Museu da Pessoa

Uma vida repleta de histórias

autoria: Museu da Pessoa personagem: Luzia Renger Micheletti

P/1 – Primeiro, Luzia, fala pra gente o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Eu me chamo Luzia Renger Micheletti. Nasci em 25 de março de 1935.
P/1 – E o local?
R – Era uma fazenda em Laranjal Paulista chamada Fazenda Estrela.
P/1 – Agora o nome completo da sua mãe e do seu pai e, se você souber, também data e local de nascimento.
R – Minha mãe chama-se Eurídice Ferreira Lara e nasceu também em Laranjal Paulista. E o meu pai nasceu na Áustria e chama Carlos Renger, no dia 15 de maio de 1910.
P/1 – O que seus pais faziam profissionalmente, Luzia?
R – Como meu pai veio imigrante. Lá ele estudava, mas por causa da guerra ele veio e foi trabalhar na fazenda. E a minha mãe também trabalhava na fazenda.
P/1 – O que eles faziam na fazenda?
R – A minha mãe tomava conta da casa e o meu pai tomava conta dos animais, porcos, essas coisas de fazenda. Ele nunca tinha visto lá na Áustria, quando veio ficou encantado de ver tanta maravilha da fazenda.
P/1 – Ele contava pra vocês a história da vinda dele pro Brasil? Como é que foi essa vinda pro Brasil, como é que foi chegar aqui?
R – É, foi difícil porque lá ele tinha uma casa boa, almofadada, todos trabalhavam, meu pai estudava em seminário. Mas o meu avô quis ir voluntário pela guerra e depois acabou tudo e eles vieram embora porque não tinha nada na Áustria. Os irmãos deles ficaram lá, mas eu não tenho contato com eles não.
P/1 – E a senhora sabe qual é a origem da sua família por parte de mãe, os seus antepassados por parte de mãe?
R – O meu avô eu sei que é índio; a minha avó é portuguesa. Então quer dizer que a minha mãe era descendente de português e o meu pai é da Áustria. E a minha avó, mãe do meu pai nasceu em Viena, quer dizer, é tudo assim, um pouquinho de cada lado.
P/1 – E como é que seus pais eram de temperamento, personalidade? Como era o jeito deles?
R – Muito carinhosos. O meu pai dizia não era não, sabe aquele alemão que aponta dedinho? Nunca deixou faltar carinho pra nós. Nós somos dez irmãos. Não tivemos vida regalada de coisas, passamos bastante necessidade em fazenda, mas sempre unidos, muito unidos.
P/1 – Qual é nome dos irmãos da senhora?
R – Meus irmãos? A primeira é Josefina, depois eu, Luzia. Maria Helena. Naldo, Hélio, Benedito, José Carlos, Rodolfo, Iolanda e Sônia.
P/1 – E como é que foi a infância da senhora na fazenda? Como era a casa, a fazenda?
R – A casa era casinha de tábua, bem modesta, mas limpa. Mas tudo bem unido, a gente brincava muito, rios e árvores, pomar, tinha todas essas delícias de infância. Muito gostoso.
P/1 – Quais que eram as brincadeiras da sua infância e com quem a senhora brincava?
R – Ah, sempre com as crianças de lá. E depois a minha mãe mudou, foi pra outra fazenda, o meu pai foi e me deixou com a minha avó de lá, da Fazenda Estrela. A minha avó era lavadeira, tinha um riacho muito lindo que ela lavava e eu ajudava, eu era criança, não tinha nem idade de escola, mas eu ajudava a recolher mandioca, tratar de galinha, essas coisas de sítio. Mas era muito gostoso, tinha aqueles morros assim e a gente punha aquelas coisas de coqueiro, fazia que nem um cochinho e daí descia de escorregador, caía no rio, sabe, era muito deliciosa a infância. Que hoje não tem mais nada disso.
P/1 – Como era o nome da sua avó com quem você ficou morando?
R – Alice de Souza.
P/1 – Era avó materna.
R – É, materna. E o meu avô era Francisco Ferreira.
P/1 – E você seguiu morando com eles?
R – Um pouco. Depois que eu tive que ir na escola, como lá na fazenda não tinha, eu fui morar com a minha mãe na cidade.
P/1 – E quais são as primeiras lembranças que a senhora tem da escola?
R – Gostosa, maravilhosa. Porque as professoras eram boas, a gente aprendia bastante coisas. E era bem enérgica, medir distância, cantar o hino, subia escada, sempre bem em ordem, né? Tinha a professora, o diretor sempre falava, exigia que a gente se comportasse. Então era muito gostoso, eu tenho ótimas lembranças. Só que lá a cidade era muito pequena e só tinha aquele grupo de estado. E depois fizeram um outro colégio grande lá, estadual, mas não dava espaço pras pessoas mais necessitadas, vinham aqueles que melhor podiam. E tinha um colégio muito grande lá, franciscano, mas era pago.
P/1 – E a senhora teve algum professor marcante na escola? Professor ou professora?
R – Tive. Essa primeira, ela parecia bonequinha, de cinturinha bem fininha, chamava Felicíssima (risos). E outra que era a dona Amália, bem gorda. Então ela falava assim: “Vocês vão pro recreio, quando vocês voltarem vocês vão ter uma surpresa”. Aprender sabe aquele de um quarto, um terço, essas coisas? “Aqui tem um queijo, quem falar a verdade vai ganhar”. Então todo mundo ficava querendo falar a verdade, mas na verdade eram só os pedaços dividido em quarto, em terço, pra gente aprender. E ela falava: “Bom, agora vai ganhar um pedaço de queijo”, mas era mentira (risos). Era muito legal.
P/1 – E quantos anos a senhora estudou nessa escola?
R – Quatro anos só porque não tinha mais. E eu pedia pra minha mãe que eu queria ir naquele colégio, não estudar, mas ficar interna lá, sair quando tivesse 18 anos, formada. Mas a minha mãe não deixou.
