Museu da Pessoa

Uma vida em Óbidos

autoria: Museu da Pessoa personagem: Fortunato Chocron

Depoimento de Fortunato Chocron
Entrevistado por Karen Worcman


Óbidos, 26 de abril de 2010
Realização Museu da Pessoa
Entrevista nº MB_HV119
Transcrita por Rodrigo Fonseca
Revisado por Fernanda P. Prado
Tags: Óbidos, infância, família, comunidade judaica, imigração, viagem de navio, pai, comércio, colégio interno, indústria de castanha, casamento, crise econômica, sonho.

P/1 – Qual o seu nome, o local e a data do seu nascimento.

R – Meu nome é Fortunado Chocron, nasci em Manaus, 25 de abril de 1940.

P/1 – Ah, o senhor nasceu em Manaus?

R – Sim, porque naquela época os comerciantes da região iam para Manaus. Era mais fácil o transporte e mais fácil também, naquele momento, o contato com a comunidade judaica. E o meu pai, então, ia pra Manaus a trabalho, conheceu a minha mãe em Manaus, casou em Manaus e eu nasci em Manaus, possivelmente pela necessidade de fazer o batizado se fosse homem, né?

P/1 – O senhor fez, pelo menos é a palavra que eu conheço, britz milah?

R – Britz milah.

P/1 – O senhor fez lá em Manaus?

R – Fiz lá em Manaus.

P/1 – Quer dizer, nessa época, o seu pai morava em Óbidos ou em Manaus?

R – Morava em Óbidos.

P/1 – O seu pai, mas e sua mãe?

R – Minha mãe morava em Manaus.

P/1 – Então, como era o nome completo do seu pai?

R – Abraão Fortunato Chocron.

P/1 – E o seu pai ele nasceu aonde?

R – Em Tétouan, naquela época protetorado espanhol. Hoje, parte do país que é o Marrocos.

P/1 – O senhor conhece a história do seu pai? Onde ele nasceu e porque que ele veio pro Brasil?

R – Sim.

P/1 – O senhor pode contar?

R – Ele veio pro Brasil porque a situação econômica de todos os judeus, especialmente da família dele e de alguns mais, era dificílima. Então, ele veio pro Brasil com a incumbência de trabalhar pra se manter, de trabalhar pra ajudar os pais lá em Marrocos e, como o Brasil era conhecido como a terra do futuro, a terra da esperança, não é? Eles vieram. Em função também, de que os judeus do Pará e do Amazonas tinham recursos, mandavam os recursos, pra eles pagarem passagem e vir, com o compromisso de devolver esse valor pra que outros tivessem a mesma oportunidade.

P/1 – Então, na época, os judeus que já estavam aqui eles mandavam dinheiro pro pessoal vir pro Brasil?

R – Os judeus que tinham condição financeira e que eram os lideres das comunidades judaicas, né?

P/1 – Eles queriam trazer mais judeus?

R – Sim, eles queriam trazer mais judeus para ajudá-los.

P/1 – Porque eles sabiam que a situação...

R – Porque eles sabiam que a situação era muito difícil e eu acredito também que para criar uma comunidade maior de judeus no Brasil. Amazônia era parte do contexto.

P/1 – Mas o seu pai veio e ficou em que cidade?

R – A primeira cidade que ele chegou no Brasil foi Belém. Ele foi de Marrocos pra Lisboa, de Lisboa, num navio da Bússola, veio pra Belém. Em Belém, já tinha os judeus que o receberam e mandaram pra cidade de Parintins, onde um tio dele já trabalhava.

P/1 – Quer dizer que ele tinha um tio em Parintins.

R – É, ele veio e trabalhou uns meses com o tio dele.

P/1 – O tio fazia o quê?

R – Comércio. Comércio que todos os judeus faziam, mercadorias, gêneros da região, peixes salgados, essas coisas assim. E ele sempre foi uma pessoa excessivamente controlada, chegou com o tio dele e disse que gostaria, já tinha pagado todos os seus compromissos, de sair de Parintins. Ele queria morar numa outra cidade.

P/1 – O senhor sabe por quê?

R – Olhe, eu acredito que por uma aspiração de independência econômica. Acho que ele sentiu que tinha a chance de se tornar um homem vitorioso na área econômica, né? E o tio dele, disse a ele: “Olha, o que eu posso fazer pra te ajudar é dar uma canoa com quatro homens remando e tu desces o rio. Aonde tu achares que fica bom pra tu ficares, tu fica e me manda de volta a canoa e os homens.” Quando chegou aqui em Óbidos, eles pararam um pouco, e ele disse pros rapazes: “Olha, eu vou ficar aqui. É aqui que eu vou ficar.” E os mandou embora e ficou a vida toda aqui trabalhando.

P/1 – Que ano que foi isso senhor Fortunato, mais ou menos?

R – Eu preciso buscar a ajuda da Ana, porque... Quantos anos? Ele veio com 14 anos, que ano era isso?

P/1 – Ele tinha 14 anos?

R – Ele chegou no Brasil com 14 anos.

P/1 – E aí ele ficou em Parintins?

R – Não, 15 anos, ele chegou... Ele ficou em Parintins poucos meses. Primeiro, ele foi para lá, em Parintins. Ele foi trabalhar num lago pra salgar pirarucu vindo da África; pra um lago, salgar pirarucu era um negócio... E acho que isso tudo fez com que ele sonhasse em sair daquele tipo de vida.

P/1 – E aí o que ele contava pro senhor de quando ele chegou em Óbidos?

R – Quando ele chegou a Óbidos, ele teve a sorte de conhecer alguns militares... Ele era um rapaz extremamente educado, extremamente respeitador, bonito, o que era uma vantagem muito grande que ele levava sobre os concorrentes, e prudente. E ele foi criando o respeito e a admiração não só das famílias onde ele ia tentar vender as coisas, como dos comerciantes e dos oficiais do Exército.

P/1 – Mas, senhor Fortunato, ele trouxe coisas de Parintins pra vender?

R – Trouxe agulhas, grampos, botões, colchetes.

P/1 – E aí o senhor me falou que ele foi morar aonde?

R – Ele morou por seis meses na Ponte do Trapiche Municipal. Um sargento do Exército que se fez muito amigo dele e que tinha uma casa na principal rua de Óbidos e que tinha três janelões, chegou um dia - já se tratavam de compadres -, disse: “Meu compadre, você não vai morar mais onde você vive. Você vai morar aqui na minha casa. Eu já mandei dividir uma sala pra você.” E o meu pai agradeceu e disse: “Mas eu não tenho condições porque eu não posso ainda pagar um aluguel.” “Mas eu não estou lhe falando em aluguel, estou lhe dizendo que você vai vim morar aqui.” E ele foi pra lá e morou lá, trabalhou. Pouco depois, já bem próximo, fez a primeira lojinha dele e as coisas começaram...

P/1 – Senhor Fortunato, explica um pouquinho a lojinha ele vendia o que tinha, mas ele tinha que buscar mais, né?

R – Comprava do comércio.

P/1 – Do comércio daqui de Óbidos ou ele ia pra outra...

R – Não, comprava no comércio daqui. No início, ele comprava no comércio daqui.

P/1 – Mas qual que era a vantagem se já tinha no comércio que ele conseguia?

