Museu da Pessoa

Unir para nos fortalecer

autoria: Museu da Pessoa personagem: Jair Rodrigues Arruda

Projeto Banco do Brasil - 200 Anos de Brasil
Realização Museu da Pessoa
Entrevista de Jair Rodrigues Arruda
Entrevistado por Nadja Lopes e Lenita Verônica Pires
Manaus, 06 de novembro de 2008
Código: BB200_HV028
Transcrito por Vanuza Ramos
Revisado por Giovanna Borsarini

P/1– Eu queria saber qual o seu nome?


R– Meu nome é Jair Rodrigues Arruda.


P/1– O local e a data de nascimento?


R– Eu nasci na comunidade de São Pedro do Tamoatá, no município de Boa Vista do Ramos, no Amazonas.


P/1– E o nome dos seus pais?


R– Samuel Ferreira Arruda e Jesuíta Rodrigues Arruda.


P/1– E qual era a atividade profissional dos seus pais?


R– Os meus pais trabalhavam com a agricultura, né? Agricultura familiar.


P/1– Me fala um pouco da origem da sua família.


R– O meu pai veio do Nordeste e a minha mãe também é originária do Nordeste. Migraram pra cá, pro Amazonas. Onde se instalaram no município de Maués, anteriormente, não existia o município de Boa Vista do Ramos. E aí então, eles fizeram parte, na época, do município de Maués, atual Boa Vista do Ramos.


P/1– Isso por volta de que ano?


R– Foi de 1960.


P/1– E sobre os seus avós?


R– Os meus avós, eles vieram também nessa mesma trajetória, né? Migração do Nordeste para o Amazonas, né? Só que eles ficaram alguns anos no Nordeste e os meus pais vieram já mais para os lados do Amazonas. Aliás, a minha avó veio, acompanhou ainda. Avó por parte de mãe.


P/1– E qual era a atividade dos seus avós?


R– A atividade básica era a agricultura mesmo, né? Na época, tinha muita fartura, inclusive de peixe. Na agricultura, plantava mais por questão alimentar mesmo, que não tinha influência tanto comercial na época. Então, era mais de subsistência familiar mesmo, com criação de bois e de pequenos animais também.

P/1– Na agricultura, você lembra o que é que se plantava? O quê se cultivava?


R– Na época eles plantavam milho, arroz, guaraná, né? _________ Roça. E outras culturas. Era o cotidiano da família, no caso aqui, da agricultura familiar. Criava-se também pequenos animais: Carneiro, bois, galinhas e outras, patos... Essa questão toda, na época, de... Também, fazia parte do processo, do convívio familiar.




P/1– E você tem irmãos?


R– Tenho. Eu tenho oito irmãos, né? Duas mulheres e cinco homens.


P/1– Você consegue falar o nome deles, assim, fazendo uma listinha pra gente?


P/2– Uma escadinha.


R– Dá sim. Tem o Norberto Rodrigues Arruda, O Joaci Rodrigues Arruda, Moacir Rodrigues Arruda, o Samuel Ferreira Arruda Filho, a Leonice Arruda da Cruz e a Leonita Rodrigues Arruda, que é a caçula.


P/1– E o que é que eles fazem? Conta um pouquinho.


R– Bom, os meus irmãos homens, eles estão lá na comunidade onde eu nasci. Eles já casaram, hoje já constituíram família e trabalham também com agricultura familiar. Trabalham na parte da pesca e da agricultura. A minha irmã mais velha também está lá, casou... também faz parte desse mesmo processo de renda, agricultura familiar. A minha irmã mais nova, ela está aqui em Manaus, está estudando, né? Tá buscando aí, fazer uma faculdade pra quem sabe poder ter uma representatividade melhor, da família, no sentido de melhorar a condição de vida dela e quem sabe ajudar a família também.


P/1– Faculdade de quê?


R– Ela tá de… administração.


P/1– Jair, eu queria que você me falasse um pouquinho, assim, sobre a sua infância. Como é que era? Onde você morava? Descreve pra mim um pouco.


R– Bom, da minha infância, ela não foi das melhores, mas a gente teve algumas situações meio doloridas que aconteceram na vida, né? Por exemplo, lá onde a gente mora na comunidade, não tinha muito acesso à educação, era muito difícil

estudar, tínhamos que remar praticamente 2h, para chegar numa escola com uma turma de 60 alunos, só com um professor. E a situação nessa parte educacional era muito ruim. Na época, como as famílias eram muito grandes, assim, de filhos, no caso, a minha mãe teve esses oito filhos, aliás, teve nove, que um morreu, né? Ficou com oito. E aí nós, em termos de convívio familiar, iniciamos até de forma bem estruturada. O meu pai criava bois, tinha de certa forma... umas 70 cabeças de rezes, tinha uma estrutura, por exemplo, de agricultura que a gente tava... Realmente, na época, os meus pais se esforçaram muito para que pudesse, inclusive, nos dar algum estudo e aí, em 1983, aconteceu um desastre na família. Naquela época, as famílias se reuniam, né? Principalmente na hora do café, do almoço, tudo, tinha aquela... A forma de se reunir pra fazer a refeição junto. E uma manhã de 1983, eu estava ali entre 11 e 12 anos de idade, aí aconteceu uma tragédia, que foi justamente a minha mãe, ela se enganou, né? Na época, fazia o mingau de cueira, que é um polvilho retirado da mandioca e ao invés de colocar o polvilho para “mojicar” o mingau, ela colocou veneno, formicida no mingau. E por coincidência, no dia que aconteceu, o meu pai sentou primeiro na mesa pra tomar o mingau. Porque antes, sentávamos junto pra tomar e naquele dia, por coincidência, ele sentou primeiro pra tomar, porque ele tinha que carregar a maniva pra ir pro plantio da roça, nós iríamos mais tarde, enquanto ele ia na frente. E aí ele sentou, inclusive junto com a minha irmã caçula, essa é uma que está aqui em Manaus. Só que ele tomou duas colheradas primeiro, antes dela e, de repente, ele sentiu que tinha alguma coisa diferente no mingau e quando ele percebeu que era algo ruim, ele jogou para o terreiro. Aí tomou as galinhas, perus, nós tínhamos muito perus na época, cachorro também tinha lá, todos os animais pequenos. Aí quando a gente deu todos os animais estavam, assim, rolando... e aí morreu toda a parte de animais, que tínhamos no terreiro. E aí ele começou a passar mal. Ele começou a passar mal, aí tentamos correr pra... Aí, na hora que descobriu que era veneno, que minha mãe tinha colocado enganada, porque ela... Aí a gente tentou correr para salvá-lo, mas como era comunidade, não dava tempo de chegar na cidade, ___________ transtorno todo e resumindo a história, ele veio a falecer. Aí meu pai morreu. Nós éramos todos pequenos, né? Só tinha um irmão mais velho, que tava com 13 anos, éramos todos pequenos.


P/1– Quantos anos você tinha?


R– Eu tinha 11 anos, né? 11 anos, nesse período. Aí causou toda uma situação na família porque a minha mãe, não comandava os negócios da família. Era mais o meu pai que comandava e intermediava e deixou a minha mãe numa situação ruim porque ela não tinha... Na época, mulher era mais dona de casa mesmo, era mais para cuidar dos filhos, né? Não tinha esse contato com os negócios, era o que o homem fazia, e aí, nós ficamos numa situação ruim. Para acabar inteirando, no outro ano a irmã caçula, essa que morreu, ela... caiu do brinquedo dela dentro de um balde de 50L de água. Ela foi pegar o brinquedo que tinha caído dentro do balde que estava pelo meio de água e ela virou pra dentro e não tinha ninguém por perto, aí ela veio também a falecer, afogada dentro do balde. Então, foram duas situações que aconteceram na família muito ruins, nesse período da minha infância. Bom, aí, passado esse processo ruim na família, eu queria muito estudar. Iniciei os estudos. Na época, a gente já tinha, assim... E a minha tia, uma tia que hoje já é falecida, a tia Laíde, que chamávamos. Eu vim pra Manaus, né, que era pra ela cuidar, ajudar... na verdade, ela quis ajudar a minha mãe, né? Ajudar a criar os filhos, enquanto ela ficava com alguns outros. Aí ela queria me trazer, eu fui, morei um pouco, uns três meses, em Itacoatiara, e vim pra Manaus, passei mais uns três meses. Para acabar de inteirar, na vinda eu adoeci de sarampo. Passei um tempo em Itacoatiara com essa doença. Só que o sarampo, quando pensei que já estava curado ele (recolheu?)... E quase também que vinha a falecer. Passei, aproximadamente, um ano aqui em Manaus, depois retornei para a comunidade para ver como é que estava lá. E já tinha acontecido também algumas outras coisas, minha mãe já tinha... Alguns parentes já tinham intermediado na família pra... "Faz isso e faz aquilo". Aí a minha mãe, na época, meio sem experiência, vendeu já os bois, né? Que tinha uma parte dos bois e comprou um barco… e a partir daí, começamos a fazer recreio pra Maués, levando passageiros e mercadorias… Ou produtos, né? E aí isso passou um pouco a ser o ganha pão da família. Eu passei também a estudar, já lá no interior fiz a primeira série até a quarta série. E quando eu completei a quarta série, eu decidi sair porque eu tinha muita vontade de estudar fora e retornar para ajudar os meus familiares, aí eu decidi vir para Manaus. E já estava tudo pronto, minha transferência pra vir pra Manaus… quando foi um dia antes, o meu tio que era presidente da comunidade, o senhor Francisco Vieira Arruda, me convidou para ser professor da comunidade, para trabalhar com uma classe de alunos lá, multisseriada. Aí eu fiquei com uma dúvida, né?: "E agora, o que é que eu faço? Eu vou estudar ou fico…?". Na verdade,

eu nunca tinha dado aula, né? Trabalhado, mas como na época os professores não precisavam ter formação no magistério para ser professor, depois de pensar um pouco eu decidi ficar.


P/1– Que idade você tinha?


R– Eu tinha vinte e... Foi em 1992, no ano de 1992. Aí eu decidi ficar lá dando aula. Comecei com uma turma de 42 alunos, multisseriada, trabalhando com pré, primeira, segunda, terceira e quarta série, só em uma sala. Era uma dificuldade grande, mas eu tinha colocado uma coisa assim: já que aceitei trabalhar como professor eu ia dar o máximo de mim pra...

Na verdade, assim, eu pensei: “ Vou dar o máximo de mim para apresentar os filhos dos comunitários no final do ano, pelo menos com o conhecimento básico, né? Para que eles pudessem ter o início de estudo.


P/1– Só uma coisinha sobre a escola. Como é que era o material escolar? Como é que era isso e a sala? Você lembra disso?


R– Na verdade, a minha comunidade até hoje, não melhorou o prédio escolar. Eu comecei a trabalhar num barracão, no chão, né? Coberto de palha, cercado de ripa. Era de 4x5m, imagine?Eu ficava um apertado no outro. Quando chovia, a gente tinha que parar a aula porque chovia pra dentro da sala, não conseguia dar aula. Depois, com o passar de uns 2 anos, a escola foi cercada, mas não mudou o tamanho. Aí fiz só um piso batido e trabalhei lá até 2002 nessa escola e a partir daí, o período todo de trabalho foi multisseriada, né? Com várias turmas juntas. Mas assim, hoje o trabalho que a gente fez lá surgiu efeito, né? Inclusive tem alunos meus hoje já almejando fazer faculdade, quer dizer, tem alunos que surgiram, que foram... Inclusive, vieram para Manaus estudar... mas a dificuldade, por exemplo, de manter... O didático era muito escasso. Não tinha material didático. Tínhamos que, por exemplo, cortar um lápis em três pedaços para distribuir para os outros alunos. Na verdade, não tínhamos tanto material ou então, reuníamos com os pais, algumas vezes, para comprarem o material para os filhos, pra ajudar no material didático. Então, na verdade, era uma parceria entre a escola e a família para que pudessem ajudar na educação.




