Museu da Pessoa

Valorizar o passado, aproveitar o presente para construir o futuro

autoria: Museu da Pessoa personagem: Esmeraldo Soares Tarquínio de Campos Neto

Entrevista de Esmeraldo Sales Tarquínio de Campos Neto
Entrevistado por Luiza Gallo e Bruna Oliveira
São Paulo, 25/10/2021
Projeto Porto Cidade - BTP/Ultracargo
Entrevista número: PCSH_HV1091
Realizado por: Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisado por Luiza Gallo


P/1 - Pra começar, Esmeraldo, eu gostaria que você se apresentasse, dizendo seu nome completo, data e local de nascimento.


R - Eu sou Esmeraldo Tarquínio Neto, eu tenho 58 anos. Eu nasci em oito de fevereiro de 1963. Nasci na cidade de Santos, na Santa Casa de Misericórdia de Santos. Então é essa qualificação inicial.


P/1 - E quais os nomes dos seus pais?


R - Esmeraldo Tarquínio Filho, ou Esmeraldo Soares Tarquínio de Campos Filho. Esmeraldo Tarquínio Filho, que era o nome pelo qual ele era conhecido. E Alda Terezinha Camargo de Campos.


P/1 - E o que eles faziam? Qual era a atividade deles?


R - O meu pai começa a vida profissional logo aos sete anos, porque o meu avô morreu quando ele tinha sete anos e faz as coisas que - em 1932... 1934, quando ele tinha sete anos - crianças faziam. Você não tinha o cuidado em preservar a vida da criança profissionalmente, como se tem hoje. Então ele foi engraxate, foi… ele entregava vídeos... vídeos!… ele entregava lata de filme de um cinema pra outro, aqui em Santos. Depois, já um pouco maior, ele começou a trabalhar em escritórios, como contínuo. Profissionalmente, ele começou a… ele foi ajudante de despachante aduaneiro, que é uma atividade bastante presente aqui na cidade, apesar de que essa atividade, hoje, sob o ponto de vista da atividade econômica, já não é tão representativa, porque as coisas têm sido feitas com um pouco mais… de uma forma diferente, não sei se de uma forma melhor ou pior, mas tem mais agilidade. Hoje os despachantes estão ligados às empresas, então acaba tendo outro tipo de relação. Mas ele foi ajudante de despachante aduaneiro, depois ele foi… trabalhou em escritórios de advocacia. Fez… ele teve, fez um técnico de contabilidade no colégio, ele estudou no Colégio José Bonifácio, depois no Escolástica Rosa, ou o inverso, no Escolástica Rosa ele fez técnico em contabilidade e no José Bonifácio foi a formação dele. Foi ali que ele conheceu a minha mãe, ali que ele fez boas amizades. Então esse é um colégio que a gente tem uma boa lembrança em casa. Minha mãe era… e meu pai, como eu falei, meu avô morreu quando ele tinha sete anos, aí ele foi criado pela minha avó e pela minha… e a minha tia tinha cinco anos a mais do que ele. Então ela tinha doze anos quando meu avô morreu e meu pai sete. Depois da morte do meu pai eles se mudaram pra São Paulo, ficaram lá alguns anos, três ou quatro anos e depois, porque… houve ali algumas promessas, alguma perspectiva de trabalho pra minha avó. Mas ele foi, ele passou lá três ou quatro anos e depois ele volta pra Santos. Ele volta pra Santos e se muda pra rua, pra uma travessa, um beco. Ele chamava “um beco”, Beco Ribeiro Conceição. Fica na Campos Mello, na Rua Campos Melo, entre a João Guerra e a Joaquim Távora, aqui na Vila Matias. E a minha mãe morava a umas cinco quadras dali, mas esse era o caminho que o meu pai usava para ir pra escola, e obviamente a minha mãe, estudando no José Bonifácio, porque era mais perto do colégio do que a casa dele, aí eles se conhecem ali e tal. Meu pai também teve uma atividade como diretor do Centro de Estudantes de Santos e o Centro de Estudantes de Santos tinha bailes, num lugar chamado Sociedade Humanitária de Santos, Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio de Santos, se não me engano, era esse o nome. Tinha lá dois bailes por semana, que eram organizados pelo Centro de Estudantes de Santos. Meu pai era cantor, então ele cantava. Era um bom cantor, meu pai era um bom cantor. E ele cantava em inglês, em português ele cantava também, mas ele cantava em inglês, ele… meu pai fundou, foi um dos fundadores do Centro Cultural Brasil-Estados Unidos, que era uma escola de inglês que existiu até poucos anos atrás, aqui em Santos. E foi ali, efetivamente, que ele começa a namorar a minha mãe. Pelo lado da minha mãe, minha mãe tinha… era uma família com vários núcleos familiares, moravam todos próximos. E, então, minha mãe não tinha irmãos, porque a minha mãe nasceu em 1930, meu pai é de 1927, minha mãe é de 1930. Minha mãe nasceu em 1930 e, em 1935, a minha avó se desquita do pai da minha mãe. E essa… e pode imaginar, 1935, uma mulher desquitada, pronto, né? Era terrível, deve ter sido muito difícil. Aí ela volta pra casa do meu bisavô, que era essa casa onde a minha mãe morava, perto ali do colégio. E ela… minha avó vem a se casar novamente onze... nove anos depois, oito anos depois. Casou-se com o Eurico, que é a pessoa que eu tenho como avô, porque esse me criou. Quer dizer, ele me viu nascer e me criou. E o Eurico era viúvo e ele tinha um filho, o Miguel. E, do casamento do meu avô Eurico com a minha avó Luci, nasceram dois filhos, a Euriluce e o Eurico. Então esse era o núcleo familiar da minha mãe, o núcleo familiar da minha mãe. Destes filhos - os avós já morreram. Minha mãe e meu pai já morreram - dois estão vivos, né? Eles continuam vivos, o Eurico e a Euriluce. Aí os dois começam a namorar e vocês também podem imaginar em que condições. Sob o ponto de vista social, o namoro de um casal interracial em 1948, 1949. Muita dificuldade, muita resistência. E isso mesmo na casa da minha mãe. E quem segurou a onda ali foi o meu avô Eurico, que não é meu avô e nem pai da minha mãe. Porque ele falou: “Não, não, não, eu o conheço do Centro”. Meu avô era corretor de café. Ele fez corretagem muitos anos. Em 1988, por exemplo, ele foi… fizeram lá um levantamento, lá pra uma homenagem que foi feita a ele, ele era o corretor de imóveis mais antigo da cidade. Ele tinha 65 anos de trabalho na Rua Quinze, em 1988. E ele já tinha… agora eu não tô me lembrando aqui. Ele era de 1908, ele tinha oitenta, então ele tinha quatorze anos quando ele começou a trabalhar, mais ou menos. Então meu avô foi o fiador do namoro. Não do casamento, o casamento foi evolução do namoro. Mas ele foi o fiador do namoro. E o meu pai entrou na família da minha mãe e a minha mãe na família do meu pai, de uma forma natural, essa entrada foi natural, dentro das possibilidades. Não era uma coisa que… não era um namoro sem controvérsias, sem obstáculos e tal. Foi sempre muito difícil. Então eles se casaram em 1951 e, em 1963, doze anos depois do casamento, eu nasci. Eu nasci doze anos depois. E minha mãe tinha… ela era normalista. Quer dizer, ela fez lá o colegial equivalente ao normal... não, normal que é equivalente ao colegial hoje. Então… e trabalhava… ela foi, ela fez uma formação… eu não me recordo se era taquigrafia ou estenografia. Então era uma coisa que ela fazia, que era um trabalho que secretária, recepcionista da época. Mas aí minha mãe casa-se com a idade de 21, em 1951 meu pai tinha 24, no dia quatro de janeiro de 1951. Casaram-se na igreja do Embaré, aqui no bairro do Embaré, aqui em Santos, na praia. E ela… aí eles moravam no bairro do Embaré, eles se mudaram pro bairro do Embaré, depois - alguns apartamentos no bairro do Embaré - foram pro apartamento onde eu nasci, na Rua

