Museu da Pessoa

Uma vida voltada para a música

autoria: Museu da Pessoa personagem: José Fernando Gomes dos Reis

Correios – Museu da Pessoa
Depoimento de José Fernando Gomes dos Reis
Entrevistado por Rosana Miziara
São Paulo, 05/06/2013
Realização Museu da Pessoa
HVC_03_José Fernando Gomes dos Reis
Transcrito por Liliane Custódio


P/1 – Nando, eu vou começar perguntando o trivial, o seu nome completo, local e data de nascimento?

R – José Fernando Gomes dos Reis, 12 de janeiro de 1963, aqui em São Paulo.

P/1 – Seus pais são de São Paulo?

R – Minha mãe é, faleceu; e meu pai nasceu em Jaú, no interior de São Paulo.

P/1 – Como que é o nome da sua mãe?

R – Cecília Leonel Gomes dos Reis.

P/1 – E do seu pai?

R – José Carlos Galvão Gomes dos Reis.

P/1 – E você sabe como eles se conheceram?

R – Putz! Eles moravam no mesmo bairro aqui no Pacaembu, ali do outro lado do estádio, meu pai morava na Rua Colina e minha mãe na Rua Itápolis. A vizinhança ajudou, mas se houve alguma... Você quer saber? Eu não sei direito.

P/1 – Mas seu pai veio de Jaú criança para cá?

R – Papai veio cedo, meu avô e minha avó paternos, o vô Zezé e vovó Mariquinha nasceram em Jaú e viveram lá bastante. Meu avô era fazendeiro, agrônomo e ele cuidou da Secretaria de Agronomia, enfim.

P/1 – É mesmo? Lá de Jaú?

R – Acho que de São Paulo.

P/1 – De São Paulo?

R – Você quer saber? Eu não sou muito bom, porque, assim, as coisas se registram na minha memória de uma maneira um pouco diferente das factuais, sabe? Então, talvez eu erre um pouco se eu for precisar.

P/1 – Imagina.

R – Mas o vovô tinha fazendas. E tinha uma casa aqui em São Paulo.

P/1 – Ele vinha sempre?

R – Ele vinha sempre, na verdade, ele morava aqui, ele se mudou para cá muito cedo. E depois meu pai nasceu lá, mas viveu a vida em São Paulo, estudou e se formou aqui em São Paulo e depois casou e morou sempre em São Paulo. A minha relação e a relação dele com Jaú se davam muito por uma fazenda que meu avô comprou em 1954. Ah! Não, na verdade tinha uma grande fazenda chamada Tucumã.

P/1 – Tucumã?

R – É bonito, não é? Que não era exatamente, não sei se é no município de Jaú, agora eu não sei, mas é ali próximo, onde os filhos do meu bisavô...

P/1 – Quer dizer, já era propriedade da família.

R – Era propriedade do meu bisavô, daí, eram muitos filhos, se eu não me engano nove, putz grila! Não vou saber.

P/1 – Era muito.

R – Era muito. Daí, meu avô percebeu que aquela coisa ia fracionar muito a terra e tal, vendeu a parte dele para os irmãos e comprou essa terra, daí, sim em Jaú, que chamou de Fazenda Frei Galvão. Eu sou descendente do nosso Santo Frei Galvão.

P/1 – É mesmo?

R – É, por parte daí da minha avó. Minha avó é Maria José Galvão de Barros França, mas depois que ela se casou, ela mudou o nome para Maria José Galvão Gomes dos Reis.

P/1 – E o que é que ela é do Frei?

R – Putz! Eu sou a nona geração.

P/1 – É mesmo?

R – Então, portanto vovó era a sétima. E a fazenda é em homenagem ao Frei Galvão, meu antepassado, por incrível que pareça, eu sou descendente de santo. (risos) Mas, aí, é curioso, porque a história do Frei Galvão. Eu acho que ele é de Guaratinguetá, mas houve uma facção da família que foi para Jaú. Então, daí tem os Galvãos. Enfim, o que interessa aqui é que meu avô comprou a fazenda e deu esse nome, tem até lá uma capelinha com a imagem do frei. Minha família nunca foi muito religiosa, muito menos o meu avô, mas havia sim, somos católicos, batizados, enfim etc. E a vovó tinha a capela lá, e ela tinha uma relíquia do Frei Galvão. Frei Galvão é um nome muito presente na minha família, tanto que quando eu nasci...

P/1 – Mas você costumava passar férias lá?

R – Sim. Então, a nossa relação e a do meu pai, principalmente, em Jaú se deu por conta dessa fazenda que o meu avô comprou, daí, em 1954 e foi muito próspera e tal, mas, enfim, por contingências familiares ela foi sendo encolhida. Quando o meu avô faleceu, ficou para o meu pai e meus dois tios, Tio Cassiano e Tia Bé venderam suas respectivas partes, meu pai ainda ficou com uma parte, atravessou dificuldades, enfim, sobrou uma casa e um pomar lindo, e um terreiro lindo que nós cuidamos. Eu ia muito a Jaú, a minha vida tem uma, digamos, dicotomia entre o mar e a terra, pois nós temos uma casa na praia, no litoral norte, na cidade de Ubatuba, a Praia do Lázaro, que é outra história, outro braço da família da parte materna.

P/1 – A gente chega lá.

R – Então, as férias de janeiro a gente ficava na praia e no Carnaval e nas férias de julho passava na fazenda. Então, eu fui muito a Jaú, muito, desde que nasci. Eu gosto de Jaú, a relação era tão forte com Jaú e com a minha família, mas também com o meu pai. Meu pai chama José Carlos Galvão Gomes dos Reis, eu nunca entendi o porquê ele não botou meu sobrenome como Galvão, eu sempre achei lindo. Quando eu era pequeno, eu achava que quando eu fizesse 18 anos, eu ia mudar meu nome para José Fernando Galvão Gomes dos Reis. Não mudei e entendo até meu pai, porque eu dei o sobrenome aos meus filhos enxuto, eu tirei o Gomes, ficaram só Reis, eu mesmo.

P/1 – E os seus avós por parte de Mãe?

R – Então, minha mãe é Cecília Leonel Gomes dos Reis, antes de casar tinha o nome Cecília de Ataliba Leonel, filha de Ataliba Leonel.

P/1 – Avenida?

R – A Avenida é do nome do meu bisavô.

P/1 – Zona norte.

R – É. Ali perto do Carandiru.

P/1 – É onde vai ser o Museu da Pessoa.

R – Exatamente. Vocês vão estar pertinho de uma região importante, com o nome importante para mim. O meu avô, Ataliba Leonel, ele sim foi político, era formado em Medicina, médico, político, foi secretário de segurança pública do Jânio Quadros, casado com Judite Vila do Conde, minha avó, filha de portugueses ou neta de portugueses? Olha só, não sei, da Vila do Conde, certamente. A vovó era professora, tinha uma letra linda. Era um casal curioso, porque era um comportamento, assim, um pouco diferente do que os casais tinham na época. Minha avó era uma mulher muito autônoma e eles tinham uma vida... É preciso dizer que eu conheci o meu avô até os nove anos, depois ele morreu de câncer, então, tudo que eu sei foi por mais memórias contadas do que exatamente com a vida, mas era famoso na família, é famoso. Vovô adorava o Jóquei Clube, não diria que ele era um apostador, mas ele era admirador do turfe. E eles iam lá, vovô tinha carteirinha de sócio e tal, e o Jóquei Clube, claro, nessa época era uma coisa um pouco de elite, assim, mas não por isso. O vovô gostava de ir às corridas, assistir às corridas, e eu lembro que todas as quintas-feiras eles iam jantar no Jóquei Clube e que tinha essa coisa também da vovó, e era uma mulher ir ao cinema, trabalhava, era raro na geração dela uma mulher trabalhar. Ela lecionou e ela tinha uma letra maravilhosa. Eu tenho um caderno da minha avó que eu guardo, eu guardo coisas, eu sou um pouco um arquivo, há muitas coisas da minha família que ficaram comigo. A vovó tinha uma letra linda, é impressionante, muito bonita mesmo. Então, esses são os meus avós maternos. E como eu estava te falando, assim, o meu avô, que teve três filhos também, o meu avô materno, eu vou chamá-lo de vovô Zezinho e a avó Jú. Vovô Zezinho, então, que morreu quando eu tinha nove anos, em 1970...

P/1 – Que morreu de câncer?

R – Morreu de câncer. Tem um histórico de doença na minha família, o meu avô morreu de câncer, a minha mãe morreu de câncer. Vovô tinha uma saúde ruim, ele foi secretário, como eu te falei, de segurança do Jânio Quadros e ele doou naquela época, acho que do Adhemar de Barros, que foi governador também, um cartório de registro de imóveis, o que era, digamos, essas coisas eram dadas assim.

P/1 – Eram passadas.

R – Passadas e tal. E vovô trabalhou no cartório, e minha tia... Então, meu avô e minha avó, vovô...

P/1 – Zezinho.

R – Vovô Zezinho e Vovó Jú, Vó Jú, tiveram três filhos: Tio Ataliba, o mais velho, que está vivo; Tia Leninha, que também está viva; e mamãe, Cecília, que faleceu. Então, Tio Ataliba é Ataliba; e a Tia Leninha, é a Maria Helena, Maria Helena Leonel Gandolfo, depois ela se casou com o Tio Tituca. Ah! Então, Vovô Zezinho. O meu Tio Ataliba era engenheiro, o meu Tio Tituca, casado com a Tia Leninha, era engenheiro, engenheiro naval, e o papai fez Poli. O meu pai é formado. Eu não sei a turma e seguiu, daí, eles fizeram uma firma, trabalhavam juntos. Mamãe e meu pai moraram fora de São Paulo, moraram, acho que, em Itapetininga e depois em Rancharia, isso é na época antes de eu nascer.

P/1 – Mas eles criaram uma empresa?

R – É, tinham uma empresa.

P/1 – Mas o quê? Uma construtora?

R – De pavimentação. Meu pai é engenheiro civil, mas eles tinham essa firma. Os três trabalhavam juntos, mas depois o Tio Ataliba se desligou, havia certa, digamos, diferença de conceitos. Meu pai é Zé Carlos, acho que eu não falei, mas o Zé Carlos com o Tio Tituca, que é casado com a minha Tia Maria Helena, sim, ficaram sócios e fizeram várias estradas para o DER.

P/1 – Departamento de Estradas e Rodagens.

R – E Rodagens, DER. E moraram fora e, daí, nessa coisa de pavimentação, de abrir estradas e tudo mais. Eu nasci papai já estava fixo, fixado, já tinha voltado para São Paulo. Meu pai, essa firma dele chamava Sabará, eu lembro muito bem, daí, quando eles voltaram, eles ficaram juntos um tempo, uma das memórias remotas que eu tenho é de uma festa num escritório, eu confundo se tinha a ver com o Sabará ou se era um cartório do meu avô. Eu me lembro de uma festa no centro da cidade, provavelmente uma festa de Natal, assim, no período do Natal, para funcionários, porque eu lembro que tinha um monte de gente que eu nunca tinha visto, e a gente foi lá, daí, eu me lembro do alto, era no centro, de uma coisa bonita assim, comovente para mim, de jogarem papeizinhos, sabe? Tchucutchucutchuchufff.

P/1 – De fim de ano.

R – Era uma coisa...

P/1 – Você estava falando dessa festa de fim de ano.

R – Eu lembro muito dessas memórias, do que o trabalho do meu pai. Porque papai depois que separou do Tio Tituca, ele teve essa firma Sabará com outro sócio e tudo mais, e tinham tratores, tinha um depósito, que eu adorava ir àquele depósito. E trabalhavam com o meu pai dois irmãos que acho que vieram da Lituânia, mas eram russos, quer dizer, mais especificamente. Eu estou dizendo isso por quê? Esses dois eram dois russos grandes.

P/1 – Mas eram irmãos? Irmãos?

R – Eram dois irmãos: o André e o Lean... Ah! Meu Deus, esqueci o nome, eram muito grandes, eles eram homens muito fortes.

P/1 – Imensos.

R – Imensos. E meu pai começou com a engenharia civil construir casas, meu pai projetou e construiu casa do meu avô, meu avô tinha uma casa aqui perto, na Rua Ubatuba. A própria casa que meu pai morou onde eu nasci, no Jardim Paulistano, em São Paulo, era um projeto da construção do meu pai, eu vim morar aqui nesse bairro por conta disso. Agora eu me perdi um pouco. Eu vou lembrar o nome dele, o André era forte, vermelho, tinha uma voz, os olhos miúdos, azuis, e tinha o Seu Paulo, que acho que era um primo deles, que era o marceneiro. E eu me lembro do Seu Paulo lá em casa e era um homem silencioso, muito educado, com óculos, assim, pretos, desses que meio voltaram à moda hoje em dia, um cabelo batido na nuca e ele com uma implantação de cabelo, e eu achava aquele cabelo dele lindo. E eu ficava em casa muito sozinho, depois eu vou te contar quando você chegar nessa hora, e ele meio que tinha uma relação afetiva comigo assim, meio de... Eu era um companheiro, meio filho, tinha uma relação paternal dele comigo. E o Seu Paulo, então, tinha essa coisa da madeira e tinha uma coisa que a gente brincava que era o seguinte, papai fazia uma cocheira, que era assim: uma tábua, uma folha, assim, de compensado, depois com emoldurado e ali batiam os preguinhos para fazer como se fosse o lugar da cocheira das vacas. Meus avôs, todos, tinham essa coisa de viajar à Europa, sabe? Uma vez por ano, uma vez a cada dois anos, não sei, de navio, então, essas viagens eram coisas também importante. E eles traziam da Inglaterra, de Londres, acho que da Harrods, umas miniaturas de bichos e muitas vacas. Daí, brincava de cocheiro, então, tinha caderno, anotação, a fazenda do meu avô produzia leite numa época, café e depois leite. E essa coisa, então, eu me lembro de ir ao escritório do papai, ao depósito, daí, tinha essa coisa com a madeira, com a máquina, sabe?

P/1 – Presente.

R – Presente. É.

P/1 – E a sua mãe?

R – Mamãe...

P/1 – Ela se formou? Estudou?

R – Mamãe, sim. Mamãe fez o Sion. Como se diz quando a pessoa se forma para ser professora?

P/1 – Magistério?

R – Não. Porque era um clássico, científico. Enfim, mamãe se formou no Sion e não sei, ela só veio a fazer faculdade depois, por conta da doença do meu irmão. Ela se formou em Fonoaudiologia na PUC. Mamãe, acho que entrou na PUC em 68. Mamãe quando eu nasci dava aula de violão, ela tinha aula de violão com o Paulinho Nogueira e ficaram muito amigos. O Paulinho e a Elza, mulher do Paulinho, papai e mamãe. Está comigo, inclusive até, o primeiro violão da mamãe, foi comprado em 64, o Paulinho Nogueira que foi escolher, é um Giannini, o violão é lindo, o case é lindo, e tinha sempre essa coisa que ele falava: “Isso aqui é uma mosca branca”, porque era provavelmente um violão muito bom pelo custo dele, pelo valor dele. Mamãe dava aula de violão, embora não tenha sido ela que tenha me ensinado, não, porque mãe ensinar filho não dá certo, eu nunca consegui ensinar os meus filhos. Mas minha irmã me ensinou violão, mas mamãe dava essas aulas, eu me lembro vagamente de alunos, mas nunca foi a profissão dela, nunca se apresentou. Mas ela tocava bem e tinha mais do que isso, ela tocava e cantava, era lindo. A voz da minha mãe. A minha relação com a música se passa, evidentemente, por isso, mas tem esse impacto. Esse fascínio pela voz feminina, porque era muito bonita a voz da minha mãe, linda a mão dela. A minha mão se parece um pouco com a dela, assim, claro, é uma mistura da dela e a do meu pai, mas ela tinha uma mão comprida assim, com veias. Aquelas unhas pintadas assim, ela tocava violão. Mulher tem um jeito de tocar violão que é muito diferente, basta ver assim, o jeito que fica o braço, o jeito que faz a pestana, é outra coisa, tão característico, sabe assim? A mão aqui assim e era lindo. E ela e meu pai às vezes faziam duetos, eu me lembro disso na casa de Ubatuba, era muito bonito, eles cantavam uma música: “Certa vez fui jogar cartas por detrás da sacristia...”. (cantando) Não, eu estou errando a melodia, mas era uma música, uma coisa de cartas, de dueto, daí, tinha uma... Era uma coisa muito bonita, ela cantava. A gente está pulando um pouco aí, você precisa me corrigir.

P/1 – Sua mãe e seu pai, aí, vocês são em quantos filhos?

R – Cinco.

P/1 – Cinco? Você é qual na escala?

R – Então, é isso vamos lá. Eu sou o quarto de cinco filhos. O mais velho, José Carlos Gomes dos Reis Filho, Carlito, deixa eu fazer as contas, o Cal tem sete anos a mais do que eu. O Cal nasceu em 55.

P/1 – Forma uma escadinha, então.

R – É, mais ou menos. O Cal nasceu em 55... Espera aí. Eu não vou saber.

P/1 – Não faz mal.

R – Não importa, isso não é tão importante. O Carlito, o mais velho, José Carlos Gomes dos Reis Filho. O Carlito nasceu em 23 de novembro, daí, a Quilha nasceu em 22 de dezembro, é 12, 13 meses. A Quilha, Maria Cecília Leonel Gomes dos Reis. Somos todos Josés e Marias: José Carlos Gomes dos Reis; Maria Cecília Leonel Gomes dos Reis; depois o José Luís Gomes dos Reis. É uma escadinha. Depois, cinco anos de intervalo, nasço eu, José Fernando Gomes dos Reis, depois de três anos minha irmã Maria Luiza Leonel Gomes dos Reis. Os homens, José; as mulheres, Maria. As mulheres com o sobrenome de minha mãe: Leonel.

P/1 – E vocês moravam todos nessa casa do Jardim Paulistano?

R – É. A gente nasceu todo mundo lá, não, eu não sei se o Cal nasceu lá, não. Eu não sei bem.

P/1 – Mas você nasceu lá?

R – Eu nasci, certamente, eu nasci lá e morei lá até os 11 anos, que depois o meu pai construiu uma casa no Butantã, e daí fomos para lá, e de lá eu saí só quando me casei.

P/1 – Como que era essa casa no Jardim Paulistano?

R – A casa na Rua Santa Cristina, 217, 812599 era o telefone, eu nunca esqueço, primeiro era 812599. Eu me lembro dos números de telefone, é impressionante, o 2114230 era o outro, era o da casa do Butantã. Aí, a gente morou lá, na Rua Santa Cristina, 217. A história era assim, quando papai se casou, meu avô deu de presente de casamento, de dote, sei lá como seria, um terreno que eles chamam, no Pacaembuzinho, que é aqui perto de onde eu moro. Meu pai não tinha muita grana, daí, vendeu esse terreno e comprou no Jardim Paulistano, que era mais barato e menor e construiu essa casa, a mesma rua onde morava a minha tia, a Tia Leninha. Então, a Tia Leninha era no 305, a gente no 217. Lá ficamos anos, a minha tia mora até hoje lá. E a minha vida foi toda no bairro, assim, escola, eu estudei no Bola de Neve, fundei o Bola de Neve, sou da primeira turma do Bola de Neve. Minha irmã estudava Madre Alix, o Cal estudou no São Norberto. O caso, que aí a gente vai que entrar, você me coordena um pouco, é que meus irmãos ficaram doentes. Então, tem um fato na minha família que é o seguinte: mamãe se casou com 19, então, com 21 ela tinha três filhos. O terceiro, o Zeco, José Luís, aos seis meses teve meningite, e por conta da meningite o remédio que ele teve que tomar tinha como efeito colateral, ele perdeu a audição. Então, o Zeco ficou surdo, surdo profundo, perda de 90% e tal, muito cedo, bebê. E tudo isso conduz a minha mãe a se formar em Fonoaudiologia para, daí, entender melhor e cuidar do Zeco. Então, eu acho que o espaço, a espera, pelo menos creio eu, e esse intervalo maior entre o meu nascimento e o do Zeco, de cinco anos, diferentemente dos outros, se dá a todo, evidentemente, aos cuidados que o Zeco exigia quando criança. Mas o Zeco, ele foi de fato alfabetizado, tudo mais, no Derdic, chamava Cerdic, o Derdic ainda existe, que é vinculado à PUC e tudo mais. Minha mãe prestou vestibular e entrou na Fonoaudiologia, evidentemente, estudando ela começou a entender melhor e ela fez a opção de que o Zeco não ficasse numa escola apenas para surdos, hoje são deficientes auditivos, naquela época era surdo e não tem essa: surdo-mudo, isso é uma tolice, em geral os surdos tem uma dificuldade de fala, porque eles não ouvem, e poucas pessoas educam. Então, minha mãe não queria que o Zeco ficasse limitado à linguagem de sinais. Então, depois ele foi para uma escola normal e minha mãe se especializou, ela foi para Nice, na França, em dezembro de 71 e ficou lá e foi estudar com monsieur Perdoncini, que é um francês, que é italiano, que tinha uma técnica.

P/1 – Mas ela levou vocês ou não?

R – Não, foi com a minha irmã. Foi um verão e tanto só com o meu pai em Ubatuba, mas foi legal. Não, eu morria de saudade dela. A minha mãe era muito forte, sabe assim? Era muito importante.

P/1 – Vamos voltar um pouco.

R – Vamos voltar.

A mamãe foi para lá, foi estudar com o monsieur Perdoncini, porque ele tinha uma técnica de usar aparelho de fazer treinamento fonoaudiológico, leitura labial e para aparelho retroauricular, que naquele começo não era retroauricular, era a caixinha no bolso, depois que veio o retro. Então, a mamãe foi tentar aprender com essa técnica e trouxe para cá e abriu uma clínica de fonoaudiologia, eu me lembro de um aparelho pesado, grande. E ela abriu essa clínica, onde com outras colegas de turma dela, mas ela, como foi fazer faculdade um pouco mais velha, tinham umas mocinhas mais jovens assim, trabalhando com ela. Então, ela se formou por conta disso. E depois, voltando, eu nasci em 63, 12 de janeiro de 63, o único ruivo, essa já é uma coisa, não há ruivos na minha família, mas a minha filha, a Zoé, é ruiva. E brincavam, enchiam o meu saco: “Você foi achado no lixo, no pó de café. Você não é filho” e tal, e era engraçado a minha tia, irmã do meu pai, é bem branca, eu achava que ela era ruiva, mas ela não era ruiva, ela pintava o cabelo (risos). Não há registros de ruivos na minha ancestralidade, na minha ascendência. E depois de mim, três anos depois, nasceu a Lulu, Maria Luiza Leonel Gomes Reis, que por uma tragédia se contaminou, teve meningite também, que degringolou para encefalite e depois para uma paralisia cerebral. Lulu com seis meses já tinha feito, ou nove meses, três operações. Necrosou o cérebro, tirou uma coisinha. A história é muito triste e muito, na época, 1966. E assim, foi uma luta isso, evidentemente marcou muito a minha família, as duas meningites, especialmente a da Lulu, porque ela teve um comprometimento neurológico muito grande. Ela é excepcional, a gente chamava excepcional, não especial, então, não tem nenhum problema de eu falar assim. Ela é excepcional e ela teve um comprometimento neurológico, perda de massa encefálica, tirou um monte de coisa assim, as pessoas achavam que ela ia morrer. E graças aos cuidados de um bom cirurgião, Gilberto Machado e depois os médicos todos, daí, a Lulu sim teve que fazer escola especializada, fisioterapia muita, até hoje muito remédio. Ela tem uma deficiência motora e tal, e uma neurológica, mas é a nossa irmã.

P/1 – Como era a convivência na sua casa, assim, vários irmãos? Quem é que exercia a autoridade? Paterno? O lado materno?

R – Mamãe, a mamãe. A gente morava lá, era um sobrado, quando nasceu a Lulu deu uma bagunçada, porque teve um ano que ela não podia ficar, ela tinha muita convulsão, ela não podia ficar sem vigilância, então, 24 horas por dia tinha alguém ali, então, ela ficou com um quarto sozinha. Porque lá em cima tinha três quartos, um quarto de casal, papai e a mamãe, e os nossos dois quartos. Daí, tanto que uma época a Quilha, ficavam com os três meninos num quarto, as duas no outro, e depois deu uma bagunçada, eu era muito pequeno. Mas eu lembro que tinha uma barra, tinha uma coisa tensa lá em casa, eu era muito pequeno, tinha três anos. Ao mesmo tempo, o fato de eu ser tão pequeno, e a forma como os meus pais cuidavam dos meus irmãos, sempre de inclusão, sabe? O meu irmão foi estudar em escola normal, Lulu fazia escola excepcional, mas a gente viajava juntos, ia pra Ubatuba e andava na praia, ninguém escondeu nada, nem da gente, nem dos outros. Isso foi um traço muito forte da nossa educação, uma coisa muito saudável, mas muito custosa também, não a inclusão, mas a convivência direta assim. Eu nunca me dei conta, essa é uma coisa, um traço da minha pessoa, porque eu nasci com dois irmãos muito diferentes de todo mundo, mas eram meus irmãos, então, não eram nada diferentes dos outros, eles eram iguais. O Zeco é o Zeco, surdo. E a Lulu... “Tudo fala daquele jeito. Nando” – (imitando a voz do irmão). E ele tinha essa voz. Mas a Lulu, eu brincava muito com ela, porque logo ela ficava ali, era excepcional, com esse problema, mas uma criançona, uma eterna criança. Então, quando a gente era criança, eu brincava muito com os meus irmãos, os dois. Os mais velhos saíam, iam para escola e tal. O Zeco teve uma escolaridade bastante prejudicada, tanto que ele é cinco anos mais velho que eu e a gente estudou juntos. Ele era apenas dois anos, ele perdeu três anos, vamos dizer assim, e também tem um grau de ingenuidade, melhor dizendo, por conta do que é a surdez que no caso dele teve como consequência, a linguagem oral, impressionante, ela é muito responsável pela malícia, sabe assim? A entonação, e tudo. O Zeco é um sujeito tão ingênuo. Então, eu tinha dois irmãos muito próximos para brincar assim. Lá em casa era muito gostoso, a minha infância era feliz. Eu fiquei muito sozinho, sabe? Porque de certa maneira eu ensanduichado por dois irmãos que exigiam mais atenção do que eu, ruivo, diferente, e ao mesmo tempo, isso é nítido, havia uma espécie de alívio pelo fato de eu não exigir tantos cuidados. E eu sempre, então, eu acho que muito cedo eu introjetei um senso de responsabilidade excessiva até, porque uma criança talvez não necessariamente precisasse. Dever ter não tem, porque a gente é o que é, a vida vive o que a gente tem para viver, mas de certa maneira. Eu tinha um senso de que eu não podia dar trabalho, saca? Meus irmãos já davam muito trabalho. Então, eu ficava muito bem sozinho, eu brincava muito e eu desenhava, escrevia, tinha que me divertir ali. Claro, a nossa casa, a nossa família é de classe média, nunca fomos ricos. Embora o meu avô tivesse um cartório e tal, mas vivemos bem. Assim, mas o meu pai era um profissional liberal, que com o seu salário, claro, teve uma herança, um dote, ganhou uma casa e tudo mais, mas trabalhava, minha mãe trabalhava na clínica. Então, assim, mas a gente tinha empregada, tinha cozinheira, uma babá e a Lulu exigia uma pessoa, a Cida, que veio do interior e cuidava da Lulu. Você conheceu ontem. Ah, a Cida deve ter te contado isso. Então, a minha casa era bacana, mamãe era a voz brava, meu pai, não.

P/1 – Se contavam histórias na sua casa?

R – Se contavam?

P/1 – É. Contavam história?

R – Contava. Eu não me lembro de a minha mãe ler para mim antes de dormir, não. Tinham livros, tinha assim, a casa da vovó tinha uns quebra-cabeças, que também ficavam alguns comigo, que a gente ia brincar. Não, vamos ficar na sua pergunta, senão vai muita coisa. Mas talvez eu me lembro muito do Monteiro Lobato, o Monteiro Lobato é um livro infantil, o Sítio do Pica Pau Amarelo, muito importante na minha vida. Havia muitos livros na minha casa. Eu me lembro de uma parede na saleta cheia de livros e livros para crianças também, para adolescentes, Tesouro da Juventude, mas tinha uma coleção do Júlio Verne, vermelhinha, linda. A do Monteiro Lobato, que tinha a obra adulta e a obra infantil, foi devorada. Eu não posso te dizer se foi a minha mãe que leu. Eu me lembro de ler na escola e para a escola e mais tarde ler sozinho.

P/1 – Com quantos anos você entrou na escola?

R – Vamos fazer as contas. Provavelmente com três.

P/1 – Que lembrança você tem? Assim, a mais remota?

R – Remota?

P/1 – De escola, de professor?

R – Eu me lembro de uma bem remota. Eu fui estudar no Bola de Neve, que era uma escola de bairro, Bola de Neve existiu até pouco tempo. A Teodora, que cuida ainda da escola, era irmã do Júlio. Ela era a mais nova, loira, era mais nova que eu. Eu lembro que eu fui para lá, a Tia Patrícia, que é mãe da Teodora, ela estava abrindo aquela escola e iam muitas crianças do bairro e tal, acho que era método Montessori, alguma coisa assim. Eu me lembro de ir nessa sala, era uma casa. Eu me lembro do uniforme azul, eu lembro que a primeira unidade, acho que foi na Vicente Penteado, mas depois foi na logo no Ibsen da Costa Manso, onde até a pouco tempo era e lá que eu estudei muito. Depois o Bola de Neve foi mudando de casa quando foi crescendo. Eu era muito inteligente, e queriam me pular de ano, indo lá no dois anos. E eu fui para uma classe. Felizmente a minha mãe teve a sensatez de não deixar com que isso acontecesse. Eu não sei se a questão era a inteligência, achavam que eu tinha facilidade ou por esse senso de responsabilidade, enfim. Eu me lembro disso e foi muito ruim, porque eu tinha uma turminha já, eu tinha os meus colegas, então, eu não sei quanto tempo isso durou, se foi um dia ou se foram duas semanas, não lembro, mas eu lembro que foi um alívio voltar para minha classe. Eu me lembro de muitos colegas, eu lembro de que eu estudava com uma prima, a Vange, que é filha da minha tia, irmã da minha mãe, vizinha de Rua na Santa Cristina, era minha colega.

P/1 – Então, você tinha bastante convivência com seus primos?

R – Eu tinha, assim, meus primos. A família da minha tia tinha dois primos, a Cris e a Lolo, que eram mais velhas, a Vange e o Otávio. Era eu, a Vange e o Otávio. Zeco, eu, a Vange e o Otávio, a gente brincava. A gente brincava na casa da vovó, brincava lá, a gente era turma. Eu brincava, sim, com meus irmãos eu não brincava, brincava com o Zeco e com a Lulu. Os meus irmãos mais velhos, aí é adolescência. Meu encontro com eles se deu na...

P/1 – Na adolescência.

R – Não exatamente na adolescência. Como eu te falei, eu era muito precoce, então, eu convivi com eles a partir de nove anos, eu fazia coisas, enfim. Mas na minha escola eu tinha uma turma de amigos e eram amigos de bairro também. Certamente eu entrei em 67, em 68 com certeza, eu tenho foto de mim na escola, no Mundo da Criança. Não sei. Agora eu viajei.

P/1 – No Bola de Neve você ficou até quando? Até quantos anos?

R – Eu fiquei até 1972.

P/1 – Ah, então, você tem alguma professora que tenha te marcado?

R – Tem. A Tia Mara, nossa! Eu era louco pela Tia Mara. A Tia Sílvia, a Tia Luciana. Mas a Tia Mara, eu achava que ia casar com ela. (risos) E teve um fato assim, eu era um bom aluno e tal, provavelmente as professoras gostavam de mim, ruivo. Eu lembro que uma época eu tinha que sentar na frente, porque eu comecei a ficar míope, com sete anos eu já era míope. Daí, eu não conseguia ver e eu escrevia uma letra muito pequena. Uma coisa louca, ainda letra minúscula, alguma coisa assim, não sei, tinha alguma coisa assim. Eu lembro que quando eu fui e botei os óculos, os primeiros óculos que eu tive, a primeira armação era uma armação quadradinha, prateada, assim, eu lembro que eu cheguei e a Tia Mara falou que eu estava lindo, sabe assim? E foi muito “aaaaahhh”, porque eu amava ela (risos), e eu estava com muito medo de botar os óculos. E era engraçado, porque com sete anos meu cabelo começou a ficar crespo, eu era liso, tinha franja assim, escorrida, era quase aloirado assim, então, daí eu comecei, daí, ela falou que eu parecia um anjo. Então, umas coisas assim. E eram só professoras, tanto é que tinha nome, tia Mara, tia Sílvia. Uma vez ela foi oferecer um almoço na casa dela, foi super agradável. Só que tinha um problema grave, eu era superenjoado para comida, eu não comia nada, nada, e eu achava que eu disfarçava, eu tinha uma técnica assim. Primeiro, eu detestava champignon e na minha casa era assim, nos anos 60 tinham poucas comidas, não tinha nada, as únicas variações de arroz e feijão, tinha bife à milanesa, de vez em quando strogonoff, que eu odiava, porque tinha champignon. E era assim, trocava-se a toalha da mesa uma vez por semana e eu era superestabanado, e na primeira toda segunda-feira eu derrubava suco na toalha e era: “Pô. Ah!”. E a toalha molhada e ficava aquela toalha a semana inteira. (risos) Então, tinha essa coisa do jantar, aí, eu não comia nada, eu não comia nada. Daí, eu empilhava um monte de arroz e dobrava os talheres em cima como se ninguém percebesse uma montanha embaixo, não comia. E a Tia Mara fez esse almoço para levar as crianças, e fui lá, tinha lentilha, argh, e ovo frito, argh. Foi mal não comer a comida da tia Mara e tentava comer, tinha engulhos, eu passava mal, eram essas as minhas professoras. Daí, eu fiquei no Bola até 72, porque aconteceu o seguinte, eu tinha uns amigos, que moravam primeiro em frente a mim na Santa Cristina, depois para Itapirapuã, o Antônio, o Candinho, e o Paulo Malta Campos, filho do Cândido Malta Campos, que é um urbanista, e da Maria. Maria trabalhava com pedagogia e eles foram logo muito cedo para os Estados Unidos, e eu perdi meu grande amigo, que era o Candinho. A Vange, o Carlos e o Candinho eram os meus amigos de turma, a gente brincava muito, altas brincadeiras e eu guardo os desenhos.

P/1 – Do que é que vocês brincavam?

R – A gente brincava, tinha uma coisa, uma brincadeira clássica, para resumir, era abelha. E o que é que a gente fazia eu não lembro, bzzz, certamente, no recreio. Daí, as abelhas tinham hierarquias, claro, eu era o zangão, o “abelho rainho”, eu era meio líder, assim, mas pacífico, eu me lembro disso, porque, assim, eu desenhava e desenhava bem, então, tinha o desenho das abelhas e todas as categorias, essa era uma brincadeira. Eu gostava de jogar futebol, sempre joguei bola, bati bola com o meu irmão, meu irmão mais velho, sete anos mais velho do que eu, me massacrava, eu ficava no portão, no gol e ele pá.

P/1 – Você já tinha escolhido o time que você ia torcer?

R – Eu nasci são-paulino, eu sou vermelho, branco e olhos pretos, não tem como. Daí, a família toda é são-paulina, meu avô é são-paulino, que ajudou a construir o Pacaembu, ganhou cadeira cativa, meu pai é são-paulino, todo mundo é são-paulino, menos a Sophia. E eu ia ao estádio, papai me levou ao estádio, tinha camisa, meu ídolo era o Pablo Forlán. Meu ídolo, provavelmente, porque ele era cabeludo, porque eu tinha a camisa dois do Pablo Forlán, Pablo Forlán do time, eu tinha nove anos, sei lá, e ele tinha esse apelido, El Tupamaro. Ele não era exatamente técnico, ele é pai do Diego Forlán, que joga hoje, sim, ele era meu ídolo. E tinha essa coisa louca, por conta dos meus irmãos mais velhos, tinha muita música lá em casa, a minha família comprava discos. Papai era fã de Jorge Ben, mamãe estudava bossa nova com Paulinho Nogueira, os cadernos de música dela têm músicas incríveis, que eu mesmo nunca ouvi. Daí, meus irmãos, o Cal, eu mais ou menos mapeio dessa forma, o Cal gostava de rock, e a Quilha, dos tropicalistas Gil e Caetano. A Quilha estudava no Madre Alix e ela tinha uma amiga, a Daniela Monroe, que a família dela, acho, que era da Bahia, e ela tinha amizade ou tinha proximidade, então, por essa combinação de fatores eu assisti shows muito bons muito cedo. Eu vi a gravação de Gal Fatal, eu vi shows quando eu tinha nove anos e minha irmã, eu não sei, que espécie de moeda de troca ou era, porque quando ela me levava aos shows, a minha mãe a deixava ela ir, qualquer coisa desse tipo. Então, eu vi muita coisa muito pequeno. E a gente via muito show aqui no Tuca. Era hábito da minha família comprar discos e ir à shows.

P/1 – Tinha um som que você gostava especialmente?

R – Tinha uma vitrola. Ah, um som o quê?

P/1 – O que você curtia?

R – Eu gostava de tudo isso, sempre gostei, assim, mas Gil e Caetano muito, desde pequeno. O disco do Gil de Londres, e do Caetano de Londres, o disco Branco do Caetano já é um disco que eu me lembro. O que tem o Alegria, não o do Tropicália, o disco do Caetano que tem aquele desenho, já é um disco marcante na minha vida. Gal, Gil e Caetano, pra mim eram a coisa mais importante, mais impressionante.

P/1 – Tinha uma música que ficava na sua cabeça?

R – Eu tinha um compacto que é o Cada macaco no seu galho. “Xô, xuá, cada macaco no seu galho. Xô, xuá, eu não me canso de falar. Xô, xuá, o meu galho é na Bahia” (cantando). Para mim, o disco bom mesmo é o Expresso do Gil, esse disco é magnífico. O Transa do Caetano, nossa! O disco do Caetano de Londres...

P/1 – Você tinha quantos anos? Você já estava na pré-adolescência aí?

R – É, nove anos.

P/1 – Ah, ainda criança.

R – É uma criança. O disco do Caetano, o de Londres, que tem o London, London, Maria Bethânia, é um disco muito importante. Minha irmã já tinha me ensinado a tocar violão e eu lembro que esse foi o primeiro disco que eu consegui tirar músicas, sozinho.

P/1 – Com nove anos?

R – Provavelmente, nove ou dez por aí, porque 11 eu já estava no Butantã, e isso eu me lembro de ser na Santa Cristina. Eu achava aquela música, “A little more blue”, “I feel a little more blue than” (cantando), aquele disco é muito bonito. E tinha “If you hold a stone”, que é um pouco parecido com Marinheiro só, cito Marinheiro só, é um disco harmonicamente assim, digamos simples, sabe? Embora seja belíssimo. Então, esse disco teve grande impacto, aquela capa, o Caetano com aquele casaco de pele de ovelha, com aquela barba, aquela cara. O disco do Gil, de Londres, era um disco muito importante, assim, muito bonito. Daí, o Expresso e o Transa. A capa dele, o Transa é aquele disco objeto e além de ser uma música, tudo era bonito, tudo era impressionante, tudo, e eu gostava muito de música. Ao mesmo tempo tinha a parte rock and roll, que, digamos, eu associo esse mapeamento ao meu irmão. Eu fui muito fã do Alice Cooper, muito, tenho uma tatuagem dele por conta desse amor. Eu tinha uma coisa que eu fazia, isso também até os dez anos, eu elegia quem era o meu ídolo daquele dia, eu fazia votações, o Alice Cooper durante um período era quem ganhava sempre. Depois eu gostava muito do Yes, eu me lembro de ficar ouvindo, a gente tinha uma vitrola lá embaixo, na sala, e eu tinha uma vitrolinha portátil, ficava lá no quarto, e era boa, que chegava ao final, ela desligava, então, podia botar a música e ir dormir. E eu me lembro de ouvir o Yes Songs. E a mamãe fazia tricô, tinha essa coisa importante também lá em casa, mamãe tricotava bem e daí, tinha agulhas de tricô e eu tocava bateria com agulha de tricô. Meu primeiro instrumento foi bateria, eu tive aula de bateria com sete anos com a Dona Arlete, mas não prosperou.

P/1 – É mesmo? Você pediu?

R – Eu fui, tinha aula de música e o mais louco é que a Dona Arlete chegou a dar aula para os meus dois filhos. Uma velhinha com uma franjinha, nunca casinha linda, que foi demolida lá no Jardim Europa, que judiação. E a gente ia e eu lembro que teve uma apresentação num palco, e ela tinha uma bateria vermelha, tocava bateria, ela era louca. O método dela me foge a palavra, era muito bacana, ela misturava desenho, tudo mais, era legal. Mas, enfim, os discos, os shows, essa coisa...

P/1 – Você ainda criança então?

R – Ainda criança, eu assisti. E eu já me lembro de ver o show dos Secos e Molhados em 74, eu tinha 11 anos, já me sentia. O show do Secos e Molhados foi um show muito impressionante, eles já estavam estourados com o Vira e era no Ruth Escobar, e o Ruth Escobar era um teatro pequeno, com uma luz estroboscópica assim, e eles saíam do alçapão, a banda tocando, eles saíam, entravam aqueles três mascarados, o Ney com aquela roupa dançando, cara! A coisa mais show que eu vi. Então, eu vi muitos shows, muitos shows, mesmo do Chico Buarque, Bituca, MPB4. Eu vi um show marcante também do Caetano, do lançamento do Araçá Azul. A Edith do Prato abriu o show, o Caetano, ele saiu num tamanco vermelho, uma bata, tinha aquela coisa meio andrógena, de batom. Shows da Gal, eu ainda me lembro o show da Gal que eu vi, provavelmente, o Vapor Barato, Fatal. E por conta dessa amizade que minha irmã tinha com a Dan, a gente foi ao camarim, eu me lembro muito de ver a Gal Costa linda, linda, linda, com cabelo enorme depois do show, com batom, ela me recebeu e eu, provavelmente, eu tinha oito ou nove anos, eu entrei assim, ela olhou pra mim, falou: “Nossa”. Ela percebeu que eu fiquei tímido, intimidado, claro, falou: “Você tem uma cara de intelectual.” Eu fiquei assim. Eu não consegui falar nada, certamente. Eu vi muita coisa bacana. Tinha esse barato de comprar disco. Eu guardava a minha mesada pra comprar disco na Hi-Fi. Eu comprava discos. A gente tinha uma coisa lá na sala de casa, todo mundo comprava disco, e a gente catalogava. A coleção de disco da minha mãe ficou comigo. Tinha aquele rotex, sabe? Botava o número, daí, tinham umas prateleirinhas para gente guardar, daí, tinha um caderninho, e tem lá os discos...

P/1 – É mesmo?

R – É. Internacional e nacional.

P/1 – E você tinha uma coisa, assim, quando você era criança, “quando eu crescer, eu quero ser tal coisa”? Ou você nunca teve isso?

R – Ah, eu acho que uma época eu já queria ser músico, mas eu nunca imaginei até na infância...

P/1 – Mas você...

R – Não era uma profissão possível. Primeiro lugar, não era uma profissão, certo? Até eu achar que aquilo era, foi um pouco mais quando eu vi show, eu falei: “Nossa, deve ser muito bom estar no...”.

P/1 – “Quero ser isso quando crescer.”

R – É. Mas eu tinha outras coisas sim, eu queria ser cientista, o que isso significa, eu não sei, mas eu queria ser cientista. Eu sempre tive uma atração, assim, por essa coisa. Tinha uma coisa que eu fazia que era muito louco, a gente tinha aquela enciclopédia, Conhecer, a minha avó tinha uma loucura, a minha avó Jú era muito metódica e ela comprava fascículos, a Editora Abril teve uma importância enorme na minha vida, porque ela lançava fascículos e a gente fez todas as enciclopédias, tudo, Medicina e Saúde, Conhecer, Mitologia, então, todas e era um barato, como meu avô morreu, cedo, vovó foi morar perto da gente e tinha uma banca lá perto da Regência, Regência era uma padaria importante, boa, ficava na Sampaio Vidal, e daí, tinha uma banca que a gente comprava, assim. Por que eu estou te dizendo? Ah, o Conhecer. E eu era biruta, meu, assim, tinha essa coisa, tinha uma coisa louca na minha casa, meu pai trabalhava e minha mãe, tinha umas situações que eram muito estranhas, assim, a minha mãe tinha uma misteriosa dor de cabeça. Daí, ela ficava no quarto escuro assim e tinha que reinar o silêncio em casa, isso era um negócio aterrador. Lá na minha casa, como eu te falei, por causa da doença da minha irmã, eu não sei se era uma depressão, se era uma enxaqueca, eu não sei, não podia.

P/1 – Tinha esse mistério.

R – Tinha uma hora que tinha que abaixar a bola. E daí, que era complicado, porque quando você me perguntou quem era a autoridade, era a minha mãe, porque a minha mãe quando ela falava: “José Fernando”, quando ela me chamava de José Fernando...