P/1 – A senhora parou de estudar então?
R – Eu parei de estudar, mas eu queria lá no colégio por causa das madres, eu gostava muito de ir lá domingo ver capela, rezar missa, essas coisas, eu era muito amiga das madres. E a minha mãe ficou com medo deles não deixarem eu sair mais (risos).
P/1 – E aí não deixou a senhora ir?
R – Não deixou. Eu falei pra ela: “A senhora não deixa eu ir no colégio, eu vou fugir com o circo” – tinha um circo grande lá (risos) – “trabalhar de trapezista” (risos). Daí meu pai falava: “Se eu souber que você entrou no circo eu te ponho de castigo”. Aí eu ficava com medo, né, mas de vez em quando eu dava umas fugidinhas assim (risos).
P/1 – A senhora chegou a conseguir ir no circo alguma vez?
R – Ia no circo, mas fugir não. Eu falava assim pra minha mãe deixar eu ir pro colégio, mas não tinha aquela vontade louca de ir no circo. Achava muito bonito, mas não pra sair da minha casa, não.
P/1 – E desse circo, quais são as lembranças que a senhora tem do espetáculo, como é que era?
R – Tinha os espetáculos muito bonitos. Depois do espetáculo de trapézio, palhaço e tudo aquelas coisas eles faziam uma espécie de teatrinho, sabe? Então tinha a Bernadette Soubirous, Nossa Senhora de Lourdes, então eu adorava tudo isso, eu ficava lá. E às vezes meu pai me repreendia e eu falava que eu esqueci o horário, que não sabia, que terminou mais tarde, qualquer coisa, porque eu gostava muito dessas coisas. Mas meu pai não deixava. Porque a minha irmã não gostava, então eu ficava com amigas. Quando chegava na hora de ir embora cada uma ia para sua casa (risos). Foi muito deliciosa a minha infância.
P/1 – E a sua família era religiosa?
R – Era, todos religiosos.
P/1 – E frequentavam a igreja?
R – Frequentava, minha mãe frequentava. Nossa, ela levava uma no colo, outra em cada mão assistir procissão, Semana Santa, era tudo na igreja. Essa parte, graças a Deus, a gente teve muito... não tivemos aquela regalia de coisas, mas a gente nunca passou necessidade de fome porque a minha mãe era muito esperta. Tinha um pedaço de terra ela já plantava umas verdurinhas, fazia umas galinhas, essas coisas, muito boa.
P/1 – E quando a senhora parou de frequentar a escola o que a senhora foi fazer? Passou a trabalhar?
R – Trabalhar. Porque perto da minha casa, não tão perto, tinha um senhor idoso já, ele era advogado, ele morava com uma irmã dele, que era viúva, e ela perdeu o marido e ficou meio desligada das coisas. E ela tinha uma filha, moça já, que trabalhava na biblioteca. Como a casa dela era muito grande, tinha muito quintal, aí ela pediu se eu ia lá de manhã comprar pão e varrer tudo aquele quintal até a hora que eu fosse pra escola, eu estava na escola ainda. Então eu ia. E ela era tão desligada das coisas, tinha muitas roseiras, às vezes depois que colhia todo aquele saco de coisas murchas ela me chamava e chacoalhava aquelas folhas, caía tudo de novo e mandava eu varrer. E o irmão dela falava pra mim: “Olha, você não responde, não fala nada”, porque senão ela avançava na gente. Ela ficava o dia inteiro quase numa rede, balançando. Quando era hora de ir na escola eu ia à escola, voltava, passava lá, limpava a cozinha e depois ia pra minha casa. E ficava em casa, minha mãe lavava roupa, então ela separava os montes para cada um passar um pouco, porque era aquele ferro de brasa. Ela dava um pouco pra mim, um pouco pra minha irmã, cada uma tinha aquilo que podia passar e ela passava as roupas mais difíceis.
P/1 – E essa senhora, que você trabalhava na casa, ela te pagava alguma coisa por esse serviço?
R – Pagava, mas nem me lembro quanto era. Eu sei que era umas moedinhas lá, sabe? Mas ela tinha uma sobrinha que morava em Cesário Lange, o pai dela tinha uma fazenda muito grande, eles eram gente muito boa. Ela era órfã de mãe, então às vezes ela ia lá na cidade, eles moravam em Cesário Lange e iam até Laranjal fim de semana, assim, ela tocava órgão na igreja. E ela sempre me trazia maçã, dava dinheiro pra mim, sabe? Quando eu fiz a primeira comunhão ela me deu vestido, me deu tercinho, todas essas coisinhas, mas tudo escondido da tia dela, porque se a tia dela soubesse, ela pegava tudo. Eu acho que não era certa da cabeça, né?
P/1 – E essas moedinhas que a senhora ganhava dela, a senhora lembra se comprou alguma coisa que a senhora queria?
R – Eu dava pra minha mãe. Eu lembro que de domingo eu tomava sorvete, era um tostão, era um sorvetão assim (risos), isso eu me lembro. E às vezes a dona Tita, essa de Cesário Lange, me dava dinheiro para eu ir na matinê, que eu gostava de assistir filme. Mas ela dava escondido. O pai dela não fazia questão. Depois ela casou e ela queria me levar para morar com ela, que ela ficou grávida, mas a minha mãe não deixou também e eu fiquei. Aí eu vim pra São Paulo com a minha professora, a dona Amália, que a filha dela casou, tinha uma menininha e ela veio morar aqui no Ipiranga, ela me trouxe para tomar conta da filhinha dela. Foi em 52. Eu fiquei até 55 com ela. Depois um dia não sei se eu briguei, o que eu fiz, eu peguei a minha mala e fui embora.
P/1 – E voltou pra sua cidade?