ngelo Guerra, no Boqueirão, no bairro do Boqueirão, que é próximo, inclusive, de onde eu moro hoje. Aí a gente se mudou pra uma casa. Nós ficamos nessa casa durante trinta anos, foi a casa em que meu pai morreu e era uma casa muito legal, superbacana. Aí já vai uma primeira história, porque a gente se mudou numa sexta-feira e eu tinha um… aí, vai desencaixotando as coisas e tal. Claro que criança, eu tinha dez anos, criança não… quer fazer bagunça, não quer… e aí, eu… minha mãe falou assim: “Vai comprar uma Coca-Cola no supermercado”, porque tinha um supermercado bem perto, chamava-se “Supermercado Peralta”, hoje é uma loja do Pão de Açúcar. E aí eu fui lá comprar. Não, não era o refrigerante, precisava comprar, porque ela não estava achando um abridor de garrafa. E aí eu fui lá comprar. Na volta eu encontro, na esquina da Rua Ricardo Pinto com a Avenida Epitácio Pessoa - a Avenida Epitácio Pessoa era a minha rua, era a minha avenida - um amigo meu, já daquela época, porque os nossos pais eram amigos e ele é meu amigo até hoje, que é o Carlos Lamberti. O Carlos Lamberti morava na esquina dessa… da Ricardo Pinto com a Epitácio Pessoa, aí eu falei assim: “Carlinhos, vamos lá em casa, vamos lá brincar!” Imagina a alegria da minha mãe quando eu chego com um amigo, que ela conhecia, obviamente, mas que, na verdade, ia dar uma atrapalhada, porque ela, por menos que eu pudesse fazer alguma coisa, ia querer que eu ajudasse. Aí ela falou assim: “Tá bom, vão brincar ali fora”. Porque tinha um jardim, tinha uma garagem dentro da casa. Bom, o fato foi que, passada aí meia hora, quarenta minutos, a minha mãe vai até a garagem pra pegar alguma coisa e aí eu vi o rosto de desespero da minha mãe: “Meu Deus, por que isso? Por que aconteceu isso? O que eles fizeram aqui?” Nós estávamos jogando bola. E aí a parede toda limpinha, que estava duas horas antes disso, estava toda marcada de marca de bola, porque era bola de capotão, era bola de couro, então acumula sujeira. Então você bate num lugar, a sujeira vai ficando. Então foi o primeiro impacto que minha mãe teve na casa, o que, por si só, já garantia ali um pouco de tranquilidade… e eu não lembro se ela falou pra eu parar, eu não lembro, eu não lembro. Mas a gente lembra sempre, eu e o Carlos, dessa história. Então a gente morou ali até 2003, quando eu me casei, saí daquela casa, minha mãe vendeu a casa e foi pra um apartamento e ela morreu em 2006, nesse apartamento, que é no bairro Gonzaga, que é onde a minha irmã mora até hoje. Eu, quando nasci, Luiza, quando eu nasci, eu estava mal posicionado. Eu estava de bunda, eu estava de bunda, não estava com a cabeça. Criança nasce pela cabeça. Aí o obstetra coloca um fórceps e quebra a minha clavícula. Era a forma de me reposicionar, porque senão eu ia morrer e a minha mãe ia morrer. Então era o jeito que tinha de fazer isso. E, nessa história, quebrou a clavícula porque em 1963 não era comum a cesariana, era pouco comum, acho que parto natural é legal e tal, mas em emergências, em urgências, você tem que utilizar um meio mais fácil, mais eficaz pro bebê nascer. Então o fato foi que eu fiquei com uma sequela desse nascimento, porque eu estava… esse mal posicionamento quebra a clavícula e o problema, talvez, não tenha sido essa quebra da clavícula, o problema foi o tratamento pós nascimento. A minha mulher é médica, e é pediatra e ela falou assim: “Meu Deus do céu, hoje jamais você teria essa…”. É uma semi paralisia. Eu mexo o braço, movimento e tal, mas eu não tenho os movimentos e a força que o braço esquerdo tem. Mas aí o fato é que ela foi... o tratamento que foi sendo adotado foi o de prender o braço. Então eu ficava com esse braço livre e prendia o braço. Quer dizer, é uma faixa que era colocada ali e eu ficava com o braço preso, que é isso que a minha mulher fala, quer dizer, não tem sentido que isso tivesse acontecido, mas aconteceu lá. Então por conta disso eu sempre tive lá as minhas dificuldades físicas. Mas eu, talvez, durante toda a minha infância e adolescência, nunca dei muita trela pra isso, muito, muito… isso não me criava um problema, porque eu procurava e encontrava alternativas. Sempre fiz muito esporte. Sempre fiz bastante esporte, eu gosto de esporte até hoje. Hoje já não faço mais nada, mas gosto muito de esporte e certamente isso facilitou muito algumas coisas que pessoas sem esse tipo de desequilíbrio físico não conhecem, mas me ajudou muito a manter algum equilíbrio físico. Diferente de outras pessoas. Então eu fui… e aí, tem também a questão um pouco da proteção. Meu pai, minha mãe, meus avós, meus tios, as pessoas acabavam me protegendo. Então eu lembro, por exemplo, uma vez que, entre o apartamento em que eu nasci e essa casa que nós moramos trinta anos, nós moramos numa casa. Era uma casa que aí reunia o núcleo familiar da minha mãe: minha avó, meu avô e meus dois tios. Era uma casa grande, tinha uma edícula, meu tio morava na edícula. E a casa era uma casa bem interessante, era bem grande, hoje é um prédio. E, nessa história, eu me lembro muito bem da primeira vez que eu atravessei uma rua sozinho, porque a minha mãe - era uma rua que não tinha trânsito, não tinha tráfego, era muito sossegada - um dia nós estávamos atravessando a rua, aí ela solta da minha mão. Quando ela solta da minha mão, eu fico olhando pra ela: “O que eu vou fazer aqui, não… é pra eu… deve ser pra eu ficar parado aqui, né?” E aí ela foi pro… caminhando pro meio da rua e falou: “Vem”. Aí eu olhei, mas foi muito legal porque, caramba, pô: “Sou livre, né? Tenho autonomia pra atravessar a rua” e tal. Então foi uma… essa é uma boa lembrança que eu tenho, de atravessar a rua sozinho pela primeira vez. Eu devia ter aí uns quatro anos, três anos. Que a gente morou lá de 1966 a 1968... a 1969. Como a gente vai, certamente, nessa conversa, tratar da questão política, então tem fatos ligados a esta casa, bastante importantes. Bastante marcantes. Então, Luiza… bom, falei do meu pai e da minha mãe, falei muitas outras coisas, mas basicamente era esta a formação da minha mãe, a formação do meu pai. Só complementando a formação do meu pai: meu pai, quando começa a estudar Direito, não tinha a Faculdade de Direito de Santos ainda, que foi a faculdade, eu comecei a fazer Direito na PUC, mas eu voltei pra Santos e voltei pra Santos e terminei na faculdade ali de Santos, a católica, a universidade católica. E, nessa história, o meu pai foi estudar no Rio, no que hoje equivale a UFF, a Universidade Federal Fluminense e era um sistema… e várias pessoas daqui de Santos estudaram lá. Eu tive aula com um colega de turma do meu pai, que era o professor Nildo Serpa Cruz, que dava aula de Direito Comercial e o professor Nildo era uma das pessoas dessa turma. O filho de um dos colegas, que foi meu professor também, professor Mário Müller Romiti, professor de Direito Civil, o pai dele também era dessa turma e outros vários cientistas faziam isso, porque era um sistema que nessa época existia, de você não ir, não ser um curso presencial. Então você ia, eu acho que eles tinham aula no fim de semana, basicamente. Basicamente era aula no fim de semana. E acho que eles iam pro Rio na quinta-feira ou na sexta-feira e ficavam e voltavam no domingo. Aí ele fez essa formação. Depois ele entra para atividade política. E em 1959 ele se elege vereador aqui em Santos. Em 1962 ele se e ganha a eleição pra deputado estadual. Em 1965 ele foi candidato a prefeito, mas foi derrotado. E em 1968 ele é eleito prefeito. Nessa época nós já tínhamos a ditadura. Isso foi a ditadura de 1964. O que era um sistema multipartidário virou bipartidário, ou pluripartidário, virou bipartidário em 1966. Ou 1965. Porque em 1966 ele já foi candidato à deputado pelo MDB e, em 1968, pelo MDB, numa das sublegendas, o MDB teve três sublegendas, ele foi o vencedor da eleição, mas foi cassado do mandato de deputado, não de prefeito, porque ele ainda não havia tomado posse do mandato de prefeito. Aí ele foi cassado. Então depois disso, ele continuou a advogar, mas com muita dificuldade, porque ele era, sem dúvida nenhuma, mais político do que advogado, sob o ponto de vista do trabalho. Então ele precisou retomar a atividade profissional. Ele foi… obteve ajuda de amigos dele. Um deles, o que eu me lembro bastante, porque também me ajudou, era um amigo dele desde a época em que os dois eram ajudantes de despachante, portanto, aí, década de quarenta, cinquenta, que chamava-se, já falecido também, Darcy Barros. O Darcy foi pra São Paulo. O Darcy Barros é um sujeito que tem uma importância aqui pra cidade bastante grande porque, apesar dele já estar em São Paulo, ele foi um cara que foi se ligando às artes. Artes plásticas, ele tinha lá uma galeria de arte. Ele gostava muito de arte. Muito de arte. E ele, Darcy, foi o sujeito que mais incentivou a compra, pela prefeitura - eu acho que isso daí foi em 1985, 1986, 1987 - da última casa, do último casarão da avenida da praia, em que hoje está instalada a Pinacoteca Benedicto Calixto. E esta pinacoteca, essa aquisição pela prefeitura, da pinacoteca, da casa pinacoteca, foi feita com incentivo muito grande do Darcy. O Darcy projetou, idealizou a pinacoteca. Então é um sujeito que ajudou a nossa família, mas também ajudou a cultura, ajudou as artes aqui da nossa cidade. Bom, então ele vai trabalhando como advogado, ele trabalhava… porque, na advocacia, você chama de advocacia de partido, quando você é contratado por alguém pra advogar. Você é advogado da empresa, não obrigatoriamente advogado físico. Mas você atende aos temas que a empresa demanda, ou que uma pessoa demanda, isso independe de ser pessoa física ou pessoa jurídica. Mas o fato é que ele fez isso durante alguns anos e em 1974 ele começa a estudar Jornalismo. Ele fez Comunicação. Na época, já era Comunicação, porque era Jornalismo, RP e Publicidade que existia no curso aqui, da universidade… não era universidade ainda, mas da São Leopoldo, que era como a gente chamava, que hoje é a universidade católica. Então ele fez Jornalismo lá e se formou. É que essa data eu não… eu acho que ele começou em 1974 e terminou em 1977, ou começou em 1971 e terminou em 1974, essa é a minha dúvida aqui. Mas por que eu tô falando isso? Porque, um dia, ele encontra-se com um radialista aqui da cidade e comenta e tal… era um radialista esportivo e eles comentam e tal, ele falou assim: “Né, então, pois é, porque eu gostaria de conversar, de falar sobre um determinado tema no seu programa”. Aí esse radialista falou assim: “Não, mas veja, Esmeraldo, não dá, porque você não tem diploma, você não sei o que e não sei o quê”. Ele falou: “Não, não, eu vou, não vou criar nenhum tipo de problema pra você”. Ficou bem aborrecido porque, pra mim, que era criança, ficou muito claro que o cara estava com medo do cassado. Do cassado ir ao programa dele e… né? E, nessa história aí aconteceu que ele tinha uma… ele falou assim: “Não tem problema”. Em algum momento… é, eu acho que pode ter sido nesse período mais cedo ali, na década de setenta. Porque, passada a formatura do meu pai, ele já com registro no Ministério do Trabalho, encontra-se com o mesmo radialista e eu estava com ele. E aí falou assim: “Escuta, tudo bem? Tudo bom?” “Ô, como vai você, Esmeraldo?”. Eu queria… a conversa foi exatamente a mesma. “Não, tal, que eu gostaria de me manifestar”. Porque era uma forma, na verdade, Luiza, dele se manifestar. Ele estava calado pela ditadura, ele tinha sido calado pela ditadura. Quer dizer, quando você suprime direitos e você não permite que a pessoa se exprima de uma forma clara, aberta e tal, aí você... aí ele falou: “Mas é aquele problema: você não tem diploma, você não tem registro no Ministério do Trabalho”. Ele falou assim: “Esse problema…”. Aí eles se encontram novamente e, quando se encontram, a conversa foi exatamente a mesma, o mesmo tipo: “Ah, vamos, gostaria de ir ao seu programa e tal”, porque era um programa conhecido aqui, de rádio. E aí ele falou: “Mas aí você não tem registro no Ministério do Trabalho”. Ele falou assim: “Esse problema você não terá mais”. E aí foi algo do tipo assim: “Arruma outra desculpa, pra não me levar ao seu programa”. Muito bom. Não levou, né? Porque não levou. E aí me lembro de uma coisa, Luiza, que é a seguinte: eu também tenho um registro no Ministério do Trabalho, como locutor. Não como jornalista, mas como locutor, eu tenho registro lá, porque eu tive uma experiência ruim em 1990. Em 1990 eu fui fazer uma consultoria política em Roraima e, em Roraima, em Boa Vista, ali, eu… quando você vai pra tratar de questões políticas, você conhece as pessoas que estão andando. Porque eu fui contratado por um cara que queria ser candidato a governador de Roraima. Ele tinha sido vice-prefeito numa cidade no Amazonas, que é a cidade de Parintins. Tem uma família dele aqui. Eu nunca mais o vi. Chama-se Eduardo Costa. E aí ele me convidou pra ir lá e tal, eu fui, eu voltei mais uma outra vez depois. E eu mantive contato… ele era diretor da Rádio Difusora Nacional de Roraima. E aí eu montei pra ele um informativo em que eu falava, eu falei durante um mês, mais ou menos, na rádio, ele ligava pra mim - hoje seria diferente. Isso daí aconteceu em 1990 - da rádio, alguém ligava pra mim da rádio e eu fazia um informe pra ele, em que eu tratava dois minutos de notícias nacionais, um minuto de notícias internacionais e aí eu acabava, de alguma maneira, privilegiando um pouco os países do norte da América Latina, por conta da proximidade geográfica e um minuto de notícias específicas, então tinha um dia que era saúde, outro era meio ambiente, outro era educação e tal. E um quinto minuto com os indicadores financeiros. E, curiosamente, os indicadores financeiros faziam parte do momento mais aguardado do programa, porque era… aí, nesse caso, fazia comigo um amigo meu que é economista e que fazia a coleta dos dados indicadores, desses indicadores econômicos e financeiros. Bolsa, dólar, ouro e tal. Porque, principalmente, por causa do preço do ouro. Eu informava pra eles o preço do ouro daquele momento ali, daquele dia. E os Bancos não… vê que doideira, né? Os Bancos ficavam esperando essa informação. Eles não, eles não… até porque, agora, em São Paulo, é meio-dia, em Roraima são onze, acho que fora do horário do verão, é uma hora. E aí os caras ficavam esperando pra abrir, pra dar essa informação. Ninguém vendia, nem comprava ouro, sem essa informação, eu achava muito interessante. O fato foi que ele não me pagou. Aí eu fiz lá 25, 26 dias e o sujeito não me pagou. E, a partir dali, foi que eu decidi fazer o curso de locução. Caso eu tivesse alguma situação semelhante, que não teve, eu estaria coberto por essa situação. Então, mas era pra te falar que eu sou locutor também. Eu fiz locução. Então, por favor, Luiza…


P/1 - (Risos). Esmeraldo, tem muitas coisas, não sei, acho que eu vou aproveitar esse trecho do seu pai e perguntar pra você o que você acredita que teria representado as candidaturas dele, nesse período de cassação de mandato? O que você acha que ele pode ter representado pra cidade de Santos?