Eu me lembro de uma cena clássica também, a gente tocando uma baderna, e a minha mãe com uma dor de cabeça falou: “Zé Carlos, dá uma basta nessas crianças”. Meu pai ia lá e falava: “Basta”, (risos) todo mundo morria de rir. Meu pai não era bom de bronca, não, minha mãe era enérgica. Mas nunca me batia, assim, tinham umas palmadas, eu tomei dela umas palmadas e tal, mas eu não era muito levado. Mas o que eu ia te dizer é que tinha essa coisa e a sensação que eu tinha é que eu ficava muito sozinho, então, de tarde eu preparava umas palestras e eu lembro que era uma coisa muito bizarra, devia ser muito delirante, porque, assim, eu lembro que preparei uma palestra sobre anatomia da flor ou qualquer coisa assim. A morfologia e, daí, eu chegava, eu fazia os convites, daí, antes do jantar, distribuindo prato, daí, todo mundo tinha que sentar para assistir a minha palestra, que provavelmente era ler uma página do livro, assim, (risos) era legal, assim, devia ser certo aluguel, meu pai devia falar assim: “Clap, clap, clap. Ok. Eu tô com fome. Não sei o que lá”. Tudo isso porque eu tinha uma verve meio cientista. Porque eu gostava e que eu achava que era uma vocação, um interesse pelo menos, que eu achava que poderia ser uma vocação. Então, essas coisas, tinha a tal coleção de selo, mas a coleção de selo eu lembrei, porque você falou, mas era um momento importante entre eu e meu pai, a gente ia à Praça da República. Tinha uma coisa muito louca.

P/1 – Seu pai colecionava selos?

R – Papai colecionava moedas e eu, selos. Eu não sei o que acontecia. A gente ia pra lá e meu pai é um sujeito de poucas palavras, diferente de mim. Então, a gente ia provavelmente quieto, ele ia ver as moedas dele. Eu decidi que eu queria colecionar selos da Alemanha Oriental, em 1972.

P/1 – De onde veio esse interesse?

R – Não tenho a menor ideia, não sei como, mas eu tenho os álbuns guardados. E assim, papai me deixava na banca vinha um alemão que não falava português, e eu ficava lá colecionando. Eu colecionava séries completas, tinha um catálogo de álbum do ano. Eu era um colecionador sério, mas hoje eu acho um traço bem, digamos, excêntrico.

P/1 – Mas você trocava com outros colecionadores?

R – Não. Não. Eu era um pivete de dez anos, eu ficava ali, mas eu tinha pinça. Eu me lembro de uma coisa bacana, que era assim, de ir nas galerias no centro da cidade para comprar duas coisas: futebol de botão, time de futebol de botão, que era maravilhoso, com filó. A gente tinha uma coleção de botões, o meu pai a dele era de botão de roupa, de verdade. Os zagueiros eram botões de casaca, o time dele era imbatível. E os outros de celuloide, que fazia com adesivo, esmalte, goleiro de caixa de fósforo com chumbo, sabe? E a gente perdeu isso na mudança, eu perdi uma caixa das minhas coisas prediletas e os times que ficavam comigo. O meu pai tem um ditado que ele fala: “Três mudanças equivalem a um incêndio”. Perfeito, por isso que eu mudei poucas vezes na vida. Mas, enfim.

P/1 – Você ia falar dos selos…

R – Dos selos. Eu me lembro, eu tinha pinça. Os Álbuns apropriados, eu tinha coleção, eu era especializado em Alemanha Ocidental e colecionava selos do mundo. Eu tinha uma loucura com a minha tia e o meu tio, minha tia, irmã do meu pai, que era 15 anos mais jovens que o meu pai, era uma tia meio moderna. E ela se casou com um sujeito chamado Jorge Wilson Marcondes, que era um cara muito incrível, ele era arquiteto, ele era brilhante, e ele foi um ídolo meu da minha infância, eu tenho os meus cadernos de composições, tudo é eu e meu tio Jorge, tudo. E lembro que o Jorge e a Jô se casaram em 1970, portanto eu tinha sete anos e o Jorge a família dele era rica, assim, quando eles foram fazer a lua de mel deles, eles foram dar a volta ao mundo! Que coisa incrível! Ele me mandava postais, então, tinha postal do Irã, países da África que nunca tinha ouvido falar, quer dizer, eu tinha ouvido falar, porque eu era bom, eu adorava países, eu sabia capitais de todos os países do mundo, não sei mais hoje.

P/1 – E você guardou esses postais?

R – Eu tenho muita coisa guardada. Esses assim eu não sei, porque para colecionar os selos, tinha que tirar o selo do postal, aí, você tirava no vapor. Para não rasgar o selo, então, eu botava água fervendo, daí, botava o postal e o vapor soltava a cola, isso é uma coisa que hoje em dia não se faz, quer dizer, hoje ninguém nem sei se coleciona selos. Porque não tem nem mais selo, ninguém usa os Correios. Não, eu não tenho os postais, eu tenho alguns postais, eu fiz uma arrumação. Eu tenho uma memória louca, eu não me lembro de certas coisas e outras eu lembro minuciosamente, mas eu arrumei recentemente o meu arquivo, porque estava uma bagunça e achei postais absurdos da minha mãe, do meu pai, de uma viagem que fizeram ao Peru. A gente tinha uma coisa. Eu sou muito fã do Tim Tim, muito, porque a vovó dava os álbuns do Tim Tim para todos nós, presente de aniversário, de Natal, tudo mais, assim. Então, eu sou fissurado, fissurado. Eu achei recentemente, estou contando isso, porque ela mandou um postal assim: “Estou aqui”. Estava no Peru: “Aqui tem lhamas que cospem na cara da gente.” Que é uma cena do Templo do Sol. Ah! Que coisa legal.

P/1 – Você tem esses postais?

R – Tenho.

P/1 – Se a gente precisar escanear algum, você empresta? Escanear aqui?

R – Você vai fazer um álbum comigo, bicho, eu tenho tudo.

P/1 – É mesmo?

R – Desenho. Tenho meus boletins de escola.

P/1 – Que incrível.

R – Todos os meus desenhos, todos? Uma parte. Desenhos de quando eu era muito pequeno.

P/1 – Vamos digitalizar esse acervo.

R – Eu preciso de alguém, estou procurando um parceiro, eu tenho um arquivo muito bom. Assim, estou brincando, mas assim, claro, eu estou todo à disposição. Tudo à disposição.

P/1 – Não, é uma coisa a se pensar. Não, do Museu, é uma maneira que você tem de ter isso guardado também.

R – Eu queria muito. Muito.

P/1 – Vamos falar disso. Depois a gente...

R – Eu preciso.

P/1 – Vamos falar de verdade.

R – Isso é outra coisa, tá?

P/1 – Verdade verdadeira, absoluta e sincera (risos). Ai, eu dei tanta risada que me perdi. E na adolescência? Na adolescência você foi para qual colégio? Porque, aí, você já tinha saído do Bola de Neve.

R – Eu saí do Bola de Neve, porque a mãe do meu amigo, que era pedagoga, disse que o Bola de Neve estava ficando ruim, eu fui para o Vera Cruz, em 1973, que amei, amei.

P/1 – Escola dos meus filhos.

R – Era na Rua Argentina com a Brasil, mas tive, decidi, optei para ir para o Nossa Senhora do Morumbi, em 74, porque meu irmão estudava lá. Eu fiz muitos amigos no Vera Cruz, a minha vontade era ficar lá e o Vera Cruz era um colégio maravilhoso, mas fui para o Nossa Senhora do Morumbi, que também foi maravilhoso, que era lá no Morumbi, na Giovanni Gronchi.

P/1 – Por que ele foi estudar lá?

R – Porque era o único colégio que aceitou o Zeco, por causa da deficiência.

P/1 – Ah, bom.

R – A Madre Isabel Sofia.

P/1 – O Vera não aceitava?

R – Nem nos ocorreu, eu acho, uma prima nossa já tinha... Não sei.

P/1 – Foi pra lá.

R – Eu não vou te responder, nem vou me alongar nisso. Daí, fiz o Nossa Senhora do Morumbi, que naquela época abriu um colegial chamado Logos, que eu não quis ir, eu quis ir para o Equipe, fui para o Equipe e lá encontrei Vânia, minha mulher e tudo mudou. Minha mulher hoje.

P/1 – Você começou a namorar com ela naquela época?

R – Não. Eu a conheci no primeiro dia de aula, em 1978, ficamos amigos, eu apaixonado por ela, louco por ela.

P/1 – Logo que você viu você se apaixonou?

R – Ela era muito linda, muito linda e a gente deu a sorte de cair na mesma classe. Eu a conheci na fila da apostilaria, antes mesmo de saber qual era a minha classe, para pegar minha carteirinha, ela estava, eu olhei, falei: “Nossa”. Vânia já era do Equipe, ela é mais velha que eu, tinha repetido, não no Equipe, em outros colégios. E, daí, caímos na mesma classe, porque eram três primeiros anos. E, óbvio, ficamos superamigos. E eu enlouquecido por ela, mas começamos a namorar só em 83. Casamos em 85, daí outra história.

P/1 – E na adolescência, o que você fazia? Quais eram seus programas de adolescente? Sua turma.

R – A minha turma, eu ficava muito com os meus irmãos. A minha adolescência antes de ir para o Equipe, eu chamo adolescência quando eu tinha 12 anos, 13, os meus irmãos mais velhos me apresentaram fumo, eu dei minha primeira “bola” com 11 anos. Era uma coisa assim, eles tinham, são mais velhos seis, sete anos que eu, então, era um barato, eles tinham a turma deles, o meu irmão tinha amigos que tinha uma banda, e eu achava aquilo incrível, incrível, tinha um amigo dele que era guitarrista. A gente ia muito para Ubatuba, a gente tinha uma casa na Praia do Lázaro e passava férias, e têm histórias incríveis, todo mundo “loque” lá. E os caras viajando de ácido, tomando chá de cogumelo, e eu de boa ali. Nossa! Cada coisa.

P/1 – O caçula.

R – O caçula, eu era o caçula adotado e eu era tranquilo, porque eu era “sussa”, sabe? Ficava, enturmava, enfim. Então, tive essa relação, uma parte da minha adolescência...

P/1 – Mas você já tocava?

R – Eu tocava violão. Tinha amigos daqui...

P/1 – O violão que sua irmã te ensinou?

R – E o violão que ganhei da minha avó.

P/1 – Mas, aí, você continuou fazendo aula?

R – Eu fiz aula com um amigo do meu irmão, Alexandre, o apelido dele era Manhão, que tocava muito bem, ele me ensinou harmonia, um pouco de violão clássico. E a gente tinha uma parte da aula que era olheiro e ele pedia uma música para ele tirar para me ensinar, então, os meus rudimentos, minha formação eu devo muito a ele, aprendi muita coisa com ele. Então, ele tocava violão, tinha uns amigos do Cal que tocavam violão. Mas na adolescência, até eu chegar no Equipe, eu não era de fazer som, fazer som eu tocava sozinho, meu quarto, eu tinha um gravador de fita cassete que eu gravava. Eu escrevia muito, então eu gravava e cantava, fazia som, fazia fitas.

P/1 – Você já escrevia?

R – Desde pequeno. Tem um livro que eu fiz com, sei lá, sete anos, Sociedade e Companhia, um livro bizarro, que eu reli agora. Depois eu fiz um livro também, eu era muito fã do Millôr Fernandes, fã, Millôr Fernandes é um gênio e desde pequeno eu soube disso. E eu colecionava, tenho guardados as páginas da Veja e eu fiz um livro chamado Hálito Metálico, que é nada mais, nada menos, que recortes dos desenhos do Millôr Fernandes e intervenções a partir dos desenhos, e depois tinham histórias. Eu datilografava. Tinha uma Olivetti que eu escrevia, eu escrevia, desenhava, colava, tudo e era minha diversão, minha brincadeira. E eu lembro que um dia eu falei para o papai: “Pai, meu livro tá pronto, vamos procurar uma editora?”. Ele falou com muito jeito, falou: “Não, tá muito bonito e tal, mas talvez você precise se envolver mais”. Pô, eu senti que aquilo era uma... Enfim, eu escrevia assim, poesias, depois nos colégios, no Morumbi eu fiz um jornal chamado Cravo, eu desenhava histórias em quadrinhos no Equipe, mas antes mesmo de eu ir para o Equipe, eu participei de uma revista importante do Marginal chamada Boca, que era no IAD, com uma turma muito mais velha, com amigos meus do Morumbi que desenhavam muito bem, hoje artistas plásticos, o Paulinho...

P/1 – Como é que você foi parar no Boca?

R – No Boca eu fui parar... A minha irmã fazia o IAD, o Ignácio... Mas não foi pelo IAD, eu não sei como eu parei, só sei que a gente foi. Na Boca, eu fui viajar com os caras pra Avaré no Congresso Internacional. Eu vi o Will Eisner, eu tinha 13 anos, minha mãe era louca me deixou ir com aqueles caras malucos, o Dagomir Marchesi, o Flávio Del Carlo, o Ignácio Isaacs, a gente ia e eles gostavam de mim, eu e o Paulo Monteiro fomos. O Paulo é um artista plástico, desenha, escreve coisas pra Folha e tudo mais. Eu fui... Como eu fui parar? E eu ia às reuniões, participei da Boca 2 e 3. A 2 é vermelha, a 3 já é na Faap, estou lá, estou lá, têm desenhos meus lá. E daí, enfim, eu desenhava, eu era talentoso.

P/1 – Você ia a festinhas?

R – Eu ia, eu gostava de dançar, eu ia a festas.

P/1 – Você dançava?

R – Eu dançava. Eu fiz uma festa uma vez lá em casa que foi um desastre, só toquei música brasileira, ninguém dançou, a única música que dançaram, era um disco da Gal, no Legal, que tem “Come on, come on, come on and die. Come on, come on, come on and try” – (cantando). Só isso, porque falava em inglês, ninguém dançou, que flop, velho. Eu fiz essa festa, eu dava festas em casa. Eu dei uma festa, daí, chegaram uns irmãos, uns caras mais velhos, vieram tocar me apavoraram por tocar uma música X, depois eu descobri quem era o Paulo Vainer, Paulo Vainer, sacana, tentando me amedrontar. E eu ia a festas, e eu gostava de levar discos em festas, eu levava as músicas que eu tocava, e às vezes não eram nada do que as pessoas... Ia a festas, tinha músicas rápidas e músicas lentas. Eu levei numa festa que era aqui perto, eu não lembro em que ano, provavelmente em 74, alguma coisa assim, o Physical Graffiti, do Led Zeppelin, porque a música lenta que eu queria era kashmir, “tchãnãnã, tchãnãnã, tchãnãnã” (risos), uma música de oito minutos (risos). Sim, eu ia a festas, eu não era um nerd, assim, no sentido um cara recluso, nada dessas características, eu tinha minha vida, meu mundo maluco. Eu tinha uma fissura, bicho, por Jesus Christ Superstar. Nossa, e eu interpretava o Cristo. A gente levou essa peça para o Bola de Neve, eu me lembro da cena da crucificação na porta pantográfica, e eu com fralda assim (risos).

P/1 – É mesmo?

R – É. Eu sabia cantar, até hoje, eu sei cantar aquele disco inteiro. Eu era sociável, tinha uma vida bacana, fiz escolas legais, onde tinha esse incentivo, apoio às artes, tudo mais, mas uma vida normal, eu curtia. E quando eu mudei para o Butantã, daí tinha uma turma de bairro de andar de bicicleta, jogar bola, eu jogava muita bola.

P/1 – Como era o Butantã naquela época?

R – Eu morava ali perto da USP, na Agostinho Cantu, 640. Em frente a minha casa tinha um terreno baldio que era um campinho. Eu lembro da Copa de 74, no intervalo dos jogos a gente ia jogar bola. Eu tinha uma turma ali, e eu cheguei e já tinha gente morando lá, então, eu era um novato e para mim era muito louco, porque de certa maneira era uma turma mais solta, gente diferente. Então eu ganhei uma bicicleta e a gente ia pra altos rolês.

P/1 – Caía no mundo.

R – Altos rolês. E o mais legal era jogar bola, tinha um campinho do outro lado ali, que daí era do lado da casa do Neco. Jogava muito futebol, eu amava jogar futebol, nunca fui um craque, mas sempre gostei de jogar bola.

P/1 – E nessa época você tinha alguma banda?

R – A minha primeira banda eu formei em 79, eu estava no Equipe, porque tinha um festival de música no Colégio Santa Cruz, II Festival de Secundarista.

P/1 – Você tinha 16 anos.

R – Tinha 16 anos. E eu fiz uma música com o Paulo Monteiro, esse amigo meu, chamada

Pomar para Vânia, que era a minha paixão. E a gente montou uma banda chamada Os Camarões, o Cao Hambúrguer era baixista, o Paulo Monteiro na guitarra, o Tonico Carvalhosa, Jai Mahal cantava.

P/1 – Jai Mahal (risos).

R – Jai Mahal, Marcelo Mangabeira tocava flauta, eu tocava violão e cantava. E essa música ganhou o festival, foi uma loucura. Eu me inscrevi, eu toquei com um violão que eu comprei na Ilha do Mel. A gente ia pra Ilha do Mel ali em Paranaguá. Eu lembro que eu fui para lá de férias, fiquei 45 dias, a gente alugou a casa de um pescador, daí era fumar e tocar violão, fazer som, não tinha água, tinha aquela água de bica, água doce, nada, comia arroz integral com cenoura. Eu lembro que no dia que eu fui embora meu pé não entrava no tênis, estava 45 dias com o pé na areia, falei: “O que aconteceu?”. Daí eu comprei um violão de um pescador lá, filho do Seu Raimundo, não me lembro o nome dele, era um violão muito rústico, de madeira. A gente fez essa música, Pomar, fizemos arranjos, tal, ensaiávamos na casa do pai do Cao, mandamos e fomos aprovados, sei lá, pela seleção. Daí, na primeira eliminatória, no dia para fazer o primeiro ensaio, nunca tinha subido num palco. Nunca tinha cantado assim, um cara olhou para o meu violão, um desses riquinhos do Santa Cruz, falou: “Você vai tocar com isso?”. Eu falei: “Vou. Como assim? Isso é um violão”. Ganhei o festival. Eu lembro no dia foi anunciar terceiro lugar, segundo lugar: “Primeiro lugar, Os Camarões com Pomar”. “Aeeeee.” E tinha uma galera que acompanha o festival e as pessoas cantavam a música, tem uma versão de 16 minutos, a música era muito simples.

P/1 – Como que é a música?

R – “Estava passeando no pomar quando de repente eu vi um leão, ele queria devorar aquela linda princesinha de verão, que bobeando sob a luz de luar, atraía com seu cheiro o leão. Mas que belê lê lê lê lê leza de mulher, que me apaixona só quando me quer” (cantando). O refrão todo mundo cantava, música simples, foi uma loucura. A gente se apresentava de branco, a gente era influenciado pela banda do Zé Pretinho e pelo Bob Marley and The Wailers. Tinha back vocais, as nossas actress, era uma boa banda. A gente depois se inscreveu num festival da feira da Vila Madalena, que tem um disco, meu primeiro registro fonográfico, é com uma música daí da Vange Leonel, Cheiro de Beterraba, num festival que o Itamar tirou terceiro lugar, olha só.

P/1 – Responsa.

R – Nego Dito Beleléu pegou a gente e não emplacou não, mas está lá o registro. Então, com essa banda foi a minha primeira experiência e eu considero que desde lá eu comecei a trabalhar, porque de certa maneira a gente ensaiava muito.

P/1 – Aí, lá você já falou: “Vou ser músico”?

R – Não, eu fiz faculdade.

P/1 – Aí, você prestou vestibular?

R – Eu prestei vestibular. Eu cometi um equívoco, importante equívoco. Eu estava um dia em Ubatuba e preocupado já com essa coisa “O que eu vou ser quando crescer?”. Não ia ser salsicha. Embora fosse uma possibilidade que eu considerasse em sigilo. (risos) Daí, eu falei: “Pô, salsicha não dá. Temos que ampliar o leque de opções” (risos). Foi o dia até que eu fumei um “back”, estava andando em Ubatuba, daí, olhava para aquele mar, “Não é possível. Deve ter uma equação que explica as ondas”. E eu era muito ruim de exatas, era mau, eu era muito bom de todas, eu gostava, escrevia bem, escrevia muito bem. E, aí, eu resolvi fazer Matemática, porque eu achava que eu precisava. Sabe uma ideia que conhecimento é um álbum de figurinhas assim: “Ah, me falta essa”. Um misto de presunção e certo senso bacana, assim, busca de conhecimento, mas um pouco exagerado, porque eu fiz o meu primeiro Fuvest em 80. Enfim, eu terminei meu ano letivo em 80, em 81 não passei para Matemática, que, daí, eu passei na primeira fase, e a segunda fase tinha nota de corte em Matemática e eu não passei: “Perdi as minhas notas, dez em redação, dez em não sei o quê. E em matemática, abaixo de três. Aí fiz Intergraus, cursinho, daí tocava, já tinha os Camarões, eu já tocava umas músicas minhas e tal, e entrei na Ufscar, Universidade Federal de São Carlos, em Matemática, em julho de 1982 e eu fui para lá, mas eu ia e voltava com um camarada do...

P/1 – Você voltava todo dia de São Carlos?

R – Não. Não. No fim de semana.

P/1 – Ah, bom (risos).

R – Não. Não. São Carlos é longe.

P/1 – É longe.

R – Em vez de ir pra uma república, eu aluguei uma casa junto com um rapaz, daí, não consegui me fixar. Era bacana a vida, mas eu era muito mau aluno em matemática, eu não conseguia entender, eu não tinha disciplina, nem raciocínio para aquilo, tomei pau em todas as matérias de matemática também, cálculo analítico, geometria analítica, cálculo I. Só passei em português, inglês e em educação física. Daí, abandonei a faculdade. (risos) Pô, ridículo. Três pausinhos na Fuvest, primeiro ano, pau em todas as matérias de matemática, alguma coisa estava querendo me dizer que eu não era do ramo. Daí, nesse tempo os Titãs já estavam ensaiando e eu perdia muitos ensaios durante a semana.

P/1 – Mas você entrou quando para os Titãs?

R – Eu entrei na formação dos Titãs, fui fundador.

P/1 – Na formação.

R – Os Titãs começaram num projeto que chamada A Idade da Pedra Jovem. A biblioteca Mário de Andrade oferecia às quartas-feiras ao meio-dia, o teatro deles para um projeto que você enviasse para lá, e eles te davam uma fita. E a gente fez um projeto muito louco, daí, com o pessoal do Equipe, nessa época eu já estava no Intergraus, e eu conheci o Sérgio Britto. E o nosso projeto é uma coisa louca, a Idade da Pedra Jovem, que era uma saga de um personagem que chamava Johnny Cristal, que jogava pinball, falando assim, parece que ele tem a ver com o Tommy, mas não tinha, e era todo mundo, tinha um monte de gente no palco e tinha no meio dessa epopeia, um momento que chamava Titãs do Iê-Iê, que éramos nós. Você estava lá?

P/1 – No Centro Cultural São Paulo? Titãs do Iê-Iê.

R – Ah, sim. O Titãs do Iê-Iê, que foi o nosso nome até gravar o primeiro disco.

P/1 – Mas lá era Titãs do Iê-Iê, vocês fizeram no Centro Cultural São Paulo.

R – Sim. Sim. A gente ficou de 82 a 84, quando a gente gravou o primeiro disco... Uma pausa, por favor.

P/1 – Claro.


Correios – Museu da Pessoa
Depoimento de José Fernando Gomes dos Reis
Entrevistado por Rosana Miziara
Realização Museu da Pessoa
HVC_03_Parte 2_José Fernando Gomes dos Reis
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Mariana Wolff
MW Transcrições

P/1 – Então, só para localizar, a gente estava falando da sua vida profissional, se você tinha alguma pretensão? Se na sua família tinha alguma expectativa para você seguir alguma carreira por parte dos seus pais?

R – Como um sujeito nascido na década de 60, o mundo, a ideia de se formar e de profissionalizar passava um pouco por fazer faculdade, era mais ou menos naquele esquemão: médico, advogado, arquiteto ou engenheiro. Meu pai era engenheiro e eu sabia que eu não seria engenheiro, não que houvesse algum tipo de pressão familiar, até porque os meus irmãos mais velhos, o meu irmão mais velho mesmo foi fazer Economia e tal, mas é porque era outro mundo, as opções, a ideia de inserção no mercado profissional passava um pouco pela formação universitária. O meu pai que é um engenheiro e sempre, de certa maneira, o meu pai era cheio de gracejos, então ele falava que se ele fosse talentoso, teria feito Arquitetura.

P/1 – Ele falava isso?

R – Ela falava isso, o que agora me parece que possa ser uma distorção na minha cabeça, porque o meu pai é bastante orgulhoso de ser um engenheiro, da sua formação de politécnico, sabe assim, da Escola Politécnica, mas tudo isso para chegar no ponto que ele me dizia que como eu desenhava que ele achava que eu devia fazer Arquitetura, ou mais ou menos que dentro da minha estranha combinação de aptidões, a Arquitetura parecia ser aquela, dentro da ideia dos meus pais do que era uma natural opção para o vestibular, seria por Arquitetura, o que eu não neguei com veemência, porque nem se tratava disso, porque eu não me imaginava fazendo arquitetura, como eu estava falando, a minha ideia de fazer uma faculdade, não me passava pela cabeça: ‘eu vou fazer a faculdade para me tornar x’. A faculdade era um estágio subsequente ao término do colegial, que eu fui fazer Matemática, para um delírio de achar que matemática combinava. De alguma maneira, a minha ideia em relação à matemática é um pouco poética, muito mais do que aritmética. Tanto que se provou completamente equivocada, eu entrei na faculdade de Matemática e não consegui me inserir nem no meio universitário, nem principalmente nas matérias de matemática, eu não sei se eu cheguei a falar sobre isso.

P/1 – Você estava começando a falar.

R – Eu fui fazer, para você ter uma ideia, eu sai do Equipe e falei: “vou fazer Matemática, essa é a minha opção”, havia um grau de extravagância nessa opção que me encanta, e eu posso perceber isso hoje, misturado com uma certa ingenuidade, com essa visão um pouco poética de que o meu mundo, meu álbum de figurinhas, eu era fraco na matemática e não que eu quisesse exatamente, mas a matemática dentro das exatas, talvez fosse, por me parecer aquela de maior abstração, ser a área onde eu buscaria preencher uma lacuna de compreensão das ciências, no qual eu desprezei aquilo que é fundamental, disciplina e primeiro a aptidão para tal. Eu era ruim em matemática e eu fui fazer matemática para corrigir essa distorção, o que é uma bobagem. Pior do que isso, eu fiz vestibular para Fuvest, que a minha opção, era USP, não tinha que pagar, do lado de casa, puta faculdade e tal, eu não entrei, três vestibulares da Fuvest eu tomei pau, porque na segunda fase, porque não tive a nota mínima do quê? De Matemática. Sendo que no primeiro vestibular eu fui, eu fiz e foi um choque quando eu fui pegar a lista e não vi o meu nome lá, eu sabia que não tinha ido estupidamente bem, mas eu achei que tivesse tirado a nota mínima, porque eu tinha ido muito bem nas outras provas. A tal ponto, que eu pedi as minhas notas, eu tinha tirado, acho que nove de Redação, notas ótimas, vamos dizer, excelentes de como se chama? Exatas?

P/1 – Humanas.

R – Humanas. E de matemática não tirei o mínimo! Então tomei pau! Tomei pau no primeiro, tomei pau no segundo, mas nesse interim, eu fui fazer cursinho, e fui trabalhar, eu fui trabalhar porque a vida não é uma doce flauta e assim me ensinaram os meus pais e eu queria fazer um dinheiro, queria ter uma certa grana, fui trabalhar como assistente de artes, de professor de Artes Plásticas e eu fui assistente da Gina Sawaya, que dava aula no Vera Cruz, eu estudei no Vera Cruz, então eu tinha uma loucura pela sala de artes, a sala de artes era a aula de Artes Plásticas do Vera Cruz e, daí, foi uma delícia e fui professor mesmo.

P/1 – Seu primeiro trabalho?

R – Meu primeiro trabalho, mas ali eu era assistente, era um trabalho não remunerado, mas eu tive um trabalho remunerado que era professor de Artes Plásticas de uma escola chamada Araguaia, que foi uma dissidência do Palmares, que abriu uma escola, que eu não me lembro o nome agora lá no Morumbi, e a minha irmã dava aula de Filosofia lá, me indicou e eu fui aceito. Só que eu dava aula para pessoas de cinco anos de idade a sete, ou a pré-escola e era um inferno, eles me azucrinavam, era uma coisa. Eu lembro um dia tinha o filho do Rivelino, do grande jogador Rivelino, que eu não me lembro o nome dele agora, que eu encontrei muitos anos depois, ele era o terror aquele menino, parecia que o motivo da vida dele era destruir a minha aula. Então, eu ia com o meu violãozinho, eu tinha 19 anos, cabelo ruivo, não tinha a menor experiência, zero formação, cara e a coragem e uma ideia romântica de que aula de artes era mais ou menos… pá… mas eu ia, eu tinha não exatamente um programa, eu me lembro que eu tinha uma reunião que só tinham mulheres, eu era o único homem, talvez tivesse um outro homem lá. Então, eu ia fazer essas aulas, eu acho que eram terças e quintas era no Araguaia, era de tarde, de manhã eu fazia cursinho, imagina! E segundas, quartas e sextas eu era assistente da Gina. Da Gina, eu era assistente e eu tinha que fazer relatórios semanais para ela e eu era um assistente, além de competente, digamos, articulado, sabe assim, estava lá, até que houve um problema que eu me apaixonei por uma aluna e eu tinha que entregar relatórios para a Gina semanais sobre as aulas, porque o que era ser um assistente? Ele preparava a sala, recolhia os materiais e eventualmente, numa solicitação se um menino quisesse martelar, para não martelar o dedo, eu estava lá. Até que eu me apaixonei por uma aluna sem perceber, certo, não havia uma malícia, eu tinha 19 anos, mas de certa maneira, ela devia ter 11, qualquer coisa assim, o que é bastante, considerada essa faixa etária e sem eu me dar conta, ou talvez achando que a Gina não se dava conta uma hora, eu fazia os relatórios, os meus relatórios passaram a ser grandes viagens poéticas, quase que contando a história, eu não me lembro o nome dela, eu precisava trazer da minha paixão, melhor, vou omitir o nome dela, imagina se ela virou a mulher de um chanceler.

Mas enfim, daí a Gina me chamou: “Bicho, você está louco? Você não pode, você não está aqui para isso, você não pode escrever só sobre ela, você está se descontando essa menina”, e ela era linda, mas enfim, tudo isso para te dizer que nesse momento onde eu fazia vestibular para prestar para Matemática de novo, fazia vestibular, fazia cursinho para prestar vestibular para Matemática, comecei a dar essas aulas de Artes e vi que eu gostava de desenhar, mas eu não tinha vontade de me especializar, eu tinha modestamente, mas isso não é uma questão de modéstia, é a percepção de que eu tinha que escolher uma área das minhas aptidões, e aí, mais ou menos começou a se configurar a ideia de que eu deveria fazer música, porque a minha aula de Artes Plásticas no Araguaia, era basicamente centrada no violão, levava o violão, contava histórias, inventava músicas, qualquer coisa assim. No Vera Cruz, eu acabei escrevendo muito, o que mais me interessava lá era produzir os meus relatórios,

de certa maneira, esses relatórios eu guardo, eu tenho eles, eu precisava ler até eles.

P/1 – Você tem guardado?

R – Tenho. Eu tenho um arquivo muito legal. Eu guardo tudo, eu sou um obcecado. De certa maneira, eu posso agora falando agora para você, Rosana, uma relação de que aquele relatório é muito parecido com todo processo que eu vim a fazer depois, como escrever músicas. Havia ali e obviamente, eu não me dei conta disso, tanto que continuei fazendo o cursinho até entrar, finalmente, na faculdade de Matemática em São Carlos, pois foi a única que eu consegui passar, não porque ela fosse menor, mas talvez porque o vestibular era múltipla escolha e não eliminatória, não tinha segunda fase. Então, eu consegui passar na faculdade de Matemática, fui para São Carlos em 1981 e lá pouco fiquei.

P/1 – Você mudou para lá? Chegou a mudar?

R – Não, eu tinha com um colega meu, a gente ao invés de ir para uma república, eu resolvi alugar uma casa, que era na Rua São Paulo, olha só, o Rodrigo acho que era o nome dele, e eu estudava na UFScar, que era um campus bacana, era muito legal, mas eu era um péssimo aluno de Matemática, eu não conseguia entender nada! Nada! Eu não conseguia entender aquele negócio, porque não era a matemática mais, já era Cálculo I, Geometria Analítica. O fato é que eu tomei pau nas três, tinham seis matérias: Educação Física, Português, Inglês que eu passei, pau em Geometria Analítica, pau em Cálculo I e pau em outra que eu não me lembro o nome, pau! Já era uma evidência de que eu não era o meu lugar ali, mas eu gostava um pouco do campus, mas não ficava lá já porque aqui em São Paulo, eu voltava nos fins de semana, todos os fins de semana eu voltava de ônibus, todos os fins de semana, os Titãs estavam começando a ensaiar já, e até o meu lugar no Titãs como baixista tem a ver com isso, porque os Titãs, a origem dele, a estruturação, divisão era um pouco… começou eu não sei se eu cheguei a falar sobre isso na Idade da Pedra Jovem, que era um projeto que a gente fez para Biblioteca Mário de Andrade, que tinha uma grande viagem assim, e no meio tinha um número que chamava “Titãs Iê-iê-iê”, onde as pessoas que iam tocar um instrumento e eu era o baterista do Titãs e esse foi…

P/1 – Vocês se conheceram todos no Equipe?

R – A gente se conheceu todo mundo no Equipe. Todos passaram pelo Equipe, todos não, o Arnaldo e o Paulo e o Brito são mais velhos do que eu, estudaram no Equipe, mas eu não fui contemporâneo deles. Branco e Marcelo sim, eram um ano mais velho do que eu, mais velhos e eram muito amigos meus, a gente tinha uma turma lá chamada Papagaio. Mas assim, o Papagaio era uma revista em quadrinhos e a minha turma do Equipe, a gente basicamente lá no Equipe jogava bola, fumava maconha, fazia história em quadrinhos e tocava. E a gente tinha essa revista “Papagaio”, que era editada pela gráfica do Equipe, era uma revista super bacana, onde muitos talentos que hoje são artistas renomados das Artes Plásticas, a Leda Catunda, Rodrigo Andrade, Carlito Carvalhosa, Paulo Monteiro, Antônio Malta, Fábio Miguez era todo mundo da nossa turma e a gente tinha um time de futebol. Um time de futebol, que no time de futebol de campo eu era titular, no de salão eles me botavam na reserva e a gente tinha uma irritação com isso, tanto é que a gente fundou o… ah, o Cao Hamburguer também era, mas o Cao não desenhava, o Cao era dos Papagaios, era o goleiro dos Papagaios. O Papagaios era o time de campo e eu jogava no Araras que era o time de salão B. Mas enfim, no Equipe, eu conheci essa turma, já conhecia o Paulo Monteiro e Carlito Carvalhosa antes, eram meus colegas do Morumbi, Nossa Senhora do Morumbi, eu já desenhava quadrinhos no Morumbi, a gente fazia uma revista, eu tive uma revista de poesia lá chamada “Cravo” com a Bia, a Bia Bracher, Beatriz Bracher, também foi minha musa, eu fui apaixonado pela Bia.



P/1 – Pela Bia Bracher?

R – Eu tive muitas paixões na adolescência, mas a Bia ela é irmã do Duda, que era meu colega, grande amigo meu, desde o Vera Cruz e eu fiquei amigo deles e a Bia era a irmã mais velha, por quem eu pirava, era louco por ela. Mas com a Bia, eu fiz e a Gisela Monroe também, a Gi, tinham várias outras pessoas, mas a gente fez essa revista que teve um número só chamada “Cravo”, que daí tinha os poemas nossos, meus, e a gente tinha uma sacada assim, publicava algumas coisas, tinha aquele poema, eu lembro que eu sugeri publicar um poema do E. E. Cummings, traduzido pelo Haroldo, Haroldo? Ou Augusto? Não sei! Um dos irmãos Campos, ia falar Arnaldo, mas o Arnaldo eu conheci mais tarde. Enfim, do Nossa Senhora do Morumbi, e aí, por conta dessa turma que muita gente bacana do Morumbi tinha ido para o Equipe, o Equipe era o colégio legal, meu pai pirou que eu fui para o Equipe, porque além do que meu pai (risos) era um sujeito engraçado.

P/1 – Seus irmãos não tinham estudado lá?

R – Não! Aí é que tá, eu acho que eu te falei, eu estava no Vera Cruz muito feliz da vida, mas eu tenho um irmão acima de mim, o Zeco que é deficiente auditivo, surdo e ele foi para o Nossa Senhora do Morumbi, porque o Nossa Senhora do Morumbi aceitou o Zeco, mamãe não queria que ele fosse para escola especializada e ele, evidentemente, para se inserir lá, precisava de um acompanhamento, precisava de um suporte da escola, que a Madre Isabel Sofia bancou e por solidariedade ao meu irmão, eu fui para o Nossa Senhora do Morumbi e não fiquei no Vera Cruz. E foi uma delícia, lá eu conheci então o Duda Bracher, que é meu grande colega, Vange Leonel, minha prima, Marisa Orth era da minha turma, foi uma delícia! Já no meu ginásio, eu tinha uma turma bacana, e comecei a produzir coisas e tal. Além do que, meu grande amigo Paulo Monteiro já era amigo meu de lá, era um ano mais velho, o Carlito Carvalhosa também era de lá, o Tonico Carvalhosa, com quem eu fundei a banda “Os Camarões” depois, tinha uma turma superbacana, o Sergio Basbaum, o Ricardo Basbaum, que é artista plástico também era da escola da classe do meu irmão, a própria Bia Bracher. Então, sai do Morumbi e fui para o Equipe por conta dessa turma bacana que tinha no Equipe, pela ideia que eu sabia, que era um pouco nebulosa ainda para mim do quê que era, mas provou acertada quando eu fui para o Equipe. O Equipe no meu colegial, era uma época muito feliz da minha vida, em todos os aspectos, pelo o que eu pude desenvolver, pelas pessoas que eu conheci, inclusive a Vânia, minha mulher, conheci lá aos 15 anos, eu tinha 15 anos na fila da apostilaria, eu me lembro exatamente quando eu cheguei e a Vânia já estudava no Equipe, ela fez a oitava série no Equipe, então e eu estava entrando no primeiro dia de aula, daí tinha uma hora que você tinha a fila da apostilaria, tinha que ir na apostilaria para pegar as apostilas e eu lembro que eu estava na fila da apostilaria, na minha frente ou atrás de mim, isso eu não me lembro, tinha a menina mais linda que eu já havia visto na vida, eu fiquei chapado, simplesmente chapado, não sabia quem era ela, eu estava bastante intimidado ainda pelo fato de estar num lugar encantador, assim sabe, mas não conhecia muita gente. Olha só, sorte isso, coincidência, a gente caiu na mesma classe, a Vânia também estava lá e eram três primeiros anos e o nosso era o primeiro ano B. Então eu conheci a Vânia no Equipe. Então, foram três anos maravilhosos, maravilhosos, fumava maconha, jogava futebol, tinha acesso à artes, sabe assim, o Equipe tinha um centro cultural, aqueles shows maravilhosos, que o Serginho Groisman era o diretor, a gente participava, vendia ingresso, eu vi shows incríveis, incríveis! A minha vida musical teve sequência, porque desde pequeno, acho que eu contei aqui, eu assisti muitos shows, continuei assistindo shows e vendo um pouco o outro lado, vendendo ingresso, estando ali, participando um pouco. Não tanto quanto o Branco e o Marcelo, mas de certa maneira, olhando já todos os ângulos ali. E do Equipe então, conheci Marcelo e Branco eram meus amigos, Marcelo era meu grande amigo, Marcelo era vizinho de rua, de bairro, eu amava o Marcelo, amava o Marcelo! A gente era são-paulino, ia para escola, a mamãe adorava o Marcelo, a gente ia junto para escola, pegava carona com ele, voltava junto, ia junto para as festas, a gente realmente foi super amigos, dentre todos os Titãs, o que já foi muito amigo meu, ou antes mesmo de a gente formar a banda era o Marcelo. O Branco eu conheci, mas o Branco saiu no terceiro ano, acho que foi expulso, então o Branco é uma figura que eu vim a conhecer melhor, mais profundamente nos Titãs. Marcelo não, Marcelo e o Cao eram vizinhos de bairro, Rodrigo e tal… mas estamos falando agora um pouco dos Titãs. Então, eu conhecia Marcelo e o Branco, Arnaldo e Paulo já tinham saído do Equipe e o Britto, eu conheci no Intergraus, o cursinho que eu fiz e fiquei super amigo do Britto e foi assim incrível, já foi acho que o meu segundo ano, porque o Britto, pelo fato de ser filho do Almino Afonso, morou no Chile, foi exilado, o pai dele foi exilado, ficou fora, então é uma figura que não sabia, tinha surgido assim, e a gente se encantou também mutuamente, ficamos amigos e tinha essa coisa de conhecimento musical. Então, quando eu estava na faculdade, em 81, em São Carlos, já os Titãs já tinham se organizado, porque depois daquele episódio da Biblioteca Mário de Andrade, que eu te falei, aquilo que não foi para frente, sobrou os Titãs que a gente começou a ensaiar e a gente ensaiava, o Arnaldo morava na casa do Aguilar, o José Roberto Aguilar, pintor e os ensaios eram lá, os primeiros. E eram muito rudimentares, não tinha bateria, eu era o primeiro baterista do Titãs.

P/1 – Chamava Titãs do Iê-iê-iê.

R – Titãs do Iê-iê-iê e eu me lembro bem, a gente estava pensando no nome, acho que tinha não sei se na casa do Arnaldo, eu acho que era na casa do Aguilar aquela coleção “Titãs da Música”, Titãs do Teatro”, “Titãs da Literatura” e Titãs do Iê-iê-iê, era a nossa sacada. Isso, antes de gravar, quando a gente gravou em 84 já virou Titãs. Os Titãs foram para frente, começaram os ensaios e mudaram, saíram da casa do Aguilar, começaram a ensaiar com regularidade e eu perdia esses ensaios. Eu sabia que eu não ia poder ser o baterista, porque eu não tinha, de fato, talento, tomei aulas muito iniciais e rudimentares de bateria, mas para gente virar uma banda precisava de um baterista. Então, a gente chamou o André Jung, conhecido como André Pirâmide, na época, por causa do cabelo dele e daí, eles começaram a ensaiar, só que os Titãs ensaiavam muito durante a semana. E a ideia era de que cada um tocar um instrumento que não soubesse, todo mundo sabia tocar violão, ninguém sabia tocar guitarra e nem contrabaixo, todo mundo sabia tocar, todo mundo, o Paulo e o Britto sabiam tocar piano, mas não tinha teclado. Então, a gente montou uma banda já com esse conceito de inovador, transgressor, de pegar e fugir do clichê, então desenvolver uma linguagem, essa sempre foi a força dos Titãs, criar uma linguagem com essa quantidade de informações advindas da ideia de cada um, eram oito, sabe, sempre foi muita gente, muita gente muito criativa, muito inteligente, Arnaldo, Paulo, eu. Então, e eu, como perdi os ensaios, eu fiquei como um back vocalista, porque eu não podia faltar, uma peça fundamental, um guitarrista ou um baixista e tal. E esse foi o meu começo nos Titãs. E esses ensaios dos Titãs começaram a ficar muito sedutores e muito interessantes, era muito fascinante e os Titãs foram a minha razão para abandonar a faculdade de Matemática e a faculdade por completo, a ideia de faculdade. Eu continuei, fiz um segundo semestre, eu repeti, eu entrei em julho na universidade, em julho de 81, sim, 80 eu estava no Equipe. Primeiro semestre de estudo eu tomei pau em três matérias de matemática, no segundo no começo de 82, eu mudei, deu errado a minha casa, eu aluguei uma outra casa e daí, em dois meses, eu vi que eu ia cair fora, porque eu estava indo muito mal de novo nas matérias, eu não tinha nada a ver com aquilo. Cheguei para o meu pai e para minha mãe e falei: “Eu vou parar a faculdade, vou abandonar”, foi um choque, foi um choque para mim também, porque abandonar a faculdade é quase que ir para a vida marginal, certo, assim, você vai fazer o quê? Tocar, ser músico, não tinha essa ideia, músico é que nem nos anos 70, era que nem jogador de futebol, looping, entendeu? Não era legal, entendeu? Não era essa ideia de ganhar dinheiro, de ser celebridade, isso não existia.

E era preocupante, era desafiador e eu lembro que eu chorei muito para contar, minha mãe chorava, meu pai não chora nem nada, mas ele ficou bem preocupado e falou: “Bicho, se vira, eu paguei essa casa, você vai desfazer esse contrato”, tinha rescisão, eu falei: “Tudo bem, eu assumo”, eu tinha uma poupança que a minha avó tinha me ajudado a fazer, peguei todo o meu dinheiro da poupança, paguei a rescisão da casa e mostrei para os meus pais que eu ia assumir a minha opção, o que foi muito sensato e

educativo, digamos do ponto de vista dos meus pais terem me dado esse senso de responsabilidade: “Olha, você tem que arcar pelas coisas”. Abandonei a faculdade, comecei a ensaiar com os Titãs, rapidamente…

P/1 – Aí, você voltou, veio morar onde?

