Museu da Pessoa

Vale desde o berço

autoria: Museu da Pessoa personagem: Francisco Franco de Assis Fonseca

Projeto Memória Vale do Rio Doce
Realização Museu da Pessoa
Depoimento de Francisco Franco de Assis Fonseca
Entrevistada por José Carlos e Manuel Manrique
Rio de Janeiro, 31/08/2000
Entrevista CVRD_HV058
Transcrito por Manuelina Maria Duarte Cândido
Revisado por Ana Calderaro

P/1 – A primeira pergunta é para o senhor se apresentar. Então, nome completo, data de nascimento e local de nascimento.

R – O meu nome é Francisco Franco de Assis Fonseca. Eu nasci no dia sete de novembro de 1937, em Curitiba, no Paraná.

P/1 – Nome dos pais do senhor?

R – Meu pai era Francisco de Assis Fonseca Filho e minha mãe era Leonor Franco de Assis Fonseca.

P/1 – O senhor conhece um pouco a história da sua família? A origem dela, parte materna, paterna, um pouco esta história, ou não?

R – Ah, eu não acompanho muito isso, não (riso), mas a minha família, dos dois lados são famílias assim, aquelas famílias ditas tradicionais, que cultuam muito as suas origens, e tal. Mas eu nunca acompanhei muito a coisa. Por exemplo, meus avós do lado paterno, meus bisavós do lado paterno, meu bisavô era fazendeiro de café ali na região de Juiz de Fora. E era daqueles fazendeiros muito ricos, da época do boom do café em Juiz de Fora. Inclusive, meu avô foi estudar na Europa, naquela época que os fazendeiros ricos mandavam os filhos para estudar na Europa. (riso) Ele formou-se em Engenharia na Inglaterra.

P/1 – Na Inglaterra?

R - Meu avô, né? Mas, depois, com a decadência do café, perdeu o que tinha, os filhos mais novos já não puderam estudar na Inglaterra, só os mais velhos. Mas meu avô veio com toda aquela bagagem e foi um dos pioneiros da eletricidade no Brasil. Ele formou-se em Engenharia Elétrica, foi um dos primeiros. Naquele tempo, eletricidade era uma coisa mais importante do que o computador hoje, do que a informática hoje, ela era a tecnologia de ponta daquela época, né? E ele veio com aquilo da Inglaterra e foi um dos pioneiros de eletrificação em São João del Rei, implantou o sistema de eletrificação em São João del Rei, e tal. Depois meu pai foi estudar Engenharia de Minas em Ouro Preto e foi Engenheiro de Minas até da Vale do Rio Doce durante muito tempo, foi superintendente das minas em Itabira. Ele trabalhou na Vale do Rio Doce quase que grande parte da vida dele. E antes ele trabalhou em outras minerações também.

P/2 – E pelo lado da sua mãe?

R – Do lado da minha mãe, a família da minha mãe é de Curitiba. Meu avô, pai dela, era um político do tempo da República Velha (riso), foi até Secretário de Estado lá no estado do Paraná e foi Deputado do tempo da República Velha. Ele era engenheiro também, mas era político. Depois ele se afastou da política com a Revolução de 1930. Que ele era do tempo da República Velha, lá. Chegou a ser Secretário de Estado lá, depois Deputado Federal aqui no Rio de Janeiro. Ele chamava Arthur Martins Franco. Família antiga lá de Curitiba. E do lado da minha avó materna, minha avó materna era irmã desse pessoal famoso aí, os Monteiro de Carvalho, os Monteiro Aranha, dessa empresa. Um dos fundadores do Monteiro Aranha era meu tio-avô. Então a família toda era cheia de pompa para todos os lados, acho que justamente numa reação a isso eu virei eleitor do PT [Partido dos Trabalhadores] e não dou bola para essas coisas. (riso)

P/1 – O avô do Senhor, ele trabalhou para alguma empresa de eletrificação inglesa, alguma coisa assim?

R – Heim?

P/1 – O avô do senhor trabalhou com eletrificação?

R – É, não, ele trabalhou por conta própria, ele implantou parte de eletrificação lá em São João del Rei. Ele fez a primeira usina hidrelétrica próxima de São João del Rei e distribuía eletricidade ali em São João del Rei.

P/1 – Por conta própria?

R - Por conta... Não, em associação com um fazendeiro rico lá, né? Com um comerciante rico da cidade. Porque ,nessa altura, o pai dele já tinha perdido tudo. As fazendas de café de Juiz de Fora já tinham ido para o buraco e o dinheiro da família já tinha ido para o ralo, né? Mas ele, em associação com um comerciante rico lá de São João del Rei, ele foi um dos pioneiros da parte de eletrificação, geração e distribuição de energia elétrica em São João del Rei. Depois ele foi trabalhar na Força de Luz em Belo Horizonte. Trabalhou o resto da vida na Força de Luz, em Belo Horizonte.

P/1 – E como é que foi esse encontro da família? Seu pai com a sua mãe?

R – Ah, meu pai, quando formou-se lá em Ouro Preto, morou dois anos depois na Europa. Naquele tempo, o primeiro aluno da turma tinha o prêmio de fazer um estágio de dois anos na Europa. Então ele ganhou esse prêmio e ficou dois anos na Europa, fazendo um estágio lá de siderurgia e tal. Aí voltou para o Brasil. Quando ele voltou para o Brasil, foi justamente na crise de 1929, que foi uma das piores crises do mundo até hoje. Aí tinha muita dificuldade aqui no Brasil e tal. Ele tinha se especializado em siderurgia nesse estágio de dois anos na Europa, mas chegou aqui, não tinha... Era dificuldade para qualquer coisa, estava pior do que hoje, né? E aí ele foi trabalhar numa mineração de ouro ali em Ouro Preto, perto de Mariana. E trabalhou lá alguns anos, ele era um engenheiro muito competente (riso), um engenheiro de minas muito competente. Depois de alguns anos lá ele foi convidado para trabalhar numa mina de ouro perto de Curitiba, lá no Paraná. E lá, então, ele era solteiro ainda, tinha uns trinta e poucos anos. Lá que ele conheceu minha mãe e casou-se lá em Curitiba. E aí eu virei curitibano porque meu pai se mudou para lá, morou vários anos lá. (riso) Depois de lá ele veio para o Rio, depois foi para a Acesita, sempre ligado a grandes empresas. Lá em Curitiba ele trabalhava na Monteiro Aranha, né?

P/1 – Na Monteiro Aranha?

R – A Monteiro Aranha era dona dessa mina de ouro em Curitiba, perto de Curitiba, Mina do Tibutú. Depois ele veio trabalhar com negócio de garrafa, de fabricação de garrafa, aqui no Rio de Janeiro. Depois voltou uns tempos para Curitiba, depois foi para a Acesita para a fundação da Acesita. Ele era superintendente administrativo lá da Acesita. E de lá, então, ele foi convidado para ingressar na Vale do Rio Doce. Mas a Vale do Rio Doce desse tempo era muito pequenininha, isso foi em início da década de 1950, né? A Vale do Rio Doce estava começando. A Vale do Rio Doce era de 1942 mas ficou marcando passo aí muito tempo. E ele entrou na Vale do Rio Doce no início da década de 1950, como superintendente em Itabira. Mas, naquele tempo, tinha uma meia dúzia de engenheiros na Vale do Rio Doce (riso). Ele talvez foi o primeiro engenheiro de minas, acho que talvez foi o primeiro engenheiro de minas brasileiro a trabalhar na Vale do Rio Doce em Itabira. E ficou lá como superintendente uns cinco ou seis anos. E depois por razões políticas e tal, o pessoal do PSD... Ele era muito udenista. (riso) O pessoal do PSD que mandava na época, no tempo do governo Juscelino, deu um jeito de afastar ele de lá porque ele era muito partidário da UDN [União Democrática Nacional]. E aí ele foi para Belo Horizonte, mas sempre continuou na Vale do Rio Doce até o fim da vida, até se aposentar. Aí ele foi ser o superintendente de pesquisa geológica e tecnológica da Vale do Rio Doce em Belo Horizonte.

P/2 – Os seus pais tiveram quantos filhos?

R – Só eu e uma irmã. Eu tenho uma irmã mais nova, um ano mais nova do que eu só.

P/2 – Também em Curitiba?

R – Não, ela mora em Belo Horizonte. Ela casou-se com um mineiro, mora lá em Belo Horizonte. Eu moro em Curitiba há pouco tempo, né? É que nós temos herança lá em Curitiba, tinha o apartamento lá, minha família, meus primos. Então, agora, depois de aposentado, como minha atual mulher é gaúcha, eu mudei para lá, que fica mais perto. E eu tenho muitos parentes lá, tenho família lá também. Mas eu morei a maior parte da vida em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro. Eu morei muito tempo no Rio de Janeiro depois que eu ingressei na Vale do Rio Doce.

P/2 – E como é que foi a infância sua?

R – É, foi sempre assim, tumultuada pelas mudanças, meu pai era muito andejo, né? Ele mudava muito de lugar. (riso) Parava, ficava três, quatro, cinco anos num lugar, depois trocava para outro. Teve um tempo que de Curitiba ele mudou para o Rio, depois voltou para Curitiba, depois foi para a Acesita, depois foi para Itabira. Depois, quando ele se estabeleceu mesmo em Belo Horizonte, eu já era adolescente. Eu já estava com uns quinze, dezesseis anos, já estava terminando o científico. Aí que eu fui cursar Engenharia e tal.

P/2 – Mas, antes, voltando um pouco para a infância, quais são as lembranças da infância em Curitiba, do senhor?

R – São pouca coisa, eu lembro quando eu fui para a escola, comecei o curso primário lá em Curitiba. Tenho lembrança de alguns colegas e amigos do curso primário que eu fazia junto com minha irmã e meus primos, lá em Curitiba, perto lá de casa. Tinha a turma do curso primário lá, mas eu morei lá nesse tempo uns quatro anos, no início da infância, né? Depois nós fomos para a Acesita, onde eu completei o curso primário na Acesita.

P/1 – E na Acesita, o senhor em lembranças?

R – De Acesita eu tenho lembranças, mas até não são lembranças muito boas, não, porque eu fiquei lá só uns dois anos, depois como lá não tinha mais, o colégio era muito fraco no interior, eu fui interno para Belo Horizonte. Fui para o colégio interno. E, geralmente, a experiência de uma passagem para o colégio interno não é das mais agradáveis, não. Mas naquele tempo ainda existia, hoje nem existe mais, né? (riso) Felizmente acabaram. Mas eu passei um tempo no internato lá em Belo Horizonte porque não tinha outro jeito.

P/2 – E como é que é a rotina de um colégio interno?

R – Ah, era muito chata. Inclusive, eu peguei uma fase terrível, porque o colégio era um pouco mais liberal. no tempo que eu fui para lá. Era um colégio leigo, era um colégio de... Era um senhor assim... Aliás, o fundador desse colégio é figura conhecida, que é o Antônio Lara Resende, que é pai do Otto Lara Resende. Eu até conversei com ele depois de velho, ele disse: “Pô, agora virei pai do Otto.” E ele era uma pessoa muito religiosa e tal, mas como não era... O colégio era um pouco mais liberal na época que ele era o dono desse colégio do Padre Machado. Mas depois ele, por razões econômicas, eu não sei por que, quando eu estava no colégio interno, ele vendeu o colégio para os padres. Aí os padres resolveram dar uma atarrachada. Para começar, tiraram as moças, mandaram as moças embora. O colégio não tinha moças no internato, no internato era só homem. Mas na parte externa, do externato, tinha as moças e tal, que eram em número menor, mas sempre floreavam o ambiente. (riso) A primeira providência dos padres (riso) foi eliminar as moças, que hoje é proibido por lei, né? Hoje não pode ter esse tipo de discriminação, colégio só de homens. Ainda tive que gramar esse colégio lá mais alguns anos. (riso) O Colégio Padre Machado, inclusive, era um colégio interessante, porque eles apertavam muito na parte de línguas. Por exemplo, o latim era muito apertado, francês era muito apertado, português era razoável, mas matemática e física era muito fraco. E eu, já por tradição de família, meu pai era engenheiro, meus avós eram engenheiros, meus tios eram engenheiros, então: “Eu vou estudar Engenharia.” Mas aquele negócio não combinava muito, não. Mas “Não, ________ você tem que ficar aí mesmo.” Menino naquele tempo não apitava muito e a gente também não tinha muita noção da coisa, né? Quando eu saí do curso científico, eu disse: “Eu não tenho condição de encarar o vestibular.” (riso) Completamente inocente em física, matemática e tal. Aí eu fui fazer o curso Omar de Oliveira e em um ano eu tive que aprender tudo que não sabia de física, matemática, química... Em química até que o curso do colégio não era muito ruim, não. Tudo para poder passar no vestibular. E consegui passar. Quer dizer, o curso Omar de Oliveira era muito bom, aqueles cursos pré-vestibulares. Naquele tempo, acho que as turmas eram mais compactas, então, quando você pegava um professor bom feito era o Omar de Oliveira e mais dois ajudantes dele lá, eles conseguiam em um ano, com uma turma pequena, ensinar tudo que você não tinha aprendido em três ou quatro anos no colégio. Aí eu lembro que esse ano, no Omar de Oliveira, eu realmente aprendi física, matemática, química, tudo suficiente para passar no vestibular. Até passei bem no vestibular de Engenharia, ingressei no curso de Engenharia. Aí que começou uma coisa melhor, mais interessante. Já no curso de Engenharia, _____________ Engenharia de Minas.

P/2 – Mas o Instituto Padre Machado, como é que era, como é que funcionava? Vocês tinham hora para acordar? Hora para fazer o dever?

R – Ah, o internato é. O internato era um verdadeiro regime de prisão, né?

P/1 – (riso)

R – É, era um verdadeiro regime de prisão. Você ficava, acordava lá com a palma dos regentes: “Agora vai comer.” E tal. Bate palma para poder começar a conversar, bate palma para parar de conversar. É, o negócio era um regime de... Naquele tempo, a coisa... Hoje acho que as coisas melhoraram bem, mas eu ainda peguei um restinho de um regime brabo de internato.

P/1 – Você em casa teve educação religiosa em casa? A família era religiosa?

R – É, minha mãe é. Ela está viva ainda, mas já está bem decadente, tem 87 anos, já não está muito lúcida, ela sempre foi muito carola. E meu pai, acho que ele acompanhava aquilo, ele dizia que era religioso mais para agradar ela. Mas a família do meu pai era todo mundo agnóstico, o que era muito avançado naquele tempo. Então, eu, aos catorze anos, aderi (riso) ao agnosticismo da família paterna, para grande desgosto da minha mãe e do meu pai. Disse: “Não, esse negócio de igreja chega para mim. Ainda mais com aqueles padres barnabitos.” (riso) Afastei. Depois até me reaproximei. Hoje até tem coisas engraçadas, uma das pessoas mais interessantes da minha família é uma tia minha lá de Curitiba, que é uma freira de 91 anos de idade, perfeitamente lúcida, mas uma freira dessas que não existiam no meu tempo. Porque o pessoal era muito mais quadrado, depois houve essa abertura. Depois do João XXIII, a Igreja abriu. Agora que fechou de novo com esse Papa que está aí, né? Mas a Igreja criou um tipo de padres e freiras, religiosos que no meu tempo de infância não tinha. Era todo mundo muito quadrado. Hoje, não. Hoje existe uma abertura intelectual dentro da Igreja que essa minha tia, por exemplo, apesar da idade, ela entrou nesse ramo. Uma pessoa que é... Ela é mais liberal e mais fácil de conversar do que os leigos da família. (riso) Do que os leigos da idade dela.