R – Voltei pra minha cidade, daí meus irmãos já estavam grandinhos e a minha mãe se preocupava, não tinha serviço, não tinha escola. E minha mãe começou a falar: “Vamos mudar, vamos mudar, vamos mudar”, viemos pra Sorocaba. Mas Sorocaba também foi difícil porque ninguém tinha estudo; meus irmãos tinham começado a ir na escola em Sorocaba, mas eu e minhas irmãs, a minha irmã mais velha tinha casado, ficou eu e a outra irmã. Eu estava com 20 anos, 19. Então eu arrumei serviço num restaurante, fui trabalhar num restaurante, das quatro da tarde até que fechava. E o chefe da cozinha era um italiano, era lucchese. Ele tinha tudo a mancha de bala da guerra, sabe? Ele falava tudo em italiano e eu prestava atenção, quando ele falava eu olhava pra eu poder entender o que era, porque eu não entendia nada de italiano. Mas ele falava: “Pega a concha”, concha. A gente pegava a concha, mas era a concha. Então eu aprendi bastante coisa em italiano com ele. Aí fiquei conhecendo o meu marido, que tinha chegado da Itália e foi pra Sorocaba, montou uma marmoraria. Nós começamos a namorar e ele era italiano de Lucca, do mesmo lugar do cozinheiro. Então ficaram amigos, no fim eu fiquei namorando e ele também falava muita coisa em italiano também e a gente se conheceu. Ele foi em casa, ele falou: “Vou chegar na sua casa falar com seus pais”. Eu falei: “Não vai”, porque eu não queria, era pouco tempo que a gente namorava, né? Mas um dia eu cheguei do serviço e ele estava lá. E a minha mãe, nossa, meus pais acolheram ele assim, de braços abertos, porque ele é muito família e naquela época a minha mãe tinha que rachar lenha pra pôr no fogão, tirar água de poço, torrar café, todos esses serviços e ele fazia, tomou conta dessas coisas. Ele ensinava meus irmãos, sabe? Nossa, foi acolhido assim, meu marido era muito bom.
P/1 – Que idade a senhora tinha quando vocês se conheceram?
R – Eu tinha 22 anos.
P/1 – Luzia, deixa eu só voltar um pouquinho antes de você conhecer seu marido, queria saber nessa fase que você foi pra São Paulo, pra cuidar da filhinha, né? Que idade a senhora tinha?
R – Eu tinha 18 anos. Porque eu vim em 52, eu nasci em 35, estava com 18, né?
P/1 – E como é que foi essa experiência pra senhora, aqui em São Paulo? Vivendo com essa família, como é que foi?
R – Bom, eu gostei porque o casal era de professores. Eles saíam cedo da aula e eu ficava com a menina. Então ela falava pra mim: “Você tem que fazer”, eu limpava a casa, fazia comida, tomava conta da neném, levava na calçada pra passear. Era aqui no Ipiranga perto do Instituto Padre Chico. E tinha muitas mocinhas que morava ali, a gente fez amizade. E depois ele queria que eu fosse estudar no colégio que ele dava aula, no Guimarães, ali no Ipiranga. Mas só que ela não deixou porque ela falou: “Não, de noite eu preciso dela”. Porque ela gostava de costurar e a menininha chorava, né? Ela falava: “Não, ela não pode ir porque ela tem que tomar conta da menina”. E não sei, um dia lá deu na minha cabeça, acho que foi véspera de Primeiro de Maio, eu peguei minha malinha e fui embora. Falei pra minha mãe que não ia voltar e não voltei mais. Acho que eu não quis responder, porque as meninas iam estudar, era de noite, eu também tinha direito, né? Eu me revoltei e fui embora.
P/1 – E na sua cidade, na juventude, o que tinha para vocês se divertirem? Tinha baile, festa da igreja?
R – Tinha.
P/1 – Conta um pouco como é que era, pra onde você ia?
R – Ah, nós íamos pro clube, tinha um clube gostoso em Sorocaba. Tinha parques, cinema. A gente tinha bastante amizade, bastante jovens.
P/1 – Como era o cinema na época?
R – Era um bom cinema, simples, mas limpo, bem organizado, não tinha brigas. Era uma cidade calma, agora cresceu muito Sorocaba. Mas era uma cidade bem calma.
P/1 – E a senhora se lembra de algum filme que tenha te marcado? Um filme favorito dessa época?
R – Eu lembro muito dos filmes com o Tony Curtis, como aquele Zorro, esses filmes de antigamente, a gente assistia. Eu gostava muito de filmes de castelo, acho que era muito sonhadora (risos). Castelos, aquelas lutas de espada também, eu gostava de todos os filmes. Não gostava muito de filmes rebeldes, mas dos outros gostava muito.
P/1 – E na sua casa vocês tinham o hábito de ouvir música?
R – Nós tínhamos um radinho lá, mas o meu pai não deixava ninguém pôr a mão. Só pra minha mãe na hora de escutar as novelas dela, sabe? Porque não podia gastar muita força, não sei o quê, então nós quase não tínhamos. Mas tinha amigos que tocavam em banda, aquelas musiquinhas de interior? A gente se reunia na praça, tocava. Tinha um senhor lá que oferecia músicas, tocava, sabe? Era gostosa a cidade.
P/1 – E as festas? Conta um pouquinho como eram as festas.
R – As festas juninas eram muito gostosas porque era tudo aquelas barraquinhas armadas. E acho que muita gente daqui de São Paulo e levava coisa lá no interior, que fazia aquelas barracas, levavam coisas que lá não tinha. Aquela mortadela Ceratti que naquela época era bem grandona, linguiça, a gente não tinha – tinha, mas era feito em casa, né? Então isso aí tudo era novidade. Bolas. Antigamente tinha, agora nem sei se tem aquelas coisas que a gente abria assim de papel, formava estrela, essas coisas? Então, era assim. Tinha um lugar que eles faziam, tipo quiosque, tinha comes e bebes.
P/1 – E música, vocês dançavam?
