Museu da Pessoa

Valeu a pena? Sim e muito

autoria: Museu da Pessoa personagem: Tammaro Galera Rotondo

História da Farma Brasil - Johnson & Johnson
Depoimento de Tammaro Galera Rotondo
Entrevistado por Karen Worcman e Luís André do Prado
Estúdio VTR
São Paulo, 10 de janeiro de 1996
Realização Museu da Pessoa
Entrevista número: FR_HV017
Transcrito por: Rosália Maria Nunes Henriques
Revisado por: Nataniel Torres

P/1 - Eu queria que você falasse...

P/2 - Espera um pouquinho, vamos aguardar o sinal. Pronto, podemos começar.

P/1 - Então, pra gente começar, eu gostaria que você nos dissesse seu nome, local e data de seu nascimento e o nome e a profissão dos seus pais. Identificasse pra gente nesse iniciozinho.

R - Muito bem. O meu nome é Tammaro Galera Rotondo. Eu nasci em 5 de outubro de 1933, o meu pai é Venceslau Galera, ele é espanhol, nasceu em 12 de junho de 1906. O nome da minha mãe, Olívia Rotondo, que eu não me lembro a data de nascimento dela. E que mais?

P/1 - Ela era italiana?

R - Filha de italianos, né?

P/1 - E você nasceu aqui em São Paulo?

R - Nasci em São Paulo, São Paulo, Capital.

P/1 - Então é exatamente isso; começa contando um pouco pra gente a origem da sua família e mais ou menos o que é que o seu pai fazia, se você conhece a história de como eles se encontraram.

R - Sei. Bom, o meu pai, como eu falei já, ele era espanhol e a minha mãe, filha de uma família italiana, que moravam na Mooca, e lá eles se encontraram. Se enamoraram e casaram.

P/1 - E aí o seu pai já trabalhava?

R - O meu pai trabalhava, meu pai, a profissão dele era marceneiro. E ele trabalhou durante muitos anos numa fábrica de móveis muito famosa chamada Paschoal Bianco. E, em geral, a minha mãe tinha muitas irmãs todas casadas com descendentes de italiano e a única que casou com um espanhol foi a minha mãe e eles eram muito pobres, essa imigração de espanhóis que veio nessa época de mil novecentos e pouco, eles estavam fugindo da Revolução Espanhola e eles tinham uma diferença de qualidade de vida com os italianos que estavam mais ambientados. Então a minha mãe casou com o meu pai, mas teve uma vida difícil, e depois de alguns anos um tio meu, irmão da minha mãe, convidou o meu pai para fazer uma fábrica de móveis. O meu pai entrava com a técnica, que ele era o profissional, né, o artesão, e o meu tio com o capital. Aí o meu pai passou a ter uma fábrica de móveis junto com o meu tio, que durou talvez uns 10 anos e depois fechou. E o meu pai voltou a trabalhar como operário nas fábricas de móveis.

P/1 - E, quer dizer, só pra entender, o seu pai não era espanhol, né?

R - Ele era espanhol. Ele nasceu na Espanha.

P/1 - E na sua casa se falava espanhol ou ele falava espanhol?

R - Não, isso foi uma coisa, na minha casa se falava português, nem a minha mãe falava italiano, nem o meu pai falava espanhol. Agora, quando se reunia a família ou do lado do meu pai, na minha casa, se falava espanhol, tanto é que a gente tem um bom conhecimento da língua, né? E a recíproca é verdadeira, quando se reuniam pessoas da família da minha mãe se falava italiano. Então a gente tem uma boa noção dos dois idiomas. Mas ele é espanhol de Almería, sul da Espanha, andaluz.

P/1 - E o que é que você lembra, Tammaro, em casa dessa parte assim, alguma coisa, algum costume especial, que é que tinha na sua casa, dessas origens, ou espanhol ou italiana?

R - Olha, o que eu me lembro que diferenciava a casa das outras pessoas é que a minha mãe fazia, eu acho que pra agradar o meu pai, ela fazia muita comida espanhola, sabe, à base de peixe, e tem uma comida muito conhecida que chama-se puchero. Freqüentando a casa dos outros meninos eu percebia que havia assim uma diferença, não era aquele feijão e arroz, feijão e arroz. Então, na minha casa tinha mais ou menos esse padrão, comidas espanholas, e a minha mãe também fazia muita comida de massas que é também de italiano. E tinha até uns dias que, sabe, terça-feira era dia de puchero, quarta-feira era uma outra comida, quinta-feira era massa, isso sem dúvida nenhuma e no domingo também era massa. Mas muito, ela usava muita comida espanhola também.

P/1 - A família vinha comer lá, vocês iam comer na casa da avó, você tinha quantos irmãos?

R - Eu tinha... durante um período tinha um irmão, depois nasceu uma irmã e depois finalmente um irmão.

P/1 - Então você é o mais velho.

R - Não, eu sou o segundo, tem um mais velho, eu, a moça e depois o mais moço...

P/1 - Que se chama?





R - O meu irmão mais velho chama-se Diogo em homenagem ao avô espanhol, eu, Tammaro, em homenagem ao meu avô italiano. Depois que a gente estava crescidinho, nós criamos juízo e a minha irmã chama-se Neide, fez homenagem a nenhuma avó que era Josefina e Francesca.

P/1 - Francesca é bonito.

R - Agora é, mas naquela época não era. E o último chama-se Ricardo porque foi um filho fora de época, minha mãe já tinha alguma certa idade, e o médico que tratou dela chamava-se Ricardo e nós homenageamos o médico. Mas a gente almoçava sempre em casa, nós, nossa família só, dificilmente a gente se juntava assim com a família espanhola ou com a família italiana. Era sempre em casa, o meu pai era um homem muito, digamos assim, eu não diria introvertido mas muito quieto, ele queria ficar em casa. Então a gente se reunia sempre em casa.

P/1 - E ele era muito severo? Como você lembra da sua educação, como é que era? Quem mandava na casa...

R - Olha, a partir do momento que a gente começa a lembrar, né?, Karen, a minha mãe passou pra nós uma imagem de um pai acomodado, ele tinha o emprego dele, voltava do trabalho, ele tinha um cantinho dele numa cadeira que se chama cadeira de balanço e lá ele ficava, e a minha mãe...

P/1 - Ele ficava fazendo o quê?

R - Descansando ou lendo um jornal. E a minha mãe passou pra nós a imagem de que ela era mais ativa. Ela veio de uma família que tinha um poder aquisitivo maior, depois eu tenho a impressão que depois que passa aquele élan do casamento, daquele amor, tal, vem a realidade, né? Então ela saiu de uma família que estava bem e a familiazinha dela, ela, meu pai e nós, nós éramos bem humildes, uma casa pequeninha, alugada.

P/1 - Na Mooca também?

R - Na Mooca. E eu acho que a minha mãe começou a querer fazer alguma coisa, sabe? Melhorar o nível de vida. Eu até acho que posso falar, teve épocas que quando o senhorio da casa ia cobrar o aluguel, a minha mãe nos avisava, imagina só que coisa de louco e falava: "Olha, a hora que vier o fulano de tal, eu vou pra cama e vou dizer que eu estou doente e vocês deixam ele entrar." Então ele entrava, ele ia cobrar o aluguel, ele era o dono de um grupo de casas, e ela punha um pano assim na testa e falava: "Olha, nós gastamos muito dinheiro com médico esse mês." Quer dizer, devia ser uma dificuldade.

P/1 - Pagar o aluguel pra ele?

R - Pra pagar o aluguel e pra viver.

P/1 - Isso. Mas vocês sentiam ou só, por exemplo, tinha problema na comida ou no dia-a-dia?

R - Não, na comida nunca teve problemas porque a minha mãe se virava, ela se virava. Olha, nós nunca tivemos problema de comida e a idéia de limpeza, de higiene a minha mãe passou muito pra nós, sabe? Tomar banho todo dia, o que na época não era muito comum com a criançada, a gente percebia, a gente trocava de roupinha todo dia. Eu tenho a impressão que ela devia receber alguma subvenção da família, né, pra tocar essa coisa de forma igual aos outros. Eu e o meu irmão mais velho, porque depois da Neide o quadro mudou um pouco, a gente sentia que era o mais pobre da família, sabe? Você percebia que você morava numa casa mais simples, que as roupas não eram iguais, bem feitinhas, higiene. Isso é uma coisa assim que eu me lembro com uma certa felicidade porque isso serviu pra mim pro resto da vida, né? A minha mãe ensinava a gente a tomar banho, lavar a cabeça, lavar o ouvido, escovar os dentinhos, quando a gente tinha algum dentinho com cárie, ela já levava no dentista, ela foi... ela trouxe todo... ela guardou todo esse conhecimento europeu e ela introduziu. E a gente percebia que na turminha da gente, que a gente era o melhor vestidinho, sabe? Melhor higiene, você percebia, quer dizer, agora quando eu paro pra pensar como é que era. Eu me lembro que a gente tinha uma pequena diferença das famílias mais comuns daquele nível que a gente morava, que a gente estava.

P/1 - Mas o resto da família da sua mãe não morava lá não?

R - Não, eles moravam em outros bairros um pouco mais...

P/1 - Fazia o quê, o pai dela, lembra?

R - O pai da minha mãe?

P/1 - O seu avô.

R - Ele era... eu não sei como é que chama, calceteiro, é homem que faz, ele fazia pavimentação de estradas, só que não era com asfalto.

P/1 - Era pedra?

R - A primeira estrada, era pedra, não sei porque calceteiro eu não me lembro. Então a primeira estrada de São Paulo pra São Bernardo foi ele quem fez com paralelepípedos. Ele trabalhava nessa... ele tinha uma pequena empresa que fazia isso, fazia concorrências e tal, era um homem assim, morava numa casa boa, tinha uma vida social assim que a gente via diferenciada.

P/1 - E vocês tinham contato com ele, freqüentavam a casa?

R - Olha, muito pouco, muito pouco. A gente só se encontrava em alguma festinha assim, eu tenho a impressão que a minha mãe tinha um contato maior, mas a gente não acompanhava, a gente ficava em casa, acho que ela ia visitar a mãe, visitar a mãe e o pai, e uma vez ou outra ia visitar as outras irmãs, mas a gente não acompanhava.

P/1 - E da família do seu pai?

R - É mais ou menos a mesma coisa, nós não tivemos muita intimidade, mas eles iam mais na nossa casa. A família do meu pai.

P/1 - Os espanhóis?

R - Os espanhóis, eles iam mais. De vez em quando à noite, até hoje a gente se lembra que minha avó entrava, esse fato, a gente morava numa casa que tinha um corredor e a gente ouvia a voz da velha falando: "Se puede?". Ela batia palma e ia falando: "Se puede?" e ia entrando, sabe? Era uma velhinha, uma espanhola muito simpática. Tinha sei lá quantos anos, uma pele linda e dentes. Então a gente teve assim, eles vinham mais visitar a gente, mas não era tanto também. Mas a gente sempre em casa, eu não me lembro nunca de reuniões.

P/1 - Na casa dos outros?

R - Na casa dos outros, tal. Durante uma época a gente morou, nós moramos perto de uma irmã dela. Mas era gozado, era um grupo de casas onde morava, nós morávamos na casa 5 e tinha uma irmã da minha mãe que morava na casa 13, mas que já era um sobrado, já tinha mais dependências. Sabe, era um grupo de casas quando virava assim tinha um casão assim grandão, que era uma irmã da minha mãe, onde a gente brincava com o primo que a gente sabia que ele tinha melhor condição, tinha uma vida, sei lá, o pai estava melhor de vida. O meu pai era um operário na verdadeira expressão da palavra, ele gostava de ser operário, de levar marmita, de ser operário. Ele tinha... sei lá, ele era assim, ele era um operário.

P/1 - E eles se davam bem, seu pai com a sua mãe? Brigavam?

R - Eles se davam. O meu pai, ele foi sempre muito sério assim, ele nunca... a gente nunca teve assim liberdade como hoje têm os filhos de correr, pular em cima do pai. Não. Ele chegava do trabalho, fazia as coisas que ele tinha que fazer lá, se lavava, tal, ia pra aquela cadeira de balanço, e minha mãe falava... Pode falar nome feio? Depois corta, né? Ela falava: "Essa filha da puta dessa cadeira de balanço." (risos) Então ele ia pra lá e deitava lá, depois esperava a hora de janta, ouvia algum programa de rádio, ele era esquerdista, todo bom espanhol: "Se hay govierno, soy contra." Então ele tinha bem arraigado essa coisa que o Estado é que tem que cuidar da população, sabe? E, olha, eu nunca vi, um diálogo assim entre o meu pai e a minha mãe que me chamasse a atenção ou de amor, ou de negócio, ou de projeto, era meio silencioso isso em casa, a gente não via, era meio... Meu pai não tinha assim grandes ambições, grandes...

P/1 - E nem de política ele costumava conversar com amigos...

R - Não, com política ele se inflamava, ele se inflamava com política, tanto é que eu me lembro que a minha mãe, quando a gente ia em alguma festinha da família, mais da família italiana, porque festinha da família espanhola eu não me lembro de nenhuma, de nenhuma, festinha da família italiana, uma prima que fez aniversário, a outra que fez 15 anos e tal. A minha mãe, eu me lembro que ela falava: "Venceslau, não vai se inflamar muito, puxa, sabe, o pessoal, fica quieto um pouco." Mas não adiantava, ele falava, Luís Carlos Prestes, ele conhecia história da Revolução Russa, e ele tinha boa memória, falava, era, sabe?, falava e se inflamava. E a gente ficava com um pouco de medo porque a minha mãe passou pra nós que espanhol, que era feio ser espanhol, sabe? Era feio não, sabe? O pessoal da família falava, quando uma irmã da minha mãe vinha visitar ela falava: "E a espanholada?" (risos) Espanholada é meio depreciativo, né? Então a gente ouvia isso com 6, 7, 8, 9 anos e por aí afora. "E a espanholada?" A minha mãe falava: "Estão tudo lá comendo puchero”, tal. Dava aquelas respostas. Mas o meu pai era assim, um homem, um operário bastante convencido de que ele tinha que ser operário e que um sistema devia conduzir todas as coisas. Ele não, acho que eu nunca conversei com ele sobre isso, mas ele nunca teve assim idéias democráticas, cada um, por exemplo, nos estudos quem ia matricular a gente era sempre a minha mãe, sabe? Que procurava, terminou o primário, olha, precisava fazer admissão pra entrar no ginásio, ela que se virava, sabe?

P/1 - Isso em escola pública que vocês estudavam, os irmãos?

R - O primário foi em escola pública e o ginásio já foi em escola paga, mas era terrível pra pagar.

P/1 - E todos os irmãos estudavam na escola paga?

R - Todos. A minha mãe se virava e ela matriculava a gente em escolas pagas e muitas vezes a gente recebia o aviso de que precisava pagar o mês passado, ela se virava e pagava.

P/1 - Ela não trabalhava?

R - Ela trabalhava, ela era pespontadeira, ela fazia sapatos. Ela ligava o sapato na sola.

P/1 - Em casa, ela trabalhava?

R - Em casa.

P/1 - Ela tinha uma oficina?

R - Precisava só uma máquina, uma máquina, um balcão e cola e a gente não tinha essa impressão de que em casa tinha uma oficina. De repente ela brum-brum ficava costurando lá.

P/1 - E vocês ficavam na rua, a vida de vocês era como?

R - Nessa época nós morávamos numa vila, que é essa casa assim, e a gente ficava nessa vila brincando. Quando ela ia entregar o trabalho, o serviço dela, ela falava assim de uma forma bem forte: "Vocês não saiam de casa." Nessa época era eu e o meu irmão só. Karen, a gente não punha o pé fora de casa, a gente tinha uma obediência terrível, passava alguns meninos ali e falavam, eu tinha apelido de “pinta” por causa dessa pinta que eu tenho debaixo do ouvido, da orelha. O pessoal: "Pinta, vamos empinar quadrado, sei lá." Eu falava: "Não, não posso." Ficava lá, não punha um pé fora de casa. Ela falava: "Vocês não põem o pé fora dessa porta." (risos) E a gente não punha.

P/2 - E apanhava ou era só na moral?

R - Não, dificilmente, eu não me lembro de ter apanhado. Eu me lembro uma vez que a minha mãe, ela era muito nervosa e a gente não... eu não tenho assim uma idéia porque talvez era os conflitos que ela passava, né, as dificuldades, vendo as outras irmãs, ela era muito nervosa. Eu me lembro uma vez que, quando ela lavava a cozinha, ela punha as cadeiras assim em cima da mesa e punha a gente sentadinho lá. E eu falei: "Mãe, depois eu posso ir brincar lá fora?" Ela estava lavando a louça, o pano da louça coitado veio assim na minha cara, só isso. E o meu pai, eu me lembro de umas palmadas que às vezes ele dava. Agora, eu queria voltar um pouquinho no negócio de escola que como tinha sempre essa dificuldade de pagar, um ano meu pai resolveu dar uma idéia e falar pra nós: "Por que é que vocês não vão estudar no ginásio do estado?" Que era do governo, e nós fomos pro ginásio do estado.