P/2 – Agora, vocês ficavam no colégio interno, e quando vocês saíam para ver a família?

R – Ah, das férias, né? As férias eram ótimas. No tempo de férias ia para a Acesita, e eu vou para Itabira, né?

P/2 – Mas no período escolar, aos domingos?

R – Ah, nos domingos ia para a casa da minha avó, ou ia para a casa dos meus primos, e tal.

P/2 – Em Belo Horizonte?

R - Em Belo Horizonte, é.

P/2 – E qual era a diversão? Nos dias de folga fazia o quê?

R – Ah, sei lá. Tinha matinê. Não tinha muita coisa, não. Tinha brincar com os colegas, aquelas farras de rua ali. Não tinha muita diversão feito hoje tem, não. Acho que não.

P/2 – A sua avó morava em que região?

R – Ela morava em uma região bem central ali em Belo Horizonte. No Bairro dos funcionários.

P/1 – E a parte política? Teve algum tipo de educação política? Seu pai da UDN... Como é que é isso?

R – Não, eu era muito... No tempo de estudante eu era muito despolitizado, né? Eu não ligava para política. Era apolítico. Depois de formado e tudo, eu não tinha ligação nenhuma com política. Depois do Golpe de 1964 e por influência, inclusive, da minha primeira mulher, que era militante esquerdista, na fase de 1964, no Golpe de 1964, e tal. Depois de 64 e depois daquela época de 1968, aqueles anos brabos, aí que eu virei esquerdista. Para grande desgosto do meu pai, que era anticomunista ferrenho. (riso) “Meu filho virou comunista”. E justamente naquela época de perigos. Mas eu tinha, ficava na moita, não entrava, não expressava. O que era uma situação até muito angustiante, porque a gente não tinha nada para ler. Eu lembro que ficava lendo revistas estrangeiras, americanas e tal, para a gente poder ler alguma coisa, porque a imprensa brasileira era totalmente censurada. Então, durante aquela época dos Anos de Chumbo ali, de 1968 em diante, eu lembro que eu e outros colegas, inclusive, às vezes, da Vale, você percebia que as pessoas simpatizavam até com aqueles movimentos armados que existiam, de guerrilha e tudo, mas a gente tinha que tomar o maior cuidado. Era um perigo. Dentro da Vale mesmo, tinha coisas escritas lá. Os militares punham, eu lembro de coisas que eles punham escrito nos painéis lá, incentivando as pessoas a denunciarem qualquer coisa. Eu nunca tive envolvimento direto nenhum com nada daquilo. Mas era simpatizante, quer dizer, torcia para a oposição ao governo na surdina. O que, aliás, depois a gente via que era uma besteira, aqueles caras eram tudo uns porra-louca feito os gabeiras da vida. Tudo uns malucos que não iam conseguir fazer nada. E se eles tivessem tido alguma vitória ia ser um desastre, porque não estavam preparados para nada. Mas foram uns anos muito difíceis para quem não concordava com a orientação do governo. Então, a fuga era você voltar só para o seu trabalho. O que era até fácil, principalmente depois daquele governo do Médici, porque aquela época foi o tempo do Brasil grande, né? O tempo da implantação do Projeto Carajás e tudo. Então aquilo tudo era uma válvula de escape, porque a vida de um profissional feito eu e dezenas de outros na Vale do Rio Doce, era um trabalho assim, todo iniciante, né? Você tinha muita coisa para fazer e uma coisa que te envolvia muito, você ficava envolvido com esses projetos grandes feito o Projeto Carajás e pesquisa, essa coisa toda. Então tinha muito mais projeto interessante, eu acredito que tinha uma fase de progresso muito grande naquela época do Médici, então a gente até esquecia da política (riso), não dava bola para aquilo.

P/2 – Bom, depois que o senhor nivelou na física, na matemática, fez vestibular para quê?

R – Para Engenharia.

P/1 – E qual a universidade?

R – Na Universidade Federal de Minas Gerais.

P/1 – E como é que foi o vestibular ou a expectativa, esse momento?

R – O meu vestibular foi um caso muito interessante, porque eles mudaram o sistema de vestibular justamente na época, no ano que eu fiz vestibular. Eu fiz este curso preparatório, fiquei bom, fiquei craque em física, matemática, essas coisas, aí fui fazer vestibular. Aí tinham mudado o regime, não tinha mais prova oral, eliminaram a prova oral. Foi o vestibular de menor aprovação que já teve até hoje. Tinha acho que 150 vagas, passaram 44. Eu fui um desses 44. O curso de Minas e Metalurgia, tinha vinte vagas, só passei eu. Passei sozinho no vestibular. (riso) Mas aí eles tiveram que fazer outro vestibular. Porque foi por causa da mudança de sistema.

P/2 – Além da prova oral, tinha outra coisa que diferenciava? Como é que era isso?

R – Não, só tinha a prova escrita, tiraram a prova oral do vestibular. Aí só tinha a prova escrita, como é hoje. Mas foi a primeira vez na Universidade Federal de Minas Gerais que eliminaram a prova oral e mudaram todo o sistema de vestibular. Então aquela turma, que já vinha há mais tempo e tal, não estava preparada para aquilo. Eu acho que eu fui beneficiado por duas coisas. Uma, porque eu estava tranqüilo, eu estava achando que não tinha obrigação de passar. Eu achava que eu ia fazer aquilo, tinha me preparado, tinha estudado muito e tudo, mas estava absolutamente tranquilo porque eu avisei lá para o meu pai, disse: “Olha, eu acho que não vou passar, eu tenho que me preparar mais”. Mas eu estava preparado. Mas achava, pessimistamente, assim, que não ia passar. Então eu fui absolutamente tranquilo. E outra é que o pessoal todo estava já se preparando para aquele tipo de vestibular que mudou completamente. Eles mudaram a sistemática toda, né? Então aquilo me beneficiou de alguma forma. Tanto que eles tiveram que fazer outro vestibular. A aprovação, não era possível ter 150 vagas e eles botarem só 44 alunos. Aí fizeram outro vestibular e preencheram essas vagas, para completar.

P/1 – Eu queria perguntar um pouquinho desse período. O senhor chegou a morar em Itabira um tempo?

R – Ah, eu morei em Itabira muito tempo, é. Aliás, foi um tempo que eu estudei até no ginásio em Itabira. Eu estive interno nos dois primeiros anos de ginásio, depois eu fui para Itabira, estudei no ginásio de Itabira. Depois eu voltei para Belo Horizonte, para o Instituto Padre Machado, para o científico. Em Itabira só tinha ginásio. Eu estudei dois anos no ginásio de Itabira. Isso foi em 1950, no começo da década de 1950.

P/1 – E como é que era Itabira nesse momento, como foi essa passagem por lá?

R – Ah, eu gostava de Itabira, era um lugar, era muito interessante. Era uma cidade muito diferente de hoje. Talvez, o que lembra Itabira... Itabira daquele tempo era parecida com algumas cidades históricas, tipo Tiradentes ou Diamantina. Hoje Itabira está completamente transformada. Naquele tempo não existia essa ideia de urbanização e tal, eu acho que Itabira foi destruída, a parte histórica de Itabira que podia ter sido preservada, como é a de Ouro Preto. Ouro Preto foi uma cidade que teve uma sorte danada nesse aspecto, né? Porque ficou preservada a parte histórica. Mas Itabira sofreu um progresso muito rápido numa época em que não existia essa ideia de conservar as coisas antigas. Então destruíram a cidade antiga quase toda. Aquelas ruas calçadas de minério de ferro, o minério de ferro foi tirado e vendido para a Vale do Rio Doce. A Vale do Rio Doce vendeu o calçamento de Itabira, o que eu acho hoje... (riso) Pelo menos algumas daquelas ruas calçadas de minério de ferro tinham que ser conservadas como atração turística, né? (riso) Se existisse a ideia que existe hoje de preservação das coisas antigas, aquele núcleo histórico de Itabira podia ter ser preservado, conservado e recuperado, como foi Ouro Preto, sem deixar da cidade progredir. Porque tinha muito espaço em volta para fazer a expansão da cidade. Não precisava destruir o núcleo histórico para fazer a expansão ali mesmo, para refazer a cidade nova em cima da velha. Mas isso é uma ideia muito nova, naquela época não existia.

P/1 – E os calçamentos eram de minério de ferro?

R – As ruas eram todas calçadas de minério de ferro, né? Porque era a única pedra que existia. Itabira tinha tanto minério de ferro, que a única pedra disponível em grande quantidade ali para fazer o calçamento da cidade, para fazer os alicerces das casas e tudo, era minério de ferro. A cidade era toda feita, tudo que era pedra em Itabira era minério de ferro. Então, o calçamento das ruas era de hematita, as bases das casas era de canga, que é um minério mais mole um pouco, mas que serve para a construção. Era a pedra disponível (riso), não existia outra. E aquilo, aquele minério de ferro foi todo tirado e vendido. A prefeitura arrancou o calçamento e vendeu para a Vale do Rio Doce exportar. Foi tudo exportado. (riso) Era ideia que hoje daria manchete, patrimônio histórico berrando e tal. Mas na época não existia nada disso.

P/1 – Quando você estava lá, o Pico do Cauê estava lá ainda?

R – Eles já estavam começando a cortar a parte de cima, né? Mas estava lá ainda. Mas já estavam começando a cortar, a abaixar o Pico do Cauê.

P/1 – O senhor morava onde em Itabira?

R – Não, eu morava onde o meu pai morava, onde é a Vila da Conceição. Até hoje é onde moram os funcionários lá de Itabira. Morava ali na Vila da Conceição, que é fora da cidade. Mas a gente ia muito, o ginásio que eu estudava era no centro da cidade. No centro da cidade de Itabira.

P/1 – Havia uma relação entre pessoas da Vale e de Itabira? Mantinham relações, se encontravam e tal?

R – É, ali sempre tem. O pessoal de Itabira sempre teve um problema de amor e ódio com a Companhia, né? Porque é uma relação conflituosa do pessoal da cidade com o pessoal da Companhia. Porque a Companhia, como é uma coisa muito grande em relação à cidade, ela traz um monte de gente de fora. A maioria dos grandes, dos altos funcionários, não são de Itabira. São muito poucos que são de Itabira. Mas isso porque a cidade é pequena para fornecer os quadros que a Companhia precisa. Eu me lembro de itabiranos nativos, de famílias nativas de Itabira, tradicionais nativas e que chegaram a altas posições na Vale do Rio Doce, eu me lembro de dois. Provavelmente, talvez existam mais. Mas eu me lembro de dois só que ingressaram na Vale. Mas isso é por causa de... A cidade era pequena para fornecer os quadros que a Companhia precisava. Então o pessoal todo era revista. E o pessoal tradicional da cidade olhava aquilo: “Pô, tinha que dar mais prestígio para o pessoal da terra.” E tal, mas isso... Eu acho que hoje isso tudo foi meio... Talvez naquele tempo era pior, a politicagem era mais quente. (riso)

P/1 – E o período de faculdade, como é que foi?

R - O período de faculdade foi bom. Foi uma época agradável lá em Belo Horizonte. Belo Horizonte era uma cidade muito melhor do que é hoje. Uma cidade bem menor, tudo arborizado, uma cidade mais tranquila do que é hoje. Então foi um período muito bom. Fiz boas companhias, boas amizades, inclusive, eu fui colega de turma do Francisco Schettino, que depois foi Superintendente, foi Presidente da Vale. Nós éramos colegas de turma, o curso de Minas e Metalurgia era um curso bem pequeno, era um grupo bem reduzido. Eu lembro que nós entramos doze no primeiro ano e formamos seis, só. (riso) Dois desistiram e mudaram para outros cursos, outros se perderam pelo caminho. Nós formamos só seis no ano que eu terminei o curso, em 1961. Mas aí eu resolvi fazer umas aventuras e tal, fui para o Amapá. Eu podia até... Era fácil ingressar na Vale do Rio Doce naquela época. Mas como meu pai era funcionário graduado da Vale, ele não estava em Itabira, estava em Belo Horizonte, eu achei que era melhor não entrar na Vale. O Schettino entrou direto na Vale. O Schettino saiu do curso, onde nós éramos colegas, e foi para Itabira. Mas eu não quis entrar na Vale do Rio Doce, porque eu achei: “Não, o meu pai é funcionário aí, é melhor eu sair fora dessa, não ficar embaixo da...” Aí fui lá para a Icomi, no Amapá, trabalhei dois anos lá. Depois voltei para Belo Horizonte, trabalhei na Mannesmann quatro anos. Depois que já tinha uns seis anos que eu trabalhei na Icomi e na Mannesmann, é que... Sempre tinha oportunidade na Vale. A Vale naquele tempo admitia, estava sempre recrutando. (riso) Era a época de grande expansão, foi justamente... Politicamente, eram os Anos de Chumbo, mas, economicamente, o Brasil estava... Principalmente depois da década 1970, né? Eu entrei na Vale em 1967. Naquele período já estava começando a preparar a grande expansão do Brasil grande.

P/2 – O Icomi foi o primeiro trabalho?

R – É, eu trabalhei na Icomi, dois anos lá. Eu era assistente do engenheiro de pesquisa, do chefe da mina lá, que era um espanhol, Manolo Rico. Uma figura muito interessante. Depois ele foi trabalhar na Icomi, no pico de itabirito. Eu encontrei com ele muito tempo depois em Belo Horizonte, a gente ficou amigo, né? E eu trabalhava na Mannesmann e ele trabalhava na Icomi do pico de itabirito. Lá não chama Icomi, mas é a mesma empresa do Grupo KM, ali, né? Ele trabalhava na mina do pico de itabirito. E eu trabalhava ali na Mutuca, a gente sempre se encontrava. O meu primeiro chefe foi... Eu lembro muito que quando eu fui lá para o Amapá, ele tinha pedido um engenheiro recém-formado: “Pô, mas me manda aqui um Francisco Franco?” (riso)

P/1 – (riso)

R – Ele era fugido, ele tinha saído da... (riso)

P/1 – Da Espanha?

R – Da Espanha, fugido do Francisco Franco Bahamonde, “caudillo de España, por la gracia de Dios”, né? Aí é que eu me dei conta do meu nome, eu nunca tinha prestado atenção nisso. Como eu era desligado dessas coisas, eu nunca tinha prestado atenção que o meu pai tinha me posto o nome de Francisco Franco. Depois, conversando com a minha avó, porque o Franco é nome da minha família, a minha mãe chama... O meu avô chama Francisco Franco. Mas depois minha avó me contou que. quando eu nasci, puseram o nome de Francisco Franco e que meu avô não gostou. (riso) Eu acho que meu avô não era simpatizante do Franco. Eu não conheci meu avô, que quando ele morreu eu era muito novo. Mas minha avó me contou que ele: “Pô, que ideia do Chichico.” Ele chamava meu pai de Chichico, “Ideia do Chichico botar Francisco Franco no menino”. E isso foi justamente em 1937, quando o Franco Bahamonde, o Francisco Franco Bahamonde lá da Espanha, estava no auge. “Não, mas é por causa do Doutor Artur.” Que era o Artur Franco, meu avô. “Então põe Francisco Artur.” (riso) Minha avó me contou isso depois. E só me despertou quando eu fui trabalhar com esse Manolo Rico, que era um espanhol fugido do Franco lá da Espanha. (riso)

P/1 – E você tinha ideia de como era o Amapá?