R – Muitas músicas, a gente dançava. Tinha o bairro que chamava São Benedito, que tinha também... Então tinha ali uma época de 14, 15 anos, a gente vendia rifa, vendia as coisas pra votação, ou qual de nós era mais simpática, essas bobeiras pra juntar dinheiro pra igreja (risos). Sempre ganhava, né? E era uma turminha gostosa, bem falante.
P/1 – Conta pra gente um pouquinho melhor, então, como a senhora conheceu o seu marido. Quando vocês se viram pela primeira vez, como é que foi o pedido de namoro.
R – Eu conheci ele assim, eu estava na cozinha fazendo saladas porque eu montava saladas pra levar pra mesa. E o dono do restaurante, que também era italiano, veio e falou pra mim que tinha um cliente novo, que era pra fazer uma salada bem caprichada pra ele de tomate, que ele era louco de tomate, e apresentou assim, pelo que tinha do restaurante, né? E ele sentou lá na mesinha e eu fiz a salada. Aí tinha uma senhora que trabalhava com nós, ela lavava louça, assim, falou pra mim: “Ih, esse rapaz está de olho em você”. Eu falei: “Eu não quero nem saber”. Eu não tinha intenção de namorar, achava que eu tinha que me preparar, alguma coisa. E aí vai, vai, e ela falava, e falava, e falava, e quando foi um dia ele

me convidou pra ir no cinema. Eu falei: “Eu vou no cinema se for na primeira sessão”, que era às sete horas porque a outra era às nove, eu ia sair às quatro do serviço, eu trabalhava uma semana de dia, uma semana de noite. Ele falou: “está bom”. Eu falei: “Eu não vou é nada, eu vou é na segunda com as minhas amigas”. E ele foi na primeira, mas quando ele estava saindo eu estava entrando (risos). Aí ele ficou bravo, eu nem liguei. Já tinha passado bastante tempo, acho que quase um ano nessa coisa assim que ele queria namorar e eu não queria. Então um dia eu cheguei em casa do serviço e ele estava lá em casa. Ele entrou sozinho lá, por conta dele, porque eu não convidei. Os meus pais gostaram dele, nós começamos a namorar, namoramos cinco anos.
P/1 – Como é que foi o namoro? O que vocês faziam juntos, como é que era?
R – Nós quase não saíamos muito assim, porque logo, acho que depois de uns dois, três anos que ele estava em Sorocaba ele quebrou a perna, aí ele veio pra São Paulo porque ele tinha uma irmã que morava aqui. Ele ficou aqui. Depois ele arrumou serviço e ele ia só de fim de semana lá, a cada 15 dias e tal. Então nós resolvemos casar, casamos.
P/1 – E quando é que vocês decidiram se casar? Teve um pedido de casamento, como é que foi?
R – Ele pediu pros meus pais, porque eu não queria. Eu achava que não estava na época de casar, sabe? Porque primeiro eu pensei em ter um lugar pra morar, não queria casar assim. Mas tinha uma senhora italiana que morava ali na Angélica, ela tinha uma casa grande. Ela tinha um fábrica de roupa de bebê. Ela era muito amiga do Mário, meu marido, e da irmã dele. Ela falou: “Se vocês se casarem vocês vêm morar aqui, vocês tomam conta da casa pra mim”. E falou pro meu marido: “Você fica livre de dia, você vai trabalhar, vocês vêm dormir, tem fogão e tem tudo aí”. Pra nós foi uma proposta boa, aceitamos, só que faltava uma semana, estava tudo pronto, o marido dela desmanchou o negócio e pôs a empregada que eles tinham há muitos anos, pôs morar lá e nós ficamos... não podia desfazer porque nós tínhamos construído já, né? Daí nós casamos e fomos morar num quarto de pensão ali na Rua do Arouche. Moramos ali quase um ano, depois alugamos um apartamento e fomos morar. E nessa época a minha cunhada tinha uma fabricazinha de malhas, então eu passei a fazer as coisas da fábrica: banco, cartório, entrega de coisas, levar duplicata pra assinar, essas coisas assim, tipo office-boy.
P/1 – E como é que foi o casamento de vocês? O dia do casamento teve uma cerimônia, teve uma festa?
R – Teve cerimônia e teve um almoço. Fizemos um almoço porque só mesmo os padrinhos e a família, porque a família já era grande e a gente não tinha possibilidade de ter despesa.
P/1 – Mas teve uma cerimônia na igreja?
R – Na Igreja Santa Rita de Cássia. Estava bonita. O meu vestido, a minha cunhada fez que ela era costureira, ficou muito lindo. E foi tudo bem, depois de lá a gente veio pra São Paulo.
P/1 – Como é que era o vestido da senhora? Conta um pouquinho como é que foi na igreja, como é que era seu vestido.
R – Ah, meu vestido era lindo. Eu achei (risos). Era longo, como sempre, tinha uma luva até aqui. Depois eu vou trazer as fotos, que ela falou para mim que pode trazer umas fotos. Eu queria trazer, mas eu não sabia. E era de golinha. Meu cabelo naquela época era bem cheião. Estava bonito, eu achei que ficou bonito (risos).
P/1 – A senhora lembra como é que se sentiu?
R – Ah, senti agitada como eu sou, eu sou sempre agitada (risos). Não gosto de ficar muito esperando as coisas, eu fico, sabe, será que é assim, será que é lá?
P/1 – E essa mudança pra São Paulo, como é que foi pra senhora?
R – Eu gostei, mas eu fiquei muito presa, entende? Eu estava acostumada que na minha casa se eu queria sair ou queria fazer alguma coisa eu fazia, eu falava com a minha mãe, com o meu pai e fazia. Então quando foi aqui, o meu marido era muito colado com a irmã dele, sabe, então às vezes eu falava pra ele: “Vamos em tal lugar fazer isso” “Vou falar com a minha irmã”, então eu achava que era errado porque ele já era casado, já era independente, não tinha nada que dar pra irmã. E a gente às vezes ficava assim de coisa, né? Também eu junto com ela passei a cozinhar, lavar roupa, passar, porque ela ficava ocupada com as coisas dela na malharia. Depois nasceu a minha filha, já foi mudando as coisas.