P/1– Qual era a faixa etária dos alunos? Você comentou... A idade dos alunos?


R– A idade é variável. Ela varia de 6 anos a 15 anos, né? Variava nessa faixa etária. Aí tinha mulheres e homens.


P/1– E qual foi, assim, os maiores desafios de lecionar, para você?


R– Primeiro, a falta de experiência, né? Eu não tinha uma formação acadêmica para trabalhar com crianças, principalmente com turma multisseriada, que é

mais ainda complicado, porque você trabalha com várias séries em uma única classe. Mas aí eu não fiquei também parado no tempo, eu procurei ler livros, procurei... A partir daí, em 2002, eu tinha decidido algumas coisas na vida, né? As oportunidades que surgissem para estudar, eu ia sempre agarrá-la, buscar me formar... aí quando entrei nesse processo de professor, eu conversei com o vereador da minha cidade, lá de Boa Vista, o Agenor Dinelly, que inclusive já faleceu. Tínhamos articulado com ele para fazer o curso de formação no magistério. Na época, ele tentou articular isso e a gente conseguiu criar uma turma de formação do ensino médio, na formação de magistério em Maués e nós fomos uma turma de 11 professores que se chamava professor leigo, né? Não tinha formação para trabalhar, no caso da sala de aula. Então, depois de 2 anos eu me formei em magistério.


P/2– E como foi a experiência do seu curso? Tem alguma história marcante?


R– É, foi uma experiência e tanto porque, imagina, eu trabalhar numa comunidade rural e ter também... Porque o curso, de certa forma, ele contribuiu para a minha formação, né? Era nas férias, então, de 6 em 6 meses, nas férias, íamos para a cidade e estudávamos um mês lá, depois retornávamos para praticar em sala de aula. Então, isso ajudou. Nesse curso de magistério, houveram outros cursos, por exemplo, que ajudaram, né? Teve alguns outros como, "Luz do Saber", que era um programa do governo do estado. Na época, não era nem pra mim, mas eu me metia de penetra, algumas vezes, e o pessoal me chamava de penetra mesmo, mas era porque eu queria buscar conhecimento. Paralelo a essa questão da formação, fiz vários cursos do Sebrae [Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas], alguns deles, por exemplo, me ajudaram a crescer profissionalmente. Então, isso pra mim foi uma situação que ajudou. E aí, em 2002, com a conclusão do ensino médio em magistério, com essa mesma turma de professores, de 11 professores, nós já tínhamos 2 anos de convivência e articulamos com o prefeito da época para nos incluir no curso normal superior. Não foi fácil, mas nós conseguimos juntar uma turma, né? Na época, a OEA [Organização dos Estados Americanos], tinha iniciado um programa, Pró-formar, para a formação de professores no interior do estado e como começou em 2002, nós não conseguimos... Em 2003, praticamente… Foi em 2002 mesmo. Nós não conseguimos entrar nas turmas iniciais. Porque não tínhamos concluído o ensino médio. E aí, nós ficamos preocupados porque... "Vai ter outras turmas? Vai ter pra gente poder fazer?". Então, como concluiu as outras duas turmas, nós ficamos de fora, mas tivemos que articular com o vereador, com o prefeito na época. O prefeito era o Vasco Ribeiro e ele foi acessível às nossas reivindicações e trouxe uma turma presencial, fez um convênio com a OEA e os professores iam da universidade para Boa Vista do Ramos e, também, para trabalhar nesse processo de formação nas férias. Os professores iam daqui pra lá pra gente... Aí iniciou o curso normal superior e concluímos em 2006. Então pra mim, assim, foi um motivo de muita felicidade, né? Porque tivemos a oportunidade... que não é tão fácil num município do interior do estado, onde se concentra as maiores universidades e a qualidade do ensino é na capital, principalmente, essa questão do normal superior. Então, nós tivemos essa oportunidade de concluir o curso lá em Boa vista do Ramos que é a minha cidade de origem. Onde realmente eu nasci. Então, foi lá.


P/2– Queria só... uma curiosidade. Dessas aulas que você dava que era multisseriada, você lembra de alguma situação? Alguma aula, assim, que ficou marcante pra você? Que você guarda isso?


R– Ah, eu guardo algumas. Tem algumas que eu... Nós como professor tem várias experiência em sala de aula, né? Alguma dessas experiências foi, até mesmo com... Assim, por exemplo, no respaldo, né? Situações... Uma sobrinha minha, Franciscléia, foi minha aluna, percebi que ela era muito inteligente, sempre se destacava na sala de aula e eu sempre dizia pra ela, né?: "Olha, tu tem que se interessar, que tu vai conseguir um dia chegar num estudo melhor". E ela, inclusive, foi pra Maués, hoje está estudando em Maués e realmente está indo num caminho muito bom. Então, nessa parte de perspectiva, ela também seguiu um pouco a mesma linha que a gente tá seguindo. Uma experiência dela que também aconteceu com meus filhos, né? Os meus filhos, por exemplo, eu tenho quatro filhos, três homens e uma mulher. Eu fui o professor nas séries iniciais, eu fui o professor deles. Eu tive a oportunidade de, além de ser pai, ser o professor deles. E assim, eles nunca perderam um ano. Hoje tem uma que está aqui no colégio adventista, aqui perto da Eva, tá fazendo o primeiro ano. E os outros três estão lá em Boa Vista. Então, dois estão na sétima série, o outro está na sexta e eles nunca perderam nenhum ano de estudo. Pra mim, uma experiência dessa questão, do início do trabalho, que eles conseguiram de certa forma, não perder nenhum ano de estudo. Além de outras experiências, que a gente percebeu.


P/1– Indisciplina, não tinha isso?


R– Ah, tinha, né?


P/1– Você lembra de algum caso?


R– Por exemplo, na sala de aula, a gente combinava, às vezes, com o pai, né? Principalmente essa questão do recreio, porque a gente tem que dar 4h de aula por dia, né? E teria o recreio, por exemplo, que a gente chamava na época, quando tem a merenda, os alunos saem pra merendar e depois retornam. Aí percebemos que quando dava a aula até 9h e depois o intervalo de 15 minutos... os alunos gostam muito de futebol, de brincar de bola, iam pro campo e brincava. Quando voltava pra sala de aula, vinha suado, sujo, aquela questão toda. Aí sujava os livros, cadernos, então isso prejudicava no segundo horário de aula. Aí decidimos com os pais que, segunda, terça, quarta e quinta não daríamos o recreio, somente na sexta-feira, que a gente fazia brincadeiras diversas e também dava aulas de bom comportamento, que na época as famílias combinaram com a gente para trabalhar isso com os alunos. Tivemos alunos de todos os tipos, teve alunos, por exemplo, que na época do recreio brigaram. Brigaram e os pais vinham tomar satisfação, pra tentar ver o que tinha acontecido. Aí eu, assim, ficava numa situação extrema, né? Às vezes, os pais acham que a escola... hoje ainda tem esse pensamento, tem muitos pais atualmente que acham que mandando o filho pra escola, o professor que tem que fazer tudo. Antigamente, a gente lembra que os pais sentavam com os filhos e eles orientavam, davam orientação de comportamento, como tratar as pessoas e agora parece que mudou, o pai entrega pra escola e a escola tem que fazer isso. E aí nesse período, quando aconteciam essas desordens, briga entre os alunos, os pais vinham tomar satisfação, mas como combinávamos com eles para que pudéssemos ouvir os alunos e não trazer conflito pra escola, conseguíamos contornar essas situações. Mas, quando saiam da sala de aula, os alunos já saiam com fome, às vezes, não tinham se alimentado, porque nem todas as vezes eles tomavam café em casa e quando saía da aula, estavam extremamente famintos, né? Aí já queriam subir em árvore, pra comer qualquer fruta, subir na fruteira do vizinho e isso causava também uma outra situação, né? Às vezes, o vizinho não ficava satisfeito. Teve alguns momentos que tivemos que fazer o aluno descer da árvore para ir pra casa porque, vai que o aluno caísse, quebrasse o braço... aí causava todo um transtorno. E algumas situações, por exemplo... tem uma prima minha, a Leondina, que os filhos dela estudaram comigo e aconteceu uma coisa, assim, que me preocupou muito na época que eu trabalhava na comunidade. Ea queria que as filhas... na verdade ela só tem filha, fossem muito certinhas. Por exemplo, quando uma filha quebrava a ponta do lápis da outra e chegava em casa que a outra contava, ela dava uma surra na filha, né? E por coincidência, só deixava pra dar a surra quando eu fosse passando na casa. Eu não sei se era pra eu ver que ela estava disciplinando ou se, de certa forma, para disciplinar as filhas dela. Aconteceu umas duas vezes de ela bater na filha quando eu ia passando pela frente da casa, que na época era de canoa, né? Aí, teve uma dessas vezes que eu chamei a atenção dela, pedi pra não bater mais nas crianças, porque se ela viesse a bater eu iria denunciá-la ela, né? Porque de certa forma, não era uma disciplina salutar, aquela disciplina de conversa, ela era “baque” mesmo, né? E a gente viu que não era o correto. Enfim, foram várias histórias e experiências que aconteceram e que poderíamos passar um bom tempo contando algumas. Mas assim, algumas delas foram isso.






P/1– Só voltando um pouquinho, Jair, aproveitando que o senhor está falando das traquinagens das crianças. Aí eu queria que você me contasse um pouco de como era o Jair criança também. Se você era tranquilo, era traquino. Como é que era?




R– Na verdade, a gente não fugia muito das crianças de hoje. De certa forma, assim, do meu ponto de vista, não era tanto como hoje, porque eu lembro que na época que estudávamos, havia disciplina na escola. Significa dizer o quê? Que o professor ou a professora mantinha a ordem na sala. O alunos também, quando acontecia alguma desavença ou alguma traquinagem, o professor comunicava o pai ou a mãe e aí o filho era chamado a atenção e de certa forma até corrigia. Então, ele iria se comportar de certa forma bem. Em consequência daquele convívio em relação à sala de aula, tínhamos um comportamento até melhor. Mas, em alguns momentos também, a gente fazia as traquinagens, né? Que não era tanto santo. Agora, aconteceu umas coisas, más interpretações, podemos dizer assim, ruim, por alguns professores, não só aconteceu... Assim, comigo eu tentei de certa forma, sempre manter a ordem em parceria com os pais. Mas, aconteceu algumas coisas, por exemplo, com alguns colegas meus na época, que não poderia mais disciplinar, usar a régua, usar caniço, que no meu tempo, ainda usaram caniço, régua para...


P/1– Como é que é o caniço?