R - Eu acho o seguinte: que… o meu pai tinha um amigo chamado Geraldo Príncipe. Geraldo Príncipe era do interior, mas veio morar cedo aqui em Santos, veio morar cedo. O Geraldo tinha um tio que era deputado federal pela Bahia. O Geraldo era daqui de São Paulo, do interior de São Paulo, acho que talvez Palmital, a cidade do Geraldo. E Geraldo era um gênio político, era um gênio político. Ele era um sujeito que tinha uma capacidade de análise excepcional, excepcional. Meu pai teve dois grandes apoiadores. Gente que trabalhava... não, veja, ele teve vários apoiadores, mas ele teve dois… grandes não… dois muito bons apoiadores. Um era o Geraldo Príncipe e o outro era o Carlos Paiva. Carlos Paiva era irmão do Rubens Paiva, deputado federal que foi cassado, foi preso, foi morto pela ditadura. O Rubens foi estudar no Rio e ficou no Rio e aí foi candidato a deputado federal pelo PTB, no Rio de Janeiro. Então a vida dele não estava mais em São Paulo, estava no Rio. Mas o Carlos tinha um escritório, uma comissária de despacho aduaneiro, meu pai não trabalhou lá, mas eles eram amigos, porque o Carlos tinha essa... como eu falei: tanto o Geraldo, quanto o Carlos, uma capacidade extraordinária de análise e o Carlos ajudou muito o meu pai, inclusive sob o ponto de vista da campanha, financeiro. Tem uma história muito boa, interessante, que é a seguinte: durante a campanha, tinha um grupo econômico aqui da cidade, atuava na região, que estava procurando meu pai pra fazer um aporte financeiro pra campanha. E aí o que rolou foi que o… eles foram até o grupo econômico, direção do grupo e receberam a quantia que o número que eu me lembro é trezentos mil, do dinheiro da época e que era bastante dinheiro, era bastante dinheiro. E aí eles foram - teve lá uma tratativa preliminar - até o Carlos Paiva e o Geraldo. Meu pai não foi, meu pai conversou, em algum momento, com eles, mas quem foi terminar a história foram os dois. Aí eles chegam lá no lugar e tal, recebem o dinheiro, porque você recebia em dinheiro mesmo. Não tinha ainda caracterização de caixa dois, isso… não é que não tinha caracterização, não tinha a regulamentação do caixa dois. Muito bom. Termina a eleição, logo que passa a eleição, a eleição foi em… eu acho que essa eleição foi em outubro, mais ou menos como é hoje, não foi em novembro. A data de quinze de novembro foi posterior àquele momento, eu não tenho certeza, acho que foi em outubro. Que é uma coisa super extensa: você se elege em outubro, mesmo em novembro, pra você assumir em… naquela eleição, não foi em março, naquela eleição a posse era em abril, no dia quinze de abril. Você tinha quase seis meses, imagina, não tem sentido. Aí, o que aconteceu foi que passados uns dias, o Carlos Paiva e o Geraldo procuram esse grupo econômico: “Olha, nós gostaríamos de conversar com vocês”. Imagina que o grupo econômico deve ter aberto um sorriso de lado a lado, porque falou: “É agora a hora que eles vão querer continuar os negócios”. O fato… quem me contou essa história foi o Geraldo, não foi nem o meu pai. O Geraldo morreu eu 2013, eu conversava com o Geraldo uma vez por mês, digamos, porque ele morava em Osasco e eu, nessa época, morava em São Paulo e eu adorava conversar com ele, porque ele era um detalhista, então ele tinha nomes, ele tinha posição em que as pessoas se sentavam na sala, quem levantou pra pegar o café na pia... era, assim, eu gosto desse tipo de descrição. E aí o Geraldo e o Carlos vão até esse grupo econômico, chegam e abrem uma mala, uma pasta, com o mesmo pacote que eles receberam, eles vão lá pra devolver o pacote. Imagina a reação do pessoal do grupo econômico. Tipo assim: “Meu, o que nós vamos poder pedir pra eles, agora?” E eu falei assim: “Mas, Geraldo, qual foi o sentido disso?” Ele falou: “Esmeraldo, se a gente recusa, se a gente rejeita aquele dinheiro, eles iam dar pra outro”. E era um volume grande, era um volume grande. Então eu falei: “Ah, muito bom, tá, é isso mesmo, é isso mesmo”. Tanto é assim que, quando… isso aí eu vi, um amigo meu me falou: “Não…”. Quando tem campanha eleitoral, esse meu amigo recolhe todo o material que ele pode, alguém está dando alguma coisa: “Ah, dá pra mim. Ah, dá um pouquinho mais pra mim, porque esse cara é legal, essa mulher é bacana, tal”. Ele guarda tudo e ele não usa, porque ele falou assim: “Quanto mais eu tenho comigo, menos na rua esse material vai ficar”. Então, beleza. O que me leva a uma história, ô Luiza: em 1982, porque… eu já volto na representatividade do meu pai pra cidade, porque tem a ver com uma coisa que o Geraldo falou pra mim, mas eu já volto lá. Ia ser um problema, porque você vai precisar dar uma controlada porque eu sou, como o Geraldo detalha, o rei da digressão, então pode me chamar, pode me avisar.
Aí o que rola foi o seguinte: em 1982 eu estudava na PUC, eu fazia Direito na PUC e vinha pra cá nos finais de semana e um dia tinha chegado em casa o material do Severo Gomes, que era candidato a senador. E aí esse material era um pacote, uma resma lá, um pacote de papel, papel grande, a folha era grande, com o rosto de Severo Gomes e o candidato a senador do meu pai não era o Severo, o candidato a senador do meu pai era o Almino Afonso, era uma dobrada exclusiva, meu pai só fez campanha para o Almino, isso em 1982. Aí eu tô, um dia… nós tínhamos… um dos quartos era um escritório e aí eu estava estudando no escritório, isso no final de semana. E meu pai entra no escritório e viu o pacote, fechado, só aberto pra você poder puxar a folha, como a gente faz com papel sulfite e aí eu escrevendo, fazendo logo, escrevendo alguma coisa no verso do papel. Aí meu pai falou assim: “Filho, o que é isso?” Falei: “Ah, não, é um trabalho que eu tô fazendo, de Direito Constitucional”, que era… eu tinha aula com o Michel Temer, tive aula com o Michel Temer, de Direito Constitucional, um excelente professor, um excelente professor. E o meu pai falou: “Mas o que é isso?” “É o trabalho que eu tô fazendo aqui, pra constitucional” “Ah, é com o Temer, né?” Eu falei: “É, com o Temer” “Ah, então, legal. Então você vai fazer o seguinte: você termina essa folha e aí você, as que estão embaixo, devolve pro pacote”. Eu falei: “Por quê?” "Porque nós não vamos usar esse material para…” “Mas exato, pai, você não vai usar pra campanha, por que eu não posso…” “Porque alguém vai usar, alguém vai usar. Nós vamos avisar o comitê do Severo, ele vem aqui, apanha isso aqui e leva embora”. Um pouco diferente desse meu amigo, que ficava acumulando material. Mas são coisas que você vai aprendendo. Ele fala isso quando eu tinha dezenove anos e você vai aprendendo. Fala: “Pô, mas o respeito pelo que o outro quer, né?” Então é uma coisa interessante. Voltando pro meu pai, a importância que… como é que eu via, que atributos eu vejo no meu pai. O Geraldo Príncipe, uma vez ele me disse o seguinte: “Esmeraldo, o seu pai tem duas coisas nas veias, além de sangue: ele tem a política no sangue e ele tem Santos no sangue”. Apesar dele não ter nascido aqui, ele nasceu em São Vicente, mas ele… o meu… quando eles foram pra São Paulo, quando eu falei isso, eles voltam, meu pai tinha dez anos, onze anos, aí eles voltam pra Santos e é aqui que ele fez a vida dele, foi aqui que ele fez a vida dele. “Seu pai tinha a política e Santos no sangue dele. Então você imagine, Esmeraldo, como é que ele tratava a cidade”. E aí entra um ponto, talvez tenha sido o único ponto de conflito real… sabe aquelas crises de adolescente, de puberdade e tal? Adolescência e puberdade, que você faz um monte de bobagem e tal. Mas eu… aquele foi um conflito que tinha sentido. Tinha, pra mim, tinha sentido. Pra ele estava resolvido na cabeça dele, que é o seguinte: eu fiz, um dia, um questionamento pro meu pai: “Por que você, cassado, não foi embora de Santos? Por que…”. Isso eu já adulto. Adulto… dezoito anos, assim, dezessete anos, eu estava fazendo vestibular, já estava lendo bastante sobre as questões da política, da história política da cidade, do país. E aí eu pergunto: “Mas, ô pai, por que…”. Eu falei “você”, mas eu acho que eu chamava meu pai ... acho, não, eu chamava meu pai de senhor, a minha mãe de senhora e tal, os meus tios já o tratamento era mais informal, mas eu falei: “Pai, por que o senhor não saiu de Santos?” “Mas, como assim?” Falei: “Não, por que a gente não foi morar fora do Brasil?” Porque eu tinha, assim como eu tenho até hoje, a ideia de que uma formação educacional, cultural mesmo, em um outro país, teria sido muito bom pra mim, imagino que pra minha irmã também. Porque ele tinha sido convidado, num determinado momento, pra trabalhar na OEA, na Organização dos Estados Americanos. A gente mudaria pra Washington, que é uma cidade, assim, é o mais acabado símbolo do poder no mundo, pra mim, no mundo, é Washington. Washington, você olha pra um lado, tem o prédio do FBI, pro outro lado você tem o Capitólio, aí você olha, tem… então, e são símbolos, né? Poder é simbologia. Poder tem… se apoia muito na simbologia. E aí o lance é que ele disse assim: “Olha, meu filho…”. E era um trabalho super bem remunerado, seria ótimo sob diversos aspectos. E aí ele falou assim: “Filho, não há… talvez um dia você entenda isso, não acho que você vai entender agora, mas eu preciso falar pra você que eu não consigo viver fora de Santos, não consigo ficar fora do lugar que me acolheu, que eu, de alguma forma, retribuí, mas que eu quero continuar retribuindo”. Era um horror, Luiza, sair com meu pai na rua, horror. A gente almoçava, aos domingos, num clube, o Clube Caiçara. E dali ou ia ao cinema, ou ia ao jogo do Santos. A gente tem uma relação muito forte com o Santos Futebol Clube, que depois eu falo um pouquinho. Pra você… antes, o cinema era duas, quatro, seis, oito e dez da noite, não era um horário só, porque você tinha... o longa-metragem tinha oitenta minutos, noventa minutos. Então não tinha… não era muita coisa. Pra gente ir à sessão das quatro, podia esquecer, porque se você saísse do clube às três... três horas você sai de um clube que fica a três quilômetros do cinema, você chega fácil no cinema, estaciona o carro, compra o bilhete e entra no cinema. Era impossível, porque o que ele queria era andar, era conversar, era cumprimentar as pessoas. E aí era um negócio muito chato. Mas eu entendo que, pra ele, essa troca de energia, essa troca de… era fundamental, era essencial pra vida dele, essencial. Então ele me disse assim: “Filho, você não faz ideia do que é Santos pra mim. Você não faz ideia de como é que eu me vejo aqui. Eu não me vejo fora daqui”. Claro que ele ia trabalhar em São Paulo, ia eventualmente pro Rio. Ele fazia o trabalho que… ele ia trabalhar onde tivesse trabalho próximo daqui. Então, o que eu vejo, não há na história da cidade um político mais popular, na época dele, um político mais popular do que o Esmeraldo Tarquínio, não há. É óbvio que hoje você já não tem pessoas… o número de pessoas que o conheceu, o número de pessoas que se lembram dele é pequeno, é pequeno, porque são pessoas que já teriam setenta, oitenta, noventa anos. Mas não… naquele momento e nos anos posteriores à morte dele, era… a carga da lembrança do nome do meu pai era muito forte, era muito intensa. Então eu não tenho dúvidas de que ele era a maior liderança popular que a cidade já viu. Pra falar a verdade, sobre o ponto de vista político e eleitoral, nenhum dos outros prefeitos ou deputados que tenham tido mandato... eu, assim, posso estar sendo excludente, me esquecendo de alguém, mas não dá, não dá pra esquecer, porque não foram muitos prefeitos. Depois do meu pai teve um, dois, três, quatro, cinco, seis prefeitos e tem o sétimo agora. Não tem comparação, não há como comparar, não há como comparar. Mas o fato é que era uma liderança popular responsável. Não era uma liderança populista, era uma liderança popular. Ele era um democrata. Era um... e o fato de ter passado os dez anos da cassação em Santos… meu pai não dirigia, não dirigia carro. Minha mãe que às vezes o levava até o Centro, até o escritório dele. A minha mãe, eventualmente, ia buscá-lo no Centro e tal, mas ele andava de ônibus, ele pegava carona, ele usava táxi, ele usava os meios de transporte que uma pessoa comum usa, mas ele… porque era… se eu pudesse fazer um paralelo com uma coisa que não existe, que é o moto-contínuo, você ter alguma coisa ligada o tempo inteiro, mas você ter alguma coisa que se retroalimenta, de alguma maneira… hoje, os carros híbridos, esses que não têm bateria que você tira pra carregar e recoloca, porque eu vi isso esses dias, esses carros se retroalimentam com a energia gerada pela combustão. Então ele tem uma coisa que está pronta ali, mas não tem carro girando 24 horas. Pra você colocar combustível, a gasolina no carro elétrico, você tem que desligar o carro pra colocar. Então você desliga, ele não fica 24 horas, você não está… não é um avião que é abastecido no ar, os aviões militares. Você... é outra coisa… e o avião militar vai descer, vai pousar.