R – Não, eu fui lá de aventura, assim... Ir para a Amazônia naquele tempo foi uma experiência muito interessante, né? Inclusive, a gente comparando, que eu trabalhei depois no Carajás, realmente a situação lá no Amapá era completamente diferente. Quando eu comecei a trabalhar no Carajás, a gente imaginava que ia ser uma coisa daquele tipo. Que na Icomi nunca houve aquela invasão populacional em volta. Então tinha aquela mineração de manganês, que já se esgotou e tudo, as ferrovias, o porto, a operação semelhante à de Carajás, só que em uma escala muito menor. Muito mais rentável, porque o minério de manganês é uma coisa de alto valor. Mas ali nunca houve nenhum estrago na floresta, pelo menos naquela época, agora não sei, né? Porque a mineração fazia um estrago só reduzido, ali. Fazia aqueles buracões ali, mas a floresta em volta era intocada, né, uma beleza! Quando a gente começou Carajás, eu imaginava que seria uma coisa semelhante, mas já estava havendo aquela invasão toda de pessoal que vai para tirar madeira, para fazer pastagem e tal. O que realmente faz estrago na floresta são os madeireiros e o pessoal da pecuária, o pessoal que depois vai transformar aquilo em pastagem. A mineração até pode funcionar como uma força de proteção de uma área de floresta. Eu acho que lá em Carajás está acontecendo isso. Quer dizer, o poder da Vale do Rio Doce ali domina aquela área em volta e evita que uma área de floresta ali seja toda derrubada. Protege uma área de floresta ali em volta das minas que funciona até como uma espécie de poder de proteção de alguma floresta ali. Mas eu imaginava que Carajás seria uma coisa tipo uma Icomi grande. Mas aí a Amazônia já estava sendo toda invadida pelos madeireiros e os pecuaristas. Hoje, a mineração é muito acusada de fazer estrago ambiental e tudo, mas o estrago ambiental da mineração é muito localizado. O impacto geral da mineração é muito pequeno. O grande impacto é a ocupação do solo.

P/1 – A penetração, né? Mas como foi o senhor chegando ali? Quer dizer, como que o senhor chegou no Amapá?

R – Nessa época, eu tinha 24 anos de idade. (riso) Aquilo para a gente era uma aventura, eu estava procurando, realmente, aventura. Agora, depois de ficar dois anos lá... E ali era um ambiente muito bom para quem era, por exemplo, recém-casado, e ia para lá com filhos pequenos e tal. Podia ficar lá uns dez anos, porque você ganhava bem e não gastava nada, então era um lugar para você fazer um pé de meia, porque vivia por conta da empresa, na casa da empresa, comida era barata, ________ mercado da empresa, e tal. Gastava só com comida, não tinha nem onde gastar, né? (riso) Você era obrigado a guardar o dinheiro que ganhava. Isso era muito bom. Mas para as pessoas solteiras, nós éramos muito poucos solteiros lá, aquilo acabava virando um ambiente assim, depois de um ano, menos de um ano, aquilo ficava um ambiente muito opressivo. Porque você convivia só com aquele grupo o tempo todo. O mesmo grupo com que você trabalhava, você almoçava e depois ia tomar cerveja com eles depois do serviço. Depois, quando tinha alguma festinha lá, ou ia ao cinema, era aquele mesmo grupo, era um grupo tudo muito fechado. Mas era um grupo colocado ali artificialmente. É o problema deste tipo de comunidade isolada, você fica imaginando que aquilo é... Porque aquilo não funciona como uma tribo. Uma tribo de índio, ela tem uma estrutura própria ali de família, tradição, aquela coisa antiga. Então funciona aquela comunidade pequena, isolada, e o pessoal vive bem ali e é feliz ali. Mas você pegar um monte de gente de uma porção de lugar e juntar, feito era lá na Serra do Navio ou em muitas outras comunidades. Eu sei que isso acontece em usinas hidrelétricas isoladas, em outras minerações isoladas lá no Trombetas deve ter esse tipo de problema. Em Carajás, não, porque o Carajás já ficou uma coisa maior e mais ligada. Então essas comunidades isoladas assim são um ambiente meio complicado, um ambiente social muito tenso, complicado. Tem gente que se adapta, mas para um rapaz solteiro igual eu assim, a maioria dos que iam lá ficavam solteiros, ou arrumavam um casamento e ficavam mais tempo, ou, então, no fim de um ano dois anos, saíam fora. Eu ainda fiquei lá uns dois anos. (riso)

P/1 – Mas você tinha períodos de folga? Vocês folgavam?

R – Não, a gente ficava lá direto, só saia nas férias. E era um lugar totalmente isolado, porque você só ia de ferrovia. O único acesso era a ferrovia, não tinha nem estrada de rodagem. Só ia de ferrovia. Não tinha aeroporto e não tinha estrada de rodagem. Mas eles tinham uma infra-estrutura fantástica, a Icomi era uma empresa muito rentável, então eles mantinham um hospital lá que era um hospital avançadíssimo. Levavam grandes cirurgiões para lá, pagavam bem, médicos muito bons para atender lá e tudo. Era um negócio muito... Era uma cidade de altíssimo padrão no meio da selva amazônica. Agora, outro dia eu vi até na televisão sobre aquilo lá, mas eu acho que acabou completamente, né? Tem ainda até ferrovia, mas acabou completamente.

P/1 – O trabalho do senhor lá, qual era?

R – Eu era assistente desse Manolo Rico, que era o chefe da mina.

P/1 – Mas o dia a dia do senhor em termos de trabalho?

R – Não, o dia-a-dia era controle de produção, controle de qualidade de minério, eu fazia planos de lavra, era o trabalho de mineração mesmo rotineiro, de plano de lavra, de controle de produção.

P/1 – Carregamento?

R – Operar máquinas e tal, ver condições de manutenção das máquinas. Era um trabalho bem rotineiro, assim.

P/1 – Aí o senhor sai de lá em que contexto?

R – Não, aí eu saí de lá, fui para a Mannesmann. A Mannesmann tinha uma mineração perto de Belo Horizonte, perto da usina. Mas a Mannesmann era uma mineração bem pequenininha. Só tinha dois engenheiros lá, eram eu e um outro. Era uma mineração pequenininha. Era eu e um outro engenheiro alemão. E eu gerenciava lá a parte de extração de minério, mas era uma mina pequenininha. Tinha uma escavadeira, tinha duas perfuratrizes, os caminhões alugados e um britador, era uma coisa de uma escala bem pequena. Ali tinha mais aquele trabalho administrativo, admitir pessoal, tirar pessoal e fazer alguma coisa de cálculo de fogo, de desmonte rocha, a parte técnica era relativamente simples. E tinha o alemão lá, que era o chefão que mandava em tudo, ele nem deixava a gente entrar na parte técnica, não. Só depois que apareceu o outro alemão, que começou a encrencar com ele, fazer críticas a ele, e tal. Mas a gente entrava na parte técnica, porque os dois alemães mais seniores lá, nessa época eu tinha 27 anos, eram os que decidiam tudo. A gente só fazia o que eles mandavam. Quando eu comecei a trabalhar mesmo mais tecnicamente, foi quando eu ingressei na Vale do Rio Doce, que eu fui trabalhar já com a ideia de trabalhar em projetos, trabalhar em pesquisa, projetos e tal.

P/1 – E como o senhor se divertia, o que o senhor fazia...

R – Ali no tempo da Mannesmann. Ah, aí, bom... Aí eu estava em Belo Horizonte, uma cidade grande. Ali era um lugar até privilegiado para um engenheiro de minas, porque o engenheiro de minas em geral tem que ir para um lugar mais...

P/2 – Afastado...

R – Tipo os Carajás, os Trombetas da vida, né? E aquelas minerações que tem perto de Belo Horizonte, os engenheiros de minas ali são privilegiados, o pessoal que trabalha na IBR, na Mannesmann, quer dizer, moram em Belo Horizonte e trabalham em mineração, né? Então era a vida normal de cidade grande, vida normal de cidade grande. Foi aí que eu conheci minha primeira mulher, casei e tal nessa época, né?

P/1 – Foi nessa época que o senhor conheceu ela?

R – É.

P/1 – Ela é mineira?

R - Ela é mineira. Inclusive, a família dela é de São João del Rei, da terra do meu pai. E depois que eu conheci ela, já estava namorando ela, foi que eu soube que ela era até conhecida antiga, a família dela era conhecida antiga da família do meu pai. Eu fiquei sabendo depois. (riso)

P/2 – E a saída da Mannesmann?

R – Não, a saída da Mannesmann, aí eu já estava meio insatisfeito lá, estava querendo mudar e resolvi passar um tempo sem trabalhar. Pedi demissão, saí e fiquei uns seis meses sem trabalhar. Naquele tempo a gente ganhava bem mais do que hoje, então dava para fazer um pé de meia, eu sempre fui mais ou menos controlado, juntei com um colega meu, fui viajar uns três ou quatro meses na Europa para (riso) torrar o dinheiro, torrar alguma economia, mas aí já tinha uma perspectiva de trabalhar na Vale do Rio Doce. Já tinha resolvido trabalhar na Vale do Rio Doce porque a Vale do Rio Doce estava sempre admitindo. Eu já tinha conversado com o Romeu do Nascimento Teixeira, que era Superintendente de Desenvolvimento, alguma coisa assim, não sei qual era o título, mas ele era responsável pela parte de desenvolvimento da Vale. Meu pai, nessa época, era assessor de pesquisas lá. Mas ele não tinha sido aposentado, não era aposentado ainda, mas já estava assim, meio no desvio. Já estava mais idoso, já estava mais no desvio. Aí meu pai já tinha me encaminhado lá para o Romeu para conversar com ele, já tinha conversado, feito entrevista com o Romeu, e eles estavam recrutando gente, e se eu quisesse trabalhar na Vale, tinha muita oportunidade. Naquele tempo era o contrário de hoje, (riso) eles iam atrás dos profissionais. As empresas tinham que buscar os profissionais, quando queriam alguém, tinham que sair catando. Aí eu fui trabalhar em projetos na Vale do Rio Doce, na parte de projetos de mineração. Depois na parte de pesquisa, de laboratório, ligado à parte de pesquisa do laboratório do quilômetro catorze, que eles estavam fazendo pesquisa, naquele tempo ainda estavam fazendo pesquisa de itabirito, de concentração de itabirito.

P/1 – Antes de entrar na Vale, conta um pouquinho como é que foi essa viagem pela Europa, aí.


R – Ah, isso foi aventura com um colega meu. Uma coisa de moço. Em geral tem... Hoje talvez seja barato, o pessoal viaja mais para o exterior, viagens mais curtas assim, mas mais programadas, né? Naquele tempo era uma aventura, mas sem programação, não tinha tanta organização as viagens. A gente comprava um livro que se chamava Europa, cinco dólares por dia. Hoje eu vi que tem Europa, cinquenta dólares por dia, tem esse livro. Só que em vez de cinco, agora é cinquenta. Naquele tempo, se chamava Europa, cinco dólares por dia. Você conseguir ficar em Paris com cinco dólares por dia, eu vou te contar... Só comendo pão e água e dormindo naquele lugar que não tem banheiro nem nada. Mas conseguia. (riso)

P/2 – Conheceu a França, conheceu que outros países?

R – Só a França, Itália, Espanha, Portugal, Alemanha, Inglaterra, só. Viajamos por lá.

P/2 – Pro leste europeu, não?

R – Não, o leste europeu eu fui, eu fui duas vezes a Rússia depois, já como empregado da Vale, a serviço. Aliás, as viagens mais interessantes que eu fiz na vida foram para a Rússia, porque era um lugar completamente...

P/2 – Por quê?

R – Ah, porque era uma coisa diferente, né? Você nunca tinha... Bem diferente, né? (pausa) Aí eu fui duas vezes à Rússia, já a serviço, isso quando já estava trabalhando aqui no rio, quando já era da Docegeo, já era Diretor da Docegeo. Fui até com o Breno em uma das vezes. Quando a Vale estava começando a querer fazer negócio com a Rússia. ________________.

P/1 – Seu pai, de alguma forma, pressionava você para entrar na Vale ou não?

R – Não, não. Ele sempre procurava não me influir, não. Nisso ele tinha uma postura até muito correta, ele procurava não... Porque ele era uma pessoa muito carismática, ele influía muito nas pessoas, então era uma pessoa bem interessante. Mas ele procurava não influir muito, me deixar fazer o que quisesse. (riso) Eu que fui porque gostava, me interessava, tinha o Schettino lá, que era colega, tinha outros contemporâneos formados depois que já estavam na Vale, tinha muitos contemporâneos de escola na Vale, e eu resolvi ingressar na Companhia.

P/2 – Agora, segundo aqui, participou de pesquisas de concentração de itabirito? O que é, para quem não sabe? Poderia explicar?