P/1 - Aí já era você, seu irmão mais velho...

R - Só.

P/1 - Com que idade? E os outros dois?

R - Eram pequenos ainda. Aí eu já devia ter uns, deixa eu ver, uns 12 anos, 13 anos.

P/1 - Ele propôs pra vocês, não pra sua mãe.

R - Ele propôs pra nós e ele se interessou, ele foi, pegou informação do que precisava, foi no colégio que nós estudávamos pra pedir transferência, ele foi com a gente, ele foi a pé, nós fomos andando, e ele foi lá, falou com o diretor pra dar transferência pra nós. Foi um ano que abriu um ginásio do estado na Mooca e muita gente se transferiu e os donos de escolas particulares, eles ficaram assim chateados porque todo mundo foi lá pedir transferência. E lá havia vagas à vontade porque era um colégio que estava inaugurando, Antônio Fermino de Proença, que era uma subsidiária do D. Pedro II, que era um colégio igual ao D. Pedro II, só que era um outro local. Então era difícil. Quando nós pedimos: "Olha, senhor Rapaz, nós queremos a transferência, tal." Ele não queria nem saber. Aí meu pai foi um dia lá e conseguiu. E aí nós fomos transferidos para um colégio do estado e lá nós... a gente terminou o ginásio.

P/1 - Nessa altura então, o seu pai tinha deixado de ser operário e virou dono de alguma empresa? Como é que foi, o que é que foi que aconteceu?

R - É, houve um momento que a gente começou... eu tinha um tio, irmão da minha mãe, que é o único irmão, eram nove mulheres e um homem. Ele começou a ir muito na nossa casa, na Rua Niterói, uma casa pobre, simples e a gente começou a ver o meu tio a ir muito lá. Sabe, a gente era criança e a gente começou a ouvir assim conversas entre a minha mãe e o meu pai que davam conta, de que eles estavam fazendo algum negócio. A gente percebia que o meu tio falava: "Olha, você conhece a profissão. Eu não tenho dificuldade em pôr um capital." E tinha mais um terceiro que ia entrar, que é onde meu tio trabalhava, era uma loja de material de construção, sabe? Então eu não sei como isso se deu. De repente nós mudamos dessa casa pra uma casa na Avenida Celso Garcia, uma casa melhor, ampla, onde tinha um salão na frente, um salão enorme na frente, onde foi montada uma fábrica. Onde foi montada uma fábrica de tampa de privada, tampa de bacia que não tinha ferragem. Porque naquela época, época da Guerra, 1945, 1946 ao contrário 1943, 1944, não tinha ferro, tinha a campanha do ferro, campanha do alumínio. Então meu pai bolou uma tampa de bacia de privada só de madeira, tinha pino de madeira, você levantava, fechava, não tinha mola, não tinha nada. E eles começaram essa fábrica, começaram essa fábrica...

P/1 - Aí ele largou o emprego dele?

R - Largou, 12 anos de Paschoal Bianco. Largou e fizeram essa fábrica e eu não sei porque razão fechou. Um dia a coisa fechou, ficou um clima assim difícil. Aí a irmã mais velha da minha mãe tentou colocar o filho dela com o meu pai pra fazer uma fábrica de móveis. E o filho dela naquela época era assim um tipo de ovelha negra, então ela quis matar dois coelhos. Então ela falou: "Eu ponho ele com o Venceslau, que é uma pessoa séria." Aí eles alugaram um salão num outro bairro, é Mooca, um pouquinho mais distante, nós saímos da Avenida Celso Garcia, voltamos pra esse lugar da Mooca, um armazém grande com uma casa bonita, tal. E ela investiu alguma coisa, ela comprou máquinas e tal e fez uma fábrica de móveis, assim, sala de jantar, mesa, não, dormitorio: guarda-roupa, cama, criado-mudo, tal. Mas o cara não era bom da cabeça, o meu primo, e isso durou muito pouco, talvez um ano. Aí volta o meu tio e fala: "Olha, as máquinas ainda estão aqui, aqui do lado tem dois armazéns enormes, bons, vamos esquecer aquela aventura e vamos abrir uma fábrica de móveis agora pra valer, tal, legal." "Está bom." Aí mudamos daquela casa para uma outra casa.

P/1 - E vocês iam morando junto?

R - Sempre. Uma outra casa com dois bonitos armazéns grandes, ali foi feita a fábrica de móveis Universal Rotondo e Galera. E tinha móveis, saía todo dia caminhões de móveis, sabe, dormitórios, sala de jantar, pra Bahia, pro Rio de Janeiro, pra tudo quanto era lugar, tinha 40 operários, marceneiros, lustradores, montadores, tinha separado onde o meu pai comprava as toras, onde fazia as tábuas, né, tinha no fundo as máquinas que faziam esse trabalho, depois iam para uma estufa, depois ia pro corte, tudo organizado. Meu pai devia ter isso do Paschoal Bianco. Então era uma bela de uma fábrica. E isso foi andando, a gente tinha uma vidinha melhor, né? Até que um dia o meu tio, nós estávamos jantando, o meu tio chegou e falou, primeiro ele fez algum sinal pro meu pai ou pra minha mãe e mandou a gente sair, sabe? Então nós saímos de lá e fomos para um quarto que tinha assim perto da cozinha, eu e meu irmão. E nós ficamos deitados assim no chão tentando ouvir o que se falava. Eu acho que a gente passava por medos, eu acho que a gente tinha já um medo internalizado. Então o meu tio falou: "Olha, nós vamos falir. O seguro, a apólice de seguro, ela está em dia. O que eu acho é que a gente podia deixar pegar fogo a fábrica, pelo menos a gente recebe o seguro". E o meu pai... isso aí não vai ser depois...

P/1 - Pro livro não. Depois a gente vai ganhar dinheiro em cima disso. (risos)

R - E o meu pai se negou. E aí depois de alguns dias, eu me lembro que o meu pai foi para o Rio de Janeiro, nós fomos morar de favor numa casa na Vila Zelina, perto da Vila Prudente, fomos morar de favor na casa de uma irmã da minha mãe.

P/1 - Com a irmã dentro?

R - É, num quartinho lá que ela deu pra gente. E a fábrica faliu, foi lá o Banco do Brasil, pôs aquela bandeira vermelha, leilão, naquela época era assim. E os credores foram lá, um pegou uma máquina, outro pegou... e acabou. A minha mãe ainda tentou trabalhar com o meu tio, irmão dela, fazendo caixa de rádio. O meu tio era um homem, ele morreu, era um homem de muita lábia, sabe, ele tentou ainda com os credores uma concordata que chamava, né, de 90 dias e durante esses 90 dias, a minha mãe ia todo dia lá pra fazer almoço pra ele e ajudar.

P/1 - E o seu pai nessa altura?

R - Meu pai se escondeu, meu pai ficou muito envergonhado. Ele foi para o Rio, pra casa de um irmão, porque ele queria ver se tirava o Galera da falência, né? Ele foi... eu tenho a informação que ele falou até com o chefe de gabinete do Getúlio Vargas naquela época, explicando que ele não tinha culpa, que ele era uma pessoa que não controlava a parte financeira e que ele foi levado pra essa sociedade sem conhecer o mecanismo de crédito e tal e acabou falindo e ele não queria falir o nome dele. Eu não me lembro o que ele conseguiu, hoje isso é até feito para se ganhar dinheiro, falências fraudulentas, mas na época era uma vergonha e não se podia abrir negócio durante cinco anos, né? O meu pai saiu um pouco do circuito, nós ficamos morando nessa casa dessa tia, assim de emergência, só levando cama e alguma coisa. E isso durou até falir de uma vez a fábrica, não conseguiram com aquelas caixas de rádio fazer nada, não deu pra pagar e faliu, faliu. E o meu tio foi para o lado dele e o meu pai, quando voltou do Rio, foi procurar emprego de marceneiro e começou a trabalhar outra vez. O meu irmão mais velho foi trabalhar na Johnson e eu fui trabalhar nas Lojas Americanas.

P/1 - E ele tinha quantos anos, o seu irmão?

R - Ele já tinha 15 anos e eu tinha 13. Aí tinha a Neide, pequeninha e a minha mãe estava esperando o Ricardo. E aí a gente viu que a coisa estava feia, né? A gente dormia tudo junto num quarto. Aí o meu irmão falou: "Olha, eu passei lá na Loja Americana e tinha um aviso lá: Precisa-se de auxiliar de vitrinista. Vai lá." E eu fui, comecei a trabalhar, mas o gerente da loja pediu os documentos, né? Falei: "Não, é que meu pai está no Rio e ele levou tudo, quando ele voltar, tal." Eu fui levando, levando, levei uns quatro meses até que ele falou: "Se você não trouxer agora segunda-feira." Aí eu cheguei e falei: "Olha, eu não tenho 14 anos, de modo que eu vou embora. Até logo." Fui embora. Mas a minha mãe tinha me falado: "Olha, pára de trabalhar porque você vai ter que me ajudar na hora que nascer o Ricardo, né, a hora que nascer a criança, tal." E realmente, a hora que nasceu, nessa casa não tinha água encanada, era água de poço. Então ela não podia ficar o dia todo puxando água de poço e eu fazia essa tarefa, puxava água de poço, enchia as caixas, não tinha torneira na pia, enchia lá aquelas caixas reservas e ela não podia fazer esse esforço, né? Depois que o Ricardo nasceu, o Diogo já estava trabalhando na Johnson, ele trabalhava numa seção chamada de expedição. Ele me falou: "Olha, tem uma vaga na Johnson de office-boy e de auxiliar do Departamento de Pessoal." Ele me deu umas dicas dos exames que caíam, eu fui lá, fui muito bem e o chefe do Departamento de Pessoal naquela época falou: "Eu fico com esse menino."

P/1 - Por quê?

R - Porque não sei. Ele tinha dois, tinha eu e um tal de Manoel. Ele falou: "Eu fico com esse menino", não sabia nem o meu nome. E aí ele me levou para o Departamento de Pessoal e começou, marcou um dia pra eu começar, né, começou a me passar os trabalhos, começou a me ensinar o que fazer. Quer dizer, eu nunca tinha trabalhado sério. Na Loja Americana eu era auxiliar de vitrinista: "Então vai buscar um vaso", eu ia lá, pegava o vaso e punha. Não era nada sério. Agora, quando eu entrei na Johnson, esse senhor, ele viu os dois, sabe, no escritório lá na Avenida do Estado, e falou pro gerente geral lá do escritório, administrativo: "Olha, eu vou ficar com esse menino aqui." O outro falou: "Tudo bem, eu fico com o outro." Você vê como é que é. Aliás, tinham três meninos, tinham três vagas: era ajudante de cozinha, office-boy e auxiliar do Departamento Pessoal. Você sabe que eu não tinha assim nenhuma, nada contra ser ajudante de cozinha, é isso que eu quero dizer, eu não vim da minha casa com grandes metas, meu pai não... a casa não criou isso na cabeça da gente, sabe? Nós éramos simples. Meu irmão trabalhava na expedição, sabe o que significa isso? Ele enchia caminhão de talco, de absorventes. Tinha um carrinho, ele pegava o pedido, ia separando, empurrava o carrinho e descarregava lá no caminhão, era isso. Então quando eu fui lá, se me dissessem: "Olha, eu quero esse menino pra ser auxiliar de cozinha", eu talvez hoje fosse hoje cozinheiro. (risos) Mas o senhor lá falou: "Eu fico com esse menino." Está bom. Na hora ele me pegou, foi andando por um caminho comigo até chegar o Departamento de Pessoal e falou: "Quando é que você pode começar?" "Olha, quando o senhor quiser." "Pode ser amanhã?" "Pode." Aí eu fui pra casa, falei com a minha mãe.

P/1 - E a Johnson, nessa época, era uma fábrica já conhecida? Grande?

R - Sim.

P/1 - O que é que significava para uma família?

R - A Johnson era uma empresa já assim cobiçada, sabe, pelo pessoal da Mooca e do Cambuci. Era uma empresa que já tinha bons produtos infantis, sabe? Ela já tinha uma cara de empresa grande porque tinha dois prédios e tinha um escritório administrativo muito bonito já de, como que é que chama, esse negócio aí de engenharia... Ela tinha uma planta bonita, vistosa, não tinha janela, já era tudo ar condicionado, já tinha um bom nome. E muito cobiçado pelo pessoal da Mooca e do Cambuci. Se você for ler bem todas as pessoas, a grande maioria, a origem é Mooca ou Cambuci. José Novazzi era do Cambuci, eu era da Mooca e tal.

P/1 - Por quê? Por que a Johnson era lá? Ou porque era tipo de família?

R - Não. É porque a Johnson era na Mooca, na Avenida do Estado, entre a Rua Barão de Jaguara e Ana Nery do lado da Mooca. Depois tinha o rio, o outro lado era o Cambuci. E ficava bem em frente a Chicletes Adams, né? Então quando ele falou: "Então começa amanhã", eu não me lembro se isso foi segunda, eu fui, Karen, armado assim de muita responsabilidade. Ele passou, não me lembro, uns dias, umas horas me falando: "Olha, aqui a gente faz a folha de pagamento do pessoal da fábrica." A Johnson devia ter mais ou menos, pouco menos de 400 empregados, operários, e talvez uns cem administrativos, 70, sei lá, isso em 1948. Então ele falou: "Aqui nós fazemos a folha de pagamento dos operários, nós recolhemos os impostos sociais e nós fazemos o pagamento fisicamente nas seções", uma caixa com envelopes separados por seção, ia chamando: "Karen", você ia lá, assinava o recibo. E nós fazíamos recrutamento de empregados operários, não administrativos, não pessoas assim de escritório. Então ele passou tudo isso. Eu era um menino, tinha 14 anos e alguns meses, mas acho que eu tinha as coisas que lhe falei: me vestia bem, eu diria bem não, limpo, penteadinho, com dentes e...

P/1 - Era comum nessa época criança já sem dentes?

R - As crianças tinham os dentes cariados, elas eram sujinhas, assim do nosso nível, né? Não tinham muito trato, iam de tênis, sei lá. A minha mãe sempre teve esse capricho. Então ele me passou, sabe, uma série de... foi passando o que se fazia lá. Ele falou: "Então de vez em quando eu vou te pedir pra fazer uma coisa e você faz, está bom?" Era um senhor. Eu falei: "Está bom." Aí então ele falou: "Olha..."

Ele pegou um dia uma caixa enorme e tinha, vocês não são desse tempo, tinha uma porção de carteiras do Iapi, Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários, sei lá. Então todo mês você tinha que tirar um…

[fim da fita 017-A]

R - ...selinho, colar numa folha do Iapi e aquele número correspondia àquele empregado. Então eu sentei lá, me explicou, eu fazia isso. Depois de tudo feito, falou: "Agora você soma pra ver quanto é que deu." Pedimos pra fazer um cheque e eu fui na Rua José Bonifácio pagar o Instituto de Aposentadoria e Pensão dos empregados da Johnson naquele mês de bonde, paguei, peguei o recibo, trouxe pra ele, tal. Ele falou: "Quando não tem nada pra fazer você fica me vendo como é que eu entrevisto as pessoas, quando é um mecânico, quando é um tecelão, quando é um fiandeiro, quando é uma pessoa sem profissão, você fica do meu lado." "Aí está bom." Eu sempre ficava do lado dele. Então eu quero deixar isso bem forte. Eu tinha uma grande responsabilidade e um grande respeito pelo meu trabalho, sabe, eu amava aquilo, porque eu gostava de falar com pessoas, sabe? Até que um dia, até que depois ele começou: "Olha, nós estamos pondo um anúncio aí no jornal porque nós estamos precisando de moças pra trabalhar na fábrica. Então segunda-feira vai encher de moças aí, você entrevista, tá?" "Tudo bem." Aí, quando eu chegava já tinha aquela fila, sabe, de mocinhas na porta. Aí eu subia e avisava ao guarda: "Pode mandar." Aí eu começava, eu dava assim um papel, tinha uma mesa, eu dava um papel pra todas elas colocarem o nome, endereço, tal...

P/1 - Isso foi ele quem tinha ensinado?

R - É. Tinha um prontuário, uma coisa chamada prontuário que a pessoa punha o nome, endereço, nome do pai, o que você gostaria de fazer e tal, aí já era um primeiro... pela letra e tinha...

P/1 - Mas quem te ensinou essas características? Ou isso já... quando assistia, era um critério? Ele te ensinou quais eram os critérios?