P/2 - Eu ia perguntar, aproveitando o gancho, de você ter falado sobre o porto. Eu queria saber, resgatando suas lembranças, eu queria entender, quando você era pequeno como era… você tinha alguma relação com o porto, você conseguia… você consegue acessar uma memória de ter crescido numa cidade portuária, apesar de você ter falado que tem essa dissociação da cidade com o porto?


R - Olha, Bruna, as lembranças que eu tenho do porto são lembranças familiares. O meu bisavô trabalhava no porto, o pai da minha avó materna. Os… tenho tios que… primos. Assim, não são tios diretamente, um tio que trabalhou no porto, mas… eu tenho… isso, por parte dos trabalhadores, de pessoas que trabalhavam, que são quem vale, efetivamente, pra você conseguir ter história. Então a minha relação com o porto… porque muitas pessoas, isso é uma coisa curiosa, assim: muitas pessoas achavam que o meu pai tinha sido portuário. Eu acho que tem um pouco daquele preconceito, pelo fato de ser preto e tal, tem um pouco isso. Mas não… quem falou pra mim, que eu tenho ouvido, não me parecia que era uma questão, era um preconceito. Era apenas um pré-conceito de que portuário… como é que esse cara pode, né? Ele deve ser uma liderança popular, sindical e tal. Não, não foi isso. Meu pai nunca trabalhou diretamente na CODESP. Trabalhava na atividade portuária, atividade econômica portuária, naquela condição de ajudante de despachante e depois, como advogado, que atuava como advogado aduaneiro, aí sim, aí sim. Aí, sim. Mas aí, principalmente pelo lado do empresário do porto. Nunca teve uma atividade sindical ligada a trabalhadores, atividade ligada a trabalhadores foi política. Aí sim. Por conta daquela conceituação do político popular. Então, mas assim, o que eu vejo, Bruna, é que talvez, ou não, certamente, pelo fato dessa dissociação portuária, aqui em Santos, que é (risos) isso o que mais me espanta, porque o porto aqui em Santos é discriminado, é discriminado, não tem… porque tem aquela diferenciação. O estivador trabalha dentro do navio e outras atividades trabalham fora do navio. Ninguém entra no navio que não seja o estivador, a não ser os antigos, acho que os consertadores podem entrar, especificamente. Agora não tem mais isso. Mas pra consertar pallet, pra consertar alguma instalação e tal, acho que eles podiam fazer isso. O pessoal do bloco, que essa é uma das histórias mais curiosas que existem, é a origem do bloco. Mas o pessoal do Sindicato dos Blocos limpa o casco do navio por fora e tal, então eles estão no navio, mas não estão dentro do navio. O negócio dos blocos é, realmente é uma das coisas… o presidente do sindicato, na época, me contou isso, falei: “Qual é a origem da história do Sindicato dos Blocos?” Porque eu achava que o cara do bloco - olha só a ignorância, porque a cidade não divulga a atividade dos seus colaboradores, contribuintes - era o cara que arrumava a carga dentro do navio, que isso é função do estivador. Ele… o cara do bloco faz o bloco, tal. Não tem nada a ver com isso, nada a ver. Tem um grande número de pessoal do bloco que é originário no Rio Grande do Norte. A origem, década de trinta, quarenta, é o Rio Grande do Norte. O Rio Grande do Norte, em Mossoró, é um porto de sal, navio que faz transporte de sal. E, nessa época, obviamente, o navio vinha pela costa e chegava aqui. Muitas pessoas, querendo migrar do Rio Grande do Norte pra cá, pediam trabalho, pediam carona no navio, contra a prestação de algum serviço no navio. E vinham pra cá. Vinham, tal, chegavam aqui e tal. E chegavam aqui - teve algum precursor, logicamente - e diziam assim: “Onde é que está o fulano de tal?” Ele ia até a área portuária ali e tal: “Tô procurando o ‘seu fulano’” “Ah, ‘seu fulano’. Ah, o seguinte: vai lá na Praça Barão do Rio Branco, que fica na área portuária, perto da alfândega, ali, porque o bloco dele se reúne lá” “Ah, tá bom”. Aí, a hora de eu perguntar: “Mas que bloco dele?” “A turma, é a turma”. Porque o sujeito veio do Rio Grande do Norte, ou de qualquer outro lugar, vem e monta, ele é o chefe, ele é o dono daquele bloco, ele prestava, ele oferecia serviço pelo bloco, ele oferecia serviço dizendo assim: “O meu bloco vai fazer tal coisa”. E aí eu falei assim: "Poxa, mas que história!” Eu achei maravilhosa. Achei superlegal. Então, voltando aqui pra atividade portuária, o portuário, o estivador: “O estivador é maconheiro, o estivador é bandido, o estivador é…”. Você pode ter o bandido, porque aí é o estigma do maconheiro ser bandido. Já não é bem assim, mas… pode ser uma atividade que não seja legal, que não seja bacana, mas não é obrigatoriamente composto por bandidos, mas o cara: “Ah, não, esse é vagabundo, esse daqui não sei o que, esse aqui, esse rouba”. Meu, é óbvio que tem estivador que rouba, é óbvio que tem estivador que é vagabundo, é óbvio, malandro e tal, mas como há malandro, bandido, estelionatário, fraudador em qualquer atividade humana. Mas você estigmatiza o estivador, porque esse cara trabalha no porto, mora mal, o que não é verdade. O estivador, na década de oitenta, até oitenta, talvez noventa, tem estivadores que têm patrimônio imobiliário muito grande. Porque quando o cara era o mestre da turma, o chefe da turma, o mestre, ele… aqui em Santos são quarenta postos, quarenta pontos. Era, não sei se ainda é, se são… eram quarenta pontos, então a cada dia você ia para um ponto. Então você ia rodando isso. Você só voltava naquele ponto, no quadragésimo primeiro dia depois dele. E a cada rodada dessa tinha um mestre e esse mestre ganhava muito dinheiro, a ponto de comprar um apartamento por mês, comprar um carro por mês e os filhos estudavam em escolas boas, ele se alimentava bem, ele morava bem. Às vezes não mora tão bem, porque quer estar perto dos seus amigos ali. Mas uma discriminação tão absurda em relação ao estivador, em especial, e ao portuário, de maneira geral porque, na CODESP, os trabalhadores portuários, não os avulsos, que é o caso do estivador antes da modernização, também eram muito bem remunerados. Ninguém queria sair da Companhia Docas. Ninguém queria sair da CODESP. Hoje, hoje, hoje, 2021, 2020, centenas de pessoas foram demitidas por conta desse processo de privatização. E pessoas que, aí, com quem eu convivi e que estão morrendo, pela falta de atenção da empresa em relação às pessoas. Porque, imagina, eu não tô dizendo que esteja certo: o cara trabalha há quarenta anos no mesmo lugar e aí ele é demitido. Em algum momento ele vai sair, em algum momento vai. Mas como é que… o que que esse cara vai fazer quando chegar em casa? Não vai fazer nada. Ele vai importunar a mulher, vai… puts, é um horror. Aí, ele vai pra praia jogar dominó, ele vai andar na praia, ele vai fazer alguma coisa assim. Vai jogar bola, quem ainda conseguir ter esse tipo de atividade física. Mas o fato é que você precisa ter cuidado com as pessoas. Repito, assim: não dá pra você manter uma pessoa quarenta, cinquenta anos num lugar, é óbvio, mas não dá pra você chegar, sexta-feira você diz assim: “Segunda-feira não precisa voltar”. E era isso mesmo: “Não precisa voltar amanhã, não precisa”. Então é uma forma contemporânea, de um método medieval. Então eu não sei se eu te respondi, Bruna, mas a relação, a minha relação com o porto nunca foi muito direta. Ela passa a ser mais direta comigo mesmo, não da minha infância. Ela passa a ser mais direta comigo mesmo quando eu trabalhei na Companhia Docas, entre 2009 e 2016.


P/1 - Aproveita, então, se quiser contar um pouco como foi a experiência do seu trabalho na CODESP ou na Companhia Docas e também no Centro de Excelência Portuária de Santos.


R - Tá. Então, eu não sei… aí já a CODESP... a Companhia Docas já não existia, já era CODESP. Eu fui convidado por um amigo meu, que era o Fausto Figueira de Mello, que foi político aqui, foi… era um médico, cirurgião, foi vereador, foi deputado e teve uma eleição, na eleição de 2006. O Fausto foi deputado em 2002, na eleição de 2006 ele se candidata à reeleição, mas fica numa suplência e não assume. Ele assumiu em 2009. Por conta das eleições municipais, algum dos deputados da lista dele se elegeu a prefeito e ele subiu na lista e assumiu. Nessa época, ele era assessor da presidência da CODESP, para a criação do centro, de um centro de treinamento para trabalhadores portuários, já dentro daquela perspectiva criada pela Secretaria de Portos, aquilo que eu comentei do Márcio França e do Papa e então você tinha toda uma articulação nesse sentido. E aí o Fausto articula a minha ida para a CODESP, quando ele saísse de lá. Eu conversei com o presidente da época, que era o José Roberto Serra, uma figura muito interessante, foi muito bom o convívio que nós tivemos ali, um sujeito interessado em treinamento, em capacitação. Então isso foi uma coisa muito importante. E aí eu assumo, o Fausto já tinha saído, eu assumo em março de 2009, com muitas dificuldades, muitas, muitas dificuldades, porque não havia a crença de que valeria a pena. Por um lado, olha só, é uma coisa paradoxal. Não, não é paradoxal, é complementar. Por um lado, o trabalhador portuário não achava razoável precisar de treinamento ou precisar ser qualificado, ou precisar ser capacitado, porque: “Como? Eu trabalho aqui há vinte anos, eu sei o que eu tenho que fazer!” Só que ele não tem ideia de como é que ele pode fazer, em razão dos novos equipamentos, das novas atividades que a mudança da legislação, em 1993, gerou. Então, vários aspectos, assim. Isso por um lado. E, por outro lado, o próprio empresariado portuário não acreditava e não via a necessidade de investimento nessa área. E isso foi um problema, porque eu não... assim, eu via rejeição mesmo, por parte de alguns. Por outro lado, eu vou fazer um comentário aqui, Luiza e Bruna, mas aí eu vou pedir que, depois eu retomo como um grupo. A BTP que você fala é o Brasil Terminal Portuário, a patrocinadora do projeto, é isso?

P/2 - Isso.

