Museu da Pessoa

Uma fortuna em selos

autoria: Museu da Pessoa personagem: Leão Werner Marek

Correios – 350 anos aproximando pessoas
Depoimento de Leão Werner Marek
Entrevistado por Stela Trédice
São Paulo, 18 de julho de 2013
HVC038_Leão Werner Marek
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Claudia Lucena
MW Transcrições


P/1 – Então eu queria que o senhor começasse falando seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.

R – Meu nome é Leão Werner Marek, sou nascido em Belém, Estado do Pará, no dia 13 de novembro de 1942, dentro da base americana de Belém, a base naval.

P/1 – Qual é a origem do seu nome?

R – Pelas pesquisas que nós fizemos, porque eu sou cidadão alemão, tenho dupla nacionalidade e provavelmente os antecedentes da minha família eram daqueles soldados dos exércitos dos principados alemães, que a Alemanha até 1870 não era um país, era um reinado, provavelmente meu nome hoje é uma moeda da Polônia, hoje eu tenho um nome que é um grande pianista austríaco e tenho grandes personalidades da qual o meu próprio pai.

P/1 – E o seu pai, fala um pouquinho, como que ele se chamava, o que ele fazia.

R – O meu pai se chamava Andreas Marek, é nascido em Hannover, na Alemanha, em 1889, teve três diplomas na Alemanha, eu vou ser sucinto, que é engenheiro químico, mecânico e eletricista, e durante a Segunda Guerra Mundial ele trabalhou na parte de química com o Van Braun, na parte de química, porque o meu pai sempre foi uma pessoa ligada a Bayer alemã e quando ele veio para o Brasil, em 1941, ele começou a trabalhar para a Bayer brasileira. E em 1954, 55, eu não sei bem a data, quando começou a Volkswagen do Brasil a montar os carros aqui no Ipiranga o meu pai, através da Bayer alemã, foi recomendado para que ele fizesse as primeiras borrachas pra nacionalizar o Volkswagen brasileira.

P/1 – E a sua mãe, como ela se chamava?

R – A senhora minha mãe se chamava Edir Marek, é de uma família importante na Alemanha também, em Hannover, porque ela tinha o nome de Fonn, conhecia quatro idiomas, uma senhora muito prendada, com grande rigidez na educação de nós três, que nós somos em três filhos. E também lutou muito para ter sucesso aqui no Brasil, porque temos que lembrar o seguinte, que em 1940 até 1945 havia muita perseguição a estrangeiros, não só alemães como japoneses e italianos.

P/1 – Como é que eles se conheceram, os seus pais?

R – Acredito eu que foi dentro das escolas que eles frequentavam na Alemanha, porque o meu pai fazia parte da juventude alemã, não hitlerista, a juventude alemã, porque na Alemanha, pelo o que me foi dito por eles, as faculdades e os colégios na época das férias saiam em excursões pra conhecer a Alemanha, pra conhecer museus, conhecer teatros, conhecer, pouco divulgado em nosso país. Provavelmente se conheceram no meio disso aqui, sendo que a minha mãe era de elite alemã e o meu pai era uma pessoa, um estudante, quer dizer, houve a princípio sim uma pequena incompatibilidade, mas o sucesso trouxe eles para o Brasil.

P/1 – O senhor conheceu os seus avós?

R – Lamentavelmente não porque, em virtude de meus pais serem alemães, e o Adolf Hitler não permitiu que minha mãe viesse para o Brasil, então o meu pai teve liberdade de vir, o salvo conduto, deixo bem claro que não são ascendência judaica, e ficou a minha mãe, meu irmão, minha irmã como garantia do governo nazista alemão. Para que meus pais, minha mãe, meu irmão e minha irmã pudessem sair da Alemanha eles tiveram que doar os seus bens ao Partido Nazista, que se há necessidade teria que buscar documentos onde que prova tudo isso, então as propriedades foram transferidas para os respectivos irmãos e irmãs do meu pai e da minha mãe, da qual nós não temos direito nada, porque há um tempo atrás eu consultei, infelizmente não temos nada, mas enfim, perda lá, alegria aqui.

P/1 – Como é que o senhor nasceu, eles foram pra Belém e o senhor nasceu em Belém, é isso?

R – A princípio o seguinte, o meu pai não veio pra Belém do Pará, meu pai veio pra Carazinho, interior do Rio Grande do Sul, porque ele tem uma irmão que tinha uma indústria Marek em Carazinho, indústria de implementos agrícolas, mas aí, como havia uma base naval americana em Belém, aí quiseram, ficaram procurando dentro do território nacional uma pessoa que conhecesse isso. Então o meu pai se deslocou pra lá pra trabalhar porque o meu pai entendia de motores estacionários e os navios americanos e brasileiros tinham sido afetados por submarinos ou bombardeios, meu pai tinha conhecimento disso, por isso que eu nasci dentro, praticamente, da base naval americana de Belém.

P/1 – E daí o senhor cresceu em Belém, como que foi?

R – Não, em Belém eu fiquei até, eu não posso lhe dizer porque você sabe, uma família alemã naquela época tinha que sair às vezes correndo, o meu próprio nascimento foi uma epopeia porque a minha mãe teve que pular um muro de dois metros, sabendo que nós éramos alemães e lá havia muita perseguição contra italianos, alemães e japoneses.

P/1 – Então o senhor tava falando que existia perseguição, né?

R – Então, havia perseguição e eu tive que, eu não, minha mãe teve que pular o muro pra fugir do pessoal que ia depredar e por fogo na casa, ao ponto que, passado-se um tempo, meus pais se deslocaram pra Vitória, Espírito Santo, na cidade chamada Cachoeira, Barra do Itapemirim, foi lá então que o meu pai começou a ensinar a fazer óleo, como em Belém do Pará quem inventou o sabonete Phebo foi o meu pai, então com isso ele tem uma pessoa muito respeitada na época no próprio território nacional. Nascido lá em Belém porque provavelmente, penso eu, que minha mãe já deve ter vindo grávida, provavelmente e eu nasci em Belém do Pará porque o meu pai estava a trabalho lá dentro.

P/1 – Então você foram, o senhor era bebezinho, obviamente, aí vocês foram pra Vitória, né, pro Espírito Santo.

R – Pro Espírito Santo, depois do Espírito Santo, de Barra do Itapemirim, aí eu já tinha mais ou menos um cinco, seis anos de idade, daí desse tempo pra cá nós viemos pra São Paulo, que foi, os meus pais foram morar no, antigamente chamava-se Alto da Vila Maria, é uma região mais isolada, onde que ali era uma região que não tinha muito preconceito contra estrangeiros. E dali começamos a estudar, o meu pai começou a trabalhar nas indústrias de borracha em São Paulo, a princípio, não vou citar nome porque eu acho que não tem necessidade e uma coisa que tenho muito orgulho é que foi quando ele fez esse negócio da Volkswagen brasileira.

P/1 – Só voltando um pouquinho então à sua infância quando vocês moravam aqui na Vila Maria, o senhor se lembra como é que era a rua, como é que era o bairro?

R – Onde nós morávamos, a princípio se chamava Estrada da Conceição, no Alto da Vila Maria, não vou dizer o número, hoje, aquele tempo você tinha duas casas, o resto era mata, mata, mata, ao ponto que os terrenos eram grandes, como se fossem pequenos sitiozinhos, de três a quatro mil metros quadrados e aquelas casas grandes. Eu me lembro isso perfeitamente, na qual nós, como estrangeiros, no fundo da casa nós tínhamos a nossa horta, a gente plantava tomate, alface, beterraba, cenoura e criávamos cabritos, que nós tínhamos um gramado, como nós não tínhamos condições de pagar alguém os próprios animais faziam a ceifa de todo o gramado e aproveitava o leite das cabras, e criávamos galinha também, quer dizer, nós tínhamos nosso auto sustento. E como nós éramos uma família muito pobre na época, porque mora muito longe, na época do inverno, vou dizer uma coisa curiosa que pode vir dessa entrevista, pra poder não sentir frio a gente punha jornal na cama, esquentava o tijolo, embrulhava em papel, punha nos seus pés pra poder esquentar. E como na época aquela região era de mata, vamos dizer assim, usávamos mosquiteiro pra poder você dormir na paz e sossego e deixo bem claro que na época não existia chuveiro quente, era chuveiro frio. Então eu me lembro muito bem, foi uma época muito boa, dali passamos a, eu comecei a estudar aqui em baixo no bairro de Santana, que era uma viagem, só tinha uma estrada que chegava pra lá, a Estrada da Conceição, que deixava perto da Voluntários da Pátria, então você passava naquela época por penitenciária do Carandiru, era um ônibus que subia e de tempo em tempo. E muitas vezes a gente passava vergonha porque a gente morava no meio do barro, quando chegava em Santana já era tudo asfalto, paralelepípedo, perdão, então a gente tinha que parar no bebedouro das carroças, que na época puxavam os lixeiros, pra gente lavar o sapato pra não aparecer com o barro.

