe que eu não estou à noite ela foi, pôs um carrinho lá e vende mais barato que eu. Então você vê, tem aluno que saiu de lá na hora que eu estava lá, que já falou para mim hoje. Tudo tem concorrente. É a mesma coisa. Quando eu fui lá, a mulher da lanchonete não gostou muito. Nós vamos fazer o quê, tem que trabalhar. A mulher do cachorro quente foi lá e eu não estou lá à noite, não tenho condições de estar à noite, agora que eu estava pensando em pôr à noite lá. É verdade, a semana passada nós conversamos, eu estou com um carrinho parado em casa. Meu irmão está desempregado, colocava ele lá no Diocesano com o carrinho, tacava a minha esposa aqui no Anglo, porque ela tem lugar para guardar o carrinho, colocava ela no Anglo com o Uno e eu ia para lá. Ela só continuava ali no lugar. Mas a gente está pensando em vender o Uno e comprar outra Towner. É que a Towner chama mais a atenção, né? Agora eu tenho um dinheiro para receber aí, vamos ver se eu vou, talvez eu nem venda o Uno e compre outra Towner também.

P/1 – Cilson, a maior parte da clientela é formado por que tipo de pessoa? Mais jovens, estudantes, mulher, homem? O que você percebe?

R – Ah! Uma parte é estudante. A maior parte é estudante, né? E um pouco de residência também, um pessoal mais de casa, mais de residência. Como vou te dizer, mais caseiro, que fica em casa. A pessoa não gosta de fazer uma janta “Ah! vou comer um lanche hoje.” “Ah! vou comer cachorro quente.” Então pega e vai lá. Mas, mais assim é estudante porque... no Anglo tem bastante estudante. Lá na escola, lá na Industrial tem também, vários alunos que saem e compra, meu. Tem aluno do Militão, tem aluno da outra escola que fica do lado de baixo lá... Juliano Neto. Então, você espera. Eu fico até onze, onze e dez, onze e quinze lá no meu ponto. Você espera os estudantes virem. E criança às vezes também, que vê “Oh! A peruinha do cachorro quente.” Nossa, quando eu montei isso daí eu vou dizer para você, só tinha a minha. Para você ter uma idéia, na Festa do Clima, a primeira vez, a primeira peruinha, nêgo chegava e olhava, nossa que bonito, né? “Ah, me dá um cachorro quente, vai. Vou experimentar.” Foi uma novidade para a turma aqui, né. Hoje não, hoje tem mais cinco peruinha e mais uns carros montados por aí. Tem mais um Uno que eu sei, tem uma Parati montada, sabe? Então, mas é assim, tudo que você vai fazer, não é que eu queira falar, não. Tudo que você vai fazer o pessoal vai copiando. Você faz, deu certo “Uhh! O cara está indo bem...” “O cara trocou de carro...” “O cara comprou outro carro...” E olha, como diz o cara hoje, tudo de olho gordo e é verdade. É, você monta um negócio hoje, você tem a idéia “É, fulano deu certo eu vou fazer também.” E vai por aí, não vai quebrando a cabeça, porque não é assim, tem que ter uma estrutura para isso daí, se não tiver, não vai... hoje, se você comprar uma Towner hoje para você paga, já não dá certo, eu comprei ela, quase quitada, né? Se for para você comprar hoje, para você pagar 600, 700 reais por mês, hoje eu não pagaria porque eu tenho uma despesa de 600 reais, quase, por mês, de tudo. Porque você tem que ter um negócio por trás, você vê, tenho o seguro da Towner, tem UNIMED que eu pago, tem o seguro do outro carro, tem tudo isso, e se você for pagar mais uma prestação em cima, aí não paga. Então, sempre tem aqueles “Ah, eu vou comprar, deu certo para fulano.” Mas não vê o tanto atrás que você... ainda faz isso, trabalha até de madrugada. Sábado eu cheguei às cinco e quinze da manhã em casa. Trabalhei no Tiquinho, coloquei o carro lá nove horas da noite e você tem que esperar todo mundo sair do baile, todo mundo ficar lá sambando e tal e você lá, de braço cruzado esperando a hora que sai... igual formiga em cima do carro “Ô, faz um para mim...” “Ô, faz dois para mim...” E você tem que chegar e fazer...

P/1 – Sozinho você fez esse?

R – Estava eu e a minha esposa e ela me ajuda ainda de madrugada. O meu filho fica com a minha mãe, porque eu tenho um filho de nove anos.

P/2 – Tem um menino?

R – Então, cinco e quinze estava chegando em casa. E é assim, o pessoal chama eu para fazer baile. Eu estava lá no Anglo, o cara foi lá: “Olha, vou fazer lá no Tiquinho, você quer pôr a Towner lá dentro, se quiser dar uns 15, 20 lanches para nós lá, já está certo.” É, eles cobram também. Sábado agora não foi bom para mim, o cara cobrou 20 reais para trabalhar e eu vendi 45 lanches só. Porque foi ruim a festa dele. Então, empatei sabe? E esse não quis lanche, ele quis em dinheiro para dar para um outro que estava ajudando ele, não sei o quê. Então é assim, às vezes você ganha, às vezes você perde. E você vai tocando o barco, né. E é bom que o pessoal chama a gente, né. Já está conhecido. A maioria do pessoal, tem uma festa em tal lugar, tem uma festa lá no Tiquinho, amanhã, né. Vários que vai lá no Anglo, “Oh, tio. Você vai lá amanhã?” “ Eu vou” “...é, mas não vai deixar nós sem cachorro quente aqui, né.” Então, eu vou ter que fazer os dois, um vai ter que ficar lá no Anglo, o outro vai ter que ficar dormindo, depois vai ter que ir para o Anglo. Porque também, é um compromisso que você tem, a clientela.