R - Tá. Então eu só vou contar isso pra você, depois eu retomo, pra identificar a BTP. A BTP foi fundamental para o impulsionamento do CENEP, fundamental. A BTP acreditou no CENEP. Então eu vou retomar aqui, aí depois, na edição, você cuida disso. Tanto é assim, que a BTP… a Ultracargo não faz parte da atividade do porto organizado. Ela está fora do projeto. Mas a BTP foi fundamental. Então o CENEP, quando eu assumi, eu tive muita dificuldade. O treinamento não era reconhecido, a capacitação não era reconhecida pelo empresariado e não era reconhecida pelo trabalhador. E aí, o que foi preciso fazer? Procurar trabalhar a ideia de que vocês, tanto um, quanto o outro, precisam entender a importância, pra que ninguém fique pra trás. Então qual é - pra dar um exemplo aqui - o sentido de você fazer o treinamento pra um cara que… todo mundo quer - e é natural que isso aconteça, natural e justo que isso aconteça - ter menos desgaste físico no desenvolvimento da sua atividade profissional. O trabalho portuário é um trabalho… você tem fotografias antigas, clássicas até, de competições entre trabalhadores portuários que carregavam saco de café, então ele empilhava quatro, cinco, seis sacos de café e ficava todo bonitão lá, achando: “Pô, eu sou o fortão”. Não tem o menor cabimento porque, em cinco, seis anos, ele está com a coluna arrebentada. Mas era assim que se trabalhava. Então, hoje, você não trabalha mais assim. Em 1984, quando eu fiz campanha pra vice-prefeito, na eleição de 1984, quando Santos retomou a autonomia, teve eleição em 1984, meu pai tinha morrido na eleição de 1982, durante a eleição de 1982, ele morreu há cinco dias da eleição, tinha morrido e aí a cidade retoma a autonomia e faz uma eleição, em 1984. A campanha eleitoral em Santos era totalmente diferente de outros lugares do Brasil. E por que eu falo isso? Porque eu era da juventude do MDB e eu atuava numa articulação nacional da juventude do MDB. Então eu tinha muitos contatos com companheiros de outros estados. Estados que têm litoral e estados estavam no interior. A campanha eleitoral, em Santos, era diferente de todos os outros lugares. Porque campanha eleitoral, em Santos... isso não existe mais também, infelizmente, porque campanha política e política você faz na rua, conversando com as pessoas. Não adianta imaginar que você está substituindo o contato com as pessoas, pelo que você fala pela televisão ou pelo rádio. Você atinge as pessoas com a televisão e com o rádio, sim, sem dúvida. Só que você não contata as pessoas. Então é uma coisa superplástica. Pra mim, não tem sentido. E aí, assim: eu acordava cinco horas da manhã, alguém passava na minha casa, ou eu ia sozinho e tal, ou ia fazer o contrário. Passava na minha casa cinco e meia, vinte pras seis, aí nós íamos para o terminal ferroviário, que levava os… cujos trens, as composições iam para o polo petroquímico de Cubatão, que tinha muita gente que morava em Cubatão... morava em Santos e trabalhava em Cubatão. Dali, a gente saía, tipo, vinte pras… seis e meia, é, seis e meia, pra chegar no que eram chamadas as paredes de estiva, esse nome também não existe mais hoje, porque era ali que os estivadores iam tirar o trabalho. Não é o caso do consertador, o caso do vigia portuário, o caso do operário portuário, não é isso, porque esse daí já tem o seu trabalho… na época, tinha o seu trabalho definido, tirado pela própria CODESP. Hoje não, hoje todo mundo vai até o órgão gestor de mão de obra pra, diariamente, dizer assim: “Eu vou trabalhar em tal lugar”. E tem uma ordem, tem lá uma classificação. Mas o fato é que, quando a gente saía do terminal ferroviário do Valongo, a gente ia pra primeira parede de estiva. Então essa primeira… e não adiantava ir na primeira parede de estiva hoje e na segunda amanhã, porque era aquele negócio do rodízio, você ia encontrar, amanhã, as mesmas pessoas, então você fazia isso com um pouco de espaço. Mas o fato é que eu conversava com as pessoas quinze minutos. Por quê? Porque o sujeito foi lá pra pegar trabalho, não foi pra conversar comigo ou com qualquer outro, então eu não posso atrapalhar o trabalho dele. E, depois que ele tira o trabalho do dia, ele vai embora, ou pro trabalho, ou vai embora pra casa, porque ele não conseguiu trabalhar: “Vou ficar fazendo o que aqui?” Então o dia começava nesse horário, de seis horas da manhã, falando com as pessoas. E terminava à noite, porque à noite, aí é como todo lugar do Brasil: você faz reunião, comício, você faz… você vai falando com as pessoas. Então, até isso, até essa peculiaridade, Santos tinha e não tem mais. Naquela época, em 1984, qual era o grande tema do porto, do trabalho portuário? Era… o nome era “mecanização”, que hoje, que as pessoas, os portuários atacavam a mecanização, porque era a retirada de postos de trabalho pra pessoa, sai e entra máquina. Hoje, a maioria das pessoas, eu não… pensam exatamente o contrário. O cara quer trabalhar com maquinário, ele quer ser operador de um equipamento. E qual é o sentido disso? O sentido disso é que você tem um menor esforço físico… você vai trabalhar e aí, pra isso, você precisa de treinamento. Aí as pessoas falam assim: “Não, mas não tem espaço pra todo mundo”. Claro que não tem espaço pra todo mundo. É por isto que você, ao capacitar o trabalhador pra operar uma empilhadeira de pequeno porte, ou uma empilhadeira de grande porte, você está capacitando esse trabalhador pra trabalhar num centro de distribuição logística, num armazém. Você está dando alternativas pra pessoa. Mas é claro que não é todo mundo que vai trabalhar num armazém, que vai… então, o que eu quero dizer é que são alternativas que você utiliza pra facilitar a vida do trabalhador. O treinamento, a capacitação, a qualificação, servem pra isso. Então, o CENEP teve muita dificuldade. Não tinha recurso pra fazer os cursos. Nós demoramos um ano pra… um ano e… não, isso foi em 2009, isso aí, em 2010, nós conseguimos um… 2011, em 2011, nós conseguimos um… a gente vinha conversando já há um ano, pelo menos, com a Capitania dos Portos, a Capitania dos Portos detinha recursos do Fundo de Desenvolvimento… do Fundo de Ensino pra Portuário e Marítimos e havia, quando eu entrei havia uma oposição completa por parte da Capitania dos Portos, em relação ao treinamento, porque eles imaginavam que… pela lei, eles tinham até uma certa razão, mas essa não era a nossa intenção. O CENEP, pela lei da época, era o lugar que teria… porque era um Centro de Treinamento Profissional, criado pela Autoridade Portuária, dentro das condições expostas na lei, expressas na lei. Então... porque o CENEP foi criado pela prefeitura e pelo Conselho da Autoridade Portuário, portanto, se encaixava perfeitamente naquele perfil. Aí a Capitania dos Portos do início, do meu início, em 2009, 2010, não queria conversa, mas veio pra cá um capitão dos portos, o Capitão de Mar e Guerra, Comandante Gerson Rodrigues, que mudou essa concepção. O comandante foi fundamental nessa… naquele momento, porque ele acreditou no CENEP. É claro que ele acreditou no CENEP porque o Esmeraldo ia lá e conversava, a diretoria do Esmeraldo ia lá e conversava: “Ô, comandante, ninguém aqui está querendo tomar o dinheiro, o controle, a gestão do dinheiro. Nós queremos que vocês repassem esse recurso, pra que nós possamos fazer o treinamento”. Dentro dos custos normais ali, não tinha… não estava… eles estabeleciam o valor nacionalmente e a gente utilizava essa mesma tabela, digamos assim. Aí nós conseguimos fazer esses cursos em 2012, mas logo no final do ano, a lei mudou. Aí teve essa lei atual aqui, de modernização da atividade portuária e ela não reconheceu, não manteve os centros de treinamento profissional lá. Só que, em paralelo, a gente já estava criando um certo fôlego, né? Quer dizer, tinha alguma capacidade de trabalho já demonstrada. E aí alguns terminais portuários passaram a acreditar no CENEP, a ponto de fazer parcerias, porque um dos temas, isso daí foi uma coisa que eu estudei bastante, era a simulação de equipamentos portuários, então você opera portainer, que é o equipamento que tira o container ou coloca o container no navio e tira da terra e põe no navio, tira do navio e põe na terra. Ou transteiner, que pega o container de cima do caminhão e vai estacionar o container dentro do porto. Então, você… eu estudei bastante isso, esses equipamentos e outros também. As empilhadeiras e tal. E tudo isso é possível de ser trabalho simulado. Então você tem um simulador, esse simulador vai fazer esse serviço, porque o trabalho feito em simuladores, o treinamento feito em simuladores, é um treinamento que encurta o tempo do trabalho, do treinamento feito no equipamento real, no equipamento efetivo. Então houve terminais que investiram no CENEP, fizeram parcerias com o CENEP e isso foi muito positivo. Esse lado, esse aspecto, foi muito positivo. Então eu fiquei lá durante três mandatos, era o que era possível ficar. Eu fiquei de 2009 a 2015. Nós fizemos um planejamento estratégico, que ficou pronto, mas que, por uma dessas atrapalhadas que as pessoas acham que podem fazer, podem dar, ele não foi aprovado, por causa de um posicionamento de uma pessoa, de um grupo ali, da representação de uma entidade. Mas esse foi um resultado muito interessante, Luiza, porque isso foi o resultado de um processo muito interessante, porque a composição do CENEP era uma diretoria, um conselho técnico e um conselho curador. Nós conseguimos, por conta da articulação, por conta da capacidade de articulação da diretoria, unir todas as universidades da cidade. O que, pras pessoas que têm alguma intimidade, algum conhecimento do que é essa representação da universidade, uma unidade universitária, você fazer a junção disso com uma outra é muito difícil. Com cinco ou seis, além… é quase impossível. Mas isso funcionou bem, porque a gente tinha essa capacidade de articular. Então foi muito… essa foi uma grande experiência que o CENEP teve. Esse processo está pronto. O que foi muito bom pra mim, porque eu pude trabalhar… eu participei do planejamento estratégico da CODESP, que era simultaneamente ali, foi na mesma época e eu também já tinha me capacitado, anteriormente, na área de planejamento estratégico, na década de noventa. Então foi legal, porque eu retomei muitos conceitos e fui fazendo, aplicando a minha experiência… o que eu quero dizer é que eu participava das reuniões do conselho técnico, do conselho do planejamento estratégico, não apenas como um ouvinte. Eu participava como um contribuinte, em termos das ideias, da minha percepção de como é que as coisas deveriam funcionar. Então o CENEP, durante esse período, esses seis anos foram, pra mim, muito ricos, porque eu nunca tinha trabalhado com ensino, foi muito legal pra minha formação pessoal. Foi muito bacana, conheci pessoas muito legais. Eu não vou nem falar das pessoas que não eram legais, porque isso a gente encontra todo dia, então é legal você destacar quem vale a pena, você destacar quem contribui, porque quem não contribui, não contribui. Então eu fiquei lá sete anos, na CODESP. Desses sete, quatro anos eu fiquei integralmente no CENEP. E, nos últimos três anos, eu fui… destes últimos três anos, dois eu estava parcialmente no CENEP porque, na prática, eu estava integralmente na ouvidoria da CODESP. Eu fui ouvidor do porto durante três anos, o que, pra mim, também foi excepcional, foi uma experiência muito interessante, porque as pessoas criticam o sujeito: “Ah, esse cara foi nomeado pra tal função”. Assim, primeiro lugar, em relação à reforma administrativa, todas as reformas administrativas que passam por aí e especialmente essa do ano de 2021, em que o governo quer descaracterizar totalmente a atividade pública, a atividade do funcionalismo público, dos servidores públicos, eu acho que não dá pra ser do jeito que está, ‘libera tudo’, porque você tem carreiras de estado que não podem ser substituídas, não podem. Agora, que é possível você dar uma condução política, através da nomeação de pessoas... o problema é que você tem pessoas que se aproveitam disso e acabam não contribuindo muito. Então esse é um ponto bastante negativo, eu acho. Mas eu, esse período em que eu fui ouvidor, pra mim, foi muito legal, pessoalmente. Por quê? Porque eu, diferentemente da grande maioria, aí sim, da grande maioria desses cargos comissionados e muita gente dentro do porto também, os servidores, que os empregados que foram contratados por concurso… e teve aquela turma que já estava em 1988 e que diz que é concursada. Não é verdade, porque eles... isso foi um arranjo da Constituição de 1988, que manteve essas pessoas, os servidores públicos, os empregados públicos, servindo e empregados nos seus locais, por um arranjo. Um arranjo daquela constituinte de 1986, que desaguou na Constituição de 1988. Mas o problema é que muitos desses empregados da CODESP, principalmente… não dá pra estabelecer os mais novos ou os mais velhos, mas muitos desses empregados da CODESP não tinham interesse em conhecer a empresa, eles conheciam o seu serviço, o seu trabalho. Eu conheci a empresa. O meu trabalho possibilitou que eu ampliasse o meu conhecimento em relação à atividade que a administradora portuária e Autoridade Portuária desenvolviam no Porto de Santos. Porque essa é uma outra coisa importante a dizer em relação à CODESP: a Companhia Docas e CODESP, no começo, eram administradoras portuárias e operadoras portuárias. Com a lei de 1993, já só CODESP, a CODESP deixa de ser operadora e passa a ser administradora e autoridade. Então ela ganha, ela deixa de ser operadora, não acho que tenha perdido, porque é uma posição de você também dividir um pouco mais essa atividade, mas você... ela ganha muito quando recebe a atribuição de ser Autoridade Portuária. Portanto, quem tem autoridade sobre o porto, quem pode dizer o que é melhor para o porto, pode dar certo, pode não dar certo, mas tem que ter alguém que seja o dono da ideia. Quer dizer, que seja a pessoa que faz isso. E isso foi uma divisão, um marco divisório, apesar dele ter sido implantado quatorze anos depois da lei, não foi uma coisa imediata, foram quatorze anos depois da lei. Não foi uma coisa imediata. Então, eu… voltando, só terminando aqui, esse período da ouvidoria foi muito bom pra mim, porque eu tinha curiosidade, quando eu estava no CENEP, de conhecer as atividades, mas não era possível me dedicar muito a isso. No caso da ouvidoria, era isso que eu fazia, porque vinha aqui uma reclamação, uma sugestão, um elogio, eventualmente. Tinha muitos elogios. Uma reclamação, o que viesse, dentro da categoria ali. Veja, naquele período, a lei de acesso à informação tinha um ano, um ano e meio. É 2011, tinha um ano e meio. Então também mudou a distribuição da informação. Muitas pessoas, na CODESP, em outros lugares públicos, tinham uma determinada informação, retinham uma determinada informação e mantinham com elas. O cara não quer distribuir a informação, aquela informação é dele. Aquilo, você não faz ideia, Luiza, como facilitou a vida do gestor público na relação dele com os cidadãos. Por quê? Porque, se você chega e pede uma determinada informação pra autoridade pública, ela podia: “Vou responder à Luiza? Imagina!” Com a lei de acesso à informação, isso acabou, porque você tem prazo pra resposta. Então eu tinha lá alguns clientes internos, na CODESP, sujeito que falava: “Não, essa informação é minha, não abro mão dela. Não quero saber, não vou distribuir”. Falei: “Não tem problema, você pode não distribuir. Só que eu vou ser obrigado a...” - porque aí eu tinha um prazo - “... no final desse prazo, a informar que a pessoa pra quem eu distribuí” - porque ela está... tem um sistema, tinha um sistema lá - “a pessoa pra quem, a área pra quem eu distribuí o pedido, não me respondeu. Então não tem problema, não vai acontecer nada comigo. Eu quero que você entenda isso, porque eu sei que você está muito preocupado comigo, mas eu quero que você entenda que quem vai ter que responder pra CGU é você, não sou eu”. Aí as informações, no começo, não vieram tão rapidamente, mas aí é o jeito também, ô Luiza, de você estabelecer relação. Esse detentor da informação, do dado, tem que entender que ele não é o dono e que ele tem que distribuir essa informação, porque essa informação está aí, ela está no mundo, ela precisa… e tinha pedidos absurdos, sinceramente, tinha pedidos absurdos, que davam trabalho. Tinha três pessoas que trabalhavam comigo, quer dizer, tinha um contínuo e dois técnicos que trabalhavam comigo, então a gente se esforçava muito pra fazer. Mas nós tivemos muito bons resultados ali. Então a ouvidoria da CODESP, que hoje já não tem mais o mesmo caráter, foi um serviço, pra mim, muito bom. Isso acabou gerando uma coisa que eu fiz, mas eu não faço mais, hoje eu não faço mais, mas eu fiz voluntariamente, durante quase dois anos, que foi… eu fiz uma capacitação, pela CODESP, pra ser conciliador e mediador judicial. Então eu fiz conciliação judicial durante esse período, depois que eu saí da CODESP, eu fiz mediação, conciliação e eu gostei muito de fazer isso. Essa foi uma outra coisa que a CODESP me propiciou, pra minha capacitação pessoal. Então foi muito legal. Provocado por um professor que eu tenho, que eu tive na faculdade, o professor Gilberto Passos de Freitas, que coordenava, na UniSantos, um grupo... não, desculpe, ele era desembargador aposentado e ele coordenava um grupo no Tribunal de Justiça, de difusão da ideia de conciliação e mediação judiciais. E aí ele conversou comigo, porque a ideia dele era de fazer isso inicialmente e depois ampliar para a conciliação ambiental, porque a CODESP tinha muitos problemas ambientais. Na condição de administradora, você tinha lá alguns operadores que não atendiam propriamente as determinações legais, em relação ao meio ambiente e, com isso, faziam as coisas do jeito que queriam.