P/1 – Como é que foi a descoberta da gravidez? Quando a senhora descobriu que estava grávida e como é que a senhora se sentiu?
R – Eu me senti bem, graças a Deus, foi sempre bom. Aceitaram bem a notícia, minha cunhada, meu marido, meu cunhado, que fazia tempo que eles tinham casado e não tinham filhos. E o meu cunhado queria demais ser pai e a minha cunhada não queria, então quando a minha filha nasceu, nossa, foi uma festa pra ele, né? Ele era carinhoso demais com ela. Depois nasceu a outra, vivemos sempre bem.
P/1 – Como é que foi o parto da sua primeira filha?
R – Normal, das duas foi normal.
P/1 – E como é que foi pra senhora o parto, ser mãe?
R – A primeira foi um pouquinho, não sei se eu estava muito emocionada, eu chorava quase todo dia. Tinha medo de pegar. Mas eu tinha uma amiga muito boa que morava na Lapa, e ela tem um casal de filhos, então ela vinha duas, três vezes por semana em casa. Vinha me ajudar, me orientar, ela foi muito gentil.
P/1 – E como é que foi ser mãe pra você, Luzia? Mudou a sua vida? O que a maternidade mudou na sua vida?
R – Mudou bastante porque tinha uma coisa a mais para eu fazer, prestar atenção. E sair com ela, passear. Naquela época que ela era pequena a gente morava aqui na Tabatinguera, perto da igrejinha Santa Luzia. Embaixo ali do Parque Dom Pedro II era tudo um parque, um parque muito lindo, então todo dia de manhã eu levava ela pra passear. Eu descia a Tabatinguera, era lá em cima. E tinha umas amigas minhas que moravam ali na Secretaria da Fazenda, então a gente se encontrava lá embaixo. Elas tinham as crianças e a gente levava lá. Levava lanche, ficava com elas lá. E depois à tarde ela dormia, ela ficava com meu cunhado e eu saía pra fazer os serviços de banco, serviço de rua.
P/1 – Qual é o nome das suas duas filhas?
R – Maria Teresa e Maria Cristina.
P/1 – E a senhora tem alguma recordação mais forte, ou mais marcante, da relação com elas, uma situação que a senhora tenha vivido como mãe?
R – Ah tem época de doenças. Porque tiveram tudo junto catapora, sarampo e essas coisas. Aquelas febres altas. Até o médico dela, acho que foi um domingo, eu chamei ele porque ela estava com febre muito alta, aquelas bolhas. E ele falou pra mim: “Aguarda um pouco que eu já vou”. Quando eu vi que ele chegou em casa, tudo de roupa preta, até a esposa dele junto, eles iam indo num teatro e quando receberam o telefonema eles foram em casa. Porque ele tinha se formado em Pediatria e ela foi a primeira cliente dele, sabe? Então ele ficou muito emocionado, ele não deixava de ir, toda vez que eu chamava ele ia. Ele era sócio daquele laboratório Lavoisier. E os filhos dele também se formaram médico. Ele faleceu, coitado, ele era muito bom.
P/1 – E a senhora continuou trabalhando na malharia depois que as meninas nasceram?
R – Depois a minha cunhada ficou doente, com diabetes, e também estava difícil compra de fios, estava faltando, tinha que sempre estar pondo novidades. Porque antes tinha aquelas máquinas retilíneas que a gente punhava, depois compramos uma daquelas circular, aí fazia o tecido e depois cortava, costurava. E precisava procurar modelos variados. Porque no começo quase não tinha, tudo o que fazia a gente vendia. Mas era baratíssimo aquelas coisas, acho que ficava troca de despesa, ou a gente não tinha prática.
P/1 – E com que o seu marido trabalhava?
R – Marmoraria. Ele fazia aquele altar trabalhado. Depois ele deixou de trabalhar na marmoraria e foi trabalhar na firma, de carregar tecidos, essas coisas, ele foi pra lá.
P/1 – Mas o negócio da malharia continuou mesmo depois que a sua cunhada adoesceu?
R – Continua até que deu pra ela fazer. Depois ela cansou, não queria mais, ela saiu e foi trabalhar de modelista na Pakalolo. Meu marido foi trabalhar em uma firma de um amigo dele e eu fiquei em casa tomando conta das crianças e da casa, mudou tudo de repente. Como é a vida, né? Você sobe e desce, sobe e desce e vai indo.
P/1 – Desses trabalhos todos que a senhora fez, Luzia, que teve restaurante, teve esse trabalho na casa da moça que a senhora ajudava a limpar, depois a malharia, a senhora se lembra se com o que a senhora ganhava, em algum momento você comprou alguma coisa que você queria muito? Você lembra de alguma compra?
R – Na época que tinha malharia, estava aqui no Aeroporto nessa época, a gente morava numa casa grande, de aluguel, e no fundo tinha um barracão. E como as meninas já estavam na escola eu comecei a vender roupa, pegava as blusas na fábrica e ia vender. Tinha muita amizade no banco, na prefeitura, sabe? Então tinha o fiscal, ele falava pra mim: “Quando você for na Prefeitura”, aqui perto da Igreja São Bento, “Você fala que você vai visitar a minha filha Eloá”, porque tinha um homem que revistava as sacolas no elevador. “Você fala pra ele que não é para ele mexer que você vai lá”. Aí eu falava pra ele e eu subia. E quando eu chegava eu falava: “Eloá, cheguei”, dava o sinal para ela, ela falava: “Vai no banheiro”. Eu ia no banheiro e ela mandava as meninas lá. Então eu vendia tudo lá, sabe? E eu comecei a comprar as coisas pra casa que eu não tinha. Comprei tapete, louça, coisas assim. Compramos uma perua Kombi, que de vez em quando a gente ia pra praia de manhã e voltava de noite. Foi o pedaço mais assim, que a gente conseguiu alguma coisinha. Depois meu marido sofreu acidente, acabou com o carro. Meu cunhado ficou com câncer, minha cunhada ficou com diabetes, ficou toda inchada. E aí foi outra caidona de vida e assim foi.