P/1 – É claro.

R – É mesma coisa que eu falo para você: “Olha, hoje eu estou lá na Industrial.” Você fala: “Eu vou lá comer cachorro quente.” Aí eu não vou, falei para você que ia mas eu não vou “Ah, hoje eu não vou trabalhar não, estou cansado.” Não é assim, tem que ter um compromisso né? Aí você chega e eu não estou lá “Puxa, olha o cara, não está nem aí. Falei que vinha aí, nem ligou.”

P/1 – Cilson, a gente está se encaminhando para o nosso final, me fala uma coisa, nas tuas horas vagas o que você gosta de fazer?

R – Nas horas vagas?

P/1 – É. lazer, quando você pára, o que você gosta de fazer para descansar, para divertir?

R – Lazer que eu gosto, churrasquinho, cervejinha na beira da praia, essas coisas que é meio difícil, mas tenho um amigo que tem casa lá no Broa, a gente vai de domingo lá, passear com a família, o lazer que eu faço é pegar a bicicleta e andar de domingo. Porque a gente quase não tem tempo de fazer uma academia.

P/2 – Onde você anda de bicicleta aqui na cidade?

R – Ando ali perto de casa, às vezes vou lá perto da Federal, volto, naquele meio ali da Faculdade, sabe? E mais é assim, só. Uma volta de bicicleta de domingo. Às vezes, vai eu e o meu filho, porque a minha esposa não gosta muito, porque ele é muito pequeno ainda, tem nove anos. Mais é eu e ele que anda assim. Isso quando dá tempo, porque tem domingo que eu trabalho também.

P/1 – Se você fosse mudar alguma coisa na sua vida hoje, o que você mudaria?

R – Hoje. Que termos? Trabalho?

P/1 – Qualquer coisa.

R – Ah, o que eu mudaria, o que eu tenho vontade ainda de fazer e talvez eu faça, é montar uma lanchonete aqui em São Carlos, no centro... uma lanchonete de cachorro quente, se especializar mais em cachorro quente, fazer vários tipos, igual já tem aí, vamos mudar o nome e continuar num ponto fixo. Isso eu ainda quero fazer. Eu ia fazer esse ano, mas... ainda não dá, porque tem que ter um dinheiro aí por trás senão você não consegue. Se você não tiver, não dá para... porque você tem que montar um negócio bonitinho, senão não adianta, e aqui no centro. Se quiser montar em vila não vai. Então, isso eu vou fazer ainda, se Deus quiser.

P/1 – A tua experiência como comerciante na Van ou na polpa de fruta, qual a principal lição que você tira em relação ao comércio? O que você acha que aprendeu no comércio?

R – Lição?

P/1 – É.

R – Lição do fiado. Essa lição é boa, você nunca abrir uma lanchonete, essas coisas aí... não vai no fiado, que afunda. Afunda, que você tem uma lanchonete, chega um amigo lá “É, marca uma cervejinha para mim.” Você marca uma, duas, três, quatro, a hora que vê, ele deve lá 100, cento e poucos reais lá para você, já começa ficar difícil pela situação que nós estamos vivendo hoje, né? Que a maioria aí não ganha tão bem, né. Tem essas fábricas aí agora, fábrica que se empregava com 400, 500 reais, hoje está admitindo funcionários com 280 reais e isso também influi no comércio, porque cai. Que nem eu mexo com cachorro quente, outro mexe com roupa, outro mexe com... o que for no comércio, você vai cair. Você está trabalhando hoje, vários fregueses meu não vai mais lá. Esses dias foi um lá, que fazia um mês e meio que não ia “É, mas o que houve?” “Eh, estou desempregado. Não dá mais.” Então é isso, você mexe com comércio hoje, então o cara chega ali “Olha, você vende para mim fiado” Você consulta o nome dele, não tem nada e aí. Aí ele não está trabalhando, você está enrolado. Então, o fiado é duro, é uma lição que... afunda o camarada, heim, porque você vai comprar à vista. Eu invisto à vista, vou vender a prazo. Tem só um lugar aqui que eu faço isso e estou querendo parar, que é no Fórum. Ainda eu recebo no final do mês, é garantido, mas eu estou investindo à vista e vendo para eles a prazo, com 40 dias. Então eu tenho que ter um capital por trás, tenho que ter o capital para investir, para vender para ele e depois receber.

P/1 – Não é fácil.

R – Não é fácil.

P/1 – Cilson, eu queria agradecer por você ter passado esse tempo com a gente, ter contado um pouco da sua vida, sua experiência de comércio para o projeto do SESC e do Museu da Pessoa. Queria agradecer muito a sua presença.

R – Eu é que agradeço.

P/2 – Eu agradeço também vocês, pela presença.

R – Eu é que agradeço vocês, espero que serviu para alguma coisa. Ou sirva, né.

P/1 – Com certeza.