R - Sim, ele me passava os critérios: boa aparência, pessoas que falassem bem, pessoas que tinham dentes, né? Ele falou: "Você vai dando uma examinada na roupa, no jeito, no interesse pelo emprego, né?" E isso eu captei muito bem. Então quando eu comecei a fazer mais ou menos sozinho isso, eu comecei a... Depois que você escolhia a pessoa, tinha que encaminhar para exames médicos, né, porque fazia exame de sangue, exame de clínica geral e a gente dava pra pessoa um certificado de que ela estava bem de saúde ao ser admitida na companhia, né? Então eu comecei a fazer isso até que um dia, esse homem era subchefe do Departamento Pessoal, que seria subgerente, vai, até que um dia ele saiu da companhia. Ele deve ter feito alguma... deve ter respondido, deve ter sido agressivo com o Rohlfing. O Rohlfing deve ter pedido alguma coisa a ele, ele era muito envolvido com sindicato, sabe, tanto que é que ele saiu da Johnson e foi ser presidente do sindicato, de um sindicato que eu não me lembro.

P/2 - Quem era? Como era a estrutura administrativa naquela época, o que você se lembra?

R - Administrativa?

P/2 - Presidente, o vice...

R - O presidente era o Rohlfing.

P/2 - O Rohlfing já era o presidente?

R - Já. Vice-presidente era...

P/1 - Tinha muita gente trabalhando?

R - Na administração?

P/1 - Na empresa? Quantas?

R - Tinha umas 400 pessoas. E esse homem foi demitido, ele foi mandado embora.

P/1 - Olha, desculpe, eu interrompi, a estrutura administrativa era o...

R - Era o Rohlfing, o Rohlfing era presidente, Williamson era o vice-presidente e tinha uma pessoa também muito importante que chamava o (Houston) que era o controller. Esses três homens eram muito importantes: o Rohlfing, presidente; Williamson, era o vice-presidente e tinha o senhor (Houston) que era o controller. Eram os cargos mais elevados da companhia, né? Depois tinha o escritório geral, que era o senhor

(Dose?), que era o gerente geral, tinha o Departamento Pessoal, tinha a fábrica que tinha lá o gerente geral da fábrica, né, tinha uma estrutura... Esse cara saiu, foi demitido, e eu tinha aí, quantos?, uns 16 anos.

P/1 - Nessa altura, você estudava à noite?

R - Eu estudava à noite. E o gerente do Departamento de Pessoal, um moço bem... Manoel Carlos de Alessio Araújo, um cara de família bem, naquela época ele já tinha carro, poucas pessoas tinham carro, de boa educação, boa formação, acho que ele teve até formação no exterior. Ele me chamou e falou: "Escuta, você pode ficar no lugar do Merlo?", que era o homem. Eu falei pra ele: "Olha, tudo que ele fazia, viu, eu sei fazer, as coisas que ele fazia, ele me ensinou, eu sei fazer. Então eu acho que eu posso." Falou: "Bom, então você vai ficar no lugar dele", "está bom". Aí ele passou a ficar um pouco mais perto de mim, agora que a gente, no começo ele era meio... sabe, ele chegava tarde, tanto é que ele não fez carreira na Johnson, foi embora depois. Mas ele ficou um pouco mais perto, tal, olhava. "Como é que você sabe quando é que tem que registrar um operário, uma pessoa?" "Bem, o cara tem que vir aqui, fazer o prontuário, a gente vê o último emprego dele, se a profissão, se ele é um torneiro mecânico, eu verifico se ele realmente teve essa atividade no último emprego." A gente sempre dava uma olhada onde morava pra não pegar um cara que morava longe pra cacete. O exame, o exame médico, se ele concordou realmente em ganhar aquilo por hora, sei lá, toda uma grade de coisas que a gente... "Então está certo que você vai ganhar 1,50 por hora, está certo que é isso, tal, tal." Então quando estava tudo certo a gente pegava todos os documentos e batia um registro pra levar no Departamento Estadual do Trabalho pra carimbar.

P/1 - Então você já tinha poder de admitir a pessoa?

R - Eu?

P/1 - É.

R - Sim, mas de que jeito? Eu recebia de alguma unidade da fábrica, ou da unidade de absorventes que tinha um chefe ou da unidade de talco e produtos pra criança que tinha um chefe ou da unidade de esparadrapo, dessas unidades fabris existia um cartão, um cartão onde era requisição de funcionário. Então estava escrito: a seção de Modess, vamos dizer, ou absorventes, necessita de um auxiliar com conhecimentos para trabalhar em esteira, que saiba ler e escrever, né? E dava todas as características da pessoa que estava precisando. Essa requisição era assinada por esse chefe da fábrica, pelo chefe dele, que era o superintendente da fábrica, passava um visto e era encaminhado para o Departamento de Pessoal. E aí estava aprovada a admissão de uma pessoa. Então a minha função era encontrar uma pessoa, recrutar uma pessoa dentro daquelas características. Evidente que quando chegava o cartão, a gente ia falar com o chefe, era um hábito, sempre tinha alguma coisinha fora daquilo, né? Aí ele sempre fazia alguma recomendação: "Olha, como vai ser pra máquina tal, precisa ser uma pessoa um pouco alta senão ela vai se cansar." Porque lá não estava escrito, não tinha essa característica. Ou: "Olha, não precisa pôr anúncio no jornal porque eu vou mandar uma moça pra você que ela já... eu já falei com ela." Que era as proteções, né?

P/2 - Normalmente se punha anúncio?

R - Normalmente se punha um anúncio: "Johnson & Johnson precisa de moças maiores de boa aparência.”

P/1 - O que era boa aparência? Dente?

R - Isso até hoje não está bem claro, né? Até fazem essa pergunta às vezes pro Sílvio Santos. Mas acho que é uma pessoa que está limpa, né, novamente falando que tenha dentes porque é a janela do rosto, que tenha um cuidado no cabelo, alguma coisa assim, e que esteja bem vestida.

P/1 - Mas isso, por exemplo, na época tinha assim negros trabalhando na Johnson ou não?

R - Tinha uma, na cozinha, isso era muito comentado na época que a Johnson não pegava negros. Não é verdade, tinha uma cozinheira negra.

P/1 - Mas em 400.

R - É. Mas ocorre o seguinte, honestamente falando, quando você punha um anúncio no jornal não apareciam negros. Honestamente falando, se eu tivesse uma ordem para não pegar negros, eu nunca tive essa ordem, eu não ia ter que ficar constrangido em cumpri-la porque nunca apareceu um negro ou uma negrinha, negrinha não no... não estou falando no pejorativo, uma branquinha, uma negrinha, mas nunca apareceu.

P/2 - E quem aparecia normalmente? Quem se candidatava a trabalhar na Johnson?

R - Bom, um grande número de pessoas sempre era da região: Mooca, Cambuci, Ipiranga, Alto da Mooca, já tinha começado porque já tinha muita gente do Alto da Moóca, lá da Rua Fernandes Falcão, já lá de cima. Era Mooca, Cambuci, Ipiranga e aqueles lados da Lacerda Franco, tal, era um grande objetivo trabalhar na Johnson, né? Não aparecia gente de muito... e depois tinha...

P/2 - Pela distância, né?

R - É.

P/1 - E as pessoas... em geral eram filhos de italiano, filhos de...

R - Espanhol. E tem uma coisa, a Johnson virou uma empresa muito familiar. Então tinha muito apresentação, sabe?

P/2 - Muita indicação de amigos, parentes.

R - Muita indicação, isso tinha muito, muito, muito. Teve famílias inteiras que trabalharam na Johnson: o pai, o filho, a mãe, a filha. Eu não sou capaz de me lembrar agora, mas eu me lembro disso bem, tanto é que uma coisa que se falava: "Cuidado quando você fala de alguém porque tem sempre um parente perto." (risos) É verdade. E isso ficou muitos anos essa conotação. Até que um diretor uma vez até aprovou isso: "Olha, nós precisamos de um cara administrativo bom." Então a gente indicava porque ficava um elo de responsabilidade, sabe? Era bom que isso acontecesse.

P/2 - Você era muito assediado por amigos, parentes, gente que pedia emprego?

R - Que pedia emprego? Era, eu era muito assediado.

P/1 - Isso você já tinha que idade?

R - Bom, eu fiquei no Departamento de Pessoal até 18 anos, então é curioso. Essa pergunta que você fez, eu vinha da Vila Zelina de ônibus que eu descia na Rua da Mooca e pegava um bonde e ia pra Johnson, e muitas vezes no ônibus que eu vinha, eu ouvia assim um comentário baixinho: "Olha, aquele moço que está lá, ele é que faz, ele que admite. Vamos ver se ele atende a gente hoje." (risos) Eu ouvia assim, sabe? Então você fica muito conhecido no pedaço, especialmente pela época que eu estou me referindo 1948, 1949, que não tinha explodido ainda muito a parte administrativa, era nota fiscal, então emprego era emprego simples, as moças trabalhavam em fábricas, os moços trabalhavam em fábrica, não estavam ainda... não tinha curso de administrador de empresa, era comércio. E as escritas eram mais simples, era faturou, cobrou e acabou, tinha o livro de entrada, saída, estoque. Não era complicado como foi se tornando depois, né?

P/2 - Tammaro, até aproveitando isso, porque o Novazzi contou que foi em 1945 que se instituiu o Departamento Pessoal, antes as contratações eram feitas pelo escritório, pela Contabilidade, né? Quer dizer, você é uma pessoa que chegou com a estrutura recém-montada, né? Como é que era essa estrutura, como é que estava começando a se formar esse tipo de conceito de área de pessoal naquela época?

R - Pessoal? Bom, eu entrei em 1948 e já estava formada a estrutura, tinha um gerente de pessoal, chamava assim, tinha uma placa, estava escrito: “Departamento do Pessoal”, sabe? Você entrava, era a sala do gerente que era esse moço: Manoel Carlos Alessio de Araújo, moço bonito, bem preparado, depois tinha o Miguel Merlo que fazia o recrutamento dos operários e anotação dos cartões de ponto que tinha uma folha grande, tal, que ele anotava quem veio, quem não veio, tal, aquele negócio rotineiro, e tinha duas moças que faziam o pagamento do pessoal administrativo e a parte de recrutamento de pessoal administrativo, assim era feito ainda na Contabilidade, no escritório.

P/1 - A sua parte era então admissão de operários?

R - Só de operários. O Departamento de Pessoal começou trabalhando nessa área assim de admissão, demissão só de operários, depois ele foi crescendo, quando José Novazzi entrou ficou tudo concentrado. Aí se criou um Departamento de Recursos Humanos.

P/2 - O José Novazzi entrou então depois de você pra essa área?

R - Sim, sim.

P/2 - Ele era da fábrica?

R- Ele era da fábrica. O José Novazzi era da fábrica, ele era contador, alguma coisa, mas ele estava estudando.

P/2 - Você se lembra em que ano ele entrou e que houve essa ampliação, o que mudou?

R - Se eu lembro quando mudou?

P/2 - É, quando o Departamento Pessoal passou a abranger essas áreas que estavam ainda na Contabilidade e se tornou um departamento maior.

R - Olha, 1948, 1949, em 1952, em 1952, 1951 o José Novazzi... esse moço que eu falo que era o gerente, ele foi embora, ele saiu da companhia e ficou o Departamento Pessoal comigo, a parte de admissão de operários, as duas moças fazendo a folha de pagamento da parte administrativa e uma moça que puseram pra me ajudar pra fazer aqueles lançamentos, aqueles recolhimentos de impostos sociais e tal. E o seu Manoel Carlos Alessio Araújo saiu e ficou sem chefe. E um dia apareceu lá o José Novazzi. Ele não era uma figura conhecida porque ele trabalhava na fábrica e durante muitos anos ele estudou, ele fez curso de Letras na USP, né? E de repente apareceu o José Novazzi, que ia ser o chefe do Departamento Pessoal. Eu me lembro que ele não tinha nenhuma, digamos assim, uma especialidade, ele não fez nada, não fez nenhum curso pra ser... o sujeito precisava ter uma idéia das leis trabalhistas e tal. Ele deve ter falado isso pro chefe dele que ele não sabia, eu vi nas entrevistas e me lembro também qualquer coisa, que ele não dominava o assunto, mas ele tinha uma belíssima cabeça. Aí ele foi, foi ser o gerente do Departamento Pessoal, continuou ainda com esse nome, eu não sei te precisar mas eu tenho a impressão que em 1952 já começou a ser admitido todo mundo pelo Departamento de Pessoal, administrativo, todo mundo, a única exceção eram vendedores que eles pegavam lá fora a pessoa que eles queriam e depois mandavam pra gente a pessoa pra poder registrar, fazer todo aquele serviço burocrático de admissão. Aí o Departamento de Pessoal passou a ser um departamento grande já pra admitir pessoal administrativo, fazer folha de pagamento de fábrica, folha de pagamento de escritório, tal. A gente ia fazer isso, eu ia fazer os pagamentos na fábrica, no escritório, tal. E eu fiquei lá com o José Novazzi, nós nos damos muito bem, eu não fiquei de forma nenhuma assim constrangido porque foi ele. Primeiro porque eu era novo e não tinha essa coisa de querer ser o chefe de pessoal porque achava eu que não estava preparado e o Zé estava preparado, já formado, tal. E nós nos demos muito bem. E depois de algum tempo trabalhando junto, ele me falou: "Olha, Tammaro, eu acho que você precisava ir para um outro lugar. Não vai ter espaço pra você aqui, pra você progredir, pra você crescer. Então eu acho que você devia ir, sei lá, para uma outra divisão, tal." Eu falei: "Está bom. Vamos ficar de olho aí, a hora que você perceber alguma coisa boa, você me dá um alô e a gente vai." Surgiu uma vaga na Seção de Custos Industriais porque a companhia já estava fazendo nessa época os custos por produto, era uma coisa assim, mais ou menos, inédita na época, ninguém tinha isso.

P/1 - O que é exatamente isso?

R - O que é que é exatamente custos industriais? Antigamente isso era feito num bolo na Contabilidade, tudo que era matéria-prima, mão-de-obra de fábrica, despesa de fábrica, óleo diesel, era um bolo que se jogava numa conta chamada custo industrial e depois se jogava aquele valor, aquele bolo, compra de matéria-prima, compra de óleo diesel, folha de pagamento e tudo que foi requisitado do depósito pra fazer produto, tudo isso somava um número que você jogava contra as vendas do mês pra saber qual foi o lucro.

P/1 - Todas as despesas versus todas as receitas.

R - Exato. Então isso eu não vi, contrataram uma pessoa, um expert na época que fazia custo industrial. O que é custo industrial? É alguém que foi lá, sentou durante algum tempo... Então isso aqui é um produto, né? Esse é um produto. É alguém que chegou lá, sentou durante algum tempo e começou a fazer o seguinte: nesse produto que é um maço de cigarro vai o fumo, então vamos saber quanto vai de fumo em cada cigarro; quanto que vai de papel em cada cigarro e o filtro; 20 desses cigarros vão dentro de um pacotinho, 10 desses pacotinhos vão dentro de uma caixa. Então pra isso, Karen, cada coisa que você faz num produto tinha um registro, uma grama de fumo, dez miligramas de papel e assim por diante. Você abre o produto e você põe cada item que forma o produto, você valoriza, você põe o preço da nota, você comprou 100 toneladas de fumo, está lá no armazém. Quanto você pagou? Um real por quilo. Quando você vai fazer o custo industrial está lá: 10 gramas de fumo, um quilo custa 1 real, 10 gramas vão custar 10 centavos. Você tem o custo desse produto por item. Depois que você levanta todos esses itens de composição física do custo, física, você tem mão-de-obra direta, então alguém foi lá e cronometrou a moça enrolando fumo, pondo papel e ficou lá vários dias pra ver quanto ela faz por hora, tal. Aí você tem uma medida da mão-de-obra direta. Aí você estabelece nessa ficha de custo: "Bom, eu vou fazer essa ficha de custo..." porque às vezes você tem um produto que a gramatura ou os quilos são tão pequenos que você tem que fazer um custo pra 100 mil cigarros pra ficar mais fácil, aí em vez de ser uma grama são 100 quilos. Então você abre um custo pra fazer 100 mil cigarros: eu preciso de tanto de fumo, tanto de papel, tanto de filtro, tanto de caixa e esse número foi atribuído pelo cara que faz o time...

P/1 - ...coder.

