Museu da Pessoa

Um visionário do guaraná

autoria: Museu da Pessoa personagem: Waldo Mafra Carneiro Monteiro

Projeto Memória dos Brasileiros – Módulo Maués – Saberes e Fazeres
Depoimento de Waldo Mafra Carneiro Monteiro
Entrevistado por André Machado
Maués, 23 de janeiro de 2007
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista MB_Maués_HV_007
Transcrito por Lúcia Nascimento

P1 – Eu gostaria que você dissesse seu nome completo, local e data de nascimento.

R – Meu nome completo é Waldo Mafra Carneiro Monteiro, mais conhecido como Barrô. Eu nasci em 10 de outubro de 1958, aqui no município de Maués.

P1 – Por que esse apelido de Barrô?

R – Olha, Barrô é desde criança, como a gente chama aqui, desde curumim. Era bem pequeno, com a minha turma e a gente jogava futebol na rua, na praia e eu sempre fui um jogador razoável. Aí, começaram: “Ele barrou o fulano, ele barrou...” e aí ficou. Até hoje eu sou conhecido aqui na cidade, no interior, sempre como Barrô. Tem muita gente que me conhece mais com esse apelido do que com meu próprio nome.

P1 – E você sabe qual é a origem dos seus pais?

R – Olha, meu pai é filho daqui mesmo, de Maués, uma família tradicional dos Carneiro Monteiro. E minha mãe veio do estado do Pará. Ela é paraense de Juruti. Eles migraram para cá, a família Mafra, que também é outra família tradicional. Daí a origem da minha família.

P1 – Por que a família da sua mãe migrou para cá?

R – Porque, na época, eles resolveram mudar de lugar. A mãe dela faleceu e ela era muito pequena. E o meu avô, antes, veio para o Amazonas e gostou muito da região, achou que era muito farta. Eles ficaram no interior, num local chamado Barreira. Consequentemente toda família veio. Eles trabalharam aqui, constituíram família e isso se alongou muito mais.

P1 – E o que seus pais faziam?

R – O meu pai teve várias atividades. Primeiro foi pescador, naquela época se matava muito animal silvestre e era proibida a caçada dos jacarés, lontras. Então, meu pai trabalhou muito com isso também. Depois ele foi tirar pau-rosa. Foi tirador de pau-rosa. Depois plantou muito guaraná, era agricultor de guaraná. Depois foi funcionário público, trabalhou no IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], quando tinha a sede aqui em Maués. Depois ele foi comerciante. Então, teve uma série de atividades. Paralelo a isso, minha mãe sempre acompanhou meu pai. Sempre trabalhou no serviço doméstico, mas também fez um curso, em Belém, de permanente, como era chamado aqui naquele tempo. Ela foi uma das primeiras cabeleireiras aqui de Maués. Ela colocava os cabelos das pessoas em permanente. Ela tinha essa atividade e depois também abriu comércio. Foi uma comerciante muitos anos.

P1 – E quantos irmãos você tem?

R – Somos quatro irmãos.

P1 – Incluindo você?

R – Incluindo eu. Todos homens. Eu sou o terceiro. Posteriormente, meus pais adotaram uma menina. Então, nossa família é composta de cinco pessoas.

P1 – Que profissões que eles seguiram?

R – Olha, o meu irmão foi bancário muito tempo aqui em Maués e em Manaus também. Depois foi vice-prefeito aqui na cidade. Depois foi comerciante. Hoje mora em Manaus e trabalha lá. O outro meu irmão é bancário, reside na cidade de Macanapuru, onde ele exerce sua profissão. E o outro meu irmão, o Apolo, é comerciante aqui em Maués.

P1 - Como era a cidade da sua infância?

R – Era muito tranquilo porque, naquela época, a luz apagava às 10 horas da noite. Nós brincávamos muito. Não tinha essa maldade, não tinha computador. A gente brincava muito na praia de luta de espada, de guerra de índio, com uma fruta que tem aqui. A gente guerreava, uma turma contra outra turma de outra rua. A gente se digladiava, mas era uma brincadeira sadia. Ninguém guardava mágoa, tudo terminava ali mesmo. A gente brincava muito também de corrida de cavalo. A gente tirava umas pequenas varas e saía correndo. Brincava muito também de bola. Essas eram as brincadeiras naquele tempo.

P1 – Você chegou a falar alguma coisa de guerra de índios? É isso?

R – É, a gente simulava. Por exemplo, essa aqui é uma tribo, aquela ali é outra. A gente armava as nossas flechas, os nossos arcos e ia brincar na praia. Ficava ali atirando um no outro, tal. Se fazia de morto, era eliminado da brincadeira. E assim crescemos, nessa brincadeira sadia.

P1 – Mas explica para mim: cada um pegava seu arco e flecha. De onde vocês conseguiam esse arco e flecha?

