Museu da Pessoa

Uma viagem que já dura mais de 30 anos

autoria: Museu da Pessoa personagem: Carlos Alberto Galhardo Sarli

Programa Conte Sua História
Depoimento de Carlos Alberto Galhardo Sarli
Entrevistado por Rosana Miziara
São Paulo, 21/06/2017
Realização: Museu da Pessoa
PCSH_HV591_Carlos Alberto Galhardo Sarli
Transcrito por Karina Medici Barrella
Revisado por Raquel de Lima

P/1 – Bom, Califa, Carlos Alberto, vou começar da maneira mais prosaica possível.
Você pode falar o seu nome completo, local e data de nascimento?

R – Meu nome é Carlos Alberto Galhardo Sarli. Eu nasci em São Paulo, capital, em
13 de agosto de 1959.

P/1 – Qual é o nome dos seus pais?

R – Meu pai é Antônio Sarli Neto e a minha mãe, Carmen Galhardo Sarli.

P/1 – Os dois são de São Paulo?

R – Meu pai é nascido em Ribeirão Preto e minha mãe é de São Paulo.

P/1 – Vamos falar um pouquinho dos seus avós, a sua origem familiar. Os seus avós
paternos que são de Ribeirão Preto, são imigrantes?

R – Eles são imigrantes... Na verdade, acho que meus bisavôs eram imigrantes,
meus avós já foram nascidos aqui.

P/1 – Vieram de onde?

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R – Vieram da Itália. Minha avó foi a única avó que eu conheci, Gemma Sarli. Ela é
de Ribeirão Preto e o meu avô, que eu não conheci, também se chamava Antônio.
Eu, sinceramente, não sei se ele é nascido em Ribeirão.

P/1 – Mas você sabe o que ele fazia? Que vida eles levavam lá em Ribeirão, você
conhece um pouco?

R – Eles trabalhavam no comércio, o que meu pai também seguiu. O meu pai foi
contador e foi comerciário. Ele trabalhou... Eu conheci como comerciário trabalhando
numa loja lá no centro de São Paulo, na Conselheiro Crispiniano. Depois ele virou
gerente de rede de lojas de eletrodomésticos, a Gabriel Gonçalves.

P/1 – Era comércio de quê? O que ele tinha? Era do seu avô?

R – Não, não. Ele não sucedeu o meu avô, não. Meu avô, eu sei que ele trabalhava
nesse ramo, mas eu não sei exatamente no quê. Meu pai foi comerciário, ele
trabalhou primeiro nessa loja de ferragens lá no centro de São Paulo, perto do
Teatro Municipal, e depois trabalhou nessa rede de lojas de eletrodomésticos.

P/1 – Qual?

R – Gabriel Gonçalves.

P/1 – Gabriel Gonçalves!

R – É. Ele foi gerente em algumas das unidades, algumas dessas lojas.

P/1 – Esses são seus avós paternos. E seus avós maternos?

R – Meus avós maternos, eu não conheci nenhum dos dois. Minha avó se chamava
Lourdes e meu avô se chamava Elias. Mas eu não cheguei a...

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P/1 – Mas você sabe um pouco da origem deles, o que eles faziam, a história deles?

R – Não. Sinceramente não, não tenho registro da história dos meus avós maternos.

P/1 – Você sabe como seu pai e sua mãe acabaram se conhecendo?

R – Minha mãe era enfermeira, trabalhou no Sesc, Serviço Social do Comércio,
como enfermeira, e meu pai era comerciário, ele frequentava o Sesc. Ele conheceu
a minha mãe, que era viúva do primeiro casamento, ela tinha dois filhos. Eu sou o
segundo filho do segundo casamento da minha mãe. O meu pai conheceu minha
mãe, se casou com ela. O segundo casamento dela.

P/1 – Com os dois filhos que ela tinha.

R – Com os dois filhos que ela tinha.

P/1 – Vocês são em quantos? Os dois do primeiro...

R – Os dois do primeiro e os dois do segundo.

P/1 – Quando eles casaram, eles foram morar onde? E quando você nasceu?

R – Eu nasci no Brás. Eu nasci numa maternidade que eu acho que não existe mais,
na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, e fui morar no Brás. Meu primeiro endereço foi
no Brás, ali perto da região de comércio mesmo, de roupas, acho que se chama Rua
Rubino de Oliveira a rua, num prédio ali. Outro dia eu passei em frente, estava
passando ali na região, dei uma desviada pra ver se continuava lá, em pé. E está lá.
Depois, a gente se mudou pro Belenzinho.

P/1 – Até quantos anos você morou lá?

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R – Eu acho que eu fiquei lá de zero a cinco anos, zero a seis anos.

P/1 – Você tem lembranças de como era esse prédio?

R – Tenho, tenho. Era um prédio de três andares com escada pros dois lados. Tinha
poucos apartamentos, mas tinha duas escadas, uma para cada lado. Acho que tinha
seis apartamentos por andar. Eu tenho registro dele, eu me recordo do apartamento,
do prédio.

P/1 – Como era por dentro?

R – Era pequeno, apartamento de dois quartos, uma sala comprida, aí saía um
corredor e dois quartos, uma cozinha e um quintalzinho no fundo.

P/1 – Quem morava lá? Seu pai, sua mãe?

R – Nessa época, moravam meu pai, minha mãe, meu irmão, minha irmã e eu. O
outro irmão já era um pouco mais velho e já não morava com a gente.

P/1 – Como é o nome dos seus irmãos?

R – Meu irmão mais velho, já falecido, se chamava Ezequiel. A minha irmã, Danilza,
que hoje mora em Águas de São Pedro, meu irmão Luís, que já é do casamento
com o meu pai Antônio, e eu.

P/1 – Moravam vocês três lá?

R – Morávamos nós cinco.

P/1 – Vocês cinco, três filhos.

R – É.

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P/1 – Vocês três dividiam um quarto?

R – Nós três dividíamos um quarto, isso.

P/1 – Você tem lembrança do bairro, do Brás?

R – Tenho. Eu era pequeno, não cheguei nem a frequentar escola lá. Pouco tempo
depois, eu passei a frequentar, mas já tinha mudado.

P/1 – Pro Belém.

R – Pro Belém. Frequentava um pré-primário. Não, antes do pré-primário é...

P/1 – Jardim.

R – Jardim de infância, ali no Belém mesmo, na Avenida Celso Garcia. Era do Sesc,
se não me engano, foi a primeira frequência de escola que eu tive, numa pracinha,
perto de um hospital, eu tenho alguma memória de lá.

P/1 – Você morou quanto tempo no Belém?

R – No Belém, eu mudei pra essa casa com cinco, seis anos e morei lá até os 20, 21
anos.

P/1 – Como era o Belém naquela época?

R – Era muito residencial, não tinha o movimento que hoje existe, quer dizer, a gente
ainda podia brincar na rua, jogar futebol. Depois, andar de skate. Era muito
residencial. Eu estudei em colégio público ali na região, até o ginásio.

P/1 – Que colégio?

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R – O ginásio na Escola Estadual Oswaldo Catalano. Fiz o ginásio lá, depois eu fui
estudar no Colégio Objetivo. No colégio eu passei a estudar no Objetivo. Ia de
ônibus ou de carona ao Objetivo da Avenida Paulista e fiz o colégio na Avenida
Paulista. Mas nessa época, no Belenzinho, eu vivia ali, tinha uma vida bem de
bairro, frequentava o Corinthians, fui sócio do Corinthians, sou corintiano. Tinha as
amizades lá, algumas até... Esta semana encontrei um amigo dessa época,
curiosamente, ele trabalha na indústria onde eu atuo. A gente precisou de uma
interferência dele, ele trabalhava com tinta pra indústria gráfica, encontrei o Peixe,
que era um amigo de infância com quem eu ia ao sítio em Itaquera. Na época que
Itaquera era região rural e um avô dele tinha um sítio lá, a gente ia passar finais de
semana, umas temporadas. Mas, com essa turma que eu convivi até os 20 anos e
tal, eu tenho pouco contato.

P/1 – Como era na sua casa, quem exercia a autoridade, seu pai ou sua mãe?

R – Eu diria que era dividido. Meu pai era mais ausente, ele ficava o dia inteiro fora,
trabalhava inclusive aos sábados. Minha mãe parou na enfermagem quando a gente
se mudou pra essa casa, meu registro é que minha mãe virou do lar, virou dona de
casa. Então, minha mãe era mais presente e mais ativa na nossa educação e no
comando da casa. O meu pai trabalhava, saía de manhã e voltava à noite, era pouco
participativo no dia a dia. Nos fins de semana a gente tinha mais contato, ele
gostava de esporte, jogava vôlei, gostava de ir com a gente à piscina. Meu contato
com meu pai nessa fase de infância, adolescência, era mais nos finais de semana,
eventualmente, nas férias. E o dia a dia com a minha mãe, que é viva, tem 93 anos,
muito religiosa, espírita, filantropa. Ela fazia muitos chás beneficentes, tinha uma
atividade filantrópica que ela ainda tenta, mas hoje ela está bastante limitada de
saúde, mas ela fez isso durante muitos anos. Fazia esses chás regularmente,
juntava recursos e doações e saía, especialmente nos finais de ano, distribuindo na
periferia. Isso ela fez muito em instituições ligadas a centros espíritas, casa
transitória no centro espírita de São Paulo. E uma outra escola chamada, acho que
Paz e Amor. Ela tinha essa relação com...

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P/1 – Naquela época?

R – Naquela época e até recentemente, até agora.

P/1 – Nessa época, quando vocês eram pequenos, ela já era espírita?

R – Sim.

P/1 – Vocês tiveram algum tipo de formação?

R – Tivemos essa formação, sim. Até de um jeito muito impositivo, que me
incomodava demais. Talvez por isso, hoje a minha religião, você me perguntou há
pouco, eu não tenho uma religião. Eu tenho minhas crenças, eu sou agnóstico, eu
diria, mas eu tenho minhas crenças de fazer o bem, de acreditar que o que você faz
te retorna, especialmente para o próximo. Então, eu procuro ter um olhar muito
positivo para com as pessoas, com as minhas relações, para que isso tenha
reciprocidade, isso seja de mão dupla. Mas eu não sou uma pessoa voltada pras
questões espirituais, eu procuro praticar um pouco de meditação, apesar das minhas
limitações nesse campo, mas eu não sigo nenhuma religião e acho que essa
conduta mais impositiva da minha mãe teve um efeito inverso. Acabou me
distanciando bastante de seguir uma linha religiosa.

P/1 – Vocês comemoravam festas na sua casa? Aniversário, Natal?

R – Sim. Sim. Aniversário, até uma certa idade. Mas Natal, com certeza. Eu comecei
a viajar sozinho muito cedo, com 15, 16 anos eu já dirigia a minha rotina. Réveillon,
passagens de ano, já com 16 anos, daí pra frente, eu já não passava mais com a
família.

P/1 – Você se lembra de algum Natal?

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R – Lembro, lembro.

P/1 – Conta um que você lembra. Como é que era?

R – Lembro do ritual de montar a árvore de Natal, uma árvore prateadinha com as
bolas coloridas, tinha esse ritual. Era a data que a gente procurava encontrar uma
felicidade, um momento mais divertido, que de fato não era rotina habitual na minha
família, na relação entre os pais e mesmo entre os filhos, a gente tinha uma vida
mais dura. Como eu te falei, o meu pai era mais ausente e minha mãe mais durona,
cobrava demais certas questões de estudo, nessas leituras e nas atividades
relacionadas às questões religiosas, que eu tinha uma resistência. Isso acabava
sendo uma dificuldade de relacionamento que norteou esse meu direcionamento
para uma conduta mais individualista. Meu irmão também era muito intimista, muito,
queria brincar sozinho, tinha essa postura mais individualista.

P/1 – Vocês não brincavam juntos?

R – Brincava com amigos na rua, mas quando estava em casa, ele era mais na dele.
Essa ausência do meu pai e essa postura mais dura da minha mãe acabavam que
não contribuíam para essa harmonia. Na verdade, desde a infância, eu percebia
nessas festas, troca de presentes e essa comemoração, uma coisa artificial, nunca
foi um evento verdadeiro, sabe, como eu entendia que poderia ou deveria ser.
Então, nunca acreditei muito na essência do Natal. Logo eu descobri que o Papai
Noel não existia. Dentro de casa não existia muito o prazer dessa comemoração,
sabe?

P/1 – Você encontrava primos, tios, tinha esse convívio?

R – Sim.

P/1 – Como era esse convívio?

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R – Principalmente da parte de pai, tinha uma parte da família do meu pai em
Atibaia, que era um lugar onde eu me divertia. Passei férias lá, eu tinha um primo
que era um pouco mais velho. Eu ia pra lá com 13, 14 anos, moleque até, mais
novo, e esse meu primo já tinha 16, por aí, ele tinha moto, ele era uma referência
pra gente. Era superdivertido, porque lá a gente tinha mais liberdade, cidade do
interior, Atibaia há 40 anos, ou mais, era um lugar muito tranquilo, com muita
liberdade. A gente saía de moto, saía de bicicleta, ia pro mato e era bastante
divertido nessa fase, quando a gente passava lá os finais de semana. Tinha primo,
especialmente esse Wilton, que era três, quatro anos mais velho do que eu, que era
um garoto muito bem relacionado com a cidade, com as pessoas da cidade, então
era muito divertido ir pra lá. A gente passava carnavais lá.

P/1 – Você lembra de algum carnaval, alguma história específica que você viveu
com ele?

R – Ah, carnaval de clube no interior, tinha as matinês nos clubes, se fantasiar de
índio e ir brincar nos clubes, era o momento lúdico. Eu tenho registro dessas
brincadeiras, de conhecer pessoas novas e ter uma liberdade. Em São Paulo eu era
bem mais restrito. Então, esses são momentos interessantes dessa minha fase de
pré-adolescência e adolescência.

P/1 – Que lembranças você tem da escola? Você disse que você estudou no
primário numa escola pública perto da sua casa. Como era essa escola, você ia a
pé? Como você ia pra escola?

R – Ia a pé. Tinha um pátio bem grande, no intervalo a gente corria, brincava, chão
de terra. Professoras, eu me lembro de uma em especial, dona Neide, acho que
marcou mais porque foi logo uma das primeiras. Mulher do diretor da escola, seu
Acácio. O que eu lembro bem nessa época é que eu jogava futebol, eu gostava
muito de jogar futebol, acho que eu fui bom de bola durante algum tempo. Eu fui
voltar a jogar já bem mais velho, porque eu parei um bom tempo de jogar futebol.
Mas nessa época, eu era dedicado a isso, eu gostava de esporte desde sempre. Os

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intervalos e a prática da Educação Física, na época, eram algo que eu curtia
bastante. Eu era bom em Artes. Nessa época, eu ainda era bom aluno (risos), eu
diria que até o colégio eu fui bom aluno. Depois o Objetivo. Quando eu cheguei
nessa fase, era pra entrar na faculdade.

P/1 – O que você lembra da dona Neide?