R – Voltei a morar com os meus pais, eu morava, nunca sai de casa, eu como te disse, estudava durante a semana e voltava no fim de semana. Eu nunca criei laços fixos lá, nem em São Carlos, embora achasse um charme estar estudando Matemática em São Carlos, que era perto de Jau e tudo mais,

eu queria mesmo era tocar e ficar com os Titãs. Voltei para cá, daí passei, daí fui cavando o meu lugar lá dentro e aos poucos eu fui vendo que tinha uma brecha no contrabaixo e assim que eu comecei a tocar baixo. Nessa época, eu ouvia muito reggae, muito, eu era fã de reggae. O reggae já era uma base, uma coisa importante no meu gosto, na sonoridade da minha primeira banda “Os Camarões”, que eu acho que devo ter contado isso…

P/1 – Falou na outra.

R – Do Festival do Vera Cruz e tudo mais. E era um elemento também que todo mundo gostava lá no Titãs e esteve muito presente no primeiro disco, você pode perceber, primeiro e segundo disco há muito reggae. Acho que até hoje há, quer dizer, hoje eu não diria, mas a gente vê a presença em todos os discos, claro. O reggae é uma música que me encantava e foi através do reggae que eu consegui entender um pouco o que era a função de um contrabaixo, me identificar com aquilo, porque o baixo, se você pensar bem, ou quer dizer, no meu ponto de vista, ele tem uma função, ele é um instrumento muito interessante, é curioso porque não é um instrumento que… baixista não tem muita graça, não é um cantor, não é o solista, não é o guitarrista, não é nem o baterista, que bate, mas é um cara meio… sabe assim, uma jogada de lateral esquerda, uma posição meio esquisita, sabe (risos), ninguém quer exatamente. Eu comecei a entender, primeiro que era uma opção, eu nunca achei que eu pudesse ser guitarrista, nunca quis, embora eu tenha tocado violão, a guitarra me dá um pouco de medo, esse lugar, sabe? De destaque, eu não sei solar, nada disso. O baixo, a função dele… ele junta a base rítmica com a parte harmônica com uma função melódica. Então ele é um instrumento muito sui generis. E o reggae, de certa maneira, que onde o baixo tem uma função muito importante, pouco de pulsar, ele é cheio de pausas. Então são linhas também mais simples e qualquer pessoa que começa a tocar baixo toca o Stir it up do Bob Marley pã, pãpã, pãpãpãpã… (cantando), o que aparentemente parece que é uma coisa elementar, é maravilhoso, é genial por isso, porque ele é sintético, mas você vai ver como tocar aquilo, não é apenas as notas certas. E através do reggae, o baixo, as coisas começaram a se juntar, sabe? Tudo o que eu gostava e estava tudo se sobrepunha e se adquiria a fusão nuclear nos Titãs. Assim, abandonei a faculdade, voltei para São Paulo, e cai na vida, vim a me profissionalizar. E era uma delícia, porque a gente ensaiava todos os dias, amigos divertidíssimos, inteligentes, a turma em que eu queria estar. Eu, de fato, fui louco pelos Titãs, sou até hoje, porque depois, claro, da minha saída, lá houve um período de negação evidentemente, a ruptura sempre necessita você entender o porquê que você não quer mais aquilo e aquilo que te afasta passa a ter uma supremacia, mas eu sou louco pelos Titãs e fui louco pelo o que a gente fez e louco por tudo aquilo. Todo dia de manhã ensaiar, a gente ensaiava na casa do André, que tinha um estúdio, lá no Alto de Pinheiros.

P/1 – Onde foram as primeiras apresentações?

R – A primeira apresentação e aí é até curioso, porque isso é tido como a data, agora já, as pessoas têm 30 anos, foi em 15 e 16 de outubro de 82, primeira apresentação oficial dos Titãs no Sesc Pompeia. A gente montou um show, basicamente eram de composições nossas, algumas versões, e a gente tocava alguns jingles, como D.D.Drin: “A pulguinha dançando iê, iê, iê; o pernilongo mordendo o meu bebê;

e o dia inteiro a traça traça auê, auê; nessa festa preciso pôr um fim; vou chamar D.D.Drin, D.D.Drin; e os passeios da barata pela casa vão ter fim, D.D.Drin, D.D.Drin, D.D.Drin” (cantando). Certamente, o D.D.Drin tem uma influência em “Bichos Escrotos” agora, eu nunca tinha pensado nisso.

P/1 – Ótimo (risos)

R – Acabei de sacar. E eu sou um dos autores de “Bichos Escrotos”, óbvio! (risos) A gente cantava esse... tinha o Mappin Magazine, o Mappin Movietone também a gente usava isso, o Titãs era uma colagem, nessa época, o Ciro Pessoa fazia parte, o Ciro era um cara importante também. Os Titãs tinham uma coisa sensacional, que eu sempre me identifiquei, sempre teve consonância com o que eu acreditava e buscava, que era não desprezar, fazer ruir essa ideia preconceituosa de música elitista, música popular, música brega, música… saca? A gente tinha um fascínio pelo universo popularesco, principalmente dos auditórios, daquilo que acontecia na televisão, não é a toa que o nosso segundo disco chama-se “Televisão”, porque aquilo era onde rolava as coisas, a cultura de massa e havia uma coisa meio estranha, meio esquizofrênica, de uma música X não podia estar ali e a gente nunca quis, pelo contrário, a gente queria fazer, estar ali, sempre quis ir para frente, para televisão, tanto que quando a gente foi para televisão, a gente fazia coreografia e as pessoas achavam aquilo… a gente era esquisito, sempre foi, sempre será, eu sou esquisito até hoje, o Arnaldo é esquisito, o Paulo é esquisito, Branco é esquisito, porque nós somos quem somos assim, embora a gente tivesse roupas para se apresentar e fizesse coreografias, aquilo não era um personagem, não havia nada de paródia, eu detesto paródia, eu odeio, o meu problema até com a música vanguarda paulista, de certa maneira, tinha algo que eu não me identificava, não era confortável, que era humor, como se a apropriação dessa música dependesse dessa interpretação paródica, que certa maneira havia um cinismo na paródia, que eu não consigo, que eu não gosto, olha como eu posso, eu sou tão inteligente que eu posso fazer qualquer coisa, eu vou fazer isso de brincadeirinha, sabe? Eu tinha um pouco de bode disso, eu falo isso na boa, porque as pessoas que faziam eu adorava, eu conheço os caras do Premê, mas não gostava da forma de música, embora hoje, eu ache que o bom humor, ou o humor ou a ironia são coisas também geniais para estarem dentro da música, mas não era essa forma como a gente fazia, embora houvesse muita crítica, parecia que eu boicotava certos humores, um certo sarcasmo, melhor dizendo, mas não era nada irônico ou não havia cinismo. A gente quis fazer isso, eu digo isso porque a gente usava as roupas, a gente vestia, a gente tinha uma entidade, Titãs do Iê-iê-iê era uma entidade nossa, era um clube de rapazes. Durante muitos anos, a gente por ser tão esquisitos, a gente criou aquela linguagem própria de uma turma, que muitas vezes, tem dialetos, gírias que os outros não, quase fechado. Isso acontece, aconteceu já no Papagaio, que era a nossa turma, isso é uma herança, o Papagaio.

P/1 – Vocês circulavam, tocavam com outras bandas que estavam também naquele cenário?

R – Sim, a gente tinha bastante afinidade e essa afinidade se deu, eu não diretamente, mas o Marcelo era um cara que conhecia o pessoal, acho que o Edgar e o Nazi do Ira, e a gente se conhecia muito, porque daí, tinha uma cena, lugares onde a gente tocava e estava todo mundo mais ou menos na mesma onda. Embora cada banda com seu estilo e suas características, havia sim. E fomos contratados todos pela Warner, por causa do Pena Schmidt, que era o olheiro da Warner, dessa cena de São Paulo e acho que essas duas, três bandas representam muito bem: Ultraje a Rigor, Titãs do Iê-iê-iê e Ira. Nós nos conhecíamos, fazíamos muitas coisas juntos, era comum ter a noite New Wave, tanto no Sesc Pompeia, como no Village Station, sabe? E também era engraçado, porque essa turma do Equipe, Rodrigo Andrade, fez capas dos meus discos, amigo autor de vários quadros que estão aqui na minha casa, fez, fazia cartazes para gente, cartazes bonitos, a primeira foto que a gente fez oficial, assim, de divulgação do Dimitri Lee era o cenário do Paulo Monteiro e do Rodrigo, uma pintura, meio parecida o Metrópolis do Fritz Lang, todo mundo meio, sinistro, o Britto está com uma capa de vampiro, saca, assim? É bacana! Tinha essa coisa, eu acho que a gente, diferentemente, a gente tinha essa origem talvez de classe média ou por ter se conhecido no Equipe, enfim, havia uma afinidade ali entre os Titãs, que talvez não fosse a mesma turma da mesma escola, do mesmo bairro, mas pouco importava, não era exatamente, a gente circulava juntos, mas eu não vou dizer que eu fosse amigo, eu era amigo dos Titãs assim. Então, a gente tinha essa característica que destoava de todo mundo, primeiro era uma banda muito numerosa, vários cantores, meio new wave, meio brega, meio sei lá o quê, bem esquisita e que íamos nos programas de televisão e depois, fazia coreografia.

P/1 – Qual foi o primeiro programa?

R – Raul Gil, foi o primeiro que a gente fez, mas não foi o primeiro que foi ao ar, o primeiro que foi ao ar acho que foi uma Hebe Camargo, mas a gente fazia tudo, Barros de Alencar, Raul Gil, Bolinha, todos, a gente adorava! E a coreografia era um pouco, já que a gente fazia playback, que é dublar a música pré-gravada, a gente queria fazer alguma coisa ao vivo, só podia fazer uma coreografia, então a gente tinha, a Silvia Bittencourt era nossa coreografa. E a gente ia lá, aqueles caras que não tinham o menor jeito para dançar nada, umas coreografias bizarras, loucas, entendeu? A primeira música de trabalho foi “Sonífera Ilha”, foi um estouro! Até a gente conseguir o nosso contrato, a gente ralou, ficamos dois anos, desse show de 82 até gravar em 84 o disco, foram dois anos tocando todos os lugares, casa de chá, boate gay, a Village Station, que era uma boate gay da Treze de Maio, a gente tocava direto lá, fazia o maior sucesso, a gente tinha uma música que chamava “Paraíso Masculino”, que eu cantava: “Antigamente tudo era tão diferente… antigamente era tudo tão diferente, mas hoje em dia, a sociedade não compreende que o amor adolescente pode ser para toda vida. Eu não sabia que o meu pai não entendia que essa forma de carinho não… paraíso masculino, amizade de menino, mesmo escondido, também tem o seu valor. Amizade colorida, o ideal de uma vida, sair de madrugada, procurando um novo amor” (cantando) (risos). Eu cantava isso no Village Station, só tinha dark room, entendeu? Só homem, casal de bigode se beijando e a gente ali (risos). Eu achava tudo incrível aquilo. Então, tocava em todos os lugares, onde tivesse a chance, Verdim Verdim, Diana Palmer, rádio clube, daí começou… Edgard entrou em 84, daí pegou pau, as danceterias, daí o boom do rock dos anos 80, onde passou a ser trampo, passou a ser trabalho que gerava dinheiro, um disco gravado, uma música na rádio, show, viagem, começou a rolar e daí, a gente começou a conhecer todo mundo. O primeiro show que a gente fez no Rio de Janeiro foi no Circo Voador, foi antes da gente gravar o nosso disco, e a gente se apresentou, eu lembro que o Cazuza e o Ezequiel foram no camarim e piraram, a gente tomou uma vaia com “Sonífera Ilha”, uma enorme vaia!

P/1 – No Circo?

R – Mas uma vaia, porque botaram a gente para tocar com uma banda heavy metal, velho, e a gente era banda paulista, nego maquiado, cantando: “Sonífera ilha…” (cantando), meu, uma vaia daquelas: “Fora, veado”, não sei que lá, meio chocante, a gente tomou uma a vaia também aqui, aquela casa na Barra Funda, mas enfim, é isso. Daí, a gente começou a conhecer, circular, daí conhecemos o Barão, Paralamas, a turma toda, Kid, todo mundo, Kid, o Leone era do Kid, Leone de bermuda, fazendo rock de bermudas, eram os cariocas, os caras de bermuda com uma barba, tocando “Pintura Íntima” no Barros de Alencar, eu olhava e falava: ‘não é possível isso’, o Herbert, turma genial! Eu adoro, embora ache uma merda (risos) a sonoridade dos anos 80, eu amo a turma dos anos 80, tudo, eu nasci, profissionalizei, conheci o Brasil e o mundo inteiro. Eu adoro os Titãs, os discos que a gente fez nos anos 80 são obras primas.

P/1 – E você, naquele momento, quer dizer, era o seu… o que você planejava?

R – Eu tinha um plano. Meu plano era casar e aí, eu quase me ferrei, porque os Titãs era essa farra toda, mas não dava uma grana exatamente, deu depois mais tarde. Eu pulei uma parte. Em 83, o Paulo Miklos tinha uma banda, vários amigos que fundou, que até participava, a turma que também era do Equipe, tal, fizeram um negócio que era para ser uma noite que chamava Noite do Caribe, o Sesc Pompeia promovia noites temáticas e tinha uma tal de Noite do Caribe e pintou para fazer e montaram uma banda para tocar lá que era o “Sossega Leão”, uma banda de salsa, liderado pelo Skowa, conhece o Skowa?

P/1 – Namorei com ele.

R – Puta que o pariu, Rosana! Hard core, hein? My lovely Skowa … do you know more than me… meu, o Skowa, bicho, não, eu adoro o Skowa! Não, estou brincando, eu adoro o Skowa, é que o Skowa é um escovão, figura folclórica, importante da cena paulistana musical, importante.

P/1 – (risos) Um copo d’água.

R – Um copo d’água para todos! Ok, pontos para você, antes que você pense o contrário, eu adoro o Skowa, porque fui amigo dele, quer dizer, eu não sou, porque não vejo ele há anos, porque a gente… você está gravando ou a gente cortou?

P/1 – Não, está gravando, não tem problema. Depois eu abafo o caso.

R – Porque daí, tudo bem, você pode editar a sua parte, a sua fala: “Clip.” Eu posso falar, eu sou uma pessoa, você é a entrevistadora. Bicho, daí o “Sossega Leão” pintou e chamaram o Paulo para cantar uns boleros, só que deu certo, eles queriam continuar e o Paulo estava muito focado nos Titãs e falou: “Não vou fazer essa merda” e como eu gostava de reggae, me chamaram para cantar uns reggaes, foi assim que eu entrei no “Sossega Leão”. E aconteceu o seguinte: o “Sossega Leão” começou a dar dinheiro, porque era mais viável fazer festa Noite no Caribe do que a gente tentar colocar o nosso rock louco em algum lugar e eu estava a fim de casar nessa época, eu comecei a namorar com a Vânia, porque a Vânia uma mulher linda que eu conheci em 1978, só vim a namorar em 83, cinco anos depois, sofrimento enorme que foi essa espera. E daí, a gente começou a namorar e daí, eu era a finzão de casar, eu tinha essa ideia, eu queria casar, queria casar, queria casar, a Vânia não queria casar: “Você está louco? Casar para quê? Comigo? Eu sou louca, não quero”, casei. E para eu casar, precisava de dinheiro e não dava, eu tinha duas bandas, eu estava em duas bandas, embora uma fosse autoral minha de fundação e na outra eu fosse um crooner e percussionista, eu cheguei a ficar tão louco, com a obsessão de casar, que eu cheguei a sair do Titãs durante uma semana.

P/1 – Uma semana?

R – Eu fiquei uma semana fora, felizmente e sai para ficar no “Sossega Leão”, para poder ter dinheiro para casar. Eu sai, eles ficaram chocados, porque justamente quando eu sai a música de trabalho seria o “Marvin” que eu era o cantor, foi um problema: “Poxa, a música de trabalho, você é o crooner” “Não, preciso casar…”, voltei atrás e eles me reaceitaram e daí, casei, mas não saí dos Titãs, saí do Sossega Leão, certo? Casei em 85, a gente já estava… casei 14 de fevereiro de 85 com a Vânia, que hoje é ainda e de novo, a minha mulher, porque dela eu me separei, voltei, minha certidão de casamento parecia um B.O. assim, três folhas: casado, separado, anulação, casado, separação, casado de novo, eu casei com ela três vezes.

P/1 – E sempre no papel?

R – É, uma separação, a gente falou: “Não vamos pagar uma grana para o advogado no cartório,” mas duas delas, separações foram no papel, foram, eu casei no papel, cartório, não fiz, embora eu tenha agora casado na igreja, que é uma história muito louca, que aconteceu entre a primeira… a pessoa em questão virou outra pessoa no primeiro… segundo depoimento agora, sou casado (risos).

P/1 – Nesse intermédio, agora?

R – Eu casei em Quito numa igreja, quer dizer, não casei nada, a gente foi lá, e fizemos uma loucura, eu e a Vânia, mas não casei, não sou católico, não acredito em Deus, nada! Mas isso é um outro assunto, não, bizarro, eu fui para Quito e saí com… na Catedral de São Francisco. Mas vamos voltar, eu casei no cartório na Praça da Árvore em 85, zero festa, a festa foi depois, a gente fez no Baiuca, mas a Vânia que era muito low profile e não queria nada e nem mesmo acreditava muito que ela pudesse, não que ela não gostasse, que ela não acreditasse, que ela pudesse casar, depois eu percebi que eu era um noivo mais temerário do que ela (risos). Casamos, meus pais, e o meu primo-irmão de padrinho, o Otávio e uma amiga da Vânia de madrinha, a Raquel, só nós, ao meio-dia, assim, nada! Cartório na Praça da Árvore, que é o lugar mais feio que existe, Praça da Árvore que não tem nenhuma árvore, onde estão as árvores da Praça da Árvore? O que é que vocês fizeram com as árvores da Praça da Árvore? Naquela estação feia (risos), eu amo a Praça da Árvore! Antes que algum praça da Arvorivense… eu fiz uma música para Praça da Árvore, eu fui feliz, eu descobri na Rua Bertioga, mas eu fui casar no Cartório da Praça da Árvore, provavelmente numa terça-feira. Daí saí de lá, aí aluguei uma casa no Itaim, casa essa que a Vânia mora até hoje, sai de casa dos meus pais para casar. Meu pai e a minha mãe me deram como dote o fusca, que eu fiquei e foi assim, com o dinheiro de show que eu consegui pagar o meu aluguel, a Vânia ainda fazia faculdade de Psicologia na São Marco, lá perto, no Ipiranga. Casei nesse dia, daí fiz a festa de aniversário acho que 2 de março, convites entregues para as pessoas para irem na festa sei lá como é que, a Vânia com uma roupa, eu fiz um terno no alfaiate do meu pai, o Plas, peguei um terno dele e reformei, eu tenho até hoje, claro! E cabe em mim. A Vânia fez uma roupa também, a Vânia fez no Plas também, uma roupa e um cabelo meio inspirado na Gilda, sabe? E a gente tem uma foto linda, eu era muito jovem, bicho, eu tinha 22 anos! Fizemos uma festa no Baiuca.

P/1 – Você tinha 22 quando você casou?

R – É! A Vânia é mais velha do que eu, Vânia, que eu conheci no Equipe, é nascida em 61. Começamos a namorar dia três de outubro de 83, um beijo lá depois, eu fazia um show com o Sossega Leão, um show, era um domingo, bicho, quatro entradas, era pesado, Scowa era o baixista e eu dividia o vocalista com o Tuba, eu era amigão do Scowa, o Scowa era o líder do Sossega Leão, junto com o Chico Guedes e o Guga e o Tuba, os quatro eram os cabeças ali, tinha mais, o Adriano, era uma turma bacana. Daí eu fui, a Vânia foi nesse show e eu me lembro que eu nunca fui crooner, bicho, eu inventei essa ideia de ser crooner em quatro shows, quatro entradas aliás, que nem baile era pesado, fôlego, morto entre a terceira e a quarta entrada, a gente se beijou, daí começamos a namorar oficialmente, quer dizer, já tinha beijado e transado com ela, mas ali é a data do nosso namoro. Daí, eu casei com ela então dia 14 de fevereiro, que era o dia do aniversário dela, quando a gente se casou de novo em 2011, eu casei no dia do meu aniversário, 12 de janeiro, eu acho graça nisso. Eu ter casado no primeiro… eu fiz uma música que fala sobre isso. Daí, a gente se mudou para o Itaim, porque o Itaim é um bairro de classe média em São Paulo, que hoje é, mas o Itaim era um bairro que era um bairro das lavadeiras, classe média pobre, baixa, aliás, pobre não. Bairro das lavadeiras ou das costureiras? Lavadeiras, acho que por causa que antes era mangue, mangue não, tinha água, por causa do Rio Pinheiros e tal. A gente se mudou para lá. Quando eu me casei e a gente foi procurar, eu obviamente meu pai não me deu casa e nem apartamento e eu não tinha dinheiro para comprar casa e nem muito menos apartamento, fomos alugar uma casa ou um apartamento, eu nunca quis morar em apartamento, mas eu lembro que eu fui visitar apartamentos e tal, procurei nos classificados do jornal, daí encontrei uma casa no Itaim. O Itaim passou a ser um bairro das nossas cogitações, porque tinha uma amiga da faculdade da Vânia que morava lá e a Vânia se tornou muito próxima a ela, porque o Itaim era um bairro que morava a minha tia, nunca foi um bairro! Bairro mesmo para mim era o Jardim Paulistano, que era muito caro, Butantã me parecia um pouco longe, onde eu nasci, nasci não, onde eu morava aqui o Pacaembu, onde eu moro hoje, nessa casa que eu estou dando entrevista aqui, onde o meu avô morava, meu pai nasceu, mas completamente fora de cogitação para mim naquela época. E encontrei nos classificados do jornal uma casa de vila no Itaim, foi uma história muito engraçada, porque eu fui visitar, a Vânia fazia faculdade, eu era um desocupado roqueiro que ensaiava de manhã e tinha as tardes livres, então, eu fui visitar vários apartamentos, daí eu vi essa casa, eu achei linda! Numa vila na Pedroso Alvarenga, levei a Vânia, a Vânia falou: “Você está maluco que a gente vai morar aqui. Como assim?” “É bonito” “Não”, a casa tinha uma árvore ela estava, devia ser outono… que outono? Imagina! Não sei por que cargas d’água, a árvore estava cheia de folhas, ah, porque estava sem inquilino, é evidente, óbvio! E daí, eu olhei, eu adorei a casa, a casa tinha uma coisa bizarra, que primeiro tinha um piano e tinha uma espécie de aquecedor a gás muito estranho para uma casa pequena no Brasil. E eu encasquetei com essa casa e falei: “Vânia, a gente vai”. E eu me lembro que eu peguei o anúncio classificados, liguei para pessoa e atendeu um português, que não sei porque cargas d’água eu achei que era o mordomo, e o fato dele ser o mordomo fez com que eu tivesse uma intimidade, uma desenvoltura no tratar que eu não teria se fosse o dono da casa, entendeu? Só que eu não perguntei se ele era o mordomo ou nada, acho que muito tin-tin na vida, entendeu? (risos) Daí eu comecei a falar com o mordomo e ele falou: “Olha, meu caro, desculpa, a casa…” ah! Já sei porque eu pensei que era o mordomo, porque ele estava com o sotaque português e falou que a casa era da senhora doutora Tila, Tila, a casa é dela, ele falou: “Doutora Tila”, eu falei: ‘a doutora Tila é a patroa dele, ele é um mordomo, claro’ (risos) e eu abri o meu coração para ele, eu falei: “Senhor Manuel, eu preciso morar nessa casa” “Não, mas tem uma pessoa na frente, já está com a documentação adiantada” “Você não está entendendo eu vou morar nessa casa”, eu joguei a maior lábia no cara, porque eu falei: “Porque eu sou músico e lá tem um piano, eu não sei tocar piano e eu vi que é nesse piano que eu vou aprender a tocar piano”, que nem a ideia da matemática, entendeu, que eu ia aprender matemática se eu entrasse na faculdade de matemática (risos). Eu encasquetei e vendi a ideia para o mordomo. Ele falou: “Mas o piano…”, o fato é que eu convenci o cara, ele me passou na frente e eu aluguei a casa. E ele não era o mordomo, ele era o marido, o segundo marido de doutora Tila, que era uma húngara, que veio da Hungria, os húngaros vêm da Hungria (risos), e como todo húngaro, acostumado ao rigoroso inverno, fez aquele aquecedor a gás, parece um forno (risos), eu nunca acendi aquilo. Alugamos a casa, convenci a Vânia e a doutora Tila, me tornei amigo do mordomo, que não era mordomo, graças a ele (risos) eu consegui alugar a casa, eu fui lá levei os documentos, convenci a mulher de que era eu “Doutora Tila, sou eu o inquilino certo”, olhou para mim com muita desconfiança, com muita desconfiança: “quem esse cara que acha...” e ela é húngara, sabe pós-guerra, desconfiada e tal, caiu nas minhas lábias, quase me ferrei porque o primeiro aluguel, foi o único aluguel na vida que eu paguei atrasado, eu não tinha dinheiro. Na hora do primeiro aluguel, me esqueci, faltou dinheiro, não tinha prática, meu primeiro aluguel, ela ligou, falou (risos), que ela nunca tinha se arrependido tanto: “Eu sabia que eu não tinha que alugar…” (risos) e o mordomo, que era o marido dela ouviu e eu… e ele segurando a minha onda, eu falava: “Seu Manuel, eu vou pagar”. Eu lembro que eu tive que ir lá no apartamento dela na Rua Bela Cintra, um apartamento grande, sinistro, assim afastado aqueles com recuo, tinham dois tapetes de tigre, sabe assim, eu olhei e era meio fascinante assim, mas a doutora Tila… enfim, assim, aluguei a casa na Pedroso Alvarenga, 565 Casa 9, onde me mudei com a Vânia, depois nos casamos, a gente alugou a casa em dezembro, e mudamos para lá, fomos mobiliando a casa e tal e casal jovem, a gente dormia antes de casar (risos). Fui para lá, daí comecei a minha vida lá. E nos casamos e a Vânia engravidou logo em abril, e uma loucura, porque não estava nos nossos planos, a gente não tinha grana para ter filho, ela estava usando DIU e engravidou. E daí, engravidou grávida! Engravidou, grávida, assim: “O que a gente faz?” Tem que ver o DIU, porque DIU na gravidez não pode, tem que tirar e para tirar o DIU,

tiramos o DIU, ficou lá, e gravidez incrível e já nasceu em janeiro, no meu aniversário e a Vânia engordou para caramba, a Vânia sempre engorda, um calor ho naquele verão, ela gigante, assim, com problema de pressão, a cama assim com enciclopédia Barsa para ficar reclinada, e eu sou de 12 de janeiro, eu achei que o Theo ia nascer… o Theo primeiro era para se chamar Miguel, depois eu tive uma ideia, eu pensei em Theodora e acho que isso tem um pouco a ver com influência da filha da Scarlet, que chama Theodora. O Lulu Santos produziu o nosso segundo disco e acho que o nome Theodora que uma filha da Scarlet, enteada do Lulu, não que eu não sabia disso, me trouxe a memória o nome Theodora, que era a folha da tia Patrícia, que era dona do Bola de Neve e a partir desse Theodora, eu falei: “Theodoro”, Miguel eu achei que não, Miguel era meio gíria de banheiro também, saca? Eu achava um pouco: “Pobre Miguel”, conheço vários Miguel, mas não por isso, eu não sei, Theodoro, Theodoro! Nasceu Theodoro dia 16 de janeiro e foi maravilhoso! A Vânia não pôde ter parto normal porque ela, eu acho que um pouco por precipitação dos médicos Há nessa história controversas e tal. A gente foi para o hospital, rompeu a bolsa e a gente teve no Hospital São Luiz, a gente tinha feito um plano, porque quando eu sai, eu herdei o plano do hospital, eu herdei, eu passei a arcar, mas a Vânia, que quando casou entrou comigo, não deu tempo da carência, então ela não pôde pegar o parto, a gente teve que pagar o médico, mas eu contratei um plano lá no Hospital São Luiz, que eu pagava antecipado mensalmente tal, eu paguei tudo! Daí nasceu o Theo, foi incrível! Eu era bem jovem.

P/1 – Estava com o quê? Vinte e três?

R – Quando o Theo nasceu, eu tinha feito 23. Eu fiz 23 dia 12 e ele nasceu dia 16. Mas o engraçado é que eu achava que ele ia nascer no dia 12 e a Vânia já não aguentava mais, um calor do cão, e a gente em casa, ficamos sentados, eu lembro que dia 12 a gente ficou sentado o dia inteiro esperando ele nascer e ele não nasceu, claro! Ele veio nascer no dia 16 às dez da noite, a gente foi para o hospital, rompeu a bolsa ou era bolsa rota? Já não sei mais, daí foi para lá, daí o médico chegou e daí eu lembro que foi péssimo, porque o doutor Djalma Krucz Corrêa não apareceu, mandou o seu assistente que chegou assim, o cara não dormia há três noites, certo? E eu falei: “Amigão, você está bem?” “Estou”, com umas olheiras assim, a gente era muito jovem e eu acho que eles precipitaram, sabe, e porque o Djalma não estava lá, então o cara não aguentou, chamou o médico em cima da hora, fizeram a cesárea, e eu me lembro bem da Vânia grogue depois da cesárea, ela ficou bastante decepcionada de ter feito cesárea e o cara deu uns pontos e aí ele olhava para ele, ele era careca assim, ela falava: “Seu cabeça de ovo”. E ela lá toda anestesiada, pô, daí nasceu o Theo lindo, minha mãe era viva, a mamãe tricotava muito bem, o enxoval que ela fez para o Theo era lindo, umas roupinhas, a gente tem até hoje guardada, de linha, sabe, de crochê, lindas! Lindas! O Theo nasceu gorducho, o Theo sempre foi, menino bonito, mesmo, não é corujisse, chamava a atenção, sabe? Mas o mais impressionante para mim foi quando a gente… acho que ele nasceu numa sexta, tanto que eu lembro que eu tinha show em Belo Horizonte do Titãs, tive que pedir para Bel, uma amiga nossa ficar com a Vânia no hospital, a minha mãe já devia estar doente. Daí, eu voltei, acho na segunda de manhã, a gente saiu, daí eu me lembro, a gente desceu, entrou no fusca e fomos para casa, eu guiando, a Vânia no banco da frente, sem cinto, imagine, e o Theo com xale… eu me lembro quando eu entrei no carro, eu falei: “E agora?’ tipo, sabe: “Marvin, agora é só você, agora é para valer”. Eu me lembro muito dessa cena, sabe? Tipo “Opa, é de verdade”. E daí, começou a minha vida. A Vânia estudava, a gente não tinha dinheiro para ter empregada, tinha uma empregada, aliás, tinha, porque vinha duas vezes por semana, cozinhava a gente mesmo, a gente tinha uma máquina de lavar, lavava roupa, eu cuidei do Theo, eu fazia sopa, eu trocava, eu passeava com ele, eu fui a mãe do Theodoro e era legal! A gente tinha uma cesta de vime assim, que também temos até hoje, hoje, que a minha mãe deu e ela forrou e eu lembro que eu saia com ele, as pessoas achavam que eu era louco, meu, eu devia ser! Eu me lembro bem que eu precisava comprar cuecas na Casa das Cuecas, na Teodoro Sampaio. Eu no fusca e o meu filho de três meses no cesto, atrás da minha… (risos) descia com a cesta, botava em cima do balcão “O que é isso?”, sabe, todo mundo achava, eu adorava essa vida que a gente teve, eu fui muito feliz no Itaim. Assim foi a história minha, a Vânia ia de carona, às vezes eu ia buscar ela quando estava... passeava com o Theo ia no Ibirapuera, ficava lá na vila, era super gostoso. E aí, aconteceu um problema, porque em 85, o Arnaldo e o Bellotto foram presos, o Arnaldo foi preso por tráfico de heroína, imagine, heroína em 1985 no Brasil, heroína até hoje, não é uma droga de consumo. Eu não usava não, mas o pessoal estava usando e isso foi um problema, a prisão do Arnaldo teve um grande impacto, porque a carreira do Titãs estava indo bem, a gente já tinha gravado nosso segundo disco, estava relativamente bem, o “Insensível” fez algum sucesso e “Televisão” também algum sucesso também na rádio, “Insensível” mais, “Insensível” fez bastante sucesso. Então, a gente tinha mercado para fazer os nossos shows até que a prisão do Arnaldo arruinou, fecharam as portas, imagine, quem ia dar trabalho, contratar uma banda, cujo vocalista estava em cana por tráfico? Ninguém! Todos os programas cancelaram, o único que não cancelou foi Perdidos na Noite, Fausto Silva, a quem eu sou eternamente grato por esse gesto de solidariedade e de não compromisso com a hipocrisia, todos os outros, inúmeros daquilo que era uma televisão como era a televisão. E o Faustão, não, bicho, a gente fez e aí, foi muito mais o que até a exposição, que também o Perdidos na Noite na Bandeirantes tinha lá a sua audiência, mas era um programa cult quase, marginal, madruga e tal, mas foi assim, alguém do nosso lado, sabe? “Vem cá malucada, estamos com vocês”, uma barra, sabe, uma dessas coisas loucas no Brasil, tudo bem, de fato ele estava com uma quantidade de droga, não sei o que lá, não estou dizendo que não houvesse um crime em questão, mas a gente se viu de uma hora para outra, sem agenda, sem trabalho e a nossa carreira quase foi a pique. A prisão do Arnaldo, evidentemente, teve uma consequência muito forte, um impacto muito forte nas nossas vidas e na nossa carreira e na nossa direção, porque os Titãs, de certa maneira, era uma banda que fazia muito sucesso, ou algum sucesso, mas bastante em rádio, mas não tinha público assim, não tinha público, o público era um pouco híbrido, híbrido não, porque era difícil de nos entender, eram muitos cantores, era muito eclético e musicalmente não havia uma coisa que criasse, e ao mesmo tempo que cantava “Sonífera Ilha”, cantava “Massacre”, sabe, tinham muitas coisas que as pessoas não compreendiam. Então, a partir do momento, a gente ficou insatisfeito com o que estava acontecendo com a gente e como a gente suava e o “Cabeça Dinossauro” tem, evidente, é uma reação nossa, é uma afirmação nossa. Uma busca de identidade sonora que se encontrou, o “Cabeça Dinossauro” não é um disco tão pesado quanto parece, se você olhar, ele tem muitas coisas diferentes, continua esse espectro amplo da sonoridade, da diversidade musical dos Titãs, muito, tem “O que”, tem “Família”, tem “A face do destruidor”, tem “Homem Primata”, é um pop sabe? Mas por causa de “Igreja”, “Bichos Escrotos” e “Polícia” e “Estado Violência” ficou, o que é bom, claro, o disco é muito bom e o disco teve, como alguns discos nesses anos 80, ele é um vetor, a reexpressão de anseios e tal, o disco foi censurado, não podia tocar na rádio, a música “Bichos Escrotos”, porque falava esse palavrão, acho que o único que havia falado palavrão era o Camisa de Vênus, “Sílvia Piranha”, ou tinha um grito do público deles no show: “Bota para fuder”, era o “Bota para fuder”, mas eu não me lembro se tinha uma música, também não é um mérito de ser o primeiro ou não, mas não era comum. Eu acho que o nosso: “Vão se fuder” que era uma música que a gente tocava nos shows muito antes até dela ir para rádio ou ter gravado. Essa música a gente só não colocou no primeiro disco, porque naquela época ainda tinha censura e a censura, aliás, tinha no Cabeça Dinossauro, mas para você gravar uma música, você precisa ter a autorização do Departamento de Censura, da Polícia Federal e ‘Bichos Escrotos”, certamente não passaria e seria, como foi no caso da Blitz, se você gravasse, ia ser mutilado, o disco deles não podia tocar. A gente não ia botar uma música dessa, que sabia que era uma música legal para não tocar. Viemos a gravar dois anos depois em 86, quando as coisas já estavam um pouco mais próximas de uma ideia de abertura e tal, o processo de abertura estava em andamento. Eu estou contando tudo isso, porque a prisão do Arnaldo fez com que a gente tivesse a nossa agenda cancelada, tudo e eu me lembro que quando o Théo nasceu, em 86, a gente fez um show aqui no Projeto SP, que era na Caio Prado, acho que é isso. Tinha mais gente no palco do que na plateia, eu me lembro, acho que tinham 11 pagantes, eu me lembro de eu chegar ou qualquer coisa ínfima, irrisória, eu me lembro que eu cheguei em casa, eu olhei a Vânia com o neném, eu chorava: “E agora? Como é que eu vou fazer para pagar aluguel?”. Tempos de penúria! E tudo mudou com o Cabeça Dinossauro, não imediatamente, mas num curto espaço de tempo, o disco bateu, o disco era, sabe que nem as manifestações? Essas coisas que acontecem, ele expressava uma coisa, um anseio, ele era uma voz, isso que é a força da música. E combinou com tudo aquilo e a gente começou a tocar, voltou a ter agenda, começou a tocar, e a gente foi muito ridicularizado, eu me lembro bem, “AA UU” que era a música de trabalho, a Rádio Cidade não tocava, o cara falava no ar: “O que é essa música ‘AA UU’, qual é o imbecil que pode fazer, eu podia ter feito essa música”, essas coisas foram ditas. “Bichos Escrotos” que tocava no rádio, quando tocava, fazia bip, não podia tocar o palavrão, “Igreja”, imagina! Eu lembro da gente chegar… “Igreja” é minha… de minha autoria: “Eu não gosto de padre, eu não gosto de madre, eu não gosto de freira. Eu não gosto de bispo, eu não gosto de cristo, eu não digo amém. Eu não monto presépio, eu não gosto de vigário…” (cantando) não, não é isso missa das seis, é, “Missa das seis, não, eu não gosto! Eu não gosto!” (cantando). A gente cantava, era tão polêmica que dentro da própria banda não tinha consenso, o Arnaldo e o Paulo saiam do palco para cantar essa música, não gostavam. Eu tinha lá as minhas razões e claro, eu tinha 23 anos, eu era um pouquinho mais fechado do que eu sou hoje. Eu continuo não tendo religião, não acreditando em Deus, mas não tenho tanto, aquela música, na verdade, era muito mais uma reação ao envolvimento, à mistura que a Igreja tinha com o papel, como tem até hoje, de censurar e de proibir as coisas. Então, a Igreja ali, ela e especifica à Igreja Católica, eu fui batizado sim, daí tinha uma reação, o Brasil era majoritariamente católico naquela época, diferentemente do hoje, a voz da Igreja era forte, interferia e eu lembro que eu escrevi essa música em reação ao apoio das igrejas à censura do “Je vous salue, Marie”, do Godard e eu lembro que o Roberto Carlos escreveu uma artigo que saiu publicado na “Folha de São Paulo” e eu falei: “Não, não pode censurar, bicho, sou contra a censura”. Então, esse foi o estopim, e é claro, eu tenho lá a minha questão com a religiosidade e com a religião e uma indignação de certa maneira, que me faz com que seja impossível ter essa crença, essa fé em Deus na maneira como ele é descrito pela religião católica também, por conta da vida, da história dos meus irmãos. Eu tenho uma raiva, um sofrimento que também tem uma carga de raiva por causa da doença dos dois. Então, é meio óbvio, como que se houver Deus, se houvesse Deus, como Deus pode permitir acontecer uma coisa dessa? Então, escrever a música teve muito esse sentido, mas cada um crê no que quiser e eu não creio também, da mesma forma, como os que creem, eu tenho o meu direito a pensar e entender a vida e não ofendo ninguém. Mas enfim, a nossa vida profissional e a minha vida pessoal mudou muito.

P/1 – Depois do Cabeça?

R – É. E daí, começou, a gente fez esse disco no Rio de Janeiro, a gente começou a ter um público mais definido, porque o nosso show era mais perto, tinha mais unidade. Foi no show seguinte, que eu passei a tocar baixo, foi o “Jesus”, esse show eu ainda dividia com o Paulo, contrabaixo. E daí, voltamos, passou o episódio do Arnaldo, acho que deixou de ter repercussão, impacto, afetar a nossa carreira e entramos em ano de ascensão meteórica, ou pelo menos, muito forte, pois fizemos discos incríveis, “Cabeça”, depois o “Jesus”, depois o nosso maior estouro que foi o disco “Go Back”, que as músicas ”Go Back” e “Marvin” e depois, “Õ Blesq Blom” foram os discos ótimos! E nesse período aí, a minha vida deu uma mudada. Bastante, tive a Sophia em 88, mudei da casa nove da vila para a casa 12, que era uma casa na frente, que diferentemente da casa nove, ela tinha um terreno anexo que era uma nesga que sobrou de uma venda, enfim, era uma casa maior, tinha um abacateiro lindo. Daí, com dois filhos eu queria um jardim e a gente alugou essa casa, porque eu não tinha dinheiro para comprar também, embora eu tenha reformado a casa de uma maneira quase que irresponsável, o dono da casa era o seu Salvador, um palmeirense, casado com a dona Vicenza, tinha orelhas enormes o seu Salvador e ele nunca morou na casa, a dona Vicenza não gostava da vila, ele comprou aquela casa na vila e dona Vicenza não gostava da casa e alugava, acho que era no Morumbi ou Brooklin, qualquer coisa assim, e ele tinha um inquilino lá. Ficou anos, seu Zacarias. Seu Zacarias um judeuzão, casado com a senhora Zacarias e com cinco ou quatro, acho que eram quatro filhas e um filho. Era um cara simpático, mas a casa dele era estranha. A gente morava na nove, que era a última da vila, tinha a nove e a onze, então a doze ficava em frente a onze, evidentemente e a dez em frente a nove. Então, as nossas casas eram assim diagonais e eu via a casa do seu Zacarias. Seu Zacarias o bizarro é que ele tinha (risos) um carro desses bem antigos caindo aos pedaços que ele não fazia nada, não reformava, e já tinha dengue nessa época, tinha um pneu, saca? E aí o seu Zacarias resolveu sair da casa, vagou a casa, a Vânia ficou de olho, mas a casa era um pouco cara para gente, mas as coisas estavam indo bem, eu resolvi arriscar. Eu resolvi ariscar e aluguei a casa que estava caindo aos pedaços, era uma loucura, o seu Zacarias era um louco, porque a trás da casa tinha um terreno lindo que ele tratava como um lixão, tinha sofá velho, geladeira velha, era um terreno grande, um abacateiro lindo, falei: “Bicho, é aqui”, a gente alugou, mas a casa estava caindo aos pedaços, eu nunca vi nada igual. O chuveiro dele era chuveiro elétrico, qualquer coisa assim, não, não devia ser, sei lá, ao invés dele trocar o cano era aquelas gambiarras que o cara vive aqui, que porco, saca? Fiquei chocado. Daí, a casa estava muito caindo aos pedaços, daí a gente resolveu reformar a casa. Eu fiz uma reforminha bacana, eu sempre aluguei casas e eu sempre quis morar bem, acho importante o lugar que você mora estar bem cuidado. Então, não é porque a casa não é minha que eu não ia cuidar. Eu fazia investimentos e tal e eu resolvi alugar essa casa e fazer uma reforma e o seu Salvador vinha me visitar e a gente apalavrou e eu comecei a reformar a casa, quando eu me dei conta, eu tinha gastado, eu fiz uma reforma de três meses, enquanto a Vânia estava, porque a Sophia estava vindo, ela estava para nascer, a Vânia teve pré-eclâmpsia, foi uma gravidez complicada e eu estava muito doido nessa época, deslumbrado com o sucesso. Eu estava muito ausente, foi o meu período de imbecil, eu tive alguns períodos de imbecilização na vida e esse foi um deles, eu hoje, percebo bem que foi muito, sabe, a gente fez muito sucesso, eu fiquei muito seduzido e isso me confundiu. Eu não sei se naquele momento eu queria estar casado com dois filhos ou eu queria estar solteiro na farra. Acho que evidentemente, eu queria estar solteiro na farra, mas eu estava casado com dois filhos, então, era casado com dois filhos, agindo como solteiro na farra e evidentemente, isso não deu muito certo e magoou e criou um problema, minha relação no meu casamento eu fiquei muito ausente, além de eu viajar muito distante, eu me desinteressei um pouco e fui descuidado, sabe? A Vânia numa gravidez e eu não percebi isso, além de que eu estava com a cabeça na lua, eu não sabia o que era pré-eclâmpsia direito. Sophia nasceu, graças a Deus tudo bem.

P/1 – Você estava com o quê? Vinte e seis?

R – Vinte e cinco.

P/1 – Vinte e cinco.