P/1 – Voltando ainda um pouquinho lá pra sua casa que o senhor passou a sua infância, né, quem morava então nessa casa que o senhor disse?

R – Morávamos o meu pai, minha mãe, meus dois irmãos e eu.

P/1 – O senhor se lembra das brincadeiras que o senhor gostava de fazer?

R – As brincadeiras nós, como eu disse, praticamente era um pseudo de um sítio, então nós tínhamos pé de caqui, abacate, manga, então às vezes, como não tinha nada que fazer, eu era um moleque muito travesso, eu pegava manga, jogava na cabeça do meu irmão, da minha irmã, então gerava-se, quer dizer, era uma briga entre os irmãos, mas uma briga sadia, não briga rancorosa. Então chegava ao ponto que a gente brincava, por exemplo, na hora que você fosse dormir a gente tirava teu tijolo quente e punha um tijolo gelado pra você sentir, então, e a gente aprendia, por exemplo, vou falar, por exemplo, você tinha que aprender a brincar com pedaços de madeira pra você inventar que aquilo é um carro, que aquilo é uma carroça. Você tinha que pegar, por exemplo, um pedaço de madeira, por no meio das pernas, ir cavalgando como se fosse: “Ae, Zorro”, então essas brincadeiras pra nós eram sadias. Eu to falando disso de 1953, 54, quer dizer, o Estado de São Paulo era outro, quer dizer, nós não tínhamos tanta habitação, então era uma cidade tranquila, sossegada, e as escolas, da qual eu aprendi, foi pra esse colégio de freiras, né, em Santana, até que fiquei um certo tempo, até uma certa idade, acho que dez ou 11 anos. E daí surgiu uma oportunidade de, como meu pai trabalhava, eu disse antes, como engenheiro químico na área de borracha, então surgiu uma oportunidade de comprar uma casa no bairro do Belém, quer dizer, na época se chamava um tipo de um Alphaville hoje, eram ruas largas, casas que tinham praticamente quatro, cinco quartos dentro, um belo de um quintal, garagem fechada, uma entrada exuberante de mármore, então essa foi a casa que passei minha segunda infância ali dentro.

P/1 – Que memória o senhor tem dessa casa?

R – Ah, dessa casa, veja bem, eu saí de um lugar que não tinha ninguém na sua volta, praticamente Vila Maria Alta é perdido, hoje é uma cidade aquilo lá, então de um nada eu passei a habitar uma região que tinha muita gente, da qual fiz grandes amizades. Na rua só morava gente de classe média acima, porque só eram casas grandes, era uma rua, que nós nunca tínhamos visto carro, as pessoas tinham carro, aqueles Ford 40, 50, 60, a nossa rua era privilegiada, era de paralelepípedo, então você imagina em 1960, 66 isso. E daí você tinha, formava uma equipe de futebol, futebol de rua, então conhecemos, não vou citar nomes de pessoas que trabalhavam, jogadores do Corinthians que patrocinavam a gente, então nós tínhamos um time de futebol chamado Límpicos, a gente jogava campeonato de várzea. Então na época a Federação Paulista, nós éramos registrados, tinha um futebol amador lá, disputávamos campeonatos com uniforme, com tudo e nós também tínhamos um campo, que hoje, nosso campo chamava, antigamente tinha uma refinaria de óleo salada, é atrás da Goodyear do Brasil, então o nosso campo era ali, que nos cederam, a fábrica nos cedeu e num tempo passamos a jogar no primeiro estádio iluminado de São Paulo, que era o Maria Zélia. Então eu estudei no Maria Zélia também, fui estudante, estudei no Colégio do Carmo também, aonde fiz grandes amizades, poucos, que na nossa época São Paulo era muito longe, uma distância de pessoas, então, pra dizer coisas turísticas, andar de bonde, bonde aberto com reboque, o famoso reim deim deim deim, às vezes eu brinco com as minhas netas com tudo isso. Quer dizer, eu tenho boas recordações da época minha de infância e nunca tive problema, graças a Deus, era moleque sim, eu era briguento, bati muito, apenhei muito na vida, mas é juventude, é isso, nada de levar ressentimento de pessoas.

P/1 – E na sua casa, assim, o senhor tinha festas, tinha alguma coisa que era comemorado especificamente na sua casa, que tenha sido marcante?

R – Em casa, por exemplo, você sabe, como família alemã era tradicional a páscoa, natal, ao ponto que, como nós éramos uma família de classe média, mas nós tínhamos um rádio, não é rádio de pilha, não, aqueles caixotes grandes, e eu como moleque fui instalar uma antena no telhado da casa, dentro da casa, pra poder ouvir. Então chegava na noite de natal ou páscoa, naquele tempo nós tínhamos aquelas ondas curtas, então o meu pai sintonizava pra ouvir músicas alemãs, que na época não existia quase vitrola, era muito difícil, você tinha que usar o rádio. Então essas festas você tinha que, desculpe a expressão, tomar banho, escovar os dentes, se pentear, engraxar sapato, por a camisa mais bonita que você tinha, de preferência branca, sentava todo mundo à mesa, com respeito, o meu pai numa cabeceira, a minha mãe na outra, o meu irmão mais velho do lado dele, eu, como era o mais novo, ficava do lado da minha mãe, então isso era feita a distribuição. Festas, pessoas estrangeiras, meus pais nunca deram com medo, que passaram muito mal durante a repressão contra eles, mas minha irmã e eu demos muitas festas ali dentro, muitíssimas festas, com, não é exagerando, 20, 30 pessoas, assim, de fazer bailinho, a casa dos meus pais era grande. Então eu sou da época no Ray Connif, sou da época do Elvis Presley, sou da época Paul Anka e companhia mais, que me foge os nomes de muitos daquela época, nós tínhamos um baile, fui um grande namorador da época também, se a senhora quer saber, então sempre me dei bem com tudo. Foi uma excelente de uma infância, teve problemas, isso é normal de qualquer família, sempre tivemos, às vezes teve rusga na vizinhança porque eu era muito bagunceiro, mas eu sempre trabalhei pro meu pai e as festas sempre você tinha que ter o silêncio em respeito aos teus pais.

P/1 – Eles tinham o costume de contar histórias pra vocês?

R – Não, o que aconteceu, o seguinte, como a casa era grande nós discutíamos o cotidiano e a vida nossa naquele mês ou naquele ano, então nós sentávamos lá nos jardins e ficávamos tomando conhaque e batendo papo, a família inteira, todo mundo sentado e conversando, falando da comida, falando da feira, falando, na época era mercado, não era supermercado, da condução, que você tinha que pegar bonde ou ônibus, que eu morava ali perto da Avenida Celso Garcia. Então você imagina o que era frequentar Colégio do Carmo, Praça Clóvis Bevilacqua, chegar onde que eu morava, Bairro do Belém, então era tudo bonde aberto, depois que modernizou, que veio os primeiros bondes camarão, que eram fechados.

P/1 – O senhor nessa época, assim, já imaginava o que o senhor gostaria de ser quando crescer, tinha, assim, algum desejo?

R – Tinha, veja bem, como você tem ligação com o seu pai, então automaticamente você sempre ia puxar aquilo que o seu pai queria, então eu comecei a estudar, me dediquei muito à parte de Física e Química, que eu estudei no Colégio do Carmo, aqui na Praça Clóvis Bevilacqua, depois fui fazer Química Industrial Osvaldo Cruz, que hoje é uma universidade, na época Escola de Química Industrial Osvaldo Cruz, aqui na Angélica. E nos sábados à tarde e de domingo eu ia com o meu pai visitar as fábricas, então eu passei a ter conhecimento de parte industrial, de mexer nas calendas, de ver mistura de borracha, de ver a temperatura, então comecei a me dedicar. Mas aí houve um pequeno problema, porque que eu larguei a Química, a parte de borracha, porque, como o meu pai era muito requisitado, daí eu intermediei um negócio, não vou citar nome de cidade, no interior de São Paulo, e fechei o preço e meus pais tinham viajado, como eu tinha conhecimento eu discuti toda a posição, aí quando o meu pai voltou a pessoa ligou: “Olha, tá tudo pronto, o senhor vai receber x, vai ter isso, isso, aquilo, não sei o que” e eu tomei uma bronca do meu pai dizendo assim: “Quem é você pra meter o bedelho”. Então a partir daí eu peguei, me senti que eu não teria espaço para ficar sozinho, mas como eu, eu tinha um laboratório no fundo da minha casa, então eu comecei a me dedicar em pesquisas, até que fui trabalhar na Goodyear do Brasil, no Departamento de Física e Química da Goodyear.