R – Não sei, nessa fase, infância, uma pessoa que te dava um pouco mais de
atenção, um pouco mais de carinho, foi algo que, pra mim, marcou. Eu acho que foi
essa atenção, esse olhar mais carinhoso mesmo, mais generoso. Eu era bom aluno
nessa época, ela tinha uma atenção especial comigo, acho que por conta disso ela
me marcou.

P/1 – E os amigos?

R – Minha irmã me ajudava bastante, minha irmã mais velha que morava ainda com
a gente nessa fase, me ajudava bastante na escola. Ela é quem me ajudava nas
lições, que me incentivava mais, era bem presente nessa fase da vida.

P/1 – Sua diferença com seu irmão é de quanto tempo?

R – Meu irmão mais próximo, de um ano e meio.

P/1 – Ele também estudava na mesma escola?

R – Sim.

P/1 – Vocês brincavam lá, vocês eram da mesma turma?

R – Ele estava um ou dois anos na frente. No intervalo a gente se encontrava, mas
não era exatamente da mesma turma, não.

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P/1 – Qual era a rotina na sua casa? Você ia pra escola, brincava, você tinha horário
pra estudar, como é que você se organizava?

R – Eu ia à escola de manhã, era perto de casa. Acordava cedo, ia pra escola,
voltava pro almoço. À tarde fazia lição e brincava em casa, brincava na rua. Em casa
também tinha um quintal grande, a gente punha uma rede de vôlei, uma tabela de
basquete, depois skate. Era essa rotina, estudar um pouco à tarde, brincar na
medida do possível, até minha mãe ficar incomodada por que a gente estava
quebrando as plantas dela, o vidro ou qualquer coisa assim (risos). E restringir, pôr
de castigo e a gente ter que parar com o que vinha fazendo.

P/1 – Você tem memória de sabores da infância, de comida?

R – Tenho. Minha irmã gostava de cozinhar também. Minha irmã, você está
percebendo, era bem presente na minha educação. Ela, cedo, começou a cozinhar e
ela fazia um feijão muito especial, até hoje ela faz, era muito marcante pra mim, na
época, ter essa comidinha fresquinha, a gente se servia na panela. O trivial, não
tinha nada muito especial nessa fase da vida, a culinária era bem trivial. Eu sempre
gostei de fruta e isso tinha em casa. Aprecio até hoje, foi um hábito que eu procurei
passar pras minhas filhas, salada, frutas. Nessa época, tinha facilidade de feira e de
gente que passava na rua oferecendo, vendendo coisas plantadas ali na região
próxima, ainda tinha essa coisa meio rural, próxima, de hortas. Isso era uma
facilidade gostosa que tinha na época e que minha mãe sabia fazer proveito. Isso
era o que a gente tinha de padrão de alimentação.

P/1 – Falava-se de política na sua casa?

R – Meu pai era bastante politizado, acordava com o jornal, sempre assinou. Ele
assinava Folha de São Paulo. Eu assino até hoje, acabo sendo mais da Folha do
que do Estado de São Paulo, mas ele sempre seguiu a Folha. Ele procurava discutir
um pouco com a gente. Época da ditadura forte, ele era uma pessoa muito contida
também, então, apesar de compartilhar um pouco das informações relativas a isso,

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ele não era muito participativo, ele aparentemente era acomodado com a situação
política, ele convivia com a ditadura de uma forma complacente ou passiva. Tinha lá
seu emprego, uma estabilidade, não tinha grandes pretensões, aparentemente. Vivia
uma vida muito estável, sem maiores ambições, eu diria. Isso no campo político
também, ele era uma pessoa informada, procurava dividir um pouco desse tipo de
informação com a gente, mas ele não foi muito ativo na nossa educação. O principal
registro que eu tenho do meu pai é de uma pessoa muito correta nas situações,
muito competente naquilo que se propunha a fazer, rigoroso e controlado, muito
honesto e ético, uma pessoa muito correta nas questões mais básicas que ajudaram
a me nortear um pouco, um bocado do que eu acabei sendo profissionalmente.

P/1 – Você se lembra de alguma história, algum episódio com seu pai que tenha te
marcado? Algum acontecimento nessa época de infância a adolescência?

R – Nessa época de infância, era mais esse prazer pelos esportes. Ele procurava
sempre incentivar a gente com desafios, nadar mais pelo fundo da piscina, praticar
esporte, esse tipo de incentivo ele sempre deu.

P/1 – Você tem algum causo com ele que você lembra?

R – Eu lembro de ter subido com ele no trampolim da piscina e ele me desafiar,
incentivar a saltar de lá. Isso é algo que eu me lembro agora, você me perguntando,
e depois indo bem além disso. A primeira plataforma, aquilo já foi um tremendo
desafio que ele puxou. Ele nadava bem, pessoa atlética fisicamente, bem atlético. E
que outros episódios? É que tem outros episódios mais recentes do meu pai, mas
nessa época, como eu disse, ele não era tão participativo, então...

P/1 – Essa piscina era onde?

R – No Corinthians. Ainda no Corinthians, que era o clube que a gente frequentava
na época.

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P/1 – E com a sua mãe? Algum episódio que tenha te marcado? Ou alguns
episódios?

R – Minha mãe tinha isso de ser uma pessoa muito religiosa. O que me incomodava
era que o discurso era muito coerente, mas a prática, eu não via tanto essa
coerência. Isso que me incomodava. Do ponto de vista dos ensinamentos teóricos,
nesse aspecto, ela pregava algo que tinha uma essência, tinha uma verdade que
poderia fazer sentido, mas que eu não percebia na conduta dela com a gente.

P/1 – Como assim?

R – Como assim? Pregar o amor e querer o bem ao próximo, mas ela não transmitia
esse carinho todo pra gente, não transmitia. A forma dela promover isso era
diferente do jeito que eu entendo, pertinente ao jeito que eu entendo coerente,
sabe? Muito diferente do que eu, mesmo tendo essa formação, ofereci pras minhas
filhas. O amor que eu entendo verdadeiro, o amor que eu entendo em que você
transfere carinho, atenção, motivação, interesse muito verdadeiro, que eu não
percebia na minha relação com a minha mãe. Estou aqui fazendo análise (risos) no
fim, mas estou te falando como eu interpreto mesmo a minha história.

P/1 – Como foi a sua adolescência? Você ficou nesse colégio, você foi pra outro?

R – Fui pra esse E.E. Oswaldo Catalano, onde eu fiz o ginásio. Lá eu comecei a
descolar mesmo da minha amarra mais familiar, porque ali eu comecei a ter uma
turma que era mais ativa com os esportes e com viagens. Com essa turma eu
comecei a viajar nos finais de semana, sair com a escola.

P/1 – Sua mãe não achava ruim? Nem seu pai?

R – Super, super. Por ela, eu ia ficar lendo a bíblia. Mas eu rompi com isso. E nesse
aspecto, o meu pai contribuiu, porque ele permitiu que a gente, eu, meu irmão
também, fôssemos por esse caminho, que eu tivesse a liberdade de, com 14, 15

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anos, viajar no final de semana com os amigos, viajar pra jogar com a escola e fazer
uma rotina onde eu fui descobrindo a minha independência. Isso acabou virando o
meu passe para uma liberdade que foi importante pra mim. Com 16 anos, eu
comecei a ir pra praia surfar e aí eu fui descobrindo o meu jeito, o meu prazer de
viver aquilo que eu gostava de verdade.

P/1 – Você lembra da sua primeira viagem sozinho com os amigos?

R – Lembro.

P/1 – Como foi? Foi pra onde?

R – Fui pra esse sítio em Itaquera, eu e mais dois, três amigos. Ir pra Itaquera era
uma viagem, levava duas, três horas pra chegar no destino, porque tinha que pegar
dois, três ônibus. E como eu falei, Itaquera era uma zona rural na época, era um
sítio, um lugar bem rural, produtivo. Era cercado, era uma colônia de muitos
japoneses que plantavam e criavam galinha, enfim, era uma região de produção
para a cidade. Esse sítio era um sítio de lazer, ele não era um sítio produtivo, estava
ali com uma casinha simpática, os caseiros, era do avô desse meu amigo, Peixe, e a
gente passava ali alguns dias de férias, alguns finais de semana. O registro que eu
tenho de viajar sozinho, primeiro foi para esse destino. Logo depois comecei a ir pra
praia.

P/1 – Quando foi a primeira vez que você foi pra praia e resolveu surfar?

R – Na primeira vez, eu devia ter 15, 16 anos. Fui com um amigo, Wlamirzinho, filho
do Wlamir Marques, jogador de basquete. Ele foi o meu primeiro incentivador pra
isso, ele já tinha essa cultura de praia, essa coisa. Era mais cultura de praia do que
propriamente surfista, coisa de colar de osso de tubarão e cabelo oxigenado, roupa
florida e tal. Isso, aqui em São Paulo ainda, a gente usava pra andar de skate. Quer
dizer, o que a gente tinha acesso em esporte de prancha era o skate,
principalmente, nas ladeiras ali do bairro. A gente fez uma viagem pra casa da avó

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dele em Santos e eu lembro da gente estar na praia, nós dois vendo os caras
surfando e achando aquilo o máximo. A gente ainda não tinha prancha, eu devia ter
15 anos. Aí saiu um cara com uma prancha, a gente ficou namorando e o cara
ofereceu pra gente comprar a tal prancha. Nem lembro a moeda, mas eu lembro que
a gente pagou cem por ela e acho que era cruzeiro, não sei, pagou cem cruzeiros,
101, porque teve que pagar um real pra ele voltar de ônibus. Ele teve que levar a
prancha pra gente, porque a casa da avó dele não era tão perto da praia. Ele levou a
prancha pra nós, era pesada, a gente não ia conseguir carregar sozinho. Uma
prancha vermelha, uma long board, uma prancha toda detonada, mas que a gente
pagou lá os 101 pra ter a prancha. E a gente começou a praticar, ia carregando um
na ponta e outra no tail da prancha, um no bico e outro no tail, ia até a praia e a
gente revezava pra surfar ali em Santos e voltava caminhando. Era um dia de
aventura. Usamos essa temporada, na verdade viajamos eu e ele, ficamos na casa
dessa avó – a avó fazia comida pra gente, cuidava – e a gente começou a surfar ali.
A gente trouxe essa prancha de volta, o pai dele foi nos buscar e a gente amarrou a
prancha no carro, nem lembro como. Uns dias depois, a gente na casa dele, ali na
piscina, a gente começou a raspar a prancha pra ver se a gente conseguia deixá-la
mais bonita e acabaram aparecendo uns buracos na prancha, toda detonada. Em
vez de arrumar, a gente acabou comprometendo definitivamente a prancha que já
era detonada, acabamos de detonar, a gente resolveu pôr fogo na prancha (risos).
Na hora que pegou fogo na prancha, a gente não fazia ideia o que ia acontecer,
começou a sair uma fumaça preta daquilo, fez uma poluição no bairro, uma coisa
terrível. A gente não conseguiu pensar nas consequências daquilo, daquela
inconsequência nossa. E não conseguia apagar aquela fumaceira. Enfim, colocamos
fogo na prancha, o fim dela foi ser incinerada, a morte dela foi essa. Foi minha
primeira experiência com prancha. Aí, por incrível que pareça, meu pai me deu uma
prancha. Contei toda essa experiência e o meu prazer com esporte. Nessa época,
eu lembro também, isso de certa forma acaba amarrando aí com a minha história
profissional, começou a sair uma revista chamada Brasil Surf. Eu lembro de comprar
a primeira edição, Ano 1, Número 1 da Brasil Surf bem nessa época. Eu diria que
isso era o quê? Meados dos anos 70. Pô, você lia ali coisas que tinham acontecido
há meses e era o máximo saber o que tinha acontecido no campeonato de

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Saquarema cinco meses, quatro meses atrás, era notícia. Meu envolvimento com o
surf, com a cultura de praia, vem daí. Meu pai, percebendo esse interesse, essa
minha dedicação ao skate, me deu uma prancha. Foi uma tremenda surpresa pra
mim esse incentivo dele, uma prancha linda, pra mim foi muito estimulante. Tinha um
amigo que tinha casa no Balneário Flórida, na Praia Grande, e a gente começou a ir
com muita frequência. Era o Wlamir Marques e o Eduardo Bianchini que tinham essa
casa, os pais deles tinham essa casa lá no Flórida e a gente começou a ir todo final
de semana. Foi aí que eu acabei me dedicando ao surf. Até hoje, eu ainda tento
praticar.

P/1 – Seu irmão também praticava ou não?

R – Não, não. O Luís, não. O Luís não foi por esse caminho.

P/1 – Como foi essa sensação? Você lembra das primeiras ondas que você pegou?
Você conseguiu ficar em pé na prancha e surfar?

R – Esses meus amigos tinham mais experiência e mais habilidade, eu tentava
acompanhá-los, inclusive em alguns momentos... Eu tenho uma história nessa praia,
bem no início da minha história com o surf, que foi bem marcante, porque lá, quando
o mar está grande – a praia é enorme, é a Praia Grande, e o Balneário Flórida é um
pedaço da Praia Grande. Então, quando o mar estava grande, ondulação de Sul,
você andava vários quilômetros para um lado contra a correnteza, entrava no mar e
a correnteza te levava, pra você sair do outro lado onde você entrou. Você saía na
praia onde era a sua casa, andava um bocado, entrava no mar e a correnteza e o
surf iam te levando, você passava a sair, era essa a rotina quando tinha onda
grande porque sempre tinha correnteza. Pra atravessar a arrebentação, quando o
mar estava grande, pô, eu era moleque ainda, acabava que alguns passavam antes,
acabava que a gente entrava em quatro, cinco na água, mas quem não chegava no
fundo, rápido e junto, ia se perdendo nessa correnteza, nessa arrebentação. Em
uma dessas idas eu fiquei nessa situação, sozinho, perdi a prancha, arrebentou a
cordinha e perdi a prancha. Eu já estava exausto, já estava bem cansado de remar

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pra chegar no fundo e me vi numa situação ali, eu flertei com a morte. Não morri por
acaso, porque eu estava exausto, sem prancha e já não tinha mais força pra nadar,
na correnteza, muito longe da praia. Achei que eu ia ficar por ali. De repente, a
prancha apareceu boiando do meu lado. Quando o mar está grande, você tem a
arrebentação e tem o canal, um remanso, arrebentação e um outro canal. A gente
ia, às vezes, na terceira, quarta arrebentação. Eu estava por aí, no fundo, e não ia
conseguir sair nadando porque não tinha experiência, não tinha a força física
necessária, devia ter 16 anos, não tinha essa habilidade toda, não tinha essa
resistência toda. Se a prancha não aparecesse, como apareceu, dez minutos ou sei
lá quanto tempo depois de eu estar nessa situação, boiando do meu lado, eu não
teria resistido. Então, foi uma tremenda experiência, sozinho no mar. Peguei a
prancha, saí do mar, deitei na areia e falei: “Meu, estou vivo.” Quer dizer, foi uma
experiência que podia ter marcado a minha desistência do esporte ou partir para
algo, mas “não, preciso me dedicar mais”. Foi por esse caminho que eu fui, segui no
esporte, estou até hoje.

P/1 – Você ia todo fim de semana pra praia?

R – Ia praticamente todo fim de semana.

P/1 – Então, você pouco frequentava os lugares de São Paulo?