R – Não, é, 25! 85, não… 88! 63 mais 25, 88! É, isso! E a casa ficou pronta e eu falei: “Bicho, eu não tenho contrato alugado”. Eu reformei a casa sem ter um contrato alugado. Todo mundo falou: “Você está louco, meu! O cara se quiser, põe outra pessoa para morar e você vai fazer o quê?”, não ele falou comigo, como assim? Eu fiz mais uma loucura que era reformar a casa sem ter contrato alugado, tal, sentei com o seu Salvador, falei: “Seu Salvador, a casa está pronta. A reforma custou isso”, ele falou: “Tudo isso?”, eu disse: “É, o senhor disse…”, porque ele tinha me dito que descontaria do aluguel alguma coisa, mas ele não tinha ideia que eu ia fazer uma reforma nada demais, mas mexi na cozinha, mexi na fiação, dei um tapa bacana, não só pintei. Quando eu mostrei a cifra, a orelha dele que era desse tamanho ficou desse tamanho. Ele fez assim, que ele olhou para mim ele não falou nada, eu falei: “O senhor disse que ia descontar do aluguel”, ele: “Falei isso?” “Falou”, ele falou: “Então está bom. Mas eu não posso descontar tudo isso do aluguel, porque senão você não vai pagar nada de aluguel”, aí eu falei: “Então vamos fazer o seguinte, a gente aumenta o tempo de contrato”, daí aluguei a casa, fiquei um tempão e assim fiquei morando numa casa muito mais gostosa, super, daí foi ficando legal, Sophia nasceu e minha mãe morreu logo em seguida e aí foi um impacto na minha vida: minha mãe descobriu que estava com câncer, Sophia nasceu em junho de 88. Ah, minha mãe! Minha mãe já estava doente, é evidente que ela estava doente, eu não sei, essa é uma das coisas que é complicado ser jovem, você não saca algumas coisas, sabe? A relação com a minha mãe, a gente já deve ter falado um pouco na primeira fita, mas era muito forte, eu sempre achei que eu era o queridinho da mamãe. Eu descobri que os meus filhos acham isso (risos), todos podem achar isso e não é ilegítimo ter essa sensação, mas de fato, a minha condição dentro da minha casa, pelo fato de eu ser o quarto de cinco filhos, os meus dois irmãos doentes, que tiveram doença, não são doentes, tiveram meningite e ficaram, o Zeco, surdo e a Lulu, são as minhas bordas, certa maneira, a minha saúde, ou a forma menos preocupante, o que exigia menos cuidado, era um certo alívio, sabe, enfim, devia ter uma certa, marcou a relação com a minha mãe, de uma maneira. Claro, isso é uma análise que eu faço hoje, nem sei se eram essas as razões, talvez eu fale isso até para eu me sentir menos culpado, por achar que ela gostava mais de mim (risos), tudo isso para dizer que eu me sentia muito gostado e gostava muito dela e era uma coisa intensa, sabe assim, entre nós dois. O meu pai é uma pessoa muito diferente na expressão dos seus sentimentos, na forma como os seus sentimentos se organizam dentro dele, principalmente, como ele comunica, como os sentimentos agem na relação dele comigo, em questão. Com a minha mãe tinha essa coisa, a minha mãe, ela chorava, eu chorava, sabe assim? E a minha mãe chorava muito, a gente se via e gente chorava, era uma coisa assim, pá… saca? Uma grande descarga elétrica. E a minha mãe na verdade, você fala do primeiro emprego, meu primeiro emprego foi na clínica da minha mãe. Eu tenho uma carteira de trabalho, que está assinada, porque a minha mãe me contratou, porque ela era fonoaudióloga e ela fazia o método de ensinar e ela precisava de umas cartelas, eu desenhava bem, então eu fazia essas coisas para ela, dominó, jogos, eu desenhava e ela plastificava e tal. Então assim, a minha mãe, quando eu estava fazendo cursinho, por exemplo, estudava: fazia cursinho, eu tinha que entrar no Vera Cruz, tipo eu tinha meia hora, sabe, daí ela ia me buscar na escola com o fusca, me levava um sanduíche e minha vitamina e era o tempo de eu comer, devia ser menos de meia hora, porque era muito perto um lugar do outro e eu comia no carro. E a minha mãe era míope de três graus e não usava óculos para guiar, nada, e ela guiava, digamos, guiava, assim, como uma pessoa míope de três graus sem óculos pode guiar (risos). Mas eu adorava, eram momentos incríveis, a mamãe era uma pessoa que… eu tenho um negócio que eu preciso confessar, eu não sei se eu cheguei a contar isso para ela, ou para ninguém eu roubava dinheiro dela (risos) quando eu era pequeno. A minha mãe tinha uma gaveta, que era uma gaveta incrível, só eu, bicho, para achar que ela não percebia, porque eram aquelas notas de cinco mil cruzeiros que era o Tiradentes, tinha uns bolos assim, e eu lá naquele bolo do meio, entendeu? E tirava duas notas, (risos), embrulhava, eu amarrava bem, decorava como é que era o elástico e tal. Eu fazia uns assaltos, mãe, me perdoa (risos) se um dia na feira faltou dinheiro, fui eu. E isso tudo porque eu precisava comprar discos e a minha mãe tinha essa coisa, ela me ajudava e eu comprava discos, a minha mesada era para comprar discos, eu comprava discos na Hi-Fi, no Shopping Center Iguatemi ou no Museu do Disco, e tinha discos importados, e discos importados, alguns lançamentos que não saíram no Brasil e além do que, às vezes, eu gostava muito, o disco importado era muito melhor de ouvir, o som era melhor e a capa era melhor. Para você ter uma ideia, o Alice Cooper, de quem eu era muito, muito fã, o “Billion Dollar Babies”, que o disco era uma carteira, o disco importado que eu comprei era a carteira inteira, você abria, daí tinha uma nota de um bilhão de dólares, com o Alice Cooper e aqueles bebês tudo! E eu queria comprar esses discos por causa dessas capas, por causa de tudo, da arte, não é a capa, não era um luxo, o disco que foi lançado assim não podia ser reproduzido, como fazia no Brasil, capas que eram duplas viravam simples, discos que eram coloridos viravam preto e branco. O “Led Zeppelin IV”, que eu pedi de Natal, não o “Houses of the Holy”, que veio depois e que eu pedi de Natal e ganhei de Natal era em preto e branco, era um crime, é uma coisa absurda o que se fazia, sabe? Assim, então a minha mãe tinha essa coisa, daí eu chegava: “Mãe, preciso disco”, daí ela me ajudava, me dava um dia um extra, me ajudava a completar e eu trabalhei para minha mãe. Daí, minha mãe, descobriram a doença em fevereiro de 89, a mamãe tinha passado muito mal no ano de 88, basta ver, imagina, tem a foto dela, Sophia nasceu primeiro de junho de 88, tem a foto da mamãe na maternidade, Sophia nasceu no Einstein, aí a Vânia já estava no meu plano, a gente já pôde estar com o médico, a Vânia teve pré-eclâmpsia, evidentemente não pôde fazer…

P/1 – Parto normal

R – Parto normal. Tem uma história muito engraçada. O médico da Vânia foi o Doutor Carlos, judeu, fala baixo, era um saco. A consulta dele, ele começava a falar assim (sussurrando), eu terminava quase na gaveta dele, o que você está falando, catso? Ótimo médico, médico dela até hoje, mas eu achava que ele não gostava de mim e talvez não fosse nada disso, ou talvez, como eu te falei, eu estava um pouco ausente, eu teria ido a poucas consultas, a Vânia fazia os pré-natais, a tal ponto, eu sou ruivo, como vocês podem ver (risos) ainda, um pouco, era muito mais ruivo, e daí, tinha essa coisa, a gente achava que os nossos filhos podiam ser ruivos, Theodoro não foi ruivo, Sophia então, é Vânia deitada na mesa e eu no parto, estive no parto do Theodoro, estive no parto da Sophia, estive no parto do Sebastião, estive no parto da Zoé, só não estive no parto do Ismael, que foi em Porto Alegre. A Vânia na mesa, nasce o filho, daí, o doutor Carlos aqui, eu aqui, em 88 meu cabelo, digamos bem mais basto do que hoje e bem mais ruivo do que é, daí a Vânia pergunta: “É ruiva?”, e o Carlos olha: “Por quê?” Como assim? Eu sou o pai da criança. O maluco achava que eu, porque era roqueiro, pintava o cabelo, qualquer coisa assim, entendeu? Eu fiquei meio bravo com ele, depois dessa…

P/1 – Por quê?

R – Falta de noção do cara perguntar se é ruiva, achar que eu pintava o cabelo, qualquer coisa assim, isso me ofendeu (risos) como assim? Não é porque eu não fui no pré-natal que eu não sou o pai da criança, não é porque eu sou músico, que eu pinto o cabelo, você não olha para cá? Você no consegue fazer uma relação onde que: “Ah, é possível que o pai seja ruivo natural”. Sophia nasceu em 88, então da foto da minha mãe pegando a Sophia lá no Einstein, dá para ver que ela estava muito doente, porque a minha mãe tinha uma febrinha misteriosa, sabe, no final da tarde, febre no final da tarde não é bom sinal, constantes. Viemos a saber depois que a minha mãe tinha passado o ano inteiro e talvez mais do que isso, com uma diarreia super forte.

P/1 – Ficaram sabendo depois?

R – Ficamos! Depois mamãe contou, de certa maneira, é difícil rememorar as coisas sem tentar achar que pudesse ter sido diferente, sabe, tem sempre essa tendência e juntar as coisas. Mas o fato é o seguinte, a mamãe tinha uma saúde debilitada, ela tinha muitas enxaquecas, era comum na minha infância eu chegar em casa, uns dias que: “Fala baixo” (sussurrando), “Sua mãe está no quarto”, sabe assim? E é claro, acho que além de tudo, a vida dura das circunstâncias da nossa família podem ter ajudado, ajudado a somatizar seja lá o quê, ela teria colite, ela já tinha tido úlcera, sabe? Era comum, então talvez a mamãe está meio abatida não fosse uma coisa que chamasse atenção, fosse mais uma fase. Mas não foi. E ela omitiu, parece que até do próprio médico, segundo o médico, não se sabe, o fato é que vamos tentar abreviar essa história, que em fevereiro de 89, ela foi hospitalizada e foi fazer uma cirurgia e na hora que abriram, viram que não havia o que ser feito e ficamos nós naquele dilema de contar ou não contar para minha mãe que ela estava com câncer. Eu tinha uma atitude, uma posição idiota, que eu vejo hoje, que depois custou, eu achava que devia contar e a minha irmã falou: “Não, ela tem todas as evidências, se ela quiser ela pergunta. A gente não vai contar”, porque ela tinha, provavelmente, poucos meses de vida, como teve. E eu lembro de uma conversa dura com a minha irmã, que eu queria contar e eu era meio hipócrita, eu acho, sabe? Porque eu já tinha uma vida muito tumultuada, de certa maneira, uma vida dupla, sabe assim, com casos, coisas rumorosas e eu querendo que contasse a verdade, a minha irmã: “Que coisa é essa, bicho? Você não conta a verdade para sua mulher”, sabe, tinha acontecido uma coisa. Um bate-boca, todo mundo estressado, mas eu tive que me recolher a minha insignificância, foi a verdade, imagine! Pouco, porque essa coisa de contar, não contar sempre foi um desespero, para quê? Uma idiotice que não tem nada a ver com uma pessoa em questão, trata-se dos meses dela de fevereiro, a mamãe morreu em 19 de junho, então fevereiro, março, abril, maio, junho, pô, quatro meses entre uma coisa e outra, foi uma barra! Ela, assim, do câncer dela que depois foi no colo do intestino, estava bem desenvolvido, e foi fulminante, ela prejudicou a visão dela, ela não conseguia ver, foi muito dolorido para todos nós e a sua última internação, foram duas só, ela foi para o hospital, não tinha quimio, não tinha nada que pudesse ser feito, sabe, tinha que melhorar as condições dela assim, aí ela foi para o hospital e a gente fazia um revezamento e teve um dia que foi muito ruim, bicho, que eu estava com ela numa quinta-feira à tarde e ela tinha muitas dores e eu me lembro que ela estava com muita dor e precisou ir no banheiro, daí, eu ajudei ela no banheiro, daí ela voltou para cama e a sensação que eu tive que foi ali que ela se deu conta de que ela ia morrer ou admitiu que não tinha mais, daí eu lembro que ela começou a falar para mim, chorar, chorar, chorar: “Quanto tempo a gente perdeu”, sabe aquela coisa (choro/emoção)… e daí, eu falei para ela: “Não perdemos nada, a gente viveu bem” e eu lembro que eu contei, porque tem uma história muito legal, um momento muito legal da minha vida que uma vez a gente foi no cinema no centro da cidade assistir “Fantasia”, do Walt Disney, foi eu e a minha mãe e eu lembro de ter sido uma tarde incrível, depois disso, a gente saiu e foi lá no Michelangelo, ela me comprou uma caixa de óleo, tinta a óleo e eu disse a ela, falei dessa tarde, sabe, e de fato, eu e a minha mãe, a gente fez muitas coisas boas, mas foi horrível! E ela estava com muita dor e daí assim, ela morreu dois dias depois disso, ela entrou meio em coma e felizmente, esse coma não durou muito. Estávamos todos nós lá no dia que ela morreu, coisa mais estranha da minha vida foi que depois que ela morreu, eu e a minha irmã fomos escolher a roupa que ela seria enterrada e eu não sei se vocês já tiveram isso, o velório é uma coisa muito estranha, acho que o sofrimento dos últimos dias, a não perspectiva, o alento daquele coma não ser uma coisa, sabe, terrível, a morte dela, que eu me lembro exatamente tem um certo alívio, certo? Você ver uma pessoa que está sofrendo muito parar de sofrer, isso paradoxalmente é bom, mesmo que isso seja a morte dela. Então, a relação é muito ambivalente como você reage. E o velório é aquela coisa louca, de uma hora que está todo mundo contando piada, sabe (risos), para segurar a onda, assim, mas eu me lembro de ter ido na casa da mamãe, a mamãe morreu no Sírio e daí, fomos eu e Quilha, minha irmã escolher a roupa, daí a gente escolheu a roupa mais bonita, sabe, ela foi enterrada! Tudo, na hora que fecharam o caixão, aquelas coisas! A morte da minha mãe teve um impacto muito grande na minha vida. Eu posso dizer que o meu vício de cocaína, o meu uso de cocaína, eu não tenho dúvida que está associado a partir desse momento, comecei a cheirar muito pó. E foi na gravação do “Õ Blésq Blom”, que foi um disco muito legal também, muito louco de ter feito. Ainda assim, era muito divertido gravar discos, sabe? Eu gostava, os discos que a gente fez, todos. Então, a minha vida profissional estava muito boa. Eu amava os Titãs, ir para os Titãs…

P/1 – Você gostava daquilo? Você estava feliz lá?

R – Muito! Talvez fosse o lugar mais feliz que eu tivesse, a tal ponto, era tudo tão novo, tão delicioso, a música que a gente estava fazendo, o sucesso que a gente estava fazendo, a gente fez muito sucesso. Em 88, para você ter uma ideia, o “Go Back”, o disco que a gente foi, o André Milani passou uma rasteira na gente, porque aquele disco ele fez que não valesse pelo contrato, o disco que mais vendeu. A gente chegou no Brasil, a música “Go Back” fez muito sucesso, “Marvin” fez muito sucesso! Eu estava na Bahia uma vez, eu acho que eu contei isso, eu não me lembro, eu sempre acabo citando. E eu estava na Bahia e eu liguei o rádio, estava tocando em cinco estações no mesmo momento, no dial, a gente passou o dial, “Marvin” estava em cinco! Então, a gente estava fazendo muito sucesso, a gente estava com o Poladian, nosso empresário, eu viajava o Brasil todo, a gente estava no auge da nossa felicidade, de realização, tocava no Hollywood Rock, produzi aqueles discos com o Liminha, o “Jesus” é o disco que eu mais gosto, acho ele o auge criativo dos Titãs, “Comida”, “Lugar Nenhum”, cada música, cada som, estava feliz achando que eu ia ser baixista para o resto da vida. A vida profissional estava uma delícia e a vida profissional era a minha vida social também, eu estava com os meus amigos e a gente se divertia e daí o pó entrou bem forte assim, comecei a cheirar, todo mundo cheirava já e eu era meio devagar nisso, uma época eu era contra, daí eu deixei de ser contra e passei a ser a favor (risos), digamos assim. E foi, estava muito associado a minha vida profissional, a nossa vida na estrada, todo mundo cheirava e eu cheirava também! Eu acho que olhando cronologicamente, retroativamente, a morte da minha mãe, que criou, meio que cai de cabeça na estrada, aproveitei, sabe? Porque foi demais de difícil, daí começou um período mais turbulento na minha vida, porque também foi a primeira vez que eu me separei, 91.

P/1 – Você já tinha o terceiro?

R – Não.

P/1 – Ainda não? Estava só com o Theo e com a…

R – Daí eu estava cada vez mais vivendo a vida louca da estrada.

P/1 – O que é a vida louca da estrada?

R – É um pouco assim: uma euforia, sabe? Que os Titãs era uma banda, o sucesso que a gente havia na estrada, fazia com que a gente viajasse muito e era muito gostoso viajar e descobrir outros lugares, é gostoso, a forma como a gente se relacionava, a gente ficava grudado, os Titãs, a gente ia almoçar juntos, a gente ia fazer o show junto, depois do show, a gente ia para o quarto junto e ficava compondo, tipo uma euforia, sabe? E a música que a gente fazia me agradava muito, acho que nos agradava muito, a gente era jovem, famosos e ao mesmo tempo, não que isso fosse muito importante, mas a fama no sentido daquilo que a gente fazia estava… eu fazia o que eu acreditava, o que eu mais gostava e além de tudo, me dava dinheiro e claro, a fama no sentido de poder fazer programas, conhecer um pouco o mundo que até então era inacessível, outros artistas, sabe, esse tipo de coisa, a vida um pouco louca é essa, sabe? E eu adorava ficar na estrada, adorava ficar lá cheirando e compondo e gravando e tocando e fazendo músicas. E eu comecei nesse momento, eu tive uma trava produtiva, de criação, era muito louco, porque eu compunha muito, escrevia muito, mas era um compositor pouco… está apitando aqui.

R – Ah tá, vamos terminar…

P/1 – Daqui a cinco minutos. (risos)

R – Vamos terminar esse capítulo, que daí a gente para num momento da minha vida. Também não vou ser tão detalhista, senão a gente vai ficar a vida inteira. Assim, eu comecei… o Marcelo que chegou para mim e falou: “Não, é absurdo, cara, eu não escrevo, não foco e componho um monte e você compunha muito bem, agora você não faz mais música, o que acontece, Nando?”, eu lembro da gente ter essa conversa no quarto assim, eu disse: “É verdade”, e eu resolvi pegar todos os meus papéis de antes e fazer uma compilação das melhores frases e eu tinha um caderno, que era o caderno da minha mãe, a minha mãe como estudou na França, fez um curso lá, acho que eu falei isso, em 71, a França, os franceses usam um caderno que parece um caderno quadriculado, que eu só vi lá, eu via esse caderno e eu achava lindo, que parte estava usado pela minha mãe, parte sobrava essas folhas, eu comecei a fazer uma espécie de compilação de coisas e eu andava sempre com esse caderninho para baixo, para cima e para baixo e foi aí que eu conheci a Marisa Monte, já em 91. Então, desse período de 90, 89, que a gente lançou “Õ Blésq Blom”, daí ah, “Õ Blésq Blom” foi o momento que a gente conheceu Mauro e Quitéria, aquele casal de Pernambuco, que fazia o repente e a gente juntou. Eu achava que “Õ Blésq Blom”, uma frase do Mauro, uma frase, imagina, um som que ele falava, que eu disse: “Õ Blésq Blom”, partiu de mim a ideia de dar esse nome ao disco, a grafia, já não sei exatamente quem foi. A capa é do Arnaldo, o disco é muito bom, eu achava que ia ser, a gente ia fazer o que a gente não conseguiu fazer de fato no “Televisão”, porque havia de novo, aquele espectro, sabe, de diversidade, que não tinha, que a gente estava meio fugindo, acho que “Õ Blésq Blom”, o “Jesus” é mais coeso, o “Go Back” é um disco ao vivo, então é uma coisa, é uma unidade que é a sonoridade do palco. O Blésq é mais aberto, timbristicamente, ele traz mais, resgata um pouco mais da coisa da música brasileira, tem obras-primas ali, “Miséria” é uma das grandes músicas que os Titãs fizeram e eu achava que ia alcançar o que o “Televisão” não alcançou, que seria um pouco o nosso Sgt. Pepper’s assim, não é tudo isso o disco, acho que tem lá suas deficiências, mas foi um período maravilhoso. Aí, a gente estava muito bem consolidado, viajando e aí, eu estava muito entusiasmado em voltar compor e eu comecei a levar o violão para viajar, um violão que é o violão de nylon da minha mãe, que estava comigo e com esse caderninho (pausa) então, aí nesse período eu comecei a trabalhar, levar o violão e estava muito empenhado em…

P/1 – Compor.

R – Em compor e compor, fazer outras parcerias, foi aí que eu conheci a Marisa. Marisa Monte estava surgindo no cenário, isso deve ser 1990, não 91. Marisa surgiu em 90. Marisa gravou “Comida”, que é do Arnaldo, do Marcelo e do Britto e fez um show no Aeroanta que foi incrível. Eu lembro que eu fui nesse show, eu fiquei devastado, fascinado pela voz da Marisa. Eu lembro que eu encontrei a Débora Bloch nesse show eu abracei, e a Debora é ruiva também, eu estava meio eufórico com a nossa geração, ou com qualquer coisa que de fato, estava acontecendo ali, sabe? Embora a Marisa seja mais nova do que eu uns quatro anos, eu acho. Acho que sim, eu falei: “Precisamos fazer a hidráulica da cultura” ela olhou e falou: “Hidráulica?” (risos) “É, hidráulica, uns fundamentos, encanamentos,” nesse sentido. Eu fiquei muito passado com a Marisa. Daí encontrei a Marisa num programa chamado “Babilônia”, que era da TV Globo e a gente ficou conversando, que ela ia cantar ao vivo com a gente. E a Marisa estava começando, ia gravar o disco ao vivo dela, que é o primeiro disco, Marisa sempre com aquela coisa à frente, ela já sai com disco ao vivo, ninguém nunca na história fez isso, não era comum. E ela também querendo, ela tinha umas músicas, ai a gente se encontrou, os nossos desejos de começar a compor. Foi assim que eu conheci a Marisa Monte e por aqui paramos.

P/1 – Tá bom. Que ótimo.

Correios – Museu da Pessoa
Depoimento de José Fernando Gomes dos Reis
Entrevistado por Rosana Miziara
Realização Museu da Pessoa
HVC_03_Parte 3_José Fernando Gomes dos Reis
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Mariana Wolff
MW Transcrições

R – A gente estava nesse período em 91, o Arnaldo tinha saído dos Titãs.

P/1 – Foi em 91 que ele saiu?

R – Em 91 provavelmente. A gente gravou “Tudo ao mesmo tempo agora”, daí quando a gente estava fazendo “Titanomaquia”, que era disco muito pesado, teve uma divergência que hoje eu entendo como muito mais, já a percepção do Arnaldo de que os Titãs consumia muito tempo e ele tinha outros interesses, somado ao fato do Arnaldo ter se destacado como letrista por razões óbvias, pela qualidade do que ele produzia, mas por uma ideia também distorcida de que ele era o letrista dos Titãs, o que de certa maneira, gerou em nós um certo incômodo, que eu acho que atuou um pouco como uma razão de intolerância na questão, intolerância não, um pouco de radicalismo, ou radicalidade no tratar do momento da saída do Arnaldo, embora eu também acho que isso era uma coisa incontornável por vontade dele e que depois eu entendi melhor ainda quando eu sai. Mas tinha também uma questão ali musical, estética, que para o Arnaldo entrava como intransponível, que era a direção onde a gente estava indo e talvez, o jeito como as coisas estavam sendo ditas naquele disco, tudo isso acho que é pouco secundário, perto do fato. A saída do Arnaldo, evidentemente, quebrou aquela ideia de eternidade que a gente tinha juvenil e foi um golpe, acho que em todos os sentidos, pela perda da contribuição dele, que por mais que ele continuasse, é claro, naturalmente no período subsequente, acho que ele parou, foi fazer as coisas dele, afinal de contas, e a gente tinha uma certa reação, sabe. E a gente foi, seguiu nesse momento, o “Titanomaquia” que é o disco que eu tive a maior dificuldade em fazer, porque de certa maneira, eu também concordava com o Arnaldo, tanto que foi um disco que eu tive grande problema durante a gravação e durante a própria concepção do disco, porque eu discordava também veementemente do que estava acontecendo, só que eu tinha uma ilusão de que a graça, ilusão não, um crença que provou ineficiente para o momento, que era de que por mais que os Titãs quisessem uma coisa, a força dos Titãs era em todas as coisas, não, impossível reunir todas as coisas, mas eu fui voto vencido em muitas das decisões e isso me frustrou muito! Se você observar o “Titanomaquia” é o disco que eu canto, mesmo com a saída de um vocalista, que aparentemente aumentaria o espaço para os outros vocalistas, éramos cinco, ficamos quatro, eu canto só uma música e eu tive, fiquei muito frustrado e com muita raiva também, porque as minhas ideias musicais eram vetadas. Os Titãs estavam indo numa linha de ser a coisa meio monocórdica, era um rifle de guitarra, então todo mundo tinha que tocar aquele rifle.

P/1 – Mas quem que ditava? Como é que era?

R – Não ditavam.

P/1 – Como é que acontecia?

R – Acontecia é por ter uma democracia, então tem que ser a maioria. Eu acho que o Britto sempre teve uma força muito grande e principalmente nesse processo, nesse momento de conduzir, porque ele era um compositor é majoritário, ele e o Marcelo, mas o Britto, musicalmente, porque o Marcelo era uma enzima, ele fazia as coisas acontecerem, tanto que ele tem música com todo mundo e foi ele o cara que chegou para mim e falou: “Bicho, não é possível, eu não escrevo, não sou um compositor, não era um compositor, faço um monte de música, você não faz nenhuma? Você não faz nada? O que aconteceu com você?” eu falei: “O que aconteceu comigo? Boa pergunta” e daí, fui buscar e percebendo que o meu espaço estava diminuto dentro dos Titãs, eu fui procurar fora. Encontrei a Marisa e com o encontro com a Marisa, abriu-se também uma possibilidade imensa, porque a Marisa era uma cantora, muito talentosa, uma excelente cantora, e como compositora jovem, começando, a gente um pouco estava no mesmo momento, curiosamente. E eu fui, quando encontrei a Marisa nesse programa, fiquei muito encantado por ela, com ela e com essa possibilidade de ter uma parceira, tanto que o segundo disco da Marisa, o “Mais” eu já tenho parcerias com ela, tenho tanto músicas que eu fiz para ela, como “Diariamente”, que é uma música, aquilo é uma música autobiográfica e é engraçado como ela tem uma forte influência daquela escrita rigorosa e formal do Arnaldo, porque era toda em blocos, na verdade, se tornou em blocos, era uma grande lista de para tiriri, para parará, associações inusitadas enorme, que eu fiz, é uma das poucas músicas que eu fiz uma letra, na verdade, eu escrevi aquilo, não sabia como musicar e quando eu encontrei a Marisa, me apaixonei por ela e resolvi fazer uma canção que é quase que um oferecimento, tanto que a música tem “Para você o que você gosta diariamente”, sou eu me oferecendo, olha só, tudo isso se você quiser diariamente (risos), oh meu Deus! Daí, eu editei a música e a música, ela é muito representativa, ou demonstrativo daquilo que eu queria, daquilo que eu podia ser, daquilo que eu tinha possibilidade de ser, porque é uma música curiosa, ela tem dois acordes, é elementar e ao mesmo tempo, ela tem uma riqueza que é em cima desses dois acordes uma estrutura meio circular, porque ela tem os blocos, mas as variações melódicas são muito bonitas e as rimas são muito inesperadas, assim, então é uma música que, é linda essa música, eu adoro essa música. E daí, a Marisa gravou essa música, foi a primeira música minha gravada fora dos Titãs e a gente fez algumas parcerias que entraram no disco e daí, nesse momento, eu me separei da Vânia, o que foi um grande golpe, foi um impacto, separação é sempre ruim. Eu acho que a Marisa significou uma espécie de decisão da minha parte entre um conflito que estava muito claro dentro de mim, que ficou claro, ficou insustentável do privilegiar a minha relação com a música e eu não consigo conciliar isso com a minha relação familiar e manter o meu casamento, porque depois do estouro dos discos, eu fiquei muito distante, fiquei muito seduzido, muito deslumbrado também pelo o que estava acontecendo e ao mesmo tempo o sucesso estrondoso que os Titãs fizeram começou arrefecer depois um pouco evidentemente, principalmente no “Titanomaquia” a gente fez um disco muito pesado. Começou um pouco antes, quando a gente lançou o “Tudo ao mesmo tempo agora” foi um disco que já foi mal interpretado pela imprensa e por uma posição que a gente tomou, porque aconteceu o seguinte: a gente ficou tão em evidência e tão quase em unanimidade como uma força criativa e tudo mais e tinha uma questão ali que era de como a imprensa funcionava, na imprensa escrita nos anos 90, os jornais fortes de São Paulo, que tinha o “Estado de São Paulo” e a “Folha de São Paulo” e o “Globo” e o “Jornal do Brasil” disputavam as primeiras páginas de seus cadernos de cultura. Então, tinha a coisa de dar furo, sabe? Jogadas, oh meu Deus, e nessa pressa de querer dar um furo no outro, eles pegavam um disco e mal ouviam o disco e já publicavam uma crítica e a gente achava isso, as críticas eram pobres, privilegiavam a velocidade não absorção, compreensão do disco, análise do disco e tudo mais, um pouco de ingenuidade da nossa parte e um pouco de presunção também de achar que a gente poderia determinar, que era direito nosso, o que a gente fez? No lançamento do “Tudo ao mesmo tempo agora”, como o show de São Paulo de lançamento seria muito próximo do lançamento do disco, a gente se recusou a falar com a imprensa, não saiu o disco e isso foi interpretado como uma arrogância e daí começou a virar, de queridinhos, a gente passou a sermos arrogantes e naturalmente, como tudo tem ciclos, a gente deixou de ter esse lugar privilegiado e passou a ser vítimas dos ataques.

E daí, então, consequentemente, a gente tinha lançado o disco já o “Tudo ao mesmo tempo agora”, era um disco mais pesado, “Saia de mim”, que era uma música que terminava, que tinha essa coisa mais agressiva, “Flat/Cemitério/Apartamento”, tinham umas músicas, mas é um disco que eu gosto muito, é o primeiro disco que a gente produziu sem o Liminha, depois desse período todo de Liminha, que também houve uma ruptura com o Liminha, o Liminha também tinha interesses, essa história é chata. Então, a gente começou a ir para uma direção mais pesada, cansado um pouco da maquinária que a gente tinha que levar para o palco, a gente voltou para uma coisa mais crua, só a gente, sem bateria eletrônica e nada e com um tipo de som e uma temática que mudou completamente o nosso público e a gente deixou de tocar em rádio e a gente foi para o avesso, o outro lado da fama, que é o ostracismo, e a agressividade por parte da imprensa, para você ter uma ideia, eu lembro a “Bizz”, eu acho que, eu não tinha nem dez anos de carreira, eu tinha 29 anos e era um dinossauro, imagina o que eu sou hoje com 50, estou em extinção, isso é fato! Mas não estou extinto, sou manso. Então, assim, esse é o contexto onde eu comecei a perder o meu espaço lá, havia por outro lado, havia menos demanda de show, eu tinha mais tempo, eu comecei a trabalhar e a Marisa foi a minha primeira parceira, a primeira pessoa que gravou uma música fora dos Titãs e mais do que isso, ela tinha uma coisa, uma das graças que eu via nos Titãs, uma das características essenciais é uma mistura muito grande da musicalidade de todos nós. Eu acho que o “Titanomaquia” é um disco monocórdico, que ele pega uma faixa só, isso nunca me agradou, principalmente, quando não era a faixa consoante com a minha, eu estava querendo uma coisa mais Novos Baianos, de quem eu sempre fui fã, sabe, e eu apresentei os Novos Baianos para Marisa, por exemplo, era o disco “Acabou Chorare” e “Futebol Clube”, discos muito importantes para mim, porque ali havia aquilo que eu acho mais incrível, o melhor resolvido em todos os discos da música brasileira e ao que hoje parece quase, hoje não, sempre foi difícil dizer um disco que mistura rock com MPB, sabe, com toda a gama de sentidos que tem cada uma dessas noções e isso que eu sempre achei que os Titãs poderiam ser e seriam. Então, o que eu queria fazer estava mais perto da Marisa do que dos Titãs e comecei a trabalhar muito com ela e isso se mistura com a minha vontade pessoal de querer viver mais a minha vida profissional, ou juntar as duas coisas, porque infantilmente, enfim, dentro da minha possibilidade conjugar isso com a minha vida pessoal. Eu achava que eu não, aquela coisa, isso é um dilema meu, que durou muitos anos, deve ter ainda, mas menos, afeta menos. Esse período da Marisa começou, foi incrível, porque assim, eu abri dentro de mim, o fato dela ter gravado o “Diariamente”, muito mais até do que a própria repercussão, a música que ficou linda na voz dela, e o que a Marisa começou a se tornar e mais e mais e mais e mais de ser essa artista grandiosa, que de certa maneira, eu fui junto dela, não fisicamente, porque ela já tinha a sua carreira e eu nunca toquei com a Marisa, como músico, nada, mas a minha música foi, isso foi muito importante, gratificante, uma realização assim, me deu muita confiança, aliás, começou a me dar uma confiança que eu não tinha, se você olhar, eu fazia música dentro do Titãs, que era o meu grupo, e eu comecei a fazer música para fora e aquela música dizia muito mais a respeito de mim, do que o “Titanomaquia”, que não tinha nenhuma música e eu nem podia cantar nenhuma música. Eu cheguei a pensar em sair dos Titãs não nesse momento, um pouco mais tarde, porque isso não ficou tranquilo, eu continuei. Eu estou pulando algumas coisas, mas tudo bem, não precisa ser tão detalhista.

P/1 – Não faz mal, depois você volta se quiser.

R – É! Daí, aconteceu uma coisa meio louca.

P/1 – Você estava compondo, você tinha se separado, mas continuava nos Titãs ainda?

R – É, eu continuei no Titãs, eu não sai do Titãs. Eu só fui a sair dos Titãs, de fato, em 2001, dez anos depois. O que aconteceu? Minha mãe tinha morrido, o Arnaldo tinha saído dos Titãs, isso no período de dois, três anos, ou seja…

P/1 – O Liminha tinha saído também…

R – A gente tinha parado de trabalhar com o Liminha. Apareceu a Marisa, eu comecei a criar uma identidade, ou ter uma ideia, como se fosse, definir aquilo que eu podia fazer e que não era exclusivamente dos Titãs e eu que sou um sujeito cheio de dicotomias, abri mais uma dentro dos Titãs, fora dos Titãs, e que foi forte e aí começou. Então, profissionalmente, começou a abrir um vetor assim, que foi só se desenvolvendo, porque depois disso eu comecei a compor e a Marisa me trouxe um certo reconhecimento, nem reconhecimento, porque era muito difícil, nesse momento, por exemplo, os Titãs estavam gravando sem identificar os autores, era assinado como Titãs. Então, não havia possibilidade de reconhecimento, de autoria autoral lá dentro. A Marisa, por um contraste, não era só o meu nome, mas o meu nome fora do Titãs, então, apareceu uma coisa e outras músicas que eu fiz, ali dentro tem a música que o Ed Motta canta “Ainda lembro o que passou…” [cantando], essa música é quase toda da Marisa, meu nome está lá quase por essas coisas loucas, porque uma parceria não é exatamente 50%, não é equivalente a contribuição. A música era quase toda da Marisa, a Marisa tinha uma música e ela não sabia como terminar, e mais do que isso, ela falava: “Mas eu não gosto disso, tem uma parte em inglês, apaga a luz e liga o som” “I will wait for you”, qualquer coisa assim, não, isso é de outra música. Então, essa música fez um sucesso, então começou a pintar. Aí, já foi, nesse período que eu estou um pouco misturando, mas tudo bem, porque é mais ou menos uma coisa só, o único fato que tem curioso é que eu também me separei da Vânia para ficar com a Marisa, fiquei um ano e meio com a Marisa, voltei para Vânia. Não deu certo com a Marisa, a Marisa morava no Rio, eu morava em São Paulo, foi um período bem louco. Além de ser a primeira vez que eu me separava, foi a primeira vez que eu fui morar num apartamento. É engraçado isso, porque o apartamento era no Morumbi, aconteceu tanta coisa engraçada, eu sou são-paulino, eu gosto muito de futebol, e daí, esse apartamento era no Morumbi eu morava perto do estádio. E o São Paulo estava muito bem, vice-campeão mundial, nossa! Você é são-paulino?

P/2 – Sou.

R – Eh! Ganhamos!!!

P/1 – Eu tenho um filho que é da Dragões da Real, veja só. (risos)

R – Puta, daí é hard core, hein! E eu fui, eu ia muito ao estádio, São Paulo na época do Telê, daí tinha uma coisa bacana, eu conheci os jogadores. Uma vez, a gente fez um show, no início da primeira Libertadores que o São Paulo conquistou, o São Paulo vinha de cinco derrotas seguidas, na época do Telê Santana, estava em baixa e a gente convidou os jogadores e foram no show: o Raí, o Zetti, o Ronaldo, o Nelsinho e mais alguém, eu não sei se foi o Antônio Carlos, acho pouco provável, ou o Bernardo, também já não sei se é da mesma época. E terminou o show, eles foram para o camarim, daí a gente estava meio alto, nunca tinha visto um jogador de perto, ainda mais os são-paulinos, uns caras gigantes: “Oi, tudo bem?” o São Paulo tinha jogado no Chile e o Zetti tinha sido expulso, ia ter esse jogo de volta e o Zetti não ia jogar, ele me convidou para ir no estádio com ele. Daí, fui eu, eu não lembro, a Vânia foi, levei o Theodoro, que era pequeno, só sei que eu fui no jogo de futebol e fui no vestiário, fui com o Theodoro sim, bicho, mais do que isso, fui no vestiário, eu desci, nunca tinha entrado no vestiário, era impressionante, porque estavam os jogadores e tinha aquela tensão, os vestiários é uma tensão, no jogo de Libertadores, São Paulo estava começando a escalar, embora tivesse perdido tudo, o Telê estava implantando um ótimo time. E eu lembro que eles precisavam ganhar, então tinha uma coisa assim, a coisa mais impressionante que eu me lembro eram os jogadores fazendo aquecimento, batendo bola na parede, o estádio era coberto e o som dos cravos [cra, crá, crá, pá], então aquilo era assim! E aí, eu desci, eu estava com o Theo, que era pequeno no meu colo, o Telê adora criança, Telê de camisa vermelha, que ele tinha uma superstição, assim que eu cheguei, o Zetti me levou, eu não era exatamente o Nando Reis, certo? Eu era talvez, Ronaldo conhecia música, gostava e o Zetti e o Raí também, tanto que foram ao show, trouxeram um cara dos Titãs, mas Telê Santana, certamente não. Mas o barato foi que ele veio, ela adorava criança, ele viu o Theo que era uma criança muito bonita no colo, veio me cumprimentar, ele é um homem super educado, beijou, acho que até pegou o Theo no colo, o mais legal, cara, eu fiquei no vestiário, na hora que eles rezaram antes de subir ao campo, foi muito bom, bicho, foi um negócio impressionante! Subiu, São Paulo ganhou, claro, pé quente que eu sou, foi campeão da Libertadores, foi campeão mundial e eu nunca mais deixei de ir ao estádio, 20 anos, estádio eu fui várias vezes, ao vestiário, nem tanto. Eu estou te contando isso, porque daí, isso foi uma coisa legal na minha vida, porque eu fiquei amigo do Zetti e do Ronaldão e do Raí, bastante, ele sempre me convidavam, acabava o jogo, íamos em pizzaria comer pizza e eu estava realizado, porque são-paulino, uns caras legais, conhecendo o mundo do futebol, que eu sempre achei que tivesse afinidade e tem, porque culturalmente, são forças muito incríveis do que é a cultura brasileira, do que a gente faz aqui, e como profissão, tem uma certa relação, são paixões apaixonantes, também uma mistura do entretenimento com a produção, a expressão do que a gente é, mobiliza e eles trabalham no fim de semana para alegria dos outros, então tinha uma coisa que eu achava demais. Então, eu estava ali no mesmo lugar onde eu sonhei também, e foi muito bacana. Pô, eu fui na festa, bicho, eu fui convidado para ir na festa de um Título Brasileiro numa boate que tinha ali, perto da marginal, Limelight?

P/1 – Limelight.

R – O São Paulo tinha ganhado um título brasileiro, só tinha jogador e mulher de jogador e um pouco da equipe técnica, todo mundo bebendo, fazendo uma roda, eu tenho uma foto disso, só jogador, Cafu, Toninho Cerezo, tal, de repente, eles me pegaram eu entrei na roda, me jogaram para cima, assim, como se eu fosse um jogador, “Putz, onde estou?”, eu fiquei radiante, assim! Eu fiquei amigo deles, saia, entendia um pouco, foi bacana, é que tinha esse lado muito legal da minha profissão, sabe, eu fazia o que eu amava, gostava, conheci artistas e claro, jogadores de futebol, estava feliz da vida. Aí, então vamos encurtar. Nesse período, eu me separei da Vânia, fiquei com a Marisa, depois eu voltei para Vânia, daí não deu certo, vi que eu ainda não tinha resolvido a história com a Marisa, me separei de novo da Vânia, fiquei com a Marisa, daí a gente fez o segundo disco dela, o terceiro disco dela, o segundo que eu participei, que foi “Cor de Rosa e Carvão”, que é o disco é uma obra prima, esse disco é ótimo! E eu acho, acho não, sei que eu tenho uma contribuição muito grande e é muito legal, o trabalho ali, a Marisa já estava num outro momento, eu tinha conhecido o Brown na Bahia, que ele foi assistir um show dos Titãs, na Concha, de lá a gente saiu foi para o hotel e eu fiquei encantado com o Brown, descobri o Brown, que não era exatamente essa figura nacional, que foi, é muito mais conhecido na Bahia. Fiquei, falei: “Como assim, ninguém te conhece? Você é um gênio, o que aconteceu? Por que você edita música? Por que você não grava disco?”, o Carlinhos é uma figura indomável, vamos dizer assim, tanto que eu apresentei o Brown a Marisa. A gente foi para Bahia, eu falei muito do Brown para Marisa e fomos para lá, para o Candeal, para conhecer, passamos três dias na Bahia, foi lá quando a gente compôs as únicas três músicas que fizemos nós três: “ECT”, “Seu Zé”…

P/1 – “ECT” é dessa…?

R – É! É desse dia, foram dois dias. Foi muito louco, eu tinha certeza que aquele encontro era importante, tanto é que eles seguiram, porque depois, eu me separei da Marisa e a minha relação com a Marisa ficou bastante abalada pela segunda separação.

P/1 – O que nasceu “ECT” assim, história?

