Museu da Pessoa

Uma paixão chamada cooperativismo

autoria: Museu da Pessoa personagem: Gley Nogueira Fernandes Gurjão

Projeto Unimed Brasil 40 Anos

Realização Instituto Museu da Pessoa

Entrevista de Gley Nogueira Fernandes Gurjão

Entrevistado por Maria e Lenir

São Paulo, 28 de fevereiro de 2007

Código: UMBR_HV005

Transcrito por Écio Gonçalves da Rocha

Revisado por Isadora Catem Santos


P/1 – Bom dia.


R – Bom dia.


P/1 – Vamos começar com o senhor falando o seu nome completo, o local e data de nascimento.


R – Bem, eu me chamo Gley Nogueira Fernandes Gurjão. Eu sou do Rio Grande do Norte, de uma cidade chamada Mossoró, e nasci no dia 2 de março de 1940.


P/1 – Qual a sua atividade e função atual na Unimed?


R – Atualmente eu sou o Presidente da Unimed de Natal.


P/1 – Qual o nome dos seus pais?


R – O meu pai chama-se Euclides Fernandes Gurjão e minha mãe Maria de Lourdes Fernandes Gurjão.


P/1 – Qual é ou era a atividade profissional dos seus pais?


R – O meu pai era médico e a minha mãe do lar.


P/1 – Qual a origem da sua família?


R – Olha, a minha família tem um livro agora, que escreveram, sobre a família Fernandes. O ramo surgiu de dois irmãos que vieram, um para o Amazonas e outro para o Rio Grande do Norte e criaram essa família Fernandes. E da família Gurjão coincidentemente também no Pará e no Rio Grande do Norte.


P/1 – Falando um pouco da sua infância, o senhor se lembra um pouco da sua casa, da casa dos seus pais, como era, o local onde o senhor nasceu? O senhor pode nos contar?


R – Eu lembro perfeitamente. A minha avó que, ficando viúva no interior, veio para a cidade, ela vendeu a fazenda que tinha e comprou um grande terreno lá num bairro, um pouco afastado na cidade de Natal e aí construiu a casa pra ela, outra para um irmão e também construiu a casa do papai. Então era um grande sítio, que eu não posso esquecer nunca das brincadeiras, dos jogos alí. E tenho assim remotas lembranças do tempo da guerra em que construíram abrigo lá no fundo do quintal e que às vezes a meninada, de brincadeira, corria lá pra dentro pra dizer que iria haver um ataque, uma coisa.


P/1 – O senhor lembra alguma brincadeira da época que vocês gostavam de fazer?


R – Olha, eu tinha uns tios que sempre gostaram muito de esporte, e por conta disso, realmente a minha brincadeira, o que eu gostava mesmo era de esporte. Eu nadava e jogava basquete, com essa altura toda que eu tenho, um metro e setenta só, mas jogava. E era bem isso assim as brincadeiras. Os meus tios iam lá, tinha campo de futebol, lá na rua tinha um campo de vôlei. Então, quando eu não estava jogando, estava assistindo eles jogarem.


P/1 – O senhor lembra do tempo, como era a cidade naquela época?


R – A cidade de Natal era uma cidade pequena, ainda hoje é uma cidade média, tinha 280 mil habitantes. Eu sei mais ou menos porque estive conversando sobre isso essa época. E muitas ruas não eram calçadas. Agora, era uma cidade muito agradável de viver porque era muito arborizada e eu via assim muita gente jovem. As festividades coletivas eram muito interessantes. Por exemplo, Carnaval. Tinha aqueles blocos familiares que a gente saía visitando as casas dos amigos. Tinha o Sete de Setembro, era uma farra porque o colégio ensinava a gente a marchar fardados, desfilando pela rua, as disputas entre os colégios. Então era uma coisa assim, à noite o pessoal ficava nas calçadas pra conversar. Era uma coisa muito interessante, era agradável naquela época.


P/1 – E quando o senhor iniciou os seus estudos, o senhor lembra da escola, dos professores?


R – Eu me lembro. Eu tenho umas lembranças da minha infância porque a casa que a gente morava era perto de uma emissora de rádio, eu vou dizer assim, foi um fato que me marcou. Duas das minhas professoras eram cantoras e cantavam nessa rádio lá, então elas levavam a gente pra assistir os programas da rádio naquela época, programa de auditório e elas cantando, e isso era muito interessante, era o fato assim do colégio. E outra coisa, o colégio onde eu estudava era da minha família. Então, nesse colégio eu fiz toda a minha formação, desde o Jardim da Infância até terminar o terceiro ano de Técnico em Contabilidade, que era equivalente ao Curso Científico que eu fiz paralelo. Terminei fazendo, nos três últimos anos desse primeiro grau, ao mesmo tempo o Curso Científico e o Curso Técnico em Contabilidade, mas sempre era nesse colégio da minha família. Lá até, depois, quando eu estava já mais adiantado, eu fui, além de aluno, professor. Tinha uma turma que faltava professores. Então, eu tive uma vivência muito grande dentro do próprio colégio.


P/1 – E qual era a matéria que o senhor mais gostava lá, o seu desempenho na escola?


R – Olha, eu gostava muito de Matemática e Biologia, eram as matérias que eu tinha mais...


P/1 – O senhor se considerava um bom aluno?


R – Não, eu não era o melhor aluno mas eu nunca fui mau aluno. Eu nunca fui reprovado em nada, mas não era o primeiro aluno da classe não, nunca fui porque eu sempre fui ruim em decorar e o ensino naquela época era muito decorativo. “Ah, diga isso”, aí o professor mandava eu contar um fato de história, tinha que dizer as datas. Eu contava a história todinha, não dizia uma data. Ele dizia: “Que história é essa, Glay? Você fica falando de história aqui e não sabe de datas.” Eu disse: “Olha, é porque eu sou ruim de decorar datas”.


P/1 – O senhor falou que lá na escola o senhor se lembra das comemorações de Sete de Setembro. Além disso o senhor se lembra de outras comemorações que vocês faziam?


R – Ah, as festas de São João eram muito boas. E a Páscoa era interessante porque juntava aquela meninada toda pra ir se confessar, depois pra o café da manhã, a comunhão, e depois baile, essa meninada dançando, tudo. Era tudo muito bom.


P/1 – O senhor fez dois cursos, então, a Contabilidade junto...


R – Junto com o Curso Científico.


P/1 – E o senhor lembra dessa sua formatura?


R – É, não houve assim, no Curso Científico não houve nenhuma comemoração não, mas o Curso Técnico em Contabilidade porque já era um curso profissionalizante, então tinha vários colegas que já queriam dali seguir, era a sua formação para o resto da vida. Então essa turma queria festejar, e eu, como estava na turma, apesar de eu não querer seguir a profissão de contador, me engajei nessas festas, tinha anel de formatura, essas coisas.