R – Porque era comum nos quintais ter uma espécie de árvore chamada Cuieira, de onde se tira a cuia. A gente tirava um galho da cuieira, raspava com a faca, amarrava uma linha. Pegava a palha de babaçu, cortava e fazia as flechas tudo bonitinho. A gente fazia todo aquele trabalho. Empinava muito papagaio também. Jogava muito peão, bolinha de gude. Essa era a nossa brincadeira.

P1 – Mas dentro disso ainda. Em São Paulo tem muito essa coisa de brincar de polícia e ladrão. Por que você acha que vocês brincavam de guerra de índios?

R – Porque naquele tempo tinha um cinema aqui e passavam aqueles filmes de cowboy que a gente assistia. A meninada ia tudo para matinê assistir os filmes. O que acontecia na tela, a gente fazia um tipo de uma imitação aqui. A gente fazia o forte lá na praia. A gente também inventava alguma coisa, criava alguma coisa em cima daquilo e brincava. Evoluía a brincadeira nesse sentido.

P1 – Você falou que vocês davam nomes paras tribos. Você se lembra desses nomes?

R – A gente dava assim: vocês são os Mundurukus, nós somos os índios Sateré-Mawé. Vocês são os Mura; vocês são os Tupinambás. E formava a brincadeira.

P1 – E como vocês sabiam esses nomes, tão crianças?

R – É porque a gente ouvia falar. Nossos avós sempre contavam histórias dos índios, dos Mura, dos campineiros. Contavam alguma história a respeito dessas coisas. A gente assimilava e colocava nas brincadeiras.

P1 – Tem alguma que ficou na cabeça das histórias de avô?

R – Tem muita história, muita história. Principalmente a que minha avó contava da guerra da Cabanagem.

P1 – Você podia contar para gente?

R – Ela contava que houve uma grande revolta e o pessoal se afastava da cidade. Eles passavam dia e noite arredios, com medo de encontrar os invasores. Não tinham sal, cortavam talo de muruti para salgar os alimentos. Caçavam e iam se alimentando até acalmar aquela revolta. Essa é uma lembrança que eu tenho que minha avó contava. Fora outras histórias que ela contava.

P1 – No caso, quem eram os invasores? Quem bloqueava a comida?

R – Ela não sabia assim especificar quem era. Mas ela dizia que era uma revolta que teve aqui no Amazonas e que eles invadiam, tomavam dos comerciantes as coisas, os bens. Como eles não tinham como levar com eles a riqueza, eles enterravam. Por isso que até um certo tempo atrás, se encontrava riqueza. Se cavava e achava moedas, patacas. Isso é muito comum aqui na região.

P1 – Você conhece história de alguém que encontrou a riqueza?

R – O senhor Zé Maria contava, também faleceu agora recentemente, ele contava que achou umas 30 moedas de ouro. Ele foi cavar uma fossa e achou um baú cheio de moedas. Ele pegou essas moedas e levou para Manaus. Foi vendendo, vendendo, até que acabou tudo. Mas ele fez um bom dinheiro. Ele contava isso.

P1 – Ele encontrou isso aí onde? Na casa dele?

R – Ele encontrou isso aí no interior. Foi fazer uma fossa com profundidade de seis a oito metros, mais ou menos, e encontraram esse baú.

P1 – Você estudou?

R – Estudei.

P1 – Até que ano?

R – Fiz o meu primário aqui em Maués. Depois fiz o ginásio, como se falava também na época, uma parte aqui em Maués e depois fui para Manaus. Fiz a oitava em Manaus. Estudei três anos em Manaus, três para quatro anos. Sou técnico em contabilidade, mas não exerço a profissão. Voltei aqui para Maués, continuei meus estudos. Como também na minha juventude eu sempre pratiquei esportes, joguei futebol, basquetebol, boxe, sempre dessa forma, e aqui era deficitário, não tinha professores qualificados de educação física, fui convidado para dar aula. Aceitei e comecei a trabalhar com educação física. Depois veio o primeiro vestibular que teve da UFAM [Universidade Federal do Amazonas], aqui no interior do Amazonas, em Maués, para educação física, eu fiz e passei. Fui fazer faculdade de educação física. Então tenho formação acadêmica. Depois deixei de dar aula porque achei que não era vantagem ficar dando aula. Economicamente, professor ganhava muito pouco na época. Parei com essa atividade e fui trabalhar com comércio.

P1 – O senhor fazia o quê na juventude?