R– Era uma vara, por exemplo, que quando o aluno estava fazendo alguma traquinagem, o professor batia na cabeça ou na orelha. Ou a régua, que se ele fosse realmente desobediente, ele ia pegar uns "bolos" na mão mesmo. Ainda tinha o milho também, né? Que quando era aquele aluno bem ruim, ele tinha que se ajoelhar em cima do milho e ficar um tempo. Então, nesse período, os alunos, de certa forma, eram mais disciplinados. Mas, não concordamos com aquela disciplina, daquele jeito, né? Era torturante para os alunos. Só que, por exemplo, com essa fiscalização trouxe uma situação mais liberal pra escola o que prejudicou, porque hoje, os alunos em algumas escolas pulam pela janela e fazem tudo que quiserem dentro da escola, porque o professor não pode mais, nem chamar a atenção, senão, prejudica a escola e já tem denúncia. O professor então, se retrai e, às vezes, a sala não tem ordem.

P/1 - É difícil equilibrar esses excessos, né?




R– É. Depende muito do profissional também. Depende muito do professor. Ele sendo, realmente, um professor que consegue manter a ordem e a disciplina sem se prejudicar, como na escola tradicional que realmente era mais rígida. Enxergamos a escola, realmente, que mantém a ordem, mas não são todas. Boa parte, principalmente quando (uma vez?) é o profissional inexperiente, né? Isso, às vezes, causa um transtorno pra escola.


P/1– Jair, e as brincadeiras de infância? Como é que era? Que tipo de brincadeiras vocês faziam quando eram crianças?


R– As brincadeiras... Era brincadeira mais criativa, por exemplo, dizer assim, da família, né? No caso da família, juntava umas crianças com as outras, brincava ou de esconde-esconde ou de barra bandeira. E essas brincadeiras refletiam também na escola. Mas, a brincadeira que mais se reflete no interior é o futebol. O pessoal já... Na época, não tinha muita bola. Fazia bola de borracha, né? De seringa, do látex, da borracha da seringueira, né? E aí brincava de sacola mesmo, juntava bastante sacola, botava uma dentro da outra e fazia bola pra ficar jogando. E as brincadeiras mais comuns eram essas, né? Que tinham outras também que as meninas, no caso, as mulheres tinham outras brincadeiras, né? Digamos, das mulheres. Mas eram essas brincadeiras da época que funcionaram no raio da... No convívio familiar e refletia também na escola.


P/1– E vocês costumavam brincar no rio? Perto da floresta... ? Como era o contato com a natureza?


R– O rio, na verdade, é usado muito pro banho, por exemplo, pular n'água, que a gente chama lá, né? Pular n'água e brincar da mãe também, no rio.


P/1– Como é que é essa brincadeira?


P/2– É. Conta as brincadeiras típicas.


R– É. Por exemplo, essa do rio, no caso da brincadeira da mãe era... Fazia o sorteio, né? Podemos dizer lá e escolhia quem era a mãe. Aí os outros nadavam pra todo lado. Então aquele que era a mãe tinha que pegar um, aí depois pegava aquele e aquilo já era dois, aí já pegava o outro, até ver quem é que ficava o último a ser pego, né?


P/2– Tudo nadando no rio?


R– Tudo nadando mesmo, né?


P/1– Qual é que era o rio?


R– Lá na minha comunidade é um lago, né? lago do Tamoatá. Que é oriundo do afluente do rio Urubu, lá. Na minha região é o rio Urubu.


P/1– Quando você pensa nessa região que você nasceu, o que é que te vem na lembrança quando você fala sobre a Amazônia?


R– Bom, aí, relacionado à minha região, a Amazônia, é assim, eu vejo que é um convívio ainda tradicional, né? Como assim?

No sentido de que as pessoas ainda convivem muito próximas da natureza, né? Tanto dos animais, do rio, do convívio comunitário. De certa forma, excluído de muitos benefícios aos quais a tecnologia desfruta, né? Inclusive, nós temos sofrido um grande problema na nossa região que é o êxodo rural. E que tem saído praticamente muitas pessoas da região pra vir, inclusive, pra Manaus, pra outras cidades, em busca de estudo, em busca de alternativa. Isso, de certa forma, esvazia a região lá e perde aquela característica familiar, porque na maioria das vezes as famílias que eram grandes, compostas por vários filhos, vai saindo, vai ficando desestruturada. A família, às vezes, fica só o casal com aquela área de terra lá, improdutiva, que não consegue desenvolver a produção. Assim, relacionado com a Amazônia, é o meio natural que a gente tem aqui, né? Da convivência com o rio, com os animais, com a floresta que, de certa forma, a gente percebe que têm se degradado. A própria população, por falta de conhecimento, de formação mesmo, na área ambiental, na área do desenvolvimento sustentável, tem usado a natureza de forma degradante, né? E isso tem prejudicado, inclusive, o desmate desnecessário das nossas florestas, a derrubada, por exemplo, das matas ciliares. A queima dos Aninga-açu, uma espécie de mata do lago que é onde os peixes se escondem. Então, isso tem prejudicado um pouco, não só aqui no nosso município, mas no Amazonas. Inclusive, outros estados também, que é essa questão da degradação. A gente tem buscado, por exemplo, parceiros para trabalhar essa questão do... Inclusive, nos acordos de pesca. Mas, sentimos mesmo é uma necessidade grande de trabalho, de investir no ser humano. Porque defendemos que a formação das pessoas é importante para esse processo. As pessoas que vivem aqui na Amazônia ou no caso da minha região, no meu município, elas trazem uma formação cultural onde tem algumas pessoas que dizem: "Ah, tudo o que Deus colocou não acaba", algumas pessoas ainda dizem assim. Mas, sabemos que isso não acontece, né? Tem alguns municípios, por exemplo, algumas comunidades próximas de Boa Vista do Ramos ou até mesmo lá, que antes era farta de peixe e outros tipos de animais e, atualmente, as pessoas estão levando conservas da cidade porque não existe lá. Porque há uma prática degradante, ou seja, predatória mesmo, do pescado, dos animais, e isso prejudica a questão do convívio. E aí as pessoas também, com essa degradação, vão invadindo, né? Para outras áreas, por exemplo, ruins.


P/2– Deixa a gente voltar um pouquinho...


P/2– Queria voltar só um pouquinho. Queria explorar um pouco mais, pra nós paulistanos é importante sabermos isso que você tá colocando, mas eu queria explorar uma outra coisa. Quando você falou sobre os animais, as árvores... Assim... quais árvores? Os nomes... Se você puder falar pra gente. Quais animais... ?


P/1– … que você sentiu que foram extintos, podem ser… que estavam no convívio, mas se afastaram, que você não vê mais. Você estava falando dos peixes que se evadiram. Você tem alguns exemplos?


P/2– Uma outra coisa, você também tinha falado que as crianças subiam nas árvores para pegar frutas. Quais árvores? Quais frutos eram esses? Pra ter uma idéia dessa paisagem.


R– Certo. No caso das frutas, eram os frutos mais dos quintais dos vizinhos: jambo, ingá, goiaba, laranja, né? Abil... São algumas das espécies que as pessoas plantam nos quintais e que faziam parte da refeição pós-escolar dos alunos.


P/1– Como é o nome do último que você falou?


R– É abil. É uma fruta que tem um leitezinho, que talvez vocês não tenham lá, mas... aqui na região tem algumas frutas que nas outras regiões não tem, né? Então, essas eram algumas das frutas. Em relação aos animais, que anteriormente existiam e que hoje praticamente não tem... alguns deles são a capivara que era um animal que tinha bastante. Atualmente, lá na minha região, praticamente, não tem mais. A anta, o peixe-boi, por exemplo, tem ainda, mas tá… já depredou um pouco a espécie. Outros animais, né? Veado... animais mais da floresta mesmo que... Porque as pessoas, de certa forma, consomem eles. É assim, se for caçar, matar um. Aí se ele for, no outro dia ele quer matar outro. Então, se torna um ciclo degradante, né? De certa forma, prejudica, e aí, conciliando com a questão das espécies do rio, né? O pirarucu, que é o peixe aqui da nossa região, maior peixe da água doce, também foi degradado. Anteriormente tinha bastante, mas aí as pessoas vão só matando e não preservam na época da reprodução. E aí chega o momento que ele vai ficando escasso. O tambaqui também, que é outra espécie bastante consumida aqui na Amazônia, né? Também tem sido... tem ficado escasso por essa prática predatória. A gente tem lutado, por exemplo, por essa questão dos acordos de pesca, que é para dar suporte para que a gente possa manejar o rio, o lago, né? Isso tem ajudado. Uma outra espécie também, que sofreu bastante diminuição na nossa região foi os quelônios ou o tracajá, pois as pessoas consomem, mas também usaram de forma predatória.


P/1– As pessoas consomem muito o ovo do tracajá, né?


R– Consomem, consome bastante. Na época que se usava os arreios, alguns arreios específicos, por exemplo, na pesca, arpão, flecha e caniço. Os peixes não eram tanto degradados. Depois que veio a tarrafa, malhadeira ou arrastão, aí esses arreios facilitou a pesca e prejudicou ainda mais o sumiço ou a diminuição da espécie.


P/1– Então, continua. Você tava falando das árvores.


R– Bom, em relação às espécies das árvores que nós... Na verdade tínhamos, né? Atualmente, temos, mas na região praticamente não tem mais. Elas já estão mais em outras áreas, mais afastadas das comunidades. Algumas delas por exemplo, cedro, acariuba, itauba, mogno, porosa. São algumas das espécies que a gente tinha como madeira de lei e que é, na verdade. E essas espécies foram depredadas, né? Atualmente, a situação, dela não é boa. A gente pode até dizer assim, lá na minha região. Por exemplo, pra você tirar madeira para reformar a casa, tá mais difícil hoje. Poxa, você pode dizer assim: "Ah, mas tu não tá na Amazônia, aqui no meio da floresta?". Mas, na verdade, o que acontece: elas fazem a roça e após a roça põem pastagem para criar boi. E aí a floresta não volta mais, né? Ou quando ele não consegue manter a pastagem e vira capoeira. Para se tornar floresta de novo levará muitos anos. Na região, com a falta de algumas espécies que são propícias para questão da madeira, para reformar a casa, aí você vai ter que ir pra outra região ou para outro município, comprar ou tirar a madeira pra fazer esse trabalho. Porque na região onde eu moro, ela é parecida com uma ilha, de um lado tem cinco comunidades na margem do rio e do outro lado da ilha tem três comunidades. Posso até citar o nome delas aqui: São Pedro de Tamoatá, a Vila Fátima da Terra Preta, o Bom União, Santo Antônio do Rio Urubu, a Nossa Senhora do Carmo do Itaubal, São João do Amandio, Amandio e Cristo Bom Pastor do Paris. São as oito comunidades que estão em torno dessa ilha.


P/1– Qual que é o rio?


R– rio Urubu.


P/2– Desculpe, só uma curiosidade, que ____________. Assim, como é quase uma ilha, tudo tem que andar de canoa, como é que é o dia-a-dia nessa comunidade? Como é que é o dia-a-dia das pessoas que vivem nessa comunidade?




R– Bom, o dia-a-dia das pessoas, na verdade, se torna tipo como uma rotina. As pessoas, fazem o plantio básico da agricultura, a roça ou outras culturas da agricultura familiar e aí voltam pra casa. No período da tarde, os homens vão jogar um futebol e à noite assistir uma televisão. Cada comunidade tem um motor de luz, né? E vem pra assistir jogo, novela. Assistir um pouco a televisão. Mas, o convívio, é a pesca, planta... esse convívio comunitário mesmo. Às vezes, quando uma pessoa vai pescar, uma família chega na comunidade, distribui para as outras famílias. Isso tem acontecido, né? E então, o convívio é muito comum mesmo, muito comunitário entre as pessoas da região.