P/1 – Mas guarda só um pouquinho aí, vamos ainda voltar um pouquinho lá pra atrás, antes do senhor entrar na sua área profissional, eu queria que o senhor ainda voltasse um pouquinho lá pra sua escola, né. Que lembranças que o senhor tem do seu primeiro dia de escola, como que foi? O senhor disse que estudou num colégio de freiras, né?

R – Bom, com todo o respeito, eu não tenho muita coisa disso, só me lembro de coisas ruins do colégio de freiras porque o seu uniforme, deixo bem claro que na época você era obrigado a usar uniforme, tanto menino como as meninas, e o uniforme, o suspensório era de pano, e o meu pai, como trabalhava em borrachas, fez de elástico, e um dia chegando com o suspensório de elástico a freira me mando tirar o suspensório, eu tive que ficar com o chapéu de bobo na frente e segurando as calças pra não cair. Então são essas coisas, eu não me lembro muito, que eu devia ter o quê? Uns sete, oito anos, não me lembro muito dentro de escola, me lembro sim do Colégio do Carmo, onde que no nosso tempo você fazia admissão, entrei, passei pela admissão, aí você sobre pro primeiro ano, segundo. Então nosso professores dessa época, eu me lembro de tudo, então eram professores, eram sargentos do exército, então você tinha que fazer aquela, lutas de boxe, lutas de judô, subir em cano, subir em corda, aprender a fazer todos os exercícios, subir em barras. Então tinha jogo de futebol de salão, um pouco, o vôlei, que era pouquíssimo conhecido e sessão de você, handebol, que na época ainda era muito americanizado as escolas, então você fazia muito disso aí, de um aprendizado. Então no Colégio do Carmo aprendi a saber o que que era gente, então você estudava no admissão, que o Colégio do Carmo tinha a parte, o recreio da admissão era na parte de baixo, que hoje é a Secretaria da Fazenda do Estado ali, e o pátio de cima era pra quem tava no ginásio, colegial, então era um, você lutava tudo pra admissão pra você subir aqueles famigerados 20 degraus, que eu contei na época, pra você chegar no pátio superior. Então havia essa, então ali eu aprendi muito, então fizemos grandes amizades, deixo bem claro que era só colégio de homens, como é hoje o, na época virou misto depois de algum tempo, mas no meu tempo só era homem que estudava ali, então você estudava das oito horas da manhã às três horas da tarde direto, você tinha aproximadamente sete matérias pra você estudar. Então ali dentro eu tenho grandes recordações, em festas juninas era um espetáculo que os padres faziam, que eram irmãos maristas, você tinha de ter respeito, por exemplo, aonde que eu aprendi educação, de por a mão no bolso pra se mexer, entrar no banheiro, eles iam vistoriar se você limpava o banheiro, se você puxava descarga, se você fizesse xixi no chão. Então você aprendeu tudo isso com a educação dos irmãos maristas, e dentro deles você aprendeu muita coisa que se chama trabalhos manuais, então hoje pelo o que eu conheço de mapas geográficos do Brasil foi da época do colégio que eu estudei, no Colégio do Carmo, então você fazia alto-relevo, você fazia a descrição de todos os rios.Você sabia a capital de todos, na época, de todos os estados brasileiros, que hoje são mais ou menos dez a mais do que o meu tempo, você era obrigado a saber o nome de todos os rios importantes do território nacional e todas as montanhas. Quer dizer, eu lembro grandes recordações do Colégio do Carmo e também boas brigas, que também existia, isso é normal, de se formar aquelas panelas, como eu te disse, eu sou filho de alemão, mas eu sou brasileiro, e o colégio, como era um colégio marista, ali era frequentado pela alta sociedade da região, se chamava Piracaia, Brooklin, Moema, então ali era frequentado por isso. E se formou ali uma panela, fui beber água, um grupinho pura e simplesmente me jogou de baixo da torneira, molhou a cabeça, um grupo de três, aí eu olhei pra eles, falei assim, nunca me esqueço essas palavras: “O troco virá”, só que o meu troco foi violento, quando um foi beber água eu meti a mão na cabeça dele e quebrou a testa. Então fui chamado à diretoria do colégio, como eu digo, eu sou filho de alemão, falava alemão fluente na época e o diretor, o Padre Miguel, era alemão também, então nós entramos em contato, eu disse com ele o seguinte: “O senhor aceita que três venha bater em mim, apanhei, só que eu disse a eles: ‘Eu pego um por um’ e peguei, só que infelizmente esse foi um pouquinho mais, foi ele que mais me judiou, ele também foi judiado”, o reitor falou o seguinte: “Então você não se incomoda, você vai embora hoje, amanhã você volta normalmente, mas eu vou chamar os três”. Então as aulas de Geografia, por exemplo, do colégio, se aprendeu muito, Desenho Geométrico, de você pegar uma peça aqui, jogar a tantos graus, tudo isso eu aprendi, caligrafia, você aprendeu a fazer caligrafia. Uma coisa que até hoje eu sinto mal das nossas escolas, porque na época de setembro e novembro você cantava o hino nacional antes de entrar e na época de novembro o hino à bandeira nacional, então eu sei, quer dizer, esqueci muitas coisas porque não mais se usa. Então você tinha, eu tenho essas grandes recordações de festas dentro do próprio colégio, as quermesses realizadas, as excursões que eram realizadas, as competições entre os alunos, que toda classe tinha os dez mais, então você tinha uma competição entre nós, sadia: “Por que você tem dez? Eu só tirei nove e meio” ou: “Eu tirei cinco, por quê?”, então você tinha que ler, estudar e era sete matérias, né, sete.

P/1 – O senhor falou então que o senhor era um grande namorador, né, qual foi o seu primeiro namoro, o senhor se lembra?

R – Ah, o primeiro namoro foi uma vizinha de rua, mas como você tem uma época, não vou citar o nome dela, hoje ela é casada, tem filhos, por questões de ética e respeito e não dei continuidade ao namoro porque eu tinha muita amizade com a família, é como se eles fossem, desculpe a expressão, a minha segunda família. Então tinha conhecimento dos pais, das outras irmãs e muita amizade com o irmão que estudou comigo do Colégio do Carmo, o próprio irmão dizia: “Pô, minha irmã gosta de você”, falei: “Olha, provavelmente se der algum problema com a sua irmã nós não vamos ter mais essa amizade”, então eu preferi, desculpe, pode me chamar do que vocês quiserem, mas eu preferi abdicar o namoro com ela e ter amizade com a família, que se deu até uns 20 anos atrás.

P/1 – Certo, o senhor tava contando então que o seu pai, o senhor começou a visitar as fábricas com o seu pai, enfim. Como é que se deu a ideia do senhor começar a entrar no mercado de trabalho?

R – Quando o meu pai me viu, que eu estava estudando Química Industrial, então ele perguntou se eu tinha vontade: “Ah, tudo bem”, então ele falou: “Olha, você vai comigo, você vai conhecer a praticidade da química industrial”. Eu sempre gostei tanto da parte teórica, mas eu sempre queria ver como é que funcionava a prática, como é que funcionava pra fazer borracha, como é que funcionava a borracha ficar rígida, como é que se punha a faixa branca daquela época dos pneus, que era só gente de dinheiro que tinha a faixa branca. Então o meu pai me falou: “Você quer ir junto” eu ia com o meu pai, então chegava de tarde à tarde o meu pai, como era um consultor químico da parte de borracha, eu ia com ele nas indústrias, então ele me levava comigo, ele ia lá pra dentro, eu acompanhava o meu pai então fazendo todas essa coisas aí.

P/1 – Em que momento surgiu a filatelia na sua família, que o seu pai se interessou?