R - É. Ele vai dizer: "É melhor a gente fazer um cartão de custo pra 50 mil cigarros porque eu cheguei à conclusão que elas levam 2 horas pra fazer." Então você tem um dado, 50 mil cigarros, dez moças na mesa trabalhando, esta é a mão-de-obra direta. Você gastou de folha de pagamento. Depois tem a mão-de-obra indireta que é a chefe delas, toda coisa que é indireta, a luz, o vapor. Aí você vai fazendo medições, você faz todas as medições para aquele lote. Aí você no fim disso tudo você chega à conclusão quanto custa um maço de cigarro em todo o seu caminho, desde que entra a matéria-prima até ele ser colocado no armazém à disposição do cliente. Em cima disso, vão as despesas administrativas, depois as despesas comerciais porque isso já é mais fácil de apurar. Então, você tem idéia do que é um centro de custo. Naquela época o José Novazzi olhou e falou: "Olha, Tammaro, eu acho que pra abrir o seu conhecimento, pra você conhecer a companhia, custos é uma ótima sessão." Ele falou: "Eu não gosto muito de contabilidade porque contabilidade deixa a pessoa muito rotineira, sabe? Fazer aqueles livros e aquelas coisas todas, custo desperta, você tem que fazer custo pra talco, custo pra óleo. Então vai abrir o seu conhecimento, você vai trabalhar com todas as medidas: quilo, grama, metro, polegada, jarda. É muito interessante.” Eu falei: "Tudo bem.” Eu tinha 18 anos, eu fui trabalhar, esperei, houve uma vaga nesse departamento que tinha uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, umas oito pessoas trabalhando em custos, alguém que já tinha feito todo esse trabalho, que já estava catalogado, já estava pronto esses custos, eu só fui ser um auxiliar de custo que era dividido por, tinha um auxiliar de custos, que fazia custos de produtos infantis, tinha outro que fazia custo de fiação e tecelagem, tinha outro que fazia de pó e comprimidos, entende? Estava organizado assim, a sessão de custos. E eu fui ser um auxiliar. Foi pra mim assim uma coisa que me assustou, trabalhar com tanto número, com tantas medidas diferentes, sabe? Eu fiquei meio apavorado com isso, mas eu toquei o bonde, eu fui em frente. Eu tinha assim uma boa memória, facilidade de memorizar, sabe? E essa função de preparador de custo, ela, você tem que falar com o chefe da fábrica, você tem que falar talvez com a encarregada ou o encarregado da máquina, do grupo de centro de custo, você tem que entender uma coisa porque você tem perdas quando fabrica as coisas, sabe? Quando você corta as pontas, você tem perdas, então você é um analista de custo. Então eu passei lá a ter que falar com uma porção de gente, sabe? Aprender, aprender, aprender a dialogar, a entender o que a pessoa queria dizer e ela não tinha a riqueza de vocabulários, sabe? "Ah, tem perca, senhor Tammaro, o que eu vou fazer?" Então eu precisava bolar um jeito de separar todas aquelas perdas, né? E depois separar a produção do dia, ver quanto produziu, pesar aquilo e estabelecer um percentual de perda, né? Então você precisa aprender percentagem. E olha, foi uma época riquíssima de aprendizado e de exposição porque como eu trabalhava no Departamento de Pessoal, eu era extremamente conhecido porque eu fazia pagamentos pras pessoas. Quando eu mudei as pessoas falavam: "Ih, o Tammaro, acho que não foi legal." Eles achavam que lá era melhor porque você fazia o pagamento, você entende a mentalidade das pessoas? Você mexia com dinheiro. Então muitas pessoas me olhavam assim com até com peninha: "Puxa, você foi pra um serviço..." (risos) Mas não, eu fui exposto a um trabalho muito mais importante, né? Então eu tive assim uma exposição com pessoas, comecei a falar com chefes, comecei a falar também com o pessoal administrativo porque aí eu já tinha datas. Uma coisa que eu aprendi é respeitar data, compromisso, hierarquia. Não porque eu sou bacana, porque eu era criança e fui obrigado a aprender isso. Você antes de falar com ele você tem que falar com fulano e tal, entende? Essas coisas que existem, tal. Isso me ajudou muito, eu fiquei educado com isso, sabe? Então eu acho que foi uma época muito boa de aprendizado no custo. E tinha lá várias pessoas, umas oito pessoas que trabalhavam no custo.

P/1 - Então nessa época tinha custos, isso é o que a gente está falando em 1950 e...

R - 1952.

P/1 - Custo, Departamento Pessoal...

R - Que eu já tinha saído.

P/1 - A fábrica.

R - A fábrica.

P/1 - Que mais?

R - E a administração.

P/1 - E a administração. E vendas onde estava?

R - Vendas estava um pouco dentro do escritório e um pouco nos escritórios de fora, na cidade, o pessoal de vendas.

P/2 - Aproveitando, Tammaro, você deve, apesar de não ter uma relação direta, você deve ter tido contato com a Farmacêutica nesse período, como é que você se lembra, o que é que você lembra da área Farmacêutica nesse período?

P/1 - Porque nós estamos falando da Johnson como um todo que produzia absorventes...

R - Nós estamos falando da Johnson como um todo até agora.

P/2 - Absorventes, produtos infantis e produtos farmacêuticos e profissionais?

R - Que era tudo uma coisa só. Nesse período, deixa eu ver. (pausa) Como eu falei pra vocês, sempre tinha um analista que fazia um grupo homogêneo de produtos ou pela linha infantil ou pela similaridade da matéria-prima. O cara que trabalhava com papel fazia os produtos de lenços Yes, não sei o quê. Eu, numa época nesses rodízios que a gente fazia, eu trabalhei com produtos farmacêuticos, eu trabalhava com produtos farmacêuticos, eu não sei te precisar o ano, mas é nessa virada, tal, eu trabalhei com Jonconol, Aci-Gel, Vagi-Sulfa, Rarical, eu fazia os custos que eram bem medidinhos, aí já era uma precisão muito maior do que você fazer uma lata de talco. Aí você tinha as vitaminas que eram microgramas, miligramas, né? Então a lembrança que eu tenho é que durante uma época eu fiz os custos dos produtos farmacêuticos e eu tinha que me contatar com aquele pessoal todo de fábrica, o Fermino Yamashiro, Oscar Bueno, esse pessoal todo. E eu sempre quando entrava assim, quando a gente saía de um grupo e mudava pra outro, a gente era sempre bem recebido: "Pô, agora é o Tammaro que vai fazer os produtos farmacêuticos, que bom, gente fina, não sei o quê e tal." E você sempre acrescentava alguma coisa se queria saber um pouco mais, mas eu passei pela Farmacêutica, por esse grupo de trabalho, nunca imaginando que um dia a coisa ia separar, nós estamos falando ainda da Avenida do Estado.

P/2 - E a Farmacêutica era conhecida naquela época do pessoal da fábrica? Eu estou vendo que parece que você... que não era uma área expressiva em termos de tamanho.

R - Em termos de tamanho não, mas a Farmacêutica era conhecida porque o uniforme deles era mais fechado, tinha uma touca diferente, sabe, o pessoal, por exemplo, passava uma moça que trabalhava com produto farmacêutico ou mesmo um rapaz, ele era conhecido: "Pô, esse cara é da Farmacêutica, esse cara faz Rarical." Era um uniforme mais fechado, mais profissional, sabe? Então, mas não era, não tinha assim, não, tinha expressão, já era conhecido como produto farmacêutico, já tinha um nome, já se sabia bem dos produtos, é que era pequeno, comparado com a Johnson era uma sala lá, uma sala pequena.

P/2 - Funcionava onde e que tamanho mais ou menos?

R - Funcionava, como eu falei, tinha um prédio que era mais antigo que tinha uma trepadeira e tal. Ele funcionava em duas salas, se não me engano é aquelas de 800 metros que nós... mais ou menos aquilo, tinha um mezanino e tal. Tinha pouca gente, eu me lembro até assim de uns nomes, a dona Júlia.

P/2 - Funcionários?

R - É. Mas era pequeno, não tinha muita... era muito conhecido dentro da Johnson, eu tenho a impressão que os farmacêuticos tiveram muita dificuldade em falar com os médicos porque eles falavam: "Mas a Johnson faz remédio?" Eu ouvi isso daí, eu ouvia isso na época porque era uma linha muito pequena, né, de produtos. E a Johnson era muito conhecida...

P/1 - Pelo quê?

R - Pelos produtos infantis que tinha uma promoção, o "Bebê Johnson", todo ano tinha uma promoção, e pelos absorventes higiênicos que foi inédito no Brasil, foi a Johnson quem trouxe, não tinha outro, não se usava, se usava outras coisas, e a Johnson foi a que trouxe a idéia da toalha higiênica, né, descartável porque antigamente se usava uns paninhos depois lavava.

P/2 - Bom, eu acho que a gente podia retornar à sua carreira, eu só queria saber se vocês querem fazer um intervalo ou continuamos?

P/1 - Que horas são?

P/2 - Eu nem estou sabendo direito porque não deram sinal mas eu acho que deve ter tempo.

R - Dez pra cinco, por aí.

P/2 - Assim, em termos de tempo que a gente tem é que eu não sei ainda se tem meia hora, mais ou menos isso pela frente, né?

P/1 - Quer parar um pouquinho?

R - Eu queria um instantinho.

P/2 - Eu acho bom senão a gente...

[fim da fita 017-B]

P/1 - Só que a gente está na profissão, mas eu queria só aproveitar essa quebra, nessa época já que a gente falou do seu pai e da sua mãe, eu queria fazer uma pergunta, assim o que significou na família, né, ou se significou alguma coisa, que você entrou na Johnson e foi seguindo carreira, essa coisa do ônibus, das pessoas comentarem, né? Se isso significava pra família algum valor grande, eles te incentivavam ou se era visto como normal e o que você fazia com esse dinheiro que você ganhava lá, se esse dinheiro era significativo, se contribuía.

R - Olha, foi pra minha família muito importante alguém trabalhar numa empresa como a Johnson, eu...

P/1 - Seu irmão continuou trabalhando?

R - Não, logo ele saiu, logo depois que eu entrei, ele saiu. Eu até acho porque eu comecei a trabalhar no Departamento de Pessoal e tinha essa imagem de status, né? Ele trabalhava, digamos assim, no setor de expedição e ficou um pouco desagradável pra ele, meu irmão mais velho, é o primogênito, né? Então ele saiu, ele foi pra uma outra empresa, mas havia um orgulho da minha mãe que ela falava: "O meu filho trabalha na Johnson!" E a minha mãe com pouco dinheiro sempre a gente andou bem vestidinho, com algum dinheiro que eu já ganhava, e eu me lembro que naquela época que aquele homem falou: "Eu fico com esse menino!" No caminho ele me falou: "Sabe que com essa brincadeira você ganhou 100 mil réis a mais?" Cem cruzeiros a mais, porque o outro cargo era de 400 e o meu era de 500, então...

P/2 - O que significava isso na época, só pra gente ter uma idéia de valores assim, era um salário mínimo de hoje, era duas vezes o salário mínimo?

R - É. Eu me lembro que era um pouco mais do que salário mínimo, era um pouquinho, já era um salariozinho bom, tanto é que começou a mudar um pouco o nível, né? Quando você perguntou o meu pai voltou a ser operário, né, começou a mudar um pouco o nível. Então existia assim uma grande satisfação minha de trabalhar na Johnson. Eu comecei a ter contato com gente instruída, sabe? E pra minha casa também foi assim uma coisa, foi muito bom. Eles tinham...

P/1 - Aí você chegava e dava o dinheiro em casa?

R - Eu sempre entreguei o envelope fechado pra minha mãe porque naquela época a gente recebia dinheiro mesmo, não tinha conta bancária.

P/1 - Não, não tinha banco, não tinha cheque?

R - Tinha banco mas tinha, a gente recebia o dinheiro. Era um sistema de, uma caixa, eles iam assim de seção em seção, já estava tudo dividido, então eles tiravam assim o envelope e um recibo. Você assinava o recibo, ficava com o envelope. E o envelope eu entregava pra minha mãe e o sistema de repasse pra mim era no fim de semana ela me dava alguma coisa pra ir ao cinema, comer um pedaço de pizza de pé assim num restaurante. Olha, aquela... A gente não tinha status pra entrar num restaurante, entrar, pedir, nem conhecimento. Mas sempre foi motivo de orgulho e eu diria pra você que depois de algum tempo o meu salário começou a ficar o melhor da casa.

P/1 - Ah, então o seu salário ficou melhor do que o do seu pai, seu pai era um operário e ganhava...

R - Não sei, não tenho idéia, ele ganhava um pouco mais do que eu, talvez 700, mas assim que eu comecei a fazer assim o início da carreira, eu já comecei a receber, ter um salário melhor, né? E ficou, ficou o salário da casa, ficou o salário da casa.

P/2 - Fazendo um gancho, corresponde a esse período que a gente estava lá, esse período que você vai pra custos industriais.

R - Isso que eu estou falando?

P/2 - É, esse aumento de salário.

P/1 - Quando é? Quando você entrou nesse departamento é que....

R - Ah, sim. Quando eu saí desse Departamento do Pessoal e fui como auxiliar de custo eu já tive um bom aumento, já tive um bom aumento. E depois os aumentos assim do pessoal administrativo eram sempre melhores, tinha algo assim, não era estudo de salário, que não existia naquela época, mas tinha assim, por exemplo, o interesse que você demonstrava, eu fiquei muito conhecido, eu era muito curioso. Eu me lembro que uma vez um diretor da fábrica, nós estávamos na fila do refeitório pra pegar comida e eu comecei a fazer uma porção de perguntas pra ele, sabe? Sobre como é que eu poderia fazer o custo do fio quando eles são fios diferentes, né, tem fio grosso, fio fino. E ele me falou: "Você não acha que você pergunta muito, não? Vamos almoçar agora." Eu era incansável, eu queria saber, eu queria conhecer, eu ia na fábrica e pesava, olhava. Então eu tenho a impressão que, eu tinha um chefe, né, a sessão de custos tinha um chefe, um gerente, e ele era uma pessoa que não... ele não lutava pelos seus funcionários, não era um líder no meu julgamento, bom mas eu extrapolava isso. E eu me lembro que eu fiquei, eu tinha uma memória tão boa que eu sentava perto de um kardex que tinha todos os custos da companhia e uma vez um diretor inglês, cujo nome é Pepper, não sei se ele apareceu na história. Ele ligou diretamente, em geral era as secretárias, mas acho que ele pegou o telefone e eu atendi: "Departamento de custos, às suas ordens!" Eu que inventei isso também. Ele falou: "Tammaro, quanto custa uma lata de talco?" Eu falei: "3,80." "Ah, mas você está fazendo isso agora?" Eu falei: "Não, eu sei que custa 3,80, eu tenho isso na memória." "Ah, ok", desligou o telefone. Daqui a pouco ele telefonou, ele estava fazendo um trabalho: "Tammaro, quanto custa uma caixa de fraldas?" "4,50." Porque eu respondi na hora, né, e ele falou: "Mas você sabe todos os preços?" Eu falei: "Não, é que eu trabalho com isso, eu me lembro, eu tenho que fazer valorização de estoque, tal." Ele não se conformou. Aí ele subiu pra ver se eu tinha alguma coisa pra, e tinha o meu arquivo desse lado aqui com todos os custos. Ele falou: "Ah, você abre o arquivo!" Eu falei: "Senhor Pepper, pra abrir o arquivo, fralda eu tenho que procurar na letra F." Então ele falou: "Quanto custa um vidro de óleo?" "1,65.” “Pega a ficha", 1,65. Ele ficou, sabe? Ele contou pra todo mundo isso na direção da companhia e você começa a ficar, né? Eu não quero de forma nenhuma deixar registrado que eu sou excepcional, quando vocês forem fazer uma coisa não, foi sempre normal, a minha dedicação é que talvez era um pouco diferente, eu não fiz nada melhor do que ninguém.

P/2 - Como é que era o horário, você trabalhava mais assim, tinha...

R - O horário normalmente sempre foi das oito ao meio-dia e da uma às cinco, mas eu raras vezes saía às cinco horas, eu ficava sempre até mais tarde, mesmo porque tinha uma época, quatro épocas do ano, quer dizer, Abril, cada trimestre você precisava fazer um relatório que ia pros Estados Unidos e isso demandava um aumento de tarefa, de serviço, você tinha que fazer inventários físicos, calcular esses inventários. Toda parte contábil industrial tinha que ser reportada pros Estados Unidos o que não se fazia mensalmente. Então trimestralmente a gente trabalhava até oito, nove, dez horas da noite durante os primeiros 15 dias do mês, que a gente tinha uma data pra entregar pros Estados Unidos e a gente sempre respeitou, ganhamos sempre elogios dos Estados Unidos que era a única Johnson no mundo que mandava na hora certa, né? Mas eu sempre tive o hábito de trabalhar, de ficar um pouquinho mais. Sempre fiquei um pouquinho mais trabalhando.

P/2 - Tammaro, você... pelo seu registro, eu estou vendo, você ficou 3 anos nessa função e foi pra chefe desse departamento. É isso? Como aconteceu isso?

R - Aconteceu...