P/1 – E além dos cuidados com a casa, a senhora passou a cuidar da casa depois...
R – É.
P/1 – Tinha alguma outra atividade que a senhora gostava de fazer? Um hobby?
R – Eu saía com as minhas filhas, levava elas no Parque Ibirapuera que era perto. E saía com as minhas amigas, às vezes cinema ou ia comer pizza, essas coisas, mas sempre junto com a família. Nessa época era famílias mesmo, uma vez ia uma mãe com os filhos, ou ia ver patinação no gelo, essas coisas que existiam aqui em São Paulo. Eu sei que foi muito variado, muitas coisas.
P/1 – Deixa eu voltar um pouquinho mais pra juventude, infância e juventude. A senhora se lembra quando chegou televisão na sua casa, quando foi o momento que vocês tiveram uma televisão?
R – Foi só depois que eu casei.
P/1 – E como é que foi, conta pra gente.
R – Foi surpresa até, né? Porque nós não tínhamos nem uma geladeira nem a televisão, então a gente ficou em dúvida, ou a televisão ou a geladeira. Preferi a geladeira porque, lógico, tinha que guardar as coisas. Compramos a geladeira. E depois acabamos de pagar a geladeira, compramos a televisão, que foi mais para as meninas assistirem desenho, Castelo Rá-Tim-Bum, aquelas coisas que gostavam. Eu nunca me interessei muito por novela porque eu falei: “Não, minha vida já é novela, porque eu vou assistir”. Só que na novela tudo é encaixado e na minha eu que tinha que encaixar, né? (risos) Então achava que não estava certo (risos).
P/1 – E na infância a senhora se lembra de ter algum contato com a cultura do país do seu pai? A língua, música, costumes, como é que era isso?
R – Meus avós, eu ia todo domingo na casa deles. A minha avó fazia sempre um, é que eu não consigo falar o nome, um tipo de nhoque, nhocão, assim, punha dentro de um guardanapo, cozinhava na água. E depois, abria, recheava e punha caramelado em cima. E ela era muito higiênica, demais, ela fazia as massas, ela estava sempre com um guardanapinho branco colhendo as massas pra não cair no chão. E o meu avô tinha um bigodão muito grande e a minha avó fez uma, aquela coisa focinheira, assim pra ela comer massa e não sujar os bigodes. Até outro dia eu estava lendo um livro e eu lembrei dessa focinheira porque tem uma senhora da Áustria que eles tinham porco e capavam pra engordar pra vender, então tinha que por as focinheiras para eles não comerem mato envenenado, sabe? E é uma história bonita do livro porque tem bastante costume da Áustria.
P/1 – Como era o nome dos seus avós por parte de pai?
R – Da minha avó era Josephina e Rodolpho.
P/1 – E eles falavam português? Como é que era essa questão da língua?
R – Falavam um pouco. Mas a gente não ia muito sozinha na casa deles, o meu pai ia junto. Agora uma coisa que ficou marcada com meu avô, porque o meu pai, eu já era uma menina acho que de sete, oito anos e ia com ele. E o meu pai não fumava na frente do meu avô. Fumava aquele cigarrão de palha? E quando ia chegando perto ele jogou aquele cigarrão. E eu soltei da mão dele e catei o cigarro. E fui na frente do meu avô, cruzei as pernas assim e botei o cigarrão na boca, porque eu tinha visto filmes, sabe, eu achei maravilhoso. Ahhhh, o meu pai me deu um tapa que o cigarro foi bem longe. Eu nunca mais quis saber daquele cigarro (risos), nunca esqueci. E quando lembro parece que estou vendo os dois ali, menina. Eram muito carinhosos. Ele pegava o bigode e ficava assim no meu rosto, deixava vermelho, vermelho. Ele me chamava de ‘pindolo’, o que queria dizer eu não sei. Porque quando eu nasci ele queria pôr o nome de Doroti, aí a minha tia tinha feito uma promessa que se eu fosse mulher queria pôr o nome de Luzia porque ela tinha uma filha que estava muito mal e estava pra dar a luz, e ela fez esse pedido. Tinha três meninos que ela ia pôr o nome de Luzia para o netinho dela nascer bem. Depois que eu nasci, acho que eu tinha uns três meses ele nasceu, só que ele não podia tomar leite de vaca e a mãe não tinha leite, estava muito doente, muito fraco. Aí a minha tia trocou, ela dava o leite de vaca pra mim e a minha mãe dava o leite do peito pra ele. Ele cresceu um moção, chama Nestor, ficou um moção. Aí eu falei assim, nossa, foi bom, foi bonito, porque ela escolheu o nome e foi ouvida nas preces, né?
P/1 – E o nome das suas filhas, Luzia, como é que vocês escolheram, você e seu marido?
R – Da minha filha, a primeira, eu ia por Júlia, ou Giovana, que eu gosto desses nomes. Mas aconteceu que ela nasceu no dia que era aniversário da mãe do meu cunhado, esse que queria demais ter filho e não teve. Aí ele pediu para mim se eu punha Teresa, que ela chamava Teresa. Aí meu marido falou: “Pra não ficar só Teresa, põe o Maria”. Maria é um nome lindo, mas queria um nominho mais curto. Pra não fazer discussão, como eu sempre evitei... Aí eu pedi Adriana a segunda, ele falou que era muito difícil de falar, foi registrar e pôs Maria Cristina. Tá bom, o que importa é que elas estão bem, né?
P/1 – E netos, a senhora tem netos?