R – A filatelia surgiu pelo seguinte, o meu irmão começou, queria fazer Engenharia, mas naquele bom tempo pra você entrar numa ITA ou no Mackenzie ou na Poli você tinha que ser gênio, meu irmão era um excelente estudante, tirava, passava nas provas, um tipo do vestibularzinho da própria faculdade, não é hoje que você faz pra tudo isso aí. Então ele tirava sete, sete e meio, tal, mas tinha gente, que naquela época se tinha o que, classes de 30, 35 estudantes que entravam pra Poli ou pro Mackenzie, pra essas universidades. Então ele passou a saber que, já aprendendo no Colégio do Carmo, que ele estudou lá também, que ele comprava selo e ia vendendo selo, então ele pagou os estudos com selo, ele começou, largou a parte de estudo, começou a ser um maleiro, no tempo se chamava mascate, não é isso? Então ele frequentava agências do correio, viajava pra vender selo pelo interior a fora e ele trazia selos pra lavar.

P/1 – Lavar, como assim lavar?

R – Não, que você comprava sacos de selo, por exemplo, do Instituto Verbo Divino, de Santo Amaro, essas instituições católicas, ele comprava e os selos vinham em cima de correspondência, não é verdade? Num envelope, então você lavava aquilo, ou seja, soltava o selo do papel do envelope e eu comecei a brincar com isso aí.

P/1 – Quantos anos o senhor tinha?

R – Dezoito, aí o que eu fazia? Quando eu fui estudar Química Industrial, pra poder ganhar um salariozinho, eu passei a estudar à noite no Osvaldo Cruz e durante o dia eu comecei a trabalhar com meu irmão na Rua Direita, em 1961, portanto a nossa empresa é de 1961, e aí comecei a gostar de tudo isso. Então aí eu trabalhava durante o dia e à noite eu estudava Química Industrial, aí passou-se um tempo, como eu tava estudando Química, eu fui pra Goodyear do Brasil, como eu disse anteriormente, na parte química e física.

P/1 – Então esse foi o seu primeiro emprego, trabalho mesmo, na Goodyear?

R – Trabalho mesmo foi, primeiro emprego e trabalho foi o meu irmão e depois eu passei pra Química Industrial, aí, como houve problema, que naquele tempo se chamava, era, depois de dez anos você passa a ser funcionário fixo da empresa, você não podia ser mandado embora, ao ponto que a gente brincava, você recebia uma fichinha na testa, como dizendo assim: “Pertence a Goodyear do Brasil”. Como eu sabia inglês e alemão, nas horas, eu trabalhei na Goodyear, departamento de física e química, no laboratório, aqui na Rua dos Prazeres, bairro do Belém e nas horas do almoço, em vez de eu ir pra minha casa, eu almoça junto com os peão de fábrica, que eu era funcionário ficha azul, ou seja, eu tinha o direito de ir no almoço do restaurante dos diretores e dos químicos da Goodyear do Brasil. Mas como eu queria aprender o chão de fábrica, como se diz, eu fui almoçar lá com os peão, aí você passa a aprender a vida real do que que é o que a escola te ensina com a praticidade da sua vida, então eu passei a frequentar, aí eu comecei a ter conhecimento das coisas, então ferver gasolina, por exemplo, uma estufa de dois mil e 500 graus de queimar o amido, como eles falam, raiom. Eu não sabia disso, a escola só falava, então você foi aprendendo até que um belo dia um diretor, cujo nome era Mister William, que era diretor da área física, me convidou pra sair do departamento de laboratório pra entrar na parte de física, que era pra fazer a resistência dos pneus, então já naquela época, em 1970, já fazíamos resistência dos pneus praquelas ruas nossas excelentes, esburacadas, com um monte de coisas, então eu passei a fazer nisso. Aí eu caí na graça de um espanhol, que era o departamento de compras, porque na hora do almoço, em vez de eu ir dormir ou ir pro bar da esquina, eu ia pra biblioteca da Goodyear do Brasil, como lá tava à disposição livros, cuja a sede a Goodyear é em Arkans, nos Estados Unidos, eu ficava lendo os livros. Então o que que é uma balança eletrolítica? Você ouvia falar isso do departamento de química da Osvaldo Cruz, até que um dia eu peguei, com muita cara de pau, desculpe a expressão, me informei: “Onde que fica essa balança”, “Não, ela tá fechada num lugar, não pode entrar vento, os pesos são zero, zero, zero, quer dizer, se você respirar a balança vai mexer”. Então o que eu fiz? E aí fazendo isso na hora do almoço, até que um dia Mister William entrou na biblioteca, me viu, então ele falou: “O que você tá fazendo aqui?”, “Não, to aprendendo, to mexendo aqui na balança eletrolítica, porque o meu chefe não me permite, então eu queria aprender tudo isso”. Aí ele falou: “Bom, a partir de hoje então você vai entrar na parte física e química da Goodyear do Brasil, você passa a ser responsável por todos os produtos importados que vinha dos Estados Unidos”, fazer teste de gasolina, teste de raiom, teste de látex, então você comprava, teste nas carretas que você comprava os pneus velhos, as câmaras de ar, perdão, velhas, você tinha que saber distinguir. Então houve um pequeno contratempo, você conhece a palavra suborno, ganhar por debaixo do pano? Então o meu chefe era isso, só que infelizmente, vaidade ou não, você quer crescer na vida, então eu peguei, fiz a minha, aquele dia o me chefe, Mister William, me mandou vistoriar um caminhão de 20 metros de comprimento, aquelas carretas antigas, Feneme, aí eu fui mexer com tudo. Como o meu chefe me disse: “Cuidado, em cima tá bonito, embaixo tá uma porcaria”, então peguei, revirei o caminhão, aí peguei, liguei pro meu chefe: “Não aceito o caminhão por causa disso, disso, disso”, “O senhor fez isso?”, “Fiz”, “Então assina o documento e manda embora o caminhão”. Aí o meu chefe não concordou, primeira briga entre eu e meu chefe de laboratório, não vou citar o nome dele, e a segunda que houve problema, que você sabe, você quando faz trabalho numa empresa dessa, numa área mais importante, você não tem hora fixa de trabalhar, certo? Sábados, domingos, feriados, de madrugada, tudo mais, aí num domingo me chama cinco e meia da manhã pra ir na fábrica, que aí: “Ah, os meninos não vieram”, que seriam colegas meus de profissão, eu assumi. E quando eu fui assumir eu tive que parar toda produção de borracha da Goodyear do Brasil, mas como a Goodyear tem um chefe, você tem o chefe pequeno e o chefe grandão, você, por hierarquia você procura quem? O chefe pequeno, e na época você tinha PBX, palavra bonita hoje, né, antigamente era espetáculo, não conseguir localizar meu chefe, o que você faz? Eu, estudante, parando uma indústria, fui ligar pro chefe superior, um senhor americano, cujo o apelido dele era Carniceiro, Mister Margarefe, ele pegou, eu comuniquei a ele: “Cadê o teu chefe?”, eu falei: “Eu não achei”, “O senhor prova?”, “Provo”, peguei, liguei pra ele: “Olha, tá aqui, liguei pros portões um, dois, três, quatro, pra todo mundo, com a telefonista tal, tal, tal”, resultado: houve um pequeno entrevero. E o terceiro entrevero do qual eu tive que...

P/1 – Mas só pra gente voltar um porquinho pros selos, Seu Leão.

R – Ah, tá.

P/1 – Mas aí o senhor continuou trabalhando em paralelo com o seu irmão, com os selos, não?

R – Não, não, aí eu parei, quando teve esse entrevero com o meu chefe na Goodyear aí eu voltei a trabalhar com o meu irmão.

P/1 – Seu irmão continuou?

R – Continuou, aí eu passei a ser sócio do meu irmão em 1961.

P/1 – Aqui na filatelia?

R – Na filatelia, na loja comercial da Rua Direita.

P/1 – Como que era essa loja, já tinha a clientela na época?

R – Não, a loja era o seguinte, quando nós fundamos a loja, antigamente, bom, vocês pode cortar, era Lojas Bambini, pequena por fora e grande por dentro, então, como nós não tínhamos muito dinheiro pra pagar aluguel, nós alugamos aonde que morava o zelador, o prédio de residencial virou comercial. Então nós pegamos a parte do zelador, ou seja, o prédio ia até o décimo andar, nós távamos no 11º, você tinha que subir um lance de escada, um balcão pequeno, como a gente já, ele já tinha conhecimento e eu passei a adquirir, então ele começou ele a viajar e eu fiquei tomando conta da loja, até então, como já tinha conhecimento um pouco de selo, comecei a adquirir mais ainda, facilidade por quê? Como eu leio inglês, francês e alemão, então você vai começando a aprender muito com isso, aí nós ficamos sócios, trabalhamos juntos, viajávamos juntos, sendo que meu, trabalhamos lá em cima. Aí ganhamos um bom dinheiro, aí nós compramos sala nesse prédio aqui, que era no primeiro andar, cuja frente se a senhora sai daqui ver a vitrine, o vidro que tá lá, era a nossa sala ali.