P/1 - Cadê o papel dele? Ah, está aí.

R - Esse aí não é o que eu trouxe?

P/2 - Não, isso é o seu registro aqui.

R - Aconteceu que, como eu falei pra vocês, esse chefe, Renato Sandine, é uma boa pessoa, tinha um bom conhecimento, e pra minha surpresa um dia veio um diretor cujo cargo era controller, que era uma daquelas três pessoas que eu disse que eram mais importantes, o presidente, o vice-presidente e o controller, era escocês, inglês, escocês, ele me falou: "O Renato está saindo da companhia”, que era o chefe, né, “e nós estamos convidando você pra ficar no lugar dele.” Foi uma surpresa assim.

P/1 - Você tinha quantos anos então, 21, né?

R - 21 anos, por aí, foi uma surpresa pra mim, não foi tanta surpresa eles terem desligado o Renato porque eu achava que isso ia acontecer a qualquer momento, mas eu ficar no lugar dele foi assim uma coisa assim que eu não sabia se ria ou chorava, inclusive pela situação constrangedora dos funcionários que tinham no Departamento de Custos que eram todos mais velhos do que eu. E tinha dois irmãos que trabalhavam lá, pra você ver como é que era familiar a empresa, trabalhavam no Departamento de Custos, o Anastácio e o Matias. O Anastácio acho que ele achou que devia ser ele. Bom, foi uma parada pra eu...

P/2 - Conseguir se impor?

R - É, porque, veja bem, era o primeiro cargo de chefia, vocês percebem que eu sempre fui auxiliar de Departamento do Pessoal, auxiliar de custos, aí eu passei a ser chefe do Departamento de Custos, isso tinha muito importância na época. Foi difícil de eu colocar a minha personalidade, o José Novazzi me ajudou muito, eu tinha momentos assim que eu, sabe?, você tinha que tocar o serviço, a contabilidade de custos ela trabalhava numa engrenagem com a contabilidade comercial, você tinha datas pra entregar coisas, e eu senti que houve assim um certo: "Pô, esse cara chegou agora, tal." Então foi difícil mas eu consegui me impor, conversando com as pessoas, conversando com cada um, né? "Olha, não fui eu quem pedi, foi uma decisão do senhor (Houston?), então vamos acatar, eu acho que é melhor pra todos nós. Lembra do Renato, como ele era intransigente, chato, puxa, nós vamos trabalhar num grupo unido e tal." E com isso eu fui tocando, mas o Anastácio, ele nunca...

P/1 - Engoliu.

R - Nunca engoliu bem. Aí eu fui negociando, negociando e arranjei pra ele um lugar de chefe numa outra divisão que a Johnson estava começando a crescer e ele foi ser chefe de pedidos, uma coisa assim. E eu fui tocando, já a Divisão de Custos toda ela sob a minha responsabilidade, né? Então eu comecei a ter relacionamento com a alta direção da companhia, a participar de decisões, às vezes nós tínhamos concorrências que precisavam ter o custo assim rapidamente pra ver se era bom negócio, então eu participava de decisões. Comecei a ser chamado em reuniões, né, que eu sentia que o comitê estava reunido, às vezes tinha alguma coisa pra tomar decisão me chamavam pra saber opinião, como é que estava, tal. Você começa a crescer, né, profissionalmente e aí eu fiquei como gerente de custos industriais, eu acho que até 1969, se não me engano.

P/2 - Pela sua ficha aqui são 14 anos, se deu bem realmente, ficou 14 anos no cargo.

R - Eu fiquei 14 anos no cargo, e realmente foi um momento na companhia que todo mundo estava mais ou menos nessa; o chefe da contabilidade estava também há uns 14, 15 anos, o José Novazzi já estava na função, sabe?

P/2 - As pessoas tinham se estabilizado.

R - Estava mais ou menos estável.

P/2 - Uma curiosidade, Tammaro, você disse que era chefe e esse termo depois passou a ser gerente. Isso mudou em que época mais ou menos? Só pra situar um pouco as questões de cargos.

R - É, eu acho que isso começou a mudar em 1970.

P/2 - 1970. Em 1970 que os chefes passaram a gerentes?

R - Começou a se chamar de gerente, tal. Era tudo chefe disso, chefe daquilo.

P/2 - Mas havia cargo de gerente que eram gerentes de grandes unidades, não é?

R - É. Não, ou era diretor ou era chefe.

P/1 - Ou era diretor ou era chefe.

P/2 - Quer dizer, o próximo passo depois de ser chefe era ser diretor?

R - Mas isso não era muito claro não.

P/1 - Quer dizer, ninguém achava que tinha uma carreira assim tão clara?

R - É, isso não era... isso na Johnson não era muito claro que você...

P/1 - As pessoas entravam para fazer carreira? Ou entravam para trabalhar ali, ser operário?

R - Eu acho que as pessoas entravam pra trabalhar e não tinha muito, sabe, estava começando escolas, né, estava começando cursos noturnos, não tinha assim... pelo menos eu não tenho essa lembrança dessa grande vontade de fazer carreira, precisava trabalhar. Agora, a gente sempre notou que o crescimento das pessoas era mais veloz, o pessoal de vendas, sabe, se vocês forem verificar, todas as pessoas que estão no topo da companhia, muitos começaram como vendedor. A fábrica e a administração nunca deu oportunidade assim, nunca abriu muito, eu acho que nunca, nunca um administrador, o Dalgê, por exemplo, ele nunca sonha em ser presidente porque o que marca muito o homem que vai dirigir uma empresa é o mercado. Então você vê já de longa data, o Sanches foi vendedor, o que substituiu o Sanches, o Yan Simonsen foi vendedor, o Gottschalck foi vendedor, eu acho que foi, esse eu não tenho certeza, mas o Mário foi vendedor, o Saliba não foi, ele foi só... ele se treinou, ele foi treinado em vendas, ele foi gerente de, como é que chama?, de regional, trabalhou no Rio mas ele não foi um cara que entrou como vendedor, pastinha, tal, mas ele já era de outra época, ele já veio com curso da Getúlio Vargas, é outro tempo, mas os antigos não tinham essa coisa, esse grande objetivo: eu vou entrar para ser presidente ou para ser diretor de alguma coisa. Trabalhava e tocava a vida, a Johnson sempre teve um salário diferenciado, sempre pagou muito bem.

P/2 - Tammaro, eu queria que você falasse um pouco sobre ambiente e relacionamento, a gente falou um pouco dessa hierarquia e a visão que as pessoas tinham em relação a crescimento dentro da empresa. E ambiente? Como é que era o ambiente de trabalho? A estrutura era muito séria, muito carrancuda ou havia uma certa cordialidade? Tem esse lado familiar que você já disse também, né?

R - É, o ambiente, eu diria pra você que ele sempre foi cordial, ele sempre foi uma empresa de ambiente cordial. Isso não significa dizer que a gente não observava na alta cúpula da companhia, como existe até hoje, uma pequena guerra pra conquistar o cargo maior, mas eu diria que a nossa classe assim de gerente, tal, o ambiente era cordial, trabalhava-se bem, não tinha grandes dificuldades: "Puxa, como é que eu vou fazer pra convencer fulano?" Não, um ambiente cordial embora você notasse assim que na alta cúpula e ainda muito de americano ainda nessa época existiam... se formavam pequenos partidinhos: "Você de quem que é?" "Eu sou de Pepper." Você entende? Mas isso depois quando veio o Sanches acabou tudo.

P/1 - Então vamos. Foram 14 anos assim nessa gerência, chefia de custos, e a Farma, a Farmacêutica começou a ter essa divisão em que época exatamente?

R - Muito bem. Veja bem, em 1969 veio um diretor dos Estados Unidos pra ficar no lugar do Michael Norris porque o Michael Norris foi pra mercado. Uma coisa que não se entendeu muito bem na época porque ele era um homem absolutamente de finanças, administrativo. Então veio um homem dos Estados Unidos, canadense, veio pra cá em 1969 pra ficar no lugar do Norris, assumir. E ele veio com muita... ele veio já com idéias assim já aplicadas nos Estados Unidos, ele já veio com a idéia de começar a separar as coisas...

P/1 - Lá já estava tudo separado?

R - Já, já tinha começado o processo de separação. Então ele veio dar essa cultura pra gente. Uma porção de coisas que a gente fazia, que a gente achava tão importante quando ele olhava, ele falava: "Não, administrar uma empresa é olhar pra frente e não fazer, não contabilizar o que aconteceu." Sabe, uma cultura diferente.

P/1 - Tipo o quê? O que é que era?

R - Não, porque a gente trabalhava horas e horas, horas extras, como eu falei, a cada quatro meses levantando balanço, tal, tudo de coisa que aconteceu: o que vendeu, quanto custou, o que ficou de estoque, tal. Um trabalhão enorme que a gente dedicava, né, pessoas relativamente importantes e ele começou a falar: "Olha, o balanço a gente faz, quando terminar, terminou." Porque a gente queria ser o primeiro a entregar nos Estados Unidos. "Nós precisamos usar nosso talento, o que cada um de nós tem, olhando pro futuro, não fazendo o que aconteceu. Vamos começar a planejar o futuro e não ficar gastando horas de trabalho no que aconteceu." Isso pra nós foi um pontapé. Sabe por quê? É tudo uma questão de cultura, Karen. Eu achava que o que eu fazia era muito importante. Eu estabelecia o lucro bruto da companhia através das mágicas de custos, às duras penas, trabalhando até as 10 horas da noite. Ele olhava assim: "O que é que isso aqui ajuda pra nós sabermos lá na frente se nós vamos existir?" “É verdade.” "Então nós temos que começar a pensar no futuro." E foi um homem que revolucionou a companhia. Eu era gerente de custos.

P/1 - Como ele chamava?

R - Chamava-se Alexander (Houston?). Ele... Primeira coisa: foi um pouco de dificuldade porque a gente estava começando a falar inglês e ele era canadense, falava um inglês difícil. Ele me falou: "Por exemplo, o seu departamento de custos tem que ficar na fábrica e não no prédio administrativo. As coisas de custos que estão acontecendo, estão acontecendo lá em São José. Se perde, se não perde, qual é a produção, a máquina que produz mais, menos." Eu tinha 20 funcionários, todos especialistas em custos. Então ele falou: "Essas pessoas têm que trabalhar em São José, onde as coisas estão acontecendo. Não é pelo telefone: 'Olha, quanto produziu de tal?' ou memorando, não. Tem que estar lá ao lado da máquina, se a máquina não está boa, perdeu a capacidade. Então eu sugiro que você vá para São José dos Campos." Aí eu pensei com a minha família, né? Você tem problema de família também, né? Aí eu, depois de uns dias eu falei pra ele: "Olha, eu acho que o senhor tem razão. Eu acho que o custo tem que ficar em São José porque realmente é aonde a coisa acontece, onde os controles têm que ser aplicados, né, e tem que ter a vigilância do preparador de custo, né, tem que ter o olhar do cara, o contato com o chefe, com a máquina. O senhor tem toda a razão, só que eu não vou pra São José dos Campos. Eu tenho problemas de família." E eu não estava preparado para mudar pra São José dos Campos, cem quilômetros de São Paulo, né? Eu não tinha vontade de ir pra São José dos Campos, não tinha mesmo. Assim meio em off, o pessoal de São José dos Campos, naquela altura, era meio marginalizado, esquecido. Quem ia pra lá ficava esquecido do mundo, sabe? (risos)



P/2 - Uma espécie de Sibéria da empresa. (risos)

R - É. Então eu falei: "Eu não tenho vontade." "Então você recomenda alguém?" Aí eu falei com o Matias Peres que era um daqueles irmãos, o outro já tinha saído da companhia, ele foi, foi, e acabou saindo da companhia. E o Matias ficou sempre o meu fiel assistente. O irmão dele, quando ele saiu, ele era o meu assistente, foi pra outra divisão, depois acabou saindo da companhia e o irmão dele assumiu o papel de assistente, sempre fiel, bom, bacana, até meu compadre. Eu falei: "Olha, Matias, uma oportunidade de você ser gerente." Porque ele sempre reclamava: "Pô, mas eu não cresço." Mas ele era uma pessoa bem calma, sabe? Eu diria que não é o estilo que americano gosta. Deixando a modéstia às favas, o estilo que americano gosta era mais ou menos assim, mais ou menos como eu assim: falador, esperto, vivo, desculpe a falta de modéstia, (risos) não coloquem isso, pelo amor de Deus! Mas sempre atento: eu faço, eu vou. Mas é assim natural a vida, né? E o Matias, ele era devagar. E eu falei: "Está aí uma oportunidade, você quer? Mas tem que ir para São José." "Eu vou", e foi. Foi para São José, e eu, o que é que eu ia fazer? Nós estamos falando de que ano?

P/1 - 1969.

R - 1969. Eu fui falar com o senhor Sanches. O senhor Sanches me chamou, e é importante que eu diga pra vocês uma coisa, em 1968 começou, foi criado o Conselho Interministerial de Preços, que era um grupo que veio da Sunab de experts em controle de preços e isso foi maio de 1968, tem uma lei de 1968. E a gente já tinha umas... eu já dava umas fugida para o Rio, mas o controle era brando, sabe? E eu já tinha começado a fazer alguns contatos com algumas pessoas e tal. Então nessa ocasião que custos foi pra São José, o senhor Sanches me chamou e falou: "Olha, nós precisamos fazer uma... nós precisamos de alguém que faça um departamento de estatísticas e que crie estatísticas, que o sistema de informática pode fazer e não faz. Você topa fazer isso?" Eu falei: "Tudo bem." Então por um tempo eu fiquei coordenando, eu chegava nas divisões e perguntava: "Você precisa... de que tipo de informações que a IBM pode te dar?" A gente chamava de IBM, que era todo o complexo de informática, umas máquinas grandes. "Ah, eu precisava de cobrança." O outro disso, daquilo, tal. E aí eu fui coordenando e montei esse Departamento de Estatística, era eu só, eu e eu. Fizemos, eu e o José Novazzi e um engenheiro da fábrica, fizemos a folha de pagamento por centro de custo, é uma loucura! Quando a folha de pagamento saía, saía assim: o nome da pessoa, quanto que ele ganhou, né, no mês. Depois saía assim: ele ficou 5 minutos fazendo atadura, 20 minutos fazendo... uma loucura! Nós codificamos todas as operações mestres, né? Então era uma loucura. A folha de pagamento codificada por centro de custo foi a maior coisa que nós fizemos assim importante. Nós ficamos meses sentados numa mesa, a gente levantava: "Ai, não agüento mais." Eu, o José Novazzi e um engenheiro da fábrica que conhecia todas as operações. A gente sentava e falava: "Bom, hoje nós vamos fazer talco." Como é que se faz talco? Bom, primeiro tem a preparação do talco que ele fica virando numa coisa e precisa pôr o perfume. E tudo isso tinha um tempo, né? E tudo isso foi codificado. Então você recebia folha de pagamento no fim do mês do operário que ganhava mil reais. Aqueles mil reais estava distribuído em todas as operações que ele fazia. Isso pra fazer o custo foi uma beleza, uma moleza. Eu fiz isso, acabou. Nesse espaço de tempo, o controle de preço começou a ficar mais forte, começaram a controlar a comercialização: "Ah não, não pode dar bonificação", teve uma lei de... tinha dúzia de 20, dúzia de 15, sabe, as empresas... o começo do controle, o governo estava assim... embora eles tivessem uma boa equipe, já com um bom conhecimento porque eles vieram da Sunab, da Superintendência Nacional do Abastecimento, mas eles não tinham muita malícia ainda. Então foi um jogo de braço de ferro. Não podia aumentar, logo veio “não pode aumentar, não pode aumentar”. E você tinha... estava ainda num regime inflacionário, embora pouco, mas tinha inflação. Independente disso tinha o aumento dos materiais, aumento de mão-de-obra, tinha uma porção de coisas.

P/2 - A política do governo era tentar frear os preços através do controle, frear a inflação através do controle?

R - Do controle. Mas isso ficou sério, isso ficou muito sério. Então aí o senhor Sanches me chamou e falou: "Olha, você já conhece custo bem, já fez algumas incursões aí pelo Rio, Brasília. Nós vamos criar um departamento que se chama Departamento de Administração de Preços." E eu... isso foi em que ano? Tem aí?

P/2 - Aqui tem o início da sua gerência de administração de preços é 1969, coincidentemente está aqui a saída da chefia da área de custos em 1969. Então você ficou um período entre uma coisa e outra com outro cargo, é isso?

R - Não, aquele cara que saiu, saiu em 1950 e... não.

P/2 - Ou há algum equívoco na anotação?

R - Há um equívoco aí.

P/2 - Nós corrigimos depois, depois a gente vê.

R - Não, aquele que era gerente de custos, aquele que era meu chefe, ele saiu em 1955.

