Museu da Pessoa

Uma vida iluminada

autoria: Museu da Pessoa personagem: Pedro Sérgio Libanori

Depoimento de Pedro Sérgio Libanori
Entrevistado por Cláudia Leonor e Valéria Barbosa
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 08 de novembro de 1994
Transcrita por Carlos Alberto Torres de Matos

P - Bom, eu queria que o senhor falasse seu nome completo, local e a data de nascimento?

R - Meu nome é Pedro Sérgio Libanori, é, nasci em São Paulo, no dia 23 de outubro de 1935.

P - E o nome dos seus pais e onde eles nasceram?

R - Meu pai é Atílio Libanori, nascido em Ribeirão Preto, estado de São Paulo, e a minha mãe é Ana Fernandes Libanori, nascida na capital, São Paulo, capital.

P - Seu Pedro, o senhor estava falando que seu avô veio da Itália...

R - É meu avô veio da Itália, veio ele e quatro irmãos. Junto com meu bisavô, né, sendo que um deles até, quando chegou no Brasil, acho que por falta de comunicações, e não tinha, naquela época era mais difícil, correio, telégrafo, telefone, então um deles desviou, nós, perdeu o contato, né, e a questão de há pouco tempo nós ficamos conhecendo que tinha uma família, todos eles foram para Ribeirão Preto, e há pouco tempo atrás nós ficamos sabendo de uma família Libanori que tem em Taquaritinga, então a gente presume que esse irmão que perdeu contato com os outros três tenha ido para Taquaritinga, e a família Libanori é daqueles que existe hoje no Brasil, é aqueles que tive... vieram junto com meu avô e meu bisavô, né, e os irmãos deles, né?

P - E, bom, que é que o senhor lembra, assim, da cidade de São Paulo, do bairro que o senhor morava?

R - Bom, eu nasci na Aclimação, é que eu me lembro da Aclimação era chácaras, que marcou muito a infância, né, os campinhos de futebol, enfim a vizinhança que era tudo alegre, aqueles amigos que a gente tinha, pelo bairro inteiro, né, era muito mais fácil. A gente se reunia nos campos de futebol, na escola, né, e aquilo me marcou muito porque hoje a gente não consegue ter aquela amizade que tinha antigamente, ou por falta de tempo, ou por falta de sair mesmo na rua, como a gente saia antigamente. As famílias se reuniam em festas, na própria rua a gente fazia aquelas festas comunitárias, e hoje, a minha infância marcou muito sobre isso, né, uma infância tranqüila.

P - Como é que eram as brincadeiras?

R - Brincadeiras, acho que dos meninos basicamente era o futebol, né, a gente jogava muito futebol. Brincava de se esconder, aquelas brincadeiras, amarelinha, brincadeira, que a gente reunia, pular sela que era o sujeito dobrava, se dobrava e a gente pulava por cima dele, coisas assim mais ou menos, a gente inventava muito brinquedo. Tinha muito brinquedo na época, e assim a gente vê que as coisas modificaram, né, hoje né, meus filhos, por exemplo, tem infância deles, que eles também gozam, mas já é uma época adaptada para eles, né, que foge de nosso estilo. Então a gente, eu particularmente, acho que a minha época era melhor que a deles, eles, ao contrário, acham que a deles é melhor do que a minha, né, porque acham aquilo muito infantil, muito ingênuo, né?

P - Quantos irmãos seu Pedro?

R - Eu tenho duas irmãs, eu sou mais velho e depois tenho duas irmãs que são abaixo de mim, né, e homem sou eu mesmo.

P - E como era a casa do senhor na Aclimação?

R - Bom, eu morava numa travessa, era uma rua, era uma travessa sem uma saída, né, então isso já facilitava mais o convívio com a vizinhança, mas era uma casa, era um sobrado bem grande, né, uma casa bem espaçosa, não tinha muito quintal, mas o quintal da gente era a própria rua, né, era os campos. Mas era uma casa bem confortável, a gente vivia tranqüilo, não tinha problemas assim, deu para ter uma estrutura boa de vida, assim, uma vida bem tranqüila.

P - E o senhor estudou aonde?

R - Eu fiz uma parte do primário no Grupo Escolar Rodrigues Alves, que ainda existe na Avenida Paulista, né? Eu fiz o meu primeiro e segundo ano, inclusive, era época de guerra naquela época, né, 43 a gente ia um pouquinho apavorado, né, não sabia o que podia acontecer, né, era uma guerra mundial, a gente não sabia as proporções até onde podia chegar, né? Depois de lá eu fui estudar no Colégio Ipiranga, aí fiz o Colégio Ipiranga até o científico e depois fui para Escola Paulista de Agrimensura, fazer um curso de engenharia de campo, né, estudava basicamente loteamentos, estradas, essas coisas assim, né, cálculos, e assim foi minha vida, depois casei e parti para o comércio. (risos) Trabalhei mais ou menos em engenharia uns seis meses mais ou menos.

P - Certo, seu Pedro voltando um pouquinho essa época que o senhor estudava no Grupo Rodrigues Alves, que é que o senhor tinha, exatamente, medo da guerra, como é que chegavam as notícias, que é que dava medo?

R - Não, porque antigamente a gente não tinha, não é como hoje que a notícia sai, o fato acontecendo você está sabendo no mesmo horário. Então está acontecendo, o sujeito está chegando na lua você já está sabendo o que é que está acontecendo. Você está vendo um fato, é como por exemplo uma irradiação de futebol, você vendo o jogo, você não fica tão tenso como você ouvindo, porque você está quase participando das coisas, então você tem noção do que está acontecendo. E naquela época não, as notícias chegavam pelo rádio, e quase não pegava direito, então não sei se era um pouco sensacionalismo ou então o fato era real, né? Porque a coisa era de proporções terríveis, né, era fato que nunca tinha acontecido, mas guerra mundial assim, as armas cada dia mais aperfeiçoada, coisas absurdas que a gente via, destruições, e aquilo me marcou também um pouco na infância porque a gente é inseguro, não sabe o que é que podia acontecer, até onde ia essas coisas, se ia ter mesmo uma invasão aqui no Brasil, né, a gente ouvia comentários dos pais da gente, dos vizinhos, todo mundo preocupado com isso, né? O racionamento ajudou também aquilo a ficar uma coisa bem forte, né, você não encontrava mais pão, não encontrava gasolina, açúcar que faltava, então a gente vivia quase um regime de guerra sem luta, né? Isso marcou muito a minha vida, a coisa que marcou a minha lembrança, ficou muito na minha lembrança, né, essas coisas que a gente via, fotografias que às vezes vinham, e essas coisas foram, foi marcando a minha infância, a minha formação. Então, talvez por um lado até me deixou ter uma vida mais tranqüila porque quem passa por isso já vai se, vai se calejando, né, vai se vacinando contra certas coisas, e isso foi me dando, inclusive, aquele medo que eu tive antes serviu de base para ter tranqüilidade futura, né? Então essas coisas que me marcou muito na minha infância também.

P - E São Paulo nessa época, como era a cidade?

R - Bom, eu vou dizer uma coisa, eu não sei se eu sou, eu sou fã de São Paulo, então São Paulo para mim do que jeito que ele for ele, para mim, é sempre, é São Paulo, né? Mas eu vou dizer, São Paulo era um cidade tranqüila, tanto é que os meus pais, em casa, não tinha carro quase naquela época, então, por exemplo, meus pais iam de domingo no cinema, e às vezes quando eles iam jantar fora, eu ia da minha casa, pegava um ônibus, ia na cidade encontrar com eles lá no centro. Quer dizer, então você vê a tranqüilidade que era São Paulo, eu ia sozinho, com dez, 12 anos, eu ia encontrar com eles no centro, em tal lugar. Nós nos encontrávamos, depois saia para ir tomar um lanche, qualquer coisa assim. Os meus amigos era mesma coisa, ia em futebol, não tinha esse problema de, como tem hoje. Então, São Paulo era livre, a vizinhança, por exemplo, lá de casa, vivia de portas aberta, eu quando ia chamar um amigo meu, já entrava na casa dele, ele quando vinha na minha casa já ia entrando para me chamar, então, não tinha tanto, todo mundo se conhecia. Qualquer pessoa estranha que estava lá, todo mundo ficava alerta, que era todo mundo conhecido. E foi assim, assim foi o São Paulo que eu conheci, que adoro até hoje do jeito que ele é.

P - Certo, e o senhor escolheu fazer um curso de agrimensura?

R - Agrimensura.

P - E que é que levou a fazer esse curso, que é que atraia?

R - Ah, eu fui mais pela, pelos, alguns amigos que fizeram e puseram na cabeça e achava que isso daí era uma coisa que tinha futuro, mas acabei fazendo por fazer mesmo e acho quase só para ter um diploma mesmo, porque praticamente não cheguei a exercer a profissão, né?

P - Eu queria que o senhor falasse do pai do senhor, qual era a atividade dele?

R - Bom, meu pai, ele tinha uma caminhonete, quando, que eu me lembro desde a minha infância ele tinha uma caminhonete e ele comprava, por exemplo, materiais elétrico, comprava lâmpadas, essas coisas, no começo, e distribuía, ia para esses lugares, Santo Amaro, que era tudo distante naquela época por causa da... Santo Amaro era uma outra, praticamente uma outra cidade, que era uma viagem, né? Então ele distribuía para vários bairros, tudo, depois ele começou a trabalhar como entregador de café, ele vendeu a caminhonete, então trabalhou em vários cafés, Café Paraventi, Café Assembléia, Café Genuíno, enfim, ele trabalhava e distribuía para São Caetano, São Bernardo, Santo Amaro, ia para vários lugares assim, né? E depois ele, acho que, aí ele começou, quis trabalhar por conta, comprou um táxi, começou, trabalhou de táxi muito tempo e aí nesse meio tempo ele era sócio de uma metalúrgica junto com três tios meus, mas ele não participava, quem tomava conta era meus tios. Ele entrou com capital lá, inclusive, naquela época não sei se ainda tem lei, o sujeito era obrigado a, depois de um certo número de funcionários nas metalúrgicas era obrigado a freqüentar o Senai, então eu cheguei a fazer curso do Senai também, de metalúrgica tal, mas eu, foi um ramo que eu comecei gostar, porque é um ramo muito artístico, né, é uma coisa bonita, né, você vê aqueles repuxado, aquelas montagem, fixações, quer dizer, tudo, e ele, na verdade a metalúrgica dele era mais, naquela época começou a sair o fluorescente. Então ele fazia artigos de fluorescentes mais para bares, restaurantes, inclusive ele ganhou uma vez, fez uma concorrência da estação do Rio de Janeiro, Estação do Norte que chamava, e, mas a metalúrgica depois também, acho que com a evolução do tempo, a metalúrgica não conseguiu evoluir e tal, aí parou, parou ele. Nessas altura eu também já estava montando a minha loja e tudo. Aí ele veio, trabalhou inclusive comigo, trabalhou com um tio meu, depois veio trabalhar comigo, e o meu pai, a vida do meu pai foi mais ou menos essa daí, né?

P - E a atividade do pai do senhor, como ela influenciou para o senhor montar uma loja?

R - Ah, não sei se influenciou, o que me influenciou muito mesmo foi na minha formação, né, porque ele era uma pessoa muito rígida. Ele achava que ser pobre não queria, não era defeito, o defeito era não ser honesto, né, então nossa infância nunca fomos, vamos dizer assim, ele como um motorista de táxi era um homem exemplar, trabalhava de sábado, domingo para não deixar, quer dizer, o exemplo que ele deu foi, transmitiu muita coisa para mim, ele trabalhava para não deixar faltar nada em casa, então acho que nós crescemos dentro desse ambiente. Coisa rígida, tinha que estudar, tinha que trabalhar, e acho que isso daí me transmitiu muita coisa mesmo, ser uma pessoa lutadora, ser uma pessoa que não tem medo de enfrentar o trabalho, enfim, ser uma pessoa honesta, dedicada, que eu acho que em conseqüência disso é que vem o resultado das coisas, né, e o que ele me transmitiu foi muito isso. Não me influenciou ,assim, em carreira nenhuma, me deu liberdade de escolher, eu é que sempre gostei de comércio. Então achei que esse ramo de lustre era um ramo bom, que batia com a minha personalidade, e fui montando a minha lojinha da Consolação, comecei lá em 59.

P - Foi o primeiro trabalho do senhor?

R - Não, eu trabalhei, eu comecei a trabalhar com 14 anos, eu fui office-boy, fui tudo na vida, trabalhei em loja, inclusive.

P - Loja de quê?

R - Trabalhava numa loja de disco, trabalhei muito tempo de office-boy num escritório de engenharia, a minha vida também foi o que ele passava para mim, é trabalhar, não ficar, eu acho que começar cedo a vida da gente, né, começar acostumar a trabalhar para sentir o gosto mesmo das coisas e ganhar seu dinheiro para poder desfrutar, né?

P - Que é que o senhor fazia na loja de disco?

R - Era vendedor.

P - Aonde que ficava?

R - Naquela época era aquelas bolachonas, (risos) ficava na Domingos de Morais, lá perto do bairro que eu morava, e trabalhei muito na Rua XV de Novembro, até, depois fui trabalhar com um tio meu também, que ele também tinha uma loja variada, ele tinha uma loja variada, tinha coisas de, ele trabalhava muito com vasos, mas tinha alguma coisa de lustre porque, lanternas. Ele trabalhava muito com artigos de decorações de jardins, essas coisas, mas tinha lanternas, coisas, holofotes, coisa que usavam muito para jardins, essas coisas aí, e eu fui pegando gosto do comércio, e achei que um dia eu podia ter a minha firma e tocar, né? E foi o que aconteceu.

P - Seu Pedro, na XV de Novembro, onde que o senhor trabalhou, que loja?

R - Não, lá era um escritório de engenharia, era no número 200, décimo terceiro andar, não sei se, o escritório eu sei que não tem, mas o prédio deve ter ainda lá.

P - E o senhor lembra a rua como é que era?

R - Ah eu conhecia, naquela época eu conhecia o centro de São Paulo inteirinho, né, porque eu é que era o office-boy de lá, então levava cartas, levava, ia na prefeitura, porque naquela época a maior parte era serviço de prefeitura, prefeitura tinha na Líbero Badaró, tinha em vários lugares aí, que aprovava plantas, né? Então o centro tudo isso aí eu conheci muito aqui, aliás, quase que São Paulo inteiro eu conhecia, né, porque eu corria tudo isso daí, eu fui até entregador de impostos nas horas vagas, eu pegava os bico assim, como eu conhecia, amigos já me diziam: "Olha tem uma coisa, tem que entregar impostos, eles estão querendo rapazinhos." Então eu ia de sábado e domingo entregar impostos, e a minha vida foi sempre assim, aquela correria, né?

P - Como que o senhor recebia, assim, quando o senhor pegava um bico, assim, de entregar impostos, como que eles te pagavam?

R - Ah, por comprovante de entrega, né, era um "x" eu não me lembro. A moeda muda tanto que a gente não sabe, mas era um "x" por cada comprovante de entrega, eles me davam um maço de coisa, e cada ticket que eu devolvia do comprovante de entrega eu tinha um, vamos dizer, 50 centavos por cada um, e, aliás era distribuído até por um banco, era um banco que me dava, quem me passou esse serviço aí era um mulatão, um senhor que tinha, acho que era gerente do banco. Então ele me dava esses bicos, né, quando eu tinha, época de férias do meu serviço assim, então sempre arrumava um biquinho para reforçar o orçamento.

P - E o senhor ia nesses lugares como, de que transporte?

R - Ah, tudo bonde, era tudo bonde. O ruim, inclusive, que às vezes você pegava, você ia num lugar, São Paulo era tão esparramado e tão pouco habitada, que às vezes você ia, por exemplo, lá em, no Brooklin, você ia numa casa aqui, depois a outra lá que era no Brooklin mesmo, você tem que andar quase meia hora por que já era um outro lugar, não tinha casa. Então você perdia muito tempo, horrivelmente era pouco de sair, você andava muito e as casas eram muito longe uma da outra, né? Quando a gente é moço tudo é divertido, né, todo serviço, o serviço até torna-se divertido, só o fato de você andar de bonde já era uma festa, né, é assim.

P - Bom, e quando o senhor montou a loja por que o senhor escolheu ir para a Consolação?

R - Ah, bom, porque a Consolação já estava se tornando um núcleo de lustres, né? Ali já tinha várias lojas de lustres, então a gente tem que procurar o lugar certo, né, a concorrência é grande mas tem a vantagem de concentrar também a freguesia, né, e eu achei que a Consolação para esse, para esse ramo tinha que ser Consolação mesmo, e eu fui lá, em 59 eu abri a loja lá.

P - E por que é que o senhor escolheu lustres?

R - Ah, eu escolhi lustres porque, aliás eu não comecei exatamente, eu comecei mais ou menos com esse ramo que o meu tio tinha, que era vasos, algumas plantas, essas lanternas de jardins, holofotes, esses artigos de postes, essas coisinhas, mas como ali a Consolação era coisa de lustres, então como vinha muitas fábricas com representantes para vender lustres para Consolação, e aos poucos eu fui colocando, foi até que no fim eu acabei com tudo que eu tinha e só fiquei é, praticamente, com lustres, né? E no decorrer das coisas praticamente fiquei só especializado em lustres. Aí eu comecei a me interessar bem por lustres, comecei a me especializar bem, achei que era um ramo que eu podia ter um relativo sucesso, né, e comecei a me aprofundar, inclusive criar modelos para mim mesmo, eu mesmo fazia os modelos, mandava fazer as peças fora, depois...

P - O senhor desenhava?

R - Desenhava, bolava certos tipos de coisas que achava que, para ser um pouco diferente do tradicional, né? Então criava muito tipo de lustres lá, e talvez a razão disso é que também eu comecei a me firmar mais no ramo. E hoje, até hoje eu estou lá, e estou passando para os meus filhos para eles darem continuidade.

P - Quando o senhor abriu a loja, como que era a Consolação naquele tempo?

R - Bom, a Consolação era estreitinha, né, passava o bonde Pinheiros, o bonde Vila Buarque, Vila Madalena, então era uma rua tranqüila a Consolação. Pôxa, o sujeito podia parar o carro tranqüilamente. Era uma rua que não tinha movimento nenhum, porque o maior movimento era para Augusta e pela Angélica, talvez em função disso é que abriram a avenida lá, por ser uma rua, era tudo casas velhas, é que eu, que eu me lembro da Consolação é isso. Era uma rua muito sossegada, não era, não é nada do que a gente vê hoje, não dá nem para imaginar o que era antigamente, era tudo, lembro, me lembro bem quando eu comecei, era tudo casas velhas mesmo, tudo casas centenárias quase, né, do começo do século, aqueles casarões altos, né, de pé direito alto, e aquilo foi transformando, transformando. Quando a gente abriu, a gente não percebe que é o dia-a-dia e tal, quando você percebe, quando você olha a Consolação, quando eu vejo fotografia antiga, eu mesmo acho que: "Puxa a Consolação era desse tipo aí?" Que mudou tanto que a gente perde até a noção das coisas, né?

P - E como eram as pessoas que moravam lá?

R - Ah, é tudo famílias, o comércio lá era muito pouco, eu me lembro que tinha algumas oficinas mecânicas, tinha cabeleireiro, enfim a maior parte era casa de família porque era tudo casarões, né, tinha muito, também cortiço, com várias famílias, né, aqueles casarões com várias famílias, e aquilo foi modificando aos poucos, né, foi modernizando, foi valorizando em função da avenida, né? O terreno lá começou a ficar muito caro, então essas casas todas desaparecendo para dar lugar para edifícios, né?

P - Quando que foi criada a avenida, a...

R - A Consolação?

P - É.

R - Bom, eu não tenho muita idéia, mas é, sei que é uma das avenidas mais antigas, né, deve ser do século passado.

P - Não, eu digo ampliada.

P - Quando que ela foi ampliada?

R - Ah, ampliada, foi por volta de, bom ela foi por etapas, né, mas por volta de 66, 67, começou já abrir a avenida, os tratores já começaram a derrubar muitas casas e alargar lá.

P - Isso prejudicou ou não o comércio do senhor, afetou de alguma forma?

R - Não, aquilo eu só transferi de lugar, né, que eu estava bem lá, perto mais do centro, e eu vim para mais perto da Avenida Paulista, porque o lado que foi desapropriado me atingiu, então eu tive que sair da onde eu estava, e eu tive que procurar um armazém num lugar diferente, porque ali praticamente estava atingindo os dois lados, né, que ela chegou, começou de um lado só, depois para retificar ele começou pegar dos dois lados até formar uma reta, né? E aí eu procurei um lugar que não ia ser atingido, que era lá perto da Paulista, o lado que eu fui, tive sorte de encontrar também um armazém que desse para minha necessidade, né, e fui lá para cima, e estou, e é o prédio que eu estou até hoje, eu fui em 67 lá para cima, e até hoje eu estou no mesmo lugar.

P - Era um armazém do que seu Pedro, o senhor lembra?

R - Ali era uma boate, era um bar tipo boate, né, chamava Chiquetito, era um barzinho de dia, atrás tinha uma espécie de uma boate, e no fim acho que também não deu certo para o rapaz lá, ele acabou vendendo o ponto lá e eu montei minha loja de lustres lá mesmo.

P - Seu Pedro, e a clientela, como é que era a clientela quando o senhor abriu a loja?

R - Quando eu abri, acho que abri mais ou menos numa época que estava desenvolvendo os lustres mesmo, né, foi uma época, aliás acho que foi uma época boa para o Brasil inteiro, né, que era uma época que o desenvolvimento já estava alcançando, era uma época de 59, 60, já estavam montando até indústrias automobilísticas, então o Brasil estava acho que atravessando uma fase muito boa de, comercialmente, enfim, tudo, né? Era uma época áurea mesmo, né, uma época que tudo dava certo, o povo entusiasmado, então acho que qualquer ramo, todos os ramos acho que conseguiu desenvolver bem, né, que foi uma época boa pro Brasil mesmo, aonde se desenvolveu muitas indústrias. Enfim tudo, o Brasil começou a se modernizar mesmo, né, já não dependia tanto do estrangeiro, né, nós já começamos a fabricar coisas nossas mesmo e com uma técnica que não ficava devendo nada para ninguém, viu, a gente mexe com coisas assim, a gente vê que o padrão de fabricação brasileira é muito bom.

P - Seu Pedro, tinha muitas construções a cidade de São Paulo?

R - Pois é, inclusive isso, foi uma época de tanto desenvolvimento, de construções, tudo, então, foi uma época áurea para tudo, e construção inclusive ajudou muito o desenvolvimento, aliás a construção é praticamente é o termômetro de tudo, né, quando está bom a construção, né, quando está bom a construção, está bom para todo mundo, porque aí vende é móveis, é cortinas, então acho que mexe com, abrange quase que totalmente o comércio, né? Mas aquela época São Paulo expandiu de um modo violento mesmo, uma coisa muito grande.

P - Tinha algum bairro que o senhor vendia mais, assim?

R - Não, acho que bairro não, acho que a gente vendia bem, inclusive até, chegamos até exportar mercadoria, vendia para o Brasil inteiro. São Paulo naquela época teve um desenvolvimento muito grande, né, que praticamente estava tudo concentrado aqui, o capital do Brasil e tudo, né, então São Paulo naquela época desenvolveu muito mesmo, mas o de bairro, assim, específico não. Era bairros que iam crescendo, assim, então a gente vendia mais, como o desenvolvimento era muito rápido, então era bairro que crescia dois, três anos, dali um pouco era outro, e a expansão foi muito grande, né, e a gente vendia para todos os lugares mesmo.

P - Para quem que o senhor chegou a exportar?

R - Chegamos a exportar para a Bolívia, não para firmas atacado, assim, era, vamos dizer, decoradores que vinha aqui, arquitetos que, paraguaio, Bolívia, né, vinham comprar alguma coisa aqui, Uruguai, inclusive a Argentina mesmo, apesar da Argentina também ter um, era muito desenvolvido nesse ramo de lustre, tudo, mas chegamos a vender muito para eles lá também. E aquela época o Brasil inclusive tinha coisas diferentes, né, modelos nossos mesmo, né, e vendia de um modo geral, não é tanto como é hoje, hoje a gente precisa correr atrás, né?

P - Nessa época o senhor, o seu pai ainda tinha a fábrica?

R - Não, meu pai faleceu em 77, mas antes dele falecer já não participava muito. A fábrica dele ficou um tempo lá, depois ele acabou vendendo, há muitos anos. Bem antes de eu abrir a minha loja ele tinha acabado com a fábrica, ele praticamente, ele começou, ele dava mais como motorista de táxi.

P - Quem eram os fornecedores, seu Pedro?

R - Bom, fornecedor que existe até hoje, que é uma potência, inclusive, é a Montalto, é o principal, né? A Montalto hoje é uma das principais firma de lustres, agora muito, como o estilo variou muito, muitas firmas que fabricavam inclusive peça artística, de cristais, tudo, muitas não modificaram, e como os estilos foram mudando, muitas fecharam, né, mas ainda tem algumas aí que, antigas, essa Montalto, Monclair, tem, enfim, são tantas que eu não me lembro assim de, mas as mais antigas é a Montalto, Monclair, são bem antigas. Tem a Lustres Touros também, que tem até hoje, enfim tem muitos, fora as fábricas de lâmpadas, né, que são multinacionais, que é a Philips, a Silvânia que também a gente compra muito deles, né, e é um ramo muito variado.

P - Quando... o senhor às vezes bolava algum modelo?

R - Ah, bolava.

P - Como que o senhor fazia isso?

R - Não, eu bolava. Eu bolava quando era na época de estilo clássico, né, moderno não porque hoje, como é que é, muita ferramentagem, essas coisas, então é muito mais difícil. Mas o estilo clássico era muito mais fácil você bolar, quer dizer, eu, de um lustre, eu tirava uma peça de um, tirava de, então ia formando um terceiro, um quarto, enfim ia criando modelos, mandava fundir. Porque tem aquelas fundições que fundia para várias fábricas, né, então você levava modelo. Mas foi um tempo também que eu fiz isso daí, depois começou a vir umas, aí começou a vir crises, né, essas coisas aí, falta de material, então isso atrapalhava. Às vezes você tinha cem peças de um modelo, e não tinha nenhuma para completar cem peças, então você ficava com tudo parado, por exemplo, falta de alguns complementos, né? Aí eu comecei a parar porque aí já não era mais vantagem montar essas coisas porque você tinha que correr atrás, abandonar tua firma, para ver se achava em tal lugar. Então você perdia muito tempo e o lucro não compensava mais não. Aí eu parei, aí comecei a especializar mesmo, só das coisas fabricadas mesmo, me dedicar inteiramente a comércio.

P - Senhor Pedro, e quais são, assim, os materiais que os lustres são feitos? O senhor me mostrou na loja as cúpulas, né, lapidadas à mão, fala um pouco desse trabalho.

R - Ah, bom. Isso daí é, bom o básico mesmo do material é feito em latão, alumínio, ferro e bronze, né? O básico, agora os complementos tem opalina, tem opalina inclusive tem umas que são pintadas à mão, vai no forno e depois é queimada, então de uma cor só, né? Tem o cristal, que ele também leva, às vezes, uma camada de cor por fora, depois eles lapidam, então fica, onde é lapidado fica transparente e aquela parte externa é em cores, né, culamba rubi e então forma aquele contraste quando você acende, né, dá aquele contraste de cores com transparente, então dá um efeito muito bonito. Tem, fora disso, tem o trabalho com pergaminho, uma série de coisas que dá complemento, tecidos, né, enfim é uma variedade muito grande, né, de complementos, principalmente que dá o acabamento no lustre, né? Tem o vidro colorido, antigamente, inclusive hoje é mais difícil, tinha uma cor finíssima, uma cor que se não me engano só existia no Brasil e na Checoslováquia, para você ver como era, eram duas camadas de vidro, então era uma opalina fundida com vidro, então ficava dois, duas camadas de vidro, então essa opalina lapidada e pintada e depois, o vidro. Era uma coisa que hoje não existe, não deram continuidade nisso daí porque quem fazia isso era uma pessoa só, a pessoa acabou falecendo então não teve quem conseguisse dar um padrão de, é uma coisa tão fina que não teve seqüência mesmo, é uma coisa, era uma jóia, uma coisa de arte, uma coisa lindíssima mesmo, né, e hoje não tem mais. Hoje, bom hoje inclusive, é, parte mais para parte comercial, né, a parte é mais produções, essas coisas ai, né, essas coisas mais artísticas torna-se muito cara e quase não tem mercado, né, para isso. Mas de qualquer jeito a gente vê inclusive muitos, coisas bonitas, de efeito mesmo ainda, quer dizer, tecnicamente a coisa evoluiu mais, né, quer dizer, a parte artística nem tanto, mas a parte técnica, hoje uma iluminação você, eles visam mais o fato de iluminar mesmo, né, então acho que nesse ponto aí a evolução foi grande, na parte técnica.

P - Tem algum tipo de modismo, assim, alguma época o pessoal compra mais opalina, cristal, fluorescente?

R - Acho que tudo, a iluminação mais ou menos segue uma regra, né? Ela acompanha, acho que tudo segue, quer dizer, no meu conceito acho que segue mais o mobiliário, né? Se a tendência é para colonial, então você tem que começar a compor os lustres, porque lustres geralmente é um complemento, então ele tem que seguir aquilo que é o essencial, né, que é a base da decoração. Então se tende para o colonial, aí tem que por uns lampiões, tem que pôr umas coisas, se tende para o estilo clássico, pode ser o cristal, tipo império, então, aqueles lustres com pingente. Quer dizer, a tendência é sempre seguir o que está em moda, né? O que geralmente é implantado em móveis a gente segue a tendência, e procura também ter aquelas coisas neutra, aquele colonial clássico que serve tanto para o moderno, como é uma coisa mais fina, só que é mais, é mais modernizada, né, mais estilizada, mas a gente segue mais ou menos o padrão que está seguindo, da moda mesmo.

P - Seu Pedro, na loja do senhor, por exemplo, vocês tem esse atendimento, tipo, chega um cliente e fala: "Olha, meus móveis são assim e eu preciso de que lustre, o senhor..."

R - Não, nós temos gente especializada nisso, porque geralmente o lustre é uma coisa difícil de lidar mesmo, porque como a pessoa não compra, às vezes compra uma vez, depois vai comprar daqui 20 anos, então é muito difícil ele ter uma idéia do que ele quer, porque uma: primeiro lugar ele não sabe nem o que tem, então muito menos ele vai saber o que ele quer, então tem que ter, primeiro lugar ter paciência com o cliente, expor o que a gente tem mais ou menos dentro daquilo que está, tem que saber mais ou menos o que ele quer, então dentro daquilo ajudar. A gente praticamente mais ajuda, oferece o que tem, que encaixe dentro do que ele precisa, né, dentro do estilo dele, e a gente tem pessoa especializada nisso, inclusive faz curso, né? Nós temos, de vez em quando sai uns cursos de iluminação, sai lâmpada de alguma coisa, então a gente manda gente para, além disso a gente vai em feiras de, para ver o que tem de moderno, recebe catálogos, enfim uma série de coisas que a gente tem que estar sempre acompanhando mais ou menos a tendência para saber ler a parte técnica e tudo para você poder orientar o cliente, né? Os nossos vendedores lá são mais ou menos instruído para poder atender a clientela mesmo na parte, nessa parte auxiliando lá, então nós temos gente tudo para isso daí. Enfim temos, se precisar também, temos pessoas que instale para ele lá, quando a peça é mais difícil de, então nós temos toda uma equipe que cuida dessa parte aí, né? O cliente só tem mesmo que ir lá, ver se, o que ele gostar tudo bem o resto a gente resolve.

P - O seu Pedro, e acontece, assim, de ir decorador e escolher os lustres para casa inteira, como é que isso? A pessoa vai e compra para um cômodo?

R - Não, às vezes, bom, tem quem escolhe a casa inteira, mas às vezes fica cansativo, viu, a pessoa, às vezes, para definir o que ele quer já, só para definir, às vezes, um lustre de sala ele já perde uma hora e meia, duas horas, então, às vezes, a pessoa começa a ficar cansado, que é uma ramo que você tem que ficar olhando para cima toda hora, né? Então é cansativo, às vezes, né, e às vezes a pessoa, quando a pessoa tem já mais ou menos, sabe o que quer, fica mais fácil. Aí, talvez o tempo que ele tem escolhe tudo, mas senão ele vem, escolhe, depois vem, escolhe a outra parte, ou então leva um orçamento, depois vem com vagar, aí retorna a ver novamente o que ele quer, se realmente é aquilo, assenta a idéia dele para ver se realmente é aquilo que ele quer, talvez vá trocar idéia com alguém. Mas é muito variado o estilo de cliente, viu, é, o público, lidar com o público assim a gente tem que ter, inclusive, um pouco de psicologia para poder saber em que, porque cada tem um tipo, uma personalidade, então você tem que estar mais ou menos amoldada, dentro daqui, do cliente, né, tem aquele estilo, tem jeito de ser alegre, se ele é alegre, se ele é sério é sério. Então tem que estar sempre de acordo com o cliente.

P - O senhor falou das mercadorias, né, que tem que ficar olhando para cima...

R - Exato.

P - ...é, sempre foi dessa forma, por exemplo, desde quando o senhor começou as mercadorias eram expostas dessa maneira?

R - Bom nós temos inclusive spot na parede, abajur no chão mas o, geralmente é para cima. A exposição nossa geralmente é em cima, a gente, às vezes, tem que, uma maneira fácil de tirar, às vezes o cliente quer ver isoladamente para ver, porque às vezes não tem idéia olhando por baixo, então a gente tem lugares próprios para você expor o lustre, numa certa altura para ele, isolado para ele ver como é que o lustre, tudo direitinho, mas de um modo geral é quase tudo em cima.

P - O senhor não tem vitrines na loja, né, porque isso, é só porta aberta? Explica para a gente.

R - Essa parte aí praticamente foi minha. A minha firma que revolucionou isso daí, porque antigamente os lustres geralmente era, as casas de lustres era com vitrine, com tapete, e nós quando entramos lá não, achava que, porque isso daí constrangia muito o cliente, né? O sujeito tinha vergonha de entrar, de não sei o que, então nós, dessa parte acho que nós popularizamos bem o lustre mesmo. Nós entramos lá, abrimos uma porta, quer dizer, fizemos uma loja bonita, realmente, uma loja bem limpa, bem arrumada, bem exposta, mas sem esses, essa coisas supérfluo, de, porque assim o cliente fica mais à vontade. Se ele quiser fumar, ele fuma, se ele quiser pisar, se ele está com o pé, está chovendo estiver com o pé molhado, ele entra. Então não tem essa, ele fica inteiramente à vontade, ele vai encontrar lustres finíssimos, bem arrumadinho, bem limpinho, só que fica uma coisa mais aberta, para ele ficar mais à vontade, para ele olhar, ficar à vontade, andar à vontade pela loja. Não tem aquele problema de, então ele anda, dá volta pela loja, olha, fica, ele fica inteiramente à vontade. Então nesse ponto acho que nós criamos nosso tipo de, o nosso estilo, mas que hoje em dia eu acho que uma ou duas lojas que ainda mantêm aquele negócio de vitrine, o resto é tudo, seguiu a nossa tendência, né?

P - O seu Pedro, a maior parte da sua clientela é assim, são pessoas que estão procurando coisas para casa ou acontece, assim, de aparecer um restaurante que queira, precisa num restaurante, numa boate, alguma coisa assim?

R - Não, nós estamos preparados para tudo, desde um simples lustrinho até o mais sofisticado, né? Então nós temos todo tipo de lustres lá, para restaurante, para fluorescente, para jardim, para piscina, para quarto, para casa de boneca, o que a pessoa quiser lá nós temos. A nossa variedade é muito grande mesmo, nós temos mais para atender qualquer tipo de cliente, qualquer modelo.

P - Tem algum cliente que é atendido mais vezes, assim, a procura é maior?

R - O que, como, de certo tipo de mercadoria?

P - É assim, por exemplo, no caso de restaurantes, de...

R - Não, restaurante é mais difícil, viu, o mais é residência mesmo, né? O nosso público 99% é residência mesmo, a gente atende às vezes um restaurante, atende por exemplo loja, uma livraria que vai abrir, um, uma loja de roupas, isso daí, é, tem pessoa que quer coisa específica, uns spot, umas coisa diferente, mas 99% é residência mesmo, é para particular mesmo, é para fazer decoração de residência.

P - E a casa de bonecas que o senhor falou é para criança?

R - Essas casinha de criança aí, que às vezes põe um lustrinho, um enfeitinho, um spotinho, um abajurzinho, então tem para tudo, tem, a gente tem, por exemplo, para quarto de criança com motivos infantis, tem tudo, tem todas essas coisa, né: Mônica, Cebolinha, Pato Donald. Então a gente tem tudo esses estilos de lustre para atender toda linha de clientela, né? O nosso, a gente procura ter um, completar o máximo possível, né? Ir atrás do que tem de novidade, enfim, a gente tá sempre atento para aquilo que está se usando, aquilo que procuram realmente, né, a gente está sempre atualizado.

P - Certo. Seu Pedro, e como que é surgiu a idéia de criar uma associação, a União dos Comerciantes da Consolação, né?

R - É. Bom aí nós criamos porque São Paulo foi evoluindo, foi crescendo, então começou esparramar inclusive o comércio, né? Então para gente fortificar, para não deixar aquilo sair fora de nosso ramo, nós criamos uma associação, que fui eu e mais uma meia dúzia de colegas lá, reunindo, naquele fim de, de tarde batendo um papo, e aí foi criando, foi surgindo uma idéia, daquilo foi crescendo, foi entusiasmando e um mais entusiasmado que o outro, e a gente sabe que às vezes você não pode contar com tudo, de 30, então nós pegamos os que estavam mesmo entusiasmados e disse: "Vamos abrir, vamos ver o que acontece e vamos por aí, fornecedores para nos ajudar em campanhas, para..." E abri uma associação, abriu a associação, eu fui o primeiro presidente inclusive, a nossa reunião inclusive foi numa pizzaria, em vez de terminar em pizza, nós começamos em pizza. (risos) Mas aí no fim acabou em pizza também, mas é que hoje está desativada, né, mas reunimos, tocamos, fizemos uma ata lá, a turma me escolheu com coisa, naquela época estava no tempo de militar, né, tinha que abrir associação, tinha que registrar. Então me puseram lá, eu tive que ir no Dops lá dar meus documentos, tudo lá, para ver meus antecedentes, saber porque é que estava abrindo essa associação, que é que era, enfim, quer dizer, passou tudo essa burocracia, tudo isso daí, deu tudo certo aí começamos a trabalhar. E a associação foi bem durante um tempo, viu, nós inclusive fizemos campanhas, né: "Consolação é o maior Centro Comercial de Lustres da América do Sul", fazíamos aquele lá, na própria Consolação, aquele canteiro central, que tem na avenida, na Rua Consolação, foi feito por nós. Porque aquilo era para ser uma corrente, para pessoa não atravessar durante, no meio da ilha, tem um lugar certo para atravessar, então eles estavam, iam fazer com correntes. Aí, a nossa associação foi lá na regional da Sé, que era o Vítor Davi, se não me engano ele está até, voltou novamente, então nós queríamos fazer uma coisa mais decorativa, e aí foi feito aquele canteiro central, com plantas, tudo bonitinho, que foi conseguido pela associação. Fora disto tivemos muitos eventos sociais, reuniões, enfim, tivemos muito, nos aproximamos muito, porque o ramo, de um lado é bom, e de outro nos distancia um do outro, porque sendo concorrente, tem muita gente que entende que concorrência às vezes é inimizade, é, não é nada disso, a gente tem concorrente mas não é inimigo, então houve essa confraternização de reunir toda essas lojas. Então esses eventos sociais, a gente reunia inclusive fabricantes que às vezes nem conhecia. Você trabalhava, às vezes, com uma fábrica e não sabia nem que eram as pessoas, às vezes conversava duas, três vezes por dia por telefone com aquele fulano e não sabia nem como é que era, tem muito cara que você ficava conhecendo pessoalmente pela voz: "Ah, mas você não é fulano de tal?" Ah é, tal, e a gente, então com esses eventos sociais que a gente começou a ter, aí houve uma certa confraternização, né, inclusive dos lojistas, campanhas em revistas, tudo, eu fiquei inclusive duas vezes, fui reeleito, depois na terceira vez veio o meu sucessor que era o vice-presidente, ele também fez muita coisa pela Consolação. Fizemos aquela praça que hoje tem lá no final da Avenida Paulista, que tem uma lâmpada estilizada, na esquina da Consolação com a Paulista, e enfim, chama praça Thomas Edison que foi inaugurada inclusive no centenário de Edison, né? Nós fizemos lá a inauguração da nossa praça com nosso dinheiro, nossa arrecadação, nós mesmos que projetamos, nós mesmos construímos tudo sem... a prefeitura nos auxiliou inclusive, fez os canteiros, enfim, fez o que era a parte dela, né, mas o monumento em si fomos nós que fizemos. Então, muita coisa foi feita, mas sabe a gente, cada um tem seus afazeres, então não teve mais quem quisesse assumir a presidência e está lá, ela não está fechada, mas está desativada, não tem ninguém mais tomando conta, e deu aquela parada. Espero que um dia essa nova geração venha com o mesmo entusiasmo da velha geração e recomece tudo outra vez.

P - Seu Pedro, fala, assim, eu lembro que quando eu estive na loja o senhor falou alguma coisa, assim, que as vendas são mais fortes no começo do ano, né, por que é que acontece isso?

R - É, para nós, nosso comércio é diferente inclusive no, que vai, a medida que vai chegando o fim de ano, a época de Natal, assim, o nosso comércio diminui por exemplo: dia 10 de dezembro, dia 15, já começa a diminuir, enquanto os outros comércios começa a ativar, o nosso é ao contrário, é uma época praticamente sem movimento, muito baixo o movimento, né, e aí começa a melhorar mesmo é no começo do ano. Aí começa a ativar novamente, e, mas de um modo geral, quase que o ano inteiro, apesar das frustrações de vendas, mas mantém sempre mais ou menos um nível, né, não tem aqueles estouros, né, coisas de época, que nem no Natal vende, no dia das noivas vende, no dia dos pais. O nosso não, o nosso é mais ou menos um ramo que, estabilizado com flutuações, mas não tem nem muito alto e nem muito baixo, mantém mais ou menos uma média.

P - Agora, o senhor havia me dito que em janeiro tem mais vendas, que o pessoal vem de fora...

R - Ah sim, vem muita gente de fora, apesar de, é incrível, o comércio já, aí inverte para o nosso lado, né, o comércio em geral já vai entrar aí um pouco em janeiro, porque muita gente sai para viajar, tudo. No nosso já é ao contrário, vem muita gente de fora, vem gente aqui para São Paulo passear, e aí acaba partindo para o tipo de compra para gente, para o ramo que a gente tem, né? E, mas é o que eu disse, melhora bem, tudo, compensa o mês de dezembro que foi fraco, mas é dentro daquele padrão que a gente espera, né, não é uma coisa superestourada, né?

P - Certo, seu Pedro, como é que são embalados os lustres, como que eles são entregues ao cliente na casa?

R - Bom, geralmente ele vem da origem, ele vem da caixa de papelão, inclusive, é uma exigência da nossa firma mesmo, né? A gente quer que venha embalado em caixa de papelão porque vem protegido, fica mais fácil para gente e para o cliente, fica mais fácil para gente fazer a nossa, armazenamento, e fica mais fácil para o cliente transportar porque você pode fazer uma pilha e fica mais fácil para o transporte do cliente, se acomodar no carro dele e tudo. Então, a não ser casos especiais, assim, vidros, então a gente tem que fazer uma embalagem diferente, isolada, mas de um modo geral, ele vem de caixinha, tudo bonitinho, é só entregar para o cliente.

P - Sempre foi embalado dessa forma?

R - Não, antigamente vinha muito a granel, vinha granel e a gente, inclusive, estragava muito a mercadoria, né, porque aquilo, às vezes era pintado, um raspava no outro e sabe o cliente que compra uma coisa ele gosta de examinar que a coisa, se tiver um arranhãozinho, já, qualquer coisa, por mais insignificante que seja, mas que danifique um pouco a mercadoria já... Eu acho que até nesse ponto aí melhorou muito viu, a parte técnica, os soquetes hoje em dia, antigamente era tudo de baquelite, de plástico, hoje não, é de louça, não tem perigo de choque, não tem perigo de curto, quer dizer, hoje é uma, o lustre desenvolveu tanto que tecnicamente, porque o lustre tem essas coisas, né? Lida, o lustre é uma coisa de eletricidade, então tem o aquecimento, o mau contato, então o que antigamente quase que a pessoa não dava muita atenção, hoje não, hoje você vê, é uma coisa perigosa, pode causar incêndio, hoje a eletricidade é o, é a causadora de quase todo incêndio, mas o lustre está tão tecnicamente perfeito que ele não tem quase que, jeito de haver problema com ele, né, porque hoje a fábrica de fio é tão tecnicamente bem moderna, a fábrica de soquete, lâmpada, então todo contato é bem, são coisas seguras mesmo, né, coisas consciente mesmo. Hoje acho que passa por um, inclusive nas próprias fábricas, eles passam por um teste de qualidade, um padrão, então o lustre hoje para quem revende inclusive é uma, é bom, porque é diferente do, vamos dizer, do produto elétrico, por exemplo, um produto de marca, uma televisão, uma geladeira ela tem a marca, então qualquer reclamação que houver algum defeito técnico, a pessoa vai procurar a firma, se é Philips, se é Philco, então vai procurar o revendedor, a assistência. Agora, o lustre não tem isso, se a pessoa tiver que reclamar qualquer coisa, ele vai reclamar aonde ele comprou, então muita gente compra uma mercadoria com segurança pela loja. Modéstia a parte, por exemplo, a Libanori, vamos aí uma hipótese, muita gente vai comprar da Libanori porque ele sabe que a Libanori é uma firma que tem 35 anos, então ele pode contar com a firma, se houver qualquer problema sabe que a firma vai, a própria, não a fábrica, a firma é que vai, é diferente do produto elétrico, que é a fábrica que vai dar toda a assistência para ele, né? Então no nosso ramo não, pelo menos a gente tem que ter um padrão, trabalhar com firmas boas por causa disso daí, porque a pessoa compra da firma que ele acha que tem confiança, como no nosso caso, né? Então ele vem lá na minha firma porque sabe que é uma firma idônea, ele sabe que se houver qualquer problema da... futuro, ele sabe que ele vai ter a mesma atenção do dia que ele comprou, ele vai ter também a mesma atenção nessa parte de reclamação, que graças a Deus a gente está há tanto tempo lá e nunca teve problema com ninguém, né, quer dizer, sempre resolvemos nossos problemas para deixar os clientes tranqüilos. Então eu acho que é, o essencial é isso, a gente saber com quem a gente está lidando, né, saber a procedência da mercadoria, o tipo de padrão que essa firma põe na mercadoria dele, os componentes, né, para a gente também ter sossego, poder vender tranqüilo, e assim funciona a nossa firma.

P - O senhor tem clientes muito antigos, o senhor falou que tem mais de 30 anos, né?

R - Ah tenho, eu tenho clientes que comprou comigo quando casou e hoje está trazendo os filhos que estão casando para comprar comigo também. Então são vários clientes que já, uma segunda geração que está fazendo compras na nossa loja. Então clientes que, é o que eu disse, às vezes o cliente fica, compra uma mercadoria e fica muito tempo sem comprar, né, mas em compensação tem essa coisa de, quer dizer, clientes que gostaram, tem lustre até hoje, e trazem os filhos deles que estão casando para comprar lustres na nossa firma. Então a gente fica gratificado com isso daí, porque isso daí é o maior prazer que a gente tem, é saber que você, alguma coisa fez que agradou outras pessoas, e essas coisa são gratificantes para nós.

P - Certo, seu Pedro, para gente ir terminando eu gostaria de saber o seguinte: qual o sonho que o senhor tem vontade de realizar, que é que o senhor gostaria?

R - Olha, eu vou dizer uma coisa, para mim acho que a vida foi tão boa que eu acho que tudo que eu fiz acho que faria tudo outra vez, eu me sinto um cara muito feliz, realizado. Tenho uma família unida, tenho funcionários que estão comigo há mais de 30 anos, mais de vinte e poucos anos. Então o que eu, meu maior riqueza foi isso, foi o que, eu ter amigos quando fui presidente da associação, ter amigos por que eu tenho minha loja de lustres, ter amigo porque, pessoal, porque da maneira que eu sou, então para mim, a minha recompensa está tudo nisso daí. Eu acho que ter amigos, ser feliz, enfim, viver com saúde, na paz de Deus, acho que eu fui um privilegiado.

P - Certo. Senhor Pedro, e a última pergunta, assim, que é que o senhor achou de ter passado essa hora com a gente, deixando registrada a sua história, a sua experiência profissional?

R - Então isso também foi, eu acho que isso daí é uma das coisas que a gente vai conseguindo na vida, né, é poder expor aquilo que você fez. É um retrato da tua vida, enfim, é uma coisa que também, para mim, é uma coisa bem gratificante, você poder depor a tudo, toda a tua passagem de vida, né, e eu fiquei satisfeito, valeu a pena.

P - Está bom, seu Pedro, obrigado.

P - Que bom. A gente agradece.