P/1– Eu queria que o senhor me falasse um pouco das lendas. Mitos. Da região amazônica.


R– Tem algumas lendas aqui na Amazônia, mais especificamente, no município ou aqui na região nossa do Baixo Amazonas... Boa Vista do Ramos tem algumas lendas também sobre o boto. O boto vermelho, né? Se transforma. As pessoas dizem que se transforma num homem e que vai nas casas à noite deitar com a mulher. Então, uma das lendas que tem é o boto que se transforma em homem e vai nas casas, né? São várias histórias, mas eu vou me retratar um pouco numa lenda que é originária lá de Boa Vista do Ramos, a lenda da Boiúna. Na verdade, lá em Boa Vista do Ramos tem um Igarapé que se chama Boiúna e que deu origem a essa lenda do município de Boa Vista do Ramos. No período do folclore, que acontece 10 de Junho ou Julho, varia a data, eles fazem a festa, tem as danças folclóricas. Tem a lenda da boiúna, tem o calça molhada, que é uma dança e outras danças, mas o que é a lenda? A lenda diz que uma mulher engravidou no início da construção do município e deu à luz a duas cobras. E essas duas cobras,

foram pro Igarapé que hoje se chama Boiúna, né? A lenda diz que essas duas cobras originaram o nome da cidade e quando saíram do Igarapé, enquanto se mexiam, as cobras criavam uma onda tão grande que banhava quase toda a frente da cidade. A partir daí... essa lenda é um pouco história longa, na verdade, eu tô aqui tentando resumir ela. Mas, essa é a lenda originária de Boa Vista do Ramos que inclusive foi registrada e a responsável por criar o folclore de Boa Vista do Ramos, originando essas e outras danças no município que no momento eu não tô lembrando dos nomes. Mas, a lenda mais importante de Boa Vista dos Ramos é a de Boiúna.


P/2– Como é a dança? Você falou dança da calça, como é que ela é?


R– calça-molhada.


P/1– Como é que é isso?


R– Lá eles fazem danças folclóricas, né? Então, tem uma pessoa lá que é a... Chamam de Dona Rose. Ela tem uma facilidade bem grande nessa questão de formar as danças e aí elas preparadas, são danças... As pessoas, por exemplo, fazem os grupos de dança e aí são dados os nomes. Por exemplo, no caso, tem uma dança que é o dança dos calças molhadas.

P/1 - É o nome do grupo?


R– É o nome do grupo. E outra que é... Tô esquecido agora o nome, não tô lembrando, mas são vários outros nomes que dão origem ao folclórico de lá. E quem, dos dois bois, por exemplo, que disputam o folclórico é o Minas de Ouro e o Tira Fama, que são dois bois que também disputam lá na época do folclore.


P/1– Conta um pouco dessas festas, né? Quando acontecem... Como é que é a mobilização da população pras festas.


R– Esses dois grupos de bumbá, o Minas de Ouro e o Tira Fama, tem um grupo que prepara as danças alegóricas, também toda a parte de estrutura de ensaio. Isso acontece mais no mês de junho, né? É sempre depois da festa de Parintins, que é festa mais conhecida no Brasil. No caso, o Garantido e o Caprichoso, lá em Boa Vista do Ramos é o Minas de Ouro e o Tira Fama. E aí, então, tem todo o processo também de rainha, das músicas que são constituídas pelos grupos de bumbás. E quando vão pra arena, eles vão apresentar essas danças. E aí eles criam toda uma fantasia para que seja apresentado da melhor maneira possível, no caso, lá em Boa Vista do Ramos.


P/1– Em que época do ano que é feita a festa?


R– Sempre acontece no mês de Junho, no final do mês de Junho.


P/2– E como é que você participa? O senhor já participou dessa festa?


R– Ah, eu praticamente não participo dessas atividades. Eu admiro, o Boa Vista tem esse folclore, que inclusive precisa ser fortalecido pelos governantes, que, na maioria das vezes, não tem apoio. Na verdade, precisa se constituir num grupo mais representativo para que eles possam, inclusive, buscar apoio, mais de parceria pra fazer crescer o movimento folclórico de Boa Vista do Ramos.


P/1– E as comidas típicas?


R– Bom, as comidas típicas da região e não foge também muito do meu município, lá da minha região é o peixe, o peixe com farinha, mesmo, né? E aí faz-se o peixe de várias formas, né? Cozido, frito, assado. E aí tem outros que pode fazer guisado.


P/1– Tem alguns temperos que sejam diferentes?


R– É, aqui varia. A comida regional daqui usa cebolinha mesmo, tomate, enfim, tem vários pratos diferenciais aqui na nossa região. Lá no caso de Boa Vista do Ramos tem também a carne do boi, que também se usa bastante, que tem bastante boi na região. Além dos animais também, da floresta, que é caçado e tem _____ uns pratos prediletos. Esse período agora tem o prato, o tracajá, né? Que o pessoal assa também o tracajá pra se alimentar.


P/2– É um bicho?


R– É um bichinho de casco, é o quelônio.


P/1– Mas não tá proibido?


R– É mas... Na verdade, tá proibido, assim, mais para comércio mesmo, pra vender. Mas os comunitários e o município usam para consumir. Quando ele é usado para consumo não é predatório, pelo menos no nosso entendimento lá. E aí usa esses pratos diferenciados.


P/1– E os animais de caça, quais são?


R– Alguns animais de caça, por exemplo, que usa mais, é capivara mesmo, a paca, o veado, tatu. São animais que são consumidos, assim, de caça. Alguns outros são muito raros, como a anta, enfim, são mais raros, assim, mas tem alguns que são consumidos com mais consistência.


P/1– Vamos partir pra apicultura agora? Eu queria saber de onde que veio esse interesse pela apicultura. Como é que surgiu?


R– Bom, a questão da apicultura que pra nós é assim, é apicultura porque tá registrado no ministério ou nos órgãos competentes, como apicultura, mas nós trabalhamos com a meliponicultura.




P/1– Qual é a diferença?


R– A diferença, por exemplo, que a apicultura trabalha com as melíferas, que é abelhas com ferrão, a apicultura, no caso. E a meliponicultura é com abelha sem ferrão e são as abelhas nativas, aquelas que a gente trabalha no município de Boa Vista do Ramos.


P/1– Descreve um pouco a tua atividade. Como é que é o dia-a-dia.


R– Pois é, a meliponicultura, ela... Na verdade, ela já era praticada lá pelos nossos antepassados, né? Pelos nossos avós e pai. Só que de forma... Não da forma que a gente trabalha hoje. Na época era muito trabalhado assim, as pessoas queriam consumir mel, iam lá na floresta, derrubam a árvore. Aí tira o mel e deixa a colônia lá, da forma que ela ficou, fica lá, derrubada. Essa prática, ela vinha acontecendo por muitos anos, desde a época de nossos antepassados vinha acontecendo. Quando foi em 2002 veio uma pessoa do Rio de Janeiro, que trouxe uma nova concepção de criar as abelhas, que despertou, de certa forma, pra nós lá na região, no município, que a gente usava... Na verdade, o mel lá ainda é usado, mas antes era usado muito mais como remédio, não se usa mel para consumir como alimento, as pessoas usam o mel mais no remédio mesmo, quando tá com problema de tosse, gripado. Mas isso, não havia o interesse pela questão do produto porque... Por exemplo, você levava um produto pra cidade, uns dez litros, vendia, pronto, abastecia, as pessoas não consomem mel como alimento. E aí, quando veio essa nova tecnologia de criar as abelhas de forma racional, que é colocar ela numa caixinha e reproduzir ela pra que ela possa aumentar a quantidade, aí a gente analisou que dava pra criar uma quantidade maior de mel. Essa prática aí aconteceu, da discussão, em 2002. Quando foi em 2003 nós construímos a associação, que é a Acaiá, Associação dos Criadores de Abelha Indígena da Amazônia e aí nós constituímos essa associação e passamos a formar os meliponários na residência dos sócios, multiplicar as colônias e aí começamos a aumentar o volume de mel por família. E com esse aumento da quantidade de mel a gente começou a perceber que dava pra se ganhar dinheiro, e de forma racional, sem depredar, sem derrubar árvore, a floresta. E aí foi então que nós começamos a nos organizar para fortalecer a atividade. Buscamos alguns parceiros na época, o prefeito no início ajudou na atividade. O governo do estado mesmo, através da... Na época, a Floram [Fundação Municipal do Meio Ambiente], né? Que ajudou a fortalecer a atividade lá no município e aí nós começamos a... A Fundação Doutor Thomas também, que é uma empresa aqui de Manaus. A Fundação Avina também que inclusive ajudou no período e trouxe esse incentivo pro produtor. Começamos a coletar o mel numa quantidade maior e vender, além de servir também para o consumo. Começamos a vender aqui pra Manaus, pra outros municípios, foi uma atividade que começou a gerar renda.


P/1– E quando o Banco do Brasil entra?


P/2– Só um minutinho, uma pergunta anterior, que eu queria saber um pouco mais sobre as abelhas. Essa abelha sem ferrão, ela já é assim sem ferrão? É natural?


R– É, é uma abelha tipicamente da região. Uma abelha nativa. Essas realmente são as abelhas brasileiras. Essas realmente são as nossas abelhas brasileiras, porque a ápice é oriunda da... as abelhas com ferrão vieram da Europa. A européia, a africanizada, que a gente diz, né? Que na época, um pesquisador trouxe de lá e implantou aqui no Brasil, mas a nossa mesmo, brasileira, são as abelhas nativas que não têm ferrão. Você faz o manejo delas sem precisar de estar todo equipado, parece um astronauta, precisa ter... Não usa fumaça, naturalmente a gente trabalha com elas. Inclusive as crianças também fazem parte do convívio, ela não traz ameaça pras pessoas.


P/1– Mas, ainda assim ela pica, né? Você tava explicando...


R– Na verdade, ela não tem ferrão, ela não pica. Ela às vezes tem uma mandíbula que ela morde, né? Dá uma mordida que, às vezes, incomoda um pouco. Mas, ela não tem ferrão, portanto, ela não pica.




P/2– E assim, do mel da abelha com ferrão e sem ferrão. Qual é que é a diferença do mel?


R– Olha, no entendimento que a gente tem buscado, o mel de melíponas tem um valor nutricional muito melhor do que o da ápice. Além de ele ter um sabor diferenciado, ele serve para várias... remédio, tem essa questão de servir de remédio. Para várias outras formas que ele serve, além do alimento, né? Ele tem um sabor diferenciado. A consistência dele é mais diferenciada, se for provar um e o outro, você vai ver que ele tem um diferenciado. Até porque varia também de cor. Aqui, no caso, nós estamos na floresta Amazônica, o mel aqui, basicamente na maioria, o mel é mel silvestre, né? Nós não temos um específico de uma determinada árvore ou planta. Mas ele, segundo algumas informações, inclusive o nosso mel já foi até pra São Paulo fazer análise, a gente tem dados que ele realmente tem um mel de qualidade. Ele é, segundo algumas informações, dez vezes melhor do que o da ápice. Tem um valor nutricional, né? É claro que a gente está ainda em estudo, que na verdade o mel da ápice, o mel de melípona, que no caso, a meliponicultura não tem ainda nem registrado no Ministério da Agricultura. Isso tem causado, inclusive, problemas para registrar, né? Não tem meliponicultura por exemplo, que diferencia. Agora, por exemplo, o Inpa [Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia], alguns órgãos, as universidades aqui do Amazonas, têm buscado pesquisar, né? E a gente espera que tenha ainda bastante estudantes, universitários, que se aprofundem nessa atividade e que a gente possa se organizar para legalizar a atividade. Que a gente espera que complementa a renda familiar. Os produtores, por exemplo, as famílias que continuam trabalhando nas suas atividades normais é mais uma atividade que está gerando renda, né? E que a gente acredita e defende que seja realmente uma atividade propícia para complementação da renda familiar. Até porque ela ajuda, além de manter a floresta de pé. As abelhas são de 70% a 90%, são elas que polinizam as árvores, então ela aumenta. Na minha região, por exemplo, aumentou bastante a quantidade de frutas por causa das abelhas. Inclusive, nós temos hoje uma atividade em parceria com o Sebrae que é reflorestar as propriedades dos nossos produtores. Aqueles que já degradaram bastante, nós estamos querendo reflorestar os meliponários para ajudar na questão do meio ambiente e também na produção do mel.