P/1 – E o que influenciou o senhor pra carreira de medicina?


R – Olha, o meu pai. É interessante, o meu pai é uma pessoa que perdeu pai e mãe aos 12 anos e os irmãos dele colocaram ele interno num colégio dos 12 anos até ele entrar na faculdade de medicina. Isso em Recife, no colégio, e depois ele fez medicina no Rio. Então ele queria que eu fosse tudo que ele não fosse porque ele disse que ele sofreu muito. Ele disse: “Eu não quero que você vá ser médico porque é uma profissão muito sacrificada, trabalha muito, eu não quero, eu não quero”. Tudo ele me desestimulava assim, né? Mas eu visitando as faculdades de medicina em Recife e depois em Natal, e a vida de meu pai, que eu sentia, aquilo veio assim espontaneamente, eu quis. E apesar da boca pra fora ele me dizer aquilo, eu senti uma alegria muito grande nele quando eu disse pra ele que ia ser médico.


P/1 – A sua especialidade, qual foi a escolha?


R – Otorrinolaringologia.


P/2 – E o senhor tem irmãos?


R – Só tenho irmã.


P/1 – Com quantos anos o senhor começou a trabalhar? Depois, lógico, vocês fazem uma residência, um estágio...


R – É, a gente...


P/1 – O senhor lembra assim desse período?


R – Eu me formei aos 26 anos. Dois anos era residência naquele tempo, 28. Aí eu voltei. Aos 28, 29 anos eu comecei a trabalhar na profissão de médico e uns dois anos depois de eu voltar a Natal surgiu um concurso pra Faculdade de Medicina, eu fiz o concurso e entrei na carreira universitária. Aí passei a ser auxiliar de ensino, professor assistente, professor adjunto, chefe da disciplina, e eu fiquei lá.


P/1 – E depois da Universidade o senhor trabalhou em outros lugares?


R – Aí nesse meio tempo eu fui também médico do Inamps, que terminou depois, era Inps [Instituto Nacional de Previdência Social [Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social], depois Inamps, depois SUS [Sistema único de Saúde], né? Tanto da faculdade quanto do Inamps atualmente eu já sou aposentado.


P/1 – E o que motivou o senhor a ingressar na Unimed?


R – A gente pode se demorar um pouquinho?


P/1 – Pode, fique à vontade, o tempo é todo seu.


R – Foi a Natal, mais ou menos em 1971, um barco americano chamado HOPE, que era uma fundação, e que esse navio era uma escola de medicina. Então ele aportou em Natal e os americanos vinham ali e passaram um ano lá. E eu fiquei, passei um ano mais ou menos trabalhando com esses americanos. E tinha um professor lá que disse que queria conhecer a cidade de João Pessoa. Levei no meu carro a João Pessoa e lá conheci um médico chamado Alberto Urquiza Wanderley, que foi o baluarte, foi quem levou o cooperativismo médico para o Nordeste, é o maior espoleta que nós tivemos no cooperativismo Unimed no Nordeste. E eu, coincidiu que eu encontrei com esse médico lá e ele começou a me falar sobre Unimed. Falou, falou, e eu com o americano lá, o americano não sabia de nada, eu traduzindo pro americano e tal, mas fiquei. Depois disso eu voltei. Eu viajei e fui fazer o doutorado na Espanha. Passei dois anos e meio na Espanha, quando eu voltei da Espanha já nem me lembrava disso, nada, uns três anos depois do fato, por aí. Aí chega Alberto Urquiza em Natal e diz, querendo falar comigo. Eu digo: “O quê que é, Alberto?” Ele diz: “Rapaz, eu quero fundar uma Unimed aqui em Natal”. Eu disse: “É, tudo bem. O que eu faço? No quê que você quer que eu ajude?” “Você reúne aí pelo menos 20 médicos pra gente fazer uma reunião e fundar a Unimed”. Eu chamei uns 30 amigos meus lá e marquei um dia. Ele foi lá. Nesse dia ele já foi com o Edmundo Castilho. Chegou lá, eu apresentei Alberto aos colegas e pedi licença que eu tinha que me retirar porque naquele dia eu estava assumindo a chefia da disciplina de Otorrino e eu não podia continuar lá na reunião. Os apresentei lá e fui pra reunião lá da posse. Quando eu voltei pra casa, passava em frente lá onde estava havendo a reunião. Aí eu olhei daquele jeito. Aí encostei o carro e fui entrando lá quando um dos caras: “Olá, Presidente, como é que vai?” “Presidente, presidente de que?” “Nós fundamos a Unimed aqui e você é o presidente”. E eu nunca tive interesse por essas coisas. Eu não tinha porque eu era muito ligado à Universidade. “E o quê que eu vou fazer com isso?” “Ah, você é o presidente, você agora se vira aí”. E aí, lá eu me tornei o presidente, comecei a trabalhar pela Unimed, e pra mim foi... Hoje em dia eu acho que o destino foi muito bom comigo porque eu que não sabia nada sobre cooperativismo, hoje em dia eu me sinto realmente um cooperativista. Eu, depois de aprender as coisas, eu fiquei apaixonado não só pelo cooperativismo da Unimed como pelo cooperativismo como um todo. Então, era muito bom. Eu trabalhei nisso com muita dedicação, muito amor, porque os dez primeiros anos da cooperativa lá não se ganhava pra ser diretor, era uma coisa totalmente desconhecida, não existia esse plano de saúde como existe atualmente, não existia. Eu tinha que explicar pra os médicos, pra os usuários, pros empresários, tudo. E eu era o garoto-propaganda, eu era vendedor, eu era tudo. Então eu tive que passar, queria entregar a presidência pra outro colega, não queriam nem saber. Então eu tive que sair da presidência da Unimed. Aí eu digo: “Eu tinha que me meter nesse negócio”. Alberto Urquiza, que eu falei, que foi quem levou a Unimed para o Nordeste, ele era o presidente da Norte-Nordeste, e ele me chamou pra ser vice dele numa época. E o cargo de vice lá na Norte-Nordeste era um cargo simbólico de João Pessoa, participava só nas reuniões. Eu ia lá e tal. E eu estou levando a minha vidinha, tomando conta da Unimed de Natal, na Universidade, e um dia recebo uma notícia: “Glay, venha urgente pra João Pessoa que o Alberto teve um infarto e faleceu fulminantemente”. Foi um infarto fulminante e ele faleceu. Eu digo: “E agora?” Ele disse: “Agora você é o presidente da Norte-Nordeste”.


P/1 – Mais uma atribuição, né?


R – Mais uma atribuição. Lá fui eu pra presidência da Norte-Nordeste porque o Alberto tinha morrido, um sujeito... Alberto era daquelas pessoas que é insubstituível. Mas aí um amigo meu dizia: “Gley, no cemitério está cheio de insubstituíveis, você vai ter que tomar conta disso aí”. Quer dizer, eu não vou tomar conta disso. Eu sei lá como é que eu vou substituir o Alberto.