R – Não, mas ele vendia de casa... Ele era um mascate como foi o dono da Casas Bahia, só que numa proporção muito maior, num mundo muito maior, mas em proporções deu pra ele fazer aqui o que eles fizeram por lá, não é?

P/1 – Então ele comprava no comércio e ia de porta em porta?

R – Vendendo, exatamente.

P/1 – E aí ele era um bom vendedor?

R – Era um bom vendedor, aliado à beleza, as moças ajudavam a vender, pediam pras mães comprar porque era pra ajudá-lo, assim as coisas caminharam. Depois de uma determinada época, existiam navios de empresas bastante poderosas de Belém que faziam o que nós chamamos de regatão, com os navios; ou seja, traziam mercadorias e vendiam fiado pra ser pago parceladamente, com entrega de gêneros da região e ele teve a sorte de encontrar um patrão, que era senhor Simão Benjor, que pela honestidade dele, deu-lhe um crédito ilimitado. E aí, ele aproveitou o crédito, criou riquezas, trabalhou, sempre pagou e, depois, vieram as outras coisas, ele foi crescendo, também foi trabalhando com outras coisas, gêneros da região...

P/1 – Quer dizer então ele teve um bom crédito no regatão e ele montou uma loja fixa?

R – É.

P/1 – Quanto tempo depois? O senhor sabe mais ou menos?

R – Ah, isso dois ou três anos.

P/1 – Foi logo então.

R – Hã?

P/1 – Uns dois ou três anos depois ele já tinha uma lojinha?

R – Já, tinha.

P/1 – E aí depois ele começou já nessa época, tão novinho, com outros negócios?

R – Sim, porque aí a empresa do senhor Simão Benjor, por trás dele, o apoiava pra comprar produtos pra eles e pra ser um escoador de mercadorias, não é? Eles sabiam que entregando pro meu pai estava absolutamente guardado o patrimônio deles.

P/1 – Então o seu pai comprava coisas pra essa empresa, que tipo de coisas?

R – Ah, tecidos, redes, espingarda, chapa de ferro, carne em conserva, sardinha, açúcar, sal...

P/1 – Isso ele comprava da empresa?

R – Comprava da empresa.

P/1 – E o que ele comprava para a empresa?

R – Castanha, cacau, comaru, couro de onça, couro de maracajá, couro de jacaré, carne de jacaré salgada, pirarucu salgado, couro de cobra que, naquele tempo, era permitido, absolutamente normal.

P/1 – Então, ele ia para o interior comprar essas coisas?

R – Não, o meu pai sempre teve a sorte de ter um conceito muito grande e ele criava freguesia. A freguesia vinha do interior comprar com ele. Isso ele fez durante toda a vida. Tinha fregueses de absoluta confiança e que lhe davam total preferência.

P/1 – E por que, que o senhor acha que ele teve tanto...

R – Pela retidão de caráter. O que ele acertava com um caboclo, tinha o mesmo valor do que ele acertava com o patrão lá de Belém. O que ele prometia pro caboclo, o que ele negociava, tinha o mesmo valor com que ele negociava... Ele não tripudiava sobre o caboclo. Ele pagava sempre com seriedade, ele nunca admitiu fazer trapaça na balança e uma série de outras coisas. Ele não admitia.

P/1 – E ele vendia fiado pros caboclos?

R – Vendia fiado. O patrão vendia fiado pra ele e ele vendia fiado pro patrão, pros fregueses...

P/1 – Como é que era o esquema de pagamento, assim?

R – Era igual ao de hoje. Por exemplo, o caboclo produzia couro de onça, ele vendia a mercadoria pra ele ir matar onça, quando ele vinha trazia o couro, pagava as contas e levava o sal. Ele vendia pra quem produzia carne de capivara salgada; eles iam pegar capivara, traziam a carne, o couro salgado... Depois entrou a junta, a fibra de junta, e ele se tornou um comprador de junta, nesta ocasião, já vendendo pras indústrias de São Paulo, descontando os títulos no Banco do Brasil...

P/1 – Aí já tinha chegado ao Banco do Brasil?

R – Já. Aí ele já tinha condições, excelentes condições, porque ele também foi um homem sempre muito regrado, o capital de dinheiro dele foi sempre muito controlado.

P/1 – Como é que era que ele conseguiu juntar dinheiro?

R – Bom, uma vez ele me disse já muito velho, ao quebrado, ele disse: “Filho, tudo que nós temos foi o que eu não vivi. Eu vivi pra trabalhar, pra sustentar minha mãe e pra deixar um patrimônio pra vocês. Então não viajei, não fiz excursões, não luxei.”

P/1 – Mas antes disso foi tudo o que ele não viveu, ele não fazia excursão...

R – Ele sempre teve uma vida economicamente regrada, não é? E isso lhe permitiu guardar um dinheiro. Naquela época, não havia inflação, então, as coisas eram plenamente administradas. Ele foi, durante longos anos, pela seriedade do seu caráter, o fornecedor do Exército Brasileiro, que naquela época tinha o Grupo de Artilharia, em Óbidos, com três mil homens, comandado por coronéis, chegou a ser comandado por um general e ele era o fornecedor, praticamente único, do Exército. Isso também lhe permitia um conceito que vinham os negócios procurar por eles. Foi agente, durante a vida toda, da Panair do Brasil. Quando já estava velho, foi a Belém, foi a Panair - eu era criança e o acompanhei - e chegou lá, disse na gerência: “Eu não tenho mais condições de ser o gerente de vocês, pela minha idade, pelos meus negócios.” Eles disseram: “Então, o senhor indica o seu substituto porque nós não vamos lá procurar. O senhor é que vai indicar.” E ele indicou um rapaz, filho de um comerciante italiano, aqui de Óbidos, e ele foi nomeado. Então, todas essas coisas ajudaram, de alguma forma. Ele era muito amigo do almirante Braz de Aguiar, que foi quem marcou as divisões do Brasil com a Colômbia, com esses países todos. Ele foi muito amigo do Marechal Rondon que passava meses aqui e que morava com ele.

P/1 – O Marechal Rondon?

R – É. Então, ele tinha amizades excelentes. Um dos funcionários dele, que sempre me contava as histórias, disse: “Olha, sábado o teu pai recebia visita de todos os oficiais do comando do Exército. Vinham visitá-lo, vinham tomar um conhaque cinco estrelas...” Era a bebida social daquela época. “Com o teu pai aqui no escritório privativo dele.” E as famílias vinham fazer compras e ele teve sempre muito bom gosto, sempre teve muito bem aguçado o espírito de comerciante... Ele foi o primeiro vendedor de calçados Clark, na Amazônia. Antes de ter a filial de Belém, ele já comprava pra Óbidos. Perfumes franceses, tecidos finíssimos, que as famílias dos oficiais compravam. Ele tinha também uma loja que era de qualidade; tinha um setor que atendia um pessoal do interior, mas tinha também essa área...

P/1 – Como que chamava essa loja?

R – Casa Paulista.

P/1 – Casa Paulista? Por quê?

R – Não sei.

P/1 – E me diz uma coisa, ele tinha dinheiro em Óbidos? Como é que era a cidade?