P/1 – Como que era nessa época o uso das cartas, era muito mais frequente?

R – As cartas, veja bem, só tinha duas coisas de comunicação no nosso tempo, primeiro se chamava telegrama, segundo, raro, telefone e o terceiro, mais importante de tudo, que era correspondência dos Correios do Brasil, cuja a sede era aqui embaixo no Anhangabaú, se chamava Praça do Correio, que passava bonde, ônibus, tudo mais. Então ali existia uma agência filatélica dos Correios, como nós éramos pessoas conhecidas então nós éramos bem tratados na área da filatelia dentro dos Correios de São Paulo, então você tinha um grande privilégio lá dentro, você tinha um guichê só pra filatelistas pra te atender com tudo aquilo que tinha. Pasmem, naquela época era fichão, eles tinham um controle, hoje por computador o correio tá um zero a esquerda, desculpe a honestidade.

P/1 – Como assim era um fichão?

R – A tesouraria marcava, por exemplo, o selo do Pelé tem tantos, selo da Ester Bueno tem tanto, entende, então havia um controle porque a casa da moeda mandava, era no Rio de Janeiro, deixo claro, mandava pras grandes capitais e sabia quantos selos estavam chegando aqui e quanto se vendia. E com isso nós tínhamos um acesso lá dentro, éramos muito bem tratados, e com isso a gente usava muita correspondência do correio, tudo era feito por correspondência, na época só tinha o quê? A carta registrada e a carta expressa e você tinha distinção de carta normal, terrestre e carta aérea e pra mandar pro exterior você tinha a postagem marítima, estou falando da década de 60, 70, e você tinha a postagem avião, a marítima levava seis meses pra chegar na Europa e vice versa, e via aérea levava uma semana.

P/1 – Era caro?

R – Naquele tempo não porque, você sabe, depois da guerra se inventaram os grandes aviões, lembra dos bombardeios que foram feitos? Então você tinha grandes aviões que, por exemplo, eu sou da época da Pan Air do Brasil, aqueles quadrimotores chiques, então eles carregavam a correspondência pro outro lado do mundo.

P/1 – As pessoas tinham o costume de usar o serviço de encomendas, de mandar objetos também?

R – Se usava muito o correio, mas na época o correio começou a impor certas condições, que não podia pegar peso x, demorava muito, veja bem, o correio usava quase que 70 por cento de sua correspondência era por caminhões, então você imagina, década de 60, 70, você de São Paulo a Rio você levava sete horas de estrada, esquece Dutra de hoje, era uma estradinha ida e volta, uma pista, então o que acontecia? Então você usava, pra grandes cargas você usava as empresas aéreas, então nós tínhamos um tipo de um contrato, que naquela época se chamava Varig, você telefonava, eram caixas de dez, 15 quilos, eles iam te buscar no teu escritório, você pagava mais, deixo bem claro, e mandava embora, você pagava por cubagem. E os Correios naquela época, eu devo entender, porque eles deviam contratar o serviço aéreo nacional, que era, que funciona de noite, o correio aéreo nacional, então aquilo era mais complicado, a Varig não, ela já tinha o aeroporto do Rio de Janeiro, não existia Galeão, era o Santos Dumont, então eles já tinham uma perua que levava pra central e distribuía. Então se usava para carga pesada, se usava, dentro do território nacional a gente usava a Varig, que foi a primeira empresa aérea que se expandiu aqui, o restante dos 70 por cento era Correio do Brasil.

P/1 – O senhor costumava também usar, se corresponder?

R – Sim, a gente tinha, veja bem, o comércio naquela época, como eu disse, você só tinha telefone, só que não é que nem hoje, você tinha DDD, você tinha que pedir autorização, na época não era Embratel, era Departamento de Correios e Telégrafos, pedir pra fazer uma ligação interestadual, não é hoje, você aperta botão, não, você tinha que pedir, esperava às vezes dois, três dias pra poder falar com algum estado longe do nosso. Então o que acontece? Então você tinha muita correspondência, então você chegava a ver correspondência de cidades perdidas nesse Brasil, você nunca ouviu falar, eu me lembro de uma, Ubá, onde fica isso aí? E assim foi a parte de você usar toda a correspondência, era tudo isso que você usava, agora, você tinha muita correspondência pro exterior porque antigamente você tinha publicidade de filatelia nos grandes jornais desse território nacional, não vou citar nome que eu não sei se pode ou não. Então todos os jornais tinham essa divulgação, o que o, veja bem, o que o correio lançava os jornais estavam anunciando, as grandes revistas da época, se a senhora pesquisar, vou dizer a Cruzeiro, ela divulgava tudo isso, então eram as grandes revistas e grandes, e na Hora do Brasil, aquilo que é obrigatório por lei, eles também anunciavam o que ia ser lançado de selo, palavras pequenas, mas tinha, e o próprio correio avisava quem era cadastrado que ia ser lançado um selo, havia o convite.

P/1 – Tudo por carta?

R – Tudo por carta, tudo, depois ficou mais chique, passado-se um tempo, passou a ser a coisa mais bonita que se chamou telegrama, que funcionava, hoje...deixa pra lá.

P/1 – Essas cartas que o senhor trocou, que o senhor recebeu, né, o senhor comentou dessa carta que chegou de Ubá pro senhor, o senhor não tinha a menor ideia, teve alguma outra carta que tenha sido marcante para o senhor nessas trocas de correspondência?

R – Ah, teve, você teve, por exemplo, na época que o governo ficava no Rio de Janeiro, então você trocava carta com a tropa dos militares, você trocava com os generais, com os almirantes, brigadeiros, teus clientes eram oficiais de primeiro escalão porque eles tinham um grau de instrução, viajavam pela FAB, então eles sabiam o que era filatelia. Os grandes ministérios era tudo no Rio de Janeiro, então a gente tinha acesso a todos eles, o próprio, vamos dizer, o pseudo Itamaraty do Rio de Janeiro você tinha acesso, então você tinha na época, era mais acessível ao povo do que hoje, tá certo, o país cresceu de mais, e você tinha esse acesso com todos eles. Então você tinha acesso com o Ministério da Guerra, é um nome famoso Penha Brasil, se a senhora for pesquisar sabe disso, um dos grandes diretores do correio foi o Boto, Mattos, esses trabalharam pelo correio do Brasil. Então correspondência funcionava o seguinte, você tinha pra própria capital, São Paulo, veja bem, cidade de São Paulo, você levava de dois a três dias, se fosse pra mandar pra fora de São Paulo, pra outro município ou cidade do interior, você levava às vezes cinco dias, então você pagava mais caro, fazendo um paralelo, você pagava carta registrada, se era expressa, dependendo da cidade que ia eles aceitavam expressa. Então você tinha, todo o acesso seu era correspondência, todo, tudo, tudo, ao ponto que naquela época nós fazíamos uma distribuição perto de seis mil endereços, tudo feito por carta, por quê? Naquele tempo não existia o que se tem hoje, o computador, você tinha o mimeógrafo, então a gente fazia, ficava nas horas vagas na loja pra fazer tudo isso pra poder mandar no dia seguinte, você selava tudo isso aí, você não tinha contrato com os Correios como você tem hoje.

P/1 – Quem fazia esse trabalho?

R – Nós.

P/1 – O senhor e o seu irmão?

R – Eu e meu irmão.

P/1 – Em duas pessoas.

R – Em duas pessoas a gente levava um dia inteiro pra fazer tudo isso, varava a noite até umas oito horas da noite pra imprimir, deixar secar, porque era feito com álcool, lembra, mimeógrafo a álcool, então você tinha que deixar secar, no dia seguinte envelopar tudo.

P/1 – O que era esse comunicado que o senhor mandava?