P/2 - E o cargo que você teve então nesse período que você ficou fazendo cálculos estatísticos?

R - Ah, isso foi...

P/1 - ...alguns meses.

R - Alguns meses em 1969.

P/2 - Então é por isso que não está registrado.

R - Alguns meses. Eu até fiquei meio sem chefe, sabe? Estavam estudando o que ia fazer, né?

P/2 - Então pode ser que tenha sido dentro do mesmo ano. Aí está dentro aqui.

R - É, no período de 1955 até 1969 em que atuei como gerente de departamento de custos, participei também de várias comissões, cujo objetivo era o desenvolvimento e reestruturação, quer dizer, aquilo que eu falei, comissão para implantação do primeiro sistema de informática, comissão de implantação de folhas de pagamento por centro de custo, comissão de novo sistema de telefonia, sabe? Eu fiquei... comissão de novos sistemas de segurança, a fábrica estava... a empresa estava crescendo...

P/1 - Então a empresa nessa época estava crescendo?

R - É.

P/1 - A Johnson como um todo?

R - Isso, como um todo. E eu era uma pessoa que conhecia todo mundo. Eu me lembro que alguém falou: "Olha, o único cara que pode fazer o novo sistema de telefonia é o Tammaro." Porque eu conhecia praticamente a necessidade de cada um, se devia ter mais de um ramal, menos de um ramal, se devia ter telefone direto ou podia ser um ramal de um outro. E eu conhecia assim com uma certa base, né? Tanto é que eu não tive muita dificuldade quando eu chegava num lugar e dizia: "Olha, você não precisa de telefone externo, você precisa de um ramal. Concorda?" "Concordo." Um ou outro falou: "Pô, me dá um telefone direto." Mas não era galinha pra se dar, né? Então, olha, permaneci nesse cargo até fins de... quando então fui promovido ao cargo de gerente de administração de preços, em março de 1970.

P/2 - 1969.

R - 1970.

P/2 - Ah, então é isso que está errado aqui.

R - Em março de 1970 foi criado a Gerência de Administração de Preços. O que é que é isso daí? Na época todas as empresas organizadas, especialmente os laboratórios começaram a se organizar pra poder responder os formulários do governo que era o CIP, subordinado ao Ministério da Fazenda. Começou... entende? Depois de algum tempo quando você ia pro Rio você já via: "Pô, esse cara viajou a semana passada." Ele também me tinha visto. "Da onde que você é?" "Sou da Johnson. E você da onde que é?" "Sou da Pfizer." "Pô, o negócio está feio, né?" Então começou a se criar no mercado de trabalho um novo departamento que chamavam administração de preços, controles governamentais, administração de negócios, cada um pôs um nome, mas o negócio era esse: era chegar no governo e vender o teu peixe. Falar: "Olha, tem que aumentar e como é que faz com produto novo?" Era uma dificuldade pra você lançar um produto novo porque você tinha... você não tinha experiência de mão-de-obra, tal. Então você fazia cálculos baseado em coisas similares. Mas eles pegavam, como eles já tinham toda a nossa estrutura informada de custo, a similaridade pra eles era outra coisa. "Ah, por que é que você não comparou com o Rarical em vez de comparar com...""Não, porque o comprimido aí é menor. Por isso, por aquilo." Era uma briga, uma briga enorme de você vender a necessidade da sua empresa, eles comparavam: "Ah, por que é que tal empresa pra esse produto. Pede um preço que é muito similar ao teu produto e vocês..." "Porque eles são primeiro de mercado, eles vendem cem mil vidros, frascos por mês. Nós estamos entrando no mercado, estamos vendendo dez, a nossa escala de produção é menor." "Ah, mas aí não interessa." "Interessa por causa disso, por causa daquilo." Olha, uma loucura!

P/1 - Então nessa época você já foi representando basicamente laboratório.

R - Só.

P/1 - Então foi aí que você entrou na Farmacêutica?

R - É. Peraí, deixa eu ver se está certo. Administração de preços, 1970... peraí...

P/1 - Olha, a data exata não tem problema não porque a gente confere depois.

R - Ok, tudo bem. Eu fiquei nessa função, essa função foi criada, gerente de administração de preços em 1970 ainda... aí eu voltei, não voltei não, 1969. Não, era para toda a companhia, inclusive a Farmacêutica.

P/1 - Era pleiteando cotonete...

R - Cotonete, tudo.

P/2 - Você se lembra de algum caso específico, Tammaro, de alguma negociação dessa época? Algum produto em particular, tal?

R - Alguma coisa assim diferente?









P/2 - Alguma briga mais acirrada em torno da algum produto, algum fato que tenha acontecido de interessante envolvendo isso?

R - Não, a coisa era tão, digamos, séria e tinha os passos normais que não tinha, sabe, expectativas. Eu me lembro quando nós lançamos o Stugeron, que ia ser um produto muito bom no mercado, tal, foi feita a estrutura de custo com muito cuidado porque precisava ser aquele preço, porque senão não tinha vantagem. E eu me lembro que foi uma grande alegria quando a gente conseguiu a aprovação do CIP pelo preço que nós pedimos, que foi homologado, né? Mas foi feito um trabalho assim de muito, muito de perto com o governo. Eu me lembro de uma coisa: que eu queria deixar o analista do governo sempre bem informado. Eu ficava assim na frente dele dando as informações para ele nunca ter dúvidas. E era difícil falar com esse camarada porque você precisava marcar, levava uma semana. Então uma vez eu fui ao Rio...

P/1 - Nós estamos falando de Rio ou Brasília?

R - De Rio. Uma vez eu fui ao Rio e falei com uma pessoa que ficava na porta da sala dele, né? Ela falou: "Ah, ele tem... está tudo tomado a manhã e a tarde." Eu falei: “Meu Deus, o que é que eu vou fazer?” Eu precisava falar com ele, precisava dar informações pra ele. E um pedido de preço levava... eles tinham o direito de 45 dias pra analisar, renováveis por mais 45 dias se eles não chegavam a uma conclusão. Quer dizer, você pra lançar um produto, você punha na cabeça que podia levar 90 dias ou mais. Sabe, eles estavam com o poder nas mãos, o que é que você vai fazer? Eu me lembro que nesse dia eu estava angustiado, eu precisava falar com ele e o CIP era no décimo andar. Então eu fiquei na escada do nono, que levava você pro décimo, eu fiquei numa posição em que eu via a porta do CIP abrir e eu via quando entrava e saía gente. Eu pus a minha pasta no chão e eu fiquei lá esperando a hora que ele saísse, essa pessoa que eu precisava falar, né? E até os faxineiros passavam: "O que é que estava fazendo esse cara?" (risos) Já tinha 30 cigarros no chão. Uma hora abriu a porta e era a pessoa que eu queria. Aí eu peguei a pastinha e fingi que estava subindo: "Ô, fulano." Eu não quero falar o nome porque ele ainda é pessoa importante na política. "Oh, como vai?" tal. "Ô, fulano, como vai?" "E aí, você está indo almoçar?" "É." "Podemos almoçar juntos?" "Então, vamos." (risos) Aí nós fomos almoçar e aí eu descarreguei a coisa, e no fim saiu o preço que a gente queria. Eu me lembro que o José Augusto Pinto era o gerente geral lá da parte farmacêutica, ficou muito contente.

P/2 - Esse era o Stugeron?

R - Stugeron. Eu me lembro bem desse caso aí, tem uma porção de outros casos, sabe? De luta grande, não tem nada de...

[fim da fita 017-C]

R - ...era discussão profissional, discussão profissional, desapontamento, você tinha que voltar e rechear com mais informações, dar mais detalhes, né? Mas eu diria que eu depois de algum tempo fiquei muito conhecido no CIP, fiquei uma figura assim conhecida, eu me lembro que as empresas que estavam começando a organizar esse tipo de trabalho nas suas empresas ia lá no CIP e perguntava: "Escuta, quem você acha que é bom aí pra montar um departamento de administração de preços?" Eu me lembro que muitos headhunters me ligavam, né? "Escuta, você não quer ter uma entrevista aqui e tal?" "Mas quem é que deu o meu nome?" "Ah, nós fomos lá no CIP e eles deram." "Olha, eu não estou interessado porque eu estou na Johnson já há 20 anos e tal." Não tinha mesmo.

P/2 - Você teve oferta salarial maior e tudo?

R - Nunca procurei saber.

P/2 - Não, né?

R - Não.

P/1 - Quer dizer, você queria continuar na Johnson.

R - Sim, sem dúvida, porque eu sentia, Luís André, que isso era uma coisa de momento, a hora que parasse o controle, o que você ia fazer?

P/2 - De fato foi?

R - Foi.

P/2 - Esses departamentos acabaram depois?

R - Acabaram, a partir de 1990, 1991. Depois do Collor o sistema de controle ficou mais frouxo e acabou ficando tudo liberado, eu conheço muita gente que perdeu o emprego. Mas eu sempre amarrei o meu conhecimento a alguma outra coisa e eu vou chegar lá.

P/1 - Então vamos lá.

R - Bom, então, aqui tem o esclarecimento. Você pode ficar com isso aqui depois, se quiser.

P/1 - Vamos, vamos.

R - Tem o esclarecimento, em 1968 uma lei federal criou o CIP e, novamente, nessa função, à duras penas, ganhei grande experiência em contato com órgãos governamentais, Ministério da Fazenda, Ministério da Saúde, que precisava. E fiquei nesse cargo até 1976 quando então fui promovido em abril desse mesmo ano, 1976, ao cargo de gerente de relações comerciais. Por quê? Eu era gerente de administração de preços e eu já, deixa eu ver, eu comecei nesse cargo de gerente de administração de preços em 1969, né? Fiquei nesse cargo até 1976, mas eu devo esclarecer que nesse meio eu já tive que escolher de que lado eu ia ficar.

P/2 - É porque é aí que se dá a sua passagem pra Farmacêutica, né?

R - É.

P/2 - Então é um caso interessante.

P/1 - Então conta essa história.

R - Aí eu tive que, 1969 eu era gerente de administração de preços e tal quando chegou... quando chegou acho que em 1960, eu fui indo com esse cargo, nesse período de 1969, ou melhor março de 1970 a 1976, foram se criando departamento de administração de preços nas outras áreas, na área de Consumidor, na área de Produtos Profissionais, e eu passava os ensinamentos, passava a cultura das coisas e tal. E em 1976 eu tive um grande desentendimento com o gerente da área de marketing control, era um cargo que a companhia criou, controlava o mercado, esse cara passou a ser meu chefe um tal de John Caynon, não sei se alguém falou nele, eu tive um desentendimento com ele de princípio e não dava mais pra eu ficar.

P/1 - Isso, ele era acima disso de administração? Ele estava ligado a isso de preços?

R - Ele era acima, ele era o meu chefe. Eu tive um desentendimento com ele que realmente não dava pra continuar. Foi dentro de moldes educados tudo, mas não dava pra gente conviver mais no mesmo... Então novamente o Bill Baxter me chamou e falou: "Olha, Tammaro, você conhece bem a fábrica, você conhece bem a administração, você conhece todas as pessoas, você conhece o Ministério da Fazenda, você conhece o Ministério da Saúde e eu quero criar um veículo, um canal de vendas para o governo. Eu quero criar um novo canal de vendas exclusivo para o governo." E naquela época tinha a Ceme, que é a Central de Medicamentos, que distribui medicamentos para todo o Brasil, pras pessoas de até três salários mínimos, e tinha também as secretarias de saúde que faziam compras, as secretarias de saúde. "Então eu estou querendo montar um departamento e você pode ser bom nisso, nós vamos criar o Departamento de Relações Comerciais." Já existia um cara que fazia isso meio assim empiricamente. Então veja bem, eu saí da administração, né, onde eu fiquei tantos anos, e fui pra aquilo que se chama mercado, que é outra visão. Eu fui trabalhar com gente de mercado, sabe? Já me afastei completamente da fábrica, me afastei da administração e fui conhecer um novo segmento que era mercado, como vender, né, como tratar um cliente. Só que o senhor Baxter queria que eu fizesse isso com uma direção: só governo. Então o que é que eu fiz? Bom, qual é o melhor cliente do governo na época? Quem era o melhor cliente? Eu fiz a pergunta e o pessoal de mercado respondeu: a Ceme. Então acho bom fazer uma visita à Ceme, sem dúvida. Então eu fui à Ceme, fui à Ceme, conheci as pessoas. A Ceme era em Brasília, conheci as pessoas, conheci o presidente da Ceme e registrei todos os nossos produtos farmacêuticos, apenas e tão somente. Aí eu comecei só Farmacêutica, desliguei de tudo, gerente comercial da Farmacêutica, canal: governo. Eu fui a Ceme, fui às Pioneiras Sociais, fui a todas as secretarias de saúde, eu comecei a... como é que se diz?, cadastrar. Cadastrar, nós podemos oferecer, nós temos essa produção. E eu ajudei muito a Ceme a criar um memento de produtos essenciais para o povo pobre.

P/2 - Uma espécie de cesta básica de remédios?

R - “Eles precisam de um multivitamínico”, aí eles falavam: "Pô, você não está falando isso pra vender Rarical?" (risos) "Não, eles precisam de um multivitamínico, eles precisam de um cálcio." Eu falava mesmo. Mas aí a gente, eles fizeram um memento, eles já tinham um memento, tudo, eu não fui descobridor de nada, mas eu enxertei, eu coloquei produtos. Eu falei, eu tinha dados estatísticos, nós tínhamos um produto extremamente bom pra nível de governo, pra fazer imagem, eram os reidratantes, que na ocasião de calor as crianças morriam de diarréia. Eu falei: "Nós temos reidratantes em forma de comprimido e em forma de solução que não precisa ficar..." E eu fiz um grande trabalho na Ceme, só que era tudo vendido através de concorrência, concorrência pública. Então quando saía um edital de concorrência eu ia lá na Ceme e pegava e via todos os produtos que nós tínhamos similar, né, e alguns até que nós podíamos fazer porque eram fórmulas tão fáceis de fazer. E uma vez apareceu um reidratante da Ceme, fórmula deles, e eu peguei aquela fórmula e levei pra Johnson e pedi pro doutor Campos dar uma olhada e ver. Ele falou: "Olha, se fizerem isso aqui vai ser uma lástima, porque fazer essa composição..." Não me lembro que nome que ele falou: "Vai dar uma coisa, não vai segurar a disenteria." Eu perguntei: "O senhor tem certeza?" "Oh, absoluta." Ele é... Aí nós fomos a Ceme, fomos falar com o presidente da Ceme: "Olha, existe uma dúvida porque nós somos produtores de reidratantes." Assim como a Squibb é também. Squibb não, Abbott. "Mas essa fórmula que o senhor está colocando não vai dar em nada. Isso vai ser prejudicial porque as pessoas pobres dos rincões do Brasil vão servir pras crianças, o que é que é um copo?" Porque lá dizia: "Servir um copo a cada três horas." Eu perguntei pra ele, o presidente, eu tenho até fotografia dele: "O senhor pode me dizer o que é um copo pra um pobre que mora no sertão?" Ele falou: "É, você tem razão." Eu falei: "Pode ser uma lata de cerveja enferrujada, pode ser uma lata qualquer aí que eles têm, ou pode ser um vidro ou mesmo um copo sujo. Então a criança vai tomar aquela solução já contaminada, não pode ser um produto que seja preparado na casa do consumidor ainda, quem sabe um dia nós teremos cultura pra isso." Parece que hoje fazem isso. E ele concordou comigo, chamou o farmacêutico que me odiou depois, ele disse: “Olha, nós conversamos, eu acho temerário distribuir um produto desses." O Campos levou uma amostra, ficou uma coisa feia, uma pasta. "Isso aqui as pessoas, pra começar ninguém sabe qual é a medida de um copo, as pessoas pobres e humildes, então como é que você vai distribuir isso?" Tudo era um pouco político, entende? Mas enfim eles não fizeram o produto e nós entramos na concorrência e nem me lembro se nós ganhamos, mas o fato é que não foi feito aquele produto. O fato é que eu me perdi porque... o que eu estava falando?

P/2 - Estava falando do seu desenvolvimento, aí você...

P/1 - Que ele já estava na Farmacêutica. E aí eu queria entender como é que se deu essa época aí, que se deu a escolha mesmo pra ficar só na Farmacêutica...

R - Então, tem esse período aqui que eu....

P/1 - E aí na hora que separou mesmo que virou Farma. Que mais? É mais pra cá.

P/2 - A Farma já existe, a Divisão Farmacêutica existe desde o início...

P/1 - Eu sei. Teve uma hora que...

P/2 - Não, ela continua uma Divisão Farmacêutica, ela só existe uma empresa constituída à parte agora em 1980 e poucos, quando é feito a Janssen e depois a Cilag, até aí a empresa continua sendo a mesma Divisão Farmacêutica, só que ela tem uma estrutura administrativa própria mas isso já tinha há bastante tempo.