R – Olhe, esse trabalho, eu acho que foi o trabalho mais importante. Porque o trabalho de pesquisa, tanto de... Eu acho que qualquer tipo de pesquisa, em qualquer área... Mas nessa parte mineral, o trabalho de pesquisa é o negócio que eu fiz mais tempo na Vale, essa pesquisa geológica e pesquisa tecnológica. É um trabalho muito diferente dos outros, inclusive tendo dificuldade de relacionamento com a parte de operação, porque está todo mundo dominado por essa mentalidade econométrica e tal de fazer conta, de retorno de recursos, essas coisas de financeira, e o trabalho de pesquisa não se enquadra nisso. O trabalho de pesquisa é absolutamente essencial, uma empresa que não faz pesquisa acaba se estrepando a longo prazo, mas, por outro lado, não dá para você fazer ali uma conta econométrica com ele, né? Porque, às vezes, você com um trabalho relativamente pequeno e fácil, você tem um resultado fabuloso. Fabuloso em termos comerciais, né? Outras vezes, você trabalha anos e anos e anos, gasta um dinheirão numa pesquisa e tem que abandonar tudo porque aquilo se revela inviável. (riso) E o pessoal operacional não entende essa característica, aí fica: “Não, porque o pessoal fica lá fazendo masturbação mental, brincando.”E não sei o quê. Mas isso é da essência do trabalho de pesquisa. Eu posso citar dois casos dos dois maiores projetos de pesquisa que teve lá no laboratório do quilômetro catorze no começo. Um foi esse, de itabirito, né? Que foi, inclusive, por iniciativa do meu pai. Na época, meu pai era praticamente o único engenheiro sênior de minas, engenheiro de minas sênior. Tinha engenheiros civis, engenheiros eletricistas, tal. Mas engenheiro de minas sênior na Vale do Rio Doce, ele era praticamente o único. Tinha mais uns dois ou três lá, mas eram muito jovens. Isso no tempo que eu ainda era estudante, estava começando com engenharia. E ele foi o primeiro que viu esse negócio: “Não, precisa concentrar itabirito, precisa estudar a parte concentração de itabirito, e tal.” Porque, como engenheiro de minas, ele viu aquela enorme massa de itabirito cobrindo a jazida de minério rico. Então, você tinha que tirar aquilo fora para alcançar o minério rico. E aquilo não era considerado minério, mas podia ser concentrado. Mas para concentrar não existia um método assim em outros lugares, era um minério que só existia ali. Os minérios que se concentravam nos Estados Unidos eram completamente diferentes, as práticas americanas eram completamente diferentes porque os minérios lá eram muito diferentes. Então tinha que desenvolver um método para concentrar o itabirito. Então esse laboratório de pesquisa foi feito, inicialmente, para isto. E este projeto foi fundamental para a Vale do Rio Doce. Quer dizer, se não tivesse descoberto e desenvolvido este método para concentrar o itabirito, a Vale do Rio Doce tinha ficado engasgada ali naquela época, porque ficava aquela massa de minério ali que não era aproveitável, a produção ia ter que diminuir muito, ia ser um gargalo para a empresa. Então, esse projeto de concentração de itabirito foi essencial na época. E isso começou muito antes de eu entrar na Vale, eu participei do finzinho dele. Os principais protagonistas foram... Meu pai começou e o Márcio Paixão, não sei se vocês entrevistaram o Márcio Paixão, o Márcio Paixão é que trabalhava nesse negócio. E isso teve um resultado fundamental para a vida da empresa e para a continuidade da empresa. Isso mostra como é essencial o trabalho de pesquisa. Agora, para mostrar aquele outro aspecto que eu falei, de que às vezes você gasta um dinheirão num projeto que depois se revela inviável, é o projeto, por exemplo, de titânio, que a Vale do Rio Doce... Foi um outro grande projeto que acho que gastou mais tempo e mais dinheiro do que o de concentração de itabirito, demorou muito mais anos, foi muito mais complicado, demorou mais tempo, se gastou muito mais dinheiro, muito mais gente, foi uma coisa muito maior e que não deu em nada. Quer dizer, a direção da Companhia concluiu que aquilo era economicamente inviável. E eu mesmo acho que é. O Márcio Paixão, por exemplo, ele defende aquilo porque ele se envolveu demais. Mas eu acho que aquilo não era viável, realmente. Mas estava no começo, todo mundo acreditava, porque a Vale tinha adquirido uma enorme jazida de titânio, que é umas das maiores do mundo, muito fácil de minerar e tudo, lá no Triângulo Mineiro, uma região uma beleza, muito boa e tal. Mas o minério era muito complicado, tinha muita impureza. A parte mercadológica, de venda, era muito complicada, por exemplo, tinha poucos compradores, o mercado é dominado pela Dupont e mais umas duas grandes empresas. Não é feito minério de ferro, que você sai vendendo aí pelo mundo: “Quem quer comprar?” Chinês compra, coreano compra, não sei quem compra, vende para dezenas, centenas de compradores. O titânio, você tem só uns dois ou três compradores, um negócio muito mais complicado, você tem que competir com outros minérios que vêm da Austrália e que têm uma qualidade natural já muito mais fácil, então aquilo se revelou inviável. E a Vale gastou um tempão e um dinheirão com aquele projeto, mas sempre havia aquela esperança. Até chegar à conclusão de que realmente era inviável, demorou muito tempo. Isso, então, mostra a dificuldade da pesquisa. Quando que você vai dizer que aquilo não é viável? É difícil, né? Você fica na dúvida.

P/1 – Quando o senhor entrou no projeto de pesquisa da concentração de itabirito? Em que momento o senhor entrou?

R – Ah, quando eu entrei já estava bem adiantado. Eles tinham encomendado as máquinas já em escala industrial e fizeram uma planta-piloto, em Itabira, com uma máquina já em escala industrial. Porque esse projeto foi um pioneiro em escala mundial. Eles adaptaram um tipo de concentração que existia em escala menor na Austrália e que tinha sido desenvolvido por um inglês lá, adaptaram para a concentração de itabirito, mas já encomendaram uma máquina em escala industrial numa empresa da Alemanha e instalaram em Itabira, numa planta-piloto em Itabira. Nessa época foi que eu entrei já. Mas eu entrei como engenheiro júnior lá, como engenheiro ajudante. Mas eu lembro dessa planta-piloto, que já tinha a máquina em escala industrial que comprovou que a coisa era viável. Inclusive, tinha consultores americanos que foram trazidos pela direção da Companhia. Alguns diziam: “Não, isso aí é maluquice, não vai dar certo.” Não sei o quê. O pessoal não acreditou naquele negócio porque era uma coisa inovadora em escala mundial. Os americanos faziam muita concentração de minério de ferro, mas o minério deles é completamente diferente. O minério deles é muito pior que o nosso, muito mais difícil de concentrar, mas a parte de separação é mais fácil porque eles têm o mineral magnético, né? Eles têm a magnetita, que é o mineral magnético. Então aquilo é mais fácil de separar, embora a preparação do minério seja muitíssimo mais cara, muito mais complicada. Mas, da parte final de separação, como o mineral é magnético, é mais fácil. E o nosso mineral é pouco magnético, hematita. Então se usou esse processo de alta intensidade para poder separar por processo magnético. E eles não acreditavam, eles achavam que tinha que ser por flotação, que é uma coisa muito mais cara, muito mais complicada, e essa máquina lá que comprovou que dá para fazer a separação magnética da hematita também. E é o que tem lá em Itabira até hoje.

P/1 – Como é que era, de um modo geral, essa questão da pesquisa na Vale? Como é que você conseguia comprovar ou provar que era necessário fazer pesquisa, esse intercâmbio entre...

R – Não, isso era diante de um problema que aparecia. Esse do itabirito foi claro. No começo da mina do Cauê, o itabirito estava aflorando, era uma verdadeira pedreira, né? E isso, inclusive, criou uma mentalidade, porque como os principais dirigentes da empresa eram engenheiros civis e engenheiros ferroviários, aquela mina era muito fácil, aquela mina era como tirar granito do Pão de Açúcar. Era só chegar e tirar, não tinha a menor dificuldade. Mas depois que aquilo começou a baixar e que aquela parte de cima saiu, o resto do minério mergulhava embaixo deste corpo de minério que tinha que ser concentrado, e aí que a coisa começou a complicar. Aí, o que vai fazer com esse minério de baixo teor, com esse itabirito? Tirava e estocava? Mas era muito mais minério de baixo teor do que minério rico. Então aí que começou: “Vamos ter que dar um jeito de concentrar isso, de transformar isso num produto vendável, num minério vendável.” E aí que vieram esses anos de pesquisa para se chegar nessa planta de concentração de itabirito que permitiu uma expansão enorme da mineração de ferro em Itabira.

P/1 – Esse foi o primeiro trabalho do senhor dentro da Vale?

R – Não, eu participei. Eu participei desse trabalho. Depois, o meu trabalho mais interessante, mais motivante mesmo, foi quando eles montaram depois da descoberta de Carajás, que foi descoberta pela United States Steel, pela Meridional, né? Mas aí eu lembro que, quando chegou a notícia da descoberta de Carajás, eu estava participando desse negócio, nós lá na Vale do Rio Doce ficamos: “Pô, mas nós somos babacas! Os gringos descobrindo jazidas lá na Amazônia e nós aqui sentados.” (riso) Mas aí Carajás se revelou uma coisa tão grande, que teve uma figura aí que foi fundamental para segurar, para que a Vale entrasse em Carajás, que foi o Moacir, o lá do DNPM. Como é que ele chamava? Francisco Moacir Vasconcelos, ainda é um diretor do DNPM. E ele simplesmente barrou o negócio: “Não, o DNPM não vai conceder isso para a United States Steel porque a jazida é grande demais, mais de metade do minério de ferro de alto teor do mundo está ali. Só uma jazida ali tem mais do que o mundo inteiro de minério de ferro de alto teor.” Aí forçou essa associação da Vale com a United States Steel para fazer a Amazônia Mineração, que foi a empresa inicial lá. Depois acabaram com a Amazônia Mineração. Aí, quando a Amazônia Mineração já estava fazendo a pesquisa lá e tal, formaram um grupo para fazer o primeiro estudo de viabilidade. Isto já em 1970, início da década de 1970. Carajás foi descoberto em 1967. Aí teve a primeira fase lá, de sondagem e tal, no início da década de 1970, formou o primeiro grupo para fazer estudo de viabilidade para a parte de engenharia, de estimativas de custos e tal, para o Projeto Carajás. Aí saíram recrutando quem queria fazer parte desse grupo, aí eu fui um dos que se candidataram, né? E vim para o Rio nesta época. Isso realmente foi, profissionalmente, a melhor experiência da minha vida. Isso foi realmente uma experiência espetacular, foi nos Anos de Chumbo ali da década de 1970, dos anos do Médici, né? Mas juntou um grupo ali... A gente aprendeu muito, porque era um grupo misto da United States Steel com a Vale do Rio Doce. A língua oficial era o inglês. O chefão era brasileiro, mas eles escolheram um cara... Aliás, não sei se vocês falaram com ele, o Mário Costa Braga?

P/1 – Estamos tentando ainda.

R – Vão falar com ele, né? O Mário Costa Braga era um engenheiro muito competente, e um inglês perfeito, né? (riso) Um brasileiro que falava inglês melhor do que americano, então ele ficou de chefe. (riso) E fez aquele grupo misto de brasileiros com americanos. Aquilo foi uma experiência, nós trabalhamos anos ali e foi uma experiência sensacional. Por trabalhar junto com os americanos, num projeto muito interessante, a gente aprendia muito da metodologia americana. Realmente, a gente tem que tirar o chapéu, porque se eles estão lá na frente, é porque são competentes em matéria de organização e de fazer, saber trabalhar. Aí é que a gente via como é que a gente era amador. (riso) Hoje já não se vê tanto isso, mas naquele tempo a gente via o amadorismo do profissional brasileiro em relação ao profissional americano.

P/2 – Quais eram essas diferenças, lembra?

R – Ah, o principal era em termos de organização. Realmente, em termos de método, eles já vinham com aquilo tudo, já tinham tudo programadinho, não improvisavam nada. (riso) Eles já vinham com aquilo tudo programadinho. Eu lembro que a gente, para escrever... O problema de escrever... A gente, engenheiro, não gostava de escrever, né? Não gostava de fazer relatório. Às vezes, tinha gente muito competente, que sabia tudo e era competente e tal, mas, para sentar e escrever relatório, era uma dificuldade. Ninguém queria saber de escrever relatório, era um saco esse negócio de escrever. Isso é coisa de jornalista. E americano não tem isso, tem que escrever tudo, tem que ser relatado e bem redigido e tal. Já vieram de lá com uma dona, que era uma espécie de uma chefe de redação. (riso) E ela tinha que... Tudo tinha que ser escrito, tudo tinha que ser mandado para ela, ela via se o negócio estava bem escrito e tal, questão de método. Aí que eu me dei conta. Tem que escrever tudo, se você não deixar tudo escrito e registrado, a coisa acaba se perdendo. Não adianta você fazer. E isso foi uma coisa fundamental que a gente aprendeu com eles, essa parte de ser tudo registrado, organizado, né? E a grande vantagem é que todo mundo, depois de dois anos, todo mundo estava falando inglês como se tivesse morado nos Estados Unidos. Eles não queriam aprender a falar português. (riso) Então a gente falava. Eu já tinha feitos uns cursos de inglês.

P/2 – Fora?

R – Não, esses cursos que a gente faz aí, de Yázigi, de não sei o quê e tal. E sabia, dava para quebrar o galho. Mas, depois de dois anos, a gente ali obrigado a falar inglês oito horas por dia, a gente se esforçando para aprender, foi a mesma coisa que se tivesse feito curso nos Estados Unidos. Porque no fim todo mundo falava inglês fluente ali. Isso... Eu, às vezes, depois disso, conversava com os americanos e eles falavam: “Onde é que você morou nos Estados Unidos?” Eu digo assim: “Eu nunca morei nos Estados Unidos, não, eu estive uma semana só lá.” (riso) “Mas como é que você fala inglês?” (riso) “Eu trabalhei dois anos com americanos aqui, falava inglês o dia inteiro.” (riso) Então isso foi uma experiência muito interessante, o início do Projeto Carajás. Eu até lamento, foi um erro que eu cometi, ter largado isso antes. Eu fiquei lá uns três anos só, podia ter ficado, devia ter... Mas eu estava com aquele negócio de uma mulher querendo voltar para Belo Horizonte, apareceu uma oportunidade em Belo Horizonte junto com uma outra empresa lá, a Kaiser, que eles estavam querendo fazer associação também, e acabei voltando para Belo Horizonte, para outros projetos de engenharia da Vale lá em Belo Horizonte, mas já não tão interessantes como Carajás, já coisas menores. Um era até interessante, projeto de fosfato lá de Araxá. Depois trabalhei nos projeto de bauxita do norte, de viabilidade, mas essas não eram viáveis, não. (riso) Esse é outro tipo de coisa. O pessoal ficava querendo forçar a viabilidade de coisas que não eram viáveis. E já da parte de pesquisa geológica, né? Porque na pesquisa geológica, no início, uma coisa que era fácil de encontrar era jazida de bauxita. Porque jazida de bauxita tem muito na Amazônia, né? Muitas jazidas boas de bauxita na Amazônia. Mas a Mina de Trombetas já tinha sido implantada. Em cima de uma jazida que é das melhores de todas, talvez a melhor de todas. Uma jazida muito boa e muito grande. Então não adianta ter essas outras jazidas porque é muito mais fácil você aumentar a produção em Trombetas do que abrir outra mina. Você tem minas de bauxita muito boas a trinta quilômetros da ferrovia de Carajás. Então: “Ah, porque não abre uma mina de bauxita aqui?” É porque é mais fácil você aumentar um pouco a produção em Trombetas. Se gastou muito tempo e muito trabalho de pesquisa, mas, na época, sempre existia aquela ideia de que as produções iam aumentar muito. Naquela época não se pensava tanto. As previsões de crescimento eram mais estratosféricas do que hoje. A previsão de crescimento de consumo de material, se achava que o consumo de alumínio ia aumentar muito mais do que realmente aumentou o consumo de ferro e tudo. Então ficava-se pesquisando aquela porção de jazidas de bauxita achando que aquilo podiam se transformar em minas. Foi bom porque hoje se sabe que aquelas jazidas existem, que são boas, mas são estoques para o futuro. Talvez daqui dez, vinte, trinta, quarenta, cinquenta anos é que aquilo vai ser minerado, né? Então a parte de pesquisa tem esse problema, você trabalhar e gastar dinheiro em coisas que não resultam em retorno imediato. Mas isso é assim mesmo, não tem jeito de ser de outra forma.

P/2 – E por causa disso você sentiu algum tipo de pressão? Pressão política externa, interna?