R – Tinha, tinha dinheiro, sempre teve dinheiro. Sempre conheci o meu pai com dinheiro.

P/1 – Mas assim, a cidade tinha dinheiro? Rodava dinheiro?

R – A cidade tinha dinheiro, a cidade movimentava muito. O Exército tinha três mil homens, né? O que era um faturamento excepcional pra Óbidos. Os produtos valiam, os produtos regionais tinham valor.

P/1 – Já se exportavam em Óbidos, castanha, tudo isso?

R – Se vendia pra Belém, mas tinha ocasiões que elas tinham preços muito bons, como tudo no comércio: sobe e desce, né? Ele depois se tornou um comerciante abastado, então, ele só vendia quando ele queria, ele não precisava estar a mercê do comprador. Ele vendia quando era... Mesmo na época da juta, ele trabalhava com algumas firmas de São Paulo, especialmente com uma dos ingleses, com que, sem ele conhecer, ou eles o conhecerem, criaram um grau de confiança absoluta, que os ingleses perguntavam pra ele: “Como vai ser a safra? Qual é a sua ideia de preço? O que o senhor acha que nós devemos fazer?” E ele, às vezes, vendia um pouco menos do preço do mercado. E eu questionava: “Mas, por que, papai?” “Porque vendemos pra uma firma que nos dá segurança. Então, com eles, nós não corremos risco de perder. Ganhamos menos, mas ganhamos com segurança.”

P/1 – E aí senhor Fortunato me conta, ele foi conhecer a sua mãe em Manaus?

R – É. Foi pra Manaus, era um homem bonito, naturalmente deveria ter uma boa prosa, conheceu a minha mãe que era uma moça bonita, estudante, de família marroquina, judeus; ele já tinha, em Manaus, um conceito de comerciante muito bom - isso deve ter facilitado, né? E casou com ela, viveram bem.

P/1 – Trouxe-a pra cá?

R – Trouxe-a pra cá.

P/1 – Quantos filhos?

R – Infelizmente, três. Dois viveram, eu e a minha irmã que vivemos pouco tempo até que ela faleceu - e uma criança que depois perdeu. Minha mãe morreu, acho que de malária, uma dessas doenças que tinham naquela época em função de um parto.

P/1 – Ela morreu no parto? De quem?

R – Da filhinha... Faleceu logo em seguida do parto.

P/1 – Então ela teve três filhos, o senhor foi o primeiro?

R – Fui o primeiro, uma irmã que já faleceu foi a segunda...

P/1 – E essa irmã chegou a sobreviver a crescer?

R - Cresceu, casou no Rio, teve filhos.

P/1 – Ela faleceu mais tarde, ela se chamava?

R – Sultana.

P/1- Sua mãe se chamava?

R – Meire.

P/1 – E aí o senhor cresceu então, a sua mãe morreu o senhor tinha que idade?

R – Eu tinha três ou quatro anos.

P/1 – Então; o senhor não se lembra da sua mãe?

R – Não, não lembro não.

P/1 – Então, como é que foi a sua vida, cresceu o senhor tinha uma irmã e o seu pai?

R – Bom, o meu pai foi um pai, uma mãe, um amigo.

P/1 – E ele trabalhava muito, né?

R – Desculpe. O meu pai foi um exemplo, em todos os sentidos. Eu fui estudar interno, ele casou, não deu certo, o segundo casamento dele...

P/1 – Ele casou aqui?

R – Casou em Manaus novamente.

P/1 – Com outra judia?

R – É. Outra judia, irmã da minha mãe, mas não deu certo, e ele teve um problema muito sério, viveu um período muito difícil...

P/1 – Qual foi?

R – E aí ele se dedicou mais ao trabalho, passou a ter o trabalho até como...

P/1 – Fuga...

R – Uma fuga da realidade difícil da família e tudo. Mas ele contornou. Nós fomos crescendo, né?

P/1 – Então, aqui na sua casa, quem cuidava do senhor todo dia na sua infância?

R – Na minha infância, a minha avó, a mãe da minha mãe.

P/1 – Ela mudou pra Óbidos?

R – É. Ela ficou um período conosco, comigo e com a minha irmã. E, depois, em função dos problemas do segundo casamento, ela se afastou e nós também. Eu, especialmente, eu me afastei dela, fiquei com o meu pai. Fui interno num colégio religioso cristão...

P/1 – Aqui?

R – Em Santarém, mas não deixei de ser judeu em nenhum momento.

P/1 – Como que o senhor entendeu que era judeu? O seu pai praticava?

R – Meu pai praticava e nos ensinava. Nos ensinava praticando e nos mostrando o que era ser judeu. E, muitas vezes, me chamava e dizia: “Olha filho, isso eu poderia fazer assim, mas isso não é ético, isso a nossa religião não nos permite. Nós vamos perder aqui, Deus vai nos dar, com certeza, mais adiante.” Então, eu fui alicerçando também o judaísmo dentro de mim. Estudei no colégio interno, tive um relacionamento muito bom com os padres e as missas, em respeito aos meus colegas, eu achava que era a minha obrigação de prestigiá-los, mas nunca tive nenhum problema; por nenhum momento eu tive dúvidas de que eu era judeu.

P/1 – E aí o senhor ficou em interno em Santarém?

R – Fiquei interno. Depois, eu fui pra Belém estudar o curso de contabilidade e achei que o meu sonho e a minha obrigação era ser comerciante, era continuar o meu pai. Voltei pra cá, trabalhei um pouco com ele, mas a nossas ideias, em função da idade, já eram um pouco divergentes, eu fiz o meu negócio, mas sempre do lado dele, sempre apoiando ele e fiz os meus negócios e fui também crescendo e depois...

P/1 – Calma, antes do senhor crescer, eu preciso entender um pouquinho, quando o senhor voltou o que que era diferente na sua visão?

R – É que ele já era um homem idoso, não é? Que achava, eu acho que ele estava certo, hoje, que não deveria mais correr risco, não precisava correr risco. E eu achava, na minha idade, que eu deveria correr risco pra poder crescer, senão eu não conseguia crescer. Tinha que batalhar junto com os grandes pra chegar perto deles. Fiz isso, ganhei dinheiro, trabalhei, tive problema, grandes problemas, muito sérios, regredimos um bocado, mas nunca deixei de acreditar no trabalho. E, nesse instante, o mais importante, recebi total apoio da minha mulher e dos meus filhos e isso me sustentou e o Abraão, o meu filho que está lá na firma, veio ficar comigo e nós batalhamos, seis horas, oito horas, 12 horas, 20 horas por dia, sábado, domingo, feriado e começamos a soerguer das cinzas, a nossa empresa.

P/1 – Então, o senhor se incomoda de nós voltarmos um pouquinho pra eu entender melhor a sua história, agora da sua vida, com um pouco mais de detalhe, eu queria entender, o senhor se formou, ficou no colégio interno em Santarém?

R – Certo.

P/1 – Até o ensino médio?

R – Sim.

P/1 – E aí de lá o senhor foi direto pra Belém?

R – Fui.

P/1 – Fazer faculdade?