R – Dos produtos que a senhora tinha para vender, então os álbuns, vamos dizer, os classificadores, que é pra guardar selo, os próprios selos, a pinça, o papelzinho de colar, que se chama charneira, as novidades que você recebia do exterior, por exemplo. Então tudo isso nós divulgávamos, ia uma relação, em algum lugar eu devo ter guardado aí, se for depois lhe mostro, você fazia uma relação do que você tinha de selos do Brasil, desde o império até aquela época, década de 70, então você mandava isso pra todo mundo, inclusive pra clubes, pra o Departamento de Correios e Telégrafos, que era no Rio de Janeiro.

P/1 – E depois as pessoas faziam encomenda por carta?

R – Faziam tudo encomenda por carta, não havia depósito bancário, você recebia cheque, a compensação demorava às vezes uma semana pra você, então você recebia cheques de todos os lugares desse país.

P/1 – Vocês mandavam como a correspondência, os produtos?

R – Mandava o pedido mediante, que é, a nossa profissão de sem-vergonhice só existe três, quatro por cento, de calotes no nosso mercado, o restante não dá dor de cabeça, portanto você ia na boa fé e mandava pras pessoas, você praticamente, em 51 anos de profissão, de comércio, porta aberta, se eu tive cinco contratempos de sem-vergonhice foram muitos, de roubar correspondência. E no nosso tempo as companhias de seguro, eu vou falar o nome, da York Shire, ela fazia seguros sobre selo, então você pegava a carta que você escrevia, fosse pra senhora, e falava: “Ó, tô mandando isso pra senhora, isto, tá vendo, isso vai dentro desse envelope”, então fazia um guia que acompanhava a correspondência. Então há um fato pitoresco, nós mandamos uma correspondência, veja bem, eu quero que a senhora entenda, vamos falar em Corumbá, isso em 1967, então você imagina Corumbá, a gente chama as barrancas do Rio Paraná, a pessoa mandou uma carta dizendo que não tinha recebido, ele só recebeu o envelope sem o conteúdo. Você entra em parte com a companhia de seguro, a companhia de seguro veio na sua loja, veio perguntar o que que foi dentro, daí você mostra a mercadoria em si, que eles fazem o seguro sem ver, eu falei: “É isto, isto, isto”, aí o que que fez? Me perguntaram, falaram: “Faz o seguinte, manda alguém lá pra Corumbá”, porque naquela época existia muito clube nesse país todo, foram pra lá, o homem ficou dois dias e pegou o sem vergonha mostrando o selo: “Mas não é o senhor que falou?”, “Mas quem é o senhor?”, “Sou da companhia de seguro, que o senhor disse que só recebeu o invólucro e tá com o selo do homem”, então são casos desses que acontece.

P/1 – E algum outro fato pitoresco, assim, que o senhor tenha, envolvendo essas correspondências ou se tem alguma história envolvendo os Correios que o senhor acha interessante?

R – Teve, teve, por exemplo, há muitos anos atrás, no início da carreira de Baú da Felicidade, que era junto com o Nóbrega, o velho, nós compramos todo o lixão do Grupo Silvio Santos de correspondências, como ali só tira uma carta, veja bem, tô te falando, e sorteia-se a carta, como até hoje, nós compramos todo o resto. E como nós não tínhamos nada que fazer ficávamos abrindo coisas, então numa delas tinha um envelope todo prateado dentro, com um certo palavrão escrito e fomos abrir, era um fezes da pessoa que estava mandando pro Grupo Silvio Santos. Aí teve outra vez que o próprio Grupo Silvio Santos fazia a divulgação de campanha pra criança, então nós recebemos nesse meio, negócio, também recebemos carta com dinheiro, quer dizer, se sorteia pra você participar, mas não vê o resto, então a gente pegou aquele dinheiro que veio, como estava o endereço da pessoa nós devolvemos. Por exemplo, recebíamos na época da ditadura militar, nós recebíamos correspondência do mundo todo, inclusive de dois países que eram proibidos, China e Cuba. Então você pega o seguinte, o cubano era malandro, sem vergonha, fazia propaganda no jornal Grama, que vocês já devem ter ouvido falar, então eles punham lá, eles punham de tal maneira, onde que estavam matando soldado alemão, soldado americano ou derrubando avião, então vinha a foto logo de cara pra você, isso nos deu problema. E a China também mandava os pensamentos do Mao Tse Tung logo de cara assim, e logicamente você tinha uma certa pressão, então nós tivemos também alguns problemas com tudo isso.

P/1 – Tinha algum carteiro, teve carteiros que foram marcantes?

R – Só existia carteiro, só existia carteiro e naquela época, veja bem, eles tinham que carregar um malote nas costas, eram poucas viaturas que o correio tinha, então ele vinha com cargas pesadas. Então muitas vezes, como a gente mandava por registro, a gente pedia pros clientes mandar as cartas por registro, então você, como nós tínhamos, e tem até hoje, a caixa postal aqui no correio do Anhangabaú, então você ia retirar, isso fazia com o que, as cartas registradas não vinham pelo carteiro, ele só mandava o bilhete pra você. Aí nós aprendemos também que pra que fazer o carteiro trabalhar, que o correio nunca divulgou isso, nós aprendemos isso, mandávamos todos os registrados pra nossa caixa postal, hoje 90 por cento do que nós temos de correspondência é caixa postal, só dez por cento que vem aqui na Barão de Itapetininga, assim evita do carteiro trazer. Hoje tem modernidade, você tem moto, você tem perua, você tem tudo o que você possa imaginar, então naquela época não, era só o carteiro que fazia, e ele não vinha todo dia também.

P/1 – Mas vocês tinham algum contato, assim, existia uma...?

R – Sim, porque como a gente recebia um volume muito grande de carta e despachava muito volume, então o nosso nome passou a ser conhecido dentro dos Correios do Estado de São Paulo, como algumas cidades fora de São Paulo, por exemplo, Bahia, passamos a ser conhecido, Rio de Janeiro, Minas Gerais, BH, Porto Alegre, Curitiba, porque nós tínhamos um grande volume de correspondências naquele tempo.

P/1 – E hoje como que é?

R – Hoje você aperta botão, manda mensagem, daqui a meia hora eu já depositei, então você não tem mais desculpa e o calor humano de escrever uma correspondência, entende, ou é fax ou telefone, então hoje você tem os quatro maneiras de vender sem você escrever muita carta. Então hoje o volume de carta diminuiu, mas eu ainda, quando eu faço a minha propaganda, eu mando três mil e 500 correspondências, tudo por carta, apesar de eu ter contrato com os Correios sempre selo com as últimas emissões que tem que sair das minhas cartas. Porque eu acho o seguinte, eu como comerciante tenho que divulgar o meu produto que eu vendo em paralelo ao correio que nada disso faz, desculpe, estou falando, eu confirmo.

P/1 – Quer dizer, o senhor usa correspondência justamente pra usar o selo?

R – Sim, o selo não foi feito pra ser circulado, então, por exemplo, não sei se vou me adiantar ao que você vai perguntar, mas é o seguinte, por exemplo, eu tava mostrando o selo do Corinthians, então na época, quando foi, eu levei isso a Brasília porque eu fiz parte da Comissão Nacional de Filatelia. O Brasil nunca fez selo de valor de oito e 30, sabe, aquelas porcariada de zero setenta, um e vinte e uma carta pra Alemanha custa quase 25 reais, então os envelopes não cabiam, o que que acontecia? O correio inventou um negócio chamado sara, você paga por registro, você não põe, eles põe lá que você, põe uma etiquetinha, diz que você pagou tanto e vai embora, eu sou contra isso, então o que que fiz? Eu consegui que o correio, através de muitas brigas lá em cima em Brasília, fizesse selos de valores mais elevados, então com isso eu usei muito selo de tecido do Corinthians pra fora do país, a Europa em geral, América do Norte, América do Sul. Então isso falta pro correio, apesar dos seus 350 anos, minha opinião, decaiu e muito, falta de conhecimento de venda e marketing de diretoria dos Correios, depois eu lhe falo por que.

P/1 – Só voltando um pouquinho aqui ao seu negócio, né, eu queria que o senhor falasse um pouquinho quantos, qual a estimativa de quantos selos o senhor tem hoje em dia.