P/1 – Quais as dificuldades que o senhor encontrou pra implantação da cooperativa e dos projetos da Unimed?


R – O desconhecimento, ninguém conhecia nada. Aí era terrível, você tinha que conversar e tal. A estratégia que a gente usou foi colocar os próprios médicos pra venderem a Unimed. Então, por exemplo, a taxa de comercialização a gente dava ao médico que indicasse uma empresa ou alguma coisa que fosse pra... Então a gente cobrava uma taxa e premiava o médico. E aí a gente saiu criando, criando.


P/1 – Quais foram os principais desafios que o senhor enfrentou durante esse período?


R – Olha, quando a gente criou a cooperativa ela foi muito boa para os médicos da minha cidade porque a clientela privada estava se acabando, basicamente estava reduzindo, e os médicos lá então estavam vivendo de atender pacientes do Inamps em consultório. Então, o Inamps remetia pro consultório. Isso mantinha o consultório dos médicos. Aí o que ocorreu? O Inamps acabou com essa sistemática de mandar, então os consultórios médicos ficaram vazios. A Unimed veio para suprir essa lacuna. Aí o quê que ocorreu? No começo a Unimed era uma maravilha porque foi a salvadora da pátria. Aí, depois que ela salvou ali os consultórios de todo mundo, o quê que passou a surgir? A reivindicação para ganhar cada vez melhor. Então eles já não se lembravam do que a Unimed fez por eles, eles queriam ganhar mais, e aí vinha todo tipo de cartelismo de especialidade e de coisa, e isso dava muito trabalho pra gente ir conciliando. Isso é uma luta que hoje em dia ainda é atual, em todas as Unimeds a gente enfrenta esse mesmo problema. É a reivindicação do colega cada vez querendo ganhar mais, ganhar mais. O espírito, o conhecimento do cooperativismo não é suficiente na classe toda de modo que o cartelismo, os grupos etc, os desejos de ganhos individuais superam em muito o desejo da coletividade de uma ajuda, que é o que prevê o cooperativismo. Então isso é um impasse que a gente enfrenta. E agora, com essa história, com a ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar], com a vinda da ANS, foi a minha grande tristeza, em que botaram no mesmo saco os planos de saúde mais mercantilistas e as cooperativas também, de modo que hoje em dia, pra gente distinguir o que é uma cooperativa dos outros planos de saúde praticamente não existe. Nós estamos nivelados por baixo.


P/1 – Então o senhor acha que mudou muito depois da implantação da ANS ?


R – Mudou muito, algumas coisas para o bem, mas desvirtuou o cooperativismo. Por exemplo, uma cooperativa, como é uma responsabilidade solidária de todos, eu não vejo porque essas cobranças de garantias tão elevadas como são exigidas para as outras, que são empresas que visam só o lucro. A cooperativa não é entidade rica porque ao final do ano ela tem que distribuir as sobras do que ganha, ela não é acumuladora de riqueza. Se uma cooperativa está acumulando muita riqueza ela está trabalhando errado porque a finalidade dela é repasse para o usuário. Então, esse entendimento não há por parte dessas, nem do governo. Eles querem é cobrar tudo da gente e dificulta muito o nosso trabalho, nessa parte, apesar das garantias para o usuário, pra tudo. Tudo isso eles estão muito certos, tinha que haver porque existiam muitas empresas de fachada, de picaretagem e tal, que isso realmente está acabando.


P/1 – O que o senhor considera ser a sua principal realização na Unimed?


R – Olhe, eu retornei à Unimed porque a Unimed estava numa situação um pouco, não é difícil, ela não estava atravessando um bom momento. Então, esse mandato que eu estou cumprindo agora eu acho que foi extremamente importante. E nós formamos uma equipe, foi um trabalho meu, posso dizer assim sem soberba. A gente está realizando um trabalho muito bonito. A gente já equilibrou, ela tinha as finanças desequilibradas, nós equilibramos. Conseguimos, dentro desse movimento, comprar um hospital de ponta, que a nossa Unimed está trabalhando. Estamos constituindo todas as reservas, já temos o registro definitivo da ANS e a gente está andando muito bem. Então eu acho que esse meu mandato é a minha realização final. Primeiro foi fundar a Unimed, eu acho que foi uma coisa extremamente importante, e agora consolidar a existência da Unimed.


P/1 – Na sua opinião, qual foi...


R – Agora, isso não é uma obra minha. Por isso que eu estou dizendo assim, foi uma obra de equipe. A minha equipe é muito boa, eu, o Carlos Alexandre, Antônio Tomaz, Ives Bezerra, Ademar, Ricardo Curioso, todos que passaram por mim nesse trabalho...


P/1 – Esses são os colegas...


R – De minha diretoria.


P/1 – Que o senhor poderia destacar como os que mais...


R – É, o Conselho de Administração também, com pessoas também extremamente competentes.


P/1 – Em sua opinião, qual o momento histórico mais marcante que a empresa viveu durante o seu mandato, vamos dizer assim?


R – A Unimed?


P/1 – É.


R – Foi conseguir esse status que nós estamos agora. Nós temos 110 mil usuários, estamos com o registro definitivo da ANS, estamos com o hospital comprado e pago. Então eu acho que isso é um momento...


P/1 – Significativo, né?


R – Significativo.


P/1 – E quanto aos funcionários do passado e atualmente, como...


R – É, isso é... Os funcionários, no início foi uma coisa muito amadorística. Nós ainda hoje temos um funcionário que foi a primeira funcionária da Unimed, ainda trabalha conosco. Mas aí, hoje em dia, a Unimed é como eu digo, deixou de ser uma cooperativa, é uma empresa. Então, nós tivemos que empresariar também os nossos colaboradores. Nós estamos certificando na ISO 9000 por setores da cooperativa. Então, os setores que atendem diretamente ao público, esses já estão certificados, que é o teleatendimento, central de atendimento, vendas, o SOS. Esses já estão todos com ISO 9000, e vamos fazer agora a creditação do hospital. E quando a gente certifica um certo, um grupo, um setor de uma cooperativa na ISO, por tabela os outros setores que não estão sendo certificados, mas ele já sofre aquela influência pra saber trabalhar com qualidade, com registro do que faz, sabendo dizer... Deixa eu ver, peraí. A ISO a gente tem que dizer o que faz, fazer o que diz e registrar. Então isso é uma coisa importante porque todo mundo está trabalhando já com esse espírito e a gente tem preparado, a nossa equipe realmente está muito boa atualmente. Existe um bom relacionamento deles com a diretoria.


P/1 – Na região da sua federação o senhor tem o número das singulares e existentes, e quais as mais importantes?