R – Na juventude, eu estudava. Só estudava. E, como falei, praticava esportes. Jogava muito futebol, ouvia muita música. Sempre fui envolvido com a parte cultural do município. A gente tinha grupo musical. Na época veio para Maués o senhor Alcides Verti, que é um poeta amazonense muito conhecido. Na época tinha telégrafo e ele era o telegrafista. Paralelo a essa atividade dele, ele fez uma boate. Nós íamos para lá, com o Alcides, aprendendo. Eu e a minha turma, a minha geração. A gente aprendeu a ouvir Chico Buarque, Caetano Veloso, a jogar um xadrez lá com ele. Esse tipo de coisa. Então era muito frequentada lá a casa dele. Ele tocava violão, declamava uns poemas. Uma parte da minha juventude foi, aqui em Maués, dessa forma.

P1 – Eu esqueci de perguntar uma coisa: quando você falou que foi estudar em Manaus, um período. Você foi sozinho ou seus pais mudaram para Manaus?

R – Não, primeiro foi assim: meu pai tinha um poder aquisitivo razoável aqui na cidade. Ele achava que nós merecíamos uma educação melhor porque aqui não tinha nem o segundo grau. Só tinha até a oitava série e aí acabava. Então, os filhos daqui tinham que se deslocar até a capital para estudar. Primeiro foi meu irmão mais velho. Foi para estudar, fez o concurso do Banco do Brasil. E naquele tempo, quem era funcionário do Banco do Brasil era até um status. Ele conseguiu se equilibrar economicamente e resolveu chamar o outro irmão. Papai deu o empurrão e aí foi o outro. O segundo fez a mesma trajetória: se formou, estudou, fez o concurso para o Banco do Brasil, passou. E lá na sequência fui eu. Só que eu não me adaptei muito bem em Manaus. Nunca me dei bem em cidade grande. E preferi voltar. Digo: “Eu vou voltar. Preciso trabalhar lá em Maués”. Quando eu volto numas férias minhas para cá para Maués, isso nos anos 76, 77, eu vi o papai sem ânimo mais de trabalhar. O ciclo dele de trabalho já tinha terminado. Estava numa cadeira de embalo tranquilo. Minha mãe tem mais idade que ele. E o comércio já começando a decair. Eu falo: “Não. Estou me formando em contabilidade e acho que vou voltar”. Foi uma decisão muito pessoal.

P1 – Você tinha quantos anos?

R – Tinha 19, 18 anos, nessa faixa de idade. No máximo 20. Digo: “Vou voltar e continuar esse trabalho aqui do meu pai”. Os guaranazais já estavam ficando abandonados. E foi quando eu tomei essa decisão de voltar e começar a trabalhar.

P1 – Você falou que veio para trabalhar no comércio de seu pai. Que comércio era esse?

R – Meu pai, ele tinha um comércio varejista. Ele vendia também armarinho. Ele vendia confecção, vendia maleta. Porque no interior, geralmente, os comércios são assim, têm uma diversa gama de ofertas para os clientes. Ele vendia botão, camisa, sapato, tinha tudo isso. E tinha os dois guaranazais que ele tocava, numa outra atividade paralela. E eu vim para assumir esse trabalho junto com ele. Experiência dele e eu tomando de frente.

P1 – E você até hoje está nesse trabalho?