R – Tenho quatro. Tenho o Bruno, que é o mais velho, depois tem a Bárbara. Depois do Bruno nasceu uma irmãzinha dele, Marina, mas ela morreu com um ano e dez meses. Ela era muito esperta, sadia, linda, gorda, inteligente, muito independente. Eu levava ela pra passear, quando voltava ela não deixava que a gente pegasse ela pra levantar, pra lavar a mão assim, ou por numa cadeira, ela pegava a almofada, subia em cima, pegava a chuquinha dela. E gostava de tirar fotografia, louca pra tirar fotografia. De repente começou a ficar doente, doente, doente, vai num médico, vai no outro, nada. Aí quando ela teve uma convulsão e o médico, filho do doutor Benjamin, levou no hospital. Chegou lá, ficou lá no hospital e descobriram que tinha um câncer bem aqui, no centro da cabecinha. Não me lembro quanto tempo ela ficou internada, depois faleceu. O Bruno ficou, era diferença de 11 meses, e o Bruno ficou tão acabadinho, coitado, porque eles tomavam banho juntos, brincavam juntos. Aí ele falava pra mim: “Nonna, vamos lá no shopping comprar roupinha pra Marina e quando ela sai do hospital ela vai pôr roupinha nova”. Eu falava: “Olha, nós vamos passear, mas não vamos comprar roupinha porque não sei se ela engordou, se ela emagreceu, como que ela está. Vamos deixar escolhido, você olha...”. Ele emagreceu tanto, tanto que depois tive que tirar ele da casa dele, trouxe pra minha casa, ele ficava comigo e começou a engordar um pouquinho, que eu levava ele pra passear, dava comida, levava ele no metrô, em ônibus, distrair ele, né? Aí ele começou a engordar um pouquinho. E a Bárbara tinha nascido e estava com cinco meses, então eu ficava uma semana com a Bárbara porque não tinha com quem ficar, eu fazia ela dormir e eu cantava com ela e chorava por causa da Marina no hospital. Eu fiquei seca, magra, acabada. Aí eu falei assim: “Nossa Senhora, que Deus me dê forças”. Meu marido falava assim: “Olha, acho que vai você e vai a Marina junto”, porque estava sem forças. Aí aconteceu tudo isso, eu e minha filha, a minha filha muito corajosa. Eu não sei de onde apareceu tanta gente, tanta gente naquele cemitério. Trouxeram café, trouxeram pão, trouxeram sanduíche, sabe, lotou aquele cemitério. Depois aparecia tantas velas acesas lá pra ela, que era um anjinho, né? E a minha filha, eu e ela assim na frente do caixãozinho, nunca saía da minha cabeça aquilo lá. Aí às vezes a gente saía, ia pra Sorocaba e falava pro Mário: “Vai devagar, Mário, vai olhando aí dos lados, vê se você vê alguma coisa”, e ele falava: “Mas o que você quer que eu veja?” “Se tem alguma criança perdida aí para eu pegar”, de tanto que eu estava, sabe? Demorou para eu aceitar, demorou. Foi muito, esse pedaço foi muito triste. E nessa época o meu pai estava internado que ele estava com pneumonia, a minha mãe teve derrame. A sogra da minha outra filha, da Teresa, caiu na escada e quebrou a perna. Estava tudo assim, sabe? Parece que tudo juntou aí. Devagar foi, passou.
P/1 – E como é ser avó, Luzia? É diferente de ser mãe? Qual é a sensação de ser avó?
R – É gostoso, mas depende dos genros (risos), (risos). O pai do Bruno não, ele sempre teve consideração, mas o outro, ele é muito ciumento das filhas, ele acha que ele sempre sabe que é o tal, né? Então às vezes a gente chegava do parque e a Bárbara queria tomar banho antes de sentar na mesa: “Não, vai sentar na mesa assim” “Não, deixa ela tomar um banhinho e depois senta na mesa, não tem horário pra nada” “Não”. Aí ele falava assim: “Quem manda nas minhas filhas sou eu, viu?” Nossa, aquilo foi um baque pra mim. Aí a minha filha: “Você levanta já e pede desculpas pra minha mãe. E nunca mais fale isso”. Aquele dia foi muito doído pra mim. Meu marido falou: “Eu falo pra você, não se intromete na vida dos outros”. Mas tinha coisa que eu não podia deixar passar. Depois eu fui aprendendo, sabe, segurava a língua.
P/1 – É diferente de ser mãe?
R – Muito. Também na época que eu tinha minhas filhas não tinha todo esse alvoroço que tem agora. Elas iam pra faculdade, vinham com a turminha, às vezes eu ia no ponto do ônibus, esperava elas tomar banho, fritava o bife na hora, lavava a cabeça enquanto ela comia, eu pegava o secador, secava cabelo, sabe? E agora não, agora é aquela preocupação dentro do metrô, aqueles empurra-empurra, eu fico muito preocupada com as minhas netas. E é outra preocupação.
P/1 – E como é o seu dia a dia hoje, Luzia? Qual é o seu cotidiano, o que você gosta de fazer, quais são suas atividades?
R – Antes de eu ficar com esses problemas, quando eu tinha meu marido, porque também ele ficou quatro anos na cama, eu fiquei tomando conta dele, dava banho, dava comida, sabe? Às vezes de madrugada ele pedia comida, batata frita, eu fritava pra ele. Ele falava: “Fica sentadinha aqui comigo que eu vou comer a batata”. Ele punha a mão no travesseiro e com essa mão ele ia comendo, sabe? E todo dia ele agradecia a nós, porque o médico falou assim: “Se vocês quiserem eu ponho ele na Santa Casa”, mas nós não quisemos porque ele estava lúcido, então lá em casa ele andava um pouco, ele ia no banheiro a hora que ele queria, enfim, dava vontade. Eu falei: “Doutor, eu agradeço, mas se pormos ele lá, ele vai ficar pior porque vai ver todas aquelas pessoas piores, mais doentes, então a gente vai e volta e vai ser mais doído pra nós e pra ele”. E o convênio atendia muito bem ele, mas assim mesmo eu tinha um médico particular que de vez em quando ia visitar. Quando esse médico particular foi lá, falou pra mim: “Olhe Luzia, você se prepara e essa semana está tudo bem, mas semana que vem ele vai começar a se queixar e você interna porque não tem mais nada o que fazer”. Ele estava com câncer no pulmão, de cigarro, né? Aí aquela semana passamos tudo bem, mas quando foi na outra ele começou a se queixar de dor, estava inquieto, reclamar. Aí eu falei pra minha filha: “Não sei se leva”, a gente já estava com essa coisa do médico. Elas falaram: “É melhor levar, né, porque de repente piora”. Quantas vezes de madrugada eu e a minha filha, a mãe do Bruno, nós íamos no hospital que tem ali na Lapa, de lá vinha a ambulância, eu ia na ambulância e ela ia atrás, pra depois me trazer. O motorista da ambulância conversando comigo, animando, sabe aquelas pessoas boas, educadas? Graças a Deus sempre encontrei. Então fomos pro hospital e ele ficou uma semana certinho, quando foi na sexta-feira ele faleceu; nós levamos na terça e na sexta-feira ele faleceu. Mas antes dele ficar doente, que ele trabalhava, tudo, a minha vida era assim, eu fazia as minhas coisas de casa, eu ia no Sesc fazer hidroginástica, ia lá no Villa-Lobos que tem perto da minha casa fazer caminhada, fazia minhas compras, passeava, né? Depois que eu fiquei assim também fiquei isolada porque não posso sair a pé, sozinha, não posso porque o médico falou pra mim: “Não saia”. Porque as ruas é uma agitação de gente, derrubam a gente e nem percebem. E Deus o livre que eu caia eu pioro tudo a situação. Então eu fico mais em casa agora.
P/1 – Quantos anos faz que o seu marido faleceu?
R – Faz oito anos.
P/1 – E hoje em dia a senhora mora sozinha?
R – Moro. Desde o dia que enterramos ele as minhas filhas falaram: “Você quer vir pra casa ou quer ficar pra sua?” “Não, fico na minha. Porque se eu sair, depois para eu voltar vai ser mais triste. Eu vou agora, fico lá e pronto”. Como eu estava boa de saúde, a hora que me dava uma nostalgia eu saía, ia pro shopping, ia andar, ia na casa de alguma amiga, sabe? Lia muito livros. E fui levando a minha vida assim. Agora eu me dou bem com todas as minhas vizinhas, se eu precisar de alguma coisa peço. As minhas filhas estão sempre em casa, não me deixam faltar nada e eu vou indo assim até

que der, né?
P/1 – Está certo, Luzia. Eu vou encaminhar para o final da nossa entrevista, mas antes primeiro eu queria perguntar se a Mariana quer fazer alguma pergunta. E quero perguntar pra senhora, tem duas perguntas finais pra encerrar, mas antes de fazer as perguntas finais quero saber se tem alguma coisa que eu não tenha perguntado e que a senhora gostaria de falar, qualquer coisa.
R – Não, foi bastante coisa. Até falei diferente, o Bruno pensou que eu fosse falar da minha infância, que eu brigava muito (risos).
P/1 – Mas a senhora pode contar, conta pra gente.
R – Não, mas é coisa de escola mesmo assim, sabe?
P/1 – Mas era briguenta, a senhora se lembra de um episódio? Conta pra gente uma situação.
R – Eu brigava muito. Eu não aceitava as pessoas fazerem desaforo pra mim, entende? Porque a minha mãe era lavadeira, eu levava as malas na cabeça, então eles brincavam: “Ah, a lavadeira, a lavadeira”. Então, eu punha a mala do lado, ia lá e tó, um soco na cara pra ela saber que lavadeira também tinha que ser respeitada, né? E depois a gente começou a ir na escola, a gente fez amizade, continuou, mas teve muitas briguinhas assim, mas coisinhas leves.
P/1 – Mais alguma história que a senhora tenha se lembrado, alguma coisa?
R – Ah, lembrar lembra de muitos, né? Mas já foi bastante, né?
P/1 – Não quer contar nenhuma mais.
R – Não, está bom. Se pra vocês está bom, está bom.
P/1 – Então vou fazer a penúltima pergunta, queria saber quais são seus sonhos.
R – Ah, os meus sonhos (risos), sempre que eu peço pra Deus: que me deixe morrer tranquila, que não fique dando trabalho pras minhas filhas, sabe? E é só. Que eles não sofram, porque eles vão sofrer, lógico, quem fica vai sofrer mais, né? Então toda noite eu rezo pra Deus: “Deus, não me deixe sozinha porque na hora eu não quero ficar sozinha”. E bastante saúde pras minhas filhas, pras minhas netas, que eles vençam na vida os objetivos deles. Porque são uns amores de meninos, sabe? Carinhosos. É isso.
P/1 – E por fim, como é que foi contar a sua história? O que a senhora achou de contar a sua história aqui pra gente?
R – Eu gostei porque lá no meu prédio tem um moço, ele é professor e ele vai sempre em casa pra gente conversar, ele conversa muito. Então ele fala assim: “Qualquer dia eu vou trazer um caderno para escreve a sua história”, porque ele é espanhol e também teve uma vida muito atropelada, até agora ele tem com os irmãos dele. Então a gente conversa, conversa muito, que ele perdeu a mãe muito jovem, nove anos, e ele fala assim: “Nós vamos emendar a história, vai dar um livro muito bonito”. Eu falei: “Ah, quando você decidir, você vem e a gente escreve”. Porque quanto mais você vai falando, mais você vai lembrando dos episódios. E são coisas gostosas de lembrar.
P/1 – Está certo Luzia, muito obrigada, viu?
R – Nada.
P/1 – A gente agradeceu muito.


FINAL DA ENTREVISTA