R – Olha, dizer pra senhora exatamente quantos eu tenho é difícil, mas acredito eu que eu deva ter perto de um milhão, um milhão e meio de selos aqui dentro dessa loja, porque os gaveteiros é repleto de selos, aqueles armários são repletos de selos, os álbuns são repletos de selos, então eu sou uma verdadeira casa comercial. Continuo vivendo disso, é um ambiente sadio, apesar de você ter contratempo em qualquer profissão, qualquer comércio, eu dei, através dos selos, tudo o que eu pude dar pros meus filhos. Agora, pra ter isso, sucesso, você tem que gostar dessa profissão, mexer em coisas velhas, onde que você tem ácaros, até brinco, ácaros e Ícaros disponíveis, restos de barata ou baratinha, porque às vezes você compra baús ou inventários que ficam jogados anos e anos numa edícula, na época a gente falava no porão ou no fundo da casa da empregada, então você é obrigado a ter um pouco disso.

P/1 – O que move o senhor a trabalhar, assim, o que mais motiva a trabalhar com selos mesmo?

R – O que mais motiva a trabalhar com selo, primeiro, é que eu gosto do que eu faço e, independente disso, cada selo, não é ideologia e nem paranoico de minha parte, você tem, cada selo tem sua história pra ser contada, você vai dizer, sou um poliglota de selo? Não, eu tenho conhecimento sim, é que eu gosto daquilo que eu vejo, por exemplo, uma denteação do selo, denteação é aquela serrinha em volta, então há locais, no caso, típico de Brasil, você tem esse problema, máquinas velhas, máquinas modernas, o mesmo selo é usado na máquina velha, máquina moderna. Aí você tem o selo sem dente, que aprenderam a fazer sem dente, então você vai estudando tudo isso, eu falo Brasil porque, assim, se não vou te falar, vou ficar até amanhã falando sobre os outros países que fazem semelhante ao nosso aqui de tudo isso. Então você precisa gostar e outra, o grande prazer é você classificar o selo, se ele faz parte de uma série, vamos dizer, o Brasil tem os selos da Revolução de 30, 32, de 30 ninguém sabe, 32 é só motivo paulista, então você olha praquilo, você fala: “Puxa, aqui muitos amigos, amigos não, conterrâneos paulista morreram, esse daqui conterrâneos cariocas morreram”, que é a Revolução de 30. Então é um história que se conta, a era moderna, lembra quando foi construída a Transamazônica? Os Correios do Brasil fizeram uma emissão de selo, a Transamazônica com sete provérbios distintos, não me pergunte, também não sei, só se pegar o selo, eu te mostro, então, quer dizer, você sente a evolução das coisas através do quê? Do mercado filatélico, do selo em si, então isso te deixa você aprender e gostar cada vez mais disso. Por exemplo, lavagem de selo, como eu falei antes, não é que você vai lavar, passar a ferro, não, você vai tirar do papel, aí se ele tiver muito sujo você usa um produto químico chamado cândida, então você precisa gostar disso, se empenhar oito horas por dia nisso, participar pra você ter mais conhecimento, participar de eventos no exterior, ao qual eu participei, ter contatos com comerciantes estrangeiros, que eu tenho, continuo tendo, diminui, sim, diminui. Então você precisa gostara de tudo isso, como a sua profissão, você é uma jornalista, tem muita gente da sua categoria que estuda e pensa que, mas não vai ler, não vai se informar, não vai estudar, não vai ver se fala um pouco de inglês ou francês pra melhorar sua capacidade de entrevista ou de jornalista, desculpe dar o exemplo.

P/1 – Imagina, imagina, Seu Leão, o senhor é casado?

R – Opa, sim, sou casado, muito bem casado com uma descendente de italiano, bonitona, como a senhora mesmo viu, ela me deu dois filhos espetaculares, minha filha chamada Cristina, meu filho chamado Ricardo, das quais a minha filha me deu duas netas meninas e meu filho me deu duas netas que são gêmeas univitelinas, então eu também não sei distinguir quem é a Mari e quem é a Juliana. Mas é um casal que trabalhamos juntos, ela foi antes, quando nós nos casamos, ela foi contadora do Banco Auxiliar de São Paulo, nos bons tempos da família Bonfiglioli. Aí em 1970, quando eu e meu irmão, nós nos separamos, ele entrou pra uma outra área, eu fiquei com essa, então minha esposa passou a participar comigo, trabalhar junto comigo, mas ela toma conta na parte de abastecer os álbuns na falta de selo, ela vê telefonemas hoje, correspondências, e a parte contábil da Filatélica Marek, débito, crédito em banco, controlar tudo aquilo. Então nós somos, trabalhamos juntos, quer dizer, eu vejo a minha esposa praticamente 24 horas por dia, é de manhã, de tarde, de noite, então eu me dou muito bem com ela, somos muitos feliz, é normal num casamento de 44 anos não ter rusgas, isso é normal, mas as rusgas são: “Tchau, até logo, passe bem”, vai dormir, no dia seguinte tá tudo numa boa. Então trabalha comigo, ela é um standard de aguentar muita coisa, como também sou um standard dela quando teve necessidade, nos momentos ruins de nossas vidas, então nós sempre fomos uma família muito unida e somos unidos até hoje.

P/1 – O que o senhor gosta de fazer, já que o senhor trabalha tanto, na horas de lazer o que o senhor costuma fazer hoje?

R – Eu tenho o seguinte princípio de vida, eu trabalho aqui das nove e meia até às 18 horas, a partir do momento que eu fecho a porta aqui eu desligo da minha profissão, então eu gosto de ver o quê? De fazer palavra cruzada, vocês vão rir de mim, gosto de ler Pato Donald, Zé Carioca, de ler livros, tanto de autores brasileiros como autores estrangeiros, gosto de ver televisão, bons filmes e, como bom Corintiano, quando tem jogo do Corinthians eu gosto de ver jogo do Corinthians. Gosto de ir para a praia, gosto de nadar, como na época de criança eu fui sócio do Corinthians então eu aprendi a remar, nadar, então eu da profissão eu esqueço, de sábado a mesma coisa, meio dia, uma hora fecho a porta, dali pra frente. Ao ponto que eu dou o telefone da minha casa pra nenhum cliente meu, que eu não quero aborrecimento, não uso o celular, a senhora pode me chamar de arcaico, mas é uma questão de tranquilidade, a minha esposa tem, então eu tenho essa norma da qual eu me sinto jovem com meus 71 anos que eu vou fazer.

P/1 – Puxa! E sonho, você tem sonhos?

R – Os sonhos eu tive na época que eu comecei a trabalhar nisso daqui, qual era o sonho que você tem? De ter a sua casa própria, consegui, de ter seu carro próprio, consegui, de ter uma excelente esposa, consegui, de ter filhos educados, da qual eu dei capacidade pra todos eles, dei o estudo pra eles, por exemplo, meu filho, foi dividido pros dois, cada um optou, meu filho, então eu dei pra ele na Universidade da Califórnia, dei pós-graduação, e foi uma outra, um estado americano que me foge o nome, dei pra ele curso de inglês e alemão. O que eu pude eu dei, tudo isso que era meu sonho, de ver meus filhos numa bem bom, dei boas escolas pra eles, a minha filha é formada em Psicologia e meu filho é formado pela ISAN, escola superior de Administração, quer dizer, o meu sonho eu consegui realizar. Tive sítio sim, pra mim era fazenda, sítio e casa de campo, ou seja, era um terreninho de mil e 800 metros quadrados perto de Cumbica, então ali realizava-se, uma outra coisa que eu não gosto de falar, mas eu gostava de plantar, de cultivar, de cortar grama, de ver passarinhos, de fazer, vocês vão me chamar de biruta, de conversar com passarinhos. Então são coisas que eu consegui, tudo esses meus sonhos e, pra continuar a parte dos sonhos, sempre sonhei de fazer uma grande viagem pro exterior, então eu consegui realizar duas, aliada ao quê? Filatelia, só que o seguinte, durante o dia, certos dias ficava dentro dos eventos, como eu fiz, eu fiz a Europa, fiz um grande evento, foi na Espanha, e o segundo grande evento foi Portugal, só que Portugal era dez dias, fiquei três dias, então fiz o que tinha que fazer, alugamos um carro, uma perua, e fomos dar a volta pela Europa durante 25 dias de carro. Fomos onde que nós queríamos ir, onde que eu queria conhecer, falando assim pra dizer pra senhora, sempre tive vontade de conhecer, lembra do El Cid, então fui conhecer a cidade, é um forte, fui a Saint Tropez, não falavam que aquilo era uma praia maravilhosa? É uma porcaria do tamanho de um bonde, é de cascalho e tem uma arquibancada, aí fomos ver, naquele tempo era o topless, tá lembrado? Então nós fomos ver topless em Cannes, Saint Tropez, uma coisa horrorosa, mas todos casos... Em Portugal fui jogar em cassino, então lá eles têm uma coisa que o Brasil devia aprender, eles têm cassino pra estrangeiro, de paletó e gravata e roupa, que vai gastar, e tem cassino pra nós, que você vai gastar 300, 440 dólares. Então você era muito bem recebido e, não é porque eu sou brasileiro, mas ele te davam o seguinte: “Ó, nós temos um restaurante aqui dentro pra não grã-fino, a comida é a mesma, só que lá dentro é fatiota, aqui fora é o garçom com o paninho aqui, vai te atender numa boa”, consegui tudo isso. Consegui viajar pela segunda vez pra Europa, mais uma vez através da filatelia, como eu conheço boa parte da América do Sul, importantes da filatelia, Paraguai, Uruguai, Argentina, o restante nunca dei bola, e Estados Unidos.