R – Depois eu fui mudando o ramo de trabalho. Na época, houve a explosão do garimpo, quando eu cheguei aqui, em 78, aliás, 88. Em 88, o garimpo estava no auge mesmo. Foi quando eu vim e meu irmão mais velho também decidiu voltar. Ele trabalhava no Banco do Brasil e nós montamos uma sociedade. A gente abriu um comércio e como ele tinha uma estrutura melhor, porque tinha bom salário, começou a investir. Nós montamos uma confecção, uma loja, que nos anos 80 ficou muito conhecida, muito famosa. Ela teve seu apogeu e depois teve seu final porque houve aquela crise danada no Brasil, quando o Collor assumiu e prendeu o dinheiro de todo mundo. Foi aquela confusão danada. Foi no tempo em que o garimpo fracassou e o comércio fracassou também. Aí ficamos de mãos atadas. Foi o tempo em que papai já tinha parado com a atividade dele também e eu fiquei assim sem rumo, sem direção, sem ter um ramo de negócio. Aí, penso comigo: “Tenho que arrumar atividade que não tenha em Maués”. Fiquei procurando, vendo o que poderia trabalhar e não tinha uma idéia, uma coisa naquela época. Aí, quando foi uma vez, apareceu um estrangeiro, um italiano batendo na porta da minha casa. Ele estava escrevendo um roteiro turístico sobre o Brasil, o Amazonas, e chegou até aqui em Maués. E veio com uma carta, recomendado de uma prima minha que mora em Manaus e que tinha conhecido ele, pedindo hospedagem lá com papai, para ficar uns quatro, cinco dias no máximo. Papai ficou assim, sabe como são essas pessoas mais antigas. Mas aí acolheu. Ele veio para casa e começou a me mostrar a importância do turismo e aquilo foi me despertando que era uma coisa boa para Maués porque não tinha ninguém trabalhando com isso. Foi quando a gente começou a trocar idéias e ele me mostrava os prós e contras, o que era bom o que não era. Eu aprendi muito com ele. Ele veio passar cinco ou seis dias e passou quase 20. Aí que eu passei a me interessar mais por essa atividade em conjunto com o artesanato. Em conjunto com o artesanato porque minha esposa é professora de artes. Ela dava aula de educação artística e ensinava numa instituição chamada Iebem [Instituto Estadual do Bem Estar do Menor] que tinha aqui em Maués. Ela fazia produção, tinha o trabalho dela, mas não aparecia porque era funcionária, simplesmente uma funcionária. Daí a idéia. Eu falei para ela: “Ruth, por que não juntamos o útil ao agradável? Você confecciona e eu lhe ajudo em alguma coisa e vendo. A gente abre uma portinha porque aqui em Maués ninguém trabalha com isso. Vai ser uma nova atividade econômica”. Porque ficou certo com esse italiano que ele traria os turistas. Ele fez um roteiro em que ele viria da Europa. A idéia era essa: ele viria da Europa, sairia da França para Belém. De Belém para Manaus, viria para Maués. De Maués faria Parintins, daí para Santarém. De Santarém para o Pantanal e depois para São Paulo. E dali voltaria para Europa. Estava detalhado mesmo. E eu ia operar com ele. Essa parte de Maués eu ia fazer com ele. Até Parintins. Isso me fascinou. Eu sou o pioneiro aqui em Maués de trabalho com turismo. Isso me fascinou. Foi uma coisa que me despertou e depois que ele veio, eu passei a perceber que chegavam as pessoas aqui e queriam levar uma lembrança e Maués não tinha. E minha esposa sabendo fazer o trabalho. Eu sabendo vender, digo: “Vamos unir o útil ao agradável”. Porque a gente sempre trabalhou em comércio na família e eu conhecia uma gama de pessoas em Maués. Eu conhecia alguns indígenas. E abrir uma portinha, mesmo que pequena, com quatro, cinco colares indígenas, e alguns trabalhos que ela fazia. Ela até dizia: “Se eu fosse tu, até tinha vergonha de ficar aí porque tu não tem nada”. Mas eu digo: “começo é assim, vamos começar devagar mesmo”. Então foi assim, a gente foi gradativamente fazendo nosso trabalho.

P1 – Quem comprava? Os turistas ou o pessoal da cidade também?

R – Não. O pessoal que visitava a cidade. Eles compravam. Eles levavam alguma coisa. Custava muito a vender. O meu irmão, uma vez veio aqui e falou para mim: “Rapaz, tu vai trabalhar com isso? Isso não tem futuro! Vai vender coisa de índio”. Porque tinha até então um preconceito porque coisa de índio, utensílios de índio davam azar. Se você tivesse na sua casa, se você tivesse na sua loja, no seu ambiente, aquilo lhe trazia azar. Tinha esse preconceito, esse tabu. Até hoje ainda perdura. Você não vê aqui, por exemplo, na casa de um homem bem sucedido economicamente um adorno indígena. Até hoje ainda tem essa resistência. Mas nós fomos assim, quebrando aos poucos, tendo contato com um artesão aqui, outro ali, nós fomos melhorando o ambiente. Depois nós fomos ampliando. Mas isso ao longo dos anos, isso não aconteceu assim da noite para o dia.

P1 – E essa venda do artesanato hoje é tua principal fonte de renda?

R – É minha principal fonte de renda. E paralelo a esse artesanato, eu tocava também o guaranazal. Fazia colheita para o meu pai, nós vendíamos o guaraná, excelente. Depois eu fui vendo, aprendendo, vendo que não dava. A gente ia fazer no bico do lápis não dava para a gente manter o guaranazal limpo, pagar a manutenção e sobrar alguma coisa. Mas antes disso eu ainda comprei alguns terrenos lá para o Limão, fizemos um investimento para lá com guaraná também. Aí era muita despesa, nós resolvemos parar com guaraná, nesse sentido de cultivar.

P1 – Que ano que era?

R – Início de 90. Nós resolvemos parar com essa atividade.

P1 – Você chegou a dizer para mim que percebeu isso por conta do deslocamento.

R – Isso.

P1 – As pessoas não sabem muito bem como é que as pessoas se locomovem aqui. Quanto gasta? Você podia mais ou menos explicar isso?

R – É verdade. Por exemplo, o guaranazal que nós compramos no Limão, nessa fazenda. Para nós chegarmos lá de voadeira, que é um motor aqui de polpa da região, a gente gastava 45 minutos, 20 litros de gasolina para ir lá e voltar. Então era uma despesa muito grