Museu da Pessoa

Uma vida em prol do cooperativismo

autoria: Museu da Pessoa personagem: Jair do Amaral

Projeto Histórias Que Reciclam
Depoimento de Jair do Amaral
Entrevistado por Lucas Torigoe
São Paulo, 28 de outubro de 2015
HQR_HV004_Jair do Amaral
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Claudia Lucena


P/1 – Jair, fala o seu nome completo pra gente, local e data de nascimento.

R – Jair do Amaral, nasci em São Paulo, em 18 de abril 1971.

P/1 – O seu pai, qual que é o nome inteiro dele e aonde nasceu?

R – Meu pai é Nelson do Amaral, ele nasceu também aqui em São Paulo, em 1931.

P/1 – Qual que é a história da família dele? Como é que ele veio parar em São Paulo?

R – Então, as referências são poucas, né, porque eu tive pouco contato com os meus avós paternos, né, e maternos também, eu não fui aquela criança que tinha, que ia pra casa do vô, da vó, né? E meu pai, ele casou tarde, né, com 37, 35, 37 anos, e as minhas lembranças são bem vagas em relação ao meu avô paterno, principalmente, e ao meu avô materno, então as referências são poucas. Mas eu sei que são, assim, que foram pessoas pobres, né, no caso do meu pai, são de São Paulo e, no caso da minha mãe, parece que do interior de Minas Gerais.

P/1 – Já que você falou, qual que é o nome da sua mãe?

R – Da minha mãe é Marinalva de Souza Amaral, também nasceu aqui em São Paulo, em 1945, mas ela veio, se eu não me engano, na barriga ainda da minha avó, que era do interior de Minas Gerais, se eu não me engano também, de Getulina.

P/1 – Você sabe o que o seu pai e a sua mãe faziam quando eles se conheceram?

R – O meu pai, ele trabalhava na Pincéis Tigre, uma fábrica de pincéis famosa, né, aqui em São Paulo, e minha mãe, pelas histórias que eu ouço, ela trabalhava nas Pernambucanas. Eu não sei como eles se conheceram, eu acho que é até uma falha minha, eu não ficava buscando esse retrocesso familiar de como aconteceram as coisas, enfim, a gente procura viver mais o dia a dia, o presente e o futuro, o passado é uma, o meu passado, né, ele serve de experiência, o passado do meu pai, mas quando eu já existia, também serve de experiência, agora, os deles, assim, infelizmente, eu não tenho essa curiosidade nem uso isso pra minha vida.

P/1 – Você tem irmãos?

R – Tenho irmãos, tenho dois irmãos, o Josiel do Amaral, também, a família do Amaral, e o Gilson do Amaral, também, os dois, um é engenheiro mecânico, o outro é engenheiro elétrico, né, eletrônico, tenho dois sobrinhos por parte, cada um tem dois filhos, né, o Josiel tem a Maria, o Gilson tem a Maria Beatriz e o André, o Josiel, ele tem a Helena e a Heloisa, são duas pequenininhas, o Gilson já tem filhos mais velhos, o André, se eu não me engano, tem 18, 19 anos, a Maria Beatriz 15, a Helena eu sei que tem quatro anos e a Heloísa acho que tem 13, 12, 13 anos.

P/1 – Seus irmãos são, como é que é essa escadinha?

R – A escadinha é o Josiel, o mais velho, na sequência vem o Gilson, depois veio o Jair, que sou eu, depois teve um outro irmãozinho também, o Gerson, mas que esse morreu logo criancinha, assim que nasceu, seria o quarto, o caçula, aí acabou com o falecimento dele logo no nascimento, eu me tornei o filho caçula, o mimado de casa.

P/1 – Quantos anos de diferença vocês têm?

R – É tudo escadinha, eu sou de 71, o Gilson é de 69, o Josiel é de 68.

P/1 – Vocês cresceram na mesma casa, nasceram na mesma casa?

R – Nascemos na mesma região, nós nascemos em Pirituba, passamos toda a nossa infância também em Pirituba, brincávamos juntos, aprontávamos juntos e isso tudo na mesma casa, na região de Pirituba.

P/1 – Como é que era essa casa? Como é que é, talvez, né?

R – Não, não é mais, porque nós mudamos de lá, né, hoje cada um mora na sua casa, né, mas era uma casa com dois quartos, sala, cozinha, banheiro, uma casa bem simples, mas com um quintal bem grande, né, tinha lá a nossa jabuticabeira enorme, que a gente adorava brincar, várias árvores frutíferas, criava galinha, enfim, era como se fosse uma casinha da roça, uma chacrinha, né? E era muito interessante, porque a nossa convivência com a terra, né, esse brincar lúdico da infância na periferia, ou jogar bola ou jogar pião, empinar pipa, enfim, carrinha de rolimã, pular corda, taco, enfim, todas essas brincadeiras de rua, né, nós tivemos, então foi uma infância bem rica, muito proveitosa, principalmente nessa parte de convivência, não só entre a família, os irmãos, mas com todos os amigos ali que a gente criou raízes, né, em Pirituba.

P/1 – Como é que era nessa época Pirituba?

R – Então, Pirituba era um bairro mais tranquilo do que é hoje, né, hoje, com o desenvolvimento urbano, imobiliário, a gente vê uma verticalização, ele tá um pouco sendo descaracterizado atualmente, mas na época a gente tinha a possibilidade de ir pescar, tinha rua de terra, muitos campinhos de futebol de terra, onde a gente ia jogar bola, né, não tinha que pagar uma quadra de futebol society, como hoje eu faço pro meu filho, né, pra ele poder jogar bola. Antes a gente se divertia solto na rua, pelos bairros, na mata, brincava, enfim, era uma, era mais parecido com o interior, né, hoje tem bastante dessa característica ali, por conta do pico, do Parque do Jaraguá, se eu não to equivocado, é bairro com maior área verde por habitante, maior quantidade de árvores por habitante, a qualidade do ar também é excelente. A qualidade de vida em Pirituba hoje ainda é boa, mas a minha infância, na década de 70, começo de 80, era melhor, ela propiciava mais o relacionamento entre as pessoas, né, hoje já o relacionamento entre as pessoas fica muito limitado ao churrasco, à reuniões na escola e alguns pedaços ainda do bairro, onde você tem essa convivência de brincadeiras na rua, né?

P/1 – Os seus pais, como é que eles eram na infância de vocês?

R – Meu pai trabalhava, né, trabalhava, saía cedo pra trabalhar e voltava tarde, final da tarde, à noite, cansado, queria jantar, assistir, enfim, lá o seu jornal e descansar pra no outro dia trabalhar. Aos finais de semana, ele era bem participativo, ele costumava levar a gente pra passear, enfim, no Butantã, que já existia na época, ir pra praia, enfim, ele sempre tinha alguma atividade programada pro final de semana pra curtir com a família dele, que durante a semana ele praticamente não encontrava. A minha mãe, ela parou de trabalhar, né, depois que casou com o meu pai, até porque começou a ter um filho atrás do outro, né, e aí ficou sem condições de trabalhar, o meu pai também, ele fez questão que ela parasse de trabalhar pra cuidar da família, do lar, né, que é uma profissão também bastante puxada. E minha mãe era mais participativa nessa questão de acompanhamento dos filhos nas escolas, na escola, na reunião de pais e mestres, os problemas que a gente causava na vizinhança, sempre caía, sempre minha mãe que cuidava desses problemas do dia a dia, cotidiano, o meu pai, ele ficava mais afastado, aliás, ele entrava mais quando a coisa era mais grave, mais séria.

P/1 – Já chegou a ficar grave? Vocês aprontavam muito?

R – Ah, direto, sempre, sempre tinha uma coisa grave (risos).

P/1 – O que vocês faziam? Você lembra de alguma história, alguma coisa?

R – Ah, meu, a gente fazia tanta coisa, tanta bagunça, a gente era muito arteiro, a gente procurava, a gente, por exemplo, um exemplo que eu posso dar é que a gente jogava bola na rua, né, e tinha alguns vizinhos que, quando a bola, de tanto a bola cair, ele acabava perdendo a paciência com a molecada e furava, rasgava a bola, jogava a bola. Outros, tinha uma senhora, dona, a mãe do Paulinho, o pessoal chamava de Dona Mariquinha, né, e ela costumava guardar as bolas e não devolvia, então ela nem furava e nem devolvia a bola, ela ficava guardando num quartinho. E a gente começou a investigar, a molecada, descobrimos qual era esse quartinho, até que, depois de um plano mirabolante lá, nós conseguimos invadir esse quartinho e resgatar todas as bolas e a mulher ficou superfuriosa, foi lá em casa, enfim, ela identificou quem foram as crianças que fizeram a invasão lá, chamou polícia, na época da ditadura militar, isso daí poderia até dar algum problema mais grave, FEBEM, essas coisas todas. Isso daí foi uma coisa grave, uma outra coisa grave foi, o meu irmão, a gente tava tentando resgatar um pipa em cima de um telhado de uma fábrica e a gente tinha uma estratégia de andar em cima do telhado da fábrica pra não afundar, porque ela era alta, né, e um dos meus irmãos, o Gilson, ele afundou nesse, no telhado, só que ele deu sorte, que ele caiu numa parte que era um vestiário. Então ele afundou e sumiu de repente, caiu lá pra baixo e bateu a cara num armário e ficou lá, ele olhou com o olho inchadão lá pra cima, eu falei: “Nossa, Senhora”. Aí foi uma coisa grave também, que eu tive que voltar, pegar resgate, né, chamar um pessoal pra ajudar, nós fomos lá com uma mangueira, resgatamos ele, mas o dono da fábrica soube que fomos nós e tal, nesse o meu pai teve que entrar em ação também novamente, tanto dando a bronca quanto pra apaziguar a questão junto ao dono da fábrica. Se eu for continuar contando as peripécias, não tem fim, as bombas d’água, a gente fazia armadilha de água pras senhoras que iam comprar pão na venda, armadilha que a pessoa passava, quebrava a linha e caía um saco d’água na cabeça. Aí quando falhava, que errávamos o ponto futuro, o alvo, a gente tava preparado com umas bombas d’água na mão, assim, pra jogar e acertar. Então a gente sempre foi muito arteiro, mas foi uma infância divertida, nada com maldade, era sempre mais pra gente se divertir mesmo.

P/1 – Vocês gostavam de televisão, de rádio, essa época?

R – Não, eu gostava de ouvir música de vinil, né, inclusive até hoje eu tenho esse costume, eu tenho bastante vinil em casa, tenho toca disco também, mas a nossa ligação com eletrônico, vamos dizer assim, era mais no videogame, o Atari, aqueles jogos mais antigos, mas as brincadeiras mesmo, nossa diversão, era sempre lúdica, na rua, enfim, solto.

P/1 – Vocês gostavam de algum esporte, tinham algum time?

R – Sim, claro, tinha o time da rua, né, tinha um time patrocinado por essa fábrica aí que o meu irmão afundou, a minha família, meus irmãos principalmente, sempre foram muito dedicados ao esporte, eu também, eu disputei, tanto é que acabei fazendo faculdade de Educação Física depois. Mas a gente tinha próximo da onde a gente morava ali o centro esportivo, né, de Pirituba, Centro Educacional de Pirituba, e lá a gente, enfim, participava de todas as atividades esportivas, voleibol, natação, futebol, futsal, basquetebol. Na escola, à época, também a Educação Física era muito forte, muito forte, com disputa de campeonatos entre as escolas, de vários tipos de modalidades esportivas. Então a participação esportiva tanto minha quanto dos meus irmãos sempre foi muito forte, aí se destacava um num esporte, outro no outro, mas a gente procurava participar de todas as modalidades possíveis, né, a gente fazia também o que gostava, não era obrigado a fazer, nunca foi uma imposição, a gente fazia porque todo mundo fazia, era gostoso, esporte faz bem, a sociabilização, aprender perder, a disputa.

P/1 – Você tinha algum time que você torcia, de futebol ou basquete, algum ídolo nessa época?

R – Então, minha família é corintiana, né, graças a Deus, o meu pai é corintiano, então uma das diversões de final de semana, que eu falei anteriormente, era ir ao Pacaembu ver o jogo, enfim, no Canindé, o meu pai sempre levava a gente, desde pequeno, pra acompanhar o time de coração dele, que acabou se tornando o time de coração de toda a família. Aí os ídolos são aqueles, né, o Sócrates, enfim, Zé Maria, o Vladimir, eu, pessoalmente, eu também admirava muito o time do Flamengo na época, até começaram a dizer que eu era flamenguista, eu mesmo, às vezes eu falava assim: “Pô, eu torço pro Flamengo, no Rio eu torço pro Flamengo”, eu torcia pros times que tavam ganhando, né, criança. Na época do Andrade, Adílio, Zico, Mozart, o Flamengo tinha um timão, inclusive eu fui até ver um jogo lá no Rio, no Maracanã, entre Flamengo e Corinthians, nessa época que os dois times eram superfortes, e o Flamengo deu um pau no Corinthians. Aí eu falei: “Poxa, merda, eu acho que eu vou torcer pra esse time aí, esse time é melhor que o que o meu pai fala pra eu torcer”, mas foi passageiro, foi questão de um, dois anos, assim, aí eu voltei pro sangue corintiano, que a família e que o coração diz.

P/1 – Nessa época, você se lembra como é que era tratada essa questão de reciclagem, de tratar o lixo, como é que era, tinha uma cultura?

R – Não, nessa época era muito a cultura da reutilização, né, então, por exemplo, o lixo você colocava, as embalagens praticamente não existiam, né, porque vinha tudo num saquinho de pão, papel, então tá tudo mais biodegradável, né? O leite, você fazia aquela troca, colocava o vidro na porta de casa, passava o caminhão lá do leite, ele pegava a garrafa vazia e colocava a garrafa cheia, se você quisesse dois leites, você colocava duas garrafas vazias, ele colocava duas cheias, depois ele passava recebendo no fim do mês. Com o lixo a mesma coisa, você colocava o lixo numa lata de tinta, que passava lá o caminhão do lixo pra recolher o lixo, ele pegava e batia essa lata no caminhão e devolvia a lata. Era uma função das crianças correr atrás das latas, né, porque eles nunca deixavam a lata na porta de casa, eles pegavam, na correria da coleta de lixo, e saiam batendo e iam jogando as latas, assim, pum, pras calçadas, e cada um ficava, tinha que ir lá recolher sua lata. Então você não gerava tanto resíduo quanto gera hoje, né, as garrafas eram retornáveis, né, de refrigerante, eu lembro que a cultura era, a gente, a tendência é tentar voltar ao que era anteriormente, essa cultura da reutilização, o máximo possível, e redução do consumo de embalagem.

P/1 – Curioso isso, porque não tinha tantas campanhas, mas as pessoas faziam essa coisa, que precisa ter uma cultura.

R – É, orgânico, eu não citei que tinha um galinheiro lá em casa? Você pegava todo o resto de comida e você jogava lá pras galinhas comerem, quer dizer, você gerava pouquíssimo lixo, pouquíssimo resíduo, era mais resíduo sanitário, né, papel higiênico, essas coisas, e resíduo orgânico, a gente alimentava os outros animais, enfim, era pouquíssimo resíduo. Eu não tenho essa estatística, eu nunca cheguei a pesquisar, mas hoje a gente sabe que o consumo, a geração de resíduo, gera em torno de um quilo por pessoa por dia, né, mas eu acredito que na época isso daí não devia chegar a cem, 200 gramas, com certeza.

P/1 – Como é que foi a sua entrada na escola? Qual foi a primeira escola que você frequentou?

R – Então, eu estudei o meu primeiro grau, né, que na época, que é fundamental um e dois hoje, numa mesma escola, que foi numa escola lá em Pirituba, no Júlio Cézar de Oliveira, tá lá até hoje, inclusive nós temos hoje lá um ponto de entrega voluntária de resíduos, dentro dessa escola. Eu entrei, primeiro fiz o pré, né, que é o básico lá, o prezinho, e entrei na escola e fui até o final, até a oitava série nessa mesma escola, direto, só, se eu não me engano, na oitava série, que eu passei, que eu mudei de turno, que eu fui pra noite, porque eu já tava começando a procurar trabalho. Desde cedo, minha mãe sempre incentivou a gente, incentivou, né, a procurar trabalho pra ajudar nas despesas, que quanto mais a criança cresce mais cara vai ficando, eu sei disso hoje, que eu tenho um filho de 14 anos. Aí eu comecei então nessa escola, no Júlio Cézar, e fui até a oitava série, aí eu saí dessa escola já trabalhando de manhã, trabalhando durante o dia, eu entrei no primeiro grau, no segundo grau, primeiro ano do segundo grau, já trabalhando durante o dia e estudando à noite, só que aí já era em outra escola.

P/1 – Pra qual escola você foi e você trabalhava aonde?

R – Então, eu comecei a trabalhar na PUC de São Paulo com 13 pra 14 anos, eu fiz um concurso lá, que daí tem um concurso pra seleção, fui selecionado, esse processo levou mais ou menos um ano, né, da prova até a seleção final levou um ano, então isso daí eu fiz com 13 pra 14, entrei com 14 anos, tinha acabado, não tinha, antes de completar 14 anos eu já tava trabalhando, faltavam dois meses pra eu completar 14 anos, eu entrei em fevereiro de 86 na PUC. E eu estudava no Flamingo, que era próximo ali, na Francisco Matarazzo, trabalhava na Monte Alegre, no campus da Monte Alegre da PUC.

P/1 – Perdizes.

R – Nas Perdizes, e comecei a estudar no Flamingo, que era próximo ali da onde, e esse começar a trabalhar me fez também perder um pouco o interesse pelo estudo, porque você chegava, uma coisa é você estudar e ir pra casa, outra coisa é você trabalhar o dia inteiro e ir pra escola à noite. Você chegava super cansado, não queria prestar atenção nas aulas, você já começava a ter outros interesses, que eram as meninas e tal e você acaba, acabei meio que, no primeiro ano do segundo grau eu não consegui, nos três primeiros, três anos seguidos eu não consegui concluir, não cheguei até o fim. Eu fiquei migrando de escola pra escola, aí eu começava, dava lá abril, maio, eu já praticamente abandonava e não continuava a fazer, até que eu percebi que isso tava me atrapalhando profissionalmente, porque dentro da PUC tem um plano lá de carreiras, que concluindo o segundo grau você pode prestar um concurso pra um outro cargo, com um salário maior e assim por diante. Eu tinha, trabalhando lá eu tinha bolsa de estudos, ou seja, não concluindo o segundo grau eu tava perdendo essa oportunidade de fazer um curso superior lá na PUC com bolsa, né, e a PUC é cara, todo mundo sabe. Então eu acabei botando a cabeça no lugar, falei: “Não, agora eu vou fazer, vou concluir”, eu peguei, concluí e aí eu prestei, entrei na PUC, em Ciências da Computação, eu não tenho exatamente o ano, mas eu acho que foi por volta de 1989, acho que 89, e cursei dois anos de Ciências da Computação, só que aí não era o curso que eu queria. Aí eu voltei à minha infância, pô, prática esportiva, eu continuava ainda praticando muito esporte, principalmente o voleibol, e aí eu resolvi trancar a matrícula e prestei Educação Física, que é um curso que não tem na PUC, aí todo mundo foi contra, né, minha família, família sempre fica querendo palpitar nas suas escolhas. Mas eu sempre fui uma pessoa de personalidade forte e, quando eu quero fazer uma coisa, eu faço e se der errado, as consequências, né, eu assumo, se der certo, também, enfim, então as decisões, quando eu tomava uma decisão, eu ia e realizava, exatamente. Aí fui, prestei, entrei na Uni Castelo, em Itaquera, eu morando em Pirituba, estudando em Itaquera e trabalhando nas Perdizes, né, então eu fazia um triângulo em São Paulo, durante quatro anos, até eu concluir. Aí quando eu concluí, se eu não me engano, foi em 94, eu já tava meio que chegando num teto, num limite na PUC, profissionalmente, eu tava pra completar dez anos de PUC, e aí eu olhava aquelas pessoas antigas na PUC, que estavam, não antigas, aquelas pessoas que já trabalhavam há muito tempo na PUC e que estavam naquela mesma batida, sabe? Não tinha uma novidade, era chegar lá, bater o cartão, fazer lá suas tarefas do dia a dia, que normalmente eram sempre as mesmas, eu, dentro da PUC mesmo, eu procurei fazer mudança de setores, pra eu poder mudar, porque eu começava a empapuçar de fazer a mesma coisa todo dia. Então eu prestei alguns concursos internos, fui promovido a escriturário A, B, tinha uns planos de carreira lá, aí chegou uma hora que eu cheguei num teto, que, pra eu ser promovido pra um outro cargo, que já era um dos últimos que tinha no nível funcional lá, dentro do plano de carreira de funcionário, eu teria que ficar puxando o saco de um monte de gente lá que eu não ia muito com a cara, que eu não concordava com o perfil das pessoas, enfim, com a maneira de tratar essa questão profissional, né, de, às vezes você deixa um amigo de lado pra subir sua carreira e eu não gosto disso. E aí eu acabei que eu fui, eu já tinha passado por tantos setores lá, eu já tinha passado, eu comecei a trabalhar na Secretaria Setorial do Centro de Ciências Jurídicas, Econômicas e Administrativas, depois eu fui pra humanas, eu fui pra tesouraria, depois pra Faculdade de Psicologia, na Faculdade de Psicologia foi aonde eu fiquei mais tempo, que foi, eu encontrei um ambiente muito bacana e, mesmo que fosse, eu tinha a oportunidade também de mudar algumas coisas, rotinas de trabalho, desburocratizar, que é isso que você faz. Mas eu, meu trabalho era só: “Preenche o requerimento, vai lá na tesouraria, paga, traz o requerimento de volta e daqui a cinco dias você vem buscar um atestado de matrícula”, pô, o cara paga uma fortuna pra essa faculdade, o atestado de matrícula era um enter que você dava, você imprimia o negócio, assina, carimba e entrega pro cara. Então eu comecei a fazer essa, desburocratizar, facilitar, histórico escolar, enfim, aí foi um local que eu fiquei, como eu tinha incentivo pra ir facilitando a vida do aluno...

P/1 – Você ficou mais à vontade.

R – Eu fiquei mais à vontade, foi um lugar que eu fiquei mais tempo, mas também chegou uma hora que já comecei a, também a cansar da rotina, aí eu fui pra Coordenadoria Geral de Estágios, que também tinha um monte de mudança e foi um dos motivos pra eu ter ido pra lá, porque a coordenadora soube desse trabalho que eu fiz na Faculdade de Psicologia, ela falou: “Eu preciso de uma pessoa dessas aqui”. Eu fui pra lá, fiz toda essa mudança de rotina de trabalho, de atendimento ao aluno, e aí também, mas aí chegou um momento que eu falei: “Ah, não”, aí eu empapucei, aí teve um plano de demissão voluntária lá, um PDV, e aí eu entrei nesse plano e peguei a grana e fui pra Bahia e passei um ano lá na Bahia, dormindo na rede (risos).

P/1 – Que ano que foi esse?

R – Isso daí foi em 94, 94 pra 95, acho que foi 94, 95, eu fiquei um ano, eu vinha de vez em quando, mas eu fiquei a maior parte lá, eu tinha uma amiga que morava lá, que foi uma ex-aluna de Psicologia, eu tinha, durante esse tempo que eu tava na PUC, eu tinha comprado, e tá lá até hoje também, um terreno em Barra do Itariri, litoral norte da Bahia, eu costumava muito nas minhas férias ir pra Bahia, é um lugar que eu me apaixonei, acabei comprando lá uns lotes lá. Aí eu falei: “Deixa eu lá ver como é que tá meus lotes”, fui, fiquei e aluguei uma casinha, fiquei um período acampado na praia e fui ficando, fui ficando, quando eu fui ver, eu já tava há quase um ano lá na, torrando o meu fundo de garantia, como a minha mãe fala, em caranguejo e cerveja.

P/1 – Você já tava formado?

R – Eu já tava formado em Educação Física, mas eu fiz a faculdade não pensando, nunca fiz pensando em trabalhar com isso, mas, quando eu voltei: “Opa, preciso trabalhar”, aí eu usei isso pra trabalhar. Eu trabalhei por período dando aula de recreação infantil numa associação ali em Pirituba mesmo, Santa Mônica, depois eu trabalhei, ichi, aí eu comecei a trabalhar com um monte de coisa, o que eu nunca fiz foi ficar sem trabalhar. Trabalhei no SESC Pompéia, trabalhei no SESC Ipiranga, trabalhei vendendo curso de inglês, trabalhei como peão artístico, que chama, que é aqueles caras que fazem montagem de, quando vai ter algum evento, alguma exposição, toda aquela montagem de estande e tudo mais, eu trabalhei, com isso daí eu trabalhei um período legal, foi quase um ano. Enfim, eu sempre tava trabalhando, só que aí, nesse período que eu tive no SESC, eu tive contato com bastante gente que trabalhava com eventos, produtores e tal, eu acabei acompanhando alguns, também nessa parte de montagem de cenografia e tudo mais, eu também conheci bastante gente nessa área, acabei me interessando por essa área de eventos. E aí, nessa época, no bairro, em Pirituba, tinha um pessoal lá, uns artistas, que estavam criando uma ONG, chamada Movimento Eco Cultural, pra desenvolver uma feira de artes e de cultura, feira de artes, enfim, e cultura no bairro, com palco, com show, música, teatro etc. etc. E aí eu tive contato com essa pessoa, depois de um tempo, eu tive contato com essa pessoa que tava desenvolvendo, que era o presidente dessa ONG na época, o Jetro Menezes, é um grande amigo meu até hoje, aí eu falei que eu tinha interesse pela área e tal, se ele tava tendo alguma dificuldade, precisava de alguém pra ajudar na produção lá e tal, ele disse que precisava, era um trabalho voluntário e, se desse grana, talvez você ganhasse, enfim, aquela coisa de ONG, né? E aí eu comecei a trabalhar nessa ONG com esses projetos, esses eventos, essas feiras que eles faziam lá, só que o que acontecia? Era feita a feira, acabava a feira e aí depois da feira não tinha mais nada programado, aí, assim, todo mundo trabalhava lá seis meses, organizava aquele evento grande, né, que atingia lá 80, 70, 80 mil pessoas que frequentavam esse evento, era um evento grande e conhecido, reconhecido no bairro já quando era no começo do evento. Eu falei: “Pô, a gente tinha que usar essa força, durante a organização desse evento, a gente já tem que se programar pra um próximo projeto, a gente já tem que tá captando recursos, elaborando e captando recurso pra um próximo projeto”, e aí o presidente lá da ONG falou: “Então, Jair, você tá, fica à vontade pra”, que ONG é meio assim: “Ah, vamos fazer”, “Faz aí, boa sorte, né, se precisar de qualquer coisa, nós estamos aí”, e até hoje é assim. E aí eu comecei a escrever um projeto chamado Programa Permanente de Educação Ambiental, que era pra ser desenvolvido dentro da unidade de conservação ali do Parque Estadual do Jaraguá, escrevi o projeto, apresentei lá pra diretoria, falei: “Ó, tenho esse projeto, assim, assim, assado”, fui lá, pá, beleza, e o pau pegando lá pra fazer a feira de artes. Aí eu, logo que acabou a feira, assim, eu consegui fechar um patrocínio bacana pra realizar todo, tanto o institucional, que era o necessário lá do parque, a Secretaria do Meio Ambiente, Governo do Estado de São Paulo etc. etc., quanto o de iniciativa privada, pra, enfim, realizar todas as atividades propostas no projeto, que era um projeto de quatro meses, todo final de semana realizando uma atividade dentro do parque. Uma das atividades era desenvolver palestras de sensibilização pra coleta seletiva no parque e foi aí que acabou linkando a minha ida pra questão da coleta seletiva. Aí no ano seguinte, aí emendamos esse projeto, aí, quando acabou esse daí, a gente já tava começando a organizar a feira de novo, a gente já pegou como tema a questão da reciclagem, coleta seletiva, aí fizemos uma feira chamada, que o tema da feira, Movimento Eco Cultural, então a gente realizava atividades culturais com o tema ambiental, que a gente utilizava esse tema pra, dentro do evento, pra sensibilizar as pessoas. Nós fizemos um chamado Cultura e Reciclagem, aí, além da feira, foi produzido também um CD de música, mas toda a parte gráfica do CD, capa, encarte, contracapa, era falando da cultura em reciclagem, porque a questão da coleta seletiva e reciclagem é uma questão cultural, né? As pessoas mais velhas, elas não tinham essa cultura de separar o resíduo, hoje você pega a molecadinha, já dentro da escola já é inserido isso no seu cotidiano, no seu dia a dia, tanto na escola quanto na sua casa. Então a gente, esse trabalho da educação ambiental, fizemos o lançamento desse CD no SESC Pompéia, na Choperia, chamamos bandas de todo o Brasil, foi um trabalho muito legal, com bastante repercussão, a feira foi também um sucesso, com cinco palcos, música ao vivo, teatro e tal. A gente tinha um espaço que era dedicado a associações de bairro, ONGs, vinha lá o Greenpeace e uma outra, SOS Mata Atlântica, que faziam também um trabalho de sensibilização ambiental, então tudo isso acabou a me inserir nessa questão da reciclagem. Aí o que acontecia? Você falava assim: “Pô, a gente fala, fala, fala de reciclagem e de coleta seletiva, só que as pessoas falam: ‘Legal, eu vou separar em casa, eu vou pôr aonde isso daí? O que eu faço com o material reciclável depois que eu separei?’”, não tinha coleta seletiva. E aí no ano de 2002, 2001, 2002, a Erundina começou a incentivar a criação desses pontos de coleta seletiva em São Paulo, e aí em Pirituba eu lembro que tinha um, que fica lá até aonde é hoje, mas, assim, não funcionava de acordo, não passava nas casas, enfim, o grupo que tava lá não tava atuando direito. Esse amigo, que foi o que me colocou pra dentro do Movimento Eco Cultural, ele tava como coordenador do Programa de Coleta Seletiva da Cidade de São Paulo. Aí um dia eu encontrei com ele no dentista, eu entrando no dentista, ele saindo, em Pirituba, no Doutor Pedro, que também é uma pessoa muito ligada à essa questão cultural lá no bairro, ele falou: “Pô, Jair, a gente tá com um galpão aqui, todo estruturado, né, a prefeitura tem um galpão todo estruturado, só que a coleta seletiva não funciona, porque o grupo que tá cuidando lá é um grupo que usa o caminhão pra fazer mudança, usa o caminhão pra fins próprios, o cooperativismo não funciona lá. Você não quer montar uma cooperativa e assumir essa central de triagem de Pirituba? Você, que tem um trabalho forte no bairro nessa questão ambiental, pá, pá, pá”. Aí eu pedi um prazo, eu falei assim: “Não, Deus que me livre”, eu já tava atuando, fazendo um monte de coisa, mas ele insistiu, eu pedi um tempo pra estudar, né, cooperativismo, é um negócio, era um negócio totalmente novo pra mim, essa questão do resíduo não, mas cooperativismo sim. Então eu procurei compreender como é que funcionava o cooperativismo, como é que se constituía uma cooperativa, como é que era a gestão, o dia a dia, como é que se publicava uma ata, elaborava um estatuto, as assembleias, como é que funcionava a ordem de comando dentro de uma cooperativa, eu fui estudando, estudando. Aí eu fui me interessando, aí, quando eu fui ver, eu tinha fundado e formalizado e constituído a Cooperativa Crescer, só que eu participei como cooperado, sócio cooperado, colaborador, eu não entrei na diretoria da cooperativa, era o Cláudio, o Renato e uma outra senhora lá, que eu nem me lembro o nome, Rutilene, isso em 2006, em março de 2006, Cooperativa Crescer, exatamente, em Pirituba, com o objetivo de ser a gestora da Central de Triagem de Pirituba, que era essa estrutura mantida pela prefeitura, que tava lá inativa, né? Tinha uma cooperativa, um grupo, uma associação lá, só que esse grupo acabou perdendo o convênio com a prefeitura e ficou a estrutura sem gente, não tinha outro pessoal pra pôr no lugar, foi constituído do zero, e de lá pra cá a gente vem atuando. Eu fiquei mais em projetos e parcerias, buscando parceiros locais, aí tivemos que começar do zero, criar todos os roteiros de coleta, fazer o trabalho de educação ambiental porta a porta, então tinha lá o roteiro de segunda, o de terça, o de quarta, o de quinta. Segunda-feira eu ia lá falar: “Ó, separa o resíduo, toda segunda-feira o caminhão vai passar”, ninguém acreditava, né: “Não é possível”, mas aí, com o tempo, as pessoas foram vendo que o caminhão passava. E a gente nunca trabalhou com catador, carroça, a gente procurava tirar, até hoje a gente faz isso, tirar essa pessoa que tá puxando carroça na rua, pra vir pra dentro da cooperativa, pra se formalizar como sócio cooperado, ter, recolher a previdência social, ter seguro odontológico, seguro de vida, de acidente de trabalho, participar dos cursos e treinamentos, a gente tem parceria com o SENAI, com o SEBRAE, com o SENAC, enfim, a gente sempre tá desenvolvendo algum projeto de formação pra, ou pra ser a cooperativa um trampolim da pessoa pro mercado de trabalho ou pra que pessoa, em termos de cidadania, ela começa a pelo menos compreender o universo que ela tá inserida. Porque às vezes, a maioria tá lá na cooperativa por uma necessidade, né, a pessoa não tem formação nenhuma, muitos não sabem escrever, é no dedão, ela tá excluída do mercado de trabalho, socioeconomicamente, muitos são regressos do sistema penitenciário também, que a gente tem uma parceria com a pastoral carcerária. O cara sai da cadeia e fica lá perdido, nenhuma empresa quer dar trabalho pro cara, pode, manda pra cooperativa que a gente tenta, muitas vezes não dá certo, mas a gente tem casos lá que deram certo, moradores de rua, nós temos um exemplo lá, a Cláudia, que ela é moradora de rua. A gente passava, o caminhão passava, pô, aí veio uma pessoa que trabalhava na coleta, falou: “Jair, tem uma mulher lá, que a gente passa, todo dia ela tá lá, não sei o que. Não dá pra ela vir trabalhar?”, eu falei: “Vamos avisar a assistência social, né, da prefeitura – que também a gente tem uma parceria com a assistência social – pra cadastrar essa mulher, ver se ela tem os documentos, se não tem, tirar os documentos e tal e encaminhar pra gente”. Ela tá lá, é uma supercooperada, hoje ela já tem a casinha dela, ela é pescadora da cooperativa, que a gente chama, que é aquela pessoa que sempre que chega alguma coisa que interessa, uma panela, um colchão, um fogão, um tanquinho, ela vai mobiliando lá a casa dela, mas ela tá lá firme e forte, tá há uns três anos já na cooperativa. E aí, desse trabalho todo da coleta seletiva no bairro, hoje a gente já tem por volta de 70% do bairro, geograficamente falando, até o fim do ano, janeiro, no mais tardar, a gente deve tá atendendo 100% de Pirituba, todas as ruas de Pirituba vai ter coleta seletiva, e pretendemos ampliar isso pra Parque São Domingos e Jaraguá, que esses três distritos são de responsabilidade da Cooperativa Crescer, no convênio e contrato que nós temos com a Prefeitura de São Paulo. Então primeiro vamos atingir Pirituba, que é o nosso foco principal, depois ampliar pra essas outras regiões, mas tudo com muita calma e dentro do que a gente é capaz de fazer, né, porque às vezes você fica com o olho muito grande em pegar o material, só que você não tem capacidade de processá-lo e destiná-lo, armazená-lo, né, você precisa ter a ampliação da sua capacidade instalada. Todo esse trabalho na Crescer nos levou, me levou a, em parceria, buscar outras cooperativas pra constituir uma federação de cooperativas, que as cooperativas é cada uma por si e Deus por todos, então às vezes a cooperativa tinha outra cooperativa como concorrente, não é, pô: “Eu to em Pirituba, a tua é na Mooca, por que a gente é concorrente?”. Mas às vezes era concorrente de nome, né, de: “Ah, a Crescer saiu”, porque a gente implantou em 2007 coleta seletiva no carnaval de São Paulo, no sambódromo da Anhembi, a Crescer foi e implantou e aí fez lá a coleta em 2007, 2008, 2009, as outras cooperativas falaram assim: “Mas por que a Crescer que faz?”, porque ela que teve a iniciativa de começar. Aí chegou uma hora que eu falei assim: “Não, quer fazer? Vai lá e faz”, achava que era fácil passar quatro noites lá catando lixo, né, resíduo no sambódromo, é trabalhoso, são 15 toneladas de resíduo que você recolhe lá e, se você pôr na ponta do lápis, é melhor deixar a minha equipe, meus sócios cooperados no galpão, fazendo o trabalhinho deles lá, é mais rentável pra eles e pra cooperativa do que ir lá fazer no carnaval. Só que o carnaval, o que que ele dava? Ele dava mídia, então no outro dia tava lá a Rede Globo, tava, nossa, eu ficava dando entrevista, aparecia na internet, você dava uma repercussão pro seu trabalho, então era isso que a gente ganhava, mas, assim, em termos financeiros, de rentabilidade, não dava muito, não. E aí eu, percebendo que havia essa divisão, né, e também que havia, inclusive uma das pessoas que eu devo indicar pra vir dar entrevista pra vocês era do Movimento Nacional de Catadores, o Movimento Nacional de Catadores sempre falou em nome das cooperativas como um todo. Só que, assim, eu nunca, a Crescer nunca fez parte do Movimento Nacional de Catadores, meus cooperados lá, nem todos, menos da metade são, eram catadores, são pessoas que estavam ali fora do mercado, em situação de vulnerabilidade socioeconômica e nós trouxemos pra dentro, tive ex-presidiário, morador de rua, não são catadores, eles são catadores porque eles estão dentro de uma cooperativa de catadores, né, e legislação diz que eles são catadores, mas antes de tá dentro da cooperativa eles não eram catadores. E a gente começou a perceber, a Crescer e outras cooperativas que atingiram um nível de gestão mais profissional de regularidade bacana, começaram a perceber: “Mas por que esse pessoal tá falando em nome da gente lá na Prefeitura, lá no Governo do Estado, lá no Governo Federal, tá captando recurso em nome das cooperativas? Só que, assim, a gente não sentia, esse recurso não chegava na gente. Então nós resolvemos se reunir e constituímos a Federação Paulista de Cooperativas de Reciclagem, que é a FEPACOORE, em 2013, e agora a gente tá fazendo um trabalho de fortalecimento da federação e a gente tá direcionando as demandas das cooperativas que são associadas à FEPACOORE, nós somos em 15 cooperativas, mas pra questão de profissionalização de gestão, de produção, de cooperativismo, e não do assistencialismo, do: “Por favor, tadinho de nós, nós não somos ninguém, ajuda a gente”. Porque o cooperativismo, quando você monta uma cooperativa, você tá montando um empreendimento econômico, de geração de renda e trabalho, ela tem CNPJ, ela tem as suas obrigações legais, fiscais, tributárias, né, você tem a administração de cooperativa, ela tem uma responsabilidade junto ao seu corpo de sócios cooperados, não é uma fundação, uma instituição de caridade. Lógico, você vai buscar parcerias pra desenvolver seus projetos, seus trabalhos, aumentar a sua capacidade instalada, os grandes geradores de resíduos, eles têm que participar dessa nossa, desse nosso trabalho, colaborar com esse nosso trabalho, mas você tem que oferecer uma contrapartida. A contrapartida qual que é? É você desenvolver um trabalho bacana junto aos seus associados, ter uma capacidade produtiva legal, oferecer os relatórios e não: “Ah, a gente quer um caminhão porque a gente é tadinho”, entendeu? Então nós constituímos a federação e a gente, agora, nós estamos nesse trabalho, tem ainda o Movimento Eco Cultural, que faz um trabalho de bastidor pra, de constituição, por exemplo, de cooperativas. Eu tô terminando agora, esse mês ou mês que vem, esse mês agora, acho que eu tenho duas provas sábado, eu estou terminando o curso de graduação de Gestão em Tecnologia de Cooperativismo, que, com a federação, eu sou diretor presidente, fui escolhido, né, não fui nem eleito, eu fui escolhido, assim: “Você que teve a ideia, você que vai, pelo menos os primeiros quatro anos, você que vai presidir”, eu fiquei com uma responsabilidade muito grande. Eu falei: “Eu preciso me aperfeiçoar mais”, eu tenho o conhecimento do dia a dia, do funcionamento, operação de uma cooperativa de reciclagem, de coleta seletiva, que é uma cooperativa do ramo de produção, mas faltava mais informações técnicas pra eu poder realmente buscar atingir os objetivos sociais da federação, aí eu entre nesse curso de Gestão em Tecnologia de Cooperativismo, você forma um tecnólogo, vamos dizer assim, do cooperativismo. Aí com esse curso, ele começou a me abrir uma série de possibilidades de formações e treinamentos e capacitações que a gente pode oferecer pra essas cooperativas que são associadas à FEPACOORE, ou até às que não são associadas, mas que tão aí soltas e que ficam aí, muita partidarização, vamos dizer assim, do cooperativismo, né, a gente percebe muito isso. Eu não vou citar qual partido, mas, assim, existe um grupo, um movimento querendo partidarizar o cooperativismo, só que o cooperativismo, a política nacional do cooperativismo, de 1971, nasceu junto comigo, e, mais recentemente, a política nacional de resíduos sólidos, eles dão autonomia, independência pra cooperativa, ela é uma pessoa jurídica que deve trabalhar de forma autônoma, né, independente, com gestão democrática, autossustentável. Ela não pode ser marionetada ou conduzida, gerenciada ou gerida por terceiros, por ONGs, por partidos políticos, por etc., por parlamentares, tem cooperativa que você vai lá, quem manda é um parlamentar, tem outra que você vai lá, quem manda é uma ONG que é ligada a uma, entendeu? Então, assim, o presidente da cooperativa não manda nada, os sócios cooperados então nem se fala, as decisões que deveriam ser tomadas em assembleia geral ordinária ou extraordinária são tomadas de reunião de bar, entendeu, é coopergato que a gente chama, cooperativa que tem dono. Então é nisso que a Federação Paulista de Cooperativas de Reciclagem vai atuar, nessa linha de dar autonomia pras cooperativas, de mostrar pras cooperativas que elas têm que caminhar de forma autônoma, não impede de ter parceiros, enfim, de, né, mas que a gestão tem que ser feita, de ter alguém, algum colaborador ajudando. Nós temos a OCESP, que é a Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo, temos o SESCOOP, que é o Serviço Social do Cooperativismo, todos dão suporte pra cooperativa atuar de forma independente, sem intervir, sem intervenção estatal, sem intervenção de terceiros, entendeu? Então foi isso, desde o meu início até agora eu tô nessa daí, tô terminando esse curso do cooperativismo, desenvolvendo uma série de projetos aí, voltados pro fortalecimento de cooperativas, e ampliando a coleta seletiva lá em Pirituba, através da Crescer.

P/1 – Quais são os seus planos e sonhos pro futuro, em relação à sua profissão, ao status dessa federação e da cooperativa?

R – Então, pelo Eco Cultural eu vou continuar desenvolvendo esses projetos de implantação, eu não sei se eu cheguei a falar, mas é uma atuação, na verdade é aonde eu me sustento, a cooperativa é legal, ela gera uma renda bacana, legal, mas não é suficiente pra eu manter o meu filho estudando, enfim, meu padrão de vida. Eu recebo através de consultorias que eu realizo pelo Movimento Eco Cultural pra implantação e gerenciamento de coleta seletiva em empresas, condomínios, municípios. Recentemente a gente, até tá em andamento ainda, a implantação de coleta seletiva no município de Olímpia, então nós constituímos uma cooperativa lá. O que a gente faz? Com o know-how que eu adquiri nesse período, eu sou contratado pra desenvolver essa atividade num município, como eu fiz em Pirituba, eu faço no município, então fizemos lá em Mairiporã, em Franco da Rocha, Olímpia, Catanduva e por aí vai. Em empresas também, a própria PUC solicitou, olha que engraçado, né, 20 anos depois, a PUC pediu pra enviar um projeto de elaboração de um plano de gestão integrada de resíduos sólidos, pra todos os campus da PUC, os sete. Enfim, ampliar essa minha atuação nessa área de gestão integrada de resíduos sólidos, através do Eco Cultural, pela Cooperativa Crescer, ampliar e melhorar as condições de trabalho, que isso é uma busca permanente, que é desde que eu montei a cooperativa até hoje, que hoje eu fui eleito presidente da Crescer. Eu nunca fui presidente da Crescer, eu sempre atuava mais no bastidor, elaborando projeto, e agora, como presidente, é buscar um galpão maior, ampliar nossa capacidade instalada, seja numa central mecanizada, que existe uma grande possibilidade da gente ir pra uma central mecanizada de triagem ali próximo, na região, ou pra um galpão maior, que a gente amplie nossa capacidade instalada pra ampliar nossas condições de gerar ação de trabalho, hoje a gente tá meio que limitado em 40, 45 postos de trabalho, sócios cooperados. Então, você ampliando a capacidade instalada, você amplia a possibilidade de montar mais um turno de trabalho, de ter mais gente, de gerar mais trabalho na região. E pela federação é isso, é fortalecer, estruturar, porque ela tá bem no comecinho, ela tem dois anos, vai fazer dois anos agora em dezembro, de estruturá-la pra que ela se fortaleça dentro do Estado de São Paulo, a gente tá buscando parceria com o Governo do Estado, pra atender até a própria política nacional de resíduos sólidos nos municípios. Essas cooperativas que eu disse que eu criei aí municípios a fora, elas tão soltas ainda, eu não vou chegar, falar assim: “Ah, entra na federação”, eu espero que elas primeiro se estruturem, elas estando estruturadas elas vêm pra federação pra fortalecer a federação, pra um dia a gente constituir uma confederação, né? Porque tem uma federação paulista, você tem uma federação carioca, uma federação mineira, você pode constituir com três federações você pode constituir uma confederação nacional de cooperativas de reciclagem, sempre nesse viés de profissionalização do trabalho, da gestão, tanto a questão positiva como administrativa e não pra esse lado do assistencialismo. Então minha perspectiva é essa em relação a essas três frentes que eu atuo, sendo as três frentes voltadas, o Movimento Eco Cultural vai retomar agora Feira de Artes de Pirituba, que ela parou na 12ª edição, faz cinco anos que a gente não realizava a Feira de Artes de Pirituba, ela vai ser retomada agora numa parceria com o Centro Cultural Vila Madalena, a gente deve retomar aí a feira agora em abril de 2016. Então também é mais uma outra frente que eu devo tá atuando, mais nos bastidores, né, eu não vou entrar na produção, porque eu não tenho mais paciência pra isso, mas é uma outra frente, minha perspectiva é essa daí, é de fortalecer as três frentes de trabalho, a que me gera renda e essas que geram trabalho e renda pros outros.

P/1 – Você falou muito do cotidiano das cooperativas e tal e várias coisas você já respondeu, que eu ia perguntar, mas você podia listar ou pontuar quais são os maiores desafios pras cooperativas hoje, tanto no cotidiano quanto na questão mais da federação em si?

R – Eu acho que o maior desafio das cooperativas é auto sustentabilidade, elas se auto sustentam, assim, as que são conveniadas à prefeitura, que recebem um suporte em estrutura, como eu já disse, tem o galpão lá, a gente não paga aluguel etc., daí facilita muito a manutenção do trabalho, mas tem muita cooperativa que tão soltas aí, que em São Paulo são 22 cooperativas conveniadas, mas nós sabemos que tem mais de 70. Então nós temos aí 50 cooperativas que tão fora do sistema de coleta seletiva, que não recebem nenhum subsídio, nenhum apoio municipal, e essas cooperativas, pra elas se gerirem, pra elas serem auto sustentáveis, elas precisam ter uma boa administração. Eu acho que o maior desafio é a manutenção da regularidade fiscal, tributária, manter legal, e a segunda é a de geração de trabalho e capacidade administrativa, em todas elas, inclusive na Crescer, a gente sempre tá, agora mesmo a gente tá com um projeto de implantação de um sistema integrado de gestão, que interligue todos os processos da cooperativa, desde a coleta, do material que é coletado, a quantidade de material que entra todo dia, o material que é processado, separado na esteira, compactado, estoque, RH, contas a pagar. A gente quer integrar todas as informações num sistema, num CD, que você possa treinar e distribuir isso pras cooperativas, então estamos fazendo um pilo na Crescer, uma vez funcionando, a gente vai, pela federação, a Crescer cede pra federação, pra federação implantar nas cooperativas. Essa, a administração da cooperativa eu acho que é o grande desafio, elas serem, terem a administração mais profissional, porque às vezes o presidente, o tesoureiro, o secretário da cooperativa, o cara, ele não sabe ligar um computador. Então como que ele faz, como que ele administra se ele não sabe mexer num Excel, ele não sabe mandar um e-mail, não tem um site, não tem nada? Então toda essa parte de treinamento pra que a pessoa tenha condições de gerir, isso daí eu acho que é o grande desafio das cooperativas e também da federação.

P/1 – Obrigada, Jair.

R – Eu que agradeço.


FINAL DA ENTREVISTA