R – A história é o seguinte: a gente estava no quarto, tinha aquela música da Marisa “Lá, lá, lá, lá, lá… Lá, lá, lá, lá, lá… Ela vai voltar e… i’ll will wait for you… Ela vem… sem ela… oh, baby, I wanna be yours tonight” [cantando] a Marisa tinha essa música, que a gente, que ela também tinha esboço, vocalizes, uma parte em inglês e não sabia como completar, a gente começou a mexendo nessa, terminamos a música. Daí, a gente fez “ECT”, eu acho que eu peguei o violão e comecei [cantarolando] e a Marisa começou a cantar alguma coisa e o Carlinhos veio com essa letra: “Estava com cara que carimba postais”, carimba postais? Aí pronto! Aí a gente fez e nessa, dois dias a gente fez essas três músicas, eu acho que a primeira eu esqueci o nome dessa música da Marisa, “Ela vai Voltar?” tem um nome em parênteses também e o “ECT”. No hotel, lá me Ondina, no Othon no quarto que a gente ficou, aí sim, a ideia veio dessa vocalize que tem essa onomatopeia, o Carlinhos deu essa frase e ela desvendou um pouco a história que fizemos os três juntos, ali ficou fácil. Era só uma questão de preencher as lacunas, assim, saca? E no dia seguinte, a gente fez “Seu Zé”, que também é meio uma rumba, não sei, uma coisa meio latina e do “Seu Zé” que a gente tirou o título para o disco da Marisa, que eu sugeri, o “Verde, Anil, Amarelo, Cor de Rosa e Carvão”, esse foi eu que sugeri não só como título, como verso também. Esse disco da Marisa já é um disco muito mais, é um desenvolvimento, do “Mais”, mas já vai, porque a Marisa desde sempre, teve essa coisa de ser uma vocação universal, mundial, internacional e ela ficou amiga do Arto, trouxe o Arto para produzir o disco e ela gravou o “Mais” acho que ela terminou lá também, não me lembro. Eu tinha ido para Nova York encontrar a Marisa, ah, isso na primeira vez, em 91, porque era “Õ Blesq Blom” ainda, depois, a Marisa quando gravou então “Cor de Rosa e Carvão”, ela já tinha uma banda mais assim, forte, o Brown tocou no disco, Susano já não, acho que o Cesinha toca no disco, o Dadi já toca no disco, verdade. Ah não, é o Dadi, mas tem o Arturo Maia, putz grila, ah, isso pouco importa. E eu participei muito do disco, eu dei muita, ah, mas tem sim, a Marisa gravou “Dança da Solidão” e chamou o Gil para cantar e foi a primeira vez que, o Gil sempre foi meu ídolo máximo, ele e o Caetano, mas o Gil mais ainda, porque eu sempre fui louco pelo jeito do Gil tocar violão, essa foi a primeira vez que eu gravei num estúdio, no disco da Marisa, porque no “Mais” eu apenas participei como autor e fiz os desenhos do encarte, a letra. Nesse disco, eu gravei, eu toquei violão e guitarra, e curiosamente no disco tem uma faixa que eu toco com o Gil “Céu”, nunca me imaginei num dia tocando violão com o Gilberto Gil e vi o Gil, cara foi uma das coisas mais impressionantes da vida. O Gil foi na casa da Marisa, a Marisa morava na Urca. Eu não sei, a Marisa sempre teve essa coisa, porque ele foi na casa dela, achava tão engraçado. Daí, eles foram tocar lá… (risos) Sabe? O Gil não iria na minha casa se eu chamasse ele, a Marisa chamou ele, ele foi (risos), eu falei: “Que poder, hein?” (risos) Ele foi na casa dela, daí pegou o violão e começou, e a Marisa pegou, e eu achei tudo aquilo uma loucura, porque eles começaram a fazer “Dança da Solidão” do Paulino da Viola, e o Gil já pegou o violão e já começou com aquelas coisas malucas que ele faz: “blin, blon, blon…”, eu: “Uau”, eu vi nascer aquilo, depois vi ser gravado, lindo, lindo. Aquele disco tem uma música minha “Ao Meu Redor”, que é uma música linda, que depois o Philip Glass e a Laurie Anderson fizeram uma coisa, não ficou muito bom, eu não gosto do arranjo de cordas. Mas a Marisa, quase que descolou da minha realidade (risos) e ao mesmo tempo, aconteceu o seguinte, a Marisa tinha me convidado para tocar. Os Titãs tiraram uma pausa, agora eu estou lembrando de tudo, os Titãs tiraram uma pausa, finalmente, depois de muito tempo, a gente viu que a gente estava exaurido e a gente resolveu parar e nessa parada, eu estava namorando a Marisa ainda, a Marisa ia fazer uma turnê na Europa e no Japão e ela me convidou para fazer parte da banda dela e eu ensaiei, era uma banda bacana, eu tocava violão nessa banda. Só que as coisas não estavam tão boas, eu estava me reaproximando da Vânia e a Vânia engravidou, sacou? E eu não tinha como ir nessa turnê e eu fiquei num dilema, porque eu acharia muito estranho eu ir na turnê e ficar quase três meses fora e a Vânia grávida aqui e não contar para Marisa e ao mesmo tempo, eu achava uma crueldade contar e ela além de separar de mim, dessa forma. E eu cometi um erro na minha vida que foi não ter contado para ela diretamente…

P/1 – Para Marisa?

R – É! Porque eu e a uma outra pessoa envolvida, que eu acho que não precisa ter seu nome revelado, as pessoas falavam: “Nando, você fica e quando a Marisa voltar, você conta: fiquei, me reaproximei da Vânia, a Vânia engravidou” sabe? E eu, ingenuamente, achei que isso seria uma coisa menos dolorosa, porque ele contou para ela e ela ficou com muita raiva de mim de eu não ter contado, e aí, ferrou a minha relação com ela por muitos anos. E foi ruim, porque eu perdi um negócio que eu sonhava naquele momento, fiz uma cagada horrorosa, sabe, do ponto de vista, falar uma coisa que está acontecendo ou não falar, eu menti, sabe? Deu tudo errado nisso e eu fiquei muito mal, mas ao mesmo tempo, fiquei muito mal, quando a Vânia engravidou, eu falei: “Não, mas eu não posso ter esse filho, eu estou namorando com outra mulher”, ela falou: “Meu, desculpa, você não precisa ter esse filho, mas eu quero ter. As coisas mais legais que eu tenho são os meus filhos. Eu não vou tirar, você não precisa assumir, você não precisa” “Não existe isso, Vânia, como assim, não precisa assumir? Fui casado com você, tenho filhos, não consigo, não quero”, enfim, passado toda essa loucura que foi esse período muito ruim, onde minhas fraquezas geraram, sabe, indecisões, criaram uma situação muito embaraçosa, eu não fui para a turnê, eu fiquei no Brasil, a Marisa foi, desse período, estabeleceu-se um bom tempo que a gente ficou abalado, assim, com toda razão, eu dou a ela, embora a Marisa sempre cortês, me recebeu, enfim, mas não é que foi fácil. E a Vânia ficou grávida do Sebastião e eu fiquei no Brasil, duro, Titãs estavam de férias, eu não tinha dinheiro, fui pedir emprego na MTV, eu já tinha conhecido, a Anna Butler, que era diretora artística me conseguiu um trampo, que eu fui trabalhar como produtor, inventou um lugar para eu trabalhar, num trabalho muito interessante que chamava “Gastão redescobre o Brasil”, que eu fui como uma peça, um acessório e me provei fundamental, porque eu sou bom naquilo que de fato era um cargo que tinha sido inserir, eles não tinham mais nada, tinham um outro produtor, que era muito mais um produtor executivo do que eu que poderia ser um produtor musical e que pelo fato de ser dos Titãs, conhecia um monte de gente e também era uma boa isca para trazer, a ideia do programa é uma ideia que juntava aquilo que eu achava que a MTV deveria ser e não era, a MTV era uma reprodutora de videoclipes e eu falava: “É impossível uma televisão de música no Brasil não aprender a amar a música que acontece no Brasil”, e a música que acontece no Brasil é muito maior do que a música que é gravada no Brasil. Então, você tem que gravar e a retransmissão é com videoclipe. E esse programa, a gente ia para nove capitais, o Gastão e ia pegar bandas novas, e aí, fui conhecer um monte de coisa, fiz uma farra louca. Nesse período, então isso me salvou financeiramente, me salvou mentalmente, porque eu me ocupei e eu tinha sim, vontade de fazer, já tinha sido contratado pela Warner para fazer o meu disco solo, o meu primeiro disco solo. Só que eu queria fazer com uma parte da banda que eu tinha imaginado estava com a Marisa. Então, eu esperei eles voltarem, que foi o Cesinha e o Dadi, que estavam em turnê com a Marisa, o Dadi entrou aí, que quem gravou o disco foi o Arturo Maia, é verdade. Conheci o Luiz Brasil na banda que a Marisa montou, mas o Luiz não foi viajar também e o Suzano que eu já havia conhecido, reuni esse time. Quando então, a Marisa foi viajar, a Vânia ficou grávida do Sebastião, eu fiz o programa da MTV, que conheci um monte de gente pelo Brasil e terminei o repertório desse disco e comecei a gravar em janeiro, aliás, é comecei a gravar em janeiro. Daí, deu um outro problema. Esse foi o ano dos problemas, porque por eu ter ficado com a Marisa e ter imaginado que eu ia viajar, eu atrasei para gravar o meu disco. Então, quando, e o Charles tinha ido para Londres morar para fazer um curso, a gente tinha uma data de volta, provavelmente era março. O que aconteceu? Eu gravei o meu disco em janeiro, meu disco saiu em março. Quando eu fui lançar o meu disco, a banda queria voltar a ensaiar e eu falei: “Não, eu não posso. Eu acabei de lançar o disco, preciso divulgar o disco”. Aí teve a famosa frase que gerou, me custou caro (risos), o Charles falou: “Mas a banda está pronta”, eu falei: “Se eu não estou pronto, a banda não está pronta”, o que foi interpretado pelo Charles como uma insolência da minha parte. Eu falei: “Não, a banda é todo mundo. Eu não quis me colocar acima da banda, eu quis dizer que a banda” e pedi, só que infeliz mais ficou essas impressões. Daí, começou o meu calvário (risos), o meu segundo calvário que foi além do que a minha música fez sucesso, eu vinha de um sucesso nacional, que era “Onde Você Mora”, foi um estouro! Quando eu estava viajando, e eu pude ver isso quando eu estava viajando com a MTV, o Gastão, a gente viajou de Norte a Sul, 45 dias por nove cidades, que diversão, nossa senhora, tem cenas históricas! A gente estava no Recife, era uma equipe meio enxuta assim, eu era meio um faz tudo e eu fiquei amigo, eu sempre acabo ficando amigo de todo mundo e tinha o Atrie, que era o cinegrafista chileno, e Quintino que era um outro cinegrafista

e tinha um negócio que era um show lá no cais, acho que o Chico Science estava vivo ainda, ele estava lá nessa noite, estava vivo! Quando ele morreu? É faz uma cara! Daí, essa foi engraçada, a gente estava lá no cais, era uma zona do cais e tinha algum lugar que era um antigo puteiro, onde os marinheiros se encontravam e tinha show de rock e a gente resolveu fazer um show e chamou uma banda chamada Eddie, só que tinha uma coisa muito louca, na verdade eles queriam gravar bandas e a gente resolveu promover um show, só que não tinha infra e fomos tocar num lugar que não tinha palco, não tinha divisão entre o palco e a galera e a galera começou e eu me lembro que eu tomei um ácido e estava uma confusão (risos), eu vi que tinha duas câmeras assim para gravar. Eu entrei no meio, comecei a coordenar aquilo e eu lembro que eu falava: “Sem nenhuma interrupção, sem nenhuma interrupção”, viajando de ácido, eu devo ter ficado uns cinco minutos falando esse negócio, que pode ter soado duas horas e falando meio chileno: “Sem nenhuma interrupção, sem nenhuma interrupção” [sotaque espanhol], por causa do Atrie… “o que esse louco está fazendo?” (risos) e eu não saia do palco, acho que eu consegui controlar as coisas, vai dar pt, foi um negócio sensacional (risos) e depois: “O que aconteceu?” “Alguém precisava tomar uma providência”. Foi engraçado, várias coisas dessa ordem, assim, foi divertido. Lá eu conheci o Roberto Mendes que foi uma figura importantíssima. Roberto Mendes é um violinista, um louco, um grande compositor, a Maria Betânia gravou muitas músicas dele. E eu estou dizendo tudo isso, porque ali eu me juntei um monte de coisas que estavam, era o que estavam latente, em latência assim, eu queria colocar um pouco do que a Marisa estava fazendo, foi o que eu fiz no meu disco. O meu disco é muito correspondente, de certa maneira, musicalmente, ele está mais próximo do disco da Marisa do que do disco dos Titãs, sabe assim? Porque quando a gente voltou, ah, o que ia te contar, agora sim, eu fiz essa viagem, nesse momento, o “Onde Você Mora” estava estouradasso, estouradasso, foi uma música que eu nunca tinha visto um estouro desse, que era uma música que agradava jovens velhos, crianças , entendeu? E depois, a Warner lançou “Me diga” que fez um sucesso expressivo, significativo, que é a música do meu disco solo, o que deixou os Titãs muito enciumados, então assim, o clima para o “Domingo” que era o disco seguinte foi ruim já. Voltou numa posição, o Charles ficou chateado, porque se ele soubesse e com razão, se ele soubesse que a gente ia atrasar, porque eu forcei a barra, ele teria ficado mais tempo em Londres e Londres não era assim: encerrou o curso, volta e volto para Londres, vou continuar, sabe? Mas não foi sacanagem, foi uma contingência. E eu acho que com inabilidade da minha parte de novo. Então, assim, daí pessoalmente, a minha vida começou a mudar. Eu entrei para uma segunda fase, eu voltei, fiquei casado com a Vânia, eu voltei a me casar com a Vânia e eu tive um outro filho, o Sebastião, que nasceu em maio. E os Titãs entraram numa rota que daí, foi eu acho que de certa maneira, todo mundo um pouco traumatizado, ou escaldado, gato escaldado, pelo o que tinha sido o impacto de fazer um disco tão pesado, para você ter uma ideia, o “Titanomaquia” era um disco ficou tão pesado e tão [cantando pesadamente] coisa chata. Eu não gosto do disco, a minha filha adora o disco, eu não sei, mas no show, eu sempre gostei de tocar com os Titãs, eu sempre gostei da farra com os Titãs, sempre gostei de fazer os shows, porque é um monte de coisa, eu gostava de tocar baixo. Mas o show, bicho, só tinha homem de camiseta preta. Eu me lembro de um show que a gente foi, antes da gente entrar no palco, jogaram um coelho morto no palco, no meu pé, eu falei: “Será que é isso que eu necessito?”, a gente foi fazer um show, outra coisa barbaridade, para você ver que eu não estava, não é tão sem noção a minha crítica, porque eu achei que a gente forçou a barra, a gente ficou um pouco artificial, um pouco falso naquela proposta, porque não era a gente, por mais que a gente desejasse, ou pelo menos, a gente tivesse alcançado e aquilo que eu achava…

P/1 – Perdeu a identidade.

R – É, não dá sabe, e o que eu queria era que tivesse um pouco de todos, que se legitimaria mais. Então, eu não estava lutando por uma questão de vaidade, eu estava lutando por uma questão de legitimidade. E algumas cenas apontaram isso para mim, a gente foi, por exemplo, abrir show do Sepultura na Argentina. Sepultura era o Max, estourado, banda pesada, a gente abriu show dos Titãs, tocava “Sonífera Ilha”, não vamos esquecer disso, por mais que a gente quisesse tocar, a gente abriu, primeiro a gente foi vaiado e os caras, eu não sei se é uma saudação entre os heavy metal, os hard core, sei lá o nome desse som, ou era uma ofensa, eles escarravam e [som de cuspe]. No show seguinte, eram dois shows, o Max entrou e falou: “Hermanos, por favor, no escarale nos amiches”,

nunca fui um negócio nojento! A gente estava no lugar errado, sabe, com o público errado, tudo bem, várias vezes a gente esteve em lugares errados, não foi a primeira, mas essa, por uma razão que eu achava errada. E aí, a gente voltou, por conta disso, foi fazer um disco que é o “Domingo”, que é um disco mais pop, primeiro disco que tem o violão, volta um pouco de canção de amor e eu comecei a ter um pouco mais de espaço de novo. E esse disco desaguou naquilo que veio a ser o nosso “Acústico”, já em 97. Só que nesse período então, da Marisa, do meu disco solo, eu comecei, o meu espaço também como identidade como músico individual começou a ter mais elementos, ter mais corpo e tem aí sim um fato muito importante: eu conheci Samuel Rosa num Rockgol da MTV, porque depois, enquanto “Onde Você Mora” logo depois de “Onde Você Mora” começou a cair, a música do Skank: “Te ver, te ver e não te querer…” [cantando] estourou e eu achava que elas tinham uma relação. E eu fiquei feliz de ver uma coisa e achei, e vi semelhanças e eu lembro que eu encontrei os caras do Skank no jogo, fui falar com o Samuel: “E pô, que legal!”, eu ainda tirei uma onda da cara dele, assim (risos) e ficamos amigos, e eu naquele afã de querer fazer música, fazer música, fazer música e fiz. Isso caracterizou um pouco a minha relação com o Samuel, no último minuto, o disco dele estava fechando: “E a letra?”, eu mandei a letra, que veio a ser a música “Partida de Futebol”, mandei por fax para ele e retornou aquela pérola e a música estourou. Então, estourou! E posso dizer que um outro estouro meu não deixou os Titãs muito felizes (risos), porque normal, você tem ciúmes dos outros, tínhamos ciúmes do Arnaldo, e agora. E daí, começou assim, então os Titãs foi fazer, a gente foi se reunir para fazer o disco “Domingo”, foi legal, a gente trouxe “Jack”, era um clima, mas tinha um desconforto meu, tinha uma coisa que eu não entendia, eu tentava e provavelmente, toda incongruência se dá por ambas as partes, alguma coisa não colava, sabe, assim, já estava descolada, que só veio a cicatrizar essa pequena ferida do meu disco, da desavença com o Charles e muito mais da minha quase queixa pelo o que aconteceu, a forma como eu fui tratado no “Titanomaquia”, no “Acústico”. Só que até chegar no “Acústico”, “Acústico” é de 97, depois teve, é isso mesmo! O “Partida de Futebol” deve ser de 96 e o “Acústico” é de 97. Aí, aconteceu uma outra coisa, o “Acústico” é um fenômeno! O importante do “Acústico”, que junta também a minha vida profissional com a vida pessoal é que foi o nosso reencontro com o Liminha, no qual eu fui o articulador, porque eu sempre acreditei que a relação Titãs Liminha era boa, dava bons resultados e era preciso um pouco de diplomacia e um pouco de jogo de cintura e um pouco deixar de ter uma queda de braços e era onde eu achava que eu podia funcionar, porque o meu diálogo com o Liminha tinha ficado muito facilitado, pois o Liminha produziu “O Erê”, o disco do Cidade Negra, que foram muito idiotas comigo. E o Liminha intercedeu em minha defesa, porque a banda, o Cidade Negra tinha acabado de trocar de vocalista, era o primeiro disco com o Toni Garrido e eu levei a música “Onde Você Mora”, que curiosamente, é o inverso daquela música da Marisa, é muito mais minha do que da Marisa, porque são trechos de músicas que eu tinha feito separadas, mas a Marisa teve a genialidade de juntar e arrematar as músicas. Então, nesse sentido, ela assim, meio que se equilibram e assim são as parcerias, uma frase pode resolver a música e merecer. E nesse ponto, eu levei essa música, foi um puta sucesso, só que eu era branco e os caras achavam que branco era inimigo, sabe, uma coisa bem idiota. E eu lembro que eu toquei a música para eles “Onde Você Mora” num violãozinho, estavam todos da banda e o Liminha, e a filha do Liminha, a Alice, eu e o Liminha fez assim, olhando para mim, falei: “Opa, obrigado, vocês que pediram a música, eu tenho essa para entregar” e fui embora. O Liminha me ligou depois e falou: “Muito bom hit”, falei: “Mas como assim? Os caras odiaram, nem olharam na minha cara” “Não, vamos gravar”, gravaram e foi o hit que foi. E depois, o Liminha produziu um outro disco, que deu mais confusão ainda, porque aí, eles estavam estourados, tinham estourado não só com “Onde Você Mora”, com outras músicas e “Onde Você Mora” é a minha canção, mas o mérito era deles, então tinha uma coisa louca e daí, a gravadora queria a minha música, o Liminha queria a minha música, mas a própria banda tinha uma indisposição, tanto que eu entreguei, eu fiz uma versão no outro disco seguinte “Sobre Todas as Forças”, eu fiz, eu dei “Luz dos Olhos” para eles, que veio estourar com a Cássia, música excelente que eles gravaram mal e porcamente, de má vontade, como se estivessem obrigados, mudaram um verso e suprimiram uma parte, o que eu fiquei chateado, falei: “Ninguém grava uma música inédita sem fazer isso sem pedir autorização para o autor”. Eu fui ouvir a música alterada e mutilada quando eu comprei o disco, eu fiquei uma arara, e isso também meio que ferrou a minha relação com eles. E o Liminha estava ali, sabendo que eu era um compositor legal, bastante, eu sabendo que o Liminha estava produzindo coisas, os Titãs querendo fazer o “Acústico”, eu falei: ‘Gente, vamos fazer as pazes e voltar?” E essa volta foi ótima, porque o disco “Acústico” foi um momento mágico, importantíssimo para toda banda, tudo, deu tudo certo e é engraçado, porque hoje, todo mundo pensa que “Acústico” Titãs é tudo a ver, nada, era um risco. Primeiro, não tinha essa coisa de convidados, a gente que inventou isso, não era uma imposição da MTV, nem uma característica do programa, característica do programa era pegar músicas do seu repertório e gravar em versão acústica. A gente, cheio de ideias, veio e fez daquele jeito e quase que virou uma fórmula, tudo bem, é natural isso. Mas havia um grande risco, porque as músicas que a gente fez, as nossas músicas, era muito difícil, pelo menos para mim, regravar clássicos, uma banda que estava tão, eu lembro bem, as pessoas: “Mas vocês acústicos? Vocês são uma banda de rock pesado”, “Titanomaquia”, não que a gente fosse uma banda pesada, mas não era uma transposição muito fácil, sabe? E havia riscos de fazer uma coisa ruim, o “Acústico” podia ser um disco pobre, porque além do que, todas as músicas, como a gente sempre fez a música não está dissociada do arranjo, então, “Polícia” E aí, o Liminha foi muito bom, porque o Liminha tinha produzido aqueles discos, o Liminha é um grande produtor e gente se dava bem com ele, então foi um carnaval, uma delícia fazer o disco, toda turnê. E daí, os Titãs entraram num segundo pico de muito sucesso, que foi o maior sucesso, esse disco vendeu quase dois milhões de cópias, vendeu mais do que o “Acústico” do Roberto Carlos, claro porque o mercado na época do Roberto Carlos já devia estar caído, mas a gente fez muito show, ganhou dinheiro e eu pude comprar a minha casa. Estava casado com Vânia, Sebastião tinha nascido, e eu estava bem, feliz da vida, trabalhando e fazendo tudo o que eu queria e de fato, as coisas foram indo muito bem. A gente gravou esses discos e foi uma sequência de discos loucos, o “Acústico”, que foi muito, propiciou uma turnê monstruosa e a gente quis dar sequência a isso e fizemos o “Volume Dois’, que não é acústico o “Volume Dois”. O “Volume Dois” tem uma certa ironia ali e uma certa malandragem nossa (risos) dar uma continuidade, mas o “Volume Dois” é um disco híbrido, entre regravações e inéditas. Têm inéditas minhas, daí eu já, porque no próprio “Acústico” dá para você ver como as fricções internas não havia sido cicatrizadas, a princípio era para ter uma música inédita e cada um dos crooners poderia cantar uma e a gente ia fazer uma escolha, apresentar uma música para cantar e ia fazer uma escolha. O que aconteceu? Na votação, ganhou “Os cegos do Castelo” que seria a única música inédita, mas o Britto e o Branco ficaram revoltados, porque já havia um ciúme muito grande em cima de mim e fizeram uma manobra (risos) e derrubaram, convenceram o Liminha que deveria ter quatro músicas inéditas, o que não foi ruim. Eu estou contando isso só porque, primeiro que agora já é piada, mas na época, eu me dei conta, eu falei: “Esse cara quer treta comigo” várias coisas aconteceram que era como se eu tivesse que pagar pelo sucesso que eu estava fazendo fora dos Titãs, sabe, porque depois emendou com “Resposta”, que foi um golpe, um golpe! Terrível. Eu me lembro da gente gravando, acho que já o “Volume Dois”, e “Resposta” foi uma coisa incrível. O Samuel mandou lá a fita cassete com a melodia e eu como sempre, demorando, demorando, eles já estavam terminando o disco, até que um dia, eu cheguei no estúdio, a gente estava gravando “Volume Dois”, de noite, eu ouvi a música, comecei a fazer a uma da manhã, às cinco da manhã estava pronta. E a música, a “Resposta” é uma música que eu fiz para Marisa, se você ver tem: “Bem mais que o tempo que nós perdemos, ficou trás também o que nos juntou. Ainda lembro” que é a música: “Ainda lembro o que se passou” [cantando]. “O que eu estava lendo pra você saber o que achou dos versos que eu fiz e ainda espero resposta”, os versos que eu fiz é aquele tal caderno que eu juntei todas as coisas quando o Marcelo falou e eu mostrei para ela e eu tinha mandado uma fita para ela e ela não mandou resposta, evidentemente (risos). Então, eu escrevi a música e eu me lembro bem que chegou de manhã, a gente estava em estúdio no “Volume Dois”, para você ter uma ideia como demorou esse disco, eu mandei a fita, chegou de manhã, eles entraram em estúdio e gravaram a música no mesmo dia e foi o sucesso que foi. A música ficou linda, é uma música, como todas as músicas, é minha e do Samuel, mas eu dei uma arrematada bonita, mandei ela prontinha assim, tanto que ela é uma música meio irresistível, virou esse hit e eu me lembro, a gente estava no “Volume Dois”, olha, deu tempo de eu fazer a música, de eles gravarem, sair a música e começar a tocar, porque o “Volume Dois” demorou quatro meses, foi um inferno! Para você ter uma ideia, o Marcelo estava, querido Marcelo Frommer, trabalhava para o SporTV, era ano da Copa do Mundo. O Marcelo tinha um compromisso, a gente entrou em maio para gravar, tinha que parar, tinha que acabar, porque tinha que ir para a Copa do Mundo, a gente não só não acabou o disco, o Marcelo foi para a Copa do Mundo, voltou e o disco não tinha acabado. Foi um disco, foi um caos! Daí, eu me lembro que saiu uma página inteira do “O Globo”, lá no Rio de Janeiro, falando do Skank, falando bem para caralho da “Resposta” e eu lembro do Liminha lendo com desprezo, os Titãs com desprezo. Começou a minha rota de colisão definitiva, porque foi uma sucessão de coisas, onde por mais que tivesse sucesso nosso, eu acho que eu mantive o meu pé fora dos Titãs, embora eu sempre mergulhei de cabeça nas turnês, sempre gostei, sempre amei os Titãs, a nossa relação tinha um pouco renascido, de vigor, sabe? A turnê era legal, a gente estava fazendo muito show, ganhando dinheiro, todo mundo feliz, o sucesso estrondoso deixa qualquer e muito loucos, cheirando pó! E ao mesmo tempo, foi um momento muito criativo para mim e no ano de 97 e 98, eu compus muito. Eu estava muito inspirado. E as coisas estavam todas, sabe, sendo estimulantes assim, o que acontecia com o Skank, eu fui. Daí, de certa maneira, eu queria continuar essa coisa de parcerias, eu devo ter feito nesse período, uma música, devo não, fiz músicas com o Frejat, que entraram no “Puro Êxtase”, duas músicas bem obscuras, bem loucas, estava ali, atrás do pano, mais ou menos isso, vamos encurtar a história então. Até que surgiu no mesmo ano, ah, agora tem um capítulo importante: a Cássia. Aí, pintou a Cássia.

P/1 – É tão engraçado (risos) quando eu vou perguntar, ele já fala. Você conhece tão bem essa história…

R – É verdade. Aí, surgiu a Cássia, claro! Então, o disco “Volume Dois” foi esse encontro maluco da gente, porque o “Acústico” foi um disco que a gente gravou ao vivo e o disco “Volume Dois” é um disco de estúdio e um disco de estúdio, na minha cabeça, rememoraria os três melhores momentos da minha vida, que eram, mais do que o “Cabeça”, foi o “Jesus” e o “Õ Blesq Blom”. O “Õ Blesq Blom” já foi meio louco, o Liminha já estava meio louco (risos), então o “Volume Dois” foi mais parecido com as confusões internas entre a banda e o produtor do que o “Jesus” que foi um disco redentor, não foi um trocadilho. Estava tão custoso, eu sabia que disco em estúdio dá trabalho e eu fui para o Rio de Janeiro, no dia que eu cheguei no Rio de Janeiro, os primeiros dias é mais tiração de bateria, e o Liminha demora para caramba e eu já tinha um caderninho com músicas vindas da turnê, um caderninho vermelho, cheio de músicas e o meu disco “12 de Janeiro” que foi um disco que por acaso, de um lado deu um hit, não aconteceu nada com ele, porque eu não pude divulgar, porque a gravadora não queria divulgar, porque os Titãs eram fortes, havia de certa maneira, um problema ali, não pode dar um gás para um artista dentro, já saiu um, certo? Hoje eu percebo isso.

E a minha turnê foi frustrada, fiz oito shows e eu imaginava que eu tinha já condições de fazer um pouco mais, não aconteceu nada. E ao mesmo tempo, eu montei uma banda, que era o Fernando Nunes, a Lan Lan e o Renato Massa, que é a banda, porque a banda que eu gravei o meu disco era a banda da Marisa, praticamente, músicos que eu não tinha condição de sustentar, porque eu não tinha dinheiro e precisava de agenda e eu não tinha agenda, não tinha agenda, não tinha nada, não tinha nem tinha banda. Quando eu cheguei no Rio, eu falei: “Vou chamar, ligar para o Fernando, o Massa”, que era o batera, tinha uma casa em Santa Tereza, que era uma casa linda, parecia um castelo, a gente chamava de “castelo” e que tinha um estúdio e eu liguei e falei: “Não, estou chegando ai, vamos tocar hoje a noite?” “Vamos, eh”, o Fernando é aquele boa praça, e foi me pegar no hotel e falou: “Vamos pegar a Lan Lan lá em Laranjeiras e a gente vai para Santa Tereza”. Ai, a gente pegou a Lan Lan, entrou quem? Cássia Eller no carro. Cássia já tinha gravado músicas minhas. Cássia tinha gravado “ECT”…

P/1 – Você já conhecia ela?

R – Eu conheci a Cássia assim: a Vange me falou dela no disco e a Marisa foi muito incentivadora, Vange Leonel, cantora e minha prima querida, de quem eu produzi o disco, uma parte importante, delicioso, em 91, junto com o Charles. Poxa vida! Mas tudo bem, isso não é história da minha carreira. Daí, a Marisa falou: “Meu, você compõe, você precisa mostrar para essa cantora”, e conheci a Cássia na casa da Marisa, provavelmente em 93, Cássia chegou lá, sentou, falou: “Oi” e “Tchau”, eu cantei para ela uma fita, gravei uma fita com essas músicas, com algumas músicas, provavelmente que eu usei no meu disco, no “12 de Janeiro” e ela gravou “ECT”. Eu queria ter chamado a Cássia para gravar “Fiz o que Pude”, que é uma música que a Cássia gostava, tocava no show, junto comigo, fazer um dueto. Olha como são burros, a Warner ou a Universal não quiseram, porque a Cássia estava lançando um disco e iam concorrer, não deixaram! Não deixaram! Mas não fiquei amigo da Cássia. A Cássia era uma pessoa tímida, eu também sou, sabe, socialmente não é fácil, assim, depois eu vim entender que a gente é muito parecido em muitas coisas. E a Cássia depois gravou “Nenhum Roberto”, que é uma música que eu fiz para ela, nos violões, uma música que eu fiz que fala da Marisa também: “O mesmo erro não se repetirá, você verá” [cantando], mal sabia que o erro iria se repetir pior ainda, eu estava falando da minha separação da Marisa, a primeira, cala-te boca. “O mesmo erro não se repetirá, você verá” ahã (risos), nem eu tinha me dado conta que eu repeti pior. Aí meu Deus! E eu ia no camarim, fui ver o show dos violões e a Cássia era aquela coisa, mas aí ela era amiga da Lan Lan, estava meio apaixonada pela Lan, amiga do Fernando que tocava na banda dela, foi com a gente nesse ensaio. E essa historia é genial, a Cássia entrou daquele jeito, aquele cabelo azul e a gente foi para o castelo, e daí, é assim, eu tinha um gravadorzinho Sony, de microfone estéreo muito bom e eu gravava tudo, tudo em fita cassete. Daí, levei, botei o microfonezinho no meio, a gente armou, ficamos tocando, tocando, tocando e um monte de música nova, sabe, assim? Aí, eu peguei a fita como sempre, levei para o hotel, fui ouvir, eu não dormia, insônia, eu fiquei ouvindo: “Que catso, velho! Tem um outro violão nessa fita, não é possível!”, só tinha eu tocando violão. Daí, eu me dei conta que era a Cássia tocando violão e gravou, o microfone captou o som do violão dela. Daí, a gente começou a fazer esses encontros, porque o “Nas Nuvens” não andava, eu toda brecha que dava, eu ia para lá gravar. E a gente fez esses ensaios, alguns eu não me lembro quantos, não deve ter sido muitos, uns dois, três. Mas foi lá que eu comecei a ficar amigo da Cássia, nesses ensaios na casa do Massa e a gente começou a se encantar, descobrir um ao outro e ela viu o meu caderninho, começou: “Que música é essa?” “Que música é essa?” E daí, eu fui fazendo músicas, inclusive, uma música para ela que nunca gravamos. Foi aí que surgiu o convite da Cássia, que foi ideia do Fernando Nunes, de me chamar para produzir o disco dela. Cássia, nessa época, estava sendo empresariada pelo Leonardo Neto, que era o empresário da Marisa, a pessoa, “Opa, será que eu vou passar? Meu nome vai passar?” enfim, o Leo, de certa maneira, é um homem inteligente e tinha um certo medo, porque eu e a Cássia era famosamente uma dupla de loucos.

P/1 – (risos) Fogo e gasolina.

R – (risos) Fogo e… fogo e gasolina azul, ela. Eu, fogo laranja. Então, a coisa (risos) era de fato, inflamável! Cássia com aquela cabeleira azul! Deu certo, pegou bem, a combustão foi boa. A gente, com certas recomendações, eu diria e uma certa cautela e um certo medo, todo mundo tinha medo, eu não tinha produzido, eu tinha produzido o disco da Vange, que é muito bom, tinha gerado um hit que é o “Noite Preta” para novela Vamp. Eu tinha o meu disco que eu era coprodutor, tinha produzido um hit, não é que as minhas credenciais fossem desprezíveis, não sou produtor creditado, mas a minha participação no disco da Marisa é muito relevante, musicalmente, minha história com os Titãs, enfim, toparam que eu produzisse o disco. Acho que deviam, o Leo achava que a gente devia meio que tomar cuidado, sabe, ficar em cima, besteira, porque eu sempre trabalhei com prazo, com orçamento, eu sou bom nisso. Além do que, o trabalho com a Cássia, de certa maneira, ele pôde me redimir um pouco da minha dor de ter interrompido a minha relação com a Marisa, sabe, ambas, profissional e pessoal daquela maneira desastrosa. Mas o pior de tudo foi ter ficado sem poder trabalhar com a Marisa, por questões óbvias, agora. Porque eu não sei se eu falei aqui, eu sou louco, por conta da minha admiração pelo Caetano, pela Gal, pelo Gil e pelo o que eu imaginava ser a posição do Caetano e do Gil em relação a Gal, principalmente, naqueles dois discos do “Cantar” e o “Índia” são, acho que um é direção do Gil e outro é direção do Caetano, eu sempre gostei, eu sempre busquei esse lugar que é um pouco vislumbrei e de certa maneira, tive no “Cor de Rosa e Carvão”, que estava ali, ser um compositor, dar palpite, participar da construção da sonoridade, no “Cor de Rosa e Carvão”, de fato, a sonoridade tem muito a ver com as minhas ideia, tem. E eu gostei desse lugar, sempre sonhei em ser o que o Caetano era para Gal.

P/1 – Você tinha esse desejo?

R – Sempre tive, forte! Mas, forte! Sempre mesmo. De certa maneira, fiz isso com a Vange, também, embora eu não fosse compositor, foi delicioso o meu trabalho de produtor junto com o Charles, lá, adoro, adoro! É uma delícia, uma analogia assim, um sol e uma estrela, ou um satélite que brilha, a lua, são as cantoras, puta que pariu, as vozes de Cássia Eller e Marisa Monte, nossa! Eu posso dizer que eu trabalhei feliz, fiz dois discos dos quais eu me orgulho: “Cor de Rosa e Carvão” e “Com Você Meu Mundo Ficaria Completo” são obras-primas e eu participei, no lugar que eu amo, dei os títulos para os dois, são títulos longos e não por acaso, tem nomes entre parênteses, são na minha cabeça, é um díptico quase, sabe? E o trabalho com a Cássia foi delicioso, porque a gente teve uma preparação, que não sabia que seria uma preparação, que foi o nosso conhecimento, a nossa troca. A Cássia ficou tão encantada comigo, que ela queria gravar um disco só com músicas minhas, eu vetei, que eu falei: “Não é isso que você precisa. Pelo contrário, você acabou de gravar um disco só com o Cazuza, você precisa mostrar”, que eu fui conhecendo a Cássia e eu fiquei chocado, a Cássia era muito mais do que a Cássia Eller dos discos, que era uma coisa, uma faceta dela e um pouco me irritava, achava meio pobre, quase caricatural a cantora sapatona que põe a mão no saco e cospe e canta Cazuza e faz cara de mau. E não era ela, ela era muito mais, ela mesmo, conhecia muito música, tinha um gosto amplo e eu, quando ela veio me chamou para produzir, e também pelo disco da Marisa, pelo espectro, pela experiência que eu tinha tido, pela minha visão, eu queria e achava que a Cássia tinha que mostras todas as suas cores do arco-íris, saca? E fui e falei: “Você não vai gravar um disco só de músicas minhas, está louca? Acabou de fazer isso ai”. “O que é que você gosta?” Ela foi mostrando e a gente escolheu o repertório junto, a gente pensou, a gente montou, tudo junto, embora o disco tenha sido produzido por mim, é assim que se trabalha. A Cássia não é uma artista que não sabe o que quer, pelo contrário, ela sabia muito o que queria e a gente tinha uma afinidade incrível, porque eu sacava ela e eu apaixonado por ela, pelo trabalho, fiz um trabalho muito bom, mas posso dizer do nosso trabalho, eu e ela, e é assim que eu vejo um trabalho, o lugar do produtor, eu acho que o produtor, de certa maneira, é o interprete do artista, é a alma, o desejo do artista. Há todas as formas de produzir um disco, não é uma coisa, sabe, assim, mas a minha é essa, fazer com que eu tenho que ser invisível, que nem a questão do sol, eu estou aqui, ela que aparece e eu tenho que fazer com que ela apareça com toda intensidade e em todas as fases, como a lua, tudo! E o disco foi maravilhoso, o trabalho foi muito bom. Obviamente, todo mundo não acreditava como a gente funcionava, o Sabóia que era o técnico, no dia que eu entrei, o Sabóia ficou um grande amigo meu, havia muita desconfiança a respeito do que poderia ser esse disco, porque nós famosamente éramos doidões. E o Sabóia fumava, fumava, e eu, eu tenho o meu jeito, que é às vezes, não é ortodoxo, primeiro eu não sou um produtor que entenda de console, de mesa, nada disso. Eu gosto de fazer isso, é ajudar no repertório, na formatação da canção, na sonoridade da banda e na montagem do disco, isso eu gosto. Se é mais agudo, mais alto, tem um técnico para fazer isso e com ele, eu peço as coisas e a gente se entende e com a banda também, foi assim que a gente fez o disco, mas o Sabóia, no primeiro disco, ele fumava 50, ele fumou um maço só na primeira vez, enquanto eu dava algumas ideias “Isso aqui não vai acabar nunca” (risos). Teve um dia que eu tive uma coisa que de fato, a Lan Lan tinha umas tinas que eram de madeira, e que se afinava com água. Daí nesse dia, eu dei uma girada, eu lembro que eu fiquei umas duas horas afinando aquilo, foram dois maços de cigarro do Sabóia, chegou uma hora, eu falei: “Acho que não vai dar” (risos). Não, eu não era um cara, eu nunca experimentei assim, de certa maneira, e era muito fácil e eu a Cássia e assim, eu dava ideias e quando a Cássia falava: “Não”, a Cássia era de poucas palavras e quando ela dizia não. E a coisa mais legal, bicho, foi que eu conhecia, sabia o que a Cássia, assim, não é que eu tinha um cálculo, foi descobrindo, foi fazendo juntos e o mais legal é que a Cássia, eu pude perceber, que ela nunca tinha sido entendida dessa maneira, nunca tinha conseguido levar para o estúdio este conforto que é tão importante para ela, de ter os músicos, tem um diálogo com o produtor, ser, poder ser, por isso que esse disco é tão bom, porque é ela em última análise, não eu. O meu trabalho, o meu eu é não estar. E os outros discos provavelmente não foram e ela em situação de intimidação, reage de maneiras, digamos, diferentes, mas na maioria delas é de se ausentar ou até mesmo ter que fazer coisas que não gosta e pela primeira vez, ela estava não precisando fazer coisa que não gosta e uma delas foi não cantar. Teve um dia que a gente tinha marcado, equivocadamente, para gravar a voz, provavelmente no amanhecer dela, onze da manhã, ela não chegava, onze, onze e meia, meio-dia, uma “Estou indo” [imitando a voz dela] daí, ela chegou na porta do estúdio, falei: “Vamos lá, vamos lá” [imitando a voz dela], falei: “Vai para casa descansar’ “Não, eu tenho que gravar” [imitando a voz dela] “Você não tem que gravar. O disco é seu. Eu sou o produtor, vai para casa” e ela me olhou assim, sabe, eu falei: “Bicho, calma o disco é seu”. Teve várias situações, no primeiro dia a gente deu uma pirada forte, legal, um brainstorming para quem ia gravar um disco, para você ter ideia, o disso ia ter quantas facetas? Eu tenho isso anotado no caderno, cada face, a gente foi viajando, quem ia gravar, os músicos, para você ter uma ideia, numa delas tinha o George Harrison. (risos) Eu acho o máximo! O desejo não tem limites (risos) Eu acho isso, de fato quando a gente colocou isso no papel, acho que a Universal falou: “Esse Nando Reis, eihn?” daí, obviamente, a gente não chegou no George, a gente ligou estava ocupado, ele estava gravando (risos). Fizemos uma banda da galáxia, não é de estrelas, não tinha tantas estrelas, mas tudo assim, era um pouco isso: “Cássia, o que é que você é? O que é que você gosta? O que é que você quer? Vamos viajar, vamos viajar” E aí, a gente chegou, mas só que tinha uma coisa que era uma banda, a Cássia queria gravar só com a banda dela e eu achava que isso era um pouco de uma tolice e ao mesmo tempo, uma insegurança não necessária, ela precisava, e cabia a mim quebrar isso e mostrar e ao mesmo tempo, eu tinha as minhas inseguranças, porque eu não conhecia alguns músicos da banda dela, eu tinha medo de que isso levasse o disco lá para o lado, sabe, que já tinha sido, no disco do Cazuza. Então, houve uma composição de um time maior, dois bateristas, dois tecladistas e tudo mais e eu lembro que no primeiro ensaio, a Cássia chegou também, ela tinha vindo meio virada, de mau humor e estava insegura e a gente chegou para ensaiar no “Estúdio Verde” e ela chegou atrasada, tudo mais, estava todo mundo lá, aquele ensaio foi ruim, o primeiro ensaio foi ruim. Ela detestou tudo, de mau humor, saiu de lá chateada! E saiu assim, meio resmungando: “Isso aqui só tem paraquedista”. Eu fui para o hotel, fiquei muito preocupado e foi aí a única música que eu escrevi para a Cássia cantar foi a terceira estrofe da música “Com Você o Meu Mundo Ficaria Completo”: “Não é porque eu não vejo a porta se abrindo que”, agora eu não vou me lembrar de cabeça esse verso, ele fala um pouco sobre isso e eu escrevi não que contasse dessa história especificamente, mas eu escrevi e no dia seguinte, logo de manhã, eu liguei para ela e falei: “Preciso falar com você”. Eu fui na casa dela, estava tendo uma festa até no playground de alguma criança, eu desci, a gente sentou e eu falei: “Bicho, eu vim aqui para te dizer que o disco é seu. Você tem que ficar satisfeita com tudo, não existe. Inclusive se você não está satisfeita comigo, você fala, bicho, você chama um outro produtor, vai nessa, Cássia, o disco é seu, Cássia, sou seu amigo, entendeu?” “Não, não é isso” “Agora, você quer que eu trabalhe?” “Quero, claro” “Então, você tem que me ouvir. Quer saber o que eu acho? Acho isso, acho isso, acho isso. Calma bicho! Não é assim, a gente vai e se não ficar bom, a gente troca. O disco é seu, vai ficar legal, tem que ficar legal para você, mas não se precipite. Calma, confia em mim, vamos lá”. E aí, a gente… foi muito importante, porque, sabe, já começou assim, eu dizendo: “Meu, é seu, cara. Você não está obrigada a forçar nada, eu não estou querendo botar paraquedista e não é justo nem que você chame as pessoas de paraquedistas, você não conhece, você está irritada e insegura. Deixa comigo, é a minha parte do trabalho. Você fala tudo para mim, eu faço, se não tiver, a gente vai”, e foi assim que aconteceu. Daí, mostrei a música para ela, daí ficou tudo lindo, eu amava a Cássia, amava, amava, amava, fiquei apaixonado por ela. A gente quase transou.

P/1 – É mesmo?

R – A gente quase transou! Assim, não que isso fizesse qualquer diferença, mas assim, tinha uma coisa também legal, porque eu não estou nem aí para nada, pelo amor de Deus, amigo, sou eu, amigo! E ela tinha uma coisa, ela era uma pessoa afetiva, engraçada e a gente tinha essa coisa, sabe, a gente ia na casa dela e ficava cheirando e nós dois, e a gente se apaixonou mutualmente, eu sei que ela se apaixonou por mim também. E a música “All Star”, a música “All Star” conta a minha história com ela, porque tem aí esse negócio que também já contei várias vezes essa historia, mas eu adoro essa história. Eu estava vindo da turnê, na turnê do “Acústico”, claro, se o disco dela é de 98, a gente estava em turnê ainda, não já é de fevereiro de 99, estava no “Volume Dois”, o fato é que a gente tinha tocado turnê inteira do “Acústico” de terno e acho que “Volume Dois” eu continuava usando terno e eu tinha um terno muito bacana, todo slim assim e tal, e a Cássia usava um All Star azul de cano baixo, desbotadão, que era a marca dela, eu achava lindo e um dia eu resolvi como eu morava em São Paulo e todos os ensaios eram no Rio, eu sai daqui, porque tinha show, passei em casa e fui para o ensaio de terno preto, com o meu All Star preto de cano alto e quando eu entrei, ela ficou assim, causou o maior espanto, assim, e foi lindo. Daí, eu sempre a interpretei, daí fiz a música um pouco por conta dessa história e toda a metáfora, as imagens, e o legal é o All Star preto de cano alto (risos), tem toda a simbologia, sabe, do amor ali, da nossa historia. E daí, assim, eu mostrei essa música para ela, ah, “A conversa que não terminamos ontem, ficou pra hoje”, que era assim, eu ia de madrugada na casa dela, a gente batia o maior papo, ficava cheirando, eu mostrando música, ela me mostrando música e muitas dessas noites, ficávamos só nos dois, a Eugênia ia dormir, ficava lá, os dois malucões lá em cima. Era uma delícia, era adorável! Eu pude conhecer e tinha essa afinidade que é de certa maneira, eu e a Cássia, a gente tinha uma timidez, uma certa dificuldade em socializar em ambientes que não são exatamente conhecidos por nós e eu sou receoso, eu muitas vezes, não gosto, não gosto dessa coisa de artista, não sei o que lá, sabe, eu gosto da minha turma. E a nossa maneira de reagir a isso causava um certo deslocamento e uma certa, a gente era meio ghost, saca assim? As esquisitices, eu nunca fui um cara, sabe, bonitão, que as pessoas achassem, eu sempre fui uma figura ímpar, assim como a Cássia também e musicalmente também, a gente tinha ali o nosso valor e tal, mas ninguém era, embora eu fosse dos Titãs, tinha uma condição de igualdade de tamanho, de geração e mais do que isso, uma afinidade musical e uma graça, a Cássia era muito engraçada, era uma pessoa engraçada, falante, falante, inteligente, culta até e tocava muito bem violão. Então assim, era uma delícia ficar com ela. Aí o disco foi, é o resultado disso, eu acho o disco fantástico! O disco teve uma grande importância. O “Com Você, Meu Mundo Ficaria Completo” deu a Cássia um grande hit que foi o “Segundo Sol”, acho que deu a ela outros hits, não sei se “Palavras” foi um hit de rádio, “Palavras” é uma música engraçada, que é da Marisa e do Moraes, a Cássia não gostava, não queria gravar essa música e eu tinha que fazer uma diplomacia, até porque não poderia, e tinha que tomar cuidado, porque as minhas relações com a Marisa estavam super estremecidas e o Leo era a pessoa, digamos pivô do assunto, intermediava as questões e era meio louco, tudo ali parecia, porque quem entrou no meu lugar para tocar foi o David, que era filho do Moraes, de certa maneira era a música da Marisa com o pai do David. Então, era muito fácil achar que eu estava querendo cortar a música e não era, a Cássia não gostava da música. E eu estava querendo arrumar aquilo e ainda sobrou para mim, porque acharam que eu tinha feito a cabeça da Cássia, sobrou mesmo. Para você ter uma ideia, a música era música de trabalho e a Cássia não gostava da música, ela estreou show no Canecão e não cantou a música (risos)” “Eu não canto, não gosto da música”. E a Marisa achava que eu que tinha feito, ouvi dizer: “O Nando mexeu na música, a música era em três, ele gravou em quatro, a Cássia não gostava do arranjo”, ok, quem mais? Tá bom, sou eu o errado (risos). A música, enfim, o disco foi um sucesso. O disco é lindo e coloca a Cássia no patamar, embora o sucesso mesmo veio com o “Acústico MTV”, que foi mais ainda, foi mais além, mas ali já deu as cartas, sabe assim, eu acho esse disco é ótimo, tem música do Gil, tem música do Caetano feita para ela, saca? Tem a mãe dela cantando, tem todos os amigos, tem músicas lindas minhas, tem o “Segundo Sol”. Ela roubou de mim, vamos registrar aqui. Voltando um pouquinho lá no estúdio, ela no meu caderninho, eu mostro depois para você o caderninho, é super legal. Ah, e daí até tinha uma coisas assim, eu brincava – lá no caderninho, você vai ver – eu estava bem prolífico ali, produzindo muito e daí eu já botava nas músicas, elas estavam numeradas, eu pintava de laranja as que eram minhas e de azul as que eram para Cássia. Chegou no “Segundo Sol”, ela falou: “Essa música eu vou gravar” “É minha”, porque eu tinha o disco em mente, tinha o contrato com a Warner, precisava gravar o disco: “Não, Cássia, não, essa música eu que vou gravar” “Não, não, vou gravar. Eu vou roubar essa música de você”, falei: “Pô”, obviamente, eu cedi a música para Cássia e foi o melhor roubo, melhor assalto do qual eu fui vítima. O arranjo do Luiz Brasil é lindo de cordas, é tudo lindo, a música é maravilhosa e a Cássia cantando é de chorar! De chorar, de chorar! A Cássia gravou esse disco e ao mesmo tempo, ela pode com esse disco começar a fazer um pouco a banda, levar essa banda para a estrada, gozar de um certo sucesso, de um reconhecimento maior do que um sucesso e eu insistia um pouco, insistia muito para ela, tinha o Leo, que o Leo era um pouco, como ele faz com a Marisa, ele está acostumado a um tipo de trabalho que provavelmente, não deu certo, tanto que a Cássia saiu do Leo, depois, mas eu me lembro de uns ensaios para o show, principalmente, do Canecão, porque esse show eu não fiz a direção musical, mas do “Acústico”, ela me chamou para fazer, porque era meio que o Leo que fazia e tudo mais, cenário do Hélio Eichbauer, as coisas lá super. E a Cássia, sabe, acho que ela é mais da roça, sabe assim, entendeu? Mineira. E talvez a mão do Leo tenha sido um pouco pesada, enfim, eles não se entenderam, mas de qualquer maneira, eu tinha uma coisa que eu dizia ali: “Para de cuspir, de cantar, de fazer esse negócio. Não precisa. Isso é mais por insegurança, você está afirmando o quê, bicho? Ninguém precisa saber, ninguém quer, você é mais, sabe?” E daí, tinha essa coisa também que era ela cantar mais suave, tinha o Chicão, tinha a brincadeira: “Você não precisa berrar, mãe”, sabe, tinha umas coisas que estavam acontecendo e acho que é isso, eu entrei num momento onde ela tinha uma vontade de fazer isso e a gente fez. Então, mas eu achava que era importante evitar, para quebrar esse estigma preconceituoso contra ela, mas não era fácil, até porque ela era também isso, mas eu falava: “Beleza, você também é isso, mas você não é só isso”. E a Cássia era engraçada, ela fazia dancinha da garrafa, (risos), quando ela fez dancinha da garrafa eu não acreditei. “Diz que deu, diz que dá, diz que Deus dará” [cantando e imitando a voz dela] e que mulher, cara! Paralelo a isso, estava eu com o meu casamento. E o episódio…

P/1 – Estava com a Vânia?

R – Estava com a Vânia. Estava com Vânia e a Vânia ficou grávida da Zoé, como as coisas…

P/1 – E foi nascendo filho. (risos)

R – As coisas não estavam muito fáceis, porque eu estava muito, trabalhando muito, também encantado com a Cássia, os Titãs tinham roubado a minha vida de casa, mas ao mesmo tempo, eu tinha o beneficio de eu estar ganhando dinheiro, a gente comprou a nossa casa, eu comprei uma casa própria em 98. Eu estava casado desde, e nem é tanto tempo assim, 98 eu tinha 35 anos, é 35 anos. Enfim, mas a casa que a gente já morava desde 88 e tal, dez anos ali de aluguel, era um bom momento. Treze anos depois de casado, não é tão pouco também. Tudo isso, de certa maneira, dava um sentido, mas eu tenho esse meu jeito, tinha, porque atualmente eu não vivo mais dessa forma, mas naquele momento, eu estava muito, e eu ia muito fundo, cheirava muito, me desgastava muito, me envolvia muito, evidentemente isso consumia uma energia e um tempo, uma atenção e uma disponibilidade para a minha vida familiar, não que fossem duas coisas, mas elas estavam desequilibradas nesse momento de novo. E para o mal dos pecados, além do que, surgiu um boato, que ficou meio rumoroso de que a Cássia estava grávida de mim. Foi muito chato para a Vânia de novo, sabe, ela ficou brava e ela ficava brava de eu ir no show, dar selinho na Cássia: “Não precisa”, sabe, um dia, ela ficou brava comigo, eu estava gravando, que catso eu estava gravando? Eu estava no AR, era o disco da Cássia ainda, a mãe dela liga: “Oi, filha, como assim? Eu vi na televisão que a Cássia está grávida do Nando, seu marido?”, a Vânia: “Nando, que saco! Para de dar selinho, segura bicho! Não tem a menor graça”. Mas enfim, tudo isso não interessa, até porque não aconteceu, ela não estava grávida de mim (risos), era Deus, possível, porque vamos combinar, os fatos não foram consumados. Então, (risos) eu sabia bem que não podia estar, de fato era um boato (risos). Mas contra mim, os boatos colam. Aí, bicho, a minha vida deu uma zoneada de novo, saca? Deu uma zoneada de novo. Mas tudo bem, porque tinha uma parte que estava muito legal. Daí, nasceu a Zoé, a Zoé é a minha filha ruiva, ah, que coisa linda! E a Zoé nasceu muito ruiva! Zoé nasceu em 27 de setembro de 99. A minha relação com a Vânia estava meio desgastada, porque expressa um pouco essa palavra, um pouco machucada por esse excesso de shows, essa emenda de turnê de “Acústico” e “Volume Dois”, minha relação da Cássia, com muito trabalho com a minha forma de me entregar a esse trabalho, sabe, assim, mas a gravidez da Zoé foi, não faço esse tipo de análise que é ridícula, mas foi muito bacana, e a ruivisse da Zoé foi encantadora, porque era nossa quarta filha e todos os filhos, a gente esperava que fosse ruivo e de fato, esse não estávamos nem imaginando, porque ela nasceu com tanta placenta ou coisa no cabelo, que estava escuro, nem perguntamos. Foi dar o banho com uma tocha, eu falei: “É ruiva, uau!”, a Sophia foi a minha primeira filha que viu, a Sophia, foi uma graça, foi uma alegria. Eu estava fazendo show também nesse dia. Um show aqui em São Paulo, um show voz e violão, a Vânia estava para o hospital, eu lembro que eu fui correndo para lá. Foi um parto super tranquilo, daí cesária de novo, os quatro partos foram cesárea, embora houvesse uma possibilidade da Vânia fazer, ter ainda, mas não teve dilatação suficiente e tal. Vamos parar pela Zoé?

P/1 – Vamos.

FINAL DA ENTREVISTA


Correios – Museu da Pessoa
Depoimento de José Fernando Gomes dos Reis
Entrevistado por Rosana Miziara
Realização Museu da Pessoa
HVC_03_Parte 4_José Fernando Gomes dos Reis
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Mariana Wolff
MW Transcrições

P/1 – Você estava falando do nascimento da sua filha, da Zoé, que ela é ruiva, como você que finalmente…

R – Realizei esse sonho. Na verdade, nunca foi um plano. Mas era uma graça, enfim, tem essa coisa pitoresca de eu ser ruivo de uma família que não têm ruivos e coincidentemente eu sou o quarto filho também, a Zoé é minha quarta filha e a gente já nessa coisa de quarto filho, vai ficando meio mecânico, a Zoé nasceu e daí: “É ruivo?” “Não, não é”, de repente, a enfermeira, a assistente lá passou uma água e tirou aquela placenta e não só ela era ruiva, como ela era muito ruiva e um monte de cabelo para cima, assim, parecia um tição, sabe? E foi uma alegria assim, todos nós, a Sophia foi a primeira que viu a Zoé assim, foi super emocionante, todo nascimento é emocionante, mas teve esse…

P/1 – Você acompanhou o nascimento?

R – Eu acompanhei todos os nascimentos dos quatro que eu tive com a Vânia, o Ismael não, porque ele nasceu em Porto Alegre, em São Leopoldo e eu não estava. Acompanhei, é uma experiência, todos os partos da Vânia foram de cesárea, então o parto de cesárea tem essa característica, que assim, tem o parto e depois tem a costura, que leva um tempo, então, tem sempre essa história da mãe, o bebê rouba toda a atenção e a mãe ela fica meio desassistida, sobrando lá com os mecânicos, fechando. E claro, a Zoé roubou, de certa maneira, um pouco mais, mas eu gosto, eu sempre gostei de estar presente, claro evitando um pouco a parte dos cortes, embora tenha sido uma coisa interessante que aconteceu, eu não sabia disso, há certos fios que costuram que são eternos, ficam para sempre, então uma hora, chegou numa camada que já tinha uns fios assim, parecia um zíper assim, mas isso não é muito relevante. A Zoé nasceu, mas foi por aí, digamos, impressionante, falei: “Vânia, andaram por aqui, sabe? Sabe quando você sobe uma montanha e já tem uma plaquinha assim?” (risos) Naturalmente, sabemos quem foram os primeiros a conquistar o topo (risos), a famosa expedição Theodoro esteve aqui em 1986. Daí a Zoé, a Zoé marcou um período profissional que a gente estava no começo do fim, eu posso dizer assim, percebo isso com mais clareza hoje, porque a gente estava, a Zoé nasceu em 1999, 27 de setembro, daqui a três dias faz 14 anos e os Titãs tinham emendado “Acústico” com “Volume Dois” e agora, “As Dez mais” e foram turnês muito bem sucedidas o “Acústico” principalmente, o “Volume Dois” se manteve e “As Dez Mais” entrou numa certa curva descendente pela hiper exposição, pela própria saturação consequente daí pela exposição.

P/1 – Mas, nesse momento, as decisões, como é que elas eram tomadas? Tipo lançou, lançou, lançou e agora vai lançar de novo?

R – Eu também hoje acho que foi uma decisão voluntária nossa, uma decisão tomada conscientemente e de certa maneira, havia uma condescendência ao aspecto comercial que custou artisticamente, eu não diria um zelo maior, porque eu acho que a gente sempre teve interesse, mas por outro lado, acho que experientes com essas oscilações do próprio mercado, era natural e acho perfeitamente legítimo que você queira os benefícios de tanto trabalho que você teve e tem na nossa profissão de conseguir um lugar, porque o mercado funciona muito por ondas de interesse, certo? E a gente sabia que a gente tinha algo a oferecer, mas eu acho que de certa maneira, o que a gente menos percebeu foi que tanto show, tanto trabalho, tanta convivência afetava aquilo que era um componente fundamental para a qualidade da nossa criação, que era o nosso interesse por nós mesmos, sabe? Eu acho que isso que ficou mais sacrificado e um pouco desinteressado, você passa a fazer em nome daquele, a força dos Titãs foi sempre a nossa união, a nossa mescla, tanto que o terceiro disco “As Dez Mais” é um disco de covers e eu acho que ele revela, inconscientemente, o fracionamento, porque daí cada um foi escolher as suas músicas, todas elas. Os Titãs funcionavam com grupos, tem uma coisa meio política ali, sabe, uma questão geopolítica e mais uma vez eu me isolei, porque vindo da Cássia, vindo do sucesso que eu estava obtendo com o Skank, como compositor e como eu falei, eu tive um surto contraditoriamente, eu estava saturado dos Titãs, mas muito estimulado com a minha própria produção autoral, compondo muito, eu tinha muitas músicas, tanto que eu abasteci muitas delas para o disco da Cássia e ainda mantive um repertório numeroso para o meu segundo disco, que eu já sabia que eu iria gravar, pois ao mesmo tempo que a gente fez “As Dez Mais”, esse disco de covers, na esteira do sucesso que o “Acústico” e o “Volume Dois” deixaram, a gente havia programado uma parada longa de um ano, também escaldados pela experiência da primeira pausa, onde eu lancei o meu primeiro disco, a gente viu, e eu mais do que os próprios Titãs calculei, tanto que a gente parou, a Zoé nasceu em setembro, os Titãs foram com essa turnê até fevereiro de 2000. O último show que nós fizemos foi… eu parei imediatamente, a gente terminou o show no Parque Villa Lobos, show ao ar livre, parei esse foi o ultimo show que nós fizemos dessa turnê e eu embarquei imediatamente, no mesmo dia, que era num domingo, para Seattle, onde eu fui gravar o meu segundo disco “Para Quando o Arco-Íris Encontrar o Pote de Ouro.”

P/1 – Você foi? Desculpa!

R – Eu fui para Seattle.

P/1 – Para Seattle.

R – Fui para Seattle e por que eu fui para Seattle? Porque nosso produtor de vários discos, de três dos discos dos Titãs era o Jack Endino, tinha sido “Titanomaquia”, “Domingo” e agora, “As Dez Mais”, nós fomos gravar em Seattle e foi muito divertido, na verdade, foi um certo alento assim, termos ido todos para Seattle, uma cidade maravilhosa, deliciosa, que o Jack é o produtor que produziu o primeiro disco do Nirvana, um produtor identificado e de alta competência de rock, e desse tipo de rock de banda, assim, mora em Seattle e ele veio para o Brasil para gravar esses dois discos dos Titãs e agora, a gente foi para lá também, porque a gente gozava de um prestígio dentro da gravadora, tinha dinheiro para isso e tudo mais. E foi lá em Seattle que eu me dei conta do quão de saco cheio eu estava dos Titãs, do trabalho com os Titãs, porque eu me lembro bem e já tinha essa coisa, de novo eu estava numa posição mais marginalizada, um isolamento, que também é da minha parte e não só porque eu estava sendo excluído, eu acho que eu um pouco no gostar de marcar um pouco a minha independência, sabe, o que de certa maneira, devia irritá-los bastante e aconteceu que a gente estava num dia numa sessão de gravação, eu estava de saco cheio daquilo e falei pro assistente Kip Beelman, que era o assistente do Jack, falei: “Me tira daqui, estou de saco cheio.”

P/1 – Você falou?

R – Falei: “Vai gravar guitarra, não tenho o que fazer aqui, vamos fazer alguma coisa”. E o Kip era não só assistente do Jack, como um morador de Seattle e produtor de bandas e ele falou: “Pô, hoje tem um show de uma banda num clube que chama “Crocodile”, de uma banda que eu produzi, vamos lá?”, eu fiquei muito amigo do Kip nessa viagem e foi uma viagem deliciosa. Então, a cidade estava mais interessante e o desenvolvimento da minha amizade com o Kip mais interessante do que a própria gravação do disco, e eu lembro que a gente estava tomando cogumelo, sei lá em Seattle tem uns cogumelos incríveis, é uma cidade muito peculiar dentro dos Estados Unidos, não que eu conheça exatamente os Estados unidos para perceber, poder descrever, mas lá tem o Vale, acho que foi lá que começou a Apple, ou tinha alguma coisa com essas coisas de computador e tinha um cenário musical forte, onde nasceu o Grunge, Nirvana, Soundgarden, inúmeras bandas e tal. Então, era uma cena musical forte e tinha uma coisa meio, eu não diria, hippie, acho que não, mas de qualquer maneira, uma comunidade, um espírito assim, que eu percebi que me agradou muito e eu estou contando isso dos cogumelos, porque eu adorei a experiência com essa droga e ela é pouco alucinógena, mas ao mesmo tempo, você tem um certo controle, porque você vai tomando ela aos pouquinhos, sabe assim, a gente conheceu um ótimo fornecedor e é da cultura do pessoal lá de Seattle trabalhar com orgânicos. (risos)

P/1 – Sem agrotóxico?

R – Sem agrotóxico, pelo contrário, muito natural. E muito naturalmente, eu saí do estúdio, fui assisti essa banda que me impressionou, talvez estimulado pelo meu fumo (risos) e era uma banda bacana e nessa banda eu conheci o tecladista Alex Veley, com o qual eu fiquei muito impressionado durante o show, me comovi, sabe, assim, falei: “Cara, que banda boa!”, era uma mistura de soul, um cantor muito bom e ele cantava dentro de um telefone estranho para captar aquele som, tinha uma coisa muito diferente e algo que me interessou muito musicalmente, principalmente quando eu vi o Alex, porque eu estava com uma questão na minha cabeça que era o seguinte: eu tinha um disco para fazer, eu tinha um repertório que eu gostava muito, mas eu sabia que muito da sonoridade que eu imaginava para esse disco, eu tinha usado para gravar o disco da Cássia. A Cássia tinha gravado quatro músicas minhas, mais ou menos do que seria a minha banda, então, eu pensei: “Porque não dá para comparar a minha voz com a da Cássia. Então, se eu lançar um disco assim”, eu já tinha sofrido muitas críticas por conta da minha voz no meu primeiro disco, sabe? E eu tinha que ter uma certa consciência de que eu canto, mas eu não sou uma Marisa, Cássia, que gravavam minhas músicas, são cantoras. E eu estava falando: “Eu não posso fazer um disco assim, eu preciso descobrir alguma coisa, um elemento de diferenciação, de distinção”, e quando eu vi esse show, eu falei: “É o Alex, é essa tecladista”, porque eu gosto muito, o meu som, ou o que eu imaginava para esse disco, que diferentemente de “12 de Janeiro”, eu estava começando a tocar violão de aço, muito influenciado pela descoberta que eu tive tardia, evidentemente, do Neil Young, que eu comecei a ouvir os discos dele e teve um impacto muito grande, uma coisa que me deixou, também me renovou, foi uma injeção, um estímulo, porque eu funciono muito, eu sou um cara meio passional, sabe assim, as coisas me captam assim, e eu tenho um envolvimento intenso, quase obsessivo, assim, no sentido de ficar, consumir e eu descobri esse disco, eu descobri o Neil Young, na verdade, em 95 quando eu estava numa crise com a gravação da minha voz, porque quando eu fui gravar, eu nos Titãs eu sou um dos primeiros cinco e depois quatro cantores, havia uma fração do disco que sobrava para mim. Quando eu fui gravar o meu primeiro disco, eu tinha doze músicas inteiras e com espectro diferente, então, eu me vi frágil para cantar, e entrei numa crise e foi ouvindo um disco do Neil Young, eu falei: “Pô, esse cara tem uma voz esquisita e no entanto é bela”, sabe, é uma voz também alta, meio aguda, meio anasalada e eu me lembro bem de quando eu vi aquele disco “Sleeps With Angels”, foi o disco que eu vi, foi um bálsamo, foi uma coisa que eu falei, sabe quando uma coisa que você se reconhece e fala: “Ah, não sou o único, dá para ser como eu sou”. Isso mais ou menos, foi o que bateu entre eu e a Cássia, sabe, a gente se reconheceu muito nas nossas esquisitices, assim, nas nossas fragilidades, isso foi muito encorajador. Então, eu motivado por essa nova, eu tinha mudado então, eu tinha começado a compor, a forma de ouvir o Neil Young influenciou o modo de eu tocar violão e eu comprei um violão de aço, um Martin, muito bom e comecei a tocar, então as minhas músicas também estavam, esse material que a Cássia gravou já era dessa fase, mas eu tinha muitas coisas e seria um disco diferente…

P/1 – Mas aí, você estava no encontro com o…

R – Com o Alex.

P/1 – Com o Alex.

R – E tudo para dizer que assim, a minha base musical, ela tem a música brasileira como forma fundamental, não o rock brasileiro, embora eu fizesse parte de uma geração que estava associado com o rock brasileiro, o álbum chamado da segunda geração, geração dos anos 80, são fortes e nítidas, principalmente, na forma de eu tocar violão, do Gil e do Jorge Ben, sabe, a maneira rítmica, como se mistura, a forma como eu toco a mão direita com a divisão da melodia e as próprias, enfim, há uma base, no entanto, eu sou muito fã de música norte americana e não apenas de rock, eu acho que principalmente o que eu gosto tem uma origem, daquilo que é chamado soul music. Eu já via muito o Stevie Wonder, o Curtis Mayfield, os dois principalmente, o Sly and the Family Stone não tanto e mais o Marvin Gaye, que o “Marvin” inclusive é uma homenagem ao Marvin Gaye e mais tarde, o All Green. Tudo isso para dizer que na hora que eu vi o Alex, eu falei: “Esse tecladista, eu quero ele para o meu show”, porque certas coisas são culturais, é mais ou menos como a gente tocando bossa nova, certo? Mesmo eu que não toco, não faço MPB, eu tenho uma facilidade pulsa dentro de mim, como toda essa timbragem, essa concepção de soul, para o Alex, o Curtis Mayfield é que nem para mim o Gilberto Gil, sabe? Então, trazer uma pessoa que tocasse isso faria uma mescla que eu falei: “É essa a saída”. Então, daí, quando…

P/1 – Nesse dia quando você estava no bar…

R – No “Crocodile”, eu fui falar com o Alex e falei: “Bicho, que coisa maravilhosa!”

P/1 – Foi essa sacada?

R – Foi essa sacada, então tanto foi essa sacada que o Kip, que conhecia os caras me deu o contato do Alex e nos primórdios ainda da internet, eu quando fiz a pré-produção desse disco, botei o Alex, convidei o Jack Endino para produzir o meu próximo disco, em 1999, estando lá com os Titãs, ele aceitou, marcamos de fazer essa gravação em janeiro, isso através da Warner, que concebeu, estava dentro do meu orçamento. Então, fui eu para os Estados Unidos no começo de fevereiro de 2000, levando dois músicos daqui, o Fernando Nunes e o Walter Villaça, o Fernando já tocava comigo, o Waltinho conheci na banda da Cássia, para encontrar o Alex, que não conhecia o Jack, fui eu que apresentei e o Jack ia me apresentar um baterista, que originalmente, ia ser um cara do Pearl Jam, que eu não sei o nome, porque o Jack é amigo de todos eles, mas eles estavam ocupados, e me apresentou o Barrett Martin. Então, eu gravei o disco com uma banda metade americana e metade brasileira e isso deu a cara que até hoje, é a cara dos Infernais. Então assim, eu fui para lá, fiquei, gravei esse disco, foi muito legal a experiência, foi impressionante, eu saí de uma pastinha com 12 músicas, com dois músicos brasileiros, a gente chegou juntos para conhecer dois que nunca tinham entrado em estúdio, eu vi o Barrett no primeiro dia do ensaio e a gente deu muito certo. Em duas semanas, a gente arranjou todas as músicas e mais duas a gente gravou as bases, eu gravei todos os violões e voltei para cá, para terminar o disco com o Tom Capone, botei as vozes, lamentavelmente, eu não tive dinheiro suficiente para mixar esse disco da forma como eu gostaria, era o começo do platoons, então os plug-ins eram muito precários, o som desse disco não é tão bom quanto ele poderia ser, no entanto, o disco é um disco que me agrada demais, ele define o que é a sonoridade que eu chamo dos Infernais, a banda que depois eu batizei, um arremedo, agora, eu vou tentar ser mais conciso. Eu lancei esse disco, eu tinha um período de fevereiro a quase um ano, a gente ia se reencontrar em fevereiro do ano que vem, eu acho, acho não, foi isso. Fiz, lancei o disco, fiz um clipe para o disco, divulguei o disco e tive a ideia de trazer a banda, o Alex e o Barrett para fazer uma turnê de outubro a dezembro, três meses, tirei visto de trabalho para eles, usei todo o dinheiro que eu tinha de tour suporte, era uma coisa que tinha naquela época das gravadoras, trouxe, a gente arranjou, daí, o Walter e Fernando tinham que voltar para Cássia e foi um golpe, eles muito sem jeito, assim, porque eles estavam muito envolvidos com o trabalho, viram que era inconciliável a agenda da Cássia com a minha vontade de fazer uma turnê e me apresentaram o Felipe Cambraia e o Carlos Pontual, que passaram ser a base dessa banda. A gente chegou, eles vieram para o Brasil, ensaiamos, montamos um show que era a base no repertório do disco novo e daí, sim, as músicas minhas eram numerosas que outros artistas tinham gravado e que ninguém sabia que eram minhas: “Resposta”, “Partida de Futebol”, “Partida de Futebol” não toquei muito, “Onde Você Mora”, tinha uma parte assim e montei um show muito bacana e achava que ia conseguir tocar. Qual não foi a minha surpresa? Então, estava ensaiando com os caras e eu comecei a fazer, eu não tinha empresário, nem me lembro quem era o empresário, ah, o empresário dos Titãs era Paula Lavigne. Eu montei esse show…

P/1 – Era a Paula Lavigne, depois já…

R – A Paula Lavigne, a gente saiu, era a Paula? Não! A Paula foi depois. Eu não sei. “As dez Mais” era o Poladian ainda, é verdade. Eu acho que nesse interim, a gente quis mudar, nesse um ano, provavelmente foi essa manobra. Aconteceu que eu trouxe a banda, montei e eu tinha uma agenda com um camarada do interior de São Paulo e eu achei que ia ser fácil, o fato é que não foi, no dia a gente ficou três semanas ensaiando, estava pronto, tinham oito shows marcados em São Paulo, caíram esses oito shows, porque evidentemente um cara disse que queria, mas não deve ter vendido, não depositou dinheiro, não tinha show. Eu fiquei aqui, com uma banda com um show pronto, mas não tinha onde tocar. Consegui fazer uma turnê na Bahia que foi heróica, onde eu me ferrei, mas consegui pagar alguma coisa para os músicos, shows bizarros, toquei sexta-feira, domingo, aliás, antes de ontem em Salvador, daí encontrei a Irá que é a mesma produtora, estava se lembrando, o show em Feira de Santana tinham 11 pagantes, os mesmos que estavam na passagem de som, passou o som e já ficou lá, não tinha ninguém, e ainda assim saiu uma briga, velho (risos) os 11 caras, entendeu? Foi bizarro, foi um negócio surreal, só doideira, e era tão engraçado, porque eu estava lançando o meu segundo disco, eu fazia shows de três horas e meia, saca, assim? Eu não sei da onde (risos) eu tirava tanta inspiração. A minha frustração com essa turnê, porque ela era muito boa, a banda era muito boa, mas não tinha público, não tinha local, embora tenha tocado aqui em São Paulo, um dia no Tom Brasil antigo e foi bastante impactante, a ponto de eu gravar isso no estúdio, na Toca do Bandido, na casa do Tom Capone, como registro e vim a lançar depois o meu terceiro disco, porque eu falei: “Não é possível, isso é muito bom, mas não tem.” O Barrett voltou, foi embora em dezembro, quando acabou, mas eu fui convidado para fazer o Rock in Rio de 2001 em janeiro na Tenda Brasil, para apresentar cinco músicas, chamei o Alex que voltou. O Alex, daí, a partir desse momento ficou vindo com mais frequência ao Brasil. O ano de 2000 é um ano marcante na minha vida, porque daí, nós voltamos, a frustrante expectativa, a frustração das minhas expectativas com o “Para Quando” me trouxe de volta os Titãs. Ah! Mas isso, eu estou esquecendo de uma coisa fundamental! Em fevereiro de 2001, eu fui produzir o disco da Cássia, o “Acústico”, verdade! Poxa vida, tem coisa! Vamos lá! Terminou, fiz o Rock in Rio, fiz alguns showzinhos no Rio de Janeiro e a Cássia, daí me chamou, o disco da Cássia foi um sucesso! “Com Você Meu Mundo Ficaria Completo” projetou a Cássia, abriu aquilo que nós esperávamos, talvez mais eu do que ela, porque a Cássia era uma pessoa muito desconfiada e quase que, eu não sei se traumatizada, traumatizada é uma palavra um pouco forte, mas arredia assim, ela preferia não contar com o mundo exterior, sabe assim? Como se a ela não coubesse o lugar que lhe era de direito, eu sempre vi assim, por isso que eu não gostava de tudo que ela fazia que reiterava essa posição quase estigmática da cantora sapatona, que cospe, eu achava isso mediocrizante. Ela era isso também, mas ela não podia ser definida por isso e cabia a ela um pouco, mas a mim, mas ela precisava entender, eu falava: “Bicho, para de ficar coçando o saco no palco, saca? Não estou querendo te cercear, mas não reforça essa ideia, você é mais, você não quer tocar outras coisas? Não quer fazer outras coisas? Vai!”. Então, a turnê do show dela já foi uma, mas a Cássia era indomável, então não havia, nunca tive pretensões de domesticá-la, adestrá-la, era um pouco alertá-la de que ela era mais, sabe, botar na cabeça dela que ela tinha direito a mais e que ela, fatalmente e foi o que aconteceu. A MTV convidou ela para gravar o disco, mas quis que eu produzisse o “Acústico”. E o “Acústico” foi…

P/1 – A MTV ou a Cássia?

R – A MTV indicou, eu conheci a Anna Butler, a Diretora da MTV.

P/1 – É, você tinha trabalhado lá. Não foi ela que te levou?

R – Levou para onde?

P/1 – Para MTV.

R – Ah verdade! É! Em 95, eu já, amigo da Anna, mas daí fiquei…

P/1 – Já tinha uma relação com ela.

R – O “Acústico” deu muito trabalho, os Titãs ficaram muito, a gente ficou muito com o rei na cabeça, com o rei na barriga, subiu. Então, para gente apresentar no VMB, eu fiz uma articulação, eu joguei, ajudei um pouco a MTV, era uma questão chata, não vou botar isso. Enfim, a Anna sugeriu, a Anna e a Universal toparam, eu tinha feito um trabalho, evidentemente, com a Cássia, era natural certo, que eu fosse, mas por outro lado, nunca se sabe. Me chamaram para fazer o disco, eu chamei o Luiz Brasil de novo, para trabalhar comigo, fomos para um sítio em Teresópolis, foi maravilhoso, embora muito louco. E eu tinha ideias para o “Acústico” da Cássia, eu estava bem satisfeito, eu estava empolgado, porque eu havia produzido o disco dela, de certa maneira, eu sempre coproduzi os meus discos, eu voltei mais experiente e mais fortalecido, embora um trabalho com a Cássia com uma banda numerosa sempre fosse um desafio, porque o “Acústico” da Cássia era uma outra oportunidade de rever uma parte do repertório dela, eu teria que acrescentar mais coisas dentro daquela direção de ampliar o leque, sabe, eu sugeri várias coisas, algumas delas eu vou citar duas, que foram bem emblemáticas daquilo que define o disco: a Édith Piaf, o “Je Ne Regrette Rien”, que eu que sugeri, porque um dia eu fui almoçar com o Luiz Brasil para conversar estava tocando a Janis Joplin, daí eu falei: “Pô, Janis, Cássia”, uma relação meio óbvia até. E eu adoro a Janis. Adoro! Conheço tudo assim, sempre pensei na Cássia lançando algo como “Mercedes Benz” assim, sabe? Mas era quase óbvio, chega a banal. E eu gostava muito de Édith Piaf por causa da minha mãe, eu acho que eu devo ter falado desse disco, que a gente ouvia lá em casa, tinha uma coletânea da Édith Piaf…

P/1 – Não falou.

R – Ah, era um disco muito importante! Eu ficava com os meus pais na minha casa na adolescência, muito, muito! De certa maneira, até eu ir para o Equipe, aos 15 anos, dos 13, 14, eu não saia, não tinha essa boiada, não sabia andar de ônibus, não era um cara da rua, saca? Eu gostava de ficar com os meus pais assim, então era muito, e tinha essa coisa de montar quebra-cabeça lá em casa, saca? Tinha uma tradição assim, tinha uma cultura, não uma tradição, uma cultura. E tinham dois discos marcantes! Essa coletânea da Édith Piaf e um disco da Eydie Gormé, que é uma cantora norte americana e Trio Los Panchos, era um disco de bolero, magnífico, chama “Amor”, a coletânea era muito boa, porque de certa maneira, me apresentou as grandes músicas da Édith Piaf: “Hymne A L’Amour”, a própria “Lá Vie En Rose”, o “Non, Je Ne Regrette Rien” e esse contato com essas duas cantoras, de certa maneira, eu disse para você, a voz feminina é uma coisa muito poderosa para mim, comovente assim, é quase que tem uma coisa ancestral assim, sabe, de me moldar como ser, sabe assim, o meu reconhecimento com o que são as coisas do mundo passa por essa explicação, esse acalanto uma voz feminina traz, e por isso que foi tão fácil trabalhar com a Marisa e de certa maneira, com a Cássia, porque eu intuitivamente, meio que sabia, sabe, é muito fácil para mim saber o que fazer, porque eu sei o que não deve ser, como não deve soar, sabe? E com pessoas com quem eu tenho essa identificação e essa relação muito de admiração e de amor, como eu tive com a Marisa e com a Cássia, é uma delícia trabalhar, eu gosto desse lugar, eu sei, eu sei, assim, quando surge, é inegável, sabe assim? E daí, eu queria, eu pensei esses dois discos então, além de que amarram essa relação afetiva e essa segurança, essa busca que sempre me norteou e me colocou ao mesmo tempo, essa afirmação de uma força que para mim foi sempre suspeita e dúbia se eu tinha ou não tinha, então os meus sentimentos de quando eu me senti assegurado com uma coisa como essa, me fazia muito forte e me fazia trabalhar no melhor das minhas capacidades. E foi isso que aconteceu quando eu tive que brigar. Então, Janis Joplin não, é muito óbvio, vamos Édith Piaf. Édith Piaf era, digamos, estranho no mínimo, sabe assim? Eu acho genial! A tal ponto que eu estava muito convencido de que a Cássia devia cantar, sugeri isso a ela, ela achou ótima ideia, acho que ela não conhecia Édith assim bem, se é que conhecia, provável conhecesse, mas agora, não era uma coisa: “Ah, claro Nando, Édith Piaf”, não: “Édith Piaf?”, ela ria assim, e a Cássia, e isso era bacana na nossa relação, sabe, porque por mais que aquilo fosse estranho, vindo de mim, ela sabia que tinha um sentido que não era exótico e artificial, havia ali, tanto que deu que ela abria o show com essa música. Mas, houve, ela encontrou muita resistência, era difícil trazer aquilo para não parecer uma coisa também folclórica ou uma citação paródica, o “Acústico” tinha que ser um disco onde fosse a Cássia, essencialmente, não só a essência das canções, mas como a essência da Cássia, então não podia ser ela indo para lugar qualquer coisa, sabe assim? A gente sugeriu, sugeri várias coisas, embora a sugestão, eu sugeri o Riachão, que tinham me apresentado esse disco, mas foi o Luiz Brasil que falou de “Vá Morar com o Diabo”, “Queremos Saber” do Gil foi eu que sugeri, a Cássia escolheu “Luz dos Olhos”, que ela gostava muito, ela que me convidou para cantar “Relicário” com ela, eu não queria aparecer de maneira alguma, eu sempre fui muito cuidadoso de não querer dar mais do que o necessário, para mim já ser o produtor já era demasiada responsabilidade e preenchimento, mas vamos voltar! A gente estava ensaiando num sítio em condições bem precárias, embora…

P/1 – Em Teresópolis?

R – Teresópolis, todo mundo morando junto, havia uma crise entre a Cássia e a Lan Lan que era a namorada e a Cássia se apaixonou por uma outra mulher, então havia situações, certa tensão, sabe, e ao mesmo tempo, ficar isolado lá, não tinha sinal de celular, e coisa e tal, e o problema lá maior era da fonte de energia, acabava, chovia toda tarde, verão, chovia e acabava a força, então, tinham montado um grande estúdio de ensaio com muitas mesas, tudo, equipamento, mas fatalmente caia uma tempestade, parava o ensaio. Então, todo mundo dormia junto, tinha uma cozinheira, todo mundo “loc” meu, máster, mas não tinha cocaína, certo, porque a gente estava longe do Rio de Janeiro, uma ou outra vez, um trafica levou para gente (risos), mas assim, trabalhávamos bem, a Cássia é uma trabalhadora forte, todo mundo, muitos músicos, tal e um trabalho interessantíssimo, mas com um prazo e uma responsabilidade de mais uma vez um dos grandes desafios. Eu me lembro bem quando eu sugeri duas coisas que eu estava dizendo que são emblemáticas desse disco. Eu nunca gostei do arranjo original de “Malandragem”, eu sempre taxei-o de um blues fuleiro, Frejat me desculpa, mas não estava falando da composição, a música nunca achei a melhor do Cazuza e do Frejat, mas era uma boa música, é uma grande música na verdade, depois eu descobri a força e a beleza dela e acho que ajudei a apresentar mais a beleza dela, por quê? Duas coisas que envolvem a chuva, a gente estava ali e a gente jogava baralho, a Cássia gostava de jogar baralho, bebia pinga e eu bebia Velho Barreiro, a Cássia bebia Jurubeba. E a gente estava, acabou a luz, a gente foi jogar buraco à luz de velas e tinha um rádio à pilha, daí começou a tocar “My Pledge of Love”, “I woke up this morning baby…” [cantando] e que eu já tinha gravado no meu disco “Infernal” em que eu fazia um medley, eu introduzia o “Você é luz, é raio, estrela e luar” [Cantando], o “Fogo e Paixão” do Wando e emendava com “My Pledge of Love”, isso era um número bis do meu show e eu tinha gravado esse tal show que não aconteceu, que ninguém nada e estava com o CDzinho e começou a tocar “My Pledge of Love” no rádio, eu falei: “Essa música é maravilhosa”, tinha mostrado para Cássia o meu disco e daí, voltou a luz, fomos para o “Malandragem”, para o estúdio e eu falei: “Bicho, vamos fazer nessa levada, tipo chaconne [imitando o som], a Malandragem” foi assim, e todo mundo meio, eu falei: “Fernando”, Fernando era o baixista, “Velho, você faz baile, não fez? Tu–tu… [imitando o som] e eu não queria aquele blues, sabe? Aquela coisa chata da outra versão e a sacada foi, porque eu falei: “Regravar pela terceira vez”, acho que ela já tinha gravado no “Veneno AntiMonotonia” ao vivo, tinha de estúdio, sabe, precisava, era uma música importante do repertório dela, eu acho, então precisava ter uma sacada e eu tinha que combater aquilo que eu achava chato na música. Eu me lembro bem o Waltinho, na hora do solo eu falei: “Faz um solo da melodia”, ele olhou para mim e fez: “Como você é bobo”, meu para convencer a Thamyma a tocar um pandeiro, eu quase que forcei todo mundo, claro que com a anuência da Cássia. E ficou maravilhoso, estourou, estourou! A música mostrou o outro lado, é quase que, isso é de certa maneira, era o que eu queria tirar da Cássia, essas fantasias do blues, tudo o que fosse estilizado, tira, bicho! E era uma oportunidade. Assim foi que eu convenci e eles muito a contra gosto, forcei a mão, mas daí a Cássia era maravilhosa, porque ela olhava para trás para mim, a Cássia ficava tomando café, Jurubeba, era só para jogar baralho, no ensaio ela tomava café. Daí, ela olhou, eu ficava lá atrás, eu não entrava, tinha uma coisa meio que nem assim, as portas de vidro, um salão meio de que desse tamanho assim, e ali era o terraço e eu ficava a li de fora atrás dela. Com Édith Piaf foi mais ou menos semelhante, porque ninguém gostava da ideia e a banda quando quer boicotar, boicota, que nem time de futebol que quer derrubar técnico, sabe? (risos) Então, era complicado, e daí, o Cambraia que era o baixista de quem eu tinha ficado muito amigo, era bastante amigo de todos estava lá me visitando e eu me lembro bem, eu falei, eles tiraram a música e estava todo mundo tocando de má vontade a música da Édith Piaf, todo mundo tocando de má vontade, tipo, fazendo corpo mole, e a música ia cair, e caiu uma chuva, mas trovoada, um aguaceiro e eu estava inseguro e eu olhei e falei: “Será que é uma boa ideia?” Daí, aconteceu uma coisa, eu não sou supersticioso, mas eu aproveito as coisas e gosto e vejo sinais assim, daí a gente estava lá fora, caiu uma chuva, daí de repente eu falei: “Meu, será que eu estou certo?” e de repente, um trovão, eu olhei para o Cambraia e eu falei: “Minha mãe”, que era a música que a minha mãe gostava, daí eu me enchi de certezas, fui lá e falei: “Vocês vão tocar essa aí, se a gente não vai por ou vai por é outra coisa” e tocou e ficou lindo. Daí, a Cássia abria o show, nossa! Que coisa linda esse show! Sabe, esse projeto foi maravilhoso, eu sempre quis ir para um sítio, era um sonho meu, era o meu desejo novos baianos de ser, sabe assim, e deu tudo certo, foi difícil, foi trabalhoso, mas foi lindo. A Cássia gravou o show, foi um sucesso! Essa turnê que daí se mistura, daí, tudo se mistura bicho, tudo se mistura, 2001, o ano fatídico!

P/1 – Aí, você estava produzindo e você estava tocando? Como que você estava tocando a sua carreira?