R - Fábrica própria, tudo. Por exemplo, nesse interino aqui que eu me perdi um pouco, em 1970 quando eu fui gerente de administração de preços, de 1970 a 1976, eu fiquei nesse cargo até 1976 quando então fui promovido a...

P/2 - Ô Tammaro, uma curiosidade, seguinte: você sai do contato direto com a administração da fábrica como um todo e passa pra essa área que era até meio chamada meio elite na empresa que era o pessoal da Farmacêutica, né? Que impacto que isso tem pra você em termos de convivência? Como é que foi essa adaptação nesse novo ambiente dentro do espaço da empresa? Ou você já se inteirava bem com eles?

R - Eu me inteirava bem porque sempre dos tempos remotos de custos, de analista de custos, eu sempre tive uma ligação com todo mundo, estas tarefas, elas te obrigavam a você ter relação com todo o pessoal da fábrica. Quando foi definido é que eu estou tendo um pouco de dificuldade de me lembrar porque eu me lembro de 1970 a 1976...

P/1 - Tammaro, dificuldade de lembrar do quê?

R - Quando é que eu tomei a decisão. Mas peraí, deixa eu terminar de responder a pergunta dele. Foi muito boa, eu me lembro que no dia que eu decidi, que o senhor Baxter me falou: "Fica com a gente, você é uma pessoa que sabe vender o peixe direito, tal". Eu queria dizer... vocês vão ver, tem um memorando que ele escreveu pra mim fazendo os melhores elogios, eu fiz uma apresentação uma vez para o pessoal do mercado e ele fez o maior elogio do jeito que eu falei pro pessoal do mercado o que é que era custo, foi feliz e tal. Então ele falou: "Fica com a gente, tal." O senhor Sanches não quis tomar partido: "Ele falou, onde você ficar tudo bem." E eu fiquei... eu acabei ficando do lado da Farmacêutica, eu diria pra você que foi (pausa) 1970, março de 1970, fiquei nesse cargo até 1976, depois eu fui para a gerência de relações comerciais. Eu acho que foi em 1971, 1972 que eu fiquei na Farmacêutica.

P/2 - Que você faz opção pela Farmacêutica?

R - É, opção pra Farmacêutica. Mas como eu disse, eu passei toda a cultura de controlador, de...

P/2 - O cargo era o mesmo, né?

R - Era. Passei pras outras divisões como é que eles tinham que se organizar, com quem eles deviam falar no Rio, Brasília e tal. E aí eu fiquei na Farmacêutica. Aí eu tive esse...

P/2 - 1976 a 1981?

R - Não, aí eu tive esse desentendimento com o Caynon, aí então eu fui pra relações comerciais.

P/2 - Certo.

P/1 - Vender pro governo?

R - Vender pro governo. Desenvolvi todo um campo de venda pra Central de Medicamentos, medicamentos assim, Ministério da Saúde, toda essa área de governo eu comecei a visitar e fazer, mostrar imagem da companhia, eu levava gente pra visitar a fábrica, sabe? Eu tinha um bom relacionamento com esse pessoal todo, com ministros, com chefes de gabinete, eu era assim, deixando a modéstia às favas outra vez, eu me esforcei, já que eu tinha que fazer isso eu queria fazer o melhor.

P/2 - Agora, de 1988 a 1987 muda o quê exatamente, que você passa aí então a gerente de relações comerciais e governamentais. Isso é uma nuança pequena?

R - É uma coisa curiosa, isso aqui eu tenho que pegar agora lá no fundo do meu talento pra explicar pra vocês. Puta vida, veja só, eu fiquei de 1976 a 1981, né?

P/2 - Isso. De 1981 a 1987 relações comerciais e governamentais.

R - É. Em 1987 foi criado um novo cargo gerente de relações comerciais e governamentais, eu vou explicar. Eu era gerente de relações comerciais abrindo negócios com o governo, mostrando que os nossos produtos eram bons e higiênicos, visitando o Ministério da Saúde, visitando secretarias de saúde, falando dos produtos. E até que um dia veio um americano dos Estados Unidos, é redundância, não veio da Rússia! (risos) Kevin (Houche?), deixa eu ver como é que foi bem. Os negócios com o governo começaram a... como as verbas da Ceme começaram a crescer começou a haver, eu não sei, se começou a haver mais vigilância em cima da Ceme, começou a ter desvios, os produtos não eram entregues, as empresas que participavam, já, começou a ter qualquer coisa assim, a Ceme começou a baixar a bola. Então, começou a ficar, eu comecei a ficar numa situação que já os negócios não eram muito bons e esse americano, o Kevin (Houche?), ele veio pra ser um gerente geral administrativo, sabe? E quem contratou foi o Yan Simonsen, e o Yan sempre teve assim uma boa simpatia comigo, a gente sempre teve um bom relacionamento, só que ele ficou muito do lado consumidor e eu me distanciei dele, mas a gente tinha boa amizade. E um dia eu entrei no elevador, estava indo embora e tinha um cara, um americano, né? Eu já conhecia porque já tinham me falado dele, aí eu entrei no elevador, ele pegou, olhou pra mim e falou: "Você é Tammaro?" "Eu sou." "Você sabe onde eu trabalho?" Falei: “Sei.” "Você pode vir falar comigo amanhã?" "Está bom." Aí eu, no dia seguinte eu procurei a sala dele, eu sabia onde era, ele pegou e falou: "Olha, o Yan me falou muito de você, que você é uma pessoa esforçada, conhece bem a companhia, conhece bem o governo. E é a pessoa que está fazendo administração de preços." Lá trás quando eu fui. "E eu vou precisar dessa pessoa pra fazer outra coisa e eu gostaria de unir o útil ao agradável, você está feliz no mercado?" Eu falei: "Não." "Por quê?" Eu falei: "Porque eu tenho uma porção de idéias pro mercado e o meu chefe não me ouve." Que era o Heimar Ximenes. "Ele não me dá oportunidade, eu estou marcando passo numa altura da minha vida que devia ser melhor aproveitado." Aí ele falou: "Ok, então eu vou criar um departamento chamado..."

P/2 - Relações comerciais e governamentais.

R - Eu vou sair de mercado, voltei pro prédio administrativo, foi criada uma sala com o nome de relações comerciais e governamentais, só que eu falei pro Kevin (Houche?): "Mas só que eu não vou começar tudo de novo, viajar pro Rio, falar com as pessoas, eu não agüento mais." Ele falou: "Não, eu vou te dar um staff, você vai ter gente pra fazer isso, eu quero você administrando o pessoal de preços e vai ter um cara pra fazer negócios com o governo, e você fica aqui numa sala, só dando ordens, fazendo, controlando, tal". Eu falei: "Tudo bem, se é assim eu topo."

P/2 - Só pra Farmacêutica?

R - Só pra Farmacêutica. E foi criado então esse cargo aqui, vamos ver. Aproveitando a experiência por mim adquirida em relações com pessoas na área de custos e várias comissões que participam na empresa o pensamento foi que eu seria o profissional mais adequado pra desempenhar esse cargo. Esclarecimento: esse novo cargo nada mais é que a junção do antigo cargo de gerente de administração de preços com o cargo de relações comerciais. Essa nova área exigiu de mim contatos mais amplos com o governo, Ministério da Saúde, Cacex , Ministério da Fazenda, participar de reuniões de sindicatos, de associações de classe e tal. Como é que ficou? "Kevin, ok, eu vou viajar com o fulano e mostrar pra ele: aqui é o Ministério da Fazenda, aqui se faz assim, assado, cozido e frito, aqui é a Saúde, aqui é tal." Viajamos uns três meses, fui com o pessoal treinando e depois eu fiquei só acompanhando as coisas. Reativamos bons negócios na Ceme, tivemos um bom período de reajustes de preço, eu tinha uma pessoa muito boa no staff, muito boa mesmo. Eu com secretária, ele me deu um staff completamente diferente. E depois esse homem, o Kevin (Houche?) foi embora, foi para os Estados Unidos.

P/1 - Ah, então tem aquela foto do rebaixamento, é isso?

R - É isso.

P/1 - Eu estou tentando encaixar esse negócio.

R - Não é bem aí, isso aí foi antes, essa foto foi antes. Ele foi embora pros Estados Unidos e quem ficou no lugar do Kevin (Houche?)?

P/2 - Dentro da estrutura Farmacêutica ele fazia o quê? Qual era o cargo?

R - Ele era gerente de operações e finanças e eu respondia pra ele. Quando ele foi embora... Ah, houve uma mudança de estrutura, ficou o Paulo Costa como gerente geral.

P/2 - Da Farmacêutica?

R - É. Eu nem me lembro se ele chegou a ser presidente, o Paulo Costa, eu acho que chegou.

P/2 - Não me lembro disso.

R - Eu acho que chegou. E aí eu passei a responder ao Paulo Costa durante um bom tempo, né?

P/2 - 1987 você volta a relações comerciais.

R - Ele me irrita, viu? Porque ele sabe mais do que eu. (risos)

P/2 - Só tem uma fichinha.

P/1 - Dá pra ele.

P/2 - Você quer olhar na ficha aqui, fica mais fácil.

P/1 - Parece aquela história dos preços dos produtos. Aquela que ele tinha ficha atrás do arquivo, só que aqui ele tem na frente. (risos)

R - Não. Relações comerciais. Em 1987. Bom, aí eu fiquei até quando você tem aí?

P/2 - 1987 a 1993 você passa a relações comerciais, quer dizer, você volta a um cargo anterior; não, só que aqui você é diretor ao invés de gerente.

R - Em 1987?

P/2 - Em 1987 você passa a diretor de relações comerciais.

R - Bom, aí veio o Paulo Costa e eu fiquei nesse negócio de relações comerciais e governamentais com o Paulo Costa, viajei com ele muito, ele quis conhecer de perto, é um cara sensacional, cabeça sensacional. Inclusive ele dirige uma empresa hoje nos Estados Unidos como presidente, acho que é a Janssen.

P/2 - É a Janssen.

R - Ele quis conhecer o meu trabalho assim in loco, como é que se faziam as negociações, ele foi comigo pro Rio, a Brasília, pro Ministério da Saúde e tal. E eu fui tocando e depois ele foi chamado nos Estados Unidos pra essa função, não, ele chegou a ser, ele foi pros Estados Unidos e ele foi gerente de business para a América Latina e ficou chefe do Mário. O Mário, um pouquinho antes, em 1985, o Mário foi fazer um treinamento, foi fazer uns cursos em Harvard e tal, eu já sabia que era o Mário porque o Mário só tinha eu como pessoa que ele conhecia, amiga, que a gente se cruzava em Brasília porque ele era gerente de relações comerciais da Profissional, então a gente se cruzava e tal. Até que um dia ele me ligou: "Aí bichão, acho que vou trabalhar na Farmacêutica, e então como é que é?" Aí eu comecei a dar os primeiros... Então aí o Paulo Costa foi chamado para os Estados Unidos pra ser gerente de business América Latina, Brasil, Argentina, México e algumas ilhas aí do Caribe e tal. E ele teve que escolher um sucessor dele e ele escolheu o Mário Ferreira Santos em 1986. Em 1986 ele escolheu o Mário Ferreira Santos e aí eu comecei a ser chamado pras reuniões do comitê executivo da Farmacêutica como ouvinte, participar do comitê, eu não tenho absoluta certeza, eu procurei documentos mas eu não achei e eu não quis encher o saco do Mário, nem ninguém da companhia, eu pus aqui: "Em 1987 com Mário Ferreira na presidência da Farmacêutica fui convidado a participar das reuniões do comitê executivo passando a ser diretor de relações comerciais" que um dia, eu me lembro muito bem, eu estava fazendo a requisição do meu carro e tinha diferença de status quando era do comitê, quando não era, se podia pôr ar condicionado, sabe, essas coisas. Então eu ia entrar em férias eu tinha que deixar essa requisição preenchida pro pessoal de frota comprar o carro e então na volta eu tinha... Então quando eu estava preenchendo o Mário entrou na minha sala e eu estava lendo a apólice, né, onde você pode se enquadrar e falei: "Pô, ar condicionado eu não posso." "Claro que pode, põe aí ar condicionado." "Rádio não?" "Claro que você pode. Ô, bichão, você não percebeu que você já passou a ser diretor?" "Ah, é?" "Ora, qual é a tua?" Aí eu preenchi tudo aquilo e fiquei diretor de relações comerciais, mas aí já num outro estágio, fui pro andar da diretoria, né, com outro, já dirigi os negócios assim de longe.

P/2 - Era a mesma função você teve um status maior.

R - É, exerci essa função até 30 do nove do 1993 quando me desliguei da Johnson & Johnson Farmacêutica que foram exatos 45 anos, 7 meses e 28 dias.

P/1 - Ô, Tammaro, eu sei que você está cansado vendo todo mundo assim.

R - Não estou.

P/1 - Mas eu gostaria, quando eu conversei com você logo no início, uma ligeira descrição sua dessa saída da companhia.

R - Uma ligeira?

P/2 - É, o que significou pra sua vida.

P/1 - O que significou, como é que foi essa preparação e a sua sensação que você me contou como é que foi o primeiro dia, esse periodozinho que não precisa ser tão sistemático mas...

P/2 - Eu queria acrescentar isso e até cabe porque você ficou numa empresa a sua vida inteira, eu queria que você avaliasse isso com esse julgamento, quer dizer, você olhou pra trás e como é que você viu? Quer dizer, antes em algum momento você pensou em sair da Johnson, pelo que eu vi não, né, eu queria uma avaliação que também incluísse essa reflexão.

P/1 - No fim, né? Depois dele contar efetivamente o que aconteceu.

R - Basicamente por que é que eu saí?

P/1 - É.

R - Bem, então vamos lá. Em 1993 eu acho que o Saliba assume a presidência, em janeiro de 1993. Você tem esse dado?

P/2 - 1992 que ele assume, o mês eu não sei.

R - 1992.

P/2 - Você se lembra que a gente estava naquela discussão e o Paulo foi lá dentro conferir e tal e chegou a conclusão que era em 1992.

R - 1992, ok, em 1992 ele assume.

P/2 - Isso.

R - E o Mário faz uma ligeira modificação nas hierarquias. Eu respondia ao Mário que era o presidente, passei a responder à Pauline e tal e ficou, esse ano de 1992 ficou assim e tal, comitê, tudo bem. Quando foi em 1993 o Mário foi pra Gerivatiba, pro escritório regional dos Estados Unidos, né, no escritório dele. O Saliba vai pra sala dele e continuou, eu fazendo as minhas negociações de preços, isso em... peraí.

P/1 - 1993.

R - 1993, tudo legal. Um dia numa reunião do comitê executivo, depois que terminou a reunião, o Saliba falou pra todo o corpo presente: "Olha, eu queria avisar o seguinte, especialmente ao Tammaro e ao Walter Pohl, esse ano nós estamos com o caixa bem e seria um momento de vocês pensarem em fazer um acordo com a companhia porque tem muitos aspectos aí a serem levados em conta." Tinha o caso Walter Pohl e tinha o meu. Então como é que eu comecei a pensar. Bom, eu tenho 45 anos de companhia.

P/1 - Quer dizer, a aposentadoria você já tinha há 10 anos.

R - Há 10 anos, a aposentadoria do sistema social brasileiro, né, já tinha. Então aí eu cheguei em casa e falei com a minha mulher, a Eulália: "Olha, teve esse papo tal, diz que é um pacote bom, o que você acha?" Ela falou: "Olha, eu acho que está na hora de você fazer outra coisa, vamos, sei lá, vamos aproveitar a vida, desfrutar as coisas, nós tivemos uma vida difícil", sabe? Nós tivemos muitos problemas, então eu acho que não é de se jogar fora essa idéia e tal. "Afinal", ela falou, "o que você pode ser na companhia ainda mais?" Não dava mais tempo porque tem umas regras, Karen, que te limitam com a idade, sabe? E como eu falei, as pessoas de mercado têm mais projeção, eu já estava com quase 60 anos, então eu ia ganhar um pouquinho mais, mais alguns anos, dependendo da massa que viesse era melhor eu, sei lá, cuidar da minha vida. Então, racionalmente. Aí nós começamos a conversar, quase todo dia, eu, Saliba e o Walter Pohl trabalhava em São José dos Campos, ele ligava pra mim. Aí um dia o Paulo Torres me deu qual seria...

P/1 - O pacote.