R – Olha, lá no estado, o estado do Rio Grande do Norte é um estado pequeno, nós temos uma Unimed em Caicó, uma em Currais Novos, uma em Assu, uma em Mossoró, uma em Pau dos Ferros, uma em Macau e outra em Natal, são sete. Como você sabe, tinha a divisão da Unimed no Brasil, era Aliança e Unimed do Brasil. Com exceção da Unimed de Natal, todas as demais eram da Norte-Nordeste, só a de Natal que já era da Unimed do Brasil.


P/2 – Então a Norte-Nordeste era da Aliança, é isso?


R – A Norte-Nordeste era da Aliança. Mas agora no dia 2 de março está acertado que o pessoal todo vai passar pra Unimed Brasil porque graças a Deus agora todo o sistema vai voltar a ser unido, vai se unificar.


P/1 – O senhor viveu aquele período, né?


R – É, eu vivi.


P/1 – O senhor tem alguma coisa pra contar do período?


R – Olha, eu atravessei naquele período uma situação ímpar porque eu tinha sido convidado por Edmundo Castilho para vir para a Unimed do Brasil para criarmos a Central Nacional das Unicreds. Então, eu fiquei sendo diretor de crédito da Unimed do Brasil e para fundar a Unicred. Esse cargo eu fui indicado também pela Norte-Nordeste. Aí veja o que ocorre, há uma briga da Norte-Nordeste com o Castilho. O Castilho é uma pessoa que, naquela época, era uma pessoa que era admirado por todos. Eu me dava muito bem com ele. Então chegou uma época e ele me pergunta: “Gley, você vai ficar comigo ou vai ficar com a Norte-Nordeste?” É uma situação extremamente vexatória, eu disse: “Castilho, eu nem posso ficar com você e não posso ficar com a Norte-Nordeste. Se eu tivesse que ficar eu teria que ficar com a Norte-Nordeste porque, afinal de contas, eu nasci lá, minha mulher é de lá, minha filha é de lá, meus amigos são de lá, eu não tenho como fugir a isso, né? Então, eu vou fazer o seguinte, eu vou sair daqui, eu vou pedir demissão”, me demiti e fui embora. Aí abandonei e passei cinco anos fora do cooperativismo porque eu não queria, eu não tinha nenhuma intenção...


P/1 – O senhor voltou quando?


R – Eu voltei há três anos atrás porque eu não tinha como ficar com outra...


P/2 – Eu queria perguntar uma coisa. Primeiro, a federação ainda é Norte-Nordeste, hoje já tem uma federação?


R – Nós temos uma federação do Rio Grande do Norte.


P/2 – Já tem agora.


R – A Federação do Rio Grande do Norte, que nós estamos caminhando pra nos unificar a Natal, passar a fazer parte dela, aí teremos o nosso nicho. Isso está bem encaminhado.


P/1 – E essas singulares que o senhor citou, que fazem parte de Natal, todas elas eu acredito que o senhor ajudou a implantar. Foi...


R – Quase todas.


P/1 – Foi lá da sua fase?


R – Praticamente. Eu sei bem a de Mossoró porque é a cidade que eu nasci e é a maior cidade do estado. Eu interferi, fui lá. A de Caicó e Currais Novos… Mas já Assu, Pau dos Ferros e Macau, apesar de eu ter ido lá, feito um movimento, mas já não foi fundado na minha época não.


P/1 – E lá naquele comecinho, quando o senhor ia com o Dr. Castilho implantar, ele ia junto, como era?


R – Não, o Castilho foi implantar a de Natal, as outras não, aí já era eu.


P/1 – O senhor que ia?


R – Eu que ia.


P/1 – E era bem recebido? Como é que era?


R – Quando a gente falava sobre cooperativismo, como era, que eles deviam fundar e não sei o que, não sei o que lá, surgiam perguntas tais como: “E você está ganhando o que nisso?” Eu chegava pra eles: “Ah, vocês vão fundar uma cooperativa aqui, vocês são autônomos, vocês mesmo é que vão cuidar disso”, aí os caras não acreditavam, achavam que eu ia pra aquilo porque tinha algum interesse financeiro em fazer aquilo, mas não tinha nada disso. O Alberto Urquiza pegava o carro dele e saía da Paraíba a Belém visitando as Unimeds tudinho, tudo por conta dele, dizia que eram as férias dele. Então, era um idealista, um cara assim que saía fazendo coisas. A gente, naquela época existia um espírito assim muito amadorista, a gente vestia mesmo a camisa do negócio. Era muito interessante.




P/2 – E quando o senhor veio implantar as Unicreds, como foi isso?


R – As Unicreds, o grande baluarte, o que fundou a primeira cooperativa foi Antônio Moacir de Azevedo. Ele fundou a primeira cooperativa no Rio Grande do Sul, na cidade de Cascas, e começou a fundar cooperativas de crédito. Mas aí ele foi quem fundou várias cooperativas, mas essas cooperativas estavam mais ou menos soltas, elas eram soltas, não existia uma federação para agregá-las. Aí Castilho resolveu arranjar uma maneira de unificar essas já existentes e fundar outras. Aí ele convidou a mim e ao Antônio Moacir. Eu fiquei como vice-presidente. Ele queria que eu viesse ser presidente mas eu disse a ele que o nome que agregava era o dele e que eu não queria ser presidente porque não tinha esse nome nacional pra agregar esse povo, tinha que ser ele o presidente. Eu ficaria como vice, carregador de prego né, vinha trabalhar com ele e com o apoio dele. E Antônio Moacir, que era o grande, era o idealista do sistema, o idealizador da coisa. Então, a gente ficaria trocando figurinhas. E teve mais o Nestor que ajudou, e nós saímos, reunimos e fundamos outras Unimeds e agregamos tudo, fomos criando a Central Nacional Unicred. Lá no Nordeste, que era a minha área, eu fui levando a idéia pra lá, fundando Unicred no Nordeste. Moacir lá pelo Sul, aqui pelo estado de São Paulo, o Nestor visitou muita gente. E no final elas foram crescendo por elas mesmas, é um empreendimento de grande sucesso hoje em dia.


P/1 – E que tipo de serviço, o quê que faz a Unicred?


R – Olha, é uma cooperativa de crédito. O que é uma cooperativa de crédito? É um banco, é igual um banco, só se distingue dos bancos por não ter compensação. Ou seja, o cheque que a cooperativa nos dá, e tem cheque, tem tudo, mas a compensação é feita por outro banco. Cada Unicred tem que ter um depósito de garantia num banco e a compensação vai para a compensação daquele banco. No caso, na época, no início, eram todas no Banco do Brasil, depois passou algumas pra Caixa e hoje em dia liberaram que podem ser bancos privados também. Ela faz tudo, faz empréstimo, faz aplicações, faz tudo isso. Só que, para um banco operar, ele só pode operar um volume de dinheiro correspondente ao capital que ela tem. Então, as operações da Unicred passam pelo volume de dinheiro que ela tem, patrimônio líquido ajustado dela. O que ela tem para aplicar no início eram volumes pequenos. Era empréstimo até 30, 50. Hoje em dia elas já estão maiores, emprestam volumes maiores, mas no começo não. Então, eram distinguidas de outros bancos por não terem compensação; segundo, por ela só poder atuar no nicho lá, no grupo dos médicos mesmo, não é o público em geral. Ela não é como um banco que entra qualquer pessoa.