R – Ah, tinha muita pressão, isso tinha pressão, mas interna, né? O pessoal de operação criticando o pessoal de pesquisa, achando que o pessoal de pesquisa estava fazendo bobagem, fazendo coisa que não é necessária, gastando com coisa que não precisa. Isso tinha. Mas, por outro lado, o nosso, quem trabalhava em pesquisa achava que o pessoal de operação era muito bitolado, (riso) que estava vendo só aquele negócio, não estava vendo coisas para o futuro. E, sem o trabalho de pesquisa, não haveria diversificação. Por exemplo, a entrada da Vale em ouro. Que hoje a Vale é uma das maiores produtoras de ouro do Brasil e opera jazidas de ouro muito boas, muito rentáveis e tudo. Se não houvesse a pesquisa pelo pessoal de operação de minério de ferro, não teria entrado em ouro. A parte de alumínio mesmo. A parte de alumínio entrou por outras razões, a parte de alumínio entrou por razões políticas, foi o próprio governo militar que forçou que a Vale entrasse no alumínio.

P/1 – Eu queria voltar um pouquinho aquela história com os americanos na Amza. Como é que era? O senhor sentia diferenças, quer dizer, entre os interesses americanos e brasileiros? Os interesses dos americanos e da Vale, isso se casava?

R – Ah, na, na...

P/1 – Na Amza.

R – No Projeto Carajás?

P/1 – É.

R - Não, a gente sentia que eles estavam querendo segurar o negócio, mas que eles não estavam muito interessados em investir dinheiro pesado ali. Isso dava para sentir acho que desde o começo. Eles descobriram aquilo por acaso, porque estava lá em cima do chão. Vocês devem ter conversado já com o descobridor, com o Breno e outros colegas. Mas o Breno mesmo fala que o primeiro geólogo americano que foi lá disse: “Ah, esse negócio aqui é grande demais para a nossa empresa.” Embora a empresa deles fosse a maior empresa de aço dos Estados Unidos. Mas eles não estavam muito dispostos a investir uma quantidade enorme de dinheiro para fazer ferrovia e tudo por uma razão muito simples: eles não precisavam fazer aquele investimento, eles queriam que aquele investimento fosse feito pelo governo brasileiro, pelo Brasil. E eles sabiam que era melhor eles comprarem o minério sem precisar investir. Eles não estavam a fim de investir ali. Mas, ao mesmo tempo, queriam manter a posição, eles não queriam sair fora. Então queriam gastar dinheiro fazendo a viabilidade, fazendo a pesquisa, que para eles aquilo era trocado, para uma empresa do tamanho da United States Steel aquilo não significa muito. Eles queriam manter o pé ali. Mas acabaram saindo até com certa facilidade. Ficou claro o desinteresse deles com aquele negócio. Agora o pessoal que trabalhava com a gente aqui, no projeto de viabilidade, eles podiam até saber disso ou sentir isso, mas eram profissionais, não estavam no negócio na brincadeira, não. Eles eram profissionais bons. Trabalhavam dentro do padrão deles lá, das empresas deles.

P/1 – E vocês iam visitar Carajás, iam conhecer lá nessa época?

R – Ah, iam... Não, claro, estavam sempre lá. E conheciam, chamavam gente deles lá para vir aqui, chamavam técnicos de lá para dar opinião e tudo.

P/2 – O senhor sempre trabalhou com pesquisas, com estudos de viabilidade?

R – Não...

P/2 – A maioria do tempo?

R – Pesquisa geológica, pesquisa tecnológica e estudos de viabilidade.

P/2 – O que mudou nesse trabalho? Houve um tipo de evolução tecnológica ou ficou nisso? Como é que isso mudou? Esses estudos, os procedimentos para fazer esse tipo de estudo...

R – O que mudou ao longo desse...

P/2 – É, para fazer o estudo, para chegar nas conclusões. Sei lá... Maquinária, elemento...

R – Aí, cada projeto... Já existem todas aquelas técnicas. Se você vai fazer uma pesquisa tecnológica de concentração de minério, geralmente você não vai inventar nada. No caso até da concentração de itabirito, até que foi inventada alguma coisa, que foi essa concentração de alta intensidade. Mas que foi adaptada de uma invenção recente que existia, acho que na Austrália, uma coisa assim, que foi aperfeiçoada, foi adaptada ao nosso minério. Geralmente, a pesquisa tecnológica de minério é a adaptação de técnicas existentes àquele minério. Porque cada minério às vezes é diferente do outro. Então você tem que adaptar as técnicas existentes àquele tipo de minério. O cara que era especialista nisso, parece que era um indivíduo muito criativo, você deve ter conversado com ele, é o Márcio Paixão. O Márcio Paixão, inclusive, inventava coisas novas. Eu me lembro que uma das invenções dele foi a lixiviação com sal fundido para fazer a concentração do minério de titânio. Nesse ponto é que eu comecei a achar que

o minério de titânio não era viável. Porque quando ele precisou apelar para lixiviação com sal fundido, eu disse: “Márcio, agora embananou, está complicado demais. Lixiviação com sal fundido, trezentos graus de temperatura!” Você já imaginou operar uma máquina a trezentos graus de temperatura? Não dá. A gente está acostumado a trabalhar com coisa aí, temperatura ambiente. Água quente ainda vai, mas sal fundido é demais. (riso) E ele é um especialista nisso. Um estudioso disso, um camarada excepcional nesse negócio de adaptar técnicas existentes e até inventar novas técnicas para a concentração, para o beneficiamento de minérios. Agora, já a pesquisa geológica é outra coisa, é outro tipo de trabalho bem diferente. Aí já é outro tipo. São os dois tipos de pesquisa que a Vale fazia: pesquisa tecnológica de beneficiamento de minérios e a pesquisa geológica, que é a descoberta e dimensionamento de jazidas. Que é você descobrir jazidas novas e dimensionar estas jazidas. Que também é um trabalho que tem esta característica. Às vezes, você, quase sem dinheiro nenhum e gastando quase dinheiro nenhum, faz uma descoberta fantástica, que foi o caso da descoberta do ferro de Carajás. Eles estavam procurando outra coisa e acharam lá as maiores jazidas de minério de ferro do mundo, que estavam ali no meio do mato. Naquele tempo ninguém andava por ali, quase, né? E com muito pouco recurso, fizeram uma descoberta enorme. Claro que depois teve que se gastar muito dinheiro para dimensionar, porque a segunda fase é o dimensionamento e a caracterização da jazida. Você tem duas fases completamente diferentes na pesquisa geológica. Uma é localizar a jazida, a outra é dimensionar e a caracterizar a jazida. Então, para se descobrir uma jazida de ferro como a de ferro Carajás, não precisou de nada. Chegou lá e está aqui. Está em cima do chão, desceu de helicóptero lá e constatou que tinha uma bruta jazida. Agora, depois, para sondar, para dimensionar e tal, aí são anos de pesquisa. Agora, o objetivo... Depois que se descobriu as jazidas de ferro, já tinha aí as jazidas de alumínio, porque a Vale continuou pesquisando alumínio depois em Trombetas e outras jazidas lá. Paragominas e outras jazidas de bauxita. O grande objetivo era descobrir jazidas de cobre, porque o cobre é o terceiro grande metal depois do ferro e do alumínio. O terceiro metal mais importante em volume de produção no mundo é o cobre. E o Brasil é muito pobre em jazida de cobre, tem pouca jazida de cobre. Então, o objetivo principal da empresa e do projeto de pesquisa da Vale era descobrir cobre. E acabou descobrindo uma grande jazida de cobre, uma jazida gigantesca de cobre lá em Carajás. Mas, também, desde o começo se revelou uma jazida difícil, embora de um tamanho enorme. uma massa de minério muito grande, mas um minério difícil de beneficiar. Isso dava para ver logo no começo. Essa jazida foi uma descoberta muito difícil e muito técnica. Porque ela não tinha nada na superfície, você passava por cima para lá e para cá e não via nada. Não tinha nenhum afloramento nem nada. Foi descoberta com geoquímica, com métodos indiretos e tal. Depois que se fez sondagens é que se descobriu que a jazida estava lá embaixo e que era uma jazida gigantesca de cobre. Mas aí foram feitas galerias, tirada amostra, foi feito inclusive plano-piloto. Isso foi um trabalho de mais de dez anos. E, hoje, a conclusão foi de que a jazida não é viável atualmente. Quer dizer, é uma coisa que eu acredito que no futuro vai ser viável. Mas, hoje, é muito mais barato você importar cobre do Chile, porque o minério é muito duro, você tem que moer muito fino, a concentração é cara, então não vale a pena. As últimas notícias que eu tive consideraram que o minério não é viável. Isso não quer dizer que não existam outras jazidas próximas, ou lá mesmo, jazidas menores, de minério fácil de concentrar, de minério de cobre fácil de concentrar. Lá mesmo foi descoberto a uns cinco, seis anos atrás, num lugar que a gente pesquisava a muito tempo, mas em trabalho profundo lá, de sondagem profunda, descobriram uma jazida de cobre que parece muito boa. De minério fácil, bom, de alto teor, só que é menor. Agora, esse tipo de coisa de você fazer o trabalho e depois chegar à conclusão que tem que largar aquilo, que não vai mexer com aquilo agora, isso não é novidade em mineração. Isso, a gente olhando para a história da mineração. Por exemplo, no século passado, final do século passado, começo do século XX, os ingleses, quando não existia a Vale do Rio Doce, não existia coisa nenhuma, os ingleses fizeram muito trabalho de pesquisa em Itabira. De minério de ferro, né? Fizeram galerias, fizeram trabalhos subterrâneos, fizeram enormes trabalhos que __________, fizeram um mapa, fizeram um trabalhão de pesquisa do minério de ferro de Itabira e depois largaram aquilo. Largaram e foram embora, chegaram à conclusão de que não dava, para eles não dava. Embora... “Não, aqui está a maior jazida de minério de ferro do mundo. Mas nós não vamos tirar isso daqui.” (riso) Está muito longe e tal. Então, essas minas de Itabira só foram viabilizadas economicamente depois, durante a Guerra, em 1942, quando fundaram a Vale do Rio Doce. Já os ingleses, e os americanos, precisando de minério de ferro, entraram em entendimento com o governo brasileiro. As minas eram dos ingleses. As minas de Itabira pertenciam à Itabira Iron. Naquele tempo eles nem disfarçavam o nome, né? era Itabira Iron. Era uma empresa inglesa que tinha pesquisado aquilo, gastado bastante dinheiro. Naquele tempo não existia sondagem e tal, mas eles faziam muitas galerias, faziam trabalhos subterrâneos, e tal. Gastaram um dinheirão pesquisando aquilo e largaram tudo para trás. Muitos anos depois é que foram começar a minerar aquilo. Um projeto feito esse do salobro, provavelmente vai acontecer uma coisa muito semelhante, aquilo vai ficar parado lá durante décadas. Já se sabe que ali existe uma bruta mina de cobre, uma enorme reserva de cobre, mas por enquanto não dá. Mas pode ser que daqui a dez, vinte, cinquenta anos, aquilo vá ser uma grande mina de cobre. Então, o projeto de pesquisa geológica tem essas características, essas coisas que não são agora, isso sempre foi assim.

P/1 – Como é que se fazia no dia-a-dia a relação de vocês da parte da pesquisa de viabilidade com o pessoal da geologia? Como é que é essa...?

R – Não, isso fazia parte. Quer dizer, depois criou-se uma coisa rotineira. Você começava a sondar, começava a pesquisar, a fazer o dimensionamento da jazida, já começava a fazer a caracterização do minério com vistas à viabilidade econômica, com vistas a criar parâmetros para a Engenharia já do projeto, para o beneficiamento do minério e tudo. Isso o projeto cobre, nesse do salobro foi feito isso. E logo de cara se viu as dificuldades. Mas, mesmo assim, se disse: “Não, tem que andar mais para ver, para realmente transformar isso em dados econômicos, em custos.” Porque é só você ver que é difícil, porque o minério é muito duro, porque tem que moer muito fino, e por causa disso, isso não é um dado quantitativo. Você tem que ter muito dado para fazer uma coisa quantitativa, para chegar a uma conclusão que dê para fazer uma avaliação econômica e tal. E aí demora anos e gasta muito. Mas isso desde o começo tem acompanhamento.

(pausa)

Era uma ideia que existia na direção da área de pesquisa geológica de que o ouro não era negócio da Vale. Isso na década de 1970, por aí. Depois aquilo foi mudando pelas próprias descobertas, porque o ouro é uma coisa que ocorre em superfície, em muitos lugares do Brasil, em todo lugar se encontrava ouro. Aí aos poucos foi se criando a ideia de que a Vale deveria pesquisar o ouro também, embora houvesse uma resistência da direção de que aquilo não era o negócio da Companhia e tal. Acabaram descobrindo ouro ali ao sul de Carajás. Mas aquilo nunca foi um objetivo muito importante. Aquele Projeto Andorinhas e tal. E depois teve a descoberta lá na Bahia, que hoje é uma mina até relativamente grande de ouro. Ali perto de Salvador, uns duzentos, trezentos quilômetros a noroeste de Salvador. Mas se a Vale tivesse começado a pesquisar ouro logo de início, teria tido um sucesso muito alto, porque a grande frustração dos geólogos da Vale, de pesquisa de exploração, foi não terem descoberto Serra Pelada. Porque o negócio, a história foi a seguinte: a Vale descobriu o ouro, a Docegeo descobriu o ouro ali ao sul de Carajás e aquilo atraiu garimpeiros. Criou um problema social, né? Muita gente sem emprego no Brasil, o ouro está em cima do chão, junta logo aquela porção de garimpeiros. No fim, eu dizia para o pessoal lá: “Não dá mais para competir com os garimpeiros. Para cada geólogo tem mais de mil garimpeiros soltos pelo mato. Eles vão descobrir o ouro sempre na frente. Embora eles não tenham técnica nenhuma, não saibam nada, têm mil para um! (riso) Não tem chance do geólogo descobrir o ouro antes do garimpeiro, o garimpeiro vai chegar na frente.” E foi o que aconteceu com Serra Pelada. Quer dizer, se não tivesse garimpeiro na área, que foram atraídos pela própria pesquisa de ouro da Vale, mais ao sul em Andorinhas, os geólogos da Vale teriam descoberto Serra Pelada antes dos garimpeiros. Ou algum dia teriam descoberto Serra Pelada. Talvez demorasse mais um ano, dois anos e tal, e teriam descoberto Serra Pelada antes dos garimpeiros chegarem lá. Mas quando chegaram lá os garimpeiros... Já estava cheio de garimpeiro. Os garimpeiros já tinham descoberto Serra Pelada na frente. E Serra Pelada, esse nome foi criado pelos garimpeiros. Ali a gente chamava de Serra Leste, é a jazida de ouro das mais ricas que já existiram no mundo. Dificilmente se vai encontrar uma jazida tão grande e tão rica. Tem outras maiores, mas não tão fácil e tão rico feito Serra Pelada. Se aquilo tivesse sido descoberto pela pesquisa geológica nossa, se os garimpeiros não tivessem invadido o negócio, teria sido uma descoberta fantástica. Porque aquilo transformado numa mina operada racionalmente. Primeiro, tinha produzido mais ouro, porque teria a recuperação sido maior. Depois, teria sido um projeto de uma rentabilidade fantástica, né? Aquilo criou um tumulto danado, mas aí entrou a parte social toda do país. O negócio do ouro envolve toda a dificuldade social do país. Porque o ouro em cima do chão atrai garimpeiro e você não consegue se livrar dos garimpeiros. O Deoclécio, que era o meu chefe, não sei se vocês puderam entrevistar ele, dizia: “Não, a Vale, para mexer com ouro, tem que ser ouro não garimpável, tem que ser ouro difícil de beneficiar.” E, realmente, ele estava certo. Ele viu isso. Ele não era engenheiro de minas, era civil, mas um cara muito inteligente, e realmente estava certo. A mina de ouro que a Vale tem hoje mesmo lá em Carajás, é uma mina muito boa, mas que não dá para trabalhar assim, à mão, não é garimpável. Então você pode fazer uma operação grande, uma operação rentável e tudo. Agora, a mina garimpável, os problemas sociais do país não deixam que uma empresa grande minere ela. Foi o que aconteceu com Serra Pelada. A grande frustração dos geólogos foi não terem descoberto Serra Pelada.