R - O pacote. Eu olhei, alguma coisa não concordei. Aliás, a minha chefe era Pauline, foi ela que me deu. A Pauline me deu, mas depois eu fui falar com o Paulo. Acertamos lá umas coisas e tudo bem, eu acho que está bom. Tudo racionalmente muito bem, o Saliba me tratando extremamente bem como sempre. Se você quiser ver as cartas de 1970 que não tinha... com muita gentileza, sempre dizendo: "Você é quem sabe, você que resolve." Mas eu realmente achei que já era um tempo bom, 45 anos, sabe? Você começa a entrar num desgaste, sabe? As pessoas que você viu entrar como office-boy correm o risco de ser o seu chefe daqui a pouco, tudo tem um tempo. E a Eulália é extremamente de bom senso, sabe? E nós conversamos muitas horas sobre o assunto. Inclusive com as minhas filhas, e nós chegamos a conclusão que: "Olha, está no momento de parar, todos nós, graças a Deus, estamos com saúde, a gente pode”. Sei lá, tudo racional. Aí eu falava com o Saliba, pá, pá. Então ficou marcado pro dia 31 de novembro de 1993, eu sairia. Aí um dia o Saliba chegou assim na sala e falou: "Tammaro, nós mudamos o plano, vai ser 30 de setembro." Por causa de umas questões trabalhistas, o número ia aumentar muito porque os aumentos eram enormes, 40%, lembra? Então ele falou: "Isso deixa a gente louco." Então eu falei: "Tudo bem, 30 de setembro." O Walter Pohl sempre me usando como, né?, "e aí como é que é e tal?" "Tudo bem." Até que um dia o Saliba falou: "Eu vou falar uma coisa pra vocês, por uma grande coincidência o teu salário e o do Tammaro são iguais, quer dizer, vocês podem trocar idéia à vontade." Porque a gente ficava falando: "Quanto você vai ganhar de não official?" Eu: "Não precisa falar todo o número, fala só..."

P/2 - Dá uma pista.

R - Dá uma pista. E o Saliba percebeu: "Deixa eu falar uma coisa pra vocês, vocês ganham exatamente igual, então podem trocar idéia à vontade porque a diferença é que o Tammaro tem 45 e você tem 37, o Tammaro tem 58 e você 56." Essas coisas. Aí nós abrimos o jogo, quanto que dava o pacote e tal. E um dia estava saindo um cara importante, um diretor da Consumidor e ele me ligou, Reginaldo Arcanjo, grande amigo, e ele disse: "Eu estou saindo da companhia e fiz um pacote e tal e eu sei que você está negociando isso." Desde abril eu estava negociando, eu saí em setembro. "Vamos almoçar?" Aí eu fui almoçar com ele, eu falei com ele: "Como que é a tua saída?" Ele me explicou. Ah, antes de sair eu falei: "Saliba, eu vou almoçar com o Reginaldo porque ele está saindo e ele quer saber como que é o meu pacote, posso falar?" "Por mim pode, porque eu não tenho nada que ver com a Consumidor e você tem os teus méritos e acabou." Aí cheguei lá só que o pacote dele era melhor. (risos) Quando eu voltei no fim da tarde pra pegar as coisas na minha mesa o Saliba me viu e ele falou: "E aí, falou com o Reginaldo?" "Falei." "E aí, como é que é?" Eu falei: "Saliba, o pacote dele é melhor do que o meu." (risos) Ele ficou assim, eu falei: "Vão pagar pra ele, eu não posso dizer o que é." Ele falou: "Ah, não, então tudo bem, então você vai também." E estendeu pro Walter. Eles estão ouvindo o que a gente está falando?

P/2 - Estão.

R - Em alto?

P/1 - Não, assim, sai todo mundo baixinho. Mas e aí?

R - Porque eu vejo que ela dá risada. Aí ele estendeu o mesmo critério, eu liguei pro Reginaldo: "Pô, Reginaldo, obrigado. Ganhei cem mil dólares a mais nessa brincadeira." Quando chegou no dia 30 de setembro eu saí, tudo sempre racional, tudo bem. Aí o Saliba falou: "Essa sala e essa secretária vão permanecer durante um ano; quando você quiser, o teu lugar no estacionamento está garantido, good luck." E eu continuei indo. Ele falou: "Eu até que preciso de você pelo menos até julho de 1994, eu preciso que você venha pra passar uma porção de coisas pras pessoas e tal."

[fim da fita 017-D]

R - Sabe, é uma coisa, não pode também. E eu fui e tal, fui até, passou fim de ano, julho de 1994 eu, 1994? Aí em julho, eu não fui mais. Aí eu ia assim duas, três vezes por semana, né? A minha secretária ligava: "Você vai hoje? Então vamos e tal." Então, até julho eu fui. Quando o primeiro dia que eu não precisava ir mais absolutamente, não tinha mais sentido e você começa a perceber isso, que eu levantei da minha cama, que eu pus o pé assim e tem um espelho assim redondo, que é pra gente ver quando faz amor. (risos) Agora ela vai rir. Eu me olhei assim, eu não... jamais eu vou conseguir transmitir pro meu semelhante a sensação que eu tive, não dá pra descrever, é um vazio, veja bem, 45 anos, o meu carro chorou quando eu fui na garagem e eu não tinha que ir trabalhar, estava com duas lágrimas assim no farol e eu não sabia o que fazer. Eu perdi completamente a direção. Eu me lembro que fui andar, pus um jogging, tal, e fui andar pelo Alto da Boavista, andar pelas ruas, mas tinha horas que eu não sentia que estava andando, assim alguma coisa: "Eu vou morrer, vou desaparecer", sabe? Você perde o sobrenome. Meu nome é Tammaro da Johnson. Acabou. Você perde toda a infra-estrutura de pagamentos, eu nunca paguei o IPTU, “escabum!”. Todas essas coisas que se paga, tudo é a secretária que tem tudo anotadinho, te avisa, se você não está, paga com o dinheiro dela depois você reembolsa. Eu comecei, você perde poder, tem as pessoas que te olham com pena. Os teus colegas, você já sente que aquele olhar assim, um olhar de compaixão. A Johnson dá muito isso, viu, ela te segura muito. Bom, eu entrei, comecei a entrar numa fase difícil de depressão, até que um dia eu estou em casa e entra, eu tenho uma filha casada que é professora universitária, a Mirella que é psicóloga, elas entraram, eu vi que a Eulália montou o esquema, elas entraram as duas juntas, que é difícil, uma trabalha lá outra cá e não se encontram, entraram as duas juntas, aí sentaram lá no chão e começaram a recordar toda a nossa vida e tal, falar sobre tudo que nos aconteceu que não foi fácil, né, e de vez em quando falando: "Agora que você pode desfrutar você está ficando doente, o que é que é isso, pai? Caramba, você enfrentou tanta coisa difícil." Eu tenho uma filha que nasceu com o pé torto, chama-se: pé torto congênito supinado, sem tendão de Aquiles, foi uma luta de dez anos pra ela poder ser normal e hoje ela é uma pessoa normal, anda bem, nada, corre. Mas é inadmissível, de vez em quando a gente vê uma pessoa que nasceu com o tipo de deformação dela é completamente, sabe? Então toda essa reflexão da vida e tal elas me passaram, nós ficamos quase até uma hora conversando e como a minha filha é psicóloga ela falou: "Procura ajuda, vai num profissional, vai contar pra ele." Eu procurei um profissional que é o dito cujo e ele foi muito bom, em quatro meses ele me deixou afiadíssimo, excelente, uma cara... Eu comecei a olhar pra Johnson, agora quando eu vou na Johnson, olho aqueles corredores eu falo: "Como vocês são infelizes." Eu olho pra cara do Dalgê: "Coitado." (risos) "Que pecado, esse homem trabalhando 10 horas por dia, não desfruta nem um pouco da vida, nada." Eu sei que ele está adiando uma viagem pra Europa já há cinco anos. Então você não queira saber, me deu assim uma aversão, eu digo pra vocês, podia ter acontecido antes, eu devia ter saído antes, com 55 anos, porque o Calil falava: "Tammaro, se dá de presente esse ano, olha pra vida, a vida é bela, sabe? Você entrou criança, você não sabe o que é outra coisa, mas olha pras coisas que se tem pra fazer, você tem grana, vai viajar, desfrute, você teve uma vida difícil." E eu, sabe?, lenha daqui, lenha de lá, então eu fui, então você vai, né, vai se fortalecendo e tal. E realmente eu cheguei num ponto, eu entro na Johnson tem todas aquelas mordomias, tem o meu lugar lá na garagem e tal. Entro lá e olho pra cara do Rubens, ele é um robô, não é? Você já viu a carinha dele? (risos) "Preciso ligar pra não sei quê." É uma merda.

P/2 - Ele chega pro Rubens e diz: "Isso aqui é um sarcófago."

R - É um sarcófago. É uma merda, mas na hora em que eles acordarem eu não digo que será tarde, mas é uma coisa de louco, a competição, sabe? É uma coisa terrível. Então, acho que dei, trabalhei,

você viu o bilhete da minha filha? Com honestidade, dignamente, construí um patrimônio porque digo: eu sempre ganhei bem na companhia, sempre tive bons salários, eu passei um período meio, aquele da fotografia lá, sem ganhar aumento e tal, mas depois foi recuperado, o Kevin (Houche?) recuperou. Tive boas gratificações e ganhei ações da companhia internacional que tenho até hoje, o Saliba me deu, toda pessoa que saí da companhia tem que resgatar as ações, eu ganhei um prazo de dez anos pra resgate. Eu tenho um lote que tenho que resgatar em 2003 e o outro em 2008, se não me engano, dez anos depois que eu saí, nem preciso tanto tempo assim. Mas eu tive uma depressão por perda de... por não ter me preparado pra sair, por não ter um hobby forte. O meu hobby era andar e eu continuei andando. Eu era totalmente dedicado à companhia, então nunca pensei em fazer alguma coisa assim paralela, né? Eu tive a depressão, saí dela, o profissional soube me conduzir, voltei agora por um outro problema, não tem nada a ver, estou fazendo uma reciclagem com ele, mas não tem nada a ver com emprego. Olha, deixa eu te contar, quando eu ouço, quando alguém da Johnson me liga pra falar alguma coisa, eu fico com peninha. Porque fecho os olhos e vejo o cara naquelas baias tentando sobreviver. É uma luta, é uma luta. Quem entra assim vê toda aquela coisa montada, mas é uma luta diária pra você permanecer no teu cargo, tem alguém atrás de você te cutucando pra pegar o seu lugar e isso não vai sair no livro. (risos) Mas eu acho que é assim no mundo inteiro, mas passei a saborear a vida muito mais, passei a dar assim um valor extremo pra Eulália, pra minha mulher, sabe? Porque na verdade, Luís André, você fica com o seu familiar quantas horas? Tirando as horas que você dorme, muito pouco, você sai de manhã e volta de noite, ainda mais eu que viajava muito. Às vezes ficava fora, você não convive com a pessoa e é uma coisa natural, vai passando assim, 5, 10, 15, 20, 30, é uma coisa estúpida, sabe? Agora estou notando melhor as coisas, agora já um ano e pouco, você tem mais oportunidade de conviver junto, né, é uma pena que a gente não possa fazer isso com os filhos criança. Eu às vezes eu fico pensando que não vi as minhas filhas crescerem. Eu me lembro uma vez que estava no Uruguai representando a ALALC, que eu esqueci de falar, também fiz parte de uma comissão que fazia negociações no Mercosul, liguei pra casa e a minha filha era pequeninha e de manhã a Eulália tinha comprado dois pintinhos na feira, um pra cada uma, né? Então era difícil ligar do Uruguai naquela época, tinha espera de três horas, aí eu liguei, falei com a Eulália, falei com a Mirella e depois falei com a Cláudia que era pequeninha, né, e ela falou: "Paiê, o meu pintinho morreu." Puta, comecei a chorar do outro lado, sabe? O pintinho dela, matou na porta, esmagou, ela foi fechar pra não fugir e acabou e ela falou: "Pai, o meu pintinho morreu." Ela nem sabia falar ainda. Então você perde tudo isso, né? Eu me lembro também uma vez que fui jantar em casa assim rápido porque precisava voltar porque tinha que trabalhar, pra fazer uma apresentação, e a Mirella estava sentada assim no cadeirão ainda e punha o pé na mesa. E eu falava: "Tira o pé da mesa", aí ela tirava, aí ela devagarzinho punha o pé outra vez, aí eu falava: "Tira o pé da mesa." Aí uma hora ela falou: "Vai trabalhar na Johnson, vai, fica mandando aqui em casa." (risos) É uma coisa que você... Depois você me perguntou, me disse pra concluir.

P/2 - De certa forma acho que você respondeu, né, eu pedi pra você falar sobre uma avaliação do significado desse tempo todo dedicado.

R - É, eu, tem também uma coisa que escrevi aqui, eu não sei se... Olha, então vocês conhecem praticamente a minha carreira desde menino, então como eu li algumas coisas dos outros que eu passei, eu escrevi: "Valeu a pena? Sim e muito. Como vocês sabem, vim de uma família humilde. Meu pai era operário, quando entrei na Johnson & Johnson percebi que para crescer profissionalmente era preciso estudar e tal. Casei-me com a Eulália, que na época era a secretária do senhor William Jordan Williamson Júnior, o último presidente de nacionalidade americana. Tenho duas filhas, Mirella e Cláudia, que já dei aí nos registros, devo registrar: sempre tive bons salários, boas gratificações, boas viagens, ganhei ações, etc., fim. Agora estou aposentado, desfrutando um pouco mais da vida, anexo cartas e promoções que estão lá embaixo." Eu queria dizer que foi uma grande alavancagem eu ter trabalhado na Johnson na minha família porque faço algumas referências às vezes pras minhas filhas, né, de quando eu tinha, sei lá, 15 anos, 20 anos, 16 anos, tal. E elas falam: "Pô pai, o senhor era muito pobre então, sabe? Caramba, o senhor era da idade da pedra?" Quando eu falo que morava em casa que não tinha banheiro, quando falo que ia a pé pra economizar o dinheiro do bonde, pra tomar um refrigerante, ou comprar cigarros, sei lá, elas não se conformam. O pulo que eu e a minha mulher demos. A Eulália, também filha de operário do Cambuci. Eu era da Mooca, ela do Cambuci. Ela foi secretária do presidente americano, sabe como? É curioso, viu? A mãe dela era costureira, então ela se vestia muito bem, sabe? Sempre bem bonitinha e tal, e uma vez um inglês, a secretária de um inglês foi embora, não sei, teve que viajar. E um tal de Houston, não é o Houston, o Houston, ele foi na contabilidade, olhou assim, tinha umas 20 moças, olhou e chamou o chefe da contabilidade e falou: "Aquela moça, você pode me emprestar porque a Odete faltou e eu preciso de alguém." Ele era uma pessoa importante esse homem. Ele falou: "Tudo bem." E era a Eulália, aí ela desceu, foi na área da diretoria e era pra atender telefone e dar os recados pra ele e tal e ela começou lá, aí um dia ele perguntou: "Você fala inglês?" Ela falou: "Não, eu estou estudando." "Então, a partir de hoje vou falar inglês com você." E ele, ela aprendeu logo, você falando todo dia, toda hora, telefonemas, ela aprendeu logo. Depois a Eulália tem muita facilidade em língua, ela fala muito bem italiano, sabe? Aprendeu inglês assim rápido, numa pronúncia excelente, e ele gostou muito dela, do trabalho e tal. Teve um problema quando nós ficamos noivos, ele não gostou muito. Mas então nós demos uma alavancagem muito grande na família. Foi uma coisa boa, a companhia foi uma coisa muito boa pra nós. Eu me lembro, acho que foi em 1950, eu casei em 1958. 1961, 1962 eu comprei uma casa na Vila Mariana, numa rua boa, Baltazar Lisboa, de uma sala enorme. Olha, veja bem, eu era criança e todo ano a gente mudava de casa porque não podia pagar aluguel, lembra da minha mãe na cama? Quase todo ano a gente mudava de casa porque não tinha condições. Ia pra Mooca, pro Cambuci, pra Vila Prudente, pra Vila Zelina, era um transtorno. Em 1962 comprei uma casa na Vila Mariana com uma sala enorme, quatro dormitórios, duas suítes, duas garagens e eu me lembro que no dia que fechei negócio, eu e a Eulália choramos porque ela também teve uma vida de merda e nós não conseguimos olhar pra casa, né? Eu preciso andar de bicicleta pra ir de um quarto pra outro porque a gente morava num quarto na casa da mãe dela quando eu casei e nós fomos pra uma casa de acho que tinha 300 metros quadrados, sei lá, de construção. Foi uma alavancagem muito grande.

P/2 - Bom, eu acho que a gente podia concluir porque precisa fazer as fotos também e ainda vai ter algumas historinhas pra contar lá embaixo. Deve estar o fotógrafo aí pra fazer as fotos. O nosso tempo está acabando. Agradecemos então.

R - Sendo só, me ofereço para um amém, arrivederci.

P/2 - Certo.

R - Eles riem. (risos) Pô, aqui está um suadouro.

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