P/1 – É exclusiva da Unimed?


R – É exclusiva dos médicos, não era obrigatoriamente de Unimed, mas preferentemente. Normalmente era só o pessoal da Unimed.


P/1 – Mas a classe médica, se quisesse, poderia?


R – Se quisesse, poderia. E hoje em dia abriram, podendo ser também qualquer pessoa da área de saúde, estão abrindo pra esse campo. E outra coisa que distingue, que aí é uma vantagem que as cooperativas de crédito têm. Vocês sabem que nos depósitos que as pessoas fazem no banco, uma parte, quase 50% eles têm que mandar compulsoriamente pro Banco Central. Então, ela passa a trabalhar pra ganhar dinheiro, os bancos, só com 50% do que ela capta. Já as Unicreds não têm esse depósito compulsório no banco. Cem por cento do que ela arrecada ela pode aplicar, e isso possibilita que ela empreste mais barato e que pague as aplicações a um valor melhor. Então, é a grande vantagem. E tem a vantagem também de não ter inadimplência porque o médico que é cooperado, ele quando vai tirar um empréstimo, vincula esse empréstimo à produção dele na Unimed. A inadimplência é baixíssima, o risco diminuído. É uma coisa que está aí, é um pleno sucesso por isso. Os médicos sabem que têm uma maneira fácil e vantajosa pra tirar empréstimo e aplicar bem o seu dinheiro. É um braço direito, um braço financeiro nas Unimeds muito importante como é a seguradora o braço lá do setor de seguros, de Serit [Seguro de Renda por Incapacidade Temporária], que é aquele negócio, quando a pessoa pára de trabalhar, fica recebendo alguma coisa. Então a seguradora é um suporte muito grande também pra Unimed. Então, são dois empreendimentos que nasceram na mesma época, tiveram dificuldades. As Unicreds subiram mais rapidamente, mas a seguradora vem numa ascensão muito grande, de maneira que eu acredito muito que esse complexo não pode se dissociar nunca porque é nisso aí que está a força e o diferencial das Unimeds. É que enquanto um plano de saúde qualquer não oferece além dos clientes nada mais, quem é cooperado da Unimed tem lá a cooperativa de crédito do seu lado, tem uma seguradora pra segurar o seu carro, as suas coisas. Também é muito mais vantagem pro médico ser da Unimed do que ser de qualquer outro empreendimento.


P/1 – Com certeza.


P/2 – E a Unicred funciona da mesma forma que as Unimeds, assim, mais singulares?


R – É, elas são independentes.


P/2 – Independentes que nem a singular?


R – Que nem a singular das Unimeds. Mas, por exemplo, a minha Unimed, todo dinheiro arrecadado eu deposito lá na minha Unicred. Então ela me paga por essa coisa e eu ajudo ela. Ela pega esse dinheiro, que é nosso, empresta ao médico, que o dinheiro é dele também. Então, é saindo de um bolso e passando pro outro.


P/2 – Me diz uma coisa, como foi que o senhor compatibilizava a carreira de médico com as atividades executivas na Unimed?


R – Muito difícil, muito difícil mesmo. Era operando de madrugada, à noite, reduzindo o tempo de consultório. Foi terrível, um corre-corre grande. No começo a Unimed era pequena, não tinha problema. Hoje em dia isso só é possível graças à diretoria que a gente tem, que não há a necessidade de a pessoa estar numa presença real, você estando ali. Tem que ficar ali todo dia. Eu fico na Unimed seis horas por dia, atualmente. Agora eu sou aposentado, é mais fácil, mas quando eu não era aposentado era isso. Estava trabalhando, estava no telefone, era...


P/2 – E além do consultório o senhor ainda tinha a faculdade.


R – Era o consultório e a faculdade.


P/1 – Mas era bom, né?


R – Bom porque atividade sempre é bom. Quando eu me aposentei, eu fiquei, eu acho, que eu voltei pra Unimed. Um dos motivos que eu aceitei quando me convidaram foi pra não ficar sem fazer nada.


P/1 – Diz uma coisa, na sua região existe alguma peculiaridade que a torna distinta das outras regiões, assim, que o senhor acha que é diferente, que vocês tomam atitudes talvez diferentes de outras regiões, que é específico, por exemplo, do...


R – Vejamos. Não, nessa fase agora eu acho que a gente trabalha mais ou menos idêntico. Eu não sei dizer assim se todas as Unimeds já estão vendendo única e exclusivamente planos com co-participação. Isso foi uma atitude que nós tomamos agora, logo quando eu entrei novamente nas cooperativas. Então, a Unimed Natal só vende plano com co-participação, ou seja, aquele plano que o usuário, quando vai a uma consulta ou a um exame, ele paga um pequeno percentual. Isso é muito bom porque educa, pelo bolso, a pessoa a não usar desnecessariamente. Ninguém quer que ninguém deixe de usar quando necessário, mas usar desnecessariamente a gente tem que combater. Isso é uma coisa que tem que ocorrer.


P/1 – E a responsabilidade social? Na sua região vocês têm projetos?


R – Temos. A nossa cooperativa tem o selo de responsabilidade social. Nós temos umas ações internas, reciclagem de lixo e cuidado com o meio ambiente, cuidado com idosos, pessoas deficientes, várias atuações, controle de água, luz, essas coisas. Nós temos várias, papel reciclado, essas coisas todas. E além disso, agora nós criamos uma ONG. Essa ONG nós vamos trabalhar através do esporte. Nós adotamos um bairro pobre da cidade, e em dois colégios, um do município outro do estado. Nós, em parceria com esses colégios, com o município e o estado, as secretarias de educação, nós estamos nos responsabilizando pela parte de esporte desses colégios. E agora, pra participar do esporte o aluno tem que ter boas notas, estar freqüentando pelo menos corretamente, o pai tem que freqüentar umas reuniões que a gente faz tanto na parte de medicina como na parte de cidadania. E toda a criançada que faz parte fez exame de vista e nós demos óculos pra quem não tem. Então... E associado a isto várias ações surgem através do esporte, que é apenas um meio de chamar, de agregar. Nós começamos com isso agora e o resultado está sendo espetacular. O interessante é que nós abrimos a ONG pra outras instituições que quisessem nos ajudar e aí toda hora está aparecendo gente, o Rotary, tudo. E agora mesmo até Bernardinho, esse do vôlei, ele tem lá em Natal uma escola de vôlei e já se prontificou a nos ajudar também. Então a coisa está indo de vento em polpa.


P/1 – A educação é vista como um dos princípios básicos do cooperativismo. Como o senhor avalia essa questão, especificamente na sua região e também dentro do sistema Unimed?


R – É, a gente sente que isso é uma necessidade grande e temos feito algumas ações nesse sentido. A gente ainda não tem assim um modelo ideal pra isso, não porque a gente chegou à conclusão que chamar um médico pra dar palestras bem específicas sobre educação, como a gente fazia, o proveito não era tão grande, certo? Agora a gente está aproveitando o seguinte, um evento que ocorra, um outro evento, a gente aproveita pra introduzir alguma coisa de educação dentro daquilo ali, assim quase subliminarmente, sabe? E a gente está notando que isso aí vem. E também nós temos uma revista chamada “Cooperando” na qual a gente, é uma revista mensal, a gente manda tudo que é a parte financeira, tudo da cooperativa, e também a parte de educação cooperativista. A gente está insistindo muito nisso, mas eu acho que precisa melhorar ainda alguma coisa porque a gente ainda não encontrou. Por mais que a gente tenha procurado dentro das Unimeds, ainda não encontramos uma maneira ideal não. Francamente, é uma coisa que a gente ainda não encontrou, uma maneira ideal. Onde eu vi um modelo assim bom, Maceió tem insistido, eles têm lá um bom trabalho sobre educação cooperativista, e com resultado. Eles diziam que a assembléia deles, o comparecimento, eles têm cerca de mil cooperados, iam 50, 60. Agora, com a educação que eles fizeram, nas assembléias chega a 700, 800 pessoas.


P/1 – Vocês trocam muito conhecimento entre uma região e a outra, trocam figurinha, como a gente diz?


R – É, isso troca. Ninguém quer mais inventar a roda não porque não dá mais.


P/1 – É, porque o que já deu certo lá pode dar certo aqui.


R – A gente sai procurando e sempre encontra quem está fazendo a coisa certa. O sistema é muito rico.


P/1 – É, tem muita coisa pra aproveitar, né?


R – Muita coisa pra aproveitar. Um banco de dados melhor talvez ajudasse ainda mais.


P/2 – Pela literatura a gente tem visto alguma coisa da Unimed. Me parece que o Sul, né, tem bastante trabalho nessa parte de formação.


R – O Rio Grande do Sul, logo quando eu comecei na Unimed, eu adorava todas as convenções porque o pessoal só trazia coisa boa, era um exemplo. Atualmente Minas Gerais está também dando exemplo, Rio de Janeiro, estão dando exemplo de organização. Vitória é uma Unimed que está muito bem estruturada.


P/1 – O senhor tem algum caso pitoresco, assim, que o senhor possa contar pra gente, por esses anos de trabalho na Unimed, alguma coisa interessante?


R – Tem inúmeros, mas assim não sei porque não estou lembrando.


P/1 – E na sua carreira de médico também, tem alguma coisa na carreira de medicina?


P/2 – Algum fato que lhe marcou.


R – Um fato assim engraçado, é?


P/2 – Não, não, um fato…


P/1 – Que lhe marcou também.


P/2 – Pode ser engraçado ou pode ser sério.


R – Gozado, da Unimed, você falou em engraçado, eu vou dizer. Tinha um colega nosso que ele era muito forte, assim moreno, e nós nos hospedamos num hotel de luxo desses aí, e no quarto tinha espelho ali e tal. E à noite houve uma festa, ele bebeu um pouco e tal e foi pro quarto. Aí foi no banheiro, quando saiu do banheiro ele topou-se assim de frente com o espelho e viu a fisionomia dele. Quando ele viu ele deu um soco no espelho, quebrou. Aí: “Rapaz, não faz isso” “Eu olhei, vi aquele negão de frente assim. Antes que ele se mexesse eu já...” Isso foi uma brincadeira. Eu lembro de medicina, às vezes, eu até contei essa história pra um colega porque em otorrino a gente faz também às vezes plástica do nariz. E eu fui uma vez fazer um curso na Espanha só sobre isso e voltei, mas eu tinha certa parcimônia em fazer porque eu dizendo para o colega que estava: “O que agrada às vezes ao cirurgião não agrada ao cliente”. Você faz uma cirurgia, você diz: “Essa está ótima”, o paciente: “É, porque está mais ou menos”. Muitas vezes você faz, não fica muito boa e o paciente: “Uh, mas doutor, você...” E aquilo me desagradava muito, eu passei a fazer mais só a parte de traumatismo. Aí eu aproveitava o traumatismo. Mas se uma pessoa chegava querendo se embelezar eu digo: “Não, vai lá com plástica mesmo”. Aí chegou uma senhora pra mim com o nariz quebrado num acidente de carro, uma coisa horrível. Eu ajeitei o nariz da mulher e ficou muito bom, mas quando eu fui tirar os curativos ficou um baixinho aqui no nariz e aquilo me deu logo uma revolta, eu vou ter que fazer uma segunda. Eu já tinha prevenido a ela de que cirurgia plástica às vezes precisava de um retoque ali e tal. E a mulher voltou outro dia, ou um tempo depois, e disse: “Doutor, eu estou satisfeitíssima” “Está satisfeitíssima por quê?” “Não, doutor, isso aí ninguém mexe não. O meu problema era o seguinte, só vivia com os óculos aqui na ponta do nariz, agora tem um negocinho aqui que eu boto e ele fica ótimo. Fica ótimo, aí não cai mais. O senhor é melhor não mexer nisso aqui não”.


P/1 – Esse mundo é muito engraçado,

né? Falando um pouco da sua família, qual o seu estado civil?


R – Sou casado há 36 anos e me arrependo de não ter casado antes.


P/1 – É? Qual o nome da sua esposa e como o senhor a conheceu?


R – Denise Maria Fernandes Gurjão. Natal é uma cidade pequena, né, e na época dos jogos universitários era uma festa na cidade. As moças iam assistir os jogos e eu praticava esporte e tal. E minha esposa dizia que ia assistir e gostava muito de ver eu praticando esporte, nadando, ganhava muitas competições de natação e tal, e ela achava aquilo interessante e daí a gente foi começando a namorar. Um fato interessante é o seguinte, é que na minha família casava muito parente com parente, e os parentes queriam me arranjar uma pra casar, uma prima. E eu dizia: “Não, esse negócio não dá certo, eu jamais me casarei com uma parenta”. Aí comecei a namorar com ela, Denise, e tal. E um dia eu vou à casa dela. Aí cheguei, o pai dela estava no terraço, eu disse: “Cadê a Denise?” “Ela saiu com a mãe, foram à missa. Mas entra, vamos conversar aqui”. Aí eu entrei e fui conversar.

Ele começou: “Como é que vai fulano, como é que vai beltrano?”, só os meus parentes, né? Eu disse: “O senhor conhece a minha família todinha, né?” Ele disse: “Eu sou seu parente, rapaz.” Aí eu disse já pra mim aqui: “Eu já estou perdido”.


P/2 – Agora não tem jeito.


R – Não tem jeito mais não.


P/1 – O senhor tem filhos?


R – Tenho uma filha.


P/1 – Só uma?


R – Só uma.


P/1 – E o que o senhor mais gosta de fazer nas suas horas de lazer?


R – Olhe, eu leio, uso a Internet, e já gostei muito de esporte mas atualmente eu não pratico, praticamente. E viajar, quando eu posso, é uma das coisas que eu adoro.


P/1 – Nós vamos agora pra uma avaliação final. Como o senhor vê a atuação da Unimed no Brasil?


R – Eu gosto muito, assim, quando fala sobre o valor da Unimed, de uma história que diz que houve uma comissão de cooperativas de crédito aqui no Brasil que foi visitar as cooperativas de crédito da Alemanha, Raiffeisen, que são as melhores cooperativas de crédito do mundo. Os bancos alemães, aliás, são as cooperativas Raiffeisen. E foram lá, e um colega perguntou lá no banco: “Qual a diferença de vocês para os bancos aqui? Vocês emprestam dinheiro a custo mais baixo, vocês aplicam?” Aí começou a fazer perguntas. O cara disse: “Não, somos exatamente iguais aos bancos, somos iguais.” Ele disse: “E qual é a vantagem, então, de vocês?” Ele disse: “Tire a gente pra você ver os custos que os outros bancos têm (?)”. A mesma coisa eu digo da Unimed. Muitas vezes o médico não alcança o valor da Unimed, a segurança que ela dá pra categoria. Ela nunca vai estar órfã. Essas empresas de planos de saúde, se não tivesse a gente elas iam empregar só médicos recém-formados, pagando pouco, explorando o médico sem nem um critério, sem nada. Ia haver isso, que era o que estava ocorrendo antes da Unimed, o que se esboçava era isso. E isso estaria, hoje em dia nós estaríamos trabalhando aí em clínicas só de bairros e coisa, que o pessoal ia fazer, que é muito mais barato do que mandar um médico para um consultório, o usuário, né, pra o consultório do médico consultar lá. É muito mais barato você fazer uma clínica, dá 20 médicos recém-formados pra atender. E isso é o que ia haver, e a classe médica estaria hoje sofrendo muito. Então, na hora que tirar a Unimed isso vai ocorrer, pode estar certo. Então o grande valor que eu vejo na Unimed é isso, ela é a guardiã do trabalho médico. Eu acho isso. Muitas vezes a Unimed não é a que paga melhor naquela cidade, mas é a segurança que o médico vai ter de alguém que está do seu lado, que ele pode opinar. Ele pode ir a uma assembléia e falar. Eu quero ver ele ir lá na sede de outro plano de saúde e dizer: “Olha, eu não quero isso assim, assim, assim, assim” “Vai embora daqui. Não quer, peça demissão e vá embora”. Então é isso que eu vejo. A minha esperança da Unimed, o valor que eu dou, é isso, o grande valor que eu dou é isso. E eu acho que o profissionalismo dentro do sistema está muito grande, cresceu, e eu acho que ela é uma empresa em ascensão. Eu acho que ela cada vez vai melhorar mais ainda.


P/1 – E como que o senhor acha que a sociedade vê o sistema Unimed?


R – Olha, eu posso dizer pelas pesquisas, né? As pesquisas apontam uma satisfação em torno de 80%. Na minha cidade a satisfação com a Unimed vai a 90%. Numa pesquisa que fizeram lá, todas as pessoas que não tinham Unimed desejavam ter. Não tinham por causa dos nossos preços, que são mais altos do que o da concorrência. Mas então eu vejo isso. Apesar de que nós estamos aqui em São Paulo, nós vamos falar daqui. Aqui em São Paulo tem o seguinte: Os hospitais de ponta aqui, tipo Albert Einstein, Sírio-Libanês e etc são hospitais que estão num patamar que fica difícil a cooperativa, as Unimeds, trabalharem com ele porque pra trabalhar com ele ela tem que cobrar dos seus usuários o preço correspondente pra trabalhar. Aí iria prejudicar uma grande maioria dos usuários, por causa de uns poucos que iriam querer usar esse serviço. Então a gente normalmente não trabalha. E isso... O pessoal lá da minha cidade, quando vem a São Paulo, ele não vem aqui pra ir pra um hospital que não seja esse. Aí a gente não dá. Isso cria uma insatisfação muito grande. Então, aqui em São Paulo tem esse negócio, que São Paulo tem os melhores hospitais do Brasil mas também tem...


P/1 – Os melhores preços.


R – Melhores preços, né? Então isso é um problema que traz um descompasso, às vezes, com as Unimeds menores, mais afastadas do grande centro, né? Então, isso às vezes é um problema pra gente.


P/1 – Por causa da capilaridade, né, que quando vem de lá pra cá...


R – Vem de lá pra cá, é. Ele não vem lá de Natal pra ir pra um hospital de bairro daqui, né? Assim ele fica lá mesmo.


P/1 – Ia dar na mesma, né?


R – E lá já tem hospitais muito bons, então eles ficam lá.


P/1 – E qual é o principal diferencial da Unimed com relação aos outros planos de saúde?


R – Na minha cidade o principal diferencial é a rede. O que é a rede? Os hospitais, as clínicas e os médicos. Enquanto nós trabalhamos com todos os hospitais da cidade, tendo praticamente 80 a 90% dos médicos da cidade, todos os laboratórios, os outros planos lá, eles têm um, dois hospitais que credenciam, um número limitado de médicos etc. Então, a nossa qualidade de rede é extremamente melhor do que a dos demais. Isso é o grande diferencial. A par disso, a facilidade que o médico dá para os nossos usuários é bem maior do que os outros. Temos autorização online, cartões online, tudo, muitas facilidades, e eles estão satisfeitos. Eu não sei se isso é a realidade de todas outras Unimeds, mas eu creio que sim pela conversa que eu tenho com os colegas é isso.


P/1 – Na sua opinião qual é a importância da Unimed para a história do cooperativismo brasileiro?


R – Olha, o ramo do cooperativismo de saúde é um ramo, eu digo, assim, é uma marca registrada da Unimed. As primeiras cooperativas médicas de saúde em que o médico é o dono, que eu tenho conhecimento, foi fundada aqui no Brasil. Na Espanha existe cooperativa de saúde, mas lá é o contrário. Os usuários formam uma cooperativa, na qual tem médico também, mas os usuários é que são donos da cooperativa de saúde. Aqui é ao contrário, o médico que é o dono, é ao contrário. Se eu não me engano, no Japão também tem e é assim também. Esse modelo de que o médico é o dono da cooperativa foi idéia de Castilho, foi fundada aqui no Brasil. Então, isso o mundo já começa, a gente já... Eles vêm visitar aqui pra querer saber essa idéia e eu creio que essa poderá ser uma idéia. Até a Rússia já veio aqui atrás de saber como é que se faz esse movimento. Eu acho que é um diferencial para o cooperativismo no Brasil, nesse ângulo, e é uma coisa, é uma idéia brasileira de sucesso. Então, eu acho muito importante isso pra gente.