P/1 – Nesse período de Serra Pelada o senhor estava na ___________?

R – Eu estava na Docegeo.

P/1 – Como é que foi administrar a Serra Pelada da Docegeo?

R – Não, no começo a gente não tinha ideia o tamanho que era aquilo. Mas, aos poucos, logo foi-se vendo que era uma coisa enorme, porque os garimpeiros começaram a tirar logo dezenas de quilos por dia. Foi-se vendo que era uma coisa muito grande. Aí houve uma intervenção, quando juntou dezenas de milhares de pessoas ali numa área muito restrita, dentro de um decreto de lavra da Vale do Rio Doce, porque aquilo era um decreto de lavra de minério de ferro da Vale do Rio Doce, né? Encostado numa mina de ferro da Vale do Rio Doce. O governo federal interveio, através, na época, do SNI, dos militares mais linha dura. Interveio no negócio, mandaram para lá o Curió, que era inclusive um dos oficiais que fez a repressão à guerrilha do Tocantins. E era um camarada de muita liderança, muito enérgico e tal, organizou aquilo. Era um garimpo militarizado. Então não era um garimpo, era um quartel. Não entrava cachaça nem mulher, então não era garimpo, (riso) porque garimpo tem que ter cachaça e tem que ter mulher, senão não é ambiente de garimpo. Virou um quartel de garimpo. Mas como era a maior concentração de ouro que já se descobriu no Brasil e uma das maiores talvez no mundo, o pessoal ficava doido. Ali era só catar ouro com a mão. E no começo era uma farra, né? Mas depois aquilo foi se politizando porque os militares tomaram conta daquilo e eles que administravam aquilo. A gente simplesmente comprava o ouro. A Caixa econômica mandava o dinheiro, a gente comprava o ouro, fundia, analisava e entregava para o Banco Central. E nisso foram quarenta toneladas de ouro em poucos anos. Era muito ouro.

(pausa)

Começaram a fazer aquele buracão e, no fim, os militares atrapalharam a gente. No fim, eles organizaram aquilo tanto que atrapalharam a gente, porque eles quiseram criar um curral eleitoral ali. Ali houve uma interferência política complicada, porque quando o buraco chegou num ponto que não dava mais para ir à mão, porque chegou ao lençol freático, inundou de água e tinha muita terra em volta para tirar, ficou um buraco muito fundo, muito difícil, começou a morrer gente e tal. Foi, justamente, eu não sei se vocês lembram, a primeira eleição em que o MDB ganhou da Arena, foi eleição para governos estaduais.

P/1 – Em 1982, né?

R – E o MDB estava empatado ou ganhando da Arena em muitos estados. As pesquisas mostravam que em muitos estados o MDB ia ganhar ou que ia... E o Pará era justamente um estado onde estava equilibrada a eleição. E os militares, era tempo da Ditadura ainda, os militares achavam que aquilo... Alguém lá do SNI, um cérebro brilhante lá do SNI, bolou: “Não, nós vamos transformar Serra Pelada num curral eleitoral.” Porque, como a pesquisa mostrava que no Pará o MDB estava muito equilibrado com a Arena, eles achavam que era muito importante a Arena ganhar no maior número de estados possível. O que no final, (riso) hoje, a gente vê que era uma bobagem, mas naquela época parecia importante eles transformarem Serra Pelada num curral eleitoral para ver se aquilo podia ser a diferença. Porque eram tantas dezenas de milhares de votos para MDB em Serra Pelada. Mas aí Serra Pelada tinha que durar mais um ano e já estava inviável de continuar. E tinha que durar mais um ano para chegar à eleição. Aí obrigaram a Vale do Rio Doce a contratar empreiteiras para abrir o buraco, tirar a terra toda que estava em volta, fazer uma linha de transmissão, instalar três bombas enormes, com trezentos HPs cada uma e tal, para esgotar água, para secar a água, para os garimpeiros poderem continuar trabalhando por mais um ano. Aí chegou-se exatamente na parte mais rica da jazida, parte de maior concentração de ouro. Aí os garimpeiros lavaram a égua. (riso) Era catar ouro com a mão assim, aos punhados. (riso) Aí não saíram mais de lá. Aí que criou aquela associação dos garimpeiros, como é que chama? Sindicato de não sei de quê. Eles se reforçaram mesmo e botaram o Curió lá de líder, a cidade lá virou Curionópolis e tal. E a Vale do Rio Doce perdeu o controle da situação completamente, né? Quando a coisa ficou muito preta, os militares acabaram saindo de lá, largaram aquilo, mas aí a coisa tinha entrado em decadência e hoje ainda está lá. Sei lá como é que está a situação lá, deve estar uma confusão até hoje. Hoje já se sabe que tem uma jazida em profundidade, só dá para minerar em profundidade, mas aí o sindicato dos garimpeiros está reivindicando direitos e tal. O negócio ficou uma confusão danada.

P/1 – Quer dizer, a Vale, nesse processo, acabava perdendo forças diante dos interesses políticos ___________?

R – Claro, é. Aí virou um tumulto em que prevaleciam os interesses políticos, né?

P/1 – O senhor chegou a receber visitas do SNI e tal?

R – Ah, a gente vivia no SNI! No tempo da Vale, (riso) quase toda semana a gente ia para Brasília fazer reunião com o pessoal do SNI lá. Nós, dirigentes da Vale, eu, o Breno, o Deoclécio, que era o diretor da área, né? Toda hora a gente ia conversar com o pessoal do SNI. Como é que chamava? Agora me fugiu o nome do coronel chefe lá do SNI, que o Deoclécio dizia que ele era o diretor da Serra Pelada Mine Company. (riso)

P/2 – (riso)

R – O SNI que comandava a farra. (riso) Mas foi uma época muito divertida também, uma época muito interessante.

P/1 – Mas como é que eram essas reuniões?

R – Coronel Léo. Léo o quê, que ele chamava? Léo não sei o quê. Era o coronel lá do SNI, que era uma pessoa muito boa de organização. Os militares são muito organizados, né? O cara era muito bom de organização, tinha autoridade e tal, sabia organizar as coisas. Assumiu a presidência da Serra Pelada Mine Company, nos botou para trabalhar para eles (riso) e nós viramos empreiteiros do SNI.

P/2 – E qual era o discurso deles? Nas reuniões com vocês, qual era o discurso?

R – Eu acho que a ideia que tinha por trás era que aquilo era uma coisa para aliviar tensões sociais. Quer dizer, tinha uma porção de gente pobre morrendo de felicidade ali porque estava ganhando dinheiro. E eles achavam que aquilo podia ter uma continuidade maior. Eles achavam que podia haver outras Serras Peladas e que aquilo podia ser uma válvula para dar serviço para gente que...

P/2 – Que não tinha...

R – Que estava... Quer dizer, a situação naquele tempo acho que era até bem melhor em termos de desemprego. Mas de qualquer tempo já existia. E aquela área os militares ainda olhavam com um certo cuidado, porque foi a área da Guerrilha do Araguaia. Que isso foi de uma época que a gente tinha notícia. Eu lembro, quando eu trabalhava em Carajás, que a gente tinha notícia da Guerrilha do Araguaia numa época em que não saia notícia em lugar nenhum. Não saía notícia no jornal, era tudo censurado, e a gente sabia que existia Guerrilha no Araguaia por causa dos nossos pilotos de helicóptero, que às vezes eram recrutados pelo pessoal do Exército para combater a guerrilha. Então aquilo sempre foi olhado como um lugar complicado pelos militares, né? E eles acharam que o garimpo podia ser uma válvula de uma coisa boa para dar dinheiro para o pessoal ali, para dar trabalho e dinheiro para o pessoal ali. Só que o garimpo é uma coisa de duração muito curta, o pessoal avança e em poucos anos aquilo acaba. É uma coisa muito tumultuada. Mas eles tinham esperança de organizar o garimpo e botar ordem na suruba do garimpo. (riso) Só que a coisa era mais difícil e eles acabaram desistindo.

P/1 – O senhor foi lá? O senhor conheceu Serra Pelada?

R – Ah, nem sei quantas vezes, perdi a conta. Era muito interessante.

P/1 – E qual era a sensação que o senhor tinha, que tipo de experiência o senhor viveu?

R – Era interessante, sei lá. No fim, a gente já estava acostumado com aquilo, né? Mas era uma coisa muito interessante, o negócio lá. Serra Pelada... Era uma coisa, ao mesmo tempo, chocante. Aquela quantidade de gente naquela situação miserável, carregando saco, fazendo um serviço estúpido, né? Carregando saco de lama nas costas, subindo aquelas escadas. Era uma coisa completamente fora da realidade. Isso, pelos filmes e pelas fotografias, a gente vê, né? Era uma coisa completamente diferente de tudo. Como é que o cara faz aquilo por causa do ouro? Mas era pela esperança de achar ouro, porque era um lugar onde você realmente catava ouro com a mão. Agora, não era em todo lugar, tinha lugares. O garimpo tem o bamburro e o blefe, tem o bamburrado e o blefado. Porque a jazida é uma coisa muito desuniforme, é muito heterogêneo. Tem lugares muito ricos e lugares que não têm nada. Se o sujeito dá num lugar rico, ele racha de ganhar dinheiro. A maioria fica naqueles lugares que não têm nada e são os blefados, mas fica sempre com a esperança. Cria um tipo de mentalidade de jogo. Aqueles caras são todos jogadores. Eles estão ali atrás da sorte, atrás de dar um bamburro, de achar um bucho rico. Essa é a mentalidade do garimpeiro. E aquilo cria uma motivação estranha, que eles se sujeitam a trabalhar por quase nada, na esperança de que, de repente, se ache um monte de ouro ali e fique rico. E alguns acham, então aqueles ficam famosos, são os bamburrados. (riso)

P/2 – Você chegou a ouvir relatos dos garimpeiros? Histórias deles?

R – Não, diretamente, não, porque a gente ia lá, tinha aquele monte de gente, não dava para a gente ficar conversando muito diretamente com eles, não. Se fosse um lugar onde tivesse pouco garimpeiro, talvez eu sentasse e ficasse conversando com ele, mas lá era tanto garimpeiro concentrado que não dava para você sentar para conversar com eles. A gente tinha que ficar meio isolado mesmo, porque era gente demais. Então, diretamente, não. A gente sabia histórias assim de segunda, terceira mão.

P/1 – O fato do senhor ser da Vale e chegar lá num garimpo...

R – Não, eles aceitavam porque quem mandava... Na época ainda não tinha briga com a Vale, na época que eu estava lá. A briga com a Vale veio depois, quando a coisa já tinha entrado em decadência, mas aí eu já não estava mais na história. Quando a coisa entrou em decadência, aí eles queriam continuar aquilo, queriam que aquilo se prolongasse por mais tempo. E os direitos... Porque a Vale queria recuperar os direitos sobre a área. Aí começou aquela discussão complicada. E eles já estavam insatisfeitos porque a parte rica já tinha ido embora, aquela coisa já estava difícil. Mas no tempo em que a gente estava lá, não. Foi uma época, no começo até aquele auge, de euforia, não tinha o menor problema a gente ir lá. Nessa época, não. Depois tinha. Mas nessa época, não, porque quem comandava era o SNI e a gente era o SPS de empreiteiro do SNI, a gente ia lá para comprar o ouro, para analisar e tal. E o DNPM entrou no negócio também, porque o DNPM é que dava a parte técnica. Nós não queremos entrar na parte técnica, na parte técnica das jazidas. Isso o DNPM que fazia. A função nossa lá era só comprar o ouro, fundir, analisar e entregar para o Banco Central.

P/1 – Seu Francisco Franco, o senhor ficou na Docegeo até quando?

R – Isso tem que olhar a data ali. Foi... Em 1980 e... Agora esqueci a data.

P/1 – Mas o senhor saiu da Docegeo para...?

R – Não, aí... Da Docegeo, eles... Foi na época do Doutor Agripino, eles quiseram criar, resolveram criar a tal Superintendência de Meio Ambiente. Naquele tempo, a Vale do Rio Doce era uma coisa mais centralizada, então tinha essas superintendência no Rio e tudo. Então, na época do Doutor Agripino, resolveram criar a Superintendência de Meio Ambiente. Como eu gostava dessa parte de ecologia, meio ambiente e tal, eu fui para ser Superintendente de Meio Ambiente. Fiquei lá uns três anos, acho.

P/2 – Como é que começou esse interesse pelo meio ambiente, de onde veio?

R – Não, isso começou como uma espécie de hobby, interesse. Quer dizer, se eu fosse jovem hoje, não ia ser mais engenheiro. Na minha época, o sujeito não tinha opção, ou ia ser engenheiro ou médico. Os estudantes que se prezavam, que faziam o curso científico, se não fosse fazer o vestibular de Engenharia ou de Medicina, é porque não era suficientemente bom. (riso) O cara que ia estudar Economia é porque não deu conta de passar no curso de Engenharia. (riso) O sujeito que se prezava tinha que estudar Engenharia. (riso) se fosse estudar qualquer outra coisa: “O que que é isso, pô, você não...” E eu tinha toda essa tradição de família de engenheiros, né? Não tinha escolha. Era Engenharia ou Medicina. Como Medicina nunca foi o meu ramo, o negócio era... Mas hoje, por exemplo, eu vejo que se eu fosse um jovem de dezoito anos, eu vejo que eu tenho mais gosto para Biologia, para Bioquímica, para coisas assim. Se tivesse essa diversificação que existe hoje, né? Então isso, depois, ao longo da vida, eu fui me interessando por essas coisas. Quando era jovem ainda, eu ficava lendo, lendo livro de Bioquímica, de Biologia, de ecologia e tal. E me interessei por essas coisas, virou um hobby. E que acabou nos últimos anos, porque eu tinha esse hobby, gostava disso e tal, tinha outras pessoas lá. Quem mandava nisso eram os arquitetos, a Lourdinha, e tal. Mas o pessoal implicou um pouco com a Lourdinha, que, aliás, era uma pessoa muito boa, muito competente. Eu não sei se vocês foram conversar com ela, a Maria de Lourdes. Pessoa excelente, muito boa. Ela que era a dona do Meio Ambiente lá da Vale. Mas aí o pessoal da operação implicava com ela. (riso) O pessoal não gostava muito da Lourdinha. Ela era uma pessoa, inclusive, de uma capacidade de trabalho incrível. Mas não sei por que implicaram com ela e, para afastar ela, me puseram de Superintendente. Mas eu era amigo dela e conversei com ela, ela viu que eu não reivindiquei, eu não queria. Não fui eu que fiz a sacanagem com ela, foi o pessoal da operação. Aí eu fiquei lá como Superintendente de Meio Ambiente durante uns três anos.