P/1 - Esmeraldo, se você puder falar o que representa, qual é a importância, pro porto, ter um Centro de Excelência Portuária…


R - Para o porto… não tô falando para a Autoridade Portuária, porque essa relação vai mudar, ela vai ter… tanto que a CODESP mudou de nome, ela não tem mais o nome de CODESP, ela tem “Santos Port Authority”. Na condição de Autoridade Portuária, espero que ela faça o papel que a Autoridade Portuária deve fazer. Então acho que a Autoridade Portuária deveria ser a responsável pela área de treinamento do porto. Porque não é a área de treinamento da CODESP, é a área de treinamento dos terminais. Ela tem que servir a toda a comunidade portuária. Então o que eu acho é que é fundamental, pra que você possa ir melhorando o serviço que os trabalhadores podem prestar aos seus contratantes, para que não ocorra uma interrupção… e eu não tô restringindo ao… porque uma coisa é o que eu penso, outra coisa é o que é. Então, assim: quando os trabalhadores, os sindicatos reclamam da possibilidade dos terminais, dos operadores, contratarem diretamente os seus prestadores de serviço, os funcionários… prestador de serviço não, mas os seus funcionários… ele, eu não tô preocupado com isso, porque essa é uma luta que os trabalhadores devem ter, em termos de garantia do serviço da moda antiga, à moda antiga, eles devem ter a possibilidade de estabelecer isso de uma maneira que seja razoável pra eles. Então é pra eles que isso ocorre. Com isso, o que eu quero dizer com isso? Eu quero dizer que quando um terminal contrata diretamente uma pessoa, que é uma modalidade, eles publicavam o edital e faziam a contratação. Os sindicatos, de maneira geral, reclamavam disso, porque você está contratando uma pessoa que quer, que estaria, em tese, tirando o trabalho de dezenas de pessoas por conta daquele giro, que você tem. Não importa a modalidade da contratação, o que importa é a qualidade da capacitação. Então os trabalhadores avulsos, os trabalhadores portuários, os trabalhadores avulsos, devem ter a possibilidade de terem uma melhor qualificação, uma melhor capacitação, independentemente da forma de contratação. Porque hoje ele está contratado por um terminal X, amanhã ele pode ir pro Y, ou ele pode voltar pro sistema geral, lá do órgão gestor de mão de obra. Então o que ele tem que ter é a possibilidade de ter uma boa qualificação, uma boa capacitação. Se isso não ocorrer, eu vejo que quem ficar de fora, os trabalhadores que atuam… que estão relacionados, que estão ligados ao Ogmo, vão ficar de fora. Porque não é possível imaginar que a atividade portuária… porque esse que está hoje no Ogmo, pode ser, amanhã, um candidato com um potencial de contratação grande por um terminal, se for este o modelo adotado daqui pra frente, que isso eu já não sei, eu não tenho sabido disso, mas o que importa é que ele não pode ser… ter preconceito em relação ao terminal, ao trabalhar contratado por um terminal, porque essa é uma nova forma de trabalho, é uma nova forma de contratação. E ela vai se expandir cada vez mais. Então o que importa é que ele entenda que um centro de treinamento como o CENEP, é um centro de treinamento que é parceiro dele, um centro de treinamento que vai melhorar o conhecimento que ele já tem em outras… e expandir isso pra outras atividades. Dentro de um conceito que estava na lei de 1993, que é a multifuncionalidade. Então ele pode ser um trabalhador multifuncional, porque ele vai saber fazer mais do que as atividades exclusivas, específicas da sua profissão, ou da sua relação de trabalho com aquele sindicato e tal. Por outro lado... isso de um lado. Por outro lado, os operadores portuários precisam compreender - a exemplo destes terminais, esses operadores que apostaram no CENEP - que é muito menos custoso utilizar um serviço, um centro, como o CENEP, como o Centro de Excelência Portuária do Porto de Santos, porque o custo será mais baixo. O custo será menos significativo, porque você vai precisar estabelecer uma estrutura de treinamento na sua empresa, no seu terminal, na sua atividade operadora. E ao passo em que, no caso do CENEP, ele está lá, ele está pronto. Eu não sei, exatamente, em que condições o CENEP está. Eu tenho tido notícias, vejo que o CENEP tem feito várias atividades diretamente para a população, porque foi uma forma que o CENEP encontrou de trabalho. Mas os terminais, os operadores, precisam compreender também, da mesma forma que os trabalhadores, que o CENEP é um parceiro. Agora, mais do que tudo isso, o que me parece fundamental, é que a Autoridade Portuária não veja no CENEP apenas uma despesa. Ela está investindo… a Autoridade Portuária deveria compreender que o que ela está fazendo é investindo na melhor formação para as pessoas que vão trabalhar dentro da sua área de fiscalização como autoridade. E isto não acontece, isto não acontece. Na verdade, isto aconteceu enquanto eu estava lá, mas, mesmo no período em que eu estava lá, eu percebia que tinha muita gente que torcia o nariz pro CENEP, muita gente que torcia o nariz pro CENEP. Então, assim, eu passei lá por três, quatro presidentes. Alguns ajudaram bastante. Outros prejudicaram bastante. Não só o presidente, mas presidente, diretor. Então, coisas assim. O trabalhador precisa compreender que, melhor treinado ele vai ser, ele vai manter e garantir a sua posição, ele vai aumentar as possibilidades de aumento de salário. Por outro lado, do seu lado, o operador, o terminal vai ter gente mais qualificada pra trabalhar com ele, dentro das normas que ele contrata o CENEP, isso que é uma coisa… porque o CENEP faz capacitações, fazia, pelo menos na época em que eu estava lá, sob medida para o terminal. Então vou dar aqui alguns exemplos: a BTP contratou o CENEP pra fazer alguns trabalhos. A Libra contratou o CENEP pra fazer alguns trabalhos. Então não é uma coisa, assim: “Ah, vai estar lá, está pronto”. Não, não está pronto porque, na estrutura que nós tínhamos, você tinha uma coordenação pedagógica que fazia a adequação para a necessidade do cliente. Você tem… claro que você tem normas, que elas não… elas vão ter pouca mobilidade, que é dentro do conceito do que deveria ser, do que deve ser a capacitação para trabalhadores portuários avulsos. Mas você tem, por outro lado, a possibilidade do operador do terminal em fazer dentro do modelo que lhe interessa. Se não for dessa forma, aí, realmente, fica difícil o CENEP existir. Mas eu repito que o mais importante é o estímulo que a Autoridade Portuária possa dar a esse trabalho, a esse serviço que o CENEP pode oferecer pra comunidade portuária.

P/1 - Esmeraldo, quais foram os motivos pra que você se interessasse e se aproximasse da área portuária, pra trabalhar?