P/1 – Qual a sua visão do futuro do sistema Unimed? Como o senhor vê a Unimed daqui a uns dez anos, mais ou menos?


R – É difícil. Olha, a Unimed criou um diferencial com as outras Unimeds, quando você analisa no plano nacional, pela sua capilaridade. Ela tem Unimed em todos os municípios, municípios pequenos, grandes, vários. Aí o quê que ocorre? As empresas estrangeiras quiseram se instalar no Brasil e eles disseram que qualquer, pra combater e competir com qualquer outra empresa seria muito fácil, mas com a Unimed eles não teriam a menor chance porque eles não vão investir dinheiro numa cidade pequena do interior, que o investimento e o retorno é mínimo.


P/1 – Mínimo.


R – Isso é muito bom para a Unimed e muito bom para o povo. Por exemplo, no meu estado, tem cidades do interior em que a qualidade da medicina é terrível, e a Unimed é que dá a qualidade àquela medicina pra pessoa não ter que vir pra capital. Mas infelizmente essas Unimeds pequenas vão ter que fechar todinha. A minha perspectiva é essa. Porque, é aquilo que eu falei no começo, as garantias que a ANS pede pra que essas cooperativas constituam, elas vão ser de um montante tão alto que os médicos não vão conseguir fazer. Então, eu acho que isso vai prejudicar o povo, vai prejudicar a classe médica, vai prejudicar tudo. Se o governo não tiver uma visão melhor disso, eles vão fechar um número significativo de cooperativas Unimed, e a cooperativa vai ter uma queda e nós vamos ter já que começar a pensar numa maneira diferente de gerir as Unimeds no Brasil porque dessa maneira que a gente levava, e ajudando ao povo, sendo uma cooperativa, o ideal e tudo, ela não está mais tendo vez porque a ANS está tirando esse ideal de todo mundo, está querendo que a gente se torne apenas uma mercantilista igual à que são as demais. A medicina humana, ética, me parece que não está tendo o resguardo dela não.


P/1 – Desde que a ANS foi criada, a Unimed ainda está caminhando, ela não se adaptou totalmente, é isso?


R – Está acabando de se adaptar, constituir as reservas obrigatórias. Agora ela está querendo que a gente constitua outra reserva maior do que a outra. Agora que a gente saiu do sufoco, ela está querendo agora a (P1 ?), é uma outra reserva. Então, nós vamos ter que fazer outra reserva no valor...


P/1 – O que quer dizer isso?


R – Essa (P1 ?) vai corresponder a quase metade de um faturamento. Você vai ter que ter guardado em dinheiro ou em uma aplicação, você vai ter que constituir. Então você vai ter que retirar do que você paga ao médico, 50%, durante um período, pra constituir isso. Então isso é...


P/1 – É difícil, né?


R – É. A gente já luta com dificuldade e eles pensam que isso é fácil. Numa empresa mercantilista ele está tirando isso do lucro dele, a nossa não porque todo lucro que a gente tem a gente repassa para o cooperado. Então, ela é totalmente diferente. Mas na cabecinha deles...


P/1 – Mas vocês têm projetos na câmara sobre isso, não têm?


R – O projeto que vai pra lá já é uma maneira da gente fazer poupança para o Governo indiretamente ter algum benefício com isso, né?


P/2 – Porque tem uma bancada na câmara, não tem?


R – Tem, a luta do Celso aqui é incessante pra ver se isso não ocorre, né? O Celso ta aí.


P/1 – Tentando.


R – É, ele viaja, passa vários dias do mês em Brasília só porque tem que ter, se não ficar vigilante vamos ser engolidos.


P/1 – Quais foram os maiores aprendizados de vida que obteve trabalhando na Unimed?


R – Olha, eu aprendi muito, que eu era totalmente inocente em matéria de administração, aprendi alguma coisa sobre administração, foi muito interessante. O companheirismo é um fato muito marcante. Hoje em dia eu tenho amigos da Patagônia a Terra do Fogo. Ele vivia dizendo: “Do Oiapoque ao Chuí”. Então a gente conhece gente de toda parte do Brasil, foi um aprendizado muito bom. Essa última lei, essa coisa da responsabilidade social, é um item, é um setor da cooperativa que me deixa muito fascinado, eu gosto muito disso. Essa parte social eu sou muito entusiasmado com isso. Atualmente lá em Natal a menina dos meus olhos é a ONG que estamos tocando lá. Essas coisas deixam a gente muito gratificado, sabe? A gente se sente gratificado em ver a alegria daquele povo, aquela coisa. Então, é interessante. E a gente aprende também a suportar as críticas de pessoas que não têm o conhecimento bem da coisa e que se acha. A gente aprende muita coisa, a engolir sapo, né? Então tudo isso é um aprendizado a vida inteira.


P/1 – O que o senhor acha da Unimed comemorar seus 40 anos de vida por meio de um projeto de memória?


R – Olha, qualquer instituição que não tem memória não tem vida, está morta. Eu acho que todo mundo tem que olhar pra trás pra poder ver o futuro. Eu acho extremamente importante. Eu em particular, estou extremamente satisfeito porque essa comemoração vai ser feita em Natal, na convenção nacional.


P/1 – Ah, a convenção vai ser lá em Natal, esse ano de 2007?


R – Natal vai completar 30 anos e a Unimed do Brasil 40, né? Então eu vou ficar muito contente e feliz com isso. E eu acho importantíssimo, numa recordação dessa, a Unimed esteve separada durante alguns anos e é muito importante que essa coisa política de um certo período não afaste a imagem de algumas pessoas só porque estavam do lado contrário. Então, eu acho que deveriam ser chamadas pessoas de todos os lados porque em todos os lados tem pessoas boas e o que dizer da história da Unimed, se ficar só num lado a história não fica bem contada.


P/1 – É verdade. Você tem mais alguma pergunta, Lenir? O que o senhor achou de ter participado dessa entrevista?


R – Olha, eu revivi muita coisa da minha vida e isso até a gente se sente mais leve e satisfeito. Pra mim foi uma alegria.


P/1 – Ah, obrigada.


R – E vocês foram muito amáveis e simpáticas. Eu agradeço muito.


P/1 – Então, em nome da Unimed e do Museu da Pessoa nós agradecemos a sua entrevista.


R – Muito obrigado.


P/1 – Obrigada.