P/2 – Isso foi em 1987?

R – É.

P/2 – Quando é que a Vale começa com essa preocupação com o meio ambiente?

R – Ah, eu acho que isso começa, de certa forma, introduzido pelo Eliezer, pela cabeça do Eliezer. Porque o Eliezer é uma pessoa, um cidadão do mundo, um cérebro privilegiado que está vendo as coisas acontecerem no mundo inteiro e percebeu a importância disso. Aí trouxe essa preocupação para dentro da empresa, que no começo era uma... Mas a coisa era mal compreendida. Hoje a coisa já foi muito mais assimilada pelas empresas, inclusive absorvida e mercantilizada pelas empresas, essa questão de meio ambiente, de preocupação com o meio ambiente. Mas eu, mesmo assim, eu sou meio cético. O que a empresa pode fazer em termos de meio ambiente? Ela pode se comportar direitinho, cumprir a lei, fazer tudo direitinho e tal, minimizar os estragos que ela vai fazer e tal, que isso em mineração não é assim tão difícil. Mineração faz um estrago, mas é um estrago muito concentrado, uma área muito pequena. Então, mineração de ferro, você, com determinados cuidados, faz aquilo com impacto ambiental relativamente pequeno, embora a área da mina, a área dos rejeitos e tal, ela tenha que ser completamente destruída. Mas são áreas pequenas, né? E pode funcionar inclusive como um foco de poder, como é o caso lá em Carajás, um foco de poder para preservar áreas de floresta em volta. Que lá em Carajás acho que está acontecendo isso. Já tem muito tempo que não vou lá, mas está acontecendo isso. Se não tivesse aquele poder da Vale do Rio Doce ali naquele centro, provavelmente aquela floresta que está ali em volta já tinha ido para... Em Itabira aconteceu isso. Em Itabira, quando eu era menino em Itabira, as florestas virgens que ainda existiam eram no terreno da Vale do Rio Doce. Porque em volta já tinha virado tudo fazenda de pecuária, já tinham tirado a floresta toda. A floresta que existia era nas fraldas do Cauê e de Conceição. Tinha umas áreas grandes, umas boas reservas de floresta virgem ali. A Vale mesmo destruiu essas florestas antes de ter qualquer ideia de meio ambiente. Sabe por quê? Porque se interessou em plantar madeira. Então cortou aquilo para plantar pinus, para fazer plantação de coisa. Naquela época não existia essa ideia de ter área de floresta virgem… (riso) Já cortou o resto tudo, pelo menos aquele pedaço deviam deixar, né? Mas a própria Vale cortou aquelas florestas virgens para plantar madeira. Enquanto ela estava mexendo só com mineração, ela conservava aquelas florestas. E depois, que foi se interessar por madeira, celulose e tal, cortou aquilo para plantar pinus. O que hoje seria uma coisa... O Instituto de Floresta Estadual lá não ia deixar, provavelmente. (riso)

P/1 – Quando o senhor está na Superintendência, que tipo de problema o senhor tem que enfrentar? Qual que era o objetivo dessa Superintendência?

R – Não, aí era uma coisa estava meio complicada, havia muito interesse. Um dos interesses que a gente via e que eu sentia como uma dificuldade, a Lourdinha até que atendia isso melhor, mesmo depois que ela ____________, é que naquela época estava se formando era o pessoal comercial de fora, pessoal inclusive de venda de minério na Europa. A Vale vendeu uma imagem de que não estava fazendo estrago. Porque tinha aquele negócio: “Ah, brasileiro está acabando com a floresta amazônica.” E isso na Europa, né? É verdade, está mesmo, né? (riso)

P/1 – (riso)

R – “Brasileiro está acabando com a floresta amazônica e a Vale do Rio Doce é uma que está lá esculhambando com a floresta amazônica.” Então, a gente mostrava que não era bem assim. Quer dizer, nós não estávamos acabando com a floresta amazônica. Quem estava acabando com a floresta amazônica eram outras atividades que não a mineração de ferro. Porque a mineração de ferro não acaba com a floresta, ela acaba com um pedacinho desse tamanho da floresta. O que acaba com a floresta é madeireiro, é pecuarista que vai cortar tudo para fazer plantação e essas outras atividades, né? Então o pessoal da Europa queria apoio para mostrar para os movimentos ambientalistas europeus que a Vale do Rio Doce não era um fator de estrago. O que era difícil, porque não era diretamente, mas indiretamente era. Porque atraía, fazia ferrovia, tinha estradas de penetração, aquilo atraía gente para as beiradas. Mas o problema era um problema maior do país. Não era por causa da mineração que a floresta amazônica estava sendo destruída. Mas a mineração criava infra-estrutura para atrair os grandes destruidores, que são os madeireiros e pecuaristas. Isso no entendimento com os deputados verdes lá da Europa, porque os deputados verdes da Europa metiam o pau em tudo, queriam esculhambar com tudo. E isso criava problemas comerciais lá, porque os próprios, digamos, australianos, diziam: “Não, compra de nós porque nós não estamos estragando floresta. Vão comprar da Vale do Rio Doce, a Vale do Rio Doce é companhia destruidora e tal.” Vender essa imagem que não era. Então o Eliezer tinha muito essa preocupação de fazer as coisas direitinho, sem impacto ambiental e tudo. Isso foi evoluindo ao longo do tempo. Eu lembro quando eu era menino em Itabira, não existia preocupação com impacto ambiental nenhuma. Então, por exemplo, os rejeitos da Mina do Cauê, eram despejados pela cidade e o escoamento (riso) era por correguinho que passava dentro da cidade ao longo da rua da zona boêmia. (riso) De vez em quando o mulherio da zona boêmia estava afogado em fim de minério ali porque a chuva levava aquilo pela cidade afora. E todo mundo achava que era assim mesmo, aquilo era natural. Até se chegar à conclusão de que precisava fazer uma barragem para conter aquilo, foi anos depois. Na década de 1950, início da década de 1960, ninguém estava preocupado com isso. Mas hoje, não. Hoje, mesmo uma coisa totalmente isolada como Carajás, o sujeito já providencia uma barragem antes, já faz toda a contenção, já deixa... Já toma as providências para não deixar que os rejeitos estraguem o córrego por ali abaixo. O que, no caso da mineração de ferro, até que não é difícil, porque você não usa muito produto químico, não usa nada, então a poluição é só de lama e de areia, a água. Então é fácil, relativamente fácil. Mas é um trabalho caro. E, depois, outro trabalho é de recuperação das áreas degradadas. Quer dizer, depois que a área fica toda estragada, você recuperar. Depois que acabou a mineração, diminuiu a atividade de mineração, replantar árvores ali, recuperar. Não se tinha essa ideia também. Quando eu trabalhei lá na Icomi, não. Jogavam até aqueles montes de terra, a água que levasse. Hoje já tem essa preocupação de replantar para não deixar a erosão fazer muito estrago, tudo isso são coisas que começaram com a pressão dos ecologistas, de trabalhar de uma forma mais racional, mais prudente, mais lógica, né?

P/2 – Além desse trabalho de preservação do meio ambiente, imagino eu que também havia um trabalho de educação com os trabalhadores da Vale e com a comunidade...

R – É, essa parte de meio ambiente. É essencial essa conscientização das comunidades em volta. Essa parte de educação ambiental, que eles falam, é fundamental. Porque é um trabalho de todos, é uma mudança de comportamento de todo mundo. Essa parte toda de fazer as coisas de uma forma que estrague menos, que cause um impacto ambiental menor.

P/2 – Como é que é chegar nas pessoas?

R – É difícil, é uma mudança toda de mentalidade, de comportamento. Uma pessoa que tinha uma ideia bem clara sobre isso, que chegou a ser Presidente da Vale, era o Agripino Abranches, já falecido. Se ele não fosse falecido, estaria aqui. Morreu relativamente moço, ele era um pouco mais velho que eu. E ele era uma pessoa que tinha uma ideia muito clara sobre essa parte ambiental. Uma coisa que é interessante que se diga, por exemplo, no Vale do Rio Doce, a região do Vale do Rio Doce é considerada uma região, claro, economicamente próspera. Você tem ali a ferrovia que é uma beleza, uma das ferrovias mais eficientes do mundo, da Vale do Rio Doce, tem aquela porção de indústrias siderúrgicas que são de alta tecnologia, a Usiminas, a Acesita, a Belgo-Mineira, que são indústrias de tecnologia tão avançada como as melhores do mundo. As siderúrgicas lá de Vitória e tudo, tem ainda a indústria de papel, também. Então, você anda por ali perto das áreas urbanizadas, ou onde tem as plantações de eucalipto da indústria de papel e da indústria siderúrgica também, que planta eucalipto, e está tudo bem. Mas quando você anda na maior parte do Vale do Rio Doce, que é área de pecuária, aquilo é uma área de desastre ambiental. Eles transformaram aquilo tudo em pastagens, já há muito tempo. Quando eu era menino, que eu morei lá na Acesita, o vale do rio Doce era todo coberto de uma floresta mais bonita do que a floresta amazônica. A floresta do Vale do Rio Doce era uma floresta mais exuberante de flora e de fauna do que a maioria da floresta amazônica. Era uma quantidade de bicho e de árvores enorme que tinha ali. Hoje você anda por ali e é de chorar de tristeza. No tempo de seca você anda por aquele interior ali, porque cortaram, transformaram aquilo tudo em pastagem, mas o solo é fraco e relativamente montanhoso. Então aquilo esgotou, a pouca fertilidade que tinha ali esgotou, a madeira foi toda embora e virou uma área que está em decadência na parte de agropecuária, porque o solo não sustenta mais. Eu lembro, logo que eu fui designado para a Superintendência de Meio Ambiente, eu fui com dois consultores nossos para lá, percorrer a região, que era o Doutor José Cândido Melo Carvalho, que era um professor aqui do Rio de Biologia, um PhD em Biologia, e o Alberto Frias, que era um agrônomo também muito competente que tinha uma empresa de consultoria aqui. Nós fomos percorrer a região no tempo de seca. Eu lembro que o professor José Cândido falava: “Isso aqui virou, tem que ser decretado pelo governo uma área de desastre ambiental. Isso está se acabando.” E me convenceram até a escrever um documento para a direção da Vale alertando as autoridades ambientais de Minas e do Espírito Santo de que tinha que se fazer alguma coisa pelo Vale do Rio Doce. Não pelo que a Vale está fazendo, pelo que as indústrias siderúrgicas e indústrias de papel estão fazendo pelas plantações de eucalipto, mas pelas grandes áreas de fazenda que estão se acabando, as grandes áreas de fazenda de pecuária. Aí, eu lembro que eu comecei até a preparar o documento e tal, mas eu voltei lá no Vale do Rio Doce numa fazenda que a Vale tinha na beira da ferrovia. Fazenda Pirapama que chamava. Quando eu vi a Fazenda Pirapama, da Vale, eu disse: “Ih, não dá para escrever o documento, a Fazenda Pirapama está muito pior do que as fazendas que estão do lado.” (riso) Largaram esse negócio aqui, (riso) a Floresta Rio Doce

resolveu criar gado ali ao invés de plantar, porque era uma fazenda pequena, e achou que não valia a pena mexer com plantação ali e deixaram criar gado, e esculhambou tudo. A fazenda estava mais erodida, mais estragada do que tudo em volta. Eu fui atrás até do cara do tibau lá da Floresta Rio Doce: “Eu tenho que dar um jeito naquela fazenda, aquilo é uma fazendinha pequena, mas não pode deixar ser propriedade da Vale do Rio Doce naquele estado ali, do lado da ferrovia.” Então não sei o que eles fizeram com aquilo. Mas, depois, nunca mais foram feito. O professor José Cândido, por exemplo, falava: “Não, isso aqui tinha que ser um programa, o governo tinha que decretar que essas áreas aqui são áreas de desastre ambiental, e fazer um programa de recuperação em grande escala envolvendo os fazendeiros, envolvendo recursos das empresas, recursos do estado e tal, e ver o que dá para fazer, mas tem que tirar o gado. Puseram gado mais do que podia durante muito tempo. Tem que tirar parte do gado para deixar aquilo se recuperar. Sei lá o que tem que fazer, tem que chamar os especialistas para tentar recuperar a área.” Mas nunca foi feito nada disso porque a erosão é um problema seríssimo, aquilo vai aos poucos, o pessoal vai acostumando. No fim, erodiu tudo, o pessoal vai saindo, os fazendeiros vão saindo. Aquilo, no fim, vai ter uma solução natural por abandono da área. Mas cria um problema ambiental sério. Mas não é... A empresa tem como resolver isso? Eu acho que não tem, isso é um problema que tem que resolver envolvendo toda a comunidade. O Agripino, o Agripino Abranches, ele tinha uma ideia sobre isso, porque ele era agrônomo, ele não era engenheiro nem economista, ele era agrônomo, então ele era mais preocupado com essa parte, que ele foi Presidente da Vale também. Ele tinha uma ideia de fazer recuperação por bacias hidrográficas. E eu cheguei a contratar, por influência de um funcionário meu, quando eu era Superintendente da área de meio ambiente, eu cheguei a contratar um consultor que era uma figura muito interessante, que ele se chamava Pedro Hidalgo e tinha sido Ministro da Agricultura do Salvador Allende, lá no Chile. Depois saiu corrido do Chile, foi para a Venezuela, depois veio aqui para o Brasil. E ele era uma figura interessantíssima. Ele bolou um esquema em que ele aplicava em negócio de reforma agrária lá no Chile e tal, aplicar aquilo a problemas ambientais. Então, juntando, ele pegava uma área, a área é a bacia hidrográfica, porque a bacia hidrográfica é a área natural. Não é o município, não é a fazenda, não é nada disso. A área natural é a bacia hidrográfica. Então você tem que juntar todas as entidades que atuam naquela bacia, prefeituras dos municípios, se tiver mais de um, as igrejas, as escolas, os fazendeiros, os comerciantes, os empresários, e tudo, e fazer uma educação ambiental daquele pessoal, voltada para o objetivo deles começarem a trabalhar racionalmente. A parte de lixo, a parte de conservação de solo, a parte de não utilizar áreas muito inclinadas, fazer tudo que é racional para conservar o ambiente naquela bacia. E é um trabalho altamente político, um trabalho que requer, mais do que tudo, habilidade de articulação política. É um negócio que foge muito ao interesse de empresas, assim. Esse cara gostava disso porque ele era um político. Você imagina um cara que era ministro do Allende, devia ser altamente politizado. (riso) Mas isso é difícil de fazer eu acho que hoje, eu sou pessimista com relação a alguém querer fazer uma coisa dessa, porque eu acho uma coisa muito importante, o Agripino era uma pessoa que tinha consciência de que seja importante, mas acho que hoje é difícil. Com essa mentalidade de lucro financeiro imediato e a gente governado pelos interesses do mercado financeiro internacional e tal, nem que o Eliezer comprasse essa ideia, (riso) nem uma figura com a competência e com o poder do Eliezer acho que não conseguiria mobilizar a coisa para esse tipo de recuperação ambiental em áreas como o Vale do Rio Doce e tal. Então, o que é que as empresas fazem? Elas ficam voltadas para a coisa dela, para o problema dela, que é geograficamente localizado. Então: “Ah, não, aqui eu estou fazendo tudo bonitinho, recebo meu iso 2000, 4000, não sei quanto lá, certificação ambiental, porque estou tratando bem do meu rejeito, não estou poluindo mais o rio, e aqui dentro da empresa está tudo funcionando direitinho.” Mas o negócio é que, passou da cerca, é outros que estão fazendo, e são outro tipo de entidade, então a coisa não tem esse envolvimento de todo mundo, em que só uns esquemas feito esse do Pedro Hidalgo podia funcionar. O meio ambiente é complicado por causa disso, porque se tratar ele de uma forma só dentro da empresa, a coisa fica pela metade. E tratar fora, todo mundo vai dizer: “Não, isso extrapola, isso não é função da empresa.”

P/1 – Depois da Superintendência, Seu Francisco, qual foi...

R – Não... Aí já estava se falando numa redução, que, aliás, é uma coisa, do ponto de vista da empresa, mais do que racional. A Vale tinha uma estrutura que, eu concordo, não era uma estrutura racional. Ela tinha um número muito grande de superintendências aqui no Rio de Janeiro, superintendências feito a minha, de meio ambiente, que tinham lá vinta ou trinta funcionários. E aquilo tinha o mesmo status da Superintendência das Minas e Estradas de Ferro, que tem milhares de funcionários e um orçamento dez vezes maior. Então, da reestruturação da empresa, eles acabaram com a Superintendência de Meio Ambiente, juntaram ela com a Superintendência de Floresta, e a coisa mais importante era a Floresta. Aí, já nessa redução, eu fui posto como assessor da Presidência. Aí foram várias pessoas, um grupo de assessores lá que já estavam... Mas, aí, já estava no desvio, já estava contando tempo para aposentar. (riso) Mexia com a parte de meio ambiente também, mas já sem poder, só assessorando, só a nível de assessoria. Começou a haver essa redução do centro aqui do Rio de Janeiro, o que depois, com a privatização, aí é que reduziu mesmo. O que eu acho que, do ponto de vista de administração da empresa, está certo, tem que ser assim mesmo. O pessoal tem que olhar a administração da empresa, não é aquele negócio de resolver tudo. A gente tinha uma certa ideia de que dava para resolver tudo. A Lourdinha, pelo menos, tinha. (riso) Gostava de fazer coisas que extrapolavam muito a função da empresa. Então a Superintendência de Meio Ambiente deixou de existir, passou depois a ter uma gerência que foi ocupada pelo... Como é que ele chamava? Esqueci o nome dele. Maurício não sei o quê. Aí voltou mais para uma questão de gerenciamento ambiental mesmo, de coisas só dentro da empresa, de auditoria ambiental, uma coisa importada lá dos americanos, que eles transformaram aquele negócio: você tem que ter auditores para ver se o pessoal está comportando direitinho, seguindo a lei, mas fica cada vez mais limitado ao que está dentro da empresa. Então tudo o que está acontecendo fora da cerca, não é comigo. (riso) Porque quando começou com as próprias idéias do Eliezer, depois a Lourdinha, depois comigo e tudo, a gente tinha essa ideia de que o negócio dava para fazer as coisas para fora, né? Talvez desse, mas tinha que ter uma mentalidade de direção diferente. Se o Agripino fosse Presidente da Vale durante vinte ou trinta anos, com aquela ideia que ele tinha, que era importante fazer aquilo e tal, podia mobilizar outras entidades. Não é a empresa fazer um programa desse de recuperação de bacia hidrográfica sozinha, mas mobilizar outras entidades para ver se podia fazer aquilo.

P/1 – O senhor se aposentou em que ano?

R – Foi em 1990, 1991.

P/1 – Por quê? Deu o tempo de aposentadoria?

R – Não, aí foi no início do governo Collor. O Collor, naquele entusiasmo inicial dele, ele resolveu xerifar que a Vale do Rio Doce tinha que reduzir 5% do seu pessoal. Eu lembro que chegou essa xerifada, que, aliás, me deixou muito frustrado, porque eu só tive essa ideia depois. Eu ainda era Superintendente de Meio Ambiente quando chegou essa xerifada. Estava nos últimos dias lá. Tem que reduzir 5% do pessoal. E todo mundo lá afoito, reduzindo. A Vale nunca tinha mandado ninguém embora, porque a Vale ainda tinha aquela mentalidade de expansão, ela só mandava gente embora se fosse caso. Tinha serviço para todo mundo. A Companhia estava sempre crescendo, então tinha serviço para todo mundo. Um negócio assim de mandar gente embora, ter que escolher 5% para ser demitido, isso foi um choque do governo Collor. E eu tive a ideia seguinte: ao invés de mandar 5% embora, por que que não corta 5% da folha de pagamento? A gente pega um cara de salário bem alto, manda ele embora, reduziu 5% da folha de pagamento e o resto fica. (riso) Mas quando eu tive essa ideia, já tinha passado da época, já não dava. Devia ter escrito uma carta com cópia para todo mundo: “Proponho reduzir 5% da folha de pagamento ao invés de mandar 5% do pessoal embora.” (riso) Aí foi o primeiro golpe do Collor. Mas depois quiseram reduzir mais ainda. Para reduzir mais ainda, fizeram o processo de demissão voluntária. E quem podia se aposentar, tinha que pedir para sair, para ser aposentado. Eu, na época, nem sabia que podia me aposentar, eu achei que faltava três anos porque eu tinha 32 anos de trabalho. Achei: “Bom, 32, 35 anos para aposentar, faltam três anos. Gramar mais três anos para aposentar.” Mas aí eu já estava no desvio lá, já era assessor da Presidência, estava lá com a turma que estava no desvio, mas disse: “Não, tenho que aguentar aqui mais três anos.” Mas aí tinha um negócio de aposentadoria especial, uma porção de coisas a que eu nem estava muito alerta na época, que realmente eu podia aposentar, eu tinha condição de aposentar. Aí todo mundo que tinha condição de aposentar, ou grande parte do pessoal que tinha condição de aposentar, foi praticamente, como é que chama, induzido a se aposentar. Inclusive, eu acho que o Schettino, que tinha sido Presidente, aposentou nessa época. Depois ele voltou a ser Presidente, né? Ele tinha sido Diretor e voltou a ser Presidente depois disso. Foi chamado depois disso. Mas ele tinha sido Diretor e aposentou nessa época. Uma porção de gente da minha geração foi na redução dos quadros da Companhia feita pelo Collor. Por xerifada do governo Collor.

P/1 – E aí o senhor se aposenta, mas não parou de trabalhar.

R – Eu ainda trabalhei em algumas coisas. Porque muita gente começou negócio de consultoria. Eu peguei alguns trabalhos de consultoria depois que aposentei, mas só um maior um pouco, uns dois maiores um pouco. Mas trabalhar, efetivamente, foi uns dois anos, assim que eu trabalhei efetivamente no trabalho de consultoria. O resto eram umas coisas esporádicas, assim. Até que essa parte de mineração tem pouco trabalho, né? Atualmente diminuiu. Aí acabei parando mesmo e ficando só escrevendo.

P/2 - E atualmente o senhor faz o quê?

R – Atualmente, eu não faço nada. Escrevo para o jornal, de vez em quando. (riso) De vez em quando eu escrevo para o jornal O Estado de Minas. Tem um jornalista lá que gosta de publicar as coisas que eu escrevo, quase tudo que eu escrevo ele publica, então, de vez em quando, eu escrevo para ele.

P/1 – De onde surgiu essa vontade de escrever, interesse em escrever?

R – Isso eu acho que é natural, né? É uma coisa natural que a gente tem.

P/2 – Não foi com a americana ali, os americanos?

R – É, é. (riso) Depois de escrever relatório. Mas talvez eu tivesse um pequeno talento inato para escrever. Eu lembro de um caso que aconteceu comigo quando eu estava no curso científico. O professor de português deu uma composição para a meninada fazer. Devia ter uns catorze, quinze anos. E a composição chamava assim: porque me orgulho do meu país. (riso) Escrevi o negócio lá. Quando chegou na hora, o professor deu uma esculhambação na turma: “Está tudo uma merda.” (riso) Começou a ler as notas, lá: “Dois, três...” Tinha um dos alunos que era o melhor aluno, era um judeu que tinha na minha turma, chamava Romen Roland Baugner, um cara muito inteligente, era o primeiro da turma, e um cara muito boa praça, todo mundo gostava dele. O Romen tirou seis, não sei o quê. Depois, eu fiquei por último, e as notas todas aumentando, né? Quando chegou a minha vez: “Seu Francisco, venha ler a sua composição aqui na frente.” (riso) Eu sabia que a minha composição não estava muito ruim, não, estava razoável. (riso) “Essa tirou oito, foi a melhor de todas.” (riso) Foi a minha primeira manifestação de escritor. (riso)

P/2 – E até hoje vai?

R - Até hoje eu gosto de escrever. Mas eu não tenho muita... Como é que chama? Sob pressão eu não serviria, por exemplo, para ser jornalista. Porque eu não sirvo para escrever sob pressão. O jornalista tem que escrever sob pressão. Eu, se estiver sob pressão, o troço não sai. Tem que ser uma coisa, assim, sossegada, né? Deu uma inspiração e tal, escreve. Quase tudo que eu mando para O Estado de Minas e eles publicam.

P/2 – E além dos artigos, tem alguma outra coisa? Além dos artigos para O Estado de Minas, você faz alguma outra atividade de lazer, curtição?

R – Atualmente eu estou meio parado, estou dando uma de vovô lá, cuidando do menino. (riso)

P/1 – O senhor tem quantos filhos?

R – Eu tenho três, mas tem um de três anos, então fico cuidando dele lá.

P/2 – O senhor tem algum sonho?

R – Eu gosto de acompanhar os acontecimentos. Sempre tive uma certa vocação para ser testemunha ocular da história. Gosto de acompanhar os acontecimentos. Mas sou meio pessimista, não acho que o mundo está indo para uma coisa boa a curto prazo, não. A curto prazo, eu tenho até um remorso de estar pondo filho pequeno no mundo, porque eu acho que o futuro imediato não pinta coisa muito boa por aí, não. Nós vamos viver aí uns... Eu tenho certeza que eu não vou viver para ver o mundo melhorar nada. E vocês, que são bem mais jovens, (riso) eu também acho que não vão viver para ver as coisas melhorarem, não. (riso) Pode ser que vá melhorar daqui a uns cem, duzentos anos, mas ainda está muito longe. (riso) Os problemas do mundo são muito sérios. Os problemas gerais. Tem crises muito cabeludas. Crises... Basicamente, umas coisas muito simples: uma é concentração de renda, concentração de renda a nível mundial. No Brasil, é a concentração de renda interna. E outra é a concentração, a diferenciação entre ricos e pobres na escala mundial. Você tem lá os Estados Unidos, a Europa e tal, e aquele pessoal da África, e essa diferença parece que está se agravando cada vez mais. E outra é o estrago ambiental geral que está se fazendo. Destruindo o planeta todo, destruindo os recursos naturais todos. Esse negócio é a longo prazo, porque é uma coisa que não se manifesta no dia a dia. Então, se eu ficar acompanhando o noticiário... Eu assisto o noticiário como assisto novela, porque aquilo realmente te informa muito pouco, aquilo é um passatempo, né? As coisas mais cabeludas acontecem aos poucos, e a situação vai se deteriorando e fica... Não dá para você ser otimista a curto prazo, não. Você pensando, quando eu era jovem de vinte e poucos anos, década de 1950, se você pegasse o cara daquela época e transportasse imediatamente para a época de hoje, o cara ia ficar: “Como é que vocês conseguem viver nesse mundo, pô?” A coisa era muito mais fácil. Não tinha Rede Globo, não tinha avião a jato, não tinha computador, mas também não tinha desemprego. Eu ganhava salário mínimo quando era estudante, o salário mínimo dava para fazer a maior farra, pô. Eu tinha uma motocicleta que o meu pai me deu, com um salário mínimo você fazia as melhores farras, ia para as boates, botava gasolina na motocicleta, fazia o diabo, né? Hoje, com salário mínimo, você não pode passar nem fome, não é? O salário mínimo era umas cinco vezes maior que hoje. O valor real era umas cinco, seis vezes maior que hoje. Mendigo, por exemplo, mendigo era um cara que ficava na porta da igreja, lá, com o chapéu cheio de moeda. Hoje, se você botar com um mendigo com o chapéu cheio de moeda, cada pivete que chegar lá leva o chapéu do cara. (riso) Realmente, a situação... O ensino... O ensino, na minha época de vinte e poucos anos, os melhores ginásios eram os ginásios estaduais, os professores mais bem pagos, o ensino gratuito era o melhor ensino. Você ia para o ensino pago, era o cara que não conseguia ir para o ensino gratuito, então tinha que pagar. Se o pai tinha dinheiro, ia pagar o colégio para ele poder fazer o cursinho. Hoje o ensino público está numa situação calamitosa, né? Então você vê como é que a situação piorou nessas décadas. Piorou bastante e eu não sei se tem condição de melhorar. Talvez tenha algumas coisas que possam melhorar. Mas a máquina está fazendo tudo. Quer dizer, o trabalho humano está ficando desnecessário. Até o trabalho intelectual está desnecessário, o computador faz melhor, mais rápido e mais bonito. Então está sobrando gente porque não precisa, né? Mas tinha que mudar tudo. Se você chegar numa empresa e falar: “Olha, agora vai trabalhar todo mundo só quatro horas por dia, porque ninguém mais precisa trabalhar oito horas por dia.” Para poder dar emprego para todo mundo. Até você mudar essa mentalidade, né? Tem algumas pessoas já propondo isso, filósofos lá da Europa e tal: “Não, tem que mudar toda essa sistemática aí para todo mundo trabalhar menos, para poder conviver com essa situação.” O homem se tornou supérfluo, o trabalho humano se tornou supérfluo. A máquina faz tudo. (riso)

P/2 – A última é: o que o senhor tem achado desse depoimento para a Memória Vale do Rio Doce?

R – Eu não sei como vocês vão trabalhar isso, mas eu acho interessante. Quer dizer, para a gente é uma experiência interessante. Agora, o que vocês vão fazer com isso, aí só vendo o produto depois. (riso) Mas acho que a ideia da Vale é boa, né, vou ver. Qual é a ideia, o que é o projeto? Vocês vão produzir um livro?

P/1 – É, a idéia é produzir alguma coisa.

R – Mas e essas gravações? Vão editar?

P/1 – É, uma parte é. É, acho que tudo. É, uma parte vai virar acervo.