R – Pouco frequentava. Nessa altura, as festinhas de fim de semana, os mingaus,
as festinhas de domingo à tarde que tinha... Aí eu já vim um pouco mais pra esse
lado, Pinheiros, Círculo Militar. Tinha essas festinhas que eu ia muito eventualmente,
ia de vez em quando, porque eu já achava isso aí meio, não é a minha praia, queria
mesmo era ir pra praia. Quando não ia pra praia, procurava fazer programa de andar
de skate no Morumbi, nas ladeiras do Morumbi, do Sumaré. Já conhecia gente da
praia que também andava de skate e fui ampliando minhas amizades, os meus
relacionamentos com pessoas que... Passei a frequentar outras praias, Guarujá,
depois o litoral norte, que foi pra onde eu migrei mesmo e fiquei durante boa parte
da vida frequentando.

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P/1 – Qual era a moda na adolescência? O que você usava, como você se vestia?

R – Na adolescência eu fui pra essa... Eu diria que antes um pouco, na infância, eu
era bem cafona porque minha mãe me vestia e tinha uma senhora que costurava,
fazia umas roupas pretensamente da moda, mas era uma coisa que eu olho hoje e
falo: “Caramba! Como é que eu me sujeitava a isso?” Mas logo, na adolescência, eu
já comecei a ter a minha noção de estética e de moda, então, passei a... Eu era
muito à vontade, descontraído, na forma de vestir, e principalmente com essa coisa
do surf, do skate, logo eu... A gente via as camisetas nessas revistas de surf, as
importadas, que a gente tinha como referência, além da Brasil Surf, que era
nacional. Mas antes até, no começo da Brasil Surf, a gente via as revistas
americanas, via lá o que era a moda e procurava reproduzir aqui. Então comprava
camiseta Hering e pintava ‘Vá ao Surf’, fazia umas coisas desse tipo pra ficar mais
parecido com o que era a nossa referência da moda de praia da Califórnia, do
Havaí, uma coisa meio ridícula, mas era o que a gente tinha acesso na época.
Pintava super mambembe, com Acrilex, uma coisa ridícula, mas que, poxa, era o
nosso jeito de interpretar essa cultura e esse jeito de se vestir.

P/1 – Você gostava de música?

R – Gostava. Eu ouvia, na época, rock, muito Led Zeppelin, Pink Floyd, Deep
Purple, essas bandas, era o que me motivava muito. A gente – eu e esses amigos
da praia – quando estava em São Paulo, ia pra casa de um deles e passava tardes
conversando, vendo revistas de surf, andando de skate, ouvindo Led Zeppelin no
último, Rolling Stones.

P/1 – Você teve contato com droga?

R – Tive, tive. Fumei maconha, nesses momentos, nessas tardes, andando de
skate, ouvindo música e tal, tinha seus baseados.

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P/1 – E namorar, qual foi sua primeira namorada?

R – Minha primeira namorada se chamava Sandra, foi minha primeira experiência
mais efetiva de namoro. Engraçado, abrindo nesse contexto, nem era propriamente
namorada, mas eu devia ter 14 anos, fiz uma viagem pra Porto Alegre, um tio que
morava lá, irmão do meu pai, a gente foi lá visitá-lo e passar uns dias em Porto
Alegre. Eu estava com uma namoradinha em São Paulo e lá em Porto Alegre eu
conheci uma menina, tirou fotinhos. Quando eu voltei pra São Paulo, eu contei pros
amigos que tinha conhecido uma menina em Porto Alegre e aí, como já tinha uma
outra namorada, amiga assim, isso eu tinha de 13 pra 14 anos, como eu tinha na
leitura deles duas namoradas isso virou um harém e o harém virou Califa. A história
do apelido vem dessa brincadeira (risos) e está até hoje. Isso tem 40 e tantos anos,
acabou impregnando e virei o Califa por conta de duas namoradinhas (risos). Não
dava nem pra chamar de namorada, porque mal beijava nessa época, eu era tímido,
eu era bem tímido. Mas enfim, comentei que tinha conhecido uma menina em Porto
Alegre, acabou que virou isso e estou aí até hoje. Mas namorada mesmo, que eu
considero, foi a Sandra, acho que um ano depois, já tinha 15, 16, e foi a minha
primeira experiência mais verdadeira no amor, no sexo e no namoro, algo mais
efetivo.

P/1 –Você surfava, mas tinha na cabeça ‘quero ser quando crescer’, ou seguir
alguma profissão, como era?

R – Não. Eu era bem inconsequente, não sabia o que eu queria. Quando eu fui pro
Objetivo, que é uma escola boa pra pré-vestibular, não era muito dedicado nessa
fase, me preparei pra passar no vestibular, mas já estava muito mais nessa onda de
sair da escola e ir encontrar os amigos, ir andar de skate, fazer uma rotina que
estava mais associada ao prazer do que aos estudos. Frequentava a escola
direitinho, mas... Aí, prestei vestibular, chegou a época do vestibular, o meu
interesse era em Arquitetura, prestei pra FAU (Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo) e prestei em Santos, mas não passei. Em Santos eu até negligenciei a
prova, fui surfar primeiro, acabei perdendo um pedaço da prova, enfim, moleque

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total, inconsequente. Em Santos eu acabei nem prestando devidamente o vestibular,
na USP eu não passei. Aí eu falei: “Meu, vou prestar uma faculdade que eu entre e
aí vejo o que faço.” Prestei para Administração e entrei.

P/1 – Onde?

R – Na FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas). Comecei, fiz o primeiro ano na
FMU, fui relativamente bem, mas cheguei no final do ano insatisfeito com o curso e
prestei pra ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), pra Comunicação.
Prestei e entrei na ESPM, mas como acabei passando na Administração e eu já
estava trabalhando, já tinha uma rotina, eu estudei primeiro ano da FMU de manhã,
mas já trabalhava à tarde.

P/1 – Trabalho ou estágio?

R – Trabalho. Trabalho, precisava ganhar dinheiro.

P/1 – Foi seu primeiro emprego?

R – Foi. Eu tinha um cunhado, marido da minha irmã, tinha já um negócio, uma
indústria química, eu comecei ali, ajudando internamente na empresa. Acabei
passando na FMU, consegui a transferência pra noite no campus da Iguatemi e falei:
“Quer saber, eu vou continuar por aqui, estou trabalhando mais ou menos nisso.”
Optei por não ir pra Comunicação, que era algo que eu estava vendo naquele
momento. Meu irmão estava estudando na ESPM e já trabalhando, acho que era
Propag, uma agência, acho que era uma house da Antarctica. Ele já estava num
curso e trabalhando na indústria, quer dizer, aquilo, pra mim, foi uma referência que
me motivou a prestar o vestibular, mas acabei entrando lá e não optando por seguir
no curso, e seguir na Administração.

P/1 – Você trabalhava onde, o que você fazia?

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R – Trabalhava no escritório, era um assistente de escritório nessa empresa do meu
cunhado, chamada Proquim. Ela produzia alguns produtos químicos pra indústria de
borracha, transformação e borracha. Indústria automobilística. Ele desenvolvia, junto
com o sócio que era engenheiro químico, produtos pra indústria de borracha,
especialmente pra automobilística. Eu comecei trabalhando ali, mais internamente,
na área administrativa e depois fui pra área comercial, fui pra vendas. Fiquei com
eles uns dois, três anos, enquanto eu estava na faculdade. Na verdade, do primeiro
pro segundo ano eu ia parar, ou segundo pro terceiro, enfim, no meio dessa rotina,
eu ia parar, mas esse meu cunhado teve um problema sério de saúde e minha irmã
pediu para que eu ficasse pra dar uma cobertura e acabei ficando. Posso ir
avançando?

P/1 – Claro. Mas, eu vou voltando se você...

R – Aí terminei a faculdade bem tranquilo, com certa facilidade, me formei. Esse
meu amigo, Eduardo Bianchini, com quem eu ia pra praia, me convidou...

P/1 – Você continuava surfando?

R – Continuava. Inclusive, na faculdade tinha dias que a gente matava aula, que
tinha onda, a gente ia pegar onda e voltava, voltava queimadão, chegava em casa.
Teve um período, no primeiro ano pelo menos, eu lembro de fazer algumas dessas,
depois eu comecei a trabalhar e ficava mais limitado, mas eu lembro dessas fugas,
quando dava, com outros amigos da faculdade. Esse amigo, Eduardo, me convidou
pra montar um negócio em Santos. Quando eu terminei a faculdade, ele tinha essa
vontade, com o sócio que ele conheceu, que já tinha um comércio lá em Santos, e
sugeriu que a gente se associasse pra montar esse negócio. Era uma loja de moda
masculina, moda esporte masculina, na Rua Fernão Dias. Lembro que era do lado
de uma das poucas surf shops que existiam na época, Rony Surf, a loja era bem
colada com a Rony Surf, chamava-se Neo Tropical. Era bonita a loja, super bem
montada, tinha um aquário maravilhoso, um aquário grande maravilhoso, e uma

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seleção de roupas bacana. Fiquei em Santos. E assim, tinha acabado a faculdade
e...

P/1 – Você saiu da empresa do seu cunhado?

R – Eu já tinha saído de lá, já tinha ido trabalhar na área comercial com uma outra
pessoa, um conhecido do meu tio, vendendo embalagens, caixas de papelão,
papelão ondulado, plástico, sacos plásticos. Eu devia ter 20 anos, por aí, eu fui
trabalhar com essa, chamava-se Glue Fix, fazia também fitas adesivas. Eu,
moleque, comecei lá e em pouco tempo estava gerenciando uma turma de
vendedores. Mas, vendendo algo que eu não tinha nenhuma afinidade, era pra
ganhar dinheiro. De fato, me ajudou nisso, comprei carro com a ajuda do meu pai,
precisava do carro pra trabalhar, meu pai ajudou no começo. Mas já não estava
mais com meu cunhado e quando eu me formei tive essa oportunidade de ir pra
praia. Era o que eu queria, morar na praia pra mim era o sonho, aquilo que eu queria
de fato fazer. Fiquei em Santos um ano e pouco, a loja não deu certo.

P/1 – Você morava onde? Foi a primeira vez que você saiu de casa?

R – Eu morava de frente pra praia. Foi a primeira vez que eu saí de fato, fui morar
sozinho, eu tinha 21 anos e morava num apartamento alugado de frente pra praia.

P/1 – Morava sozinho?

R – Morava sozinho, nos fins de semana esse meu amigo ia lá, morava comigo, a
gente dividia o apartamento, porque a loja funcionava nos finais de semana. A loja
era dele, eu era um associado, era sócio na operação, mas eu não tinha investido
capital, eu tinha investido meu tempo, eu administrava o negócio. Foi um dos
momentos de crise do país, acabou que não deu certo, mas ficamos lá, eu fiquei um
ano e pouco. Trabalhava no Gonzaga, no shopping praticamente, a loja do lado de
fora, mas o shopping era em frente. Andava de moto e pegava onda. Pegava onda
no Canal 1 ou no Guarujá, andava de motinho, e lá tinha os grupinhos, os playboys

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do shopping, os motoqueiros, e eu, no pouco tempo que eu fiquei lá, conhecia todo
mundo porque eu circulava em todos esses grupos. Foi muito divertido, foi um ano
assim...

P/1 – Como foi morar sozinho pela primeira vez?

R – Eu me virava, né? Tinha uns amigos que tinham restaurante, eu tinha conta, era
duro pra caramba, mas era muito divertido. Tinha o Heavy Metal, que foi uma casa
noturna famosa lá em Santos, onde iam tocar bandas que estavam começando
nessa época, sempre tinha uns shows bons lá. Eu tinha acesso porque eu tinha
amizade com o dono e em pouco tempo eu estava muito local em Santos. Pra mim,
aquele período foi muito divertido porque eu surfava praticamente todo dia, fazia o
esporte que eu gostava, trabalhava num negócio que eu tinha propriedade e
circulava bem. Santos é uma cidade divertida, naquela época então, era muito
gostoso. Foi um período bem agradável, mas infelizmente o negócio não deu certo.
A uma certa altura, o Paulo Lima e o Fernando Costa Neto foram lá me visitar
porque eles iam passar um filme de surf lá. O Paulo estava naquela época como
representante da Visual Esportivo, que foi, de certa forma, a revista que sucedeu a
Brasil Surf que tinha descontinuado e um dos colaboradores dela, o Nilton Barbosa,
fundou a Visual Esportivo. O Paulo foi o representante dela no início dessa operação
aqui em São Paulo, a revista era do Rio. O Zezinho Mutareli, que era amigo do
Nilton Barbosa e do Ralf, que era um outro sócio dessa revista, colocou o Zezinho
de representante, mas o Zezinho logo abandonou, ele é músico, e o Paulo herdou
isso. Era o Zezinho e esse Fernando Costa Neto, o Dandão, que passaram pro
Paulo essa representação. O Dandão e o Paulo foram um belo dia lá em Santos,
iam passar esse filme de surf, me convidaram pra ajudar. Foram lá me visitar e
pediram uma ajuda pra organizar essa apresentação do filme, escolher o lugar certo.
Eu ajudei a fazer o negócio funcionar, passar esse filme, aí o Paulo me convidou pra
ser o preposto dele, o representante, da Visual lá no litoral. Aquilo pra mim era o
sonho. Ser representante de uma revista de surf, morando na praia. Quer dizer, uma
alternativa de ganhar algum dinheiro extra fazendo algo que eu tinha toda a
familiaridade, prazer, interesse. Isso foi muito apropriado pra mim naquele momento

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e comecei a fazer. Nos finais de semana, quando o Edu chegava pra cuidar da loja,
eu pegava minha motinho e ia pra Maresias. Na época tinha poucas pessoas
trabalhando nesse setor, loja ou fabricante de prancha, ou qualquer coisa do gênero,
mas pô, ia visitar um, outro, na verdade era mais pra fugir pro litoral. Fiquei fazendo
isso durante alguns meses. Como a loja não deu certo, acabei voltando pra São
Paulo. Existia uma pressão dos meus pais de eu ir de fato pra banco, pra alguma
atividade associada à minha formação acadêmica. E o Paulo me convidando pra
seguir com ele na Visual como representante, o negócio já estava tomando vulto. Eu
optei por isso.

P/1 – Antes, como que era a sua relação com o Paulo?

R – A gente se conhecia da praia. A gente tinha amigos em comum, eu não era tão
amigo dele, mas o Dandão já era meu amigo mais próximo, tinha alguns amigos em
comum. E quando teve esse episódio de eu ajudá-lo a promover o filme lá em
Santos, ele ficou bem próximo e curtiu o trabalho que eu fiz, daí ele me oferecer
essa representação e insistir para que eu continuasse com ele aqui em São Paulo.
Eu fiquei meio dividido porque, de fato, tinha tido uma experiência profissional um
pouco malsucedida, eu precisava encontrar um caminho, já tinha 22 anos e me
preocupando porque eu não tinha um suporte, eu precisava me virar, eu precisava
ganhar o meu dinheiro, me manter. Quando eu voltei de Santos, aluguei um
apartamento aqui com um outro amigo, não voltei a morar com meus pais, precisava
pagar as contas. Essa oferta do Paulo me deixou dividido, aquela coisa de estar
perto daquilo que eu gostava, que eu queria, e a outra que talvez me trouxesse mais
resultado, mais recursos. Eu optei por seguir com aquilo que eu acreditava, aquilo
que eu gostava, ficar na representação da Visual Esportivo. O Paulo montou
escritório, nós montamos um escritório na Alameda Ribeirão Preto, onde o pai dele
tinha um imóvel, e começou ali a história que depois acabou virando a Trip. Em
pouco tempo, a gente vendia quase todos os anúncios da Visual Esportivo, 80%.

P/1 – Como era, como você fazia pra vender?

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R – Ia nas agências de propaganda, era um mercado que nesse momento estava
tendo um boom, estava tendo um crescimento...

P/1 – De que ano a gente está falando?

R – A gente está falando de 83. Ia nas lojas, no comércio de surf, nos fabricantes de
prancha e alguns fabricantes de roupa, OP, Sundek, Lightning Bolt e Quiksilver já
existiam na época, Billabong, tudo isso começando nessa fase. Fornecedores de
tecido pra essa indústria, a gente ia descobrindo, eram poucos, mas era o que
existia e anunciar nessas revistas era primordial, era quase imprescindível pra essa
turma fazer o negócio dela virar. A gente tinha uma revista que era prestigiada, era
bem-feita. Tinha os cariocas, e o nosso desafio era pôr conteúdo nessa revista
porque, num dado momento, a gente estava vendendo 80% da publicidade, a revista
passou a ser impressa. A gente produzia esses anúncios. Porque primeiro a gente
vendia, mas os anunciantes não tinham o que pôr, a gente tinha que produzir o
anúncio para a revista. A gente passou a fazer quase um trabalhinho de agência
para criar esses anúncios. Depois, a gente passou a produzir algum conteúdo,
porque à medida que cresciam os anunciantes aqui, precisava ter conteúdo daqui,
porque tinha uma coisa muito bairrista entre São Paulo e Rio nessa época, e o Nilton
queria publicar os amigos, a turma, os cariocas. A gente ficava puxando: “Precisa ter
conteúdo de São Paulo, porque os anunciantes, a maioria é daqui.” A gente passou
a produzir algum conteúdo, com toda a resistência que o editor de lá tinha, a gente
foi conseguindo garimpar espaço. A gente passou a produzir conteúdo. Depois veio
a parte gráfica pra cá, porque lá no Rio não estava conseguindo o preço, a
qualidade e os prazos que a gente precisava, acabou que a revista veio pra cá. A
gente começou a imprimir na Editora Abril na época. A certa altura, a gente estava
produzindo quase toda a revista.

P/1 – Já estava ganhando dinheiro?

R – Ganhava, ganhava dinheiro. Funcionava porque a gente vendia bem, então
tinha...

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P/1 – Você administrava também, como que você foi...

R – Nessa época, sim. Eu já fazia um papel administrativo, mas era uma coisa
pequena, administrar pedidos e cobrar comissão, emitir nota, era um negócio bem
limitado. Era o Paulo, eu e uma secretária. Depois, a gente começou a trazer gente
de conteúdo, fotógrafos, gente pra escrever. Então, foi criando um staff, ainda da
Visual, aqui em São Paulo. A gente começou a editar uma revista chamava Overall,
ainda trabalhando com a Visual. A gente começou a editar uma revista de skate, que
não era tão conflitante com a Visual, aqui em São Paulo, chamada Overall. Foi a
nossa experiência de produzir algo próprio. E foi legal, o skate estava num momento
positivo, que durou pouco. O skate teve uns dois, três ciclos que teve um boom e
depois despencava, sumia, ninguém queria saber de skate, aí voltava. Num desses
booms, a gente estava fazendo a Overall. Puxa, com diferenças, com um
entendimento de como levar o trabalho muito distinto do que o editor lá do Rio
queria. Aí, a Abril propôs comprar o título Visual Esportivo e a gente operar isso
aqui. Eu lembro que nesse momento, a gente foi convidado pra um almoço no roof
da Abril, lá na Marginal, eles tinham um restaurante bacana lá. Estava a cúpula da
Abril, toda a diretoria, Roberto Civita e companhia, com pompa e circunstância, o
nosso pratinho com o caderninho da Abril com o nosso nome. Eles fizeram todo um
evento pra nos seduzir a convencer o Nilton a comprar o título e a gente ser o editor
aqui em São Paulo. O Nilton não quis vender, e isso ajudou a gente a romper com
ele. A essa altura, a gente estava já contemplando a possibilidade de, além da
Overall, fazer um outro título, que veio a ser a Trip. Porque a gente não estava mais
afinado com o que o Nilton queria, o jeito que ele conduzia a operação do negócio. A
gente era muito relevante pra sustentar o projeto. Como ele não quis aceitar essa
proposta, e não aceitava as nossas sugestões, o jeito que a gente propunha
conduzir o negócio, especialmente nessa limitação de espaço editorial, a gente foi
desenvolvendo o projeto da Trip.

P/1 – Vocês já tinham ideia de ter uma revista própria?

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R – Sim, já existia a Overall, já existia uma, mas era muito subsegmentada.

P/1 – Vocês pensavam em quê?

R – A Trip era um projeto mais eclético, um projeto de verdade, projeto no sentido de
ter algo desenvolvido, com personalidade, com um jeito próprio, que não existia em
lugar nenhum, nem no Brasil, nem em lugar nenhum. Era a combinação de esportes,
especialmente surf, esportes de ação, com cultura de praia, com cultura urbana,
com arte, com moda, com sensualidade. Essa receita editorial era aquilo que a
gente curtia na época, aquilo que a gente fazia.

P/1 – Vinha muito da cabeça de quem, esse projeto?

R – Cara, bastante do Paulo, com algumas pessoas que na época trabalhavam junto
com a gente. O Dandão ainda era próximo, participou nesse início, o Farah, eu.
Tinha algumas pessoas que na época já participavam do que a gente construiu aqui.
A gente fazia festas, fazia alguma entrega de conteúdo pras marcas, pra essas
marcas que a gente vendia publicidade, a gente fazia catálogo. A gente já vinha
construindo alguma coisa além da Visual. Na Visual ainda, foi quando começou o
programa de rádio, o programa de rádio que o Paulo faz até hoje. Na época, se
chamava “Visual Esportivo Surf Report”. Era às sextas-feiras, a gente fazia um
boletim das ondas, o Paulo fazia entrevistas, lançava bandas. Era um misto de
conteúdo de entrevistas e papos, com música e o boletim pro fim de semana,
especialmente, condições do mar. Nessa época, não existia internet, não existiam
esses controles e condições do mar, nada disso. Chegava sexta-feira à tarde, eu
ficava ligando pra amigos na praia pra saber como é que o mar estava, via as
condições climáticas previstas para o fim de semana e fazia um boletim que, com
bastante frequência, não dava nada certo. Mas era o máximo que a gente conseguia
ter, porque a gente viajava pra praia, chegava no litoral louco pra olhar pro mar e
saber o que ia ter de condição, porque não tinha nenhuma referência. O boletim do
programa de rádio foi um dos primeiros surf reports que teve no Brasil, que existiu
aqui. Era nessas condições, ligar pra Ubatuba, ligar pra Praia Grande, ligar pra

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Santos. Às vezes, não encontrava o amigo, falava com o caseiro dele, sabe umas
coisas assim muito mambembes mesmo, e era isso. O programa de rádio já existia
antes da Trip porque a gente fez isso pra promover a Visual aqui. Essa história da
Trip começou a partir desse trabalho que a gente fez pra Visual, e o projeto editorial
ia além porque era aquilo em que a gente tinha interesse na época, música, cinema,
arte, moda, ligada com surf e ligada com esportes de ação. Um projeto editorial
exclusivo, inédito, porque na época existiam outras várias revistas de surf
disputando o mesmo anunciante, chegou a ter, acho, seis revistas de surf no Brasil,
algo impensável nos dias de hoje que, pô... É que não tinha onde buscar, você
queria ver alguma coisa relativa a algum assunto você tinha que ir na banca pra ter
acesso a aquele tipo de informação. O surf, embora fosse pra poucos ainda naquela
época, era um público que se interessava demais pelo assunto e muito fiel. Como
tinha uma carência de informação, permitiu que chegasse a ter esse número de
títulos circulando. A gente tinha uma propriedade nesse universo, nesses
anunciantes, então, acabou que além da gente já ter um nível de interesse e de
buscar uma cultura mais eclética, tinha essa coisa, ser mais um não é o caso, já tem
várias. A gente dependia desses anunciantes que estavam apoiando a gente no
início do projeto da Trip. Então, o que a gente fez? A gente colocou o surf como
referência na receita editorial, mas agregou tudo aquilo que a gente achava que
deveria ter para o título ficar diferente, ficar mais amplo, mais abrangente, atingindo
um público maior. Por ser inédito, por ser inovador, arrojado, ele foi difícil de ser
interpretado no início, de ser entendido, de ser percebido como algo pertinente.

P/1 – Vocês fizeram um investimento inicial?

R – Teve um sócio que entrou, que aportou 40 mil dólares na época, foi a partir
disso... estavam lançando a TV Manchete, boa parte desse dinheiro a gente colocou
em publicidade na TV Manchete. Fez uma festa no Terraço Itália, de lançamento.
Como a gente já tinha os anunciantes dispostos a investir no projeto, a gente tinha
uma receita inicial. Foi a época do Plano Cruzado, momento em que o Plano
Cruzado deu certo, a gente estava acontecendo. Teve uma conjunção de fatores
que contribuíram pra primeira edição ser muito, muito bem-sucedida, e a gente

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entender que o projeto era promissor. Só que logo depois veio a bancarrota do
Plano Cruzado. Naquele momento, tudo vendia, tinha uma euforia de consumo, logo
acabou e na segunda ou terceira edição a gente já estava passando o pratinho.
Estava tendo que fazer toda uma restruturação, repensando o projeto, houve uma
série de decisões relativas a isso pro projeto sobreviver. Do ponto de vista de receita
editorial, muitos dos investidores, anunciantes, que viram a Trip como um projeto
adequado de início começaram a questionar: “Pô, mas a revista não é de surf.” E a
gente falava de assuntos polêmicos. As primeiras edições tratavam de questões de
sexualidade, de homossexuais, questões de droga, assuntos mais densos que
exigiam mais dos leitores do que aquela coisa leve de esporte, praia e tal. E muitos
dos anunciantes começaram: “Pô, mas a revista é de surf, pô, vocês colocam gay.”
Esse tipo de interpretação do projeto editorial... Acho que ele estava à frente do
tempo. Demorou pra gente ser entendido, eu diria que essa receita editorial que era
inédita não só no Brasil, como no mundo... Você sabe, aqui é tudo cópia do que vem
de fora, você lançar alguma coisa autoral, alguma coisa legítima e original é difícil e
naquela época era muito mais. Época de subsegmentação, época de mais
discriminação, então, demorou. Acho que a MTV de certa forma, quando chegou,
contribuiu pro público jovem virar mais desejado pelos anunciantes e pela indústria,
pelo mercado em geral. A gente foi se posicionando. Então, acho que esse início
teve grandes desafios, tanto do ponto de vista de o que é a Trip, que produto, que
mensagem ela transmite. Era época da subsegmentação nos títulos, conteúdo, e o
que a gente fazia era justamente diversificar, ampliar os assuntos em vez de afunilar
num tema. Tinha um olhar bem eclético e abrangente para o que a gente estava
propondo ali. Como eu disse, um projeto editorial inédito, diferente de tudo o que
existia, não só no Brasil, como no exterior. Tinha um viés do esporte, especialmente
esportes de prancha, cultura de praia, era da onde a gente tinha origem, o nosso
trabalho e a nossa experiência de vida. Tinha também os anunciantes desse
segmento, que estavam dando um suporte nesse momento. Era um projeto não tão
fácil de entender, inovador. Além disso, tinha um momento da economia que tinha
acabado de dar uma ajeitada, com o Plano Cruzado, mas que a estabilidade durou
muito pouco. A estabilidade foi passageira, durou alguns meses que coincidiram
com o período de lançamento da revista. A gente teve uma primeira edição muito

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boa, uma segunda que ainda teve apoio dos anunciantes e depois um período, de
novo, bem crítico da economia.

P/1 – Ela já era mensal?

R – Não, a revista era bimestral nesse momento e ela nem era exatamente
bimestral, teve ano que a gente lançou cinco. Porque a gente tinha um preciosismo,
cuidado na verdade, muito especial com a qualidade, com o que a gente ia editar, o
que a gente ia publicar, tanto do ponto de vista estético, principalmente do ponto de
vista da mensagem, e também do ponto de vista gráfico. Então a revista era super
bem elaborada, cara pros padrões da época, mas era a nossa intuição do que seria
branding, ou seja, a gente já tinha uma cultura de branding antes disso se tornar
uma matéria, um jeito de se lidar, de se tratar comunicação. Acho que isso ficou
muito claro depois, com o tempo, quando a gente olha em retrospectiva, isso ficou
bastante evidente. O que nos ajudou nesse período é que a gente tinha, com a
experiência anterior, a gente tinha trabalhado pra essa editora do Rio, formado um
grupo de colaboradores, de pessoas, que tinham uma afinidade com o nosso
trabalho e que deu sustentação pra gente passar esse período. E também
criatividade, a gente passou a fazer eventos, festas, fazia catálogo pra alguns
anunciantes, enfim, diversificar o que a gente desenvolvia aqui.

P/1 – De onde veio essa ideia de diversificar?

R – Da necessidade.

P/1 – Mas quem deu essa ideia?

R – Não sei, a gente tinha um grupo de pessoas que participavam das decisões,
Paulo comandando, tinha pessoas da redação. A gente tinha uma redação no Rio na
época, tinha um grupo de pessoas no Rio que ajudava. Isso aconteceu meio
naturalmente. Houve as demandas ou as oportunidades com os anunciantes e a
gente desenvolveu essa parte de catálogo, de prestação de serviço. Era um negócio

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bem menor do que anos depois se tornou esse campo aqui na Trip, mas já tinha um
olhar pra desenvolver conteúdo pra algumas marcas. O negócio de festa foi meio
natural. Ia ter um lançamento de uma edição, a gente promovia alguma coisa e isso
foi ganhando expressão, foi ganhando vulto e começou a se tornar uma
possibilidade de gerar receita. Algum tempo depois, a gente teve um sócio que era
desse setor também, de casa noturna, Nestor Sartoretto, que também foi uma
contribuição pra gente desenvolver mais. A gente tinha uma proximidade com o
pessoal do Aeroanta e a gente fez várias festas lá, festas que se tornaram de fato
um jeito de gerar receita e que estavam associadas aos temas. Naquela época a
gente já fazia as edições temáticas. Teve uma bem marcante, era uma edição sobre
sexo explícito e a gente fez uma festa no Aeroanta com uma apresentação de sexo
explícito, foi um tremendo sucesso e muito comentada, repercutiu demais na mídia.
Isso foi contribuindo bastante pra Trip, mesmo não tendo um volume grande de
circulação, ela foi se posicionando, foi marcando uma posição em termos de leitura,
de olhar do mundo, de conceito, que foi bastante importante pra gente superar um
período que foi muito difícil, os dez anos seguintes da economia foram muito difíceis.

P/1 – Nesse período, quantos exemplares vendia?

R – Olha, na primeira edição, que foi um tremendo sucesso, a gente deve ter
circulado mais de 50 mil exemplares. Depois, a gente ficou durante um bom tempo
numa faixa de 20 mil de circulação, 25 mil. Algumas edições na faixa de 30 mil. Mas,
eu diria que, na média, ficou aí, ao longo desses anos, em torno de 25 mil. A gente
teve, nesse começo também, uma decisão que foi bastante marcante sobre o
posicionamento em relação ao surf. Como a gente tinha essa entrada, esse
envolvimento com o esporte e os anunciantes eram desse segmento – a revista já
tinha outros assuntos, desde o início, como eu falei, ela falava de música, de
comportamento, de arte, de questões sociais – o pessoal do surf questionava se a
revista era ou não de surf. Nesse momento, a gente decidiu fazer uma capa de
comportamento e uma capa de surf, e começar a testar na banca o que vendia mais,
pra ver com que público, na prática, a gente estava conversando. Foi uma
experiência interessante, porque na época ninguém fazia isso, eu diria que foi outra

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decisão inédita. Então, era uma capa de um casal, numa situação, num ambiente se
beijando, e outra capa, de surf. Um olhar pro surf já bastante diferenciado, a gente
teve uma capa com foto noturna, outra com uma composição gráfica diferente, com
uma mulher. Já tinha um olhar, mesmo pras capas de surf, com mais arte, com mais
criatividade, um olhar diferenciado para o esporte. Mas, era uma capa de surf. Esse
teste contribuiu muito pra gente perceber e acabar migrando cada vez mais para o
comportamento, para esse olhar eclético que a Trip carrega até hoje, cada vez mais.
Depois a gente manteve as duas capas, só que as duas capas passaram a ser
sobre comportamento, uma principalmente sobre a Trip Girl, que é um ensaio
sensual com uma garota, que a gente adotou a partir da quarta ou quinta edição da
revista.

P/1 – Por que veio essa decisão?

R – Veio essa decisão porque fazia parte desse repertório, desse olhar que a gente
tinha das coisas que nos interessava e que a gente curtia, próximo. Não estava na
primeira edição porque a gente ainda não tinha sacado que isso poderia fazer parte
da receita, mas acho que na quarta edição a gente fez um ensaio, fotos do Farah,
inclusive, com a Dominique Scudera. Foi um pré-ensaio de Trip Girl porque era mais
artístico, menos sensual, quer dizer, tinha uma sensualidade, mas era mais voltado
para uma estética de arte, de fotografia. Em seguida, a gente fez uma pra valer, um
ensaio mais na linha sensual mesmo, com a Silvia Rossi, que foi o Duran que se
ofereceu pra fazer. Ele já estava olhando, na época ele era o ícone da fotografia de
garotas, era o papa da Playboy. Ele olhando pro nosso trabalho, percebeu que ele
tinha uma jovialidade, algo que ele queria estar perto. Ele se ofereceu pra fazer, a
gente chamou a Silvia que a gente conhecia, foi a primeira Trip Girl. Isso se
consolidou, se tornou um espaço permanente na revista e, geralmente, uma capa.
Era uma capa da garota e uma capa de comportamento. Essa de comportamento
eventualmente ligada ao esporte, mas uma de comportamento.

P/1 – Qual vendia mais?

33

R – No teste, quando a gente comparou surf e comportamento, as de
comportamento acabaram indo melhor na banca. Foi por aí que a gente seguiu,
fazendo as duas capas mais de gente, mais de comportamento. Quando a gente
passou a colocar a Trip Girl na capa, a Trip Girl vendia mais, e foi inclusive a
proporção das capas que a gente produzia, a gente começou a adequar, tendo mais
capas da garota do que da de comportamento. Isso foi um teste prático, efetivo, nas
bancas, do que era mais atraente para o nosso público. Foi uma pesquisa em
campo, prática, efetiva.

P/1 – Como vocês escolhiam a Trip Girl? Como vocês escolhem, o que mudou de lá
pra cá nessa escolha?

R – De várias formas. Desde garotas que a gente conhece, tem proximidade,
garotas que os fotógrafos indicavam. Pessoas que a gente ia atrás, porque achava
interessante ter no pacote, no editorial que a gente produzia, às vezes até com
afinidade no tema da edição. Depois algumas garotas com mais exposição pública,
até da Globo. Isso teve uma aceitação legal da parte das garotas que a gente
procurava aproximar, porque viam um trabalho muito refinado, muito bem elaborado
e de bom gosto. A Luana Piovani, por exemplo, que nunca tinha posado nua apesar
das insistentes aproximações de Playboy e revistas de nu, posava pra Trip. Nunca
fez para outros títulos, mas pra Trip ela fez o primeiro e depois fez por alguns anos,
fez acho que com 20, com 25, com 30 anos. Fez alguns ensaios pra nós, naquela
altura ainda, exclusivo da Trip. E outras garotas que percebiam no nosso trabalho
um conforto, um jeito que elas se sentiam seguras de exporem o corpo de um jeito
apropriado, artístico, bem resolvido, bem elaborado e optavam por fazer na Trip.
Então, teve isso. Teve um momento curioso, a gente ficou sem a garota que a gente
ia fazer meio de última hora, e a gente acabou optando por trazer uma garota do
staff. A gente convidou uma garota do staff que a gente achou que podia dar um
bom ensaio, ela topou na hora, a gente fez com ela, deu muito certo. Depois isso
acabou se tornando uma rotina, não só para uma garota exclusivamente. Durante
uns três anos, a edição de fim de ano trazia um ensaio feito com algumas garotas, a
gente convidava todas e as que aceitavam a gente fazia um ensaio com meia dúzia,

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dez meninas da casa, contando um pouco da história delas e da relação com a
gente, e fazia um ensaio sensual. Isso acabou se tornando, também, uma referência
importante nesse campo e que muita gente desacreditava, falava: “Não, essa
menina não é, ela foi contratada, ela não é do staff” “É, ela trabalha lá com a gente.”
Isso causava um certo furor de gente querer vir na Trip pra ver se era isso mesmo.
Foi interessante, foi o que a gente manteve durante alguns anos.

P/1 – Aí vocês começaram a alternar as capas...Como é que vocês passaram esses
dez anos? Foi vendendo, diversificando...

R – É, mas foi bem naquela linha do vendendo almoço pra pagar o jantar durante
um bom tempo. Eu lembro de uma ocasião, quando a gente estava numa situação
bem complicada, a gente chamou a equipe e falou: “Olha, a gente vai ter que fazer
um corte na remuneração de todo mundo. A nossa proposta é que vocês trabalhem
meio período, porque a gente vai ter que cortar o salário pela metade.” Basicamente
isso, o discurso. O envolvimento da turma era tamanho, e o momento era tão crítico,
que no fim o pessoal topou receber metade do salário, mas trabalhava praticamente
a mesma coisa porque tinha a mesma demanda, as mesmas necessidades. O que
diminuiu foi o salário, mas o trabalho permaneceu e as pessoas compraram a ideia,
o que ajudou bastante naquele momento pra gente atravessar uma fase difícil. Teve
outras histórias assim, curiosas, de fim de ano que a gente achava que ia acabar,
que a gente não ia ter fôlego para o ano seguinte porque estava bem complicado
financeiramente, aí um anunciante que a gente tinha vendido um pacote já há anos,
que ele não tinha usado integralmente aquele pacote, tinha suspendido a campanha,
voltou de repente, bem nessa fase crítica falando: “Ó, lembra daquilo que a gente
tinha aí no ano retrasado? Pô, a gente quer retomar, a gente pode até pagar à vista
pra vocês.” Quer dizer, umas coisas assim, surpreendentes, que permitiram sinergia,
chame como quiser, mas foram decisivas pra gente atravessar certos momentos.
Esses casos aconteceram e contribuíram bastante pra gente seguir. Um outro, um
cliente que apareceu, Alpargatas na época, com a marca Sea Club, com uma
proposta que a gente já havia feito algum tempo antes de um evento que eles não
aprovaram, não quiseram seguir com a ideia e numa outra fase difícil dessas, eles

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apareceram bem na hora falando: “Pô, a gente quer agora aquele evento que vocês
tinham proposto há meses.” A gente inventou um evento no Pacaembu, na época o
triatlo estava aparecendo, a gente chamou alguns atletas pra fazer a festa na piscina
do Pacaembu, simulava um triatlo, uma natação, uma corrida em volta da piscina,
uma coisa assim, com atletas do triatlo, com alguns atletas do surf, o Pepê Lopes,
por exemplo, vivo na época, um dos maiores ícones do esporte no Brasil, participou.
Teve um show do Ultraje a Rigor, foi uma festa que ajudou bastante a gente a
levantar recursos naquele momento, com a proposta até meio maluca de fazer um
triatlo na piscina. Tinha também uma corrida de prancha. Inventamos umas
brincadeiras ali, umas apresentações pra moldar um evento inédito, que funcionou
bastante do ponto de vista econômico, pra gente, naquele momento. Foi assim que
a gente passou esse período, que pra muita gente, ou pelo menos, até agora, os
fatos recentes nesse período que a gente está vivendo hoje, foram os dez piores
anos na economia do Brasil. Entre 86, que a gente começou, e 96, 97 foi um período
bastante complicado pra economia com vários planos econômicos, com várias
moedas, vários ministros da economia. A gente foi se adaptando a isso com um
projeto inédito, se mantendo autônomo, uma concorrência muito violenta nesse
segmento da mídia impressa de revistas, de Abril, de Globo, principalmente, que
dominavam o setor. Sobreviver com um projeto como o nosso, nesse período, e com
independência editorial, foi um tremendo desafio e foi muito prazeroso, no final, a
gente ter conseguido superar essa fase. Eu diria que a gente teve essa primeira fase
de lançar um projeto inédito, criar a Trip e passar por essa fase. Depois vem a fase
que a gente começa a prestar serviço efetivamente, primeiro de custom publishing,
mais voltada pra revista, depois de custom content, que a gente vem fazendo até
recentemente. E a gente chega na terceira fase, que é a atual, mas acho que estou
pulando algumas fases pra chegar.

P/1 – Nesses dez anos, quando você acha que teve um salto? Com a melhora da
economia, qual período?

R – Olhe, acho que a diferença que a gente teve pra dar um salto do ponto de vista
econômico e de tamanho de empresa foi quando a gente começou a prestar

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serviços. Isso foi em 97. O Luciano Huck, amigo da casa, aproximou o Tutinha, da
Jovem Pan, e a gente fez um projeto juntos de uma revista que vinha com um CD. A
gente foi criticado por pessoas próximas ao projeto, colaboradores e mesmo leitores
por fazer um projeto com a Jovem Pan, porque a Jovem Pan era o pop mais,
digamos, brega, uma leitura do popular que era distante do que a Trip se
posicionava. A Trip era um projeto, digamos, mais elaborado, mais sofisticado do
ponto de vista editorial, de conteúdo, sem querer ser pretensioso aqui, mas era para
uma elite, não tão econômica, mas pensante. E a Jovem Pan era bem popular, bem
pra todo mundo e uma coisa mais divertida, menos densa, que a Trip. A gente fez
com uma linguagem que foi muito assertiva, muito bem-sucedida. O CD ajudava
bastante, claro, a vender em bancas, mas foi um projeto em que cada edição vendia
perto de 2 mil exemplares. Esse CD, o Tutinha conseguia as músicas de trabalho
das principais bandas da época, nacionais e internacionais, compilava ali 12
músicas, das mais desejadas pelo público na época. Então, ele conseguia que,
principalmente a pessoa de menor poder aquisitivo, comprasse uma revista legal,
que vinha com CD que tinha várias bandas que ele queria ter, especialmente aquela
música que estava ali. Facilitava bastante, isso contribuiu pra ser um tremendo
sucesso. Isso a gente fez muito bem durante algum tempo pra Jovem Pan, foi
sensacional, pro Luciano, que juntou as pontas, também. Pra nós, economicamente,
foi um negócio que deu um tremendo resultado. Foi muito bem, até outras rádios
copiarem o modelo e isso começar a proliferar. Aí as gravadoras começaram a
limitar a liberação das faixas, as músicas de trabalho, porque começou a canibalizar
a própria venda deles. Isso foi um marco, a gente fez essa revista durante uns três
anos. Nesse meio tempo, a Daslu se aproximou da gente, por conta do CD. Como a
gente estava produzindo esse CD e tinha uma condição boa de volume, de preço, a
Daslu tinha, a Eliana tinha umas músicas, ela queria fazer um CD pra distribuir pras
clientes da loja e chamou a gente pra olhar pra isso, ver se fazia sentido, e a gente
acabou levando a ideia de fazer uma revista. Na época, ela editava catálogos.
Catálogo ela já fazia há mais de dez anos, tinha sido muito bem-sucedido no
começo, mas com o tempo foi perdendo a efetividade, outras marcas de moda
estavam fazendo a mesma coisa e por mais que ela sofisticasse o catálogo, ele já
não dava mais o mesmo resultado. Ela gastava uma grana, de verdade, pra fazer

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aquilo. A gente chegou com a ideia de revista, e a revista foi uma virada muito
importante, na época, pra Daslu, porque ela não falava só com o consumidor
primeiro, ela falava com todos os stakeholders, com a equipe, com os fornecedores,
enfim, com todo mundo. As consumidoras, os consumidores, iam na loja com a
revista, falando: “Olha, eu quero isso, quero isso.” Tinha ensaios de moda muito bem
produzidos. Pra ela, além de não mais gastar com o catálogo, ela ainda ganhava um
dinheiro, a gente levava um cheque pra ela a cada edição, resultado daquilo, porque
desde a primeira edição a revista já dava resultado com a publicidade que a gente
produzia.

P/1 – Onde circulava essa revista?

R – Circulava no mailing list da Daslu, basicamente, na própria loja. Mas as clientes,
os clientes, recebiam em casa um exemplar. Na época, falar com o segmento de
luxo era algo importante, era um público-alvo, no momento, pra se atingir, e não
tinha muita alternativa pra se falar com esse público. Tinha, digamos, a revista Ícaro,
que era a revista de bordo da Varig na época, que falava com um público que
viajava pro exterior, de maior poder aquisitivo, e não tinha mais nenhuma alternativa
pra falar com esse público. Então, a revista chegou. Pra quem tinha produtos
sofisticados, pacotes de viagens internacionais, coisas para o público de poder
aquisitivo mais alto, foi muito na mosca. Quer dizer, era anunciar ali e o negócio dele
vingar, dar resultado. Teve casos que eu conheci a empresa antes e depois de um
período anunciando na Daslu. A empresa se transformou a partir daquele
investimento. Foi muito bem-sucedido esse projeto com a Daslu, desde o início. A
gente começou a perceber que a gente falava com o nosso público, nosso público
Trip mais exigente, mais sofisticado, no sentido cultural, pensante; falava com o
público pop da Jovem Pan e acertava na linguagem; falava com o público elite
econômica e também ia super bem, acertava muito na forma de se comunicar. No
caso da Daslu, tem um fato muito importante, a Eliana se colocava como uma
boutique de luxo exclusiva, pra poucos, elitista, uma coisa que limitava, que excluía,
que espantava muita gente que até tinha poder pra ir lá, mas se sentia oprimida, não
fazia parte daquele universo. A gente falou: “Não é isso que você faz. Você faz é

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editar moda do jeito certo pra brasileira. Você vai lá na Europa, vê os desfiles das
principais marcar, acompanha, você tem essa proximidade com o universo da moda
e edita, faz o seu corte pra o que você entende, sabe que vende no Brasil, você
pensa na Fulaninha, na Beltrana, você pensa nas pessoas quando você olha uma
peça da Prada, da Gucci, de quem for, traz pra cá e é muito assertiva. Então, o que
você faz é uma edição de moda, e assim que a revista deve se posicionar.” Isso foi
também muito preciso, muito assertivo para o sucesso da linha editorial da revista. E
isso naturalmente, acabou aproximando outros clientes que perceberam isso, que a
gente descobriu na prática, não foi planejado, não foi algo que a gente falou: “É por
aqui que a gente vai.” Depois disso, vieram Mitsubishi, Pão de Açúcar, Expand, Gol
que está com a gente até hoje. A Gol tem 16 anos com a gente.

P/1 – Como a Gol procurou vocês?

R – A Gol estava começando a companhia, estava iniciando o projeto, tinha sete
aviões, quando a gente teve contato. Queriam ter algum entretenimento de bordo
porque não tinha monitor, não tinha nenhuma distração para o passageiro. A gente
estava nesse campo, se aproximou, não me lembro exatamente, acho que foi o
Constantino Júnior que chegou no Paulo. A gente fez uma primeira reunião,
apresentamos um projeto. Ele falou: “Demais isso, adorei, mas eu não posso
agregar nem um centavo no ticket do passageiro. Se vocês tiverem alguma
alternativa, alguma ideia pra gente conseguir avançar, voltamos a conversar.” A
gente pegou, fez um projeto que era formato gibi, com conteúdo reeditado das
outras revistas que a gente publicava na época, reaproveitando conteúdos que
faziam sentido para uma revista de bordo, um formatinho bem menor, um formatinho
gibi, e voltamos lá com uma proposta que era metade do valor que a gente
apresentou. Ele falou: “Demais, mas eu não posso agregar nem meio centavo ao
bilhete.” Aí, a gente estava num momento um pouco mais confortável aqui e a gente
resolveu tomar risco, a gente resolveu apostar naquele projeto que estava iniciando.
Como eu falei, tinha sete aviões. A gente combinou que a gente iria editar a revista,
a publicidade ficaria com a gente, eles entravam com o nome, com a distribuição e a
gente começava assim. Primeiro ano, a gente pôs dinheiro, porque a publicidade no

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formato gibi era mais difícil de vender. Então, a gente não conseguiu ponto de
equilíbrio, teve que aportar lá uma grana para o projeto se manter e a companhia
começou a decolar, começou a ir bem. Já pro segundo ano, na metade do segundo
ano, o Júnior chamou a gente e falou: “Olha, está indo bem, eu estou gostando da
revista, vocês falaram que esse formato pequeno é mais complicado, eu pago pra
fazer o formato maior.” A gente falou: “Poxa, ótimo, isso vai fazer diferença.” A gente
ampliou a revista e começou a produzir mais conteúdo inédito, não só reaproveitar
de outras revistas. E daí, segundo, terceiro ano em diante, o negócio foi evoluindo e
crescendo. Aumentaram os anúncios, a companhia hoje tem 120 aviões, um projeto
que a gente tem há 16 anos.

P/1 – Quem faz essa venda aqui dentro, quem é responsável por isso?

R – A gente tem uma equipe própria, no caso da Gol, que é o maior projeto em
termos de captação de publicidade. Tem uma equipe exclusiva, a Isabel Borba que é
a diretora, a Patrícia Barros que é gerente e uma equipe aqui, interna, de quatro
pessoas de venda, mais um suporte, e representantes pelo Brasil, porque essa
revista funciona muito para anunciantes de outros estados, pra governos, pra
municípios, pra empresas, operações comerciais de outros estados. Ela tem
bastante anunciante do Rio Grande do Sul, por exemplo, de vinícolas, a indústria
calçadista. Tem Rio de Janeiro. Enfim, tem do Brasil inteiro, bastante anúncio.
Brasília é importante na captação de publicidade pelos anunciantes do Governo
Federal. Ela tem um trabalho com os representantes de outros estados bem
relevantes. Mas, meio a meio da receita é São Paulo e outros estados.

P/1 – Como é a Trip, em comparação? Quantos exemplares vocês publicam pra
revista da Gol?

R – A Gol hoje tem tirado 130 mil e a Trip tem tirado entre 30 e 35 mil, mensal. A
Trip também tem uma equipe de vendas comandada pela Ana Paula Wehba. Ana
Paula, além de ser diretora comercial do núcleo Trip, vende não só revista, mas
todas as mídias digitais, o site, cuida da área digital, cuida também dos eventos, o

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Trip Transformadores e a Casa TPM. A gente tem os patrocinadores, acaba tendo
uma sinergia com essa plataforma de mídia, a venda é feita para um patrocínio. Por
exemplo, O Boticário é o patrocinador do Trip Transformadores, o principal
patrocinador, e lá temos outros, a própria Gol, a Suzano, o Banco Santander tem
uma participação importante.

P/1 – Vamos voltar um pouquinho. E quando nasce a TPM?

R – A TPM nasce numa pesquisa que a gente encartou na Trip. A Trip tinha aí uns
12 anos de vida mais ou menos, a gente encartou uma pesquisa pra conhecer
melhor o nosso público. Tinha umas perguntas formuladas, teve uma resposta
grande dos leitores. E essa pesquisa mostrou que, na época, cerca de 25% dos
leitores eram mulheres, foram mulheres que responderam à pesquisa. A gente
percebeu que a gente falava com um público, embora a revista fosse voltada mais
para um público masculino, a gente tinha uma aceitação, a gente tinha um número
de leitoras grande, bastante representativo. Isso contribuiu e nos chamou a atenção:
fazer um projeto voltado pras mulheres fazia bastante sentido. Foi isso que a gente
decidiu. A gente discutiu durante algum tempo que nome essa revista teria e numa
dessas reuniões, o papo estava assim... Porque tinha várias sugestões e nenhuma
que agradasse de verdade. Alguém falando Trip Para Mulheres, Trip Para Mulheres,
o que é a Trip Para Mulheres? Aí o Luna falou: “Pô, Trip Para Mulheres, TPM.” E aí,
poxa: “TPM? Mas, pô, TPM as mulheres vão rechaçar, um negócio que é
inconveniente e não é agradável.” Ficou essa discussão do desconforto do nome e
da provocação que o nome trazia. A gente digeriu isso durante alguns dias e a gente
resolveu que era, sim, irreverente, provocador e divertido. A gente resolveu ir nesse
caminho e está aí até hoje. Foi interessante. Nasceu de um jeito meio assim,
totalmente despretensioso, enfim, deu certo, dá pra dizer que deu certo.

P/1 – Quantos exemplares ela vende?

R – A TPM, na verdade, hoje está mais nas redes sociais, mais no site. Tem um
evento, Casa TPM. Em dezembro, a gente lançou a última edição periódica da TPM.

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A gente tem edições temáticas, edições pontuais previstas. Em dezembro, ela
circulava também nessa faixa de 30 mil, tinha um volume de assinaturas até maior...

P/1 – Por que vocês decidiram que ela não...

R – Por custo/benefício, questão econômica. A gente começou a migrar cada vez
mais pro conteúdo digital. O suporte impresso e custo de distribuição foram limitando
a ponto da gente falar: “Não está fazendo mais sentido a gente investir na
manutenção dessa operação.” A gente mudou para um formato que, do ponto de
vista de distribuição, de produção, é mais econômico e preserva a marca, preserva o
jeito de olhar e de fazer conteúdo mais voltado para o universo feminino. A Casa
TPM segue, é um projeto superimportante. A discussão, os temas do universo
feminino continuam 100% aqui, embora a revista física tenha perdido a periodicidade
que teve durante 16 anos, acho, que a gente editou a TPM. A Trip tem muito do
conteúdo que a gente dirigia mais pra TPM, hoje, no projeto, nas páginas da Trip. A
gente já vinha fazendo isso ao longo de anos, uma integração. Tinha matérias que
saíam na Trip e que também saíam na TPM e vice-versa, com alguma reedição, com
algum ajuste, mas já havia matérias comuns aos dois títulos. Hoje, isso segue só na
Trip. Acho que se fizesse aquela pesquisa que a gente fez há 20 anos, perto disso,
hoje, a gente iria perceber que continua tendo um número de leitoras na Trip
bastante significativo. Então, segue com essa linha editorial que acho que atinge,
fala, se comunica bem, tanto com o universo, com o público masculino, quanto com
o feminino.

P/1 – E nas redes sociais, como vocês se posicionaram? Quando começou o
posicionamento na rede e como é hoje?

R – A gente começou com um site no UOL, quando o UOL entrou no Brasil. Era até
uma coisa que ninguém sabia muito pra onde iria, no que ia dar. Tirando a Revista
da Folha, a Trip foi, junto com a Isto É, na época, o segundo título a estar disponível
no UOL. Era um negócio muito simples, um PDF, a revista era reproduzida ali no
site. Só pra dizer, nós somos early adopters, a gente está sempre participando

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desses novos suportes, dessas novas mídias digitais, desde a origem. Foi assim
com o site, depois foi assim com o que seguiu, Facebook, Instagram, em todos os
suportes relevantes nas mídias digitais, a gente está presente. Sem dúvida, a gente
tem uma repercussão, um volume de leitores, de users, muito maior nas mídias
sociais do que no físico. Recentemente, nosso canal no YouTube chegou à segunda
posição com mais views entre os veículos impressos.

P/1 – Qual é o número hoje?

R – Hoje acho que são 160 mil inscritos, como se fossem associados, porque se
inscreve ali pra, no YouTube. Acho que a primeira é a Veja. A gente superou
recentemente o Lance, que era o segundo. Superou a Folha de São Paulo também,
recentemente. Hoje, no número de views no YouTube para veículos de mídia
impressa, a Trip é o segundo colocado. Também foi um dado que a gente
comemorou bastante, porque a gente tem feito muito vídeo.

P/1 – Quando fala desse canal do YouTube é a Trip, é a TPM?

R – São produções de vídeo que a gente vem fazendo já há anos, pros dois
veículos. Tem aí, no caso, é a Trip TV, eu me refiro à Trip TV que tem conteúdo que
foi publicado na TPM eventualmente, mas é a Trip TV. É o espaço onde a Trip vem
produzindo vídeos. Essa produção ficou durante anos em TV aberta, primeiro na Mix
TV, e depois na Bandeirantes, durante uns três anos aproximadamente, a gente
esteve nessas emissoras com o sinal aberto, mais recentemente na Band. Foi uma
experiência interessante, também do ponto de vista econômico, mas por questões
diversas – eu diria, bastante da demanda das igrejas por horário em TV, que paga
uma fortuna pra comprar – acabou que nosso espaço ali ficou limitado e a gente foi
transferindo essa energia, essa produção, pro digital.

P/1 – Quando nasceu o Prêmio Trip Empreendedores Sociais?

R – O Prêmio Trip Transformadores, né?

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P/1 – Transformadores.

R – Chama-se Trip Transformadores. Nasceu há 11 anos, esse ano agora vai ser a
décima primeira edição. A Trip, na época, vinha fazendo edições temáticas bem
definidas. A gente tinha 11 temas que tratavam de assuntos que a gente entendia
que você tendo aqueles temas bem resolvidos, ou melhor resolvidos na sua vida,
você ia ter uma vida mais feliz, você ia ter uma vida mais próspera, saudável. De
onde veio essa decisão dessas edições temáticas? O Paulo fez uma viagem pro
Butão e lá eles têm um jeito de avaliar o Produto Interno Bruto de uma forma
diferente: em vez de ser Produto é Felicidade Interna Bruta, eles avaliam de fato,
claro, é um microcosmo, é um país, mas muito voltado para a espiritualidade, para o
bem-estar. Eles avaliam a felicidade das pessoas em vez do quanto ela tem no
bolso. O Paulo voltou dessa viagem muito impactado com essa ideia, depois
acompanhou o tema, teve um outro simpósio disso no Canadá que ele foi
acompanhar e a gente resolveu listar, ocidentalizar essa ideia e listar o que pra nós
seriam os temas que fariam uma apreciação de como as pessoas seriam mais
felizes se tivessem alimentação, moradia, educação, viagem, trabalho, dinheiro,
enfim, alguns temas que, à medida que você estivesse bem resolvido com esses
temas, você seria uma pessoa mais feliz. E começamos a abordar isso de um jeito
bem eclético, bem divertido. Um dos temas, por exemplo, era sono. Então, a gente
tratava de sonho. Aí, a Trip Girl era a Trip Girl do sonho. É um olhar bem
abrangente, divertido, mas também, ao mesmo tempo, muito profundo, muito bem
elaborado, pra discutir esses temas que são complexos. Você discutir dinheiro,
discutir trabalho, discutir moradia, são temas bastante relevantes na vida de
qualquer cidadão e a gente tratava isso ao mesmo tempo com uma certa leveza e
um bom humor, de um jeito denso, elaborado e bem aprofundado no tema. Isso deu
certo, repercutiu muito com os leitores, repercutiu de forma geral no nosso núcleo de
pessoas que a gente trabalha e veio a ideia do prêmio, sugerida pelo Paulo. A partir
dessa percepção que nessa linha editorial estava funcionando e era algo relevante,
era uma contribuição importante para a sociedade, veio a ideia do prêmio. A
princípio, a gente até questionou, porque prêmio é algo questionável do ponto de

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vista de ser, a maioria deles, muito mais uma operação comercial do que
propriamente uma homenagem às pessoas que merecem esse reconhecimento.
Você paga pra se inscrever, paga se você é finalista, você paga pra receber o
prêmio, quer dizer, acaba virando uma operação muito comercial.

P/1 – Vocês criaram o prêmio dessa maneira?

R – Não, não. Isso a gente estava percebendo, quer dizer, vamos de fato ir pra fazer
um prêmio? Porque prêmio é uma coisa questionável, tem muito disso, de uma
percepção comercial de um evento desse tipo. E a gente falou: “Poxa, mas a gente
tem estofo pra isso. A gente vai tratar de temas ambientais, se pegar a Trip número
3, a gente já tratava disso como ninguém. Falava em poluição, em desmatamento, a
gente estava tratando disso de verdade. Matéria de Cubatão na 3, matéria de
desmatamento. Quer dizer, desde a origem, a gente já tratava disso. A gente vai
falar de questões sociais? Pô, no comecinho a gente já falava de transexual, de
discriminação social, de negros.” Com esse olhar a gente percebeu que muita coisa
que a gente teria no projeto pra homenagear pessoas e campos que merecem a
nossa atenção, pra homenagear pessoas que estivessem fazendo um trabalho
relevante pra sociedade, pro país, pro planeta, que doa o melhor de si, que é o seu
tempo e a sua energia, pro próximo, a gente já trazia no histórico, na vida da revista
desde a origem. A gente tinha de fato uma base, uma história que contribuía pra
gente apostar que o reconhecimento disso viria quando a gente colocasse isso à
prova, digamos, homenageando certas pessoas. De fato, deu certo, estamos aqui na
décima primeira edição, a gente já homenageou pessoas das mais distintas, de
neurocientista, Miguel Nicolelis, ao Romário, jogador de futebol. O Romário, no caso,
não pelo trabalho dele no futebol, nem como deputado, mas como pai de um filho
com Síndrome de Down. Ele abraçou e contribuiu muito pro jeito dos pais se
relacionarem e se colocarem publicamente, porque a gente conhece gente que tem
filho com Down e esconde. Ele não, ele pegou o filho no colo, ia pra praia e fazia
questão de estar com o filho publicamente e de demonstrar o amor que de fato a
gente percebe que ele tem. Então, é um olhar bem abrangente do tipo de pessoa

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que a gente deve homenagear, de como essa pessoa está contribuindo para o
próximo. E isso, pô, o maior orgulho desse trabalho, desse projeto, desse prêmio.

P/1 – E a venda de patrocinador, como ficou o capital?

R – No começo, nos primeiros dois, três anos, a gente teve que bancar também
esse projeto. Já tinha patrocínio, no primeiro ano a gente teve Itaú e Volkswagen, se
não me engano, a partir do segundo O Boticário entrou e está até hoje, entre outros.
Mas nas primeiras edições, a gente ainda bancou uma parte do orçamento. O que a
gente captava de receita não cobria o orçamento. A gente teve que cobrir, investindo
e apostando nessa ideia, não só como produto que a gente acreditava e que de fato
passou a ser uma operação rentável, mas por que gente entendia que aquilo era
muito importante pro nosso posicionamento, pra Trip como uma instituição. Um
projeto que é relevante pra sociedade e pro país. E depois, do terceiro, quarto ano
em diante, o negócio atingiu o ponto de equilíbrio e começou a dar resultado. De
fato, foi muito importante pra percepção do discurso da Trip, do conceito que a gente
leva.

P/1 – Qual é o papel que você tem nisso tudo?

R – Bom, eu estou desde a origem, como eu já contei aqui, desde o início. Eu sou
muito mais dos negócios, da produção. Eu me envolvo na área comercial, na área
de negócios, na administração financeira e na gestão operacional da empresa. Eu
sou muito mais voltado pros números, pra gestão, do que pro conteúdo. Participo, já
participei mais, porque na medida que a empresa cresceu em certas demandas, eu
tive que me dedicar mais. O negócio da prestação de serviço, a relação com os
clientes, a negociação com os clientes, acabam exigindo mais da minha agenda.
Hoje eu estou bastante voltado pra isso. No começo, até paste up eu fazia. Até
montar as artes, enfim, fazia de tudo, acompanhamento na gráfica, vender
publicidade, fazer a gestão financeira do negócio, a gente tinha que realmente lidar
em todas as áreas de atuação da operação. Eu escrevi durante algum tempo, fiz
entrevistas, durante 17 anos fui colunista da Folha de São Paulo também, assinei

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uma coluna semanal durante 17 anos na Folha, no caderno de Esporte, voltada pra
esportes de ação. Falava bastante de surf, de outros esportes que tinham pouco
espaço na mídia, especialmente lá atrás, no começo, eu falava sobre escaladas,
sobre skate, sobre mergulho, sobre voo livre, enfim, sobre esportes que tinham
pouca exposição na grande mídia. Eu pegava personagens ou assuntos relativos a
esses esportes e dava um espaço no jornal que era, e continua sendo, acho, o de
maior circulação no Brasil. Foi um trabalho interessante, porque eu me obriguei
semanalmente a escrever, fazer um trabalho para o qual eu não tenho formação,
não tinha tanta habilidade, mas acabei me propondo, me dedicando e acabou que
uma coisa que começou sem nenhuma pretensão... Por mais que ela cobrisse um
espaço que a Folha precisava ocupar e que nos consultou – internamente, a pessoa
que a gente imaginava que ia querer fazer isso, estava pronta pra isso, não pôde
fazer, não quis fazer – eu acabei falando: “Bom, vou pegar essa.” Achei que ia
escrever durante algumas semanas, alguns meses, sei lá, e foram 17 anos. Parou,
porque numa Olimpíada, em 2012, o jornal ia dedicar o espaço todo pros jogos e
falou: “Agora a coluna vai pro digital e depois, quando voltar pro caderno, a gente vai
diminuir o espaço, então, a gente segue no digital.” Eu estava tão corrido aqui, tanto
tempo fazendo aquilo, falei: “Tá bom, acho que minha experiência nisso valeu.” Foi,
de fato, legal, porque pra escrever, eu acabei me envolvendo e até praticando vários
desses esportes que não estavam na minha...

P/1 – Quais esportes?

R – Ah, mergulho, eu tive experiências em escalar parede, fazer montanhismo,
escalar paredes mesmo. Fiz tandem, saltos duplos de paraquedas, de paraglider, de
voo livre, algumas trilhas de mountain bike, que eu já tinha feito, mas fiz uma
experiência de algo mais interessante, um lugar mais relevante pro esporte. Fiz
várias viagens também a partir disso, snowboard. Foi divertido por um lado, me abriu
possibilidades e foi uma experiência legal, que eu levei durante muito tempo. Mas
aqui na Trip o meu negócio era financeiro, administrativo, negócios e é a isso que eu
tenho me dedicado bastante, quase que exclusivamente.

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P/1 – Você continua participando das decisões?

R – Sim. Quer dizer, a gente tem um conselho, um grupo de direção, o Paulo, eu, o
diretor financeiro, uma diretora de negócios que é a Ana Paula. Até há pouco tempo,
o Fernando Luna, que saiu recentemente do time. Essa turma, a gente se reúne
uma vez por mês e discute um pouco de estratégia, de planos e, excepcionalmente,
a qualquer momento, a gente se junta, ou dependendo da decisão, dependendo do
assunto, o Paulo e eu dirigimos as decisões.

P/1 – Como é a sua relação com o Paulo?

R – Minha relação com o Paulo... A gente é sócio e amigo há 35 anos. Amigos, acho
que há uns 35, sócios há uns 33, 34. A Trip está fazendo 31, a gente trabalhou junto
alguns anos na Visual. A gente tem uma relação que é incomum pra uma sociedade,
estar junto há tanto tempo num projeto, numa operação que tem seus momentos de
dificuldade, a gente lida bem com isso, convive bem e tem prazer. Às vezes, passar
um fim de semana juntos, fazer uma viagem juntos e sair pra jantar com as esposas.
A gente tem uma proximidade e uma relação pessoal que vai além do trabalho. Isso,
do que eu conheço, não é muito normal, não é o padrão. Então, isso também é
muito gostoso, eu o tenho como meu melhor amigo, a pessoa com quem eu tenho
intimidade e liberdade de trocar confidências e falar de coisas relevantes pra mim,
ouvir a opinião e dividir com ele decisões no campo pessoal. Uma pessoa que eu
admiro demais, meu amigo e sócio há tanto tempo. Mesmo nos momentos difíceis, a
gente sabe se entender.

P/1 – Na alegria e na tristeza.

R – É.

P/1 – Vamos fazer agora uma parte sobre a sua vida pessoal. Quando você se
casou?

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R – Eu estou com a Juliana há 32 anos.

P/1 – Entre namoro...

R – É. Juliana Dantas de Andrade, a minha mulher.

P/1 – Como vocês se conheceram?

R – A gente se conheceu... Eu alugava uma casa em São Sebastião, na época, pra
ir surfar em Maresias e no litoral norte. Era mais fácil ficar em São Sebastião e ir de
manhã surfar pra lá do que vir pelo litoral sul e subir a Rio Santos, era um atoleiro,
era difícil. A gente ia pela estrada, chegava em São Sebastião, dormia em São
Sebastião e ia surfar em Maresias, em Guaecá, aqueles lados, Camburi. Nessa
época que eu alugava essa casa, eu dividia com um amigo que mora em Maresias,
Alberto Paganani. A gente dividia essa casa lá na Rua Ubatuba, em São Sebastião,
uma casinha, uma edícula. Em um fim de semana, o Bitê, o Alberto, esse meu
amigo falou: “Eu emprestei a casa para umas amigas nesse fim de semana. Você
pretende ir pra lá?” Eu falei: “Não, acho que eu vou pra Ubatuba esse fim de
semana, deixa as meninas lá.” Eu fui pra Ubatuba com um amigo, fotógrafo aqui da
casa na época, o Haroldo Nogueira, a gente foi surfar lá. O mar pra Ubatuba estava
ruim, mas estava em condições ideais pra Maresias. Aí, acordamos em Ubatuba,
checamos as condições e falamos: “Meu, vamos lá, vamos pra Maresias.” Saímos
de Ubatuba, viemos surfar em Maresias. No fim, o mar estava enorme, a gente caiu
em Guaecá, estava mais apropriado. Surfamos em Guaecá, aí a gente pretendia
arrumar a casa de alguém, na época a gente conhecia todo mundo ali, era uma
coisa bem moleque. Não encontramos ninguém, falei: “Vamos lá pra minha casa, a
gente vê quem está lá e se joga lá (risos).” A gente chegou em casa, já fui abrindo o
portão, entrando com o carro, e estava a Juliana com duas amigas, a Andréia e a
Cláudia, eu me apresentei. Aí, conhecemos as meninas, falei: “Olha, a gente vai ter
que ficar aqui porque não arrumamos onde ficar.” “Não, tudo bem.” Ficamos lá,
acabamos passando o fim de semana juntos. Era antevéspera de Natal, sei lá, dia
22, 23 de dezembro. A gente acabou voltando na segunda ou terça-feira, no meio da

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semana, elas voltaram junto com a gente. Eu fiquei meio de casinho com a Juliana e
convidei pra gente se encontrar depois do Natal. Assim começou, e estamos juntos
até hoje.

P/1 – Depois de quanto tempo vocês começaram a namorar?

R – Logo depois.

P/1 – Quando vocês casaram?

R – Casar oficialmente, a gente não casou.

P/1 – Sei, foram morar juntos.

R – Nessa época eu já alugava uma casa aqui em São Paulo também com um
amigo, dividia um apartamento aqui na Alves Guimarães com o Augusto Peres.

P/1 – Qual é a diferença de idade entre você e ela?

R – Nove pra dez anos. Eu sou nove anos e meio mais velho do que ela. Eu estou
com 57. Aí, alugando esse apartamento, ela ficava bastante lá comigo, ela morava
num apartamento ali nos Jardins. Foi um período de namoro com altos e baixos,
vamos dar um tempo e depois voltávamos, e assim a gente ficou durante algum
tempo. O Augusto, esse meu roommate, ia casar e foi morar em outro lugar. Eu
também arrumei um outro apartamento pra alugar sozinho e aí convidei a Juliana.
Na verdade, a gente combinou de ir morar juntos, ela parou de dormir informalmente
na minha casa, falava pro pai dela, na época. Eu conheci a Juliana quando ela tinha
16 anos, eu tinha 25, uma diferença que, naquela época... Se hoje ainda é uma
diferença, naquela época era muito marcante. Foi um episódio, um período, ela tinha
que lidar especialmente com o pai – que era separado da mãe e que ela via menos
– com relação a isso, com uma certa reserva. A mãe dela, eu conheci voltando de
uma viagem. Na época, os postos de gasolina não funcionavam no fim de semana,

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então, a gente voltava do litoral com o tanque de gasolina no cheiro, gasolina pra
chegar. Quando eu cheguei na casa dela, eu falei: “Não vou conseguir chegar em
casa, vou dormir aí.” Aí, dormi na casa dela. Nessa época, ela morava numa casa ali
perto do Shopping Iguatemi, naquela rua em frente. Parei o carro na garagem e fui
dormir, dormimos na cama de casal da mãe dela, a mãe dela morava no Sul nessa
época. Acordamos de manhã, ela saiu: “Vou preparar um café.” Saiu e voltou em
três segundos: “Minha mãe está aí.” Eu falei: “Caramba, eu vou pular o muro, por
onde eu fujo?” Só que o carro estava na garagem, o carro da mãe dela atrás do
meu, eu falei: “Não vai ter jeito.” Descemos, estava a mesa do café posta, com cinco
lugares, pra mãe, pras três filhas e pra mim. Sentei, tomei café com elas, a mãe foi
super simpática. No final, a mãe falou: “Preciso de uma carona, preciso deixar o meu
carro aí, me dá uma carona.” Dei uma carona pra Vilma e ela falou: “Eu já sabia de
você, tenho boas referências, gostei de você, mas olha, a minha filha tem 16 anos,
então, se liga.” Enfim, deu muito certo, estamos juntos até hoje, temos a Mariana de
Andrade Sarli que está com 20 anos, está fazendo Faap (Fundação Armando
Álvares Penteado) agora, começou a fazer RI na ESPM no ano retrasado e não deu
certo, esse ano começou a Faap, que é do lado de casa, faz Desenho Industrial. E a
Carolina, que está no segundo ano do colégio, ensino médio, no Colégio Santa
Cruz.

P/1 – Como foi o nascimento da primeira filha? O que mudou na sua vida?

R – A gente tinha uma certa dúvida sobre ter filho naquele momento, eu já estava
ficando mais velho, obviamente eu tinha vontade, a Juliana um pouco menos, tinha
mais dúvidas sobre a maternidade. Mas resolvemos parar, ela, de tomar pílula, de
usar contraceptivo. Quase que imediatamente, ela engravidou. Eu lembro que eu ia
fazer uma viagem, ia ficar uns 15 dias fora, eu cheguei do trabalho pra preparar a
mala e ir para o aeroporto, ela me chamou e falou: “Estou grávida (risos).” Caramba!
Eu lembro que eu parei de arrumar a mala e fui dar uma corrida, saí correndo pelo
bairro. Falei: “Demais, vamos nessa.” Fui viajar, tive um tempo pra pensar bastante a
respeito, eu queria muito. Por alguma razão, eu tinha certeza que era mulher que ela
estava esperando, falei pra ela de cara: “É uma menina.” Acho que foi a primeira

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coisa que eu falei. E era a Mariana. Foi ótimo, foi, acho, uma decisão das mais
acertadas que a gente tomou, querer ter filho, acho que pra gente hoje... Pra gente
hoje não, pra gente desde então, foi determinante pra nossa relação e pra
manutenção dessa nossa história juntos. Acho, tenho quase certeza, se a gente não
tivesse filhos era bem provável que nós não estivéssemos juntos. As meninas foram
importantes, temos uma família que eu adoro, que eu me orgulho e que é uma
delícia. A gente viaja junto, a gente gosta de se reunir. As meninas são bem
diferentes uma da outra, de personalidade. Isso é interessante, essa experiência de
como as pessoas com a mesma formação, com o mesmo tipo de relação com os
pais, com a escola, com o meio ambiente todo que cerca, serem tão diferentes de
personalidade, de reações. Isso também ajuda muito a tornar essa experiência mais
gratificante, mais divertida, ao mesmo tempo que é mais desafiadora. Espero que a
gente siga com essa relação que até hoje tem sido muito gratificante pra mim.

P/1 – Quais são os planos futuros da Trip? Como você vê o futuro?

R – Voltando um pouco a aquele salto que eu falei... A gente teve o segundo
momento importante que foi esse negócio de prestar serviço, que veio meio que
organicamente, apareceu no nosso radar e a gente percebeu depois de dois, três,
quatro serviços desse tipo que a gente pegou, que a gente tinha desenvolvido ao
longo dos dez anos anteriores a esse processo na Trip, com os erros e acertos da
Trip, saber se relacionar com certos universos. A Trip transitava bem, transita bem
de A a Z, diversos segmentos da sociedade, e acho que isso contribuiu muito pra
gente entender as diferenças e os interesses, o jeito de olhar o mundo de cada um
desses clusters, desses grupos. A gente, de uma forma fácil, eficiente, adaptou pra
cada um desses projetos, pra cada um desses clientes que tem uma demanda num
universo da sociedade ou num segmento que ele atua mais diretamente. Isso foi
fácil pra gente desenvolver, quer dizer, essa habilidade que a gente construiu
involuntariamente, intuitivamente, organicamente, acabou se tornando um ativo que
a gente percebeu depois de algumas experiências dessas. A gente começou a
replicar, quer dizer, tentar criar uma metodologia pra não depender tanto e
exclusivamente de algumas poucas pessoas que faziam parte do grupo naquele

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momento e poder ampliar o nosso universo de clientes. Isso foi feito, a gente
conseguiu desenvolver essa metodologia e chegamos a ter dez clientes desse tipo,
clientes grandes. A empresa prosperou bastante com isso, principalmente no custom
publishing, na publicação, depois diversificando isso pra entrega em outros suportes,
nas mídias digitais, nos vídeos, em eventos, de várias formas a gente entregava
esse entendimento da marca, essa estratégia de futuro, de planejamento dessas
empresas de várias formas, até porque a mídia impressa foi sendo posta em cheque
na medida que o digital foi ocupando espaço e a gente precisou diversificar pra
esses outros suportes. Isso a gente faz bem hoje, é um desafio, porque a gente
ainda é percebida como editora no sentido de publicação. A gente tem lidado com
isso pra ficar cada vez mais... Aí vem, eu diria, a terceira fase, que a gente está
vivendo hoje, de inteligência, de interpretação dessas marcas com as quais a gente
atua, ou que procura atuar, que é assim, como eu citei há pouco a Daslu, a gente
entendeu que ela não era uma butique de luxo pra poucos, ela era uma editora de
moda. Essa leitura foi a partir de uma imersão que a gente fez naquele ambiente,
inclusive ir para o exterior com a Eliana em alguns desfiles, e conhecer os
stakeholders, as pessoas que se envolviam com a marca. Só que naquele momento,
a gente simplificava e traduzia aquilo numa revista, numa publicação. Hoje a gente
percebe que esse é o ouro, essa é a essência do trabalho, talvez o principal
trabalho. É desenvolver esse conhecimento dessa marca, dessa empresa com a
qual a gente está se relacionando, e depois traduzir isso, pode ser numa revista,
pode ser em vídeo, pode ser em evento, pode ser numa simples interpretação e
transformar aquilo numa leitura que já tem um tremendo valor pra esse cliente. Pra
ele se olhar no espelho, pra ele se entender melhor, pra ele ter uma percepção
melhor daquilo que ele vem fazendo e que ele pode e deve, talvez, fazer no futuro.
Essa é a contribuição que a gente tem procurado levar pra certos clientes nossos. A
gente está hoje procurando estar menos focado na entrega, no suporte e sim na...
Na entrega não, porque isso também tem uma entrega, mas assim, menos no
suporte e no que vai se transformar essa análise, esse estudo que a gente
desenvolveu junto com essa empresa e entregar esse trabalho que é de consultoria,
que é de inteligência, como principal entrega. É natural que a partir disso surjam
outras demandas e é isso que a gente tem percebido. Mas a gente está valorizando

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muito esse trabalho de inteligência como algo que a gente deve e já vem
transformando em produto. O produto hoje não é necessariamente uma produção de
vídeo, um evento, mas é essa imersão e como a gente interpreta o que essa marca
vem fazendo e a sugestão do que deve vir a fazer. Esse está sendo, nesse
momento, o nosso desafio, o nosso trabalho. A gente ainda não tem um nome
próprio pra isso, nem essa metodologia está sendo desenvolvida e ela combina
vários conhecimentos. É um trabalho que combina consultoria com agência de
propaganda, com uma agência de relacionamento, com mídia. Enfim, são vários
conhecimentos que a gente entrega a partir de uma análise aprofundada, a gente
conversa com muita gente, faz diversas entrevistas com pessoas representativas na
operação, o dono, os principais diretores, o presidente, consumidores, fornecedores,
várias pessoas que se relacionam com aquela operação e faz uma leitura. E essa
leitura é o que a gente está vestindo hoje como uma entrega importante para ter
uma empresa que é menos dependente do suporte, e, portanto, precisa de menos
estrutura, de menos custo fixo, de menos custo de entrega e mais um núcleo de
pessoas, de profissionais preparados pra desenvolver um trabalho que tem sido
percebido como muito relevante para muitas marcas. Hoje a gente vem fazendo
isso. Além dos que a gente já presta serviço, que são Itaú, Nestlé, Ambev
(Companhia de Bebidas das Américas), Faap, Audi, Gol, uma série de clientes que a
gente já vinha prestando serviço há anos e que essa entrega já vinha acoplada,
agora a gente está fazendo esse trabalho específico pra empresas como Four
Seasons, TeleHelp, Restaurantes Madero, Banco do Brasil, para algumas empresas
que a gente já vai com esse discurso mais voltado para uma análise, para uma
consultoria, que pode depois se desdobrar em outras entregas, mas não
necessariamente. Quer dizer, esse trabalho já é um trabalho relevante.

P/1 – Você participa diretamente disso?

R – Participo. Participo...

P/1 – Na formatação dessa inteligência?

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R – Também, mas muito mais na formatação da operação do negócio, de como
monetizar isso, de como valorar isso e transformar em negócio. Eu também tenho
um papel neste campo de aproximar negócios, usar minhas relações para aproximar
negócios. Eu tenho dedicado espaço na agência pra isso, pra oferecer, levar essa
sugestão para alguns amigos, para algumas pessoas do meu relacionamento, pra
mostrar que a Trip tem hoje também esse tipo de serviço pra ofertar. Está
funcionando bem, está evoluindo bem. É um negócio recente, como eu disse, a
gente nem tem um nome próprio pra isso, mas está tendo repercussão, está
funcionando, já está dando resultado.

P/1 – Quais são seus sonhos hoje, Carlos?

R – Olhe, eu me orgulho muito do que eu fiz, do que eu faço. Apesar das
dificuldades, esse momento do país, é uma vergonha, né? Muito decepcionante. Pra
quem está investindo 35, quase 40 anos da vida trabalhando pra construir algo e ver
essa situação, as notícias que a gente ouve diariamente, cada vez mais absurdas,
cada vez mais estúpidas, o nível das pessoas que envolvem, fala: “Não, sou um
otário de ficar investindo, de ficar dando emprego, pagando imposto do jeito que a
gente é obrigado a honrar pra existir de um jeito correto, fiscal e comercialmente, e
tem essas referências.” A maior empresa produtora de proteína animal do país,
talvez do mundo, acho que é do mundo, é uma pilantra, envolvida com a
presidência, com a cúpula que comanda o país. E está devendo bilhões para o INSS
(Instituto Nacional de Segurança Social). Você fala: “Poxa, a gente aqui ralando pra
pagar em dia, pra ter todos os compromissos, não ter dívida.” Ouve isso diariamente,
uma atrás da outra, sucessivamente, é muito decepcionante. Mas eu continuo
acreditando, o país é resiliente. A gente, nessa experiência como empresário, já são
várias décadas, mais de três, mais de 30 anos nisso, a gente percebeu que o país
saía da crise até com certa facilidade, vinha uma situação que você achava que era
insolúvel e interminável e, rapidamente, a gente voltava a crescer, voltava a ter um
período próspero. Essa está diferente, essa está se arrastando. Como não para de
vir notícia ruim, como vai ter que ser mesmo um marco – antes e depois da Lava
Jato, senão não vai valer a pena mesmo – a gente vai sofrer um pouco mais, acho

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que ainda vai demorar mais, essa resiliência que a gente estava, que eu percebia
em outras situações, vai ser mais arrastada porque, de fato, impactou demais na
economia, impactou demais na política e vai precisar de mais tempo pra recuperar.
Já vai aí pra três anos que essa situação vem se prolongando. Continuo motivado,
apesar disso, continuamos fazendo um trabalho que é motivo de orgulho, eu venho
amarradão, todo dia, trabalhar. Economicamente, se a gente estivesse em outro
país mais decente, acho que a gente estaria muito melhor, tanto na física quanto na
jurídica. Tem uma empresa que é muito parecida com a nossa, do ponto de vista
histórico, que é a Vice. Começou com uma revista disruptiva, com projeto editorial
original, só que começou no Canadá e logo depois foi pra Nova Iorque. Depois
começou a prestar serviço de conteúdo pra outras máquinas, e hoje é uma potência
mundial, uma empresa que foi incorporada a grandes grupos de comunicação e
vale, em tese, bilhões. A gente começou antes, pelo menos uns dez anos ou perto
disso, com a mesma proposta de fazer uma revista disruptiva, pra usar essa palavra
da moda, e depois prestar serviço de conteúdo e fazer algo que segue, que eles
seguem muito parecido anos depois. Hoje a gente é uma empresa bem-sucedida do
ponto de vista de ter sobrevivido a todas as dificuldades e fazer um trabalho que é
muito prestigiado, mas economicamente, a gente ainda é vulnerável, uma crise
dessas a gente fica vulnerável, se esse período de incerteza e de poucos recursos
se perpetuar, se alongar por muito tempo, eu não sei como a gente se adapta. Isso
que eu falei desse trabalho de consultoria é também uma forma de se adaptar a
isso, com menos gente, com menos custo fixo, é uma forma de lidar com essas
incertezas que o país te impõe e com um custo trabalhista absurdo. Então, por mais
que você faça tudo direito, ainda assim você está exposto. Acho que a gente tem
menos de 3% da folha de trabalho mundial e tem 80% dos processos trabalhistas,
quer dizer, uma coisa completamente anacrônica, estúpida e improdutiva, restringe
demais as pessoas que investem, que produzem, seguirem motivadas.

P/1 – Mas dentro desse cenário, quais são seus sonhos?

R – Meu sonho é continuar fazendo a Trip levar sua mensagem, construir esse
projeto que, modéstia à parte, entendo que é bastante relevante pra sociedade, é

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um legado. Continuar construindo isso é muito importante e gratificante pra mim. Ter
mais tempo pra mim, mais conforto financeiro e mais tempo pra mim, é também algo
que eu tenho precisado. Com essa situação econômica toda, a gente acaba exigindo
demais da gente, você tem que dedicar mais tempo pro trabalho, pra solução dos
problemas que surgem frequentemente. Eu gostaria de, nessa altura da vida, já
poder ter delegado mais, ter mais suporte de uma equipe que conduziria isso e eu
estaria mais supervisionando, não precisando ser tão presente e colocar tanta
energia. Queria poder, hoje, estar mais solto pra fazer esse trabalho, com mais
tempo pra mim, pra minha família, pras coisas que eu gosto de fazer, esporte,
viagem, estudar um pouco mais. Mas tem sido difícil por conta da exigência, da
demanda que eu tenho aqui. Meu sonho passa muito por aí, passa por ver minhas
filhas bem encaminhadas, concluindo faculdade, os estudos, e seguindo bem,
profissionalmente e nas relações pessoais. É isso, acho que o que eu de fato sonho
é aquilo que eu apostei profissionalmente, que é a Trip, esse projeto, que ele
continue bem-sucedido e que ele não fique vulnerável a esse momento terrível que o
país está atravessando. E que minha família siga próxima e com saúde física,
mental e espiritual, que a gente esteja bem, todos juntos. Principalmente isso.

P/1 – O que você achou de contar a sua história de vida pro Museu da Pessoa?

R – Foi ótimo. É difícil ter essa oportunidade de fazer uma retrospectiva. E de fato
fiz, né? Quando você começou me perguntando onde eu nasci, eu comecei a pensar
como era no apartamento no Brás, como foi morar em Santos, como tem sido esse
momento, tudo, uma retrospectiva que eu me obriguei a fazer. Eu nem pensava que
seria exatamente isso, de fato não, eu deveria ter feito, mas não consegui olhar o
que vocês têm publicado no ambiente de vocês. Eu achei até bom, de fato, eu
cheguei a pensar em me obrigar a fazer isso, mas falei: “Não, eu quero ir mais
freestyle mesmo, quero ir mais pra ver o que vem e reagir, interagir, como o
momento definir.” Sua condução foi legal também, ajudou. Foi muito agradável,
chegou até um momento que eu falei: “Pô, estou fazendo uma terapia aqui.” De fato,
em parte é isso, quando você começa a pensar a seu respeito, situações passadas,
situações presentes, é bem isso. Eu fiz terapia um tempo, foi útil, um dado momento

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eu falei pro Jacob Goldberg que eu achava que ia parar, ele simplesmente levantou
da cadeira, abriu a porta e falou tchau (risos). Eu até fiquei meio assim porque falei:
“Acho que vou parar...” E ele me... (risos). E nunca mais fiz. Então, esse papo aqui
foi bem agradável e foi útil pra fazer esse retrospecto.

P/1 – O que você acha da existência de um Museu da Pessoa?

R – Acho interessantíssimo. Agora que eu pude fazer o meu depoimento, eu vou
procurar conhecer melhor. Confesso que não conheço, mas sei da proposta, sei do
seu trabalho, ouvi comentários, agora eu vou conhecer com o meu olhar. Mas eu
acho genial, acho que isso pras futuras gerações e pra um registro do povo
brasileiro é algo muito relevante. É um banco de dados que vai contribuir demais
daqui a alguns anos. Eu sei que isso já é um trabalho que vocês vêm fazendo há
algum tempo, e vai continuar sendo feito, então sempre vai ter as histórias mais
antigas que já ficam no tempo como algo: “Pô, olha como era, olha o discurso...”
Como vai ser daqui a 50 anos, sei lá, essa leitura. Mas, de fato, é um registro que
vai ser relevante pra sempre, acho que é um olhar, uma leitura que vai ser muito
interessante de se ver lá na frente, como já é hoje. Eu acho que ouvir e ver a
entrevista de alguém que aconteceu na semana passada já é relevante. Acho que
com o tempo isso acrescenta importância no trabalho.

P/1 – Obrigada! Foi ótima a sua entrevista.

FINAL DA ENTREVISTA

Dúvidas em trechos:
Minha avó foi a única avó que eu conheci, Gemma _0:02:19_ Sarli. – Página 1.