R - Um dos motivos, Luiza, certamente foi… talvez fosse uma demanda reprimida, que eu tivesse de trabalhar numa atividade essencial pra cidade. Quando surge essa oportunidade, eu não tive, não hesitei não. Falei: “Poxa, vale a pena”. E, apesar de eu ter colocado isso, tanto pro Fausto Figueira, quanto pro Serra, que era o José Roberto Serra, que era o presidente na época, eu falei: “Olha, eu não sou uma pessoa do ensino, da educação, mas eu tenho uma capacidade de gerenciamento, que é adaptativa, adaptável. Então isso não me assusta, não me preocupa. Mas eu não podia dizer assim: “O que eu quero mesmo é conhecer a atividade portuária”. Porque o que eu queria mesmo era conhecer isso. Porque, dessa forma, eu acho que eu posso, como eu já pude, nesses anos todos, contribuir um pouco pra alguns clientes, pra algumas coisas, algumas pessoas que conversam comigo, minhas manifestações mesmo, as que eu tenho tido a oportunidade de fazer e que envolvam a atividade portuária. Mas eu tenho, assim: o que me motivou foi, sem dúvida nenhuma, não apenas, não é só conhecer, mas é de algo do tipo, participar, quero participar. Eu pude dizer, orgulhosamente, que eu fui doqueiro, durante sete anos. Essa não é uma coisa que, assim… e doqueiro mesmo, eu vesti a camisa da empresa, seja porque, na condição de ouvidor, eu participava de reuniões, de encontros, na Secretaria de Portos, na CGU, na Controladoria da União, na Ouvidoria Geral da União, nos órgãos públicos federais, e eu convivia com ouvidores de outras companhias docas, de outros portos. E de outros órgãos federais. E aí eu defendia, vestia a camisa da empresa, mesmo não sendo daqueles caras que são os concursados. Porque é curioso, porque as pessoas acham que podem fazer reserva de mercado numa situação dessa. Mas tudo bem, isso é concepção. Mas eu, o que me motivou foi isso, foi ter essa possibilidade de conhecer o porto, de contribuir para o desenvolvimento da minha cidade.


P/1 – E, pensando na sua trajetória profissional e até muito mais do que a gente conseguiu falar aqui, quais... não sei se você consegue elencar algum momento marcante, ou um aprendizado que você queira destacar…


R - Olha, várias coisas. Eu acho que dá pra dividir bem. Um período foi o CENEP, outro período foi a ouvidoria. No CENEP, o que foi o aprendizado, o maior aprendizado foi o fato de ter estabelecido e mantido relações com os sindicatos, sejam sindicatos de trabalhadores ou sindicatos patronais. Alguns com mais dificuldade, outros com zero dificuldades. E de ter podido estabelecer e manter relações que eu mantenho até hoje com vários trabalhadores, vários. Pessoas com quem eu me comunico, pessoas com quem eu pergunto como é que vai a esposa, como é que vão os filhos e tal. Então isso é uma coisa muito legal. Assim, isso no CENEP, esse foi o ponto mais importante. Porque o CENEP estabelecia a possibilidade de relacionamento com diversas, diversas áreas. Eram sindicatos, era a Capitania dos Portos, era a Secretaria de Portos, eram outros centros privados e públicos de treinamento que, porventura, eu tenha tido contato, no Brasil e fora do Brasil. Eu, às vezes, ocupava parte das minhas férias, quando eu viajava, pra ir visitar portos e outros lugares. Imagina a alegria da minha mulher com isso! Então, não, mas era sempre um dia por viagem, então… muitas dessas viagens foram pra conhecer simuladores fora do Brasil. Aqueles simuladores de operação portuária, fora do Brasil. Isso foi muito legal pra mim. Mas aí eram coisas que eu fazia por mim mesmo, não era… eu tirava férias e ia pra algum lugar que tivesse um porto próximo, estabelecia contato com quem tinha simulação, com quem tinha treinamento e fazia assim. Na ouvidoria, sem dúvida nenhuma, foi o fato de eu ter podido ampliar o meu conhecimento em relação à atividade portuária. Esse foi o grande ponto. Assim, de quem não está lá, de quem não é o funcionário de vinte anos, trinta anos, sem dúvida nenhuma, eu fui uma pessoa que se dedicou a conhecer a empresa que pagava os meus salários. O que me parece bastante razoável, porque não tem… é a forma que eu tenho, além do meu trabalho no dia a dia, mas isso todo mundo faz, era a forma que eu entendia ser uma forma equilibrada e, de certa forma, até profunda, de saber o que eu tô fazendo ali. Eu tô fazendo ali alguma coisa e eu queria mostrar que estava fazendo mesmo.


P/1 - Como é seu dia, hoje em dia?


R - Bom, pois é, eu vou falar um pouquinho aqui de… hoje já não é propriamente, faz parte da minha rotina. A minha rotina, hoje, com a Covid foi terrível, porque… outro dia, eu, num fim de semana, alguém falou um termo que era uma amálgama do vírus, porque eu tenho diabetes, hipertensão, obesidade, então… tudo muito, muito junto, muito junto. E aí eu fiquei, nesse período do ano passado, principalmente no ano passado, os primeiros seis meses, mais ou menos, eu tenho uma casa no interior, eu fiquei nessa casa. Aí, eu conseguia trabalhar nas coisas que eu tinha que fazer, principalmente tradução, porque tradução não requer lugar. Eu posso fazer em qualquer lugar. Eu dei algumas aulas pela internet. Aí cuidava da minha... das coisas da casa. Tinha lá o meu cachorro, que me ajudava muito naquele… porque eu ficava lá e a minha mulher ficava aqui. Porque ela trabalha num hospital em São Bernardo, então a gente se via nos finais de semana, basicamente. Mas, hoje, especialmente, tem um sinal de volta à normalidade. Eu já não advogo há muitos anos. Não advogo há muitos anos. Mas tem um sinal, alguns indicativos de volta à normalidade e esses indicativos me levam a crer que o ano que vem será um ano, sob o ponto de vista de atividades, um ano mais cheio. Um ano mais pleno. O que eu tô fazendo hoje, além do que eu fazia no ano passado, é que eu voltei a estudar. Então tô fazendo uma especialização em Política e Relações Internacionais, na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Esse é um curso que... eu gostaria muito de ter sido diplomata. Eu não fui diplomata, porque eu precisava trabalhar e aí você, pra formação de acesso à diplomacia, precisa se dedicar muito ao estudo, porque é um estudo bem específico. Então foi… eu não consegui isso daí. Mas a área de política, principalmente política internacional, economia menos, mas de política internacional, sempre me chamou muito a atenção. Então eu sempre leio, eu faço coisas que são ligadas à essa área internacional, o que me lembra uma coisa que eu fiz no CENEP, que foi também um marco pra mim. O Itamaraty acionou a Secretaria de Portos, isso foi em 2011, aciona a Secretaria de Portos, que aciona a CODESP pra integrar um projeto de cooperação dentro de um conceito que existia no governo federal, naquela época, de integração Sul-Sul, de países do hemisfério sul. E havia um convênio, um termo de cooperação... havia um convênio, não um termo de cooperação, porque ele foi assinado depois, entre o Porto de Santos e o Porto de Cotonou, que fica no Benim, que é na África. E aí aconteceu o seguinte: um dia um colega me liga e fala assim: “Olha, você quer ir pro Benim?” Falei assim: “Berlim? Mas Berlim não tem porto”. Aí ele falou: “Não, não, não. Benim”. Falei: “Ah, Benim, na África? Ah, eu tô entendendo. Quer dizer que o preto você manda pra África e os outros você manda pra Rotterdam, pra Antuérpia, Barcelona. Então é essa a divisão?” Mas aí me chamou a atenção, porque o Benim é um dos lugares, mais ou menos… ele foi, em um determinado momento, o maior entreposto de escravos do mundo. Tanto que tinha um brasileiro chamado Francisco Félix de Sousa, que era a terceira ou quarta maior fortuna do mundo, porque ele traficava gente da África pro Brasil e pro Caribe. E estes escravos saíam do Benim e eu falei assim: “Me interesso, porque a possibilidade de eu ver… a possibilidade de os meus antepassados terem saído daqui é de quase cinquenta por cento”. Então eu fui lá. Mas eu fui lá, qual era o objetivo? Era o de captar cursos de… temas de cursos de capacitação, pra que nós pudéssemos oferecer pro Porto de Cotonou. Isso foi feito, depois, eu fui uma vez em 2011, depois em 2012 e 2013, porque a gente foi aplicar os cursos que… os módulos dos cursos que a gente tinha montado e eles também vieram pra cá. Nós fizemos uma seleção e esse foi um marco pra mim. E está ligado à área de relações internacionais, tem uma relação forte. Então hoje eu estudo isso, tô fazendo isso. A ideia é, dentro do possível, dar sequência ao estudo mesmo. Porque essa é uma atividade que até velho pode fazer. Então eu tô com quase sessenta, então eu vou poder ter uma atividade pra falar, pra conversar, eventualmente pra dar aula, pra discutir, porque os temas que a gente aprende quando faz... porque quando eu fiz Direito, terminei em 1988. Depois eu não voltei a estudar formalmente. Não tinha mestrado, doutorado com a profusão que existe hoje. Hoje você tem uma gama muito grande de oferta, que não existia há quarenta anos. Mas eu vejo que os temas que eu tenho estudado são muito bons, eles se incorporam - claro, de acordo com o que a pessoa já pensa, né? - na vida da gente de uma maneira que é muito legal. Poxa, coisas que estavam na minha cara e eu não percebia, coisas que eu nunca imaginei ver. Então eu fico muito feliz de poder fazer isso. E numa escola muito boa, que é essa, a Sociologia e Política. Então o que eu tenho feito é isso. Tenho participado de dois grupos de pesquisa. Um grupo de pesquisa na área portuária e o outro na área... esse vai começar ainda, mas na área de economia internacional, de desenvolvimento econômico. Então isso pode ser uma coisa boa pra eu desenvolver nos próximos anos.


P/1 - Esmeraldo, você comentou que seu pai tinha uma relação próxima, dava importância à cidade de Santos, tinha um carinho. Eu queria saber como é pra você, o que a cidade de Santos representa na sua história e acrescenta o porto também.