R – Tinha parado! Porque os meus shows miaram, a banda acabou, eu ia voltar para os Titãs, a gente estava mixando o “Acústico” no Rio de Janeiro, a gente gravou aqui em São Paulo, levou para mixar lá. Eu tinha aqui e os Titãs tinham um prazo para voltar e eu sabia que tinha gente que tinha viajado, Marcelo, todo mundo estava reunido, tinha muita música e não tinha feito nenhuma música para os Titãs. Eu me lembro da minha aflição, eu fiz duas músicas só que entraram no disco, que veio a ser “A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana”, meu último disco com os Titãs, o último disco do Marcelo, disco que a gente gravou pela Abril. Eu comecei a fazer uma levada de uma base, eu estava muito influenciado, eu estava ouvindo um disco do Jeff Buckley, “Grace”, que era um disco que estava me pirando assim e eu fiz uma base para uma música que chama-se “Mesmo Sozinho” que foi gravada e eu me lembro que a Vânia, por conta do nascimento da Zoé, o Bastião, que tem uma personalidade única (risos), todas as personalidades são únicas, mas era um garoto com uma oscilação de humor, que às vezes, era meio ranzinza, meio mal-humorado e a Vânia costumava falar para ele, por conta do nascimento da Zoé, talvez ele tenha ficado mais, bravo. Ele não é nada bravo, mas ele era um pouco, ele é um pouco bravo, mas ela falava, quando ele tinha essas crises de birra, birra é a palavra, não é mau humor, birra, criança faz birra, Bastião era uma figura, bicho, eu acho que a gente enlouqueceu, eu fui muito apaixonado pelo Sebastião, quando ele nasceu, coincidentemente, os meus dois filhos homens nasceram em momentos que eu tinha pouco trabalho, eu até talvez tenha falado sobre isso, vou ser breve, só para dizer que eu fiquei muito com o Sebastião. A Vânia estava trabalhando na Santa Casa, eu tinha pouco trabalho, e eu adorava assim, ficar com ele, coisa que eu perdi um pouco com a Sophia, então tinha uma coisa de fazer, atender as vontades ou de prontamente estar ali. E daí, o Bastião tinha lá as suas birras e a Vânia falava: “O mundo é bão, Sebastião. O mundo é bão, Sebastião” e assim, então a Vânia tinha esse bordão: “O mundo é bão, Sebastião” e eu comecei a escrever uma letra no hotel, imaginando fazer uma música, falando dos olhos grandes do Sebastião, o Sebastião tinha como toda criança apaixonado por dinossauros, o Tiranossauro Rex e Rex é rei, então T, Tião Rex, tinha todo um jogo de palavras ali, eu escrevi uma letra e eu estava muito aflito, porque eu ia mais uma vez voltar para reencontrar os Titãs e não tinha feito a lição de casa, porque, bicho, eu tinha ido para Seattle, gravado o meu disco, montado uma banda, feito shows da turnê da Cássia, eu tinha feito coisas muito mais interessantes…

P/1 – E a Zoé estava nascendo…

R – A Zoé já tinha nascido, a Zoé nasceu em 99.

P/1 – Você estava com uma filha pequena.

R – De 99, em um ano, eu tive uma filha, dois discos, Titãs assim, estava meio, e “As Dez Mais” tinha sido um disco muito chato. Então, voltar para o estúdio, já tinha essa pressão e eu já estava, eu tinha uma tendência de sentir em dívida. E daí, eu escrevi essa letra e um dia, a gente foi na mixagem e tinha lá na companhia dos técnicos e tinha um piano, não tinha nenhum instrumento e estava eu e Cássia, daí eu falei: “Cássia, vai lá para o piano. Você sabe tocar piano?” ela falou: “Sei”, foi engraçado, porque eu levei a letra e eu tinha alguma ideia para uma harmonia, ideia para uma melodia, para uma harmonia que parecia com alguma coisa que eu ouvia de cabeça dos Beatles e não é apenas o rife, as pessoas se enganam, o rife não tem nada a ver e eu lembro que eu botei a letra ali em cima, duas carreiras gigantes, eu e a Cássia, falei: “Cássia, senta ai” e eu fui falando para ela: ”Mi, Fá sustenido” e eu fui cantando uma harmonia suposta que ela foi fazendo e fui fazendo uma melodia. Então, eu fiz mais ou menos “O Mundo é Bão” tendo com a Cássia como minha pianista e foi engraçado, porque depois, eu terminei a música e fiz a música, aquilo ali era um esboço, muito em cima daquilo que a gente tinha feito ali e a Cássia nunca ouviu “O Mundo é Bão”, ela morreu antes do disco sair, não, não ela morreu em dezembro, o disco saiu em outubro, mas eu duvido que ela tenha ouvido aquele disco, mas enfim, isso antecipou, foi assim que eu terminei as três músicas que eu levei para os Titãs, que foi o nosso reencontro, no período de ensaios na casa do Charles, aqui em São Paulo. Nosso cronograma de trabalho era ensaiar, provavelmente, março, abril ou abril, maio e voltamos, o Marcelo tinha voltado de Portugal, estava meio morando em Portugal, a família dele estava morando em Portugal, o Marcelo não estava bem, ele estava numa crise pessoal no casamento dele e muitas vezes, ele tinha que viajar e a gente voltou a fazer show, ah não, era o Poladian o nosso empresário sim, ainda! A gente fazia alguns shows durante os ensaios, porque a gente precisava de dinheiro, evidentemente, a gente estava na Abril, tinha feito um contrato absurdo que o Poladian negociou com o Marcos Mainardi, a Abril foi um marco na história das gravadoras, porque eles conseguiram muito dinheiro, acho que dinheiro vindo da Abril e usaram ele de uma maneira, eu diria, um pouco irresponsável, porque contrataram alguns artistas de peso, a gente, Gal e Erasmo, sabe, medalhões assim, a peso de ouro e o mercado já estava mais ou menos começando a ter uma certa crise, por causa da internet, esse disco foi ruim, sabe? Os ensaios foram muito, eu percebi assim que eu voltei que o meu desinteresse pelos Titãs continuava, mas ao mesmo tempo, eu tinha que me forçar a fazer aquilo, mas é quase que você olhando hoje fala, sabe, quando eu penso na minha mãe que morreu de câncer, eu olho, como eu não vi que ela estava doente? Se você pensa nos três anos anteriores, você olha as fotos, ela estava doente. É mais ou menos a minha situação com os Titãs, é claro que eu já estava fora, ter ido para Seattle, ter gravado o meu disco, o meu disco é muito melhor, eu acho assim, e no meu entender do que o que os Titãs vinham fazendo e não só apenas por uma questão pessoal, eu acho que os Titãs estavam numa errada, o “Volume Dois” foi um disco desastroso, a forma como ele foi gravado, pergunta para qualquer um deles, para o Charles, para o Britto, o que o Liminha fez, a loucura que o Liminha, ele destruiu o nosso disco, para querer fazer um disco dele junto da gente, então não é bom o resultado musical e o disco poderia, foi muito frustrante o “Volume Dois”. Eu fui muito defensor de trazer o Liminha de volta, eu que achava que a gente ia reviver um pouco o que foi o “Jesus”, os discos incríveis que “O Blesq” que a gente fez nas nuvens e não foi, foi um pesadelo e esse pesadelo teve custos e a gente teve um pesadelo dois, que foi “As Dez Mais” e para mim o pesadelo três, que foi “A Melhor Banda”, porque os ensaios foram difíceis, já tinha uma rejeição muito grande as minhas ideias, mas ao mesmo tempo eu estava: “Eu tenho o meu quinhão, eu quero três músicas desse disco, não quero nem saber”, mas era votação e tem uma coisa emblemática. No documentário dos Titãs, porque eram sete e a gente votava nas músicas, então tinham 40 e tantas músicas para votar e teve uma música que saiu com sete votos, a música que saiu unânime, na hora que saiu a contagem de votos, o Nelson fazendo: sete votos, eu falei: “Mas como tem sete votos? Eu não votei nessa música”, está no documentário. Tal o grau de loucura que estavam as coisas. A gente ensaiou esse disco, eu bebia muito, muito, muito, cheirava muito, muito, era um clima horroroso, o Marcelo estava muito mal, triste, eu me lembro de várias vezes, a gente estava no apartamento do Charles, que é em cima do Antiquarius, eu ia encontrar com o Marcelo, várias vezes não, teve do Marcelo descer, eu tinha uma relação muito, o Marcelo era um grande amigo, Marcelo era o cara que eu conheci quando eu tinha 14 anos, sabe, no ônibus, voltando da feira medieval.
Assim, e nitidamente pessoas que tinham com aquela beleza que tinha no Equipe, assim, beleza das pessoas do Equipe. E eu conheci o Marcelo na feira e antes de eu mesmo entrar, por conta de amigos, daí lembro que a gente voltou de ônibus, não me lembro mais o nome do ônibus e daí, eu, o Cao e o Marcelo morávamos no Butantã, o Cao Hamburguer, o Marcelo Frommer e eu, José Fernando morávamos no Butantã e eu fiquei super amigo do Marcelo, a gente era vizinho de bairro,

gente torcia para o mesmo time, ia a jogos, a gente estudava na mesma escola, a gente jogava futebol, eu era apaixonado pelo Marcelo, a gente ia para Ubatuba, eu que apresentei o primeiro baseado para o Marcelo. Eu era louco pelo Marcelo. O Marcelo tinha uma coisa, mamãe gostava muito dele e por causa da Lulu, a Lulu, minha irmã excepcional, o problema neurológico dela fazia com que ela tivesse distúrbios de agressividade, ela berrava, gritos muito pavorosos, eu diria. Então, ela tinha uns acessos, sabe, se jogava no chão, tinha uma coisa quase que epilética assim, sabe? Assustador para quem não convive, mesmo para gente. E era embaraçoso ir lá em casa, porque a Lulu tinha também a saleta dela, então, muitas vezes, as pessoas iam lá e ela ficava e eu ouvia os gritos, sabe? Então, claro, meus amigos sabiam que eu tinha uma irmã, nunca a Lulu foi uma pessoa escondida, mas por outro lado, imagina: você chega em casa e a Lulu está lá, quer dizer, então tinha uma coisa assim, e era muito ruim isso, doía e eu estou te contando isso, porque?

P/1 – Por causa do Marcelo.

R – Porque o Marcelo era a pessoa que tinha uma doçura, assim, uma generosidade louca, porque ao mesmo tempo, e era o único cara que sabe, eu tinha a sensação de que ele ia lá em casa e ficava numa boa, assim, o cara gentil, ao menos e a mamãe gostava muito dele, a gente ia muito, minha mãe era louca por futebol. A mamãe tornou-se uma são-paulina, minha mãe era tão louca, que uma época ela decidiu ir ao futebol para acompanhar o marido dela, para não ficar sozinha. Minha mãe ia para o futebol e fazia tricô (risos), uma míope de três graus e ela fazia tricô muito bem! Bicho, a minha mãe, tem histórias incríveis, ela passou a ir ao futebol, a gente ficou tão fanático, eu lembro que uma época lá em casa, não se fazia almoço, porque as decisões da minha mãe, não tinha almoço, tinha lanche e vem de lá essa minha, eu adoro sanduíche, tipo, sou um bom, faço bons sanduiches, meus filhos sabem disso. Sou bom, não sei cozinhar nada, mas eu sou bom no sanduíche e daí, tinha frios, e era salame hamburguês, minha mãe comprava umas coisas, 300 gramas assim, sabe, presunto, queijo, alface e tomate, maionese e pão de forma e milk-shake desse tamanho, esse era o almoço lá em casa e era mais louco que a gente ficava ouvindo o “Jornal do Esporte” da Jovem Pan na hora do almoço. E eu, adolescente, São Paulo fanático, e minha mãe fanática, era uma coisa louca, meu pai era o cara devia achar um saco essa onipresença do São Paulo Futebol Clube, do futebol. Mamãe teve um jogo em que ela foi sozinha no estádio, convidou o André que era o primeiro sobrinho neto dela. Tem duas histórias incríveis, uma vez que a gente estava num jogo, São Paulo e Palmeiras naquela época, as torcidas ficavam, mas era na numerada. E daí, estava papai, mamãe e eu estava ali do lado e do lado de um palmeirense, o palmeirense enchendo o saco dela, ela pegou a bolsa e pá, deu uma bolsada na cara do camarada, que se indignou, queria partir para briga com o meu pai (risos) uma coisa assim, outra vez, ela me conta de uma história que ela pegou uma ponte aérea e sentou do lado do Pita e vamos combinar que nos anos 80, não era muito comum mulheres falarem de futebol, não tinham mulheres repórteres de campo, essa coisa, muito menos, e eu me lembro que ela sentou do lado do Pita e descreveu um gol do Pita com requintes de detalhes e o Pita: “Quem é essa louca?” (risos). Então, minha mãe, futebol e o Marcelo, a gente ia, sabe, o Marcelo era uma figura querida, a minha mãe adorava ele, ia para Ubatuba e tal.

P/1 – E ele estava mal nesse momento.

R – O Marcelo estava indo e voltando. Então, a gente tinha essa relação antiga, forte, que era um pouco anterior com todos os Titãs. Eu estou contando isso, porque esse foi o último disco do Marcelo. O Marcelo, a gente entrou para gravar e aí teve a história terrível, que nós aprontamos o disco, Jack Edino veio para São Paulo, era época do apagão, o famoso apagão. O Marcelo era um louco, porque ele estava casamento lá, crise no casamento, apaixonado pela Karen Kupfer, tendo um caso com ela e envolvido nas coisas de importação de vinho, conhecia o Manuel Beato Alexandre daquela Editora, que eu esqueci o nome, estavam montando, tinha um negócio, ele tinha conseguido entrar numa, através da Karen, numa turma, um jet set, o Nizan, a Bia Aydar, umas pessoas completamente nada a ver com a gente assim, sabe? E ele frequentava e eu acho que o Marcelo estava achando bom além daquilo, e o Marcelo tinha um comportamento muito dúbio e ele era muito escroto, porque eu era o desembestado que bebia, cheirava às vezes ficava sem condições de ensaiar para o show e era massacrado pelos outros, sabe, a brincadeira, uma coisa cruel, sabe, de acusação, quase de humilhação dos Titãs e eu aceitava esse lugar, eu era sempre eu e o Paulo que dávamos mais trabalho. E o Marcelo, daquela maneira meio habilidosa dele, meio ardilosa, ele fazia tudo isso, mas ele sempre se eximia, ele era mais esperto. E eu estou contando também isso, porque eu acho que o Marcelo, e o Marcelo tinha uma encanação, ele estava muito magro e ele estava correndo e a gente tinha ainda 30 e poucos anos, 30 e muitos, o Marcelo ia fazer 40. E o Marcelo estava fazendo cooper! E eu me lembro bem, porque é o seguinte, a gente ia começar a gravar na segunda-feira. No domingo à noite, eu morava no Itaim, o Marcelo estava hospedado no flat perto do Itaim e eu estava imbicando o meu carro, eu moro numa vila e estava muito escuro, por causa do apagão, e tinha ainda esse vidro e tal, de repente, vem uma pessoa e bate no meu vidro e eu não consigo reconhecer, abaixei o vidro, era o Marcelo, que estava correndo, voltando da pizza oito da noite, de camiseta escura e o Marcelo tinha essa coisa com o sol, estava meio queimado assim, super careca, raspava o cabelo: “Então beleza, estou indo para o estúdio amanhã”, então, eu fui segunda de manhã, eu e o Charles, e o Marcelo iria na terça, até porque era dia dos namorados e o Marcelo ia jantar com a Karen, dia 12 de junho de 2001. “Beleza, a gente se vê na terça, Márcio”, Márcio era o apelido do Marcelo. Fui para lá na segunda, o Charles entrou no estúdio, passou o som da bateria, eu ia mais tarde, fiquei no hotel tocando violão, compondo e tal, de repente me liga o Nelson: “Nando, sabe do Marcelo?” “Não”, eu falava muito com o Marcelo pelo celular, muito! Eu era o tipo do cara que falava com o Marcelo cinco, seis vezes por dia, sobre tudo: “O Guga ganhou” “Eh”, sabe, a gente se falava, eu tinha uma adoração pelo Marcelo e a gente fez muitas coisas fora dos Titãs, mesmo durante o período em que os Titãs estavam parados: escrevemos, uma época a gente escrevia na “Folha de São Paulo”, depois no “Shopping News”, na coluna, no caderno de esportes, eu fui colunista de 91 a 94, um ano, época que o Martina se juntou, chamava “Um Minuto de Silêncio”, o Laerte e depois, o Paulo Monteiro faziam as ilustrações. Escrevi com ele no “Shopping News”, escrevi com ele no “Diário do ABC”,

o Marcelo, a gente tinha um monte de projetos, uma hora eu enchi o saco de escrever futebol, fui me dedicar a música e ele continuou, ele fez programa com o Casagrande, a amizade dele com o Casa começou nessa época. O Marcelo eu considero ele a enzima catalizadora que fazia com que as coisas acontecessem, não era exatamente uma pessoa que escrevesse uma canção, acho que pouquíssimas músicas ele fez sozinho, no entanto ele é autor de centenas, dezenas de músicas, porque ele estava ali, ele promovia e isso é tão importante, quanto escrever um verso, fazer uma melodia. Então, eu estava ali: “Não, o Marcelo, eu não sei” “Porque a Karen está ligando, e não consegue encontrar”, ele tinha ficado de voltar para jantar as sete, já eram umas dez da noite e o Marcelo não era uma pessoa que atrasasse, não deixaria a namorada esperando para o jantar do dia dos namorados, não, tinha alguma coisa errada, tinha alguma coisa esquisita. E daí, ficamos na função, eu e o Nelson, que era o nosso produtor lá no Rio de Janeiro, no Royalty Barra, e daí, a Karen descobriu na delegacia, acho que na 15ª ali do Itaim que tinha tido um atropelamento e que essa pessoa atropelada tinha ido para o Hospital das Clínicas, não sabíamos, tudo indicava que poderia ser o Marcelo. Eu liguei, eu consegui chegar lá no IML, não sei que lugar é esse e consegui falar com o cara: “Sim, tem uma pessoa atropelada, está aqui, mas eu não posso falar”, nem sei se ele tinha identificação, de qualquer maneira, era uma coisa absolutamente, eu mesmo dizendo, mas eu falei: “Você não está entendendo, é o meu irmão, pode ser o meu irmão” eu falei: “Vá lá e veja se ele tem uma tatuagem de supermouse, você pode fazer esse favor?” “Posso” “Tem”, assim que eu soube. Eu fui o primeiro a saber a confirmação, nessa hora o Casagrande já tinha ido para lá. Ele foi atropelado em frente ao MIS fazendo cooper e desavisadamente foi atravessar não na faixa de pedestres e foi pego por uma motocicleta entre as filas de carro, aí foi fatal. Apagão, camiseta escura, fora da faixa de pedestres, um motoboy, um azar, um azar! Daí, Marcelo, cara, ele ia para o Rio no dia seguinte, bicho, sabe? Eu voltei na ponte, na primeira do dia seguinte, claro, durante a madrugada noticiou que era o Marcelo, todo mundo sabia que era o Marcelo, as condições dele foram péssimas! Ele não morreu imediatamente, ficou em coma alguns dias e foi o tempo para a família decidir a doação de órgãos, tal, foram três dias terríveis, bicho! Eu perdi o meu amigo, meu, 39 anos, cara! Sabe, porque é estranho, estranho, estranhíssimo! E ai, além do fato dele ficar lá e eu fui vê-lo na máquina, vivendo por aparelhos, é horrível, horrível! A família decidiu, desligaram os aparelhos, fizeram as doações, ele foi, o enterro dele foi muito barra, família estava em Portugal, Alice e o Max eram super pequenos vieram, aquela coisa triste, triste, triste. No enterro, eu escrevi umas palavras e eu falei ainda o texto, eu não sei com que cabeça eu fiz isso. Daí, a gente parou uma semana, o Jack Endino estava no estúdio pronto para gravar o disco e a gente não sabia o que fazer. Mas a gente decidiu gravar o disco, porque afinal, já tinha sido feito com o Marcelo, e registrar o disco era meio que dar continuidade a vida, ou qualquer coisa assim. Gravamos o disco e a gravação foi horrível, um período muito ruim, muito difícil, teve aquelas oscilações de ter uma grande motivação e não ter nenhuma motivação, não ter nenhuma razão para fazer aquilo. Foi um período onde eu também cheirei muito! A minha relação, daí pessoal, meu casamento estava muito ruim, continuava ruim, mesmo com o nascimento da Zoé, eu estava muito fora, tudo, a Cássia, tudo gerava, eu estava fora, estava trabalhando muito, mas aí entrou o baixo astral, entrou a curva, porque o Marcelo morreu, a gente gravou o disco, ao mesmo tempo foi um sucesso incrível, a Abril conseguiu colocar “Epitáfio” que é uma música que eu odeio na rádio. Entramos em turnê para fazer o disco, daí o disco da Cássia saiu, e a Cássia e estourou, a Cássia estourou, estourou, Malandragem estourou. Cássia começou a fazer muito show, tudo muito rápido agora eu estou falando, lançou o disco em março, nem sei, não pode ter sido em março, abril, estourou! Os Titãs lançaram o disco em outubro, a gente estava, os Titãs tinham ido para Abril, a Cássia era da Universal e eu estava com o meu disco na Warner, porque o Tom Capone, eu muito desanimado com o que tinha acontecido com “12 de Janeiro”, eu tinha feito esse disco com o show que não deu certo com a banda lá e queria lançar, então o Capone veio falar: “A Warner queria lançar esse disco”, falei: “Vou lançar sem promover nada, não faz nenhuma diferença” e eu lembro que eu fui falar para o Britto que eu queria lançar, ele: “Você está louco? Nós vamos lançar o disco agora, você não pode lançar o disco”. Então, eu segurei o meu disco. O meu disco estava pronto em outubro, o “Infernal”, os Titãs lançaram e ele tinha razão, não tinha sentido lançar o disco concomitante, já era a minha louca provocação sem perceber. Estamos falando de outubro de 2001, disco dos Titãs lançado, nós saímos do Poladian, começamos a trabalhar com a Paula Lavigne. Cássia em plena turnê, bombou o “Acústico”, ela fazia muito show e chegamos em dezembro, quando morre a Cássia, seis meses depois que morreu o meu amigo, nem isso, morre minha grande amiga! A morte da Cássia foi um segundo baque, porque ela tinha a mesma idade do Marcelo, acho que ela tinha feito 40 já? A Cássia é de dez de dezembro, a Cássia é de 61, é tinha, morreu dia 29. Eu soube, eu estava em São Paulo, ia passar o réveillon em São Paulo, a minha sobrinha viu no “Jornal Nacional” e ligou, eu desmoronei quando eu soube. Eu falava a minha relação com a Cássia era muito diferente do Marcelo por várias razões, mas de certa maneira, elas se comparam, porque havia digamos, simetria, sabe, Marcelo era meu amigo homem e a Cássia era a minha amiga mulher. De certa maneira, com o Marcelo, eu realizei muitas coisas, com a Cássia, eu realizei outras tantas que envolviam a música, mas tinha uma paixão, eu tinha uma paixão pelo Marcelo, eu tinha uma paixão pela Cássia e a Cássia era uma figura muito importante e o fato dela estar em turnê também, eu falava com ela esporadicamente, eu me lembro muito bem de falar com ela no camarim, eu tinha um orgulho louco da Cássia, sabe, do trabalho dela, dela estar fazendo show, da felicidade dela, eu amava assim, vê-la feliz, então ela entrava em turnê, ligava e aconteceu uma coisa que foi muito, ela fez um show provavelmente no Olympia, provavelmente em outubro ou por aí, e eu não pude ir, porque eu estava viajando, meus filhos foram, o show do “Acústico”, lotado e foi aí que eu: “Me liguem depois do show”. E eu lembro que foi a Sophia ou o Theodoro que ligou e me contaram que ela tinha tocado “All Star” no bis, porque eu tinha feito, eu montei o show, eu produzi o disco, junto com o Luiz Brasil, depois eu fiz a direção musical do show que estreou no Canecão, fomos para o Rio, eu, Bastião e Theodoro, ficamos lá nos ensaios, foi uma delícia, eu adorei montar o show, o show foi uma extensão e eu sugeri que a Cássia tocasse “Bichos Escrotos” no bis do show. E eu tinha gravado já meu disco, lançado e tinha “All Star” que é a música que eu fiz para ela, que conta da nossa história. Eu já contei isso, não vou repetir. E daí, eles me falaram que a Cássia tinha tocado “All Star”, ela nunca me contou, nunca foi uma sugestão minha, eu jamais faria uma sugestão dessa, acharia até meio estranho, cabotino assim. E eu fiquei super feliz e eu tive a oportunidade de ver um show da Cássia, acho que foi em Porto Alegre, ou no Rio Grande do Sul e eu vi ela cantando “All Star”, era emocionante, eu fiquei muito, chorei, que é a música que eu fiz para ela, ela cantava no bis, só de voz e violão, não era a música do show. E a Cássia morreu dessa forma estúpida também. A morte dela é uma conjunção de desencontros, de boas intenções e más escolhas, sabe, porque ela estava muito bombada e daí, para não querer um escândalo, porque ela foi para o hospital, porque ela tinha passado mal, porque ela tinha cheirado muito. Mas ela não morreu de overdose, ninguém morre de overdose 12 horas depois que entra no hospital. Uma série de coisas erradas aconteceram ali. Ela tinha um certo problema no coração, provavelmente a condução como que foi feito, eu não sei, não quero nem saber. Ela também tinha acabado de fazer 40 anos, eu tinha combinado com a Cássia já, eu brincava com ela: “Bicho, você se prepara, porque eu vou fazer três discos com você e depois, você tem muitas outras coisas para fazer na vida, do que ficar produzindo disco comigo”, sabe, e a gente tinha um disco para fazer combinado, o próximo disco ia ser muito rock and roll, tinha uma coisa assim, ela cantava o Nirvana, a Cássia podia cantar qualquer coisa e ela cantava muitas coisas. Daí, quando a Cássia morreu, eu vim para o Rio, fui no enterro, eu fiquei muito, muito mal? Era tão único o nosso encontro, eu e ela, tão legal tudo o que a gente fez. E daí, eu fiquei meio órfão assim, saca, porque o Marcelo, de certa maneira e mais tarde eu vim a ver que ferrou a minha relação com os Titãs sem o Marcelo, não tinha muita condição, na turnê que a gente estava começando a fazer, eu já vi que ele era uma peça muito importante para todos nós, claro, mas para mim, para minha tênue equilíbrio lá dentro, tinha ficado totalmente desequilibrado. Entramos 2002 sem Cássia, sem Marcelo em plena turnê, a Warner resolveu lançar o meu disco em janeiro, o ‘Infernal’ que virou um disco, eu gravei mais três músicas em estúdio, falei: “Janeiro é sacanagem, tudo bem que eu não quero divulgar o disco, mas espera o carnaval passar, pelo menos”. Lançaram o disco e o disco passou a receber uma atenção que inesperada, por conta da morte da Cássia, tanto que os Titãs não conseguiram ser primeira página da Ilustrada com o seu disco novo e eu fui sozinho, o que matou eles de inveja. E não é porque eu tinha uma assessoria de imprensa, porque o Pedro Alexandre Sanches, que era muito admirador da Cássia, resolveu olhar para o meu disco, que tinha “O Segundo Sol” e muitas coisas e olhar para mim, de certa maneira, a ausência da Cássia me colocou num certo destaque, estranho, mas tem uma quase que compreensível, era uma necessidade de ver resquícios da Cassia, ou onde a Cássia ainda havia. Por isso que eu fiz o “Dez de Dezembro” que foi lançado no final do ano, mas eu aí já pulo e vou, rapidamente, senão, a gente vai ficar, hoje já está acabando, quase, acabou? Acabou! A Vânia vai me matar. (risos) Então vamos assim, agora vamos, porque acabaram os grandes episódios. Tem um episódio, vamos lá, a minha saída dos Titãs. A turnê foi ruim, foi um desgaste da “Melhor Banda”, estávamos todos exaustos, vínhamos da morte do Marcelo, de uma mudança de gravadora, de uma mudança de empresário, de uma turnê que de certa maneira tinha sido bem sucedida, “Epitáfio” fez muito sucesso, então, colocou a gente de volta no mercado, a pausa tinha sido inteligente, a gente estava fazendo, Titãs era um nome forte, então a gente fazia muito show e os Titãs estavam muito interessados, queriam emendar esse disco no outro, entrar para produzir um disco, entrar em estúdio para criar e eu fazia com o sucesso, ou alguma a atenção que o “Infernal” recebeu, inesperadamente, mais por conta da morte da Cássia, eu estava com uma agenda, as pessoas começaram a me procurar, se interessar por mim. E a morte do Marcelo, a ausência do Marcelo e a própria ausência da Cássia e o impacto das duas mortes me fez pensar na vida de uma maneira diferente, falei: “Eu não vou ficar esperando, com sonhos na prateleira, porque a gente não sabe o que vai acontecer”. E quando os Titãs começaram a me pressionar muito para gravar um disco, terminar aquela turnê e entrar em estúdio, eu falei: “Vocês estão loucos, eu sou contra. A gente vem de uma turnê exaustiva, a gente perdeu o Marcelo e eu perdi a Cássia, ela morreu, eu não aguento”. A última coisa que eu quero é terminar tudo isso e entrar em estúdio todos os dias, sabe, e olhar para Sergio Britto, que amo, mas não tinha condição. E ficou-se uma coisa assim, eu falei: “Não, eu sou contra”, ele falou: “A banda vai entrar em estúdio”, eu falei: “Eu não vou entrar”, então ele falou: “Então, você está fora” “Então estou fora”. Dia sete de setembro de 2002, meu grito de independência! Dom Pedro III José Fernando saí dos Titãs, o último show foi horroroso, a gente estava no Norte, São Luiz, o último foi Manaus. Daí assim, saí dos Titãs, no dia seguinte, já estava fazendo um show, inaugurando uma transmissão do Bem Brasil em Macapá e começou um período novo da minha vida, que eu conto para vocês depois.(risos)

P/1 – Próximo episódio (risos). Andou hoje, está em 2003…

R – 2002, 2003. Faltam só dez anos.


FINAL DA ENTREVISTA

Correios – Museu da Pessoa
Depoimento de José Fernando Gomes dos Reis
Entrevistado por Rosana Miziara
Realização Museu da Pessoa
HVC_03_Parte 5_José Fernando Gomes dos Reis
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Mariana Wolff
MW Transcrições

R – Então, depois que eu lancei o disco o “Para Quando”, eu fiz essa turnezinha mal sucedida e saí dos Titãs, abriu-se um espaço na minha vida para me dedicar a minha carreira, o que movimentou. Enfim, a própria saída dos Titãs tinha como objetivo isso e eu tinha consciência de que era um renascimento, aliás, a reconstrução, a construção daí de uma etapa

profissional muito distinta e que exigiria uma certa, os Titãs tocavam para dezenas de milhares de pessoas, sabe? A gente vinha, embora numa curva um pouco descendente, os Titãs estavam num patamar muito diferente do que eu já tinha percebido pelas experiências isoladas de discos solos, que seria um outro patamar e tal e isso que inclusive me agradava, até a própria ideia de trabalhar, de voltar a tocar em lugares menores e criar uma identidade e o curioso…

P/1 – Você queria isso?

R – Eu queria, não que eu desejasse a precariedade, mas por outro lado, pela consciência mesmo do que são feitas e constituídas as carreiras e tudo mais, de que algumas coisas ali precisavam ser de fato, ajuntadas, porque assim, eu percebi rapidamente, que uma identidade meio fragmentada na cabeça das pessoas, do público, do contratante e tudo mais, que era o ex-baixista dos Titãs, ou baixista dos Titãs, ou Titã compositor,

produtor da Cássia Eller e mais ou menos, era juntar tudo isso e ver o que é que isso resultava. Mas, a principal que eu tinha consciência de que eu precisava ter uma agenda para montar uma banda, que eu queria ter uma banda! O que mais me afligia era a ideia de ser um músico solo e precisar contratar, porque isso é mais ou menos o que eu passei nas minhas curtas experiências com “12 de janeiro” e o “Para Quando”, não tendo uma banda fixa, você fica sujeito a ter músicos que não podem ir, manda substituto e isso me aborrecia essa ideia, me preocupava, mais do que isso, porque o que eu gosto, o que eu sempre procurei nos discos e sabia o que eu queria era ter uma sonoridade, uma sonoridade não se adquire com músicos contratados e pinçados, ela se adquire com o tempo e esse conceito de banda que era dos Titãs constituía a minha gênesis, assim, o meu DNA e por isso que rapidamente, mesmo para a banda que eu montei para divulgar o “12 de Janeiro” conheci o Cambraia, o Pontual, o Alex veio para gravar o primeiro disco que eu fiz já na Universal, pela gravadora pela qual eu fui contratado, primeiro disco solo e eu trouxe o Berrett, que era o baterista que gravou lá em Seattle, o Alex também, eles gravaram e o Alex. Foi daí que eu posso dizer que começou com mais, digamos, continuidade a ideia de ter uma banda, que no disco seguinte “MTV ao Vivo” eu batizei de “Os Infernais”. Há um dado importante que foi nesse momento…

P/1 – Por que é que é “Os Infernais”?

R – Por quê? Por causa da música “Infernal”, que eu fiz que a Cássia gravou no “Com Você”, eu tocava essa música, sempre gostei muito dessa música e no disco que eu fiz, que eu deixei registrado o que seria a turnê do “Para Quando”, que foi a tal mal sucedida, eu gravei na “Toca do Bandido”, no estúdio do Tom Capone e depois, a Warner lançou, eu acho que eu cheguei a falar disso, foi um disco que, de certa maneira, teve uma repercussão nessa lacuna que ficou da Cássia, os holofotes um pouco que voltaram para mim, algum grau de interesse, eu estava fora dos Titãs e isso deu uma certa impulsionada, vamos dizer assim, evidentemente, a contra gosto, mas era uma coisa da qual eu também não tinha como escapar de ficar associado, aliás é uma associação muito boa e justa, inclusive, porque o meu trabalho com a Cássia foi muito importante para mim e para ela. Então, essa herança, de certa maneira, contribuiu. E o nome “Infernal” vinha dessa música e eu lancei esse disco chamado “But There’s Still a Full Moon Over Jalalabad”, que era um título enorme, maluco, por causa da Guerra do Afeganistão e “Infernal”, que era o título brasileiro, em português. Uma coisa que deu sequência a essa série de reviravoltas na minha vida foi que eu me separei da Vânia logo depois…

P/1 – Em 2003?

R – Foi no final de 2002 mesmo.

P/1 – Nossa, que ano!

R – 2001 morreu todo mundo, em 2002 eu me separei dos Titãs. Foi assim? Eu já me confundo um pouco, mas, tudo bem, se não for nesse ano é estranho, deve ter sido nesse ano. Eu acho que toda essa questão, a saída dos Titãs e a separação da Vânia fazem parte, hoje eu posso perceber, de um certo

processo de busca de identidade própria, estranho, porque o casamento não é uma coisa, mas a forma como você se casa, ou se você se relaciona num casamento, e posso estender a noção de casamento com os Titãs também, no qual você não sabe aquilo que você tem que fazer concessão, aquilo que você faz por desejo do outro e não por si próprio. E esse período de separação que se associou um pouco ao início da minha carreira solo, sei lá, hoje eu posso ver, porque eu voltei a me casar com a Vânia e olhar da forma atribulada que foram toda a reconstrução da minha própria vida pessoal, ou a procura dessa identidade, tanto musical,

profissional, quanto pessoal, segue como num paralelo. Daí sim, eu estava na Universal e lá fiz alguns, muitos, três discos de estúdio: “A Letra A”, depois o “Sim e Não”, depois “Drês”, intercalado entre todos eles por discos projetos, vamos dizer assim, o “MTV Ao Vivo”, depois 2005, e daí, o “Lual” e depois o “Bailão do Ruivão”, todos eles vinculados, próximos com a MTV, que era uma emissora importante e não dá para dissociar também o fato de que eu separei da Vânia, porque fui namorar a Anna Butler, que era diretora da MTV, as coisas sempre acabam misturadas. Assim, profissionalmente, eu tinha um desejo e sabia que tudo começaria com a formação de uma banda, para que eu pudesse ter uma sonoridade minha, eu como disse, gosto de banda. Abri um escritório meu, pois eu tive relações que não foram muito satisfatórias com outros empresários, eu tinha uma ideia que sempre me acompanhou de que a relação empresário/artista, ela é muito particular e o meu modelo sempre foi com o José Fortes, do Paralamas, ou do Fernando Furtado com o Skank, amigos de infância, de certa maneira. Então, eu queria me tornar a minha autossuficiência ou o projeto de solo concebia toda essa montagem: a formação de um escritório, cuidar da minha editora, certo? Algo que anos depois tomou o último estágio, que foi quando eu saí da Universal. Eu vou mais ou menos compactar tudo isso num processo, porque também ficar contando cada disco e tudo mais, porque eu acho que o forte dessa etapa é essa ascendência que se deu nesse período da minha carreira, a consolidação, melhor dizendo, que foi ascendente. Porque uma das coisas que eu me dei conta foi assim: as pessoas olhavam para mim com essa coisa meio dispersa assim: compositor da Cássia Eller, parceiro da Marisa Monte, produtor da Cássia Eller ou autor não sei do que do Skank, baixista dos Titãs e tudo mais e eu fazia os shows e ninguém sabia que algumas músicas que eu tocava eram minhas e de certa maneira, eu quis resgatar e trazer um pouco, por isso esse disco, o “MTV ao Vivo” teve muito essa importância, porque isso era importante, não por uma questão, eu adoro as pessoas que gravaram as minhas músicas e sei que o intérprete acaba, de certa maneira, se apossando da música e isso é natural. Muitas vezes é legitimo, sabe, e eu, como compositor, gosto de ter músicas gravadas e estar indiretamente nas paradas, sem que saibam que ninguém fala muito do autor. Mas era importante para o meu show e para essa construção dessa identidade, um pouco afirmar que tudo isso tinha, estava reunido em torno do meu nome. Então, passo a passo foi um pouco isso, “MTV ao Vivo” que foi o disco que deu sequência ao “A Letra A”, foi o disco meu que mais vendeu, sei lá, 150 mil cópias, qualquer coisa assim, que é uma marca, hoje em dia, parece fenomenal, e foi bastante expressiva. Eu gravei esse disco em Porto Alegre, no Bar Opinião, disco ao vivo. Nessa época “Os Infernais” o Alex veio já morar no Brasil e daí, eu tinha uma base forte de “Os Infernais”, a formação, que era Pontual, o Cambraia, o Alex e nesse disco foi o João Viana, que depois saiu, o João é filho do Djvan, o Djvan chamou ele para trabalhar e ele, e a minha agenda ali era ainda muito esparsa um pouco. Daí, entrou o Diogo, que é a formação que ficou muitos anos. Curiosamente, o “MTV ao Vivo” teve uma música que fez muito sucesso no rádio que foi “Por Onde Andei”, que daí, ter uma música no rádio é um negócio muito bom, sabe? Porque impulsiona a venda de shows e é através dos shows que a gente sobrevive e vai formando um pouco o nome. Eu sempre acreditei que a minha…

P/1 – Mas você teve essa entrada já no rádio sempre?

R –

Sempre tive, mas assim…

P/1 – A impressão que eu tenho é que você sempre teve no rádio.

R – Eu acho que de certa maneira, eu sempre tive no rádio. As pessoas tem uma ideia a meu respeito, que me chamam de hitmaker, sabe? Como se fosse uma coisa assim, eu acho engraçado isso e não acho descabido, porque de fato, eu estava te contando eu fiz e sucedendo a isso a minha carreira, eu sempre considerei a minha carreira solo, justamente, essa somatória de vetores, certo, essa quantidade e uma delas é de ser um compositor, um parceiro, principalmente do Skank, que colocou muitas músicas no rádio, muitas. Depois do “Resposta”, aí teve “Dois Rios”, eu nem sei exatamente, “Ali”, que não foi muito, mas foi suficiente, várias músicas, “Eu e a Felicidade”, “Sutilmente”, os títulos eu nem me lembro. A música muito forte no rádio foi a “Do seu Lado” que o Jota Quest gravou primeiro e eu regravei ela nesse “MTV ao Vivo”. Engraçado, eu quando recebo os meus extratos e vou ver o que eu recebo de direitos autorais, que é bastante, eu vejo que tem muita gente que toca as minhas músicas, mas há uma característica curiosa assim, por exemplo, “All Star” é uma música que pô, é muito comum, é uma música muito querida em público, comove as pessoas e tal, ela não tocou no rádio, assim, massivamente, saca? Não foi um negócio: pá. Quando a Cássia morreu e eu lancei o disco próximo o “Dez de Dezembro”, ela tocou alguma coisa, mas nas rádios adulto contemporânea, tocou bastante no Rio de Janeiro, que tem o perfil de rádio um pouco diferente do que é de São Paulo. Eu acho que muitas músicas minhas e que criam essa impressão de que tudo o que eu faço é sucesso, que não é verdade, ainda bem, e como que se o meu ofício fosse fazer músicas de sucesso, o que isso é uma completa distorção, eu não faço músicas, o desejo de que elas façam sucesso tem a ver com desejo da origem de qualquer, da minha própria profissão de ter uma comunicação, de criar identificação e isso se dá por diferentes formas e não por uma fórmula, sabe? E essa concepção, por exemplo, rádio é muito amarrado numa coisa que salvo exemplos importantes que contradisseram isso, músicas da Legião Urbana de oito minutos, o rádio está em cima do modelão, música de três minutos, com refrão e tudo mais e é isso que pega, é isso que as gravadoras quando vão ouvir escolhem para ser a música de trabalho, certo? E “All Star”, por exemplo, embora tenha o refrão “Relicário”, por exemplo, que é uma música muito que as pessoas cantam, é uma música que nunca tocou no rádio, uma música com uma letra complexa, vamos dizer assim, ou bastante abstrata, certo? Há dois tipos de coisas: músicas que tocaram…

P/1 – Tocava na Eldorado.

R – Mas a Rádio Eldorado, há essas rádios, felizmente, o rádio de certa maneira mantêm essa coisa horizontal do dial de que tem rádios com características diferentes, não se pretendem ter rádios só tocando a música de trabalho ou rádios populares que tocam oito vezes a mesma música no dia, ou a música. E é um pouco disso que eu criei nesses lugares que eu também sou top, executam muito as minhas músicas e tudo mais, é o tipo de coisa que eu gosto, porque não é um sucesso necessariamente imediato, mas vai criando e é um pouco isso que aconteceu na minha carreira, eu gosto desse…

P/1 – Que a gente estava falando lá…

R – Dessa forma de criar, eu acho mais sólido. Eu já vivi picos de popularidade e depois, depressões abissais de ostracismo nos Titãs, o contraste do “Õ Blesq Blom” para o disco seguinte que é “Tudo ao Mesmo Tempo Agora”, ainda mais no “Titanomaquia” é muito grande e você deixar de tocar no rádio, que naquela época fazer uma música pesada, cheia de reivindicações que não mais as políticas, que eram no “Cabeça Dinossauro”, mas de outra área, afasta, afugenta o público e tudo mais. Então, eu sei e no entanto, e os Titãs aí por conta de toda essa somatória, não porque tiveram um pico de sucesso, certo? A longeva e admirável carreira dos Titãs que mantêm até agora, é feita de tudo isso e é obra, é patrimônio, é construção, é legítimo. Eu sempre fico puto quando as pessoas me falavam: “Ah, por que os Titãs não param?” porque não pode parar, porque não querem parar e porque não devem parar. E assim, de certa maneira, eu aqui, um braço dos Titãs, certo, como eu me sinto e sou, também fui construindo, só que uma banda com as características dos Titãs é muita coisa junta, precisa esse empenho, essa disponibilidade conciliatória que eu deixei de ter naquele momento. E aí, eu fui vivendo, sabe, então estar hoje em dia e fazer show, ter uma música recente, como o “Sei”, que é do disco novo, que tocou numa novela, que é um sucesso, não é um mega sucesso, mas é um sucesso para as pessoas que acompanham o meu trabalho e vão aos shows e que cantam, quanto “Relicário” que foi, ou introduzindo as músicas novas, ou me apresentar no festival, como foi o Rock in Rio e ter dentro do meu repertório, uma gama de músicas que eu possa escolher, mesclar. Enfim, são trabalhos de 30 e tantos anos e ao mesmo tempo, que não para, que não modifica a própria forma como ele se dá, que é essa de fazer discos e colocar no rádio, querer viver esse desejo, mas eu não faço músicas para isso, eu faço músicas para primeiro lugar, para me entender comigo mesmo, e para necessidade de expressão e evidentemente que é a ferramenta de trabalho e a minha profissão e o prazer que eu sinto com ela me leva a considerar tudo isso e saber da importância que eu estou te dizendo. Eu adoraria que todas as músicas ou algumas, ou pelo menos duas, três do disco tocassem no rádio, fossem, porque isso garante uma renovação de público, chama a atenção a você e facilita muito as coisas, mas no entanto isso é quase que secundário, é indireto, melhor dizendo, não é uma coisa que é o meu objetivo. Seria uma consequência daquilo que é qualidade e a misteriosa forma de como as coisas se batem nas pessoas e criam uma identificação, porque realmente, seria lamentável se eu fosse o hitmaker que tem o dom do sucesso e faz as coisas e nem depende de trabalho, seria deprimente, porque o que eu quero, o que é a minha necessidade, o que é fundamentalmente atraente em tudo isso é não saber o que vai acontecer, desejar que aconteça alguma coisa e eu não desejo que aconteça só uma coisa, eu gosto de toda essa variação das músicas. Vai, diga.