R – Não, fiz o curso de contabilidade e ia fazer faculdade. Esse era o sonho do meu pai. Por um período também, foi o meu sonho, queria ser advogado criminal, mas eu queria estudar na faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo, onde naquela época despontavam os políticos, os grandes também advogados criminalistas. Bom, não deu certo por alguma coisa, e eu disse: “Bom, eu vou ser comerciante lá em Óbidos.” O meu pai também já estava envelhecendo, estava cedendo o lugar dele pros outros, eu disse: “Bom, então eu tenho que ir pra lá pra manter que isso não aconteça. E vou entrar no meio da briga.” E vim e entrei na briga.

P/1 – E aí que briga foi essa, que tipo de negócio o senhor começou a fazer?

R – O mesmo que faziam os que já eram grandes.

P/1 – Quem era grande aqui?

R – Ah, o Belicha, o Amoy...

P/1 – Eram todos judeus também?

R – Todos judeus.

P/1 – E o que é que eles faziam?

R – Trabalhavam com junta, com castanha. Trabalhei com castanha, um período, aí foi oferecida a representação do grupo Camargo Corrêa, com quem eu trabalhei 12 anos, aí a juta... Eu fiquei muito forte.

P/1 – Em juta?

R – É. Trabalhei com castanha.

P/1 – Mas, juta, como é que era o comércio da juta?

R – Ah, nós comprávamos a fibra do produtor, classificávamos, empacotávamos e vendíamos pra indústria.

P/1 – Para a indústria do Brasil?

R – É, para a indústria do Brasil. Raríssimas vezes se vendia pra indústria argentina. O grande mercado era o mercado de São Paulo, que fazia sacaria pra café, sacaria pra açúcar e, naquela ocasião, usava muito a saca de algodão e o café, que o Brasil era uma potência e não tinha container naquela época. Então, o volume era muito grande. Na castanha... Eu trabalhei na castanha.

P/1 – Tinha muito mercado? Nós estamos falando de que ano, senhor Fortunato?

R – Nós estamos falando do ano de 1960, 1950 e poucos, né? Estamos falando da década de 1960. E aí eu meti na cabeça que eu tinha que fazer uma indústria de castanha.

P/1 – O senhor teve essa ideia de onde?

R – Do desejo que eu tinha de ser grande, de dar emprego. Eu sempre achei que eu devia ser útil aonde eu vivia. Em troca, eu recebia respeito, conceito e fiz uma indústria de castanha contra tudo e contra todos, fiz; e durante três anos, fui o maior exportador de frutas secas do mundo e, depois, voltei, um bom período pra trás, mas não desanimamos, porque ela não permitia que eu desanimasse, me sustentou, foi a mão que me sustentou e vieram os filhos me ajudar e: “Vamos trabalhar; então vamos trabalhar.”

P/1 – Então vamos voltar, já que foi ela que ajudou, como é que o senhor conheceu a sua esposa?

R – Num momento luminoso da minha vida. Eu estava num bar com um amigo esperando uma mesa pra nós tomarmos uma cerveja e ela passou.

P/1 – Em Óbidos? Aqui?

R – É. Ela era professora aqui, mas eu, muito poucas vezes, a tinha visto. E eu olhei e disse pra ele: “Mas, rapaz, que moça linda! Eu vou casar com esta moça.” “Mas, Chocron, nós não começamos nem a beber...” “Mas eu estou te dizendo que eu vou me casar com esta moça ou, então, não vou me casar mais.” “Então, ih rapaz, não vamos nem entrar no bar pra beber, porque hoje vai ser um porre danado.” "Não, eu estou te dizendo...” Comecei a tentar namorar com ela, foi muito difícil, até porque eu era judeu, mas depois conseguimos nos entender...

P/1 – Como é que foi que o senhor descobriu quem era ela? O nome?

R – Ah, eu fiz a pesquisa, como um comerciante, do procedimento dela, porque eu sempre achei, não só que eu devia ser um grande comerciante, como eu deveria ser feliz, ter um lar, ter a minha família, ter a minha mulher, que eu quisesse muito bem, que me desse orgulho, ser a “chefa” da minha casa, se tivesse filho, que os nossos filhos fossem bem conduzidos como eu fui. Eu tinha esses sonhos todos, que acho que eram os sonhos normais de uma pessoa que tinha tanta vontade de vencer.

P/1 – O senhor então quando era jovem era uma pessoa com muita vontade?

R – E ainda sou pra trabalhar; tenho muita vontade ainda de trabalhar.

P/1 – Mas, naquela época, o senhor falava: “Eu vou fazer isso.” Como é que era?

R – Era: “Eu vou fazer.” E fazia. “Vou casar com essa moça.” E casei. “Vou fazer uma usina de castanha.” E fiz.

P/1 – E o senhor achou onde ela morava e foi lá falar com ela? Como é que foi?

R – Nos encontramos numa festa, que dificuldade pra dançar com ela!

P/1 – Ela não aceitou?

R – Não, havia sempre uma dificuldade que eu julgava sempre... Primeiro, porque eu era judeu e ela era muito católica, líder da comunidade católica. Segundo, algumas pessoas aqui diziam aqui que eu namorava muito, que era isso, que era aquilo, pelo dinheiro do meu pai não é? Mas não era muito verdade essas coisas, mas depois deu tudo certo...

P/1 – Aí o senhor convidou, ela acabou dançando com o senhor?

R – Dançou. Aí dançamos a festa toda. E a partir daí, o pessoal me respeitava: “Não dancem com a Ana que vocês vão brigar com o Chocron.” “Não mexam com a Ana, que vocês vão brigar com o Chocron”.

P/1 – Mas o senhor pediu ela em namoro, na festa mesmo?

R – Na festa. Quando nós fomos... Eu fui levá-la em casa, junto com os irmãos dela, disse pra ela que eu gostaria de visitá-la: “Mas como amigo?” “Como amigo não. Amigo eu já tenho muito. Amigo e amigas, eu já tenho. Eu quero ir na sua casa como namorado. Amigo eu já tenho tanto que eu nem visito mais eles porque eu são tantos...”

P/1 – Aí o senhor falou: “Como namorado.”

R – Mas só serve assim, senão eu não vou.

P/1 – Aí o que, que ela falou?

R – “Então, vai lá em casa.” Fui muito bem recebido pelos pais dela, o avô dela tinha sido freguês do meu pai - o avô materno -, então a mãe dela e o pai dela já conheciam bem o meu pai, o procedimento dele. Diziam: “Ele é judeu, mas é um homem sério, um homem honrado, então, não é por ele ser judeu que ele não presta não; se ele puxar o pai dele é diferente do que se fala.”

P/1 – Por que o fato de ser judeu, o senhor acha que a família, por ser católica...

R – É, porque, no caso do Amoy foi escândalo, um mundo abaixo, né?

P/1 – O que é que aconteceu no caso do Amoy?

R – Ah, a família dele se revoltou com ele, foi um...

P/1 – Por ele querer casar fora?

R – É. Com a senhora dele, que hoje é viúva, mas ele manteve-se: “Não, vou casar.” E casou.

P/1 – E no seu caso, aí o senhor começou a namorar?

R – Comuniquei pro meu pai: “Ó, estou namorando uma moça cujo conceito eu sei que é bom, quero trazê-la pro senhor conhecer.” Mas não perguntei pra ele se ele concordava, não dei a ele o direito de opinar: “Quem vai casar sou eu, quem vai viver sou eu, se der certo, ótimo; se não der certo, sou eu o responsável.” E ele entendeu tudo isso também porque eu era muito independente, tinha minhas ideias e ele era muito cordato, então deu tudo certo.

P/1 – E aí o senhor casou aqui?

R – Casei aqui.

P/1 – E como é que foi, o senhor casou aonde? Por que não podia casar na igreja...

R – Eu casei na casa dela, perante o Juiz de Direito. Ela casou na igreja perante o padre porque ela era muito católica.

P/1 – Mas o senhor foi pra igreja?

R – Fui, fui.

P/1 – E o padre deixou?

R – O padre achava que ela era uma felizarda em casar comigo.

P/1 – Conta um pouco dessa relação com outras famílias judaicas aqui, quando o senhor cresceu mesmo, já havia outras famílias judaicas, quais eram as famílias? Qual era o nome das principais.

R – Todas elas já tinham uma ligação profunda com o meu pai. Todas elas receberam do meu pai muita ajuda comercial para crescerem.

P/1 – O primeiro judeu em Óbidos foi o seu pai?

R – Não, deve ter havido outro, não tenho muita certeza. A família Amoy morava aqui num lugar chamado Sapucuá, lá eles tinham o comércio deles, lá eles viviam. A família Benisha morava no Lago Grande, lá no município de Juruti e compravam do meu pai fiado da mesma forma.

P/1 – Todos no comércio?

R – Todos. O Amoy, o meu pai comprou esta casa e mandou chamá-lo pra vir pra cá: “Olha, está aqui a casa, me paga e é tua. Põe o teu comércio aqui e fica aqui com a tua família.” O patriarca dos Benisha, veio com o meu pai e disse: “Não quero mais ficar no interior, me ajuda, compra.” Ele arranjou um freguês: “Vai compra dele aquela loja dele lá, eu pago.” Ele vem pra Juruti e ficou. Depois, o filho assumiu.

P/1 – Mas o seu pai trazia a concorrência pra cá?

R – Trazia.

P/1 – Eles tinham o mesmo tipo de loja, por exemplo?

R – Não. Porque o comércio cresceu, dava pra todos e ainda sobrava.

P/1 – Então tinha Benisha, os Amoy?

R – Primeiro tinha os Amoy. O Benisha veio bem depois. Ele ficou em Juruti, foi um grande comerciante em Juruti, depois que ele veio pra cá.

P/1 – E o Cohen que eu ouvi dizer?

R – Samuel Cohen era aqui defronte. Era um judeu marroquino de Tanger, tinha essa loja, trabalhou, lutou, viveu. Tinha uma loja muito bonita, mas não tinha muita vivência e muita influência na área de gêneros, que era maior negócio, que se tornou maior negócio, juta, castanha, esses se tornaram os melhores negócios.

P/1 – Que o negócio dele, por exemplo, era...

R – Era mais uma loja, uma loja de tecido, de estivas...

P/1 – Então, aí vieram os Amoy, os Benisha, e aí, o senhor... Os filhos que começaram, como é que o senhor se tornou amigo dos filhos dessas famílias?

R – É, porque nós passávamos as Páscoas juntos, todos os dias estávamos juntos... O pai do Amoy se tornou compadre do meu pai, porque um filho foi batizado pelo meu pai, então, já havia, de alguma forma, uma relação mais estreita. O pai do Benisha era muito ligado ao meu pai e isso continuou com os filhos, como eu continuei com os filhos do Amoy e com os filhos do Benisha, depois que eles se foram, continuou com a família, mas cada vez mais preservando: “Bom, esse era amigo do meu pai, esse era filho do Benisha, que foi amigo do meu pai...” Que nós temos muito isso, mantemos a memória das pessoas que foram amigas da nossa família e continuamos.

P/1 – Mas tinha uma sinagoga aqui naquela época?

R – Chegou a ter uma sinagoga.

P/1 – Quem construiu a sinagoga?

R – Era uma casa que os judeus compraram e que ficou pra ser a sinagoga porque muitos judeus viajavam em barcos pequenos, como os regatões aqui na região e, quando se aproximava a Páscoa, eles vinham pra Óbidos, pra Santarém, pra se juntar, pra dar minháh, e também pra ficar juntos nas páscoas.

P/1 – O Pessach, o senhor está falando?

R – Pessach, Rosh Hashanah, Kippur, principalmente...

P/1 – E o senhor se lembra dessas rezas na sinagoga?

R – Lembro. Mas lembro mais já das rezas na casa... Acabou a sinagoga, porque muitas famílias foram embora e ficou sendo, em respeito a família que tinha marido, mulher, filhos todos aqui, os Amoy, então os judeus, o meu pai, o Samuel Cohen, acharam que seria uma deferência que se fizesse todas as cerimônias na casa da família Amoy e nós íamos pra lá.

P/1 – E havia as rezas em hebraico, tudo?

R – Sim. O meu pai era mestre em hebraico.

P/1 – Ele era hazan? Ele cantava?

R – Cantava. Ele quando veio de Marrocos, já ele me dizia... E quando o meu irmão esteve lá, ouviu de muitos judeus: “Só começavam a Arbith, a Tefilah, quando o teu pai chegava.” Embora ele tivesse 13, 14 anos, se esperava ele chegar. Ele era profundo conhecedor da área da religião.

P/1 – Mas ele ensinou isso pro senhor?

R – Ensinou em partes, mas não aprendi hebraico.

P/1 – Não aprendeu a rezar... O senhor fez Bar Mitzvah?

R – Fiz.

P/1 – O senhor se lembra da sua Bar Mitzvah?

R – Lembro, na sinagoga em Belém. Tive um mestre que até hoje cultuo a memória dele, professor Elias Aguri, meu mestre, meu amigo, um exemplo de vida, um exemplo de judeu. Hoje, os filhos dele são todos rabinos.

P/1 – Ah é?

R – É. Ele já faleceu, né?

P/1 – Então tinha essa família Amoy onde...

R – Nós íamos fazer as cerimônias, principalmente em Kippur, né?

P/1 – Em Kippur, o senhor jejuava, depois...

R – Todos nós jejuávamos.

P/1 – E shabat?

R – Shabat, algumas vezes, se fechou pra fazer shabat, né? Algumas vezes. O Benisha era o único que fechava.

P/1 – Ele fechava no shabat?

R – É, ele fechava.

P/1 – E aí o que é que aconteceu? Cada um pegou os negócios do pai? Que o senhor me disse que o senhor ficou um grande concorrente comercial do Amoy. Como é que foi isso?

R – Foi naturalmente. Eu fui assumindo os negócios, que o meu pai foi envelhecendo, adoeceu, parou praticamente os negócios e eu fui tomando conta da área que era dele. E fui pra cima do Amoy, fui pra cima do Benisha, mas sempre, particularmente, entre as famílias, nós sempre tivemos um tratamento...

P/1 – Mas na área comercial era forte?

R – Na área comercial era...

P/1 – E qual que era a diferença de atuação... Qual era o seu maior concorrente era o Benisha ou era o Amoy?

R – O Amoy

P/1 – O senhor Isaac Amoy?

R – O senhor Isaac. Depois, veio o filho.

P/1 – O Mauro?

R – O Mauro.

P/1 – Mas o Seu Isaac é que fez o negócio crescer?

R – Do pai dele, sim. Ele com o irmão.

P/1 – Como chamava o irmão?

R – Benjamim.

P/1 – O Seu Isaac e o Seu Benjamim fizeram o negócio crescer muito, eles eram bons?

R – E a mãe deles que trabalhava e tinha uma visão muito grande também. Dona Rica. Rebeca, né, mas chamávamos Rica.

P/1 – E eles cresceram com que tipo de negócio?

R – Com juta.

P/1 – Com juta. Quer dizer que o grande crescimento veio da juta?

R – É. Benisha cresceu com juta, meu pai cresceu com juta, mas já tinha um patrimônio bom quando apareceu a juta.

P/1 – Quer dizer o seu pai era quem estava melhor antes?

R – É.

P/1 – E aí o senhor foi atrás da juta também?

R – Fui. E, depois, dominei a juta.

P/1 – Ah é?

R – É.

P/1 – E eles foram atrás da castanha também?

R – Foram atrás da castanha. Hoje, somos concorrentes na castanha.

P/1 – Ah, mas eles ainda têm negócios na castanha?

R – Tem, o Benisha. O Amoy não. Infelizmente, parou os negócios todos...

P/1 – O que é que aconteceu com a família Amoy?

R – Quando houve a crise, na minha opinião, não houve a sustentação familiar e aí fica difícil conduzir, né?

P/1 – O senhor pode me explicar que crise foi essa e quais foram os impactos? Que época nós estamos falando?

R – Bom, em parte...

P/1 – Que época nós estamos falando?

R – Esses programas malucos do governo, esses planos, né?

P/1 – Então, nós estamos falando de que ano, senhor Fortunato?

R – 1987... A desvalorização cambial, isso ajudou muito. No meu caso, a administração compartilhada porque eu ficava aqui e, uma parte, eu deixava administrar em Belém. Pensei que controlava tudo, mas não controlava. Mas sou eu o responsável, eu fui o responsável. O Amoy teve problemas nessa área, mas acho que também influenciou muito o problema de família; o Isaac adoeceu, ficou praticamente cego.

P/1 – Já nessa época, nos anos de 1980?

R – É. O Mauro teve problemas com a família, com a esposa. Eles se separaram, aí, a coisa fica bem mais difícil. Enquanto nós nos unimos, eles se separaram.

P/1 – Os filhos não ajudaram a assumir?

R – Não, na minha opinião, não. Infelizmente, não.

P/1 – Mas o auge da crise foi em 1987?

R – É.

P/1 – O que houve? Uma desvalorização cambial?

R – O Plano Collor.

P/1 – O Plano Collor foi em 1990, 1991? Foi o Plano Collor, pegou o dinheiro de todo mundo?

R – É, mas antes ele já vinha, aquela loucura da inflação, aquilo tudo, né?

P/1 – O que é que isso acarretou no seu negócio?

R – Eu tive que parar os negócios...

P/1 – Mas antes, o senhor ficou com dívida?

R – Fiquei com dívida, enfrentei, paguei algumas; outras, eu questionei os juros, a correção monetária; algumas chegamos em acordo e algumas, até hoje, perduram discussão na justiça.

P/1 – Isso começou em 1987? O auge da sua crise foi nesse ano? Ou o Plano Collor ainda pegou...

R – Não, foi em 1989, 1990. Mas não fugi, não me escondi. Talvez, se eu tivesse tirado uns anos de férias, eu estivesse hoje muito melhor.

P/1 – Por quê? O que é que houve?

R – Continuei trabalhando, procurando pagar. O que eu ganhava, eu pagava dívida, pagava dívida. Então, eu estava sempre descapitalizado. Se eu tivesse parado, eu me capitalizava com os recursos que eu tinha e aí eu entrava no negócio com folga ou tranquilo. Eu ganhava dez, pagava uma conta de dez; eu ganhava 20 e pagava uma conta de 15...

P/1 – Mas o senhor não tinha patrimônio, recursos, nessa época?

R – O patrimônio, os bancos levaram tudo em garantia. Os que eu fui pagando, eu fui liberando... Vendi bastante patrimônio pra pagar conta.

P/1 – E isso aconteceu com a família Amoy também?

R – Isso aconteceu com a família Amoy também.

P/1 – E com a família Benisha também?

R – Não. O Benisha não teve esse problema.

P/1 – Por quê?

R – Porque ele, muito antes disso, diminuiu substancialmente o negócio. Então, quando o terremoto veio, ele estava agasalhado, aguardando para ver o que acontecia.

P/1 – E o senhor teve que passar por essa trovoada. Isso foi de 1987 até...

R – Não foi trovoada, não. Foi um tsunami muito grande. Acho que com maior intensidade que aquele que deu na Ásia; logo acompanhado por um terremoto que se não é maior a proporção dos estragos, é igual ao do Haiti.

P/1 – Nessa época, o seu pai estava vivo?

R – Não. Graças a Deus, não. Não sofreu esse abalo que, com certeza, ele sofreria.

P/1 – O senhor sofreu muito?

R – Muito.

P/1 – Por quê? O que o senhor se lembra dessa época? O senhor dormia?

R – Dormia. Graças a Deus, dormia. Porque eu tinha uma certeza: não roubei ninguém, não intenciono enganar ninguém. Isso me dava uma tranquilidade.

P/1 – Mas o senhor ficou com medo de perder tudo, de ficar pobre, isso dava no senhor...

R – Não. Eu nunca fiquei com medo de ficar pobre. Porque a condição de ser pobre honrado é um comparativo bem próximo de ser rico e bem sucedido. Eu ficava com preocupação de ser pobre desonrado. Isso é que me preocupava.

P/1 – Tipo pobre com dívida?

R – É. Não a dívida em si, o conceito. “Foi safado, me roubou, roubou banco tal.” Não. Isso é que me preocupava. E nos embates com os bancos, os próprios bancos não me acusavam de safadeza; diziam, eles mesmos, que era a conjuntura econômica... Um banco só pediu a minha falência, a juíza concedeu a minha falência, ao término do expediente, ela chamou a secretária dela e disse: “Passou por mim um processo do Chocron. Traz pra mim.” E ela fez uma lauda que foi como um salvo conduto. Ela anulou o primeiro despacho dela, fez quase uma página de elogios ao meu procedimento, que ela conhecia porque tinha sido juíza aqui e indeferiu o pedido de falência. Quando isso chegou ao Fórum, todos os bancos corriam e diziam: “Olha, se a juíza escreve isso, nós temos que ter mais cautela nos nossos procedimentos. As nossas petições não podem ser violentas contra ele. Olha o que ela diz, o que a Justiça diz.” Muitos procuraram acordo, outros preferiram deixar o tempo correr. A crise não foi só nossa, então, eles tiveram outros tsunamis na vida. Então, esqueceram um pouco o Fortunato. O tempo, que é o senhor de tudo, amainou a crise, os acalmou, me acalmou. Eu comecei a ver o caminho, os bancos começaram a entender que não tinham se acabado por minha causa... Também começaram se acabar, uns recorreram ao Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Sistema Financeiro Nacional), outros foram encampados; então, quando eu encontrava aqueles gerentes que me acusavam: “Mas, rapaz, vocês eram tão honestos... O que aconteceu com vocês? Eu era desonesto; vocês me acusavam de desonesto, mas vocês que eram o padrão de honestidade, o que aconteceu? Eu ainda existo, com todos os problemas, eu ainda existo. Vocês não existem mais, já foram encampados, até por um real... O que houve? Que conceito é esse?”

P/1 – O senhor falou que começou a ver o caminho, que caminho foi esse?

R – Voltar para a juta, voltar para a castanha, para a minha criação de gado.

P/1 – Por que antes o senhor estava fazendo isso também, não?

R – Estava fazendo isso.

P/1 – Mas aí o senhor falou, vou recomeçar?

R – Vou recomeçar. Com a ajuda da minha mulher, dos meus filhos recomeçamos.

P/1 – Mas recomeçou o quê? O senhor reabriu a usina, a fábrica de castanha?

R – Fizemos uma parceria, reabrimos a usina trabalhamos, trabalhamos, trabalhamos...

P/1 – Em 1991, que vocês retomaram?

R – E trabalhamos, trabalhamos, trabalhamos...

P/1 – E lojas o senhor não...

R – Não, eu nunca tive lojas.

P/1 – A sua ideia sempre foi...

R – Indústria. Meu pai tinha uma loja bonita mas eu não assimilei isso.

P/1 – O senhor vendeu a loja depois que ele morreu? O que é que aconteceu?

R – É. Acabei... Fui vendendo as coisas, não tinha...

P/1 – Aí o senhor retomou a castanha, a juta, não? Retomou a juta?

R – Retomei a juta.

P/1 – E retomou a juta, a castanha e?

R – A criação de gado. Vagarosamente, o gado nos ajudou, nós tínhamos vendido uma boa parte, recompomos um pouco, estamos aí na batalha.

P/1 – O senhor saiu da crise?

R – Não. Saí pra ir a Belém resolver problema, fui a São Paulo resolver problemas, mas nunca aceitei a ideia de ir embora. E, várias vezes, fui convidado: “Vai embora, vamos pro Acre, vamos pra São Paulo...” “Não. Vou ficar aqui. Aqui eu ganhei, aqui eu perdi, aqui eu vou ganhar.”

P/1 – E o senhor gosta de Óbidos?

R – Muito. Muito, mas muito mesmo. Sou muito respeitado, nunca ouvi um gracejo quando estive em grandes dificuldades, sempre recebi muito apoio dos meus funcionários, muito apoio, isso nos ajudou muito. Essas foram algumas compensações. Aí, vieram também os netos que me encheram de alegria, então quando eles estavam comigo aquelas mágoas iam desaparecendo ou eu esquecia por algum período, né? Com a minha volta, muitas vozes que me acusavam foram obrigadas a calar, não é?

P/1 – O senhor teve quantos filhos com a Dona Ana?

R – Quatro. Dois casais.

P/1 – Então, fala pra mim o nome deles?

R – Meire, Abraão, Salomão e Ana Amélia.

P/1 – E eles estudaram, cresceram aqui em Óbidos?

R – Não. Foram pra Belém estudar...

P/1 – Eles foram internos também?

R – Não. Eles foram internos num período anterior, antes da minha crise. No período de crise, eles já estavam estudando em Belém. Lutaram, trabalharam, foram obrigados a fazer grandes sacrifícios. Passou.

P/1 – Hoje tá tudo mais regularizado?

R – Mais calmo, bem mais calmo. O tsunami passou, está se reconstruindo vagarosamente tudo; o terremoto derrubou um pouco, nós também estamos reconstruindo a área do terremoto e estamos batalhando, estamos batalhando. Modernizamos a nossa indústria, se não é a mais moderna do Brasil é a segunda mais moderna, mas no Ministério da Agricultura é a mais moderna do Brasil. Temos uma parceria muito boa com uma firma de São Paulo...

P/1 – Pra fazer o quê?

R – Ele é o distribuidor de toda a castanha e ele compartilha com uma grande parte do capital pra compra da castanha.

P/1 – Isso ajudou a sair da crise, essa parceria?

R – Muito, muito.

P/1 – Como é que foi que o senhor descobriu essa parceria?

R – Essa parceria foi descoberta com um namoro de cinco anos. Ele nos ligava nos propondo pra nós beneficiarmos castanha pra ele e eu dizia: “Mas antes de nós beneficiarmos, tu vens conhecer a indústria e nos conhecer.”

P/1 – E ele nunca vinha?

R – Primeiro ano, segundo, terceiro, quarto... No quinto: “Se eu for aí, vocês beneficiam castanha pra mim?” “Não. Este ano nós já temos compromisso, mas nós deixamos em aberto o próximo ano.” Aí ele veio conversou conosco e nos propôs comercialmente: “Quanto vocês precisam pra quebrar esses acordos que você tem?”

P/1 – Vocês tinham um acordo com outro distribuidor?

R – É. “Nem um centavo. Se nós fizermos isso com ele hoje, vamos fazer isso contigo amanhã. Olha, se tu quiseres para o ano...” E, no início do ano, eu liguei pra ele. Liguei primeiro pro parceiro antigo: “Vamos trabalhar?” “Não.” No outro dia, eu liguei e disse: “Olha, vou perguntar pela segunda vez: vamos trabalhar?” “Não e não insiste.” “Tudo bem.” Liguei pra ele e disse: “Olha, podemos fazer um negócio.” “Está fechado, então.” Fechamos verbalmente, aí o parceiro antigo voltou e disse: “Como é? Vamos trabalhar?” “Agora, por preço nenhum. Agora, nós já temos compromisso.”

P/1 – Mas por que o parceiro antigo tinha dito não?

R – Porque eu acho que pensou que sem ele nós iríamos morrer novamente, né? “Não, agora não tem mais.”

P/1 – E esse parceiro distribuía em São Paulo também?

R – No mundo todo. Aí ficamos com esse parceiro, aliou-se a capacidade dele, a visão dele, com os nossos conhecimentos, né? Aliou-se o temperamento dele, de ser excessivamente trabalhador e honesto, com o nosso de trabalhador e estamos aí, caminhando. Ele, graças a Deus, tem tido grandes progressos, excelente progresso, excelente reputação e ganhamos nós e ganha ele. Nós ganhamos dez, ele ganha 100, e Deus o ajude, quanto mais ele ganhar, mais felizes nós ficamos.

P/1 – O que o senhor mais gosta de fazer na vida?

R – Estar com a minha mulher e trabalhar.

P/1 – Então, o senhor está feliz, né?

R – Muito feliz. Está aí um exemplo. O que mais um homem com 70 anos pode querer? No dia do aniversário, está a irmã da minha mãe, o meu irmão que foi sempre um exemplo pra nós, a minha mulher, os meus filhos, os meus netos. Acho que eu posso dizer que eu não vivi em vão, né? Não vivi em vão.

P/1 – O senhor viajou muito assim pra fora do Brasil?

R – Não, não viajei nunca.

P/1 – Nunca?

R – Não.

P/1 – Não teve vontade?

R – Não tive vontade, porque oportunidade eu tinha demais, né? Não tive vontade até porque eu achava que naquelas ocasiões, eu ainda não tinha consolidado o meu negócio.

P/1 – E férias, o senhor tirava?

R – Férias, tiramos uma vez, mas foi quatro ou cinco dias.

P/1 – O senhor foi pra onde nas férias?

R – Fomos pra Fortaleza, levamos os filhos...

P/1 – E o senhor achou bom?

R – Eu achei ruim.

P/1 – Achou ruim?

R – Eu não aprendi a passear. Eu não sei passear.

P/1 – O senhor sente o quê? Fica intranquilo?

R – Eu não vejo graça. Eu só aprendi a trabalhar com o meu pai. Não aprendi a passear. É como alguém que não sabe dançar, vai pra uma festa, que graça ele acha? Não deve ter graça nenhuma.

P/1 – Graça mesmo está em trabalhar?

R – E estar com a minha mulher, estar na minha casa. Isso era uma das coisas que eu usava o meu dinheiro. Estava em Belém, digo: “Eu vou passar o fim de semana com a minha mulher lá em Óbidos.” E vinha embora, fretava avião, vinha ficar na minha casa com ela. Esse era o meu prazer. Os amigos convidavam, os gerentes de banco: “Vamos pra São Luís, vamos...” “Eu não vou pra lugar nenhum. Eu vou pra Óbidos.” “Chocron, está maluco?” “Vou pra Óbidos.” Sempre viajei a trabalho levando-a comigo, que eu achava que era a única companhia que eu gostaria de ter...

P/1 – Quantos anos vocês tem de casados?

R – 46 já. Agora, imagina, a senhora, a minha paciência, o tamanho da minha paciência! (risos)

P/1 – Parabéns. Qual é o seu sonho para o futuro?

R – O meu sonho? Consolidar nossa empresa pro meu filho ficar.

P/1 – O senhor quer que a empresa exista?

R – Exista e que ele seja o dono da empresa e que ela tenha conceito e que ela tenha calado todas as bocas que algum momento nos feriram, sem represália, sem mágoa, sem rancor, mas com o nosso exemplo, que nós somos honestos, que nós somos trabalhadores. Escorregamos, podemos ter quebrado um dedo do pé, mas depois consertamos e continuamos. Não fugimos, assumimos todos os nossos erros, pagamos por eles e vamos trazer das cinzas a nossa empresa de volta. E, cabe ao filho, os louros disso, porque foi ele que ajudou, foi ele que esteve do meu lado, e à Dona Ana, que foi a luz que iluminou tudo.

P/1 – Antes de a gente fazer uma imagem, eu queria fazer uma imagem sua com a Dona Ana. O senhor gostou de contar um pouco da sua história, o que o senhor achou? Achou importante?

R – Importante porque eu acho que outros se ouvirem esse momento de luta, se servir pra eles como incentivo, já vale. Porque eu lamento que eu conheci muitos companheiros de trabalho, que tiveram problemas e não tiveram forças ou que tiveram problemas e não tiveram a sorte de que a família se unisse e ele criasse força pra vencer. Se isso servir pra alguém, já me dou por feliz, por recompensado. Extremamente recompensado. Agora, acresça-se a tudo isso que eu não perdi, em nenhum momento, a fé em Deus. Eu sempre achei que Deus ia me ajudar a me recuperar porque eu tinha certeza que eu não tinha feito nada errado. Quando eu conversava com Deus, eu dizia: “Eu tenho certeza disso e tenho certeza de que Você vai me ajudar e nós vamos...” E está aí. A vitória não é só dinheiro, não é? A vida não é só dinheiro. A vida é chegar lá ver 70, 100 pessoas trabalhando e: “Pôxa, graças a Deus, todos comem e bebem porque eu me recuperei e estou trabalhando.” É ver um caboclo chegar comigo e: “Pôxa, Seu Chocron, graças a Deus, o senhor voltou. Paga pelo meu produto um preço justo, não me suga, me trata como gente, tinha muita saudade do senhor.” Pronto. Estou recompensado. O que mais eu quero? Isso, eu ouço muito. Fregueses que foram meus, depois sumiram; 20 anos depois, voltaram: “Soube que o senhor está trabalhando, vim trabalhar com novamente com o senhor.” Isso é bastante, isso é a vida, né? Isso é a vida.

P/1 – É verdade.

R – É. Não preciso mais nada, uma família feliz. Os 70 anos corou de êxito tudo que eu imaginei, nunca imaginei que teria essa felicidade. Agora é só trabalhar, conservar o amor da minha mulher, amá-la a cada dia mais, que eu digo pra ela que hoje eu a amo mais do que quando eu a conheci e nesse amor também vai gratidão, vai respeito. Essa é a vida!

P/ 1 – A senhora não concorda, acha que a vida não é só trabalho...

R/2 – Ah, tem que ter outras coisas, tem que ter divertimento, não é só trabalho. Então, eu discordo muito dele.

P/1 – Vocês brigam por causa disso?

R/2 – Não, não brigamos, mas eu discordo dele, porque eu acho que, tudo tem que ter um certo limite. Ele, a vida dele é trabalho, cinco horas da manhã, almoça, vai pra usina, então eu não acho isso.

R – Mas esse é o meu compromisso de vida, foi erguer a minha empresa com o meu sacrifício. Eu sou o responsável maior pelo o que aconteceu. Então, eu tenho que dar o melhor, com sacrifício, com imenso sacrifício, pra voltar àquilo que eu tinha compromisso de fazer.

R/2 – A vida dele é essa: daqui pra usina e da usina pra cá. Ele não vai a lugar nenhum, então não é certo, fica uma pessoa talvez estressada, só pensando em problemas, a sorte é que ele dorme muito bem (risos)! Onde sentou, deitou, está tudo certo, então ele leva essa vantagem muito grande. Quando dão às cinco horas da manha, já está de pé, mas é isso. Ele não tirou férias, ele diz que só vai tirar férias quando morrer, que vai ter muito tempo de férias.

R – Mas aí não vão ser férias comuns, não. Vou receber o FGTS, vou receber... (risos) Fazer uma conta só, salário desemprego, é tudo de uma vez só! Mas é um compromisso muito grande, a senhora sabe? Quando eu levanto, ela diz: “Mas tu tens uma disposição...” “Não, eu tenho uma obrigação muito grande.”

R/2 – Eu acho assim, já tem o filho. O filho já pode fazer muita coisa já.

P/1 – A senhora quer que ele descanse?

R – Mas eu tenho que ajudá-lo. Tenho que estar presente pra ele saber que eu estou lá firme, do lado dele. Que nós dois somos os responsáveis, mas que eu tenho que estar lá. Se ele precisar ir pra Santarém ver a família, eu fico lá.

P/1 – A família dele está em Santarém?

R – É. Os filhos estão estudando lá. “Vai filho e eu fico aqui.” Eu garanto, eu ainda garanto.

P/1 – Está bom senhor Chocron, tem mais alguma coisa que o senhor gostaria de dizer?

R – Não. Sou um homem realizado, né? E vou completar essa realização quando entregar pro meu filho a firma totalmente em ordem.

P/1 – Com certeza o senhor vai.

R – Com certeza.

P/1 – Muito obrigada.

R – De nada. Obrigado eu.