P/1- Para o senhor hoje, assim, quais as coisas mais importantes na vida?

R – Olha, como eu tive um AVC dois anos atrás e estraguei fim de ano da família inteira, que foi no dia 28 de dezembro, hoje eu penso o seguinte, de ser feliz, de ser alegre, curtir a minha família, curtir a loja e curtir minhas netas e olhar o que eu fui na juventude, o que a juventude hoje é, é isso o que eu quero. Continuo sendo, continuo gostando de selo, se me perguntarem, Correios, que vocês tão fazendo trabalho, oriento eles o que for pra vender selo e volto a repetir, eles não têm capacidade de gerenciar, fazer as coisa, se a senhora me perguntar eu lhe respondo depois.

P/1 – Então só pra gente fechar, seu Leão, o que o senhor acha desse projeto, né, de regatar as histórias das cartas, enfim, da gente falar um pouquinho dessa história dos Correios aqui na história do Brasil e falar da sua história de vida, o que o senhor achou disso?

R – Olha, a filatelia lhe dá muita coisa, começando que você é obrigado a conhecer um pouco da história política, geográfica e locomoção, que seria pra você se locomover pro seu ambiente você tinha que ter os Correios. Os Correios, desde que eu me conheço como gente, sempre foram muito bons, apesar de ter críticas contra ele, roubos e companhia, mas hoje eu entendo porque, esse país é muito grande, é vastíssimo, são rincões que a filatelia me deu conhecimento, Itacoatiara, lá no meio da Amazônia. Se pegar, por exemplo, na época se falava Cidade de Bonito, perdido no meio lá do Mato Grosso, você não conhecia Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, foi subdividido, você imaginou o correio levar uma carta pra o território do Acre, território de Fernando de Noronha, que tem grandes histórias desta guerra, os primeiros voos de Zeppelin, o ponto de referência do Zeppelin na Europa era o quê? Existia um posto em Fernando de Noronha, ao ponto que era uma base da Força Aérea Brasileira. Então o correio tinha tudo isso, tinha grande expansão, havia trabalho de, vamos dizer, de concernimento do funcionário dos Correios, agora, através dos próprios Correios o Brasil evoluiu muito, não se esqueça, através do correio o Projeto Rondon sempre deu resultado. Marechal Cândido Rondon, apesar dele ir instalando os telégrafos, que era o Departamento de Correios e Telégrafos, usava-se muito a correspondência, a Revolução de 30, 32, quem é que fazia funcionar? O intercâmbio entre, não to falando em guerra, intercâmbio entre familiares era o correio, Segunda Guerra Mundial, quem é que tomava conta disso? É o correio aéreo militar que fazia as correspondências chegarem. Quer dizer, o correio é pra mim, no meu ponto de vista, é uma união do povo brasileiro em si, sendo ele dentro do território nacional ou lá de fora. Recentemente, o Brasil em 67 não teve o problema de Canal de Suez, o Brasil mandou uma força expedicionária, o correio aéreo nacional, o correio militar, o que que era? Correspondência, como eu disse na entrevista antes, estou falando de coisa que você não tinha telefone, você não tinha email, você não tinha computador, o que que era? Telégrafo e correspondência, quem era que tomava conta? Departamento de Correios e Telégrafos, apesar de ter duas companhias americanas que usavam o telégrafo brasileiro, que eu não vou citar nome. Agora, o correio unificou todo mundo aqui, só conhecia-se o país através de correspondência, você não, como é que o jornal do Amazonas vinha parar em São Paulo? Ninguém, não vinha trazer de bicicleta, vinha através do quê? Correspondência, como é que nós abríamos nosso, eu, comercialmente falando, abriu o mundo? Foi pela correspondência, devo muito aos Correios nesse aspecto de um trabalho que ele têm de todo o campo, apesar de que hoje o correio na parte de filatelia é muito a desejar, é muito incompetente o que tem lá em Brasília.

P/1 – Como foi aqui para o senhor compartilhar aqui para gente a sua história?

R – Olha, eu vou lhe dizer, às vezes eu falo, mas às vezes a gente fica um pouco preocupado, que a gente fala e no frigir dos ovos às vezes o redator escreve, distorce certas coisas, porque eu já tive grandes entrevistas no jornal Estado de São Paulo, me deu uma dor de cabeça porque o repórter escreveu uma besteira, que eu me vi mal, eu tive que dar esclarecimentos, quer dizer, o jornal não me permitiu direito de resposta. Então eu gosto de falar, gosto de mostrar porque dentro do comércio filatélico eu acho que sou um dos mais velhos do meio da filatelia brasileira, que tem loja aberta, então eu tenho virtual e tenho física. Agora, eu gosto de falar, mas às vezes você é mal interpretado.

P/1 – O senhor pode ficar tranquilo.

R – Não, não, a gente quer mostrar, por exemplo, como eu tenho vivência do comércio disso daqui, então a gente diz o seguinte, eu sei como é que se ganha pão com filatelia e eu tendo departamento, o Ministério das Comunicações na minha mão eu te garanto pra você que um mês isso aqui explode de venda de selo. Por exemplo, tive uma crítica, foi num bate papo em Brasília, que entre a turma de marketing, como eu te disse, são formados em carteira, ou vêm de outra área que não entende nada do que é comércio, do que que é filatelia, do que que é selo, o que que é correio, se você olha por aí você vê aviões da Gol, tá escrito o quê? Gol, se você vê Itapemirim o que tá escrito? Itapemirim, correio tá escrito o quê? Correio e Sedex, então eu disse lá em Brasília, Correios são dois, correio carta, correio Sedex, agora, em nenhum caminhão, em nenhuma lancha do Amazonas, em nenhuma bicicleta ou moto dos Correios tá escrito: “Colecione selos”. Então eu disse pra eles: “Vocês que viajam pra Europa, viajam para a América, todos os carros dos Correios tá: ‘Colecione selos’”, sabe qual foi a resposta que eu recebi? “O senhor imaginou, Seu Marek, a frota que nós temos nos Correios parar tudo pra fazer o que senhor quer?”, eu falei: “Quem falou pra senhora? O carro não vai pra lavar? Não vai pra encher pneu? Não vai pra fazer isso?”, “Ah, mas o senhor sabe quanto custa?”, eu falei: “Não, vocês não têm uma gráfica aqui? Põe lá: ‘Colecione selos’, aquele papel autocolante, encostou o caminhão, põe”.

P/1 – Boa sugestão, tá registrado pra gente passar adiante.

R – Quer ver outra? Só pra te encerrar, a outra crítica, o correio do Brasil patrocina nadadores, futsal, vôlei e parece que tênis, não é isso? Numa reunião em Brasília, não vou citar nome lados dois Barnabé, disse a eles o seguinte: “O atleta quando sai da piscina, atrás tá Correios ou Banco do Brasil”, não é isso? Então ele sai e vai, pega uma folha que nem a sua fotógrafa fez, o correio tem uma capa cheia de selos: “Agora vou pro alojamento, vou ver minha coleção de selos”, só isso.

P/1 – Boa ideia, tá bom.

R – Sabe o que eu ouvi? “O senhor acha que ele vai fazer?”, eu falei: “Dá licença, eu não tô pagando pra ele estudar, eu não tô pagando pra ele fazer essas coisas? É só falar isso aqui”, acabou.

P/1 – Claro, bom, foi um prazer bastante grande ouvir sua história, muito obrigada pela sua participação.

R – Espero que tenha gostado.

P/1 – Nossa!

R – Espero que não fique levando mal, se quiser tem mais coisa.


FINAL DA ENTREVISTA