P/1 – É porque a gente começou a falar do rádio e a gente foi parar nisso, super legal isso que você falou. Lá quando você foi gravar em Porto Alegre, por que em Porto Alegre?

R – Esse projeto da MTV...

P/1 – No Café Opinião?

R – Bar Opinião.

P/1 – Bar Opinião, desculpa.

R – Ele é um pouco feito, pessoas gravam na sua cidade natal. Eu queria um pouco chamar a atenção, eu não queria gravar em São Paulo, acho que alguém já tinha feito, ou não tinha lugar adequado para o tipo de show, que eu acho que seria digno de registro, um show num lugar pequeno, com as pessoas em pé, e não sentadas, participando ativas e tal, Porto Alegre é uma cidade muito forte na cena musical. Eu sempre tive, profissional e pessoalmente, uma relação intensa com a cidade. Eu fui para lá, um pouco por causa do lugar, o Bar Opinião, que é um lugar típico de rock, por conta de acreditar que era um lugar onde eu me sentiria confortável, poderia registrar com fidelidade e mais espontaneidade a minha movimentação em cima do palco. Uma coisa que é importante lembrar é assim, durante anos eu fiquei no Titãs e por maior que fosse o meu desejo de ter uma carreira solo e tudo mais, eu pouco pratiquei isso de subir ao palco e ficar sozinho, cantar todas as músicas. O show dos Titãs era caracterizado por ter cinco “boa noites”, cada um dos cantores, chegava no quinto, às vezes era eu: “Boa noite”, vou falar “tchau”, todo mundo: “Boa noite”, tem poucas músicas e essa surpresa se deu já quando eu fui cantar no meu primeiro disco em que que falei: “Cantar 12 músicas, como é que eu faço?” Então assim, embora eu gosto da posição de estar no palco, isso é uma coisa satisfatória também, uma realização desse novo resultado, daquela nova etapa, porque eu me sinto um man leader, eu gosto de estar ali, eu gosto dessa posição, de saber o que quer, de escolher o repertório, de determinar, de conduzir o show, de conduzir a banda e tudo mais. No entanto, a minha forma de me comunicar com a plateia não é uma coisa muito, eu sou, às vezes, verborrágico (risos) falo um pouco bastante, entendeu? E gosto, eu sou da escola do Gil, sabe, o meu ídolo sempre foi o Gil, sempre adorei sentar e assistir os shows dele, aquelas digressões malucas. Aquelas coisas que vão e por outro lado, isso é uma coisa meio perigosa, certo? Às vezes, você pode se tornar muito chato até, tem gente que acha que eu falo muito, mas a possibilidade de me fazer entender ou de me sentir à vontade, nunca se deu até hoje, eu sou um pouco avesso, eu não tenho muito o gestual de grande escala do: “Alô galera!” Sabe? Eu fui ver um show do Skank no Rock in Rio, eu fiquei admirado, Samuel é um cara, ele faz, ele comanda aquela multidão. Eu sou mais tímido, eu tenho uma certa dificuldade, sabe, às vezes é um pouco de vergonha mesmo de fazer, porque se não for legítimo fica feio, demagogia. E eu acho bacana, mas eu não sei muito bem, sabe? Ou tinha que descobrir, então, ir para Porto Alegre tinha um pouco, era o meu tamanho.

P/1 – Entendi.

R – E daí, se você assistir o show ou foi, eu sei o que fazer, não é que eu estou perdido no palco, eu adoro o palco e acho que tem mesmo a manha, mas ali precisa ser, é muito de quem gosta de mim também, eu preciso me sentir entendido. Eu não sou impositivo e não conduzo uma massa se não souberem o que está acontecendo, se não souberem o que está acontecendo comigo e primeiro, é ficar bem, confortável. Então, eu fui para Porto Alegre por isso e foi incrível, porque eu fiz uma música com o Arnaldo, que chama-se “Mantra”, porque assim, eu sabia, sabe? Que nem os Titãs tiveram a sacada de chamar músicos, convidados para fazer o “Acústico”, que no até então, hoje é, nem tem mais “Acústico”, mas durante os anos que seguiram, virou quase como se fosse do conceito do projeto e não é, a gente que fez e aquilo foi tão legal, que todo mundo passou a fazer também. Mas para o “Ao Vivo”, eu adotei essa coisa de convidados. Eu me lembro bem que eu fui assistir o “Acústico” do Ira e daí, eu estava assistindo, eu estava com uma gripe, eu me lembro assim, não conseguia nem ver o show direito, e daí eu fiquei pensando: “Se me chamassem para fazer um “Acústico”, quem eu convidaria?”, foi nesse dia que eu tive um insight, essa ideia de chamar os Hare Krishna, por quê? Porque eu sou fã do George Harrison, fã, é o meu Beatles predileto, sempre foi, desde quando eu era pequeno. Eu achava tudo incrível nele. E quando ele saiu, quando acabaram os Beatles, o primeiro disco do George Harrison é “All Things Must Pass”, que é um disco incrível, que eu ganhei assim que saiu, minha avó trouxe de Londres, ou minha mãe trouxe de Londres, me lembro, aquilo foi uma das coisas mais impressionantes, sabe? Uma memória muito presente e abri o disco é lindo, é um caixa com três discos e abri, o papel é lindo, é um laranja, é um roxo e um verde musgo e tinha o pôster, o cheiro e tinha “My Sweet Lord”, que foi a música que fez muito sucesso, o George Harrison sim tinha uma relação com os Hare Krishna, eu nunca tive, eu sou pagão, ateu, eu não acredito em Deus, então eu não tenho, mas tinha uma questão musical ali que me agradava e tinha uma própria homenagem indireta. E eu fiz essa música, foi engraçado, porque eu tinha uma música, uma letra em inglês, uma historia bizarra, Paula Lavigne uma vez, falou – ela era muito amiga da Anna Butler, que era a minha namorada – que o Rick Martin queria gravar uma música e tinha um canal para mandar uma música para mandar para o Rick Martin e eu fiz uma música em inglês, com a ajuda da Anna, que era uma letra que jamais, nem o Rick Martin, nem ninguém gravaria, porque era bizarramente fora do padrão, assim de qualquer coisa.

P/1 – Qual que era?

R – É “Half Calf”, quer dizer meio bezerro, era toda em cima de umas onomatopeias, era uma coisa assim e num inglês, mas enfim, nem cheguei a mandar a música, felizmente, felizmente não, a música ficou ali e ficou a melodia, que era bonita, na minha cabeça. E eu, daí um dia, mas era uma parte só, daí um dia, eu estava dormindo e acordei com uma ideia de refrão para ela e eu não tinha como gravar e eu lembro que eu estava no Rio de Janeiro, e eu liguei do telefone fixo para o meu celular para deixar gravado na secretária eletrônica (risos), para não esquecer, que é comum acontecer isso, para todo mundo e eu tive essa brilhante ideia. Entusiasmado com essa ideia, no dia seguinte tive uma reunião com o pessoal da gravadora e da MTV, falando sobre isso, de uma música com os Hare Krishna, música essa que não existia, cujo refrão eu tinha tido na noite seguido e eu tinha um pouco essa fama de doidão, certo? Pelos meus hábitos, que se estenderam duramente muitos anos de beber e cheirar muito e tal. Então, eu tinha uma questão ali, que sempre conviveu e me atrapalhou bastante a minha carreira, que foi esse uso abusivo de álcool e pó. Atrapalhou tudo, hoje que eu estou bem calmo, eu posso falar – estou falando aqui, porque não é um assunto que eu queira mais tratar, eu já tratei e já me ferrei, sabe, falei: “Que idiota, estúpido, por que eu vou falar sobre isso? Não vou dar explicações, por que eu vou falar sobre coisas que não tem que falar?”, mas para o Museu da Pessoa, eu posso falar, porque vai ficar ali na minha sala: Nando Reis. A ideia mesmo de chamar os Hare Krishna, porque eu gostava da coisa cênica das cores e da música. Eu fiz a letra, aliás, não conseguido fazer a letra, porque eu estava com essa maldita letra de meio bezerro na cabeça encalacrada, eu não conseguia me livrar dela e liguei para o Arnaldo. O Arnaldo fez a letra brilhante do “Mantra”, que me lembro que ficou

pronta no dia da gravação e foi incrível, porque eu tive a ideia dos Hare Krishna e chamei, eu ia ensaiar no Rio de Janeiro, a turma do Templo de Teresópolis e baixaram lá um monte e a gente ficava ensaiando e eu adorando, sentado no chão, cantando. A música, essa tal “Mantra” tinha uma versão que era gigante, de 15 minutos e tal, que a gente, evidentemente, não ia levar dessa forma, porque não queria que fosse e para a minha surpresa, a gente tinha ensaiado, tudo mais, mas no dia de ir para Porto Alegre, a gravadora falou que não ia, achava aquilo uma extravagância…

P/1 – A gravadora achou?

R – Achou, custava 13 mil reais para levar, era muito dinheiro. Daí, eu falei: “Tudo bem”, como eu era empresário na época, eu falei: “Vamos bancar. Eu quero, acho importante”. Daí, fomos e fizemos dois dias lá de gravação, três dias, na verdade. Dois dias foram para gravação e um dia foi só interno. E daí, a gente começou e apresentou e aí, o Marcos Pierre, que era diretor da Universal que estava lá, no dia que ele viu, no primeiro dia, ele no final do show falou: “É maravilhoso os Hare Krishna a gente paga”. Então, pagaram e tudo bem. Mas assim, foi muito legal.

A gente fez essa turnê com os Hare Krishna em algumas cidades…

P/1 – Como é que foi essa turnê com eles?

R – Felizmente, eles não tocaram (risos), porque é uma turma muito louca. Foi maravilhoso, era bonito para caralho, porque dava um astral, sabe? E tinha aquela coisa das guirlandas que eles faziam, aquela turma bem, assim, eu não sou religioso, sabe, eu não tenho essa, não é nato meu essa relação com as divindades, tudo mais, mas eu respeito todas elas e de certa maneira, gosto de estar em contato e ver as coisas boas que tem nessas evocações da fé, nessas turmas e principalmente, o Hare Krishna tem essa coisa com a música, que é bonita. Era um pouco caótico, nós não fizemos uma turnê inteira, até porque era inviável, mas alguns shows, sempre que dava, perto do Rio, ou quando tinha comunidades, durante anos, eu era o rei dos sinais de São Paulo, quando tinha Hare Krishna, todo mundo vinha no meu carro (risos). Lá na Rebouças com a Henrique Schaumann, tinha uns Hare Krishna, toda hora, todo lugar que eu vou, baixava um Hare Krishna, ganhei vários presentes em várias cidades do Brasil. Agradeço a todos. Foi um barato, foi super legal. A música é linda, chegou a tocar numa novela e olha que coisa curiosa, a música é bacana, até hoje, as pessoas, alguns se lembram dela, preciso, aliás, voltar a tocar essa música, uma letra do Arnaldo, linda. Daí, teve um problema, ela não tocava em nenhuma rádio evangélica e muitas rádios são comandadas pelos evangélicos. Então, ela tocou numa novela das sete, que eu não me lembro o nome, fez um relativo sucesso, mas no rádio brecou. Assim, daí Porto Alegre, já vou emendar, porque é uma cidade que tem uma relevância na minha vida, geograficamente e pessoalmente, porque eu conheci uma pessoa lá, de quem eu anos eu fui muito apaixonado, tive uma relação platônica, que é a Nani, que é a mãe do Ismael, para quem fiz muitas músicas, assim e é curioso, porque a nossa vida sempre viveu numa gangorra. Quando eu estava separado, num desses períodos, nos meus recessos, ela estava casada. Então, a gente nunca namorou mesmo, teve uma coisa assim contínua e ela ficou sempre nesse espaço meio idealizado da musa e tudo mais, até por isso também, tantas músicas eu fiz para ela, “O Segundo Sol” foi feito para a Nani, por exemplo, que é uma pessoa muito diferente de mim e que exotérica, digamos assim, ou que tem uma relação muito diferente, eu sou mais cético, mais racional, qualquer coisa assim e me lembro bem que a Nani chegou e veio me contar um dia, super entusiasmada que o segundo sol ia chegar e eu falei: “Bicho”, quase que muito sarcástico, cinicamente: “Você tá louca?”, a NASA já teria avisado de um segundo sol, em cima de uma teoria, não sei quem, Nostradamus, acho que é uma teoria, alguma coisa assim. Imediatamente quando ela veio falar dessa teoria com tal entusiasmo, eu reagi dessa maneira, respondi dessa maneira cínica, eu me senti muito mal, porque eu fui meio que eu desdenhei, sabe? A crença dela e escrevi: “O Segundo Sol” comentando isso, especificamente sobre essa ideia, mas a música serve muito, como o segundo sol sendo uma metáfora que se contrapõe à ideia de verdade absoluta, sabe? Ela tem: “Eu só queria te contar que eu fui lá fora e vi dois sóis num dia e a vida que ardia sem explicação. O seu telefone irá tocar”, porque meio que depois dela falaram isso que ela ia se casar e eu: “sabe, não vamos mais nos falar, vou casar, agora não dá” e eu falei: “Eu só vou te ligar agora quando vier o segundo sol”. “O teu telefone irá tocar em sua nova casa que abriga agora a trilha incluída nessa minha conversão”, a minha conversão é justamente a não ser tão cético. Então assim, e muito mais do que o astro ou a teoria de Nosferatu, Nostradamus, (risos) é um pouco isso, quem disse que tem? Eu mesmo não acredito na verdade absoluta, é claro que dificilmente, o segundo sol não pintou ainda, mas eu não estou falando sobre, você pode entender as coisas de uma forma como se elas fossem simbólicas, não exatamente factuais. E a música fala sobre isso. Então, a Nani, que é uma gaúcha, que era uma fã dos Titãs.

P/1 – Você conheceu ela onde?

R – Conheci há muitos anos, a Nani era uma menina muito bonita, é uma mulher bonita, mas ela era estonteantemente bonita quando eu a conheci, ela tinha 17 anos e ela estava seguindo uma turnê com os Titãs, como groupie, como fã. A gente estava numa turnê pelo Sul e um dia a gente estava todo mundo no mesmo andar, saca? Assim, e era o quarto dia de show, domingo, depois até de terminar o quarto show e eu estava tocando violão e a gente ficava no mesmo andar e então estava todo mundo ali de porta aberta, estava me comunicando com o Branco, de repente, eu estava tocando violão, eu vi uma menina aparecer assim, esguia assim, espiando assim e eu olhei, ela tinha uns olhos azuis intensos, muito bonitos. E daí, eu fiquei: ‘Uau!” chapado, e eu estava separado da Vânia. Acho que isso era 93, provavelmente. A gente ficou amigo, sabe, eu fiquei muito a fim dela, assim, e o “Relicário” engraçado, muitas músicas que eu escrevi para ela falam justamente da impossibilidade. O “Relicário” é uma música também que eu fiz para ela e quando a gente estava juntos e tal e ela também não podia, ela tinha namorado, as duas vezes eu estava separado e daí, a gente passou essa noite o “Relicário”, aquele verso: “Morre a lua porque longe vai, sobe o dia tão vertical, o horizonte anuncia com o seu vitral, que eu trocaria a eternidade por essa noite, por que está amanhecendo? Se não vou beijar seus lábios quando você se for”, a gente tinha passado uma noite juntos tocando violão e eu fazendo a música para ela e ela ia embora de manhã, porque ela tinha isso me visitar e podia, daí ia lá para sua vida e não podia e não ia rolar, sempre foi essa coisa dramática. E quando eu me separei, depois da Anna, de novo, mistura tudo para você ver como é uma coisa sempre andou junta musical/história. Então, nesse período que eu estava separado da Vânia, nós estamos falando de 2003, agora 2004, já não sei mais, mas por aí, Porto Alegre, estamos falando de Porto Alegre, na verdade. A Nani é de Porto Alegre, embora, nessa época, ainda

morava em Porto Alegre e em 2005, eu finalmente, comecei a namorá-la, a gente pôde, foi janeiro de 2006. Depois do “MTV ao Vivo”, eu fiz o “Sim e Não”, então, desse disco “Sim e Não”, era o meu segundo disco de estúdio para Universal, eu estava num período sem beber, porque eu vinha bebendo muito assim, eu resolvi parar, fui

para o

AA e tudo, sabe? Assim, ver como fazia para ficar longe da bebida. Eu sempre tive uma coisa, é uma coisa muito da minha família, sabe assim, não tem nenhum alcoólatra na minha família e acho que a própria definição de alcoólatra, ou alcoólico, no meu ponto de vista, como tal, porque como definição em toda literatura médica, eu sou alcoólatra e tudo mais, discutível, certo? Você não se define uma pessoa e tal, mas enfim, de qualquer maneira, a minha família sempre teve uma certa apologia à bebida, isso faz parte, principalmente da cultura masculina, sabe, meu avô tomava o seu whisky, meu pai toma o seu whisky, meus irmãos tomam e a embriaguez eu sempre achei graça nisso, sempre bebi desde pequeno. A questão acho que se agravou, e aí é que está, por isso que eu acho discutível toda essa parte genética e tudo mais que muitas vezes, não cabe aqui tratar sobre isso, mas isso, eu estou colocando porque sempre ficou na minha cabeça como, o quê que é, o quê que não é, como que se faz, tudo mais. Isso eu compreendi e tive dificuldades mesmo até depois desse período que eu parei de beber, depois voltei a beber, que eu associei a bebida ao meu trabalho, diferentemente do meu avô e o meu pai que tomavam os seus muitos whiskies no fim de semana, ninguém tomava um whisky para ir para o escritório de engenharia, saca? Como eu. Então, isso intensificou o meu uso de álcool e de certa maneira, misturou o uso de álcool para essa coisa que mistura, não é só ia ao trabalho, é o trabalho que tem uma área da criatividade, da produção, da criação que o álcool tinha a sua função liberatória e que de certa maneira equivocada, hoje eu posso dizer que estou de novo, num período de sobriedade assim, sabe? Então, mas eu vejo que o álcool e mais ainda diferentemente do meu avô e do meu pai, que eu acredito, nunca me contaram, nunca usaram cocaína como eu usei nem para fazer um cálculo e nem mesmo para ir a uma festa, acho eu. Mas então assim, além de tudo, eu juntei com pó, que é uma droga muito pesada. É o efeito da cocaína e por mais que ela não crie, aparentemente, uma dependência, você não cheira e fica, mas tem uma coisa compulsiva. Enfim, tudo isso se misturou, de certa maneira, e afetou muito as minhas relações, ficou muito misturado na minha vida profissional e na minha vida pessoal, então, sofreu muitas consequências desastrosas, eu diria. Eu não vou entrar no detalhe disso, vou falar sobre isso genericamente. Vamos cortar para voltar para 2006, onde eu estava sem beber e tal e por coincidência, primeira vez nas nossas vidas, eu e Nani estávamos disponíveis e a gente começou a namorar, foi um namoro um pouco difícil também, porque ela mora no Rio Grande do Sul e eu em São Paulo e foi assim que ela engravidou e nesse momento eu tive então na minha vida, depois em outubro, dia 24 de outubro de 2006, o meu primeiro filho com uma mulher com quem eu não fui casado, porque com Vânia, fui casado e de novo, estou casado. Então, era uma coisa muito diferente, porque mesmo quando o Ismael nasceu já, logo depois, eu sabia que a gente não ia se casar, porque ela já tinha dois filhos e era muito difícil e não tivemos essa, embora, hoje, Ismael vai fazer sete anos, é um menino muito saudável e eu adoro ele e ele é o filho meu tão amado quanto os outros e muito participativo, ou participador, participante da nossa vida familiar, a Nani se dá bem com Vânia, aqui a gente tem uma família, digamos, nada ortodoxa e muito aberta e muito legal, porque ele visita, agora está grande, meus filhos se dão muito bem com ele e o irmão dele, a nossa família tem essa grande família, saca, assim? E aí, nasceu Ismael, eu fiz esse disco e nesse período da minha vida, como eu te disse, é o meu lost weekend e eu posso dizer isso, porque eu não diminuo nem a nada, sabe? Nem a importância das coisas que eu fiz e nenhuma das mulheres com quem eu me envolvi foi um erro de maneira alguma, foram relações importantes e tiveram o seu lugar, sabe? E é assim que é feita a vida. Depois daí, eu voltei, e meus filhos crescendo e eu morando separado da Vânia, morando numa casa, a Vânia ficou na casa do Itaim, que era nossa já, ficou com ela e eu aluguei uma casa ali na Vila Madalena. Eu acho que tem uma coisa que cabe aqui falar que tem a ver com a forma como eu penso a vida e assim, eu e a Vânia tivemos nesse momento de separação, muitas discussões ou muitas questões que nos afastaram, mas uma das coisas que nunca sofreu um abalo foi a nossa maneira de educar os nossos filhos, a gente foi pais separados, mas pais unidos, sabe? Marido e mulher separados, mas pais unidos e não por artificialidade, porque já era demasiadamente difícil ficar longe deles e não criar, eu que tive muito mais perto de Theo e Sophia na primeira infância do que de Sebastiao e de Zoé, no entanto, sempre os via, e aí que está, os meus períodos de muita loucura eram muito ruins e eles sofriam e a Vânia até me protegia,

impedindo que eles convivessem, nunca uma proibição, mas assim, em determinado momento era temerário mesmo, eu acho que eu fui descuidado e é lamentável que isso tenha acontecido, mas isso foi. E eu acho que faz parte e eu faria a mesma coisa por ela e com ela e pelas crianças, de certa maneira. Então, nós vivemos dessa maneira, separados, vamos dizer, casados de novo mais adiante, 2009 eu acho, não sei, tanto faz, 11, dez, nós estamos em quando?

P/1 – (risos) 2013.

R – 2013 (risos). E eu sempre tive, eu sempre fui, é engraçado, hoje eu vejo que mesmo separado da Vânia fisicamente, até envolvido com outras pessoas, eu nunca deixei de ser casado com ela, sabe? Em algum grau, tanto na questão de estar presente, eu sempre vivi, acho que isso, inclusive, ocupou um espaço que dificultou as minhas outras relações se desenvolverem, a ponto de que eu separei da Nani, voltei para Anna, depois, separei da Anna e fui namorar a Adriana. Para a Adriana que eu fiz o meu outro disco, o “Drês”. “Drês” é um disco que também, eu tinha feito um disco inteiro dessa relação que eu tive com a Adriana, uma menina que eu conheci, que morava na Itália e estava vindo ao Brasil de férias e a gente se apaixonou e tudo mais. Para ela, eu escrevi quase que um diário do que foi em forma de música, “Drês” é a terceira música, Adriana, Dri era o apelido dela e “Drês” é a terceira música feita para Dri, ficou “Drês”. E daí, só que loucamente, quando eu fui gravar o disco já não estava mais com ela (risos). Porque acho que de certa maneira, também para não ficar nas histórias particulares que são até meio redundantes, eu acho que eu tinha uma ilusão de querer me envolver e desenvolver algo que dentro da minha cabeça, dentro do meu coração, mais do que da minha cabeça, já estava ocupado. Eu me dei conta de que, uma hora me perguntei por que todas as minhas relações frustraram e não se desenvolveram, e eu frustrei, porque havia uma expectativa, a Anna três vezes, a Nani, depois a Dri, depois a própria Ana Cañas, enfim, uma hora eu falei: “Eu estou procurando uma coisa que eu já tenho. Eu não vou querer casar de novo, criar uma outra família e eu fiz tudo isso e não vivi!”, sabe? Que loucura, que confusão de idealização e sonho e desejo e ao mesmo tempo, e daí, eu acho que por isso que eu falo um pouco da questão da droga e tudo mais, porque no meu caso, esse uso estimulou muito essa dificuldade minha já de estar colado no presente, sabe? Acho que o excesso de ingestão de substâncias, que alteravam favoreceram esse lado da minha natureza de sonhar e acho que de uma maneira confusa e pouco preenchedora, sabe? A sensação que eu tinha era de que eu nunca estava no lugar onde eu estava, sempre estava com a cabeça no próximo passo, na próxima pessoa e tal e isso é muito ruim, viver assim é ruim. Acho que é uma força, a criação tem um pouco dessa, sobrevive um pouco da questão do desejo da projeção, da construção abstrata de algo que não é o que você tem, eu acho que eu falo nas músicas muito mais de quem eu desejaria ser do que eu sou, acho que as músicas estão muito mais nesse plano, sabe? E acho que até por isso que tanta gente se identifica, por mais que elas pareçam autobiográficas, mas elas não estão dizendo, não interessa, ou se até nominalmente estão falando da pessoa da Vânia, da Adriana, do meu filho, não é disso, isso é um nome para uma outra coisa que é a pessoa. Por isso que nesse disco, estamos falando para o Museu da Pessoa, eu gosto, tem uma música que chama “Sei”, que fala: “Sabe, quando a gente tem vontade de encontrar a novidade de uma pessoa”, e fica essa pessoa, essa pessoa, essa pessoa, porque é um pouco isso, assim, as relações quando a gente tem, qualquer livro que você lê, uma música, um filme que você gosta, você olha aquela história, você vê aquilo, mas o que bate é quando você fala: “Eu sei. Eu sinto isso”, ou “Eu queria ser assim, eu desejo”, tudo parte da sua identificação com aquilo, sabe? Então, eu acho que as histórias, a minha história da minha relação profissional e tudo mais e esse período, para a gente voltar a minha questão biográfica de quem eu sou. Foi muito doloroso. E ao mesmo tempo, me dar conta de que eu estava vivendo, correndo atrás de algo que eu tinha, não percebendo que eu tinha ou que eu queria, sabe? É ruim quando você não sabe também o que você quer e você só vai se dar conta que não é exatamente aquilo que você quer, quando você acha que você está fazendo e daí, você percebe: “Não é muito isso”, e principalmente, quando você envolve uma pessoas nisso, tem que tomar cuidado. Eu machuquei muitas pessoas, não porque eu magoei ou foi, assim, não estou aqui fazendo um minha culpa, não se trata disso, eu estou dizendo que é uma coisa que eu me dei conta na minha vida. Então, a minha história de vida que é o que eu estou contando aqui, que está toda misturada com o meu trabalho, por isso que eu estou falando tanto dele, é que uma hora eu cansei, eu cansei de ficar procurando uma coisa que eu falei: “Eu amo essa mulher. Eu tenho uma história com ela, eu tenho filhos com ela, e eu estou querendo casar com uma outra pessoa, que eu posso vir a gostar, mas eu estou forjando um negócio” e eu percebo que era impossível eu me satisfazer ali, se eu mesmo não tinha conseguido viver uma coisa completamente, as relações são sempre frustrantes em parte, não há relação ideal, sabe? É isso que eu fiquei, porque eu me separei da Vânia num ponto que eu achava que a gente tinha chegado num lugar de constatação de uma ineficiência ou de uma impossibilidade de relação, que se dava por algo que hoje eu julgo equivocado, ou pelo menos, que eu não penso mais dessa forma. Era ali tinha muito uma idealização de que “Eu vou encontrar uma pessoa que tudo vai ser bom, tudo vai ser maravilhoso”. Não existe, é da natureza humana, não é satisfatório até consigo, bicho, eu não sou o cara que o tempo inteiro, tudo é dinâmico e as relações têm essa característica humana e essa é a graça dela inclusive, que a outra pessoa seja outra pessoa, que ela tenha desejos diferentes dos seus e não uma pessoa que atenda a você, que tenha a seu serviço, de realizar os seus desejos. Não é isso que eu quero mais, sabe? Então, voltar para a Vânia e toda essa nova etapa da minha vida é um pouco ao meu favor de viver e aproveitar as coisas que eu construí, então os meus filhos e tudo mais e toda a vida que eu tive separado dela também, as pessoas são ótimas, não me arrependo de nada, algumas coisas me arrependo, assim, coisas que eu disse, fiz, eu espero não repetir. (risos)

P/1 – Essa é até uma pergunta do roteiro. Se você olhasse a sua vida para trás, se você faria alguma coisa diferente?

R – Eu faria sim. Assim, por outro lado, eu acho que a maioria das escolhas que eu fiz profissionais, vamos lá, começar por aí, foram acertadas por quê? Porque elas têm uma coerência, elas estavam em linha de acordo com um pensamento, primeiro uma aproximação comigo mesmo, se você olhar então até a minha carreira, eu até que sou um cara, digamos, constante, fiquei 20 anos numa banda, estou há 11 com uma outra banda e de certa maneira, por mais paradoxal ou contraditório que pareça, eu não sou uma pessoa que agora quero isso, agora faço isso, eu tenho um lado quase conservador, certo? No entanto, isso não foi um plano traçado, não vim aqui cumprir metas, eu sou um sujeito de certa maneira que penso nas coisas e tenho objetivos, há um grau de impulsividade e de subjetividade, mas por outro lado, há um pensamento que norteia e que vem a partir das observações do que está acontecendo. Então, por mais que eu tenha feito coisas que hoje eu me arrependa, as outras coisas que eu fiz foram feitas depois dessas que não haveria como, não tem essa relação corretiva. É que nem voltar na origem da minha história. Eu sou quem eu sou por causa dos pais que eu tive, dos irmãos que eu tive, da doença dos meus irmãos. É impossível, eu não posso mexer no tempo, nem voltar atrás e nem dizer, eu desejaria muito que eles não tivessem ficado doentes, certo? No entanto, eles ficaram doentes e eles são, e eu amo os meus irmãos assim, é só pensar que se eles não tivessem ficado doentes, eles seriam diferentes, eu não sei, e eu seria diferente e eu não tenho outra vida para escolher, eu gosto da vida que eu tenho. Então assim, e há graus e graus sobre essa questão, de um modo macro assim, é claro que eu mudaria besteiras, certo? E principalmente as coisas erradas que eu fiz que foram por inconsequência, impulsividade, embriaguez e por falta de consideração e que machucaram os outros. As coisas que eu me machuquei, eu sempre paguei as minhas contas, pesadas, saca? Eu não tenho problema, eu não me queixo, eu não me sinto vítima de nada. Mas aos outros, eu lamento as coisas que vieram por consequência de decisões minhas não foi legal. Então, é isso do ponto de vista, não dá para mudar nada, dá para olhar para frente e não repetir, isso aí é meio vacilo. Tenho 50 anos, bicho, cansei. Então, para chegar, chegamos agora no dia de hoje, eu acho que as mudanças que eu tomei de atitude assim, eu estou sóbrio, eu cortei, sabe? É um pouco por isso as coisas que me atrapalham e que distorcem um pouco a minha capacidade de pensar e eu cansei e a ingestão de álcool abusivo durante muito tempo tem um custo alto na forma como você passa a pensar e como passa a agir e o corpo assim. Então, eu estou muito satisfeito, assim, a sensação, eu posso descrever que eu tenho, eu levei 50 anos para subir uma colina, agora eu quero olhar a paisagem e curtir o lugar que eu estou. Cansei de ficar sempre sonhando, eu tenho muita coisa, eu tenho muita coisa linda que eu construí e aliás, a força construtiva foi sempre muito maior do que a destrutiva.

P/1 – Mas quais são seus sonhos hoje?

R – Ah, eu tenho esse sonho assim, eu quero diminuir o meu ritmo de vida em relação ao trabalho, eu passo muito tempo fora.

P/1 – Seu cotidiano hoje é muito show?

R – Eu passo Rosana e é igual. Eu adoro fazer show, mas, por exemplo, eu fazia shows, eu fiz shows muito ruins por conta de bebum, saca? Doideira, ruins, eu mudei, eu achava que o álcool, essa relação, aquilo era estimulante e eu estou muito mais satisfeito. Então assim, mas eu faço muito show, preciso fazer muito show, tenho uma vida numerosa e eu tenho uma relação e mais uma vez, eu ainda estou no momento de construção, embora eu tenha dito que eu estou olhando a paisagem, médio (risos), ainda faltam uns degraus, sempre faltam, mas tem uma coisa assim estrutural, a minha vida é complexa, além dos muitos filhos e da preocupação. Meu grande sonho é meus filhos, evidentemente e é impossível não tê-los sonhos com eles. Eu tenho uma preocupação, mas por outro lado, eu sei que a vida dos filhos adquire uma autonomia, como a minha adquiriu em relação aos meus pais, eu adquiri e isso é ótimo, é o que eu desejo para eles. Então, eu tenho uma visão já com 50 anos, dos filhos com a Vânia, a Zoé fez 14 e o Ismael é pequeno ainda, mas está encaminhado, é um caso diferente, porque a gente mora à distância, então não serve à maneira como eu penso os meus filhos aqui, não tem nada a ver com afeto, tem a ver com como as coisas se dão. Eu tenho muita vontade, meu sonho, bicho, é aproveitar mais a vida e aproveitar mais a vida é primeiro o que acontece, não apenas o que, então, um sonho que eu gostaria de pôr em prática é não viver apenas de sonhos, certo? Isso não é retórica, isso é aqui. Eu passo um terço do ano fora, se nos últimos 30 anos, eu passei dez anos viajando. Eu estou muito acostumado a ficar sozinho e eu estou um pouco cansado, porque não é que eu não, eu gosto de fazer show, mas é muito trabalhoso, o negócio do deslocamento e é tudo complicado. E eu tenho vontade de fazer outras coisas, eu gosto. Então, um sonho que eu tenho é um pouco dosar diferente, ter um momento onde eu possa fazer, tinha um sonho que, por exemplo, eu queria aprender a falar inglês direito, saca? Eu nunca consegui, eu falo um inglês precário, me viro, mas é chato, vai ler um livro, vai conversar com uma pessoa, fica naquela superficialidade, sabe? Não poderia ter esse papo se estivesse falando inglês. E inglês, adoraria falar chinês, mas não me satisfaz (risos) o inglês está bom, entendeu? Mas eu não preciso do chinês, eu não sou um empresário, entendeu? O inglês já dá para ler as revistas de música e tudo mais. Assim, eu tinha vontade de morar fora. Três meses, pelo menos, não posso. E eu quero fazer esse tipo de coisa, quero poder interromper, eu tive dois momentos, eu tenho férias, claro, três semanas, duas semanas, assim, e tudo bem, você está perguntando o que é o sonho. O sonho é isso, eu tenho vontade, por outro lado assim, eu tenho um sonho, eu não sonho mais com a imortalidade, como eu desejei. Eu acho que uma hora, a vida cansa, sabe? Que os meus filhos não me ouçam (risos), mas obviamente, claro que para eles não e eu não estou dizendo nada mórbido, é uma coisa louca e até tem a ver com a própria vida. Meu pai um dia me telefonou há três dias atrás e falou: “Envelhecer é ruim”, ele estava meio chateadão com aspectos, enfim, meu sonho é aproveitar, então assim, e ao mesmo tempo, eu gosto muito do que eu faço, adoro. Eu sonho em fazer o próximo disco, eu adoro gravar discos, eu lamento, eu fico preocupado com o que acontece com a indústria, com essa besteira que as pessoas acharem que a internet fracionou, pulverizou a ideia de que é um disco, sabe? Porque não se acha o objeto, porque o físico, o que é virtual. Baixam, a internet é uma coisa, a internet é quase que um lugar para se fazer tudo e não um lugar do lugar daquilo que é, sabe, há uma confusão entre o que é virtual e o que é físico, o que é real. Então, eu sou real (risos) eu sou real e quero viver a vida real, então nesse ponto, eu desliguei a minha internet, saca? De doideira assim, porque eu não quero viver só sonhando que eu quero uma mulher, eu quero beijar a mulher que eu tenho. Acho que é isso.

P/1 – O que você achou de dar o seu depoimento para o Museu?

R – Adorei! Adorei, eu adorei ter você como minha interlocutora e a prosa que a gente puxou, porque tem uma parte legal que eu ainda gosto de dar entrevistas, embora isso não seja uma entrevista, tem similaridades com aquilo que eu gosto, que é aquilo que te desperta a necessidade de pensar e de olhar e eu volta e meia, fico, sabe, ontem eu fui viajar com o meu filho, a gente ficou batendo papo, interruptamente, sobre coisas, claro, relacionadas à nossa vida e tudo mais. Eu gostei, eu gosto de poder atualizar as coisas na cabeça e de certa maneira, porque a mesma história, a memória, ela não deixa de ser aquilo que você é hoje, saca? Então assim, tudo o que eu contei não é exatamente como aconteceu, é como ficou dentro de mim, então assim, e em algumas coisas é bom. Eu gostei, adorei. (risos)

P/1 – Obrigada (risos). Posso fazer duas perguntas, agora a produção do Jorge Ben, um negócio que eu achei interessante essa experiência de Vídeo Wave…

R – Ah, santo Deus, é verdade!

P/1 – O que é que é isso? O segundo sol, o terceiro sol (risos)?

R – É, lá é o quinto, são três sóis ao mesmo tempo. Vamos lá, Jorge Ben… que horas são?

P/2 – Onze e vinte e dois.

R – Onze e vinte e dois? Não, então vamos, que eu tenho…

P/1 – Nossa, que incrível, era até onze e quarenta.

R – Jorge Ben é uma história maluca. Eu sempre fui fã do Jorge Ben, muito, show, mas é um cara importante na minha formação, discos maravilhosos: “Gil e Jorge”, “A Tábua de Esmeralda” e o “Ben”, que é o disco da maçã, são os discos que eu mais ouvi na vida e eu quando eu estava na Warner, quer dizer, fiquei na Warner um tempão, mas em 1988, a gente estava ali no “Nas Nuvens” e o André Midani, que era presidente da Warner, foi presidente da Philips Phonogram, não sei qual o nome da gravadora, enfim, e trabalhou com Jorge Ben, Caetano, Gil, Gal, todo mundo trabalhava com o André. E o Jorge Ben estava meio perdido assim, estava num certo ostracismo, num momento, e o André contratou o Jorge pela Warner e eu sempre fui um entusiasta dessa contratação e tudo mais e o primeiro disco que o Jorge foi fazer na gravadora não deu muito certo assim, a primeira etapa, porque ele foi produzir, foi para Los Angeles gravar com o Liminha e os dois se desentenderam, o disco ficou meio paradão e o André me ligou para eu terminar o disco e eu terminei o disco numa situação muito estranha, que hoje em dia eu vejo que foi uma loucura como foi, porque eu tinha que terminar o disco, mas o Jorge já tinha gravado as vozes

e as bases e era quase que fazer uma pós-produção sobre aquilo. E como eu era um jovem (risos) e adepto e entusiasta e um fã de Jorge Ben, ele me chamou e aí eu resolvi fazer o disco, resolvi não, a condição para eu fazer o disco só poderia ser se eu tivesse uma pessoa para trabalhar, eu trabalharia no campo de ideias e precisava de alguém para gravar e realizar as questões técnicas, que foi o Vitor Farias. Eu chamei e eu ouvi as músicas e acho que são oito músicas, é o primeiro disco que ele se passou a chamar “Ben Jor”, que tem aquela foto linda da mão dele com um monte de amuletos assim, é um disco bonito que tem “Norma Jean”, mas foi um disco muito difícil, porque essa própria condição para gravar o disco, para terminar o disco era não contar com a presença do Jorge Ben. Então, e eu fiz na maior ingenuidade, na boa vontade, pensando tudo em cima do que seria mais Jorge Ben possível, tanto que chamei vários músicos que tocaram com ele e todos eles vinham e era muito legal, o Jorge sempre precisou disso e tudo mais e não como se eu soubesse o que o Jorge mesmo não saberia, mas havia uma questão ali, quase que um impasse que eu ajudei a solucionar e não sei se foi, mas foi uma delícia, foi um projeto que eu fiz, uma honra, primeira vez que eu produzi, ganhei um dinheiro na época que eu consegui comprar o meu primeiro carro zero (risos), foi incrível, o disco foi difícil para caramba, porque tinha isso, depois de pronto, fomos mostrar

para o

Jorge Bem. O Jorge Ben não curtiu muito, mas não era um problema comigo, até porque isso era um problema dele com a gravadora dele. Eu terminei o disco e ia fazer as coisas como fiz, as vontades dele para terminar e é um belo disco. Mas eu não pude trabalhar com o Jorge diretamente e cá entre nós, ainda bem, porque é difícil.

P/1 – “ECT” como que foi mesmo? Eu escutei, mas eu acho que eu não entendi direito.

R – “ECT” é o seguinte: eu conheci o Brown, eu namorei a Marisa em dois períodos e nesse segundo período, eu estava nos Titãs, acho que isso é 93, eu fui fazer um show com os Titãs na Concha Acústica em Salvador, daí o Brown foi, o Carlinhos Brown. Eu conheci ele ali, tinha ouvido falar, era uma figura assim, e a gente saiu do show, e fomos para o

meu hotel e ficamos batendo papo, tocando violão a noite inteira. Eu fiquei, falei: “Quem é esse cara?’ ele nunca tinha gravado ainda o disco solo dele, não tinha feito o “Timbalada” ainda, ele tinha gravado no disco, tinha uma música dele gravada com o Sérgio Mendes, maravilhosa, “Magalenha”, que é uma música linda, tinha mais umas duas ou três nesse disco. Daí, fiquei falando para Marisa do Brown, que ia apresentar o Brown a Marisa e fomos para Bahia e fomos ao Candeal, eu e Marisa e ficamos lá uns quatro dias, daí fomos visitar o Carlinhos no Candeal. Daí, a gente estava em um hotel em Ondina e a gente fez três músicas em dois dias, foram as únicas três que eu fiz com Brown e Marisa juntos, que é uma espécie de pré-Tribalistas, até, eu acho, fui eu que apresentei o Brown a Marisa, certo? E foi um barato, começamos com a música “Ela vai voltar… lá, lá, lá…” [cantando], que é uma música que está no “Cor de Rosa e Carvão” da Marisa, que a Marisa tinha uma letra, mas a Marisa estava no começo dela como compositora, meio assim, principalmente, que tinha uma parte em inglês e tal. E a gente começou por essa música, que tem um verso genial do Brown, eu não vou me lembrar agora, sem fogão? “Seu olhar ainda é cedo…” [pausa – Nando fala com alguém que chega] daí, a gente fez essa, fizemos e daí, fizemos “ECT”. Eu comecei a fazer alguma coisa no violão, Marisa deve ter puxado uma melodia e o Brown fez o verso genial que desencadeou toda a história: “Tava com um cara que carimba postais” [cantando], na hora que ele fez isso, fechou, sabemos o que é que é a música e daí, foi essa história maluca.

P/1 – Mas é tipo uma continuação do “Ela Vai Voltar”?

R – Não.

P/1 – Não tem relação?

R – Não, não tem nada a ver. A gente fez, terminamos…

P/1 – Estava no mesmo momento?

R – Terminamos em duas noites. Eu não me lembro, eu acho que “ECT” foi a segunda e acho que “Seu Zé” foi a terceira e curiosamente, ficou a Marisa gravou a que eu esqueci o nome agora, a “ECT” ficou no meu disco, no “12 de Janeiro” e o “ Seu Zé”, que é: “Seu Zé”, que é uma rumba assim, ficou no disco do Brown, “Alfagamabetizado”, que é o primeiro dele. Eu sempre achei uma graça nisso, embora eu tenha ficado chateado, porque quando eu gravei o disco, daí eu já estava, já tinha me estremecido com a Marisa, foi aquele período ruim! Mas é isso “ECT.”

P/1 – Tá bom.

R – É isso?

P/1 – É isso.

R – Ah, o Vídeo Wave, só para te falar o que é.

P/1 – Ah, o Vídeo Wave, eu achei tão louco!

R – É um negócio maluco que eu mesmo não sei o que é que é. Eu conheço o Álvaro que é um neurocientista, com quem eu faço academia que está envolvido nesse projeto, que tem a ver com o Fernando Meirelles e a O2, que era um negócio meio assim: eu não sei, você põe uns eletrodos na cabeça e três pessoas e com a intensidade, eu acho que eles pensam, você avança em três fases e eram três imagens para cada pessoa. Então, como se fosse um quadro, bolinhas amarelas, tracinhos azuis e triangulinhos verdes. E assim, com essa coisa, você chega no momento que monta todas, chegamos no estágio três das três vias e cria-se a figura completa, composta e completa e o Álvaro me pediu para que se eu pudesse fazer uma trilha para isso. E eu não tinha exatamente nem tempo e eu sugeri que a gente usasse uma música do disco, o “Pré-Sal”, que coincidentemente, foi meio à toa, mas não é tão, porque é uma música que fala muito da consciência e ela tem uma coisa mântrica, sabe, cíclica. Então, eu precisava de três bandas isoladas em três estágios, que eu separei, sem voz, porque não podia ter, mas era só instrumental, harmonia, o rítmico e depois o rifle de guitarra, qualquer coisa assim. Então, quando as pessoas chegassem nesse estágio completo, não só a figura estaria completa, como a música completa e a própria complementação da música era uma coisa entusiasmante e acho que realimentava o envolvimento das pessoas com a coisa. Eu não vi isso ainda. Eu soube só e me parece que ficou um sucesso, já me ligaram de revista científica para o meu depoimento, eu não sei nem do que se trata direito, mas acho que foi bacana. Você viu isso?

P/1 – Li.

R – Ah, você leu? Não viu?

P/1 – Li.

R – Ah tá.

P/1 – Estou louca para ver.

FINAL DA ENTREVISTA