R - Então, Santos tem uma importância muito grande, certamente muito grande. Eu acho que nós desperdiçamos muitas oportunidades para o desenvolvimento da cidade, isso eu não tenho dúvida. Ela é uma cidade importante e aí eu preciso abordar um tema que eu não falei ainda, que é o Santos Futebol Clube. Eu nasci às dezoito e 45, dezessete e 45 e aí meu pai me inscreveu no Santos no mesmo dia. Eu fui inscrito no Santos no mesmo dia. Meu pai era diretor do clube e tal e eu fui inscrito no mesmo dia. Meu pai foi diretor, depois ele foi presidente do Conselho e eu sou conselheiro do clube desde 1989. Em 1999 eu fui presidente do Conselho, até 2000, 2001. Que é uma coisa legal. Eu, de alguma maneira, fiz a mesma coisa que meu pai fez, o mesmo cargo que meu pai ocupou. O Santos sempre esteve muito presente na minha vida, muito presente. Eu gosto de futebol, não sei jogar bola, mas eu sei ver jogo. E eu tenho pelo Santos um carinho muito grande, em que pese, em 2021, o segundo semestre, nós não estarmos indo muito bem. Mas a gente… eu continuo torcendo apaixonadamente pelo clube. E eu vejo que esse é um ponto… por que eu falo isso? Não é só pelo Santos, mas é pelo fato de que a cidade… esse é um outro negócio, Luiza, depois as pessoas falam: “Pô, esse cara só fala mal de Santos!” Não é isso. Quando eu falei do porto, o porto de costas pra cidade, a cidade de costas pro porto, a cidade não aproveita o Santos Futebol Clube. O Santos é um grande patrimônio que a cidade tem. E eu vou falar uma coisa aqui que já me causou um ou outro dissabor, porque as pessoas não compreendem isso, mas como isso vai ficar gravado e ficará para a posteridade, é só pra dizer que eu continuo pensando exatamente isso: o Santos Futebol Clube é maior do que a cidade de Santos, sob um determinado ponto de vista. O Santos levou o nome de Santos pro mundo, não foi a cidade que levou o nome do Santos pro mundo, foi o contrário. O Santos levou o nome da cidade para o mundo. E são coisas que a cidade não reconhece. E aí vai um pouco naquela linha, nessa mesma linha do negócio do porto. Eu tive uma experiência, em 1994 eu fui pra Europa e eu aluguei um carro e eu viajei com uma namorada e eu estava na França, numa cidade chamada Montbéliard, uma cidade pequeninha e essa cidade fica próxima da Suíça, nós estávamos saindo pra cruzar a Suíça e chegar em Milão. Aí aconteceu o seguinte: nós chegamos… não tinha celular, não tinha nada. O que tinha era um guia Michelin, o guia, aquele vermelhinho. E, naquela época, o guia Michelin, quando você entrasse no hotel e o hotel estivesse no livro, o hotel te dava dez por cento de desconto. Então falei: “Bom, vamos procurar hotéis aqui em Montbéliard”. Já era noite, já era tarde. E aí aconteceu assim: eu entrei, já coloquei o livro discretamente sobre o balcão. A pessoa que me atendeu, me atendeu com aquela dificuldade de relação com outros, que os franceses tinham, eu acho que hoje já não tem mais, pelo menos não percebo assim. E aí fomos… entreguei lá o passaporte, tal. A minha namorada era de São Paulo, mas ela tirou o passaporte em Santos e eu, de Santos, tinha tirado o passaporte lá, por causa de uma renovação. Aí a pessoa falou assim: “Mas vocês são de Santos?” Falei: “Sim” “Mas é Santos, o time, cidade do time de futebol?” “É”. Cabe falar o seguinte, que eu perguntei pra mulher se o restaurante estava aberto, do hotel. E era um hotel pequenininho, Hotel de la Balance, que era um hotel pequeno. Aí ela falou assim: “Não, está fechado já. Já fechou, não tem nada aqui”. Falei: “Onde é que eu encontro lugar pra jantar?” Ah, se você sair daqui, anda três quadras, vira à esquerda, não sei o que, tal, você vai ter um lugar que… mas é bom ir logo!”. Tá bom. Estava com fome, precisava comer. Quando ela viu o passaporte, ela pergunta: “Mas é a cidade de Santos, a cidade do Pelé?” Falei: “Exatamente” “Ah, é?” “É”. Aí ela sai do balcão, vai até a cozinha, vai até um lugar, que depois eu descobri que era a entrada do salão do restaurante, tal e volta com o marido, que era o chef de cozinha do hotel. Aí o cara com o… isso eu me lembro tão bem, porque ele estava com o avental, ele sem o chapéu na cabeça, mas o chapéu na mão. Ele ficava pegando o chapéu, ele pegava o chapéu. Ele pergunta pra mim: “Mas você é de Santos?”. Eu falei: “Sim” “Mas do Santos Futebol Clube?” “Sim” “Do time do Pelé, do Coutinho?”. “Sim”. E aí eu pego a minha carteira, porque tinha esquecido de tirar a minha carteirinha de conselheiro e tem o símbolo do Santos. Aí eu pego da minha carteira, carteirinha e coloco no balcão. Aí o sujeito fala assim, ele deve ter falado: “Pô, ele é de lá mesmo, ele é do Santos mesmo”. Aí, ele pega o cartão, olha, tal, devolve o cartão, a carteira e fala assim: “O que vocês querem jantar?” Aí eu falei: “Olha, quem está com fome não exige, né?” Então ele falou assim: “Não, o que você quiser. Você quer carne de porco, carne de vaca? Peixe? O que você quer?” “Eu quero que o senhor me surpreenda, desde que não seja frango, eu não sou muito chegado em frango”. Aí ele falou: “Então está bom, vão pro quarto, tomar banho, tal. Volta e aí vocês vêm comer”. O cara… eu fui dormir era tipo mais de uma hora da manhã, quando isso aí era dez horas, a hora que a gente começou a conversar. Porque ele sabia muitas coisas do Santos, algumas que eu não sabia. E por quê? Ele era da Marinha Mercante, ele trabalhava pra uma armadora. E ele tinha lá uma determinada condição, eu não sei se ele... como era a relação dele com a diretoria da armadora, de escolher os portos por onde ele chegava. Aí ele juntava com algum… que era difícil essa informação… ele ficava sabendo que o Santos estava jogando o campeonato paulista, por exemplo. O brasileiro acho que não tinha muito nessa época, era outro campeonato, era o Rio-São Paulo, Roberto Gomes Pedrosa, eram outras coisas. E aí ele acabava dando um jeito de ficar em Santos quando tinha jogo na Vila e quando tinha jogo em São Paulo. Porque, naquela época, a operação portuária do navio demorava dias, dependendo da carga, era uma coisa que demorava dias. Hoje não, hoje o navio chega de manhã, ele sai no mesmo dia. Então ele vinha pra assistir os jogos. Ele assistia aos jogos e ia embora. Ele fez isso até se aposentar. E ele falou assim: “O time de futebol, é o meu time de futebol. Ah, eu torço aqui, pro Lion” - porque fica meio perto de Lion essa cidade - “eu torço, mas o time que eu gosto de lembrar, de ver, é o Santos Futebol Clube”. Então, isso, Luiza, é uma demonstração de quanto o Santos Futebol Clube é grande e de quanto a cidade não se aproveitou, até hoje, do símbolo, do que simboliza o Santos Futebol Clube. Ela não se aproveitou. Quando eu falo daquelas faltas de oportunidades, eu tô incluindo Santos nisso daí. Santos tem três coisas importantes: a cidade em si, o porto e o Santos Futebol Clube. Os três não se falam. A relação com o porto melhorou, como eu falei, durante a gestão do Papa, mas o porto, o Santos e a cidade não se falam. Quando você me pergunta o que a cidade representa e o que o porto representa, eu insiro aí o Santos, porque são três coisas que, pra mim, deveriam caminhar muito juntas, simbioticamente, assim, até uma relação muito mais… e por que eu falo isso? Porque quando você tem um jogo na Vila, você tem um jogo na Vila, é difícil você chegar, é difícil você estacionar. As pessoas, a polícia não deixa você passar por causa de uma determinada coisa de segurança, aí não sei o quê. Meu, tudo é pra dificultar. Não, você tinha que facilitar. “Ah, mas tem muita gente que vai lá pra violência”. Meu, aí sim é trabalho pra polícia fazer, vai lá e segura o cara que é o tigrão, o resto não. As pessoas não… então as pessoas têm receio de vir ao jogo, os caras não querem saber disso e tal. Então são coisas que a cidade não aproveita. Eu posso estar dando um ar meio desgostoso em relação à cidade, não é isso, é que eu não vejo a cidade como um… ela não se aproveita do que ela tem de melhor. E nós temos coisas muito boas, que outras cidades não têm. Que cidade, no Brasil, tem o maior porto do Brasil? Só Santos. Que cidade do Brasil tem um grande time de futebol, fora de uma capital? Só o Santos. Então eu acho que tinha que ter um… acho não, tinha que ter uma forma da cidade reagir a essa coisa, assim: “Ah, eu não quero saber do porto. Ah, eu não sou santista”. O Santos não é dos santistas, ele é também do corintiano, do são paulino, do palmeirense, do flamenguista, do vascaíno, do cara do Internacional, do Grêmio. O Santos é uma coisa que ajuda o Brasil. O futebol é uma atividade que poderia ajudar mais, mas o Santos ajuda o Brasil. Então pra mim - tô tentando fechar aí - o Santos, a cidade de Santos tem que retomar... ela tem que retornar, não, ela tem que rever a sua ideia de: “Eu não sou única e isolada. Eu sou única...” - porque ela tem características únicas - “... mas eu, sozinha, não… aí, sozinha, eu vou ficar isolada”. E o porto é a porta de entrada - e a porta de saída também, né? - para as coisas que vão fazer bem para o Brasil e a porta de saída das nossas riquezas. E isso, como eu te falei que eu gosto de relações internacionais, eu não consigo compreender como Santos demorou séculos pra estabelecer… séculos não, porque o curso de relações internacionais é desse, do século XX. Mas Santos só veio a ter curso de relações internacionais há dez anos, quinze anos atrás. Não tinha, não existia. Você tinha lá muito ligado ao comércio exterior, que tudo bem, porque é uma atividade da cidade, mas só. Então a cidade não consegue se identificar com outras coisas? Caramba, Santos teve atores e atrizes fenomenais. Teve, na sua época, o maior time de futebol do mundo. Você teve bons jornalistas, bons advogados, bons políticos, bons de tudo. Mas o sujeito não consegue... o sujeito não, a cidade não consegue estimular isso, porque as pessoas vão embora de Santos. O sujeito vai embora, ele vai estudar fora, ele vai morar fora, ele vai trabalhar fora daqui. Então o que… isso é uma coisa que me entristece muito, que eu vejo que Santos não se apercebe do que nós temos pra dar, pra oferecer. Às vezes é apenas um toque, virar uma chave, apertar um interruptor: “Opa, acordei!”. Como eu falei pra você: eu não sabia, eu não tinha trabalhado com ensino, eu não tinha trabalhado com ouvidoria, você vai se adaptando, porque a vida é adaptação. Se você não tem essa capacidade de se adaptar, tem hora pra você… o Getúlio Vargas tem uma história muito boa: ele, brincando com um amigo dele lá, da fazenda do pai dele, eles brincam de espada e aí numa determinada hora ele rompe um quadro do avô dele, que ficava num ponto nobre da sala, cai, quebra a moldura, só que a moldura era uma molduuuuura, moldura robusta e tal. Aí ele falou: “Puts, acho que me dei mal”. Aí ele sai e vai, desaparece, porque todo mundo ouve o barulho, vão ver: “Ah, foi o Getúlio” - eu não me lembro o apelido dele - “foi o Getúlio, foi Getúlio” “Tá bom, foi o Getúlio. E cadê o Getúlio, cadê ele, cadê ele, cadê ele, cadê ele, tal”. Não aparece o Getúlio. Passa a noite, no dia seguinte ele vê, ele fala: “Bom, acho que está começando a melhorar”. Porque ele viu o desespero da mãe e ele e o amigo dele sem comida, sem nada. Porque veio o desespero, ele devia estar com fome também. Aí ele vê o desespero da mãe e resolve voltar. E ele estava onde? Ele estava em cima de um umbuzeiro, de uma árvore de umbu, que é uma árvore frondosa, com folha, é alta. Então ele estava escondido lá. Aí o que o Getúlio fala -

isso já adulto. Fala: “Olha, em momentos de tensão, é melhor você ficar em cima do umbuzeiro e depois você desce, porque…” e tem uma sabedoria nisso, porque do umbuzeiro ele viu a mãe desesperada, o pai mandando as pessoas procurarem o filho. Então você tem um ângulo de visão que está, de certa forma, dissociado, que é uma… ele não está associado diretamente ao fato, ele está dissociado, porque ele está vendo as coisas andarem. Então, nessa história, Santos não consegue descer do umbuzeiro. Santos fica no umbuzeiro. Algumas pessoas até veem o que poderia acontecer, mas: “Tá, tô aqui, tal”. Porque o umbuzeiro, às vezes, é confortável, as pessoas gostam de ficar escondidas assim e aqui, em Santos, eu acho que tem muita gente que gosta de ficar recolhida e não contribuir pra cidade e tal. Então o ruim é isso daí.


P/1 - Esmeraldo, só pra gente finalizar, eu gostaria muito de ficar mais tempo, mas já deu o horário, já passamos cinco minutinhos, eu só queria te perguntar como foi pra você passar essa manhã com a gente, poder relembrar um pouco de algumas memórias passadas, familiares, de poder dividir um pouquinho com a gente a sua história.


R - Como você pode ter percebido, você, Luiza e você, Bruna, eu gosto de falar. Então, é… não é que eu gosto de falar, eu já vivi muita coisa, então eu gosto de falar, mesmo. Então conversar com vocês, conversar para o Museu da Pessoa, nós poderíamos ter demorado mais tempo, né? Tanto que eu tinha pensado assim: “Ah, duas horas e tal”. Mas aí vai, porque essas coisas vão surgindo. Eu realmente teria muito mais coisas pra comentar, muito mais coisas, mas não… eu sei da limitação do tempo de vocês, do meu tempo e tal. Mas, pra mim, foi muito legal. Espero que, quem tiver acesso a esse vídeo, que as pessoas aproveitem, gostem, pensem, reflitam sobre - principalmente as pessoas que têm alguma relação com Santos - isso, sobre o nosso futuro aqui, porque história… as pessoas… tem gente que não gosta de história. História é uma coisa que tem a ver com o passado da gente e, se você não aproveita a história no presente, pra construir o futuro, a vida acaba ficando muito insossa, muito enfadonha. Então eu espero que, de alguma maneira, isso, nos próximos anos, pra outras pessoas, que porventura venham assistir, tenha sido, tenha mostrado alguma coisa diferente, alguma história diferente aí. Mas foi muito legal, eu gostei muito dessa experiência.


P/1 - Oba, te agradeço demais. Eu, Bruna, e em nome do Museu, agradecemos muito a sua disponibilidade e por dividir um pouquinho das histórias.