P/1– Eu queria saber como é que vocês aprenderam a multiplicar as colônias e a lidar com as abelhas. De onde vem esse saber?


R– Essa pessoa, por exemplo, que veio do Rio, por exemplo, um professor que é pesquisador, que estudou essa questão das abelhas juntamente com o Paulo Nogueira Neto, inclusive tem um livro que escreveu, eles criaram essa forma de criar as abelhas em caixas, com módulos ou com gavetas. Aí coloca elas nessa caixa e a gente constrói ela, tem medidas... Por exemplo, nós criamos duas espécies lá que são as melíponas seminigras e melíponas compressipes. Aqui, o nome popular delas é parauá e a outra é jupará. Da família da Jandaíra, né? Então, ela coloca o ninho dela nessa caixa, ela vai ter o manejo, os cuidados pra ela se povoar e aí, em média de cinco a seis meses, ela sendo manejada, a gente vai dividir, uma colônia dividimos em duas. Quer dizer, nós vamos fazer o processo de multiplicação. Por exemplo, um produtor que tiver dez colônias bem manejadas, vai multiplicar, fazer vinte. Então, nós não temos necessidade de derrubar mais a floresta pra tirar o mel. Porque a gente já tá trabalhando de forma racional.


P/2– Só um detalhe, o favo de mel, você disse que ela não tem, né? O favo é diferente. Como é que é a estrutura dentro dessas caixas, que ficam?


R– No caso das abelhas com ferrão, das ápices, ela tem o favo, ela cria naquelas... Onde tá o mel. E você pode tanto tirar o mel como tirar com favo, pra botar pra as pessoas se alimentarem ou consumirem. No caso das abelhas sem ferrão, das abelhas nativas, não tem favo. Ela usa uns módulozinhos, uns potes, que a gente chama lá que é um casulo que ela constrói de cera e aí deposita o mel lá, o néctar, nesses potes e veda ele, vai vedando. Assim que ela vai construindo, vai vedando, então vai criando, o que a gente chama lá de pote, né? Que é de mel. E algumas criam em forma de pirâmides, também. Vão construindo os potes em forma de pirâmides, então é diferente. Por exemplo, o ambiente onde ela constitui o mel é diferente do da ápice.


P/1– E como é que vocês colhem?


R– Agora, atualmente, nós estamos coletando com uma bomba de sucção. A gente liga ela num motor elétrico e aí coloca uma bomba, por exemplo, dentro do pote, que suga o mel, que vai para um recipiente, que é um vidro. E a pessoa, tá tudo, por exemplo, com máscara, com touca, com jaleco, com luva, tudo realmente higienicamente correto para ter um produto de qualidade. Os nossos produtores, os nossos técnicos lá, eles fazem o trabalho melhor possível, né? São capacitados pra isso, para que o nosso produto seja de melhor qualidade possível.




P/2– Só uma curiosidade, qual é o material dessa caixinha? Como é que vocês constroem essa caixinha? Como é isso?


R– É de madeira, né? A gente usa madeira, realmente, da região. Essa madeira da região, que a gente usa. Tem uma metragem. Ela é aplainada, tudo direitinho. No natural mesmo. Só usa por fora da caixa, só uma mão de verniz, que é pra questão da umidade não atingir muito a caixa.


P/2– Outra coisa, quando vocês tiram o melzinho com a bombinha. Vocês deixam um pouquinho pra a abelhinha sobreviver? Como é que é isso?


R– Deixa, né? Na maioria das vezes você tira, por exemplo, uma parte do mel e deixa uma outra parte para o consumo dela. Só que ela tem dois materiais para alimento. Tem o mel e tem o pólen, né? Que é um outro material que ela coleta também pra servir de alimentação pra ela, no caso. Mas assim, aqui na região, lá na nossa região e comigo aconteceu uma experiência que eu pensava que na hora que coletássemos o mel, iria demorar um mês, assim, pra voltar a reconstituir-se novamente. No caso dessa espécie de seminigra, que é a parauá, a gente coleta, não destrói o pote, o casulo que ela fez pra colocar o mel, a gente só faz furar em cima dele pra colocar a bombinha. Nesse caso, a gente não destrói a melgueira ou a cera que ela constituiu. E lá comigo, por exemplo, eu coletei um período, depois de sete dias, uma semana depois, tava toda cheia de mel de novo. Então, depende muito da florada também.


P/1– Desculpe eu perguntar, tem épocas?


R– O período que nós coletamos sempre é no segundo semestre do ano. Nós estamos fazendo duas coletas no ano, atualmente nós estamos fazendo duas coletas, setembro e dezembro, porque no mês de janeiro, de janeiro a fevereiro, nós reproduzimos elas.


P/1– E as floradas que você tava falando...


R– A florada, aqui na nossa região, por ser uma floresta amazônica é mais a florada silvestre. É uma diversidade de várias árvores, plantas e flores. Assim, especificamente, não se tem o mel, por exemplo, só de uma espécie.


P/2– Existe, assim, um estímulo para os mais jovens aprenderem esse ofício? O que é necessário?


R– Atualmente temos técnicos que foram capacitados, formados nessa prática de criar abelhas nativas e aí nós fazemos cursos com nossos produtores, e nessas formações os jovens estão também inseridos, né? Eles estão sendo capacitados. Antes, lá no início da nossa atividade, precisaria um técnico estar lá acompanhando o produtor, fazendo os trabalhos, o produtor ficava mais olhando, acompanhando só. Com a vinda de uma parceria que nós constituímos com o Sebrae, nós passamos a capacitar os nossos produtores, né? Hoje, por exemplo, são eles que fazem os manejos. Não há necessidade de... Aliás, tem uma pessoa, um técnico que vai lá só pra fazer avaliação, fazer um manejo, mas a maioria das vezes agora quem faz é o produtor. Porque ele foi capacitado para fazer a atividade. Então ele já sabe fazer a divisão da colônia, fazer o processo de manejo. Inserir a melgueira que é pra ela fazer o mel, enfim, ele já tem essa noção de fazer todo o manejo.


P/2– Você citou várias etapas. Quais seriam as etapas, então? Na produção do mel.


R– É assim, se nós pegarmos os meses do ano, no mês de janeiro e fevereiro, basicamente, nós dividimos a colônia, né? Nós fazemos a divisão de colônias. E aí os dois meses subsequentes, março, abril, Maio, mais especificamente, março a abril, nós fazemos o processo de manejo. Nós fazemos uma alimentação artificial utilizando o açúcar mascavo ou o nosso açúcar natural e fazemos um xarope para ajudar a colônia. Para que ela possa fazer parte, tendo em vista que a gente dividiu a colônia. Então, esse período nós não coletamos mel, porque estamos fazendo o manejo e depois de dois ou três meses, lá para o mês de junho, nós paramos, já é o tempo que ela já se constituiu uma colônia povoada. Paramos e ela já passa a usufruir da floresta para o seu próprio manejo. E aí, mais especificamente no mês de julho, inserimos a melgueira, que é um módulo, por exemplo, para que elas possam constituir o mel na melgueira. Essas são algumas das etapas que a gente constitui.


P/1– E a comercialização? Como é feita?


R– Bom, a comercialização, no início da nossa atividade, alguns parceiros têm nos ajudado, eles têm comprado e ajudado a colocar no mercado. Atualmente, nós estamos com parte do mel já sendo vendido aqui em Manaus. Lá em Boa Vista também a gente vende uma quantidade também do mel,

mas não tão maior. A gente tem, assim, levado o mel bastante para feiras. Nós já tivemos a oportunidade de levar ele pra três feiras da agricultura familiar, em Brasília. Já foi também no mercadão em São Paulo e já em outros estados também, do nosso país. Aqui em Manaus, em várias feiras também. Então a gente tem usado muitas feiras para vender o produto, mas essas feiras, elas têm ajudado para divulgar e também para nós termos contato de possíveis mercado. Inclusive um exemplo que nós temos hoje é a Chamel, em Curitiba. Nós tínhamos já, vendemos o ano passado duas remessas para eles, aí nesse ano já fizeram contato pra vender, mas nós não conseguimos atendê-los ainda porque algumas pendências, por exemplo, em relação ao Serviço de Inspeção Federal (SIF) que ainda nós não temos. E aí até um apelo que a gente faz, né? Aqui pra que o pessoal do Ministério da Agricultura, que

nos ajude a constituir essa modalidade da meliponicultura, né? Inclusive, possamos ter logo porque tá sendo um gargalo para nós inclusive vender o produto. E aí isso tem prejudicado, inclusive, o nosso produtor. Porque o produtor, ele tem o produto lá, nós coletamos o mel e nós não estamos podendo vender, porque precisa, por exemplo... Nós estamos indo pelo caminho correto de vender o produto. Nós fazemos nas etapas corretas, nós já levamos lá médico veterinário, uma pessoa do ministério já foi visitar lá, mas nós estamos com essa pendência. Nós precisamos também futuramente ter um laboratório para fazer análise do mel lá, porque o que tem acontecido? A gente tem mandado o mel pra Manaus, pra fazer análise e volta a amostra pra lá pra primeiro a gente fazer o resultado do mel, pra que gente possa ter um mel de qualidade, ou seja, ter a análise do mel, realmente a gente precisa. Então, é uma atividade nova, também não é de uma hora pra outra que a gente resolve, mas é um apelo que a gente faz, assim, para que os órgãos que trabalham nessa área, que têm interesse, que nos ajude a buscar essa legalização da atividade. E que a gente possa realmente chegar numa hora dessa, além de respeitar a floresta, de manejar a floresta de forma correta, possa gerar renda para nossas famílias, para nossos produtores, para as pessoas que estão precisando de apoio, de inclusão, por exemplo, de gerar renda, também melhorar a qualidade de vida deles.




P/1– Você concorreu ao prêmio Valores do Brasil?


R– É, o prêmio Valores do Brasil, o Banco do Brasil fez um contato conosco. Nós temos um DRS [Estratégia Negocial de Desenvolvimento Regional Sustentável], que na verdade, assim, ele foi constituído conosco lá. Nós fazemos parte de um DRS, que inclusive nós estamos ainda precisando melhorar porque tem algumas coisas que tem... ____________ tem deixado de funcionar no DRS, que são as mudanças da gerência do banco lá no município de Maués, que é agência que atende o nosso município. Nós já estamos no terceiro gerente e esses gerentes todos vêm do Sul. Até______ se adaptar a nossa região tem surgido. Então, nós já estamos no terceiro gerente com o mesmo DRS e isso tem causado dificuldade para a continuação do projeto, porque sempre a gente tá renovando a conversa e a gente, inclusive, pretende melhorar, a partir de agora, essa relação, essa parceria, que precisamos formalizar ainda, precisa melhorar que não tá tão boa, como a gente espera. E aí, uma pessoa do Banco do Brasil, inclusive o Rouanet, foi lá no nosso município e nos apresentou, né? O banco tem um prêmio que é oferecido através do Valores do Brasil e aí foi lá conosco para concorrermos ao

prêmio. E nós fizemos o projeto, né? Encaminhamos o projeto, ele encaminhou o projeto através da superintendência de Manaus e, inclusive, era pra sair o resultado parece que agora, no mês de novembro, outubro, alguma coisa assim. Estamos muito ansiosos pra, de repente... Na verdade estamos concorrendo com outros biomas, que são por biomas que concorre, estamos ansiosos para ver o resultado. Assim... quem sabe não seremos os felizardos a ganhar esse prêmio, que pra nós, com certeza, vai servir, vai ajudar muito, inclusive no fortalecimento da atividade. Inclusive para os nossos governantes lá saberem que, às vezes, a gente não é tão valorizado na localidade da gente, no município, como tem pessoas, instituição fora do município, que estão interessados e tão valorizando a atividade.


P/1– Você lembra o nome do trabalho inscrito? Assim, os eixos do trabalho?


R– O eixo principal é a atividade da associação, no caso da cooperativa hoje e é esse trabalho que ela tem feito, por exemplo, com as comunidades, com os comunitários, com os produtores. É essa forma do trabalho organizado, essa forma de trabalhar essa atividade, respeitando os processos do meio ambiente, da natureza e dando a possibilidade de gerar renda. E aí traz essa expectativa pra nós de futuramente podermos gerar renda, melhorar a qualidade de vida dos nossos comunitários. Então, esse conjunto de ações, esse conjunto de trabalho é o sentido chave, por exemplo, que nós colocamos no projeto, que a gente espera ser contemplado, se Deus quiser.


P/2– Como é o nome do projeto?


R– Prêmio Valores do Brasil.


P/2– Mas, não tem um título do seu trabalho?


R– Projeto de Meliponicultura de Boa Vista do Ramos.


P/2– E, assim, só uma coisinha, só pra não passar batido, é que você colocou da associação, eu tinha até pulado. Essa associação tem quanto tempo de existência?


R– 2003. Nós estamos com sete anos de existência. Foi em 2003 que nós constituímos a associação e agora, por uma exigência do ministério, a associação, ela não pode gerar lucro. Foi necessário constituir uma cooperativa e nós estamos nesse processo de transição da associação para cooperativa. Nós já constituímos ela. Ela tá legalmente constituída, a cooperativa.


P/1– Nome?


R– A Cooperativa dos Criadores de Abelha Indígena da Amazônia. Na verdade, só mudou de associação para cooperativa. E a gente constituiu ela no dia 29 de Julho de 2007.

(troca de fita)

P/1– Em relação à sua trajetória, quais foram as maiores dificuldades enfrentadas aí na meliponicultura?


R– Algumas delas foi... Nós podemos dizer essa questão do trabalho organizacional mesmo, da sociedade lá nossa, ou seja, dos comunitários, dos nossos produtores. É uma das principais dificuldades,

trabalhar em coletividade. As pessoas são muito imediatistas, na maioria das vezes elas querem o resultado muito rápido. Isso tem prejudicado, às vezes, o trabalho, porque a produção de mel é como uma outra atividade qualquer, né? Mas por exemplo, a questão da criação de boi para corte, para produzir carne não nasce o bezerro hoje, você vai matar ele amanhã. No caso da roça, você não planta a maniva hoje pra tirar a roça pra fazer a farinha amanhã. O mel, no caso, também é assim. A gente tem que fazer a criação, o manejo e tem um período para produzir o mel. E aí, a maioria dos nossos produtores, dos nossos cooperados querem um resultado muito rápido. E isso causa um certo problema, por exemplo, nessa questão da nossa organização. Além dessa visão do cooperativismo mesmo, do associativismo. As pessoas não têm costume de trabalhar junto, do coletivo. Tem algumas pessoas até que dizem assim: "Ah, vocês fazem tanta reunião. É reunião, é reunião, é reunião e a gente não vê nada". Ela não tem noção de que, por exemplo, pra nós chegarmos a um resultado melhor, nós precisamos estar sempre reunindo para discutir os assuntos, para debater, por exemplo, qual é a melhor forma que nós vamos trabalhar pra chegar num resultado bem mais definido. E aí essa forma democrática, podemos assim, para discutir os assuntos, é uma dificuldade porque os nossos produtores não estão muito preparados, né? E inclusive, pensando nisso mesmo, no planejamento nosso de 2007, porque agora, segunda-feira também, dia dez a quatorze, nós vamos estar fazendo o nosso planejamento pro ano 2009, da cooperativa. Nós vamos traçando o que é que nós vamos fazer em 2009. E no planejamento de 2007, nós colocamos uma atividade dentro do nosso projeto do SEBRAE, uma atividade que é de formar 30 pessoas, ou seja, capacitar 30 cooperados e filhos também de cooperados, porque a gente não tá incluindo só o cooperado, mas o filho do cooperado, a filha do cooperado, para que eles possam também incluir a família dentro do processo. Então o que é que nós queremos com isso? Nós queremos que a hora que nós sairmos da frente da cooperativa, nós tenhamos pessoas também preparadas para assumir a cooperativa e continuar o trabalho. Porque uma das nossas maiores dificuldades hoje, principalmente no meio rural, é a gestão continuada. Às vezes, nós temos até, podemos dizer assim, sorte de constituir um empreendimento ou uma forma de produzir ou de gerar renda e aí a diretoria que consegue viabilizar esse mecanismo, e vai crescendo, mas às vezes, quando muda pra uma outra cabeça ou pra uma outra direção, a coisa começa a cair, então isso tem prejudicado, não só o nosso município, mas os outros municípios que tem organização. Inclusive, nós temos hoje... A nossa associação hoje faz parte do CIAT, que é uma comissão que discute projetos, por exemplo, de interesse regional do Baixo Amazonas, ou seja, do território 11, daqui do Amazonas.


P/1– O que é CIAT?


R– O CIAT é uma Comissão de Instalação das Ações Territoriais, no caso, faz parte sete municípios da minha região lá, ou seja, do território do baixo Amazonas, que é Maués, Boa Vista do ramos, Barreirinha, Nhamundá, Parintins, Urucará e São Sebastião do Uatumã. Então, esses municípios, eles... Hoje nós estamos compostos por 86 instituições, tanto governamentais e não-governamentais, para nós discutirmos projetos de interesse do nosso território e é uma ação do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Via SDT, a Secretaria de Desenvolvimento Territorial, que proporciona essa discussão. E aí é uma ação muito interessante e que precisa ser fortalecida e continuada pelos governos, porque se coloca ali as esferas de governo e da sociedade civil para discutir projetos de interesse da população. Porque o que tem acontecido, às vezes, o recurso federal ou estadual é direcionado para o município, mas só o prefeito com poucas pessoas é que discute o projeto e que, de certa forma, não atende o benefício da população. Às vezes cria um elefante branco lá, que a gente diz, né? Um projeto inoperante, que não consegue viabilizar a melhoria de vida das pessoas. Já no CIAT, nós discutimos os projetos, quer dizer, nós aprovamos os projetos e encaminhamos o projeto para o Ministério do Desenvolvimento Agrário que é direcionado a partir de uma discussão de um colegiado de instituição, de pessoas, que estão interessadas em desenvolver uma região. Então, a gente fazendo parte dessa comissão, a gente tem também crescido muito, assim, o nosso território lá. Inclusive a meliponicultura é tipicamente uma atividade para fortalecer o território. A gente tá com intenção, inclusive, de fazer uma estrutura lá em Boa Vista do Ramos, de fortalecer a estrutura de Boa Vista do Ramos, para que receba o mel de Maués, dos outros municípios, como Maués e os outros que eu citei, pra eles encaminharem o mel pra Boa Vista do Ramos, para ser beneficiado lá, que nós temos uma estrutura já pronta, ou seja, estamos buscando essa estrutura para beneficiar esse produto, né? Porque nós temos, inclusive... Nosso mel já foi, inclusive, pro Japão, pra Itália e para os Estados Unidos. E ele foi um produto tão aceito que essas pessoas entraram em contato querendo comprar o mel. Só que, assim, pra nós aqui, cinco toneladas parece grande, né? Mas, eles querem de dez toneladas para cima, mensal, então a gente entende que não tem condição, por exemplo, de atender um mercado desse tamanho nesse momento. Para isso, nós precisamos juntar forças, os municípios lá precisam se juntar pra fazer uma produção em larga escala para que a gente possa, quem sabe um dia, exportar o mel até pra fora do nosso país mesmo. Inclusive gerar renda pras famílias.


P/1– Você falou em produção, quanto que é produzido, assim, atualmente?


R– Olha, atualmente, nesse ano agora, nós já produzimos uma tonelada e setecentos quilos de mel. A nossa expectativa é que chegamos a quatro toneladas esse ano. Agora, nós estamos com uma dificuldade de concluir o entreposto nosso de beneficiamento de mel, né?

Nós precisamos, a partir da exigência do ministério, murar o terreno, telar a área da indústria, fazer algumas adaptações que o técnico exigiu, então isso não conseguimos ainda fazer. De certa forma tem prejudicado a nossa cooperativa por isso. Nós, inclusive, estamos com um projeto na Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), que tá tudo encaminhado para sair o recurso pra de repente sanar essa parte da conclusão lá. Inclusive nós, numa reunião da gerente do Banco do Brasil de Maués, que teve lá o Rouanet, que esteve numa reunião conosco lá, nós até discutimos essa questão da Fundação Banco do Brasil poder nos auxiliar, inclusive na estrutura nossa lá. Então a gente inclusive colocou pra eles essa questão da fundação poder estar direcionando recursos para nos ajudar nessa conclusão do nosso entreposto, que a gente espera concluir para que a gente possa gerar renda e produzir mel com maior quantidade.


P/2– O senhor falou sobre o beneficiamento e tal, deixa eu só entender, você tira o melzinho, aí vai para o vidrinho, não é isso? Ou é beneficiado e depois vai para o vidrinho?


R– É o processo de beneficiamento, ele se dá da seguinte forma: tem uma equipe técnica que foi capacitada para extrair o mel. Ele vai pra comunidade, ou seja, lá pro meliponário do produtor. Aí ele vai lá com esse equipamento, com luva, máscara, jaleco, bota, todo preparado mesmo, e ele vai e faz a extração do mel, com esses equipamentos, que é uma bomba de sucção que suga o mel do potinho, que vai pro recipiente, tudo limpo, correto, esterilizado, tudinho. E aí é vedado, né? É colocado numa caixa, de madeira e aí o produtor vai, leva pro entreposto, pra ser beneficiado. Chegando lá no entreposto, tem uma pessoa lá, um técnico responsável que recebe o mel, pesa o mel do produtor, dá as anotações pro produtor e a partir daí ele recebe o mel, né? Que faz as anotações de origem, tudinho do mel, de onde veio, produtor, nome, tudinho, anota a quantidade do mel, aí passa pra segunda fase que é a parte de industrialização. Aí o mel é colocado num decantador pra ele decantar, né? E é passado o mel, também, pra que tire qualquer impureza que possa ter, mas que na verdade, não tem que ele já é coletado com todos os cuidados necessários. E aí é colocado no desumidificador, que é uma máquina que tira a umidade do mel, aí ele vai tirar um pouco da umidade pro mel ficar mais consistente e ter uma durabilidade maior, que dá em torno de um ano a dois anos de durabilidade. Então aí ele não tem facilidade pra fermentar, porque ele foi trabalhado. A partir daí, da desumidificação, ele passa pro envaso, que aí a gente trouxe até, inclusive, uns vidros aí, né? Para mostrar. E aí é envasado, rotulado, tudinho. Aí já embala, tudinho nas caixas, que é pra vender.


P/2– Nessa história toda aí, do mel, tem algum caso, tipo aquele que você contou em relação à escola, tem alguma coisa, alguma história que tenha ocorrido desde que você começou aprender a mexer com isso e agora tá...?


R– É, tem alguns casos, alguns produtores que tem... De certa forma assim, várias experiências aconteceram. Você sabe que numa cooperativa, ou seja, numa associação que tem 150 produtores acontece de tudo um pouco também. Mas assim, eu vou citar um exemplo do Jeremias, que é um técnico nosso hoje, que trabalha lá no entreposto. Vou contar uma experiência dele que aconteceu, assim, no sentido da melhoria de renda dele, né? Ele foi o que atingiu o número de colônias, de 50 colônias e foi o que jamais coletou mel nas extrações que a gente fez. Ele inclusive já conseguiu até comprar uma casa com o dinheiro do mel, já conseguiu dar viabilidade para melhoria de vida dele, então nesse processo, por exemplo, de conseguir alguma coisa, o Jeremias é exemplo desse. Teve um outro produtor também que não tinha, assim... Ele não tinha um rabeta, porque lá precisa de rabeta pra andar no rio, né? E ele com venda de mel, comprou um rabeta, hoje já consegue fazer o transporte dele e da família.


P/1– Nossa! O que é que é um rabeta?


R– O rabeta é uma máquina, é tipo um motor de popa, né? Uma voadeira, podemos dizer. Só que tem um rabo mais comprido, uma palheta. As pessoas _________. Alguns, por exemplo, já conseguiram, então, reformar as suas casas. Quer dizer, alguns exemplos, assim, de que o mel, a produção de mel, já ajudou as famílias a constituir a melhoria de vida delas em alguns setores. E isso, de certa forma, tem demonstrado um ponto positivo. E outros exemplos é essa questão, por exemplo, da melhoria das frutas nos pomares dos produtores. Claro, que aconteceu alguns acidentes também, né? Tipo, por exemplo, o mel de um produtor na época do transporte quebrou o vidro, derramou todo. Aí teve que contornar. Pra ver como é que a gente ia fazer o prejuízo dele. Enfim, alguns acidentes também que aconteceram, mas na maioria da prática, das atividades, foram pontos positivos. Agora, vale ressaltar essa questão, por exemplo, da dificuldade que a cooperativa tem para atender os seus cooperados. Porque nós estamos atuando hoje, das 50 comunidades que Boa Vista do Ramos tem, nós estamos atuando praticamente em 20 comunidades rurais e essas comunidades, elas não estão só numa região, elas estão distribuídas em todo o município, não é? O território do município. Então pra você dar uma assistência, pra você ir lá com o produtor, pra você reunir esses produtores para discutir lá é difícil, é muito difícil. Então, isso tem dificultado também as informações, o relacionamento, né? Tanto da diretoria da cooperativa, com os produtores.


P/2– Bom, você deu até um toquinho já, em relação ao Banco do Brasil, algumas vezes, né? Mas, qual foi, assim, como é que ele apareceu na relação de vocês?


R– Olha, o Banco do Brasil, a gente tem uma... Assim, eu sempre tenho ido a algumas reuniões que a gente tem tido com algumas pessoas do Banco do Brasil, inclusive alguns gerentes, né? Nós vemos que o Banco do Brasil aqui da nossa região tem... eu posso dizer até, assim, uma dívida ainda com nós produtores, Por que é que eu digo isso? Porque se você vê a atuação do Banco do Brasil nas outras regiões, Norte, Nordeste, você tem, de certa forma, um incentivo muito grande na agricultura familiar, né? E a gente vê um apoio muito mais total do banco. Assim, o banco realmente têm dado essa injeção de incentivo à produção e a gente aqui na Amazônia e aqui no Amazonas, basicamente, é muito mais restrito ao serviço bancário mesmo. Agora, já a partir do início de nossas atividades, que a gente começou, por exemplo, nós fomos tanto na agência de Maués como em Boa Vista do Ramos, que a agência atende os dois municípios, os únicos que receberam financiamento do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), via Banco do Brasil, fomos nós. Nós abrimos o caminho do Banco do Brasil lá na região nossa, lá, pra receber o recurso do Pronaf. Então pra vocês terem uma idéia de que o banco tá muito no trabalho dele de banco mesmo, mas a gente acredita... Eu inclusive sou já até agradecido hoje porque a gente já está nessa atividade com o Banco do Brasil. A gente, por exemplo, iniciou esse DRS, na época que o Irone era gerente lá de Maués, do Banco do Brasil e a gente tava iniciando a atividade, depois de dois anos foi constituído esse projeto do DRS e quando já tava, assim, a gente tava se familiarizando com o que o programa... Eu tive a oportunidade de vir fazer um curso do DRS aqui já, acho que foi 2006, agora, aqui em Manaus. Aí que eu consegui entender o que era DRS, o que tem que ser, o que é que tem que fazer. E a gente viu que é um conjunto de ações junto com parceiros, né? Aí quando a gente já estava nessa situação o Irone, que era o gerente que iniciou, saiu da agência e veio o Laércio, um outro gerente novo. Fizemos uma reunião para apresentação, para interação, para relacionamento das atividades e aí quando foi ano passado que nós já estávamos já engrenado também, aí muda o gerente de novo. Aí saí o Laércio, agora já é a dona Carmem, uma senhora e aí já fizemos, ela já foi lá em Boa Vista (andar de novo?), já fizemos um novo contato e já estamos animados de novo a continuar o trabalho. Mas, isso tem prejudicado o bom andamento do projeto, eu vejo assim, um banco... Eu já digo assim, o banco é do Brasil, né? Então é o banco que realmente é dos brasileiros, mas pra nós, aqui, precisamos avançar em muitos pontos. Por exemplo, nós estamos ainda restrito muito a, no caso nosso, especificamente do nosso lá, muito restrito a financiamento do Pronaf, e eu acredito e espero que o banco ainda melhore muito mais esse relacionamento, né? Até porque vai nos ajudar a crescer muito mais, melhorar a qualidade de vida. Nós, inclusive, tivemos um projeto do Programa Nacional de Tecnologia Educacional (ProInfo), via Banco do Brasil, lá no início, que foi para a Fundação Banco do Brasil, depois mudou. Com essa mudança de gerência, ele chegou até o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes), o Proinfo. E aí, nessa questão de mudança de personagem no processo, nós não conseguimos ter acesso a esse projeto que viria nos dar uma ajuda muito grande com relação à construção, a benefício, a maquinário, que nós precisaríamos lá. Mas assim, acreditamos que o banco tá iniciando um processo muito importante. Como eu falei, na nossa região, a gente não tinha essas iniciativas e o DRS é uma esperança, assim, é uma expectativa de nos... Junto com outros parceiros, que é claro que o DRS não é só o Banco do Brasil, tem que constituir outros parceiros, a gente acredita que a gente possa constituir uma parceria muito mais forte, muito mais coesa, né? Que a gente sai, por exemplo, na saída da gerente lá, já vimos que abriu outros caminhos para outros produtos, por exemplo, da agricultura familiar, não só o meu. Mas a gente ainda tá muito restrito a essa questão do financiamento, que a gente gostaria que o banco pudesse, inclusive, se não puder, nos intermediar, porque isso tá dentro do DRS. Parceria, né? Buscar parcerias. Para que nós possamos fortalecer mais a nossa produção e aí, não só a nossa atividade lá, mas em outras atividades que Boa Vista do Ramos, Maués mesmo, precisa ali pra fortalecer o processo da agricultura.


P/1– O senhor é casado?


R– Sou casado.


P/1– Como é o nome da sua esposa?


R– É Alziene Vieira Arruda.


P/2– O senhor nem falou como conheceu ela.


R– Olha, eu conheci ela, assim... Na verdade ela não morava na minha região, ela morava em outra região, lá no Apoquitaua e ela depois foi pra Maués estudar, né? E aí a gente se conheceu porque os parentes dela moram na minha região, moravam na minha região, ainda moram. Aí a gente começou a ter esse contato, mas como ela morava em Maués a gente tinha pouco contato. Para realmente juntarmos como marido e esposa, nesse mesmo período que eu tinha falado lá, anteriormente, quando eu vinha pra Manaus pra estudar, ela veio pro interior, né? Ela veio pro interior, lá da minha região e a gente se conheceu melhor. E nesse conhecimento, a gente resolveu começar a namorar e a partir daí a gente já estreitou um relacionamento mais sério e culminou para que a gente pudesse constituir uma família, né? Atualmente, graças a Deus, temos nossos filhos, que estão bem. São quatro filhos. Tem a Jaqueline Vieira Arruda, o (Gedisson?) Vieira Arruda, o (Geivid?) Vieira Arruda e o caçula, que é o (Gêmerson?) Vieira Arruda.




P/1– Qual é a idade dos filhos?


R– Tem um que é 12 anos, um é 13, o outro é 14 e a mais velha, que é a mulher, fez agora, dia 24 de Outubro, 15 anos.


P/1– E a atividade da sua esposa?


R– Ela ainda está ajudando mais na questão da criação dos meninos em casa. Ela tá ainda... Ela tá concluindo agora o ensino médio, né? E aí está nos criando uma expectativa, para quem sabe ano que vem, já conseguir fazer uma faculdade ou buscar um emprego pra ajudar, inclusive, na renda familiar que almejamos conseguir. Inclusive, só pra concluir essa parte da família, agradeço muito a ela, porque para eu estar hoje onde eu estou, ela foi muito compreensiva, me ajudou apoiando, ficando em casa com os filhos. Até ficando, às vezes, chateada porque eu tinha que sair pra estudar, pra ir participar de evento, feira, essas coisas fora. E às vezes, ela não gostava muito disso por ter que ficar só com as crianças, mas eu agradeço muito ela porque ela me entendeu, né? Ela me apoiou e até hoje tem me apoiado e eu espero que ela seja sempre essa esposa maravilhosa.

P/1– Muito legal. Quais foram os maiores aprendizados, assim, que você teve na sua carreira?


R– Como?


P/1– Os maiores aprendizados que você obteve. Lição de vida, sabe? Aquela coisa...


R– Ah, eu vejo que o maior aprendizado foi poder se relacionar bem com as pessoas, né? Uma coisa que eu me preocupo bastante é desse trabalho social, né? É de ajudar as pessoas. Inclusive eu me candidatei a vereador nessa eleição agora que passou. Gostaria muito de ter ganhado pra ajudar muito o meu município, mas não tive oportunidade de me eleger e a gente já possui um trabalho social. Sou daqueles que defende o crescimento das pessoas. Eu vejo que, apesar de nós estarmos num sistema, num mundo capitalista, onde a concorrência é grande, tanto por emprego como status, existem muitas pessoas que puxam o tapete dos outros pra se dar bem, no sentido, por exemplo, quer atropelar os outros pra se dar bem. Eu vejo, assim, diferente. Eu acho que nós precisamos, como ser humano, conviver bem um com o outro e aquele que tiver a capacidade de convivência melhor, de ter um estudo melhor, de poder crescer, ele chegar num certo estágio pelo mérito dele, e precisa ser respeitado, precisa ser valorizado. Então assim, o aprendizado que eu adquiri foi essa forma de ver as pessoas e eu acredito e espero bastante que a minha região, que os meus familiares, que estão inclusive lá na região, nas comunidades, que meus parentes e amigos, inclusive amigos de infância, amigos que ajudaram a fazer parte do meu convívio profissional e pessoal, eu gostaria muito de contribuir com eles, com várias coisas. Inclusive, na minha região, lá, a educação, ela tá muito precária, a geração de renda é muito restrita, enfim, as pessoas não conseguem ter as perspectivas de melhoria de vida e eu fico muito angustiado com isso, né? Gostaria muito de poder ajudá-las. Espero, um dia, poder conseguir um posto, ter uma condição melhor de poder ajudá-los, que isso pra mim, ia me deixar muito contente, muito feliz para ajudá-los.


P/1– Qual é a principal realização que você considera?


R– Assim, a realização principal foi de ter uma família, né? Constituir uma família, ter um convívio de uma família, de ter Deus, em primeiro lugar, na minha vida, que eu faço parte de um grupo evangélico que a gente tem se dado muito bem e de ter conseguido fazer uma faculdade. Ser originário de uma comunidade, de uma família que não tinha tanta perspectiva de vida, de entre todos os meus irmãos e irmãs, exceto essa uma que está aqui em Manaus, buscando também, eu fui um dos únicos que já cheguei, né? E, assim, pra mim, pensar que sou de uma comunidade rural e chegar a fazer uma faculdade, pra mim foi um grande sucesso na vida. Espero poder ainda continuar estudando. Inclusive, melhorando, se Deus quiser, ainda melhor a qualidade de vida da minha família e dos meus parentes e amigos.


P/1– E como que você avalia o futuro da meliponicultura?


R– Olha, eu estou, inclusive, muito otimista em relação à meliponicultura. Eu sou, relacionando à minha atividade de professor, hoje eu tô trabalhando numa comunidade, por exemplo, na comunidade São Tomé, no Curuçá e fui pra lá esses dois últimos meses do ano para cobrir uma atividade de outro professor que foi demitido lá, foi afastado das atividades e já fiz três reuniões lá. Nós fizemos, eu e mais três professores, o Moisés e o (Edi?) e a Lucélia, nós fizemos uma reunião para os pais, orientando sobre o nosso trabalho, mas nós propomos para a comunidade que, além do nosso trabalho na sala de aula, nós íamos ajudar as comunidades com atividades extra-escolares. E nós estamos com uma atividade lá, pra fortalecer a meliponicultura na comunidade que não conhece. Terça-feira passada foi a nossa reunião pra montar o espaço onde nós vamos botar a atividade da meliponicultura. Enfim, nós já vamos levar cursos pra lá, pra formação dos pais, dos comunitários. Esperamos fortalecer o grupo deles lá, pra ajudar. Então, nessa questão aí de outras atividades a gente tenta conciliar o trabalho de professor com a meliponicultura. Para mim tem sido um pouco difícil porque eu trabalho em sala de aula, como professor, tenho que estar lá, dar aula... porque é um serviço que tem que tá lá mesmo, né? Mas eu, por exemplo, vim pra cá, tive que deixar uma outra pessoa lá para dar aula no meu lugar e eu tô pensando, por exemplo, que vai ter o planejamento de uma semana que vai vir e gostaria muito de estar nesse planejamento, mas tá me pegando essa situação de eu ter que dar aula e vir trabalhar, fazer um planejamento da atividade de meliponicultura. Então, isso me faz acreditar numa atividade da meliponicultura, pois como eu vi como acontecia, como as pessoas praticavam e não tinham perspectiva de geração de renda. E hoje eu vejo que é uma atividade para gerar renda, é uma atividade que está aí pra gerar renda para as famílias, para as pessoas, para os nossos comunitários. Agora, por isso que estamos aí, no sentido de fortalecer ela, né? Eu não sei se a gente vai poder estar na frente da cooperativa, para poder inclusive vender mel e exportá-lo, quem sabe? Mas, esse trabalho inicial acredito muito que a atividade ainda vai crescer, vai melhorar, né? Lá, por exemplo, junto com a direção da cooperativa que é o Lucenildo, é o presidente que está atuando atualmente, eu sou o vice-presidente, o Duarte é o diretor financeiro, a Rose é a secretária e o Tiago o segundo-secretário, temos nos empenhado a desenvolver o trabalho para que possamos fortalecer muito mais a atividade, claro que unido com os nossos cooperados. É claro que a gente precisa melhorar muito mais, nós temos algumas falhas na direção da cooperativa,

precisamos melhorar muito mais, mas assim, a relação entre a minha atividade e a minha profissão como professor e como produtor de mel, por exemplo, temos conciliado.Estamos conseguindo conciliar sem prejudicar uma e a outra. Esperamos que o novo governo possa fortalecer muito a atividade da meliponicultura em nosso município.




P/1– E Jair, quais são os seus sonhos?


R– Olha, eu, assim, gostaria de... Tenho um sonho... eu gostaria de estudar pra ser um advogado. Tenho muito essa questão para um dia ser advogado, estudar direito, fazer uma faculdade de direito, desde uma época em que eu tava simulando uma atividade de júri, defendo... Nós simulamos, por exemplo, na sala de aula, um momento de duas situações e aí eu me senti que eu fui muito bem.


P/2– O senhor era o juiz?


R– Não, eu era o advogado, era o advogado e inclusive, que eu tava defendendo, eu ganhei a causa do advogado de acusação. E aí, desde ali eu me senti, assim, que eu deveria estudar nesse sentido de direito, estudar direito. Por outro lado, eu vejo que os sonhos são... melhor condição de vida. Ainda hoje eu vivo praticamente de um salário mínimo, para manter uma família e não é fácil viver numa sociedade como a nossa com um salário mínimo. Tem muitos que não têm, também, né? Eu conheço, por exemplo, tem alguns parentes, alguns comunitários que não tem nem... Não consegue viver com R$ 100 por mês. Porque muitos não têm como ganhar. Quando não tem um aposentado ou um programa como Bolsa Família, ele precisa usar a floresta para sobreviver, ou seja, usar o meio ambiente pra ganhar um recurso, mas assim, um dos meus sonhos é conseguir estudar mais e conseguir chegar, sei lá, a um posto, no meu município, que eu possa contribuir mais com as pessoas e de certa forma que vem a contribuir com essa melhora da qualidade de vida, eu estarei então bem mais tranquilo, mais satisfeito.




P/1– E o que é que você acha do Banco do Brasil tá resgatando a sua memória, através desse projeto?


R– Olha, pra mim é um motivo de muito orgulho, né? Primeiro, dentre tantos aí que poderiam estar aqui hoje, eu ter sido escolhido. Então... Eu estava até de viagem, por exemplo, quando eu vinha no barco, eu digo: "Mas eu... Eu vou mesmo pra..." . Porque como estava certo pra vocês irem lá no município, né? E aí quando foi naquele dia que ela ligou e disse que não poderia mais ir lá, em razão do tempo e da distância, aí eu disse: "Será que eu vou mesmo?". Aí que a gente acertou que ela poderia: "Ah, tem condições de tu ir lá em Manaus, pra gente se encontrar lá em Manaus e poder fazer a entrevista contigo e tal?". Aí, eu tentando conciliar com as outras atividades, tinha que estar lá. Eu tô entregando, tô terminando um curso do ____________ agora, sexta-feira que vem, eu tenho que fazer um trabalho pra entregar, aí eu digo: "Mas, será que eu vou?". Aí eu lembrei de uma coisa que ela falou pra mim no telefone: "Tu foi escolhido dentre... Um monte de gente foi indicada para participar desse trabalho, dessa entrevista da Fundação Banco do Brasil e do Museu da Pessoa". Eu fiquei imaginando: "Poxa, mas, não é qualquer um que é convidado dessa forma", né? Aí aquilo me animou, me deixou muito contente, de poder fazer a história de um banco, que realmente é nosso, é brasileiro, que faz parte da nossa vida e principalmente nessa questão dos 200 anos, aí é uma satisfação muito grande. E assim, fui muito nessa questão: "Poxa, por que eu?", por ter sido escolhido e de repente perder essa oportunidade, eu não ia dormir tão bem por várias noites. Mas assim, fiquei muito contente por ter sido escolhido pelo Banco do Brasil, para fazer parte dessa história, desejo que o banco tenha realmente muito sucesso, principalmente no momento como essa crise financeira que atinge o mundo e espero que o banco continue esse trabalho maravilhoso que tem feito no nosso país. Claro que eu gostaria e quero que melhore muito mais aqui na nossa região, né? Porque a região Amazônia é isso, é essa diversidade de cultura, de localidade. Então eu sou muito contente, muito feliz, né? Porque vocês estão nos dando essa oportunidade de eu poder relatar um pouco a minha história, a minha experiência de vida e realmente, tô muito contente por essa oportunidade que vocês estão me dando, que o Banco do Brasil está me proporcionando.




P/1– E o que é que você achou de dar entrevista?


R– Olha, eu assim... ainda não tinha vivenciado uma situação como essa e eu penso que me saí bem, mas como foi a primeira vez, eu tentei me colocar aqui,

ser o mais tranquilo possível, respondendo os questionamentos de vocês. Portanto, penso que fui bem mas, na verdade, quem vai poder dizer isso são as pessoas que vão, quem sabe poder ver isso, né? Quem sabe, quando vocês mandarem a fita, o DVD para eu poder assistir? Quem sabe eu possa fazer uma avaliação, mas de certa forma, vocês é quem vão poder dizer se foi bem ou não, né? Mas, eu penso ter dado tudo de mim pra ser um trabalho melhor possível.




P/2– Tem alguma coisa que a gente não tenha perguntado e você gostaria de ter falado?


P/1– Ou que você queira deixar uma mensagem? Não sei...


R– Bom, eu queria, assim, primeiro, agradecer a oportunidade de fazer parte da comemoração dos 200 anos do Banco do Brasil, eu queria deixar uma mensagem para os meus conterrâneos, de Boa Vista do Ramos, queria dizer a eles que o nosso município precisa desenvolver ainda muito mais e que possamos acreditar mais um nos outros e juntar as nossas forças. Que possamos nos unir para nos fortalecer, as nossas instituições, da sociedade civil, participar mais das organizações, deixar o individualismo mais de lado e trabalhar mais em coletividade. Unidos para a nossa melhoria de vida, a do nosso vizinho também, dos nossos amigos, comunitários, das pessoas que convivemos em no nosso dia-a-dia. Se nós conseguirmos uma melhoria da nossa rua, da nossa comunidade ou da nossa casa mesmo, contribuiremos para o nosso município também, a nossa região, o estado e, com certeza, para o Brasil, o nosso país que é tão maravilhoso.




P/2– Puxa, vida! Muito obrigada por sua participação.


P/1– Em nome do Museu da Pessoa e da Fundação Banco do Brasil, nós agradecemos o seu depoimento.


R– Muito obrigado também pela oportunidade.


P/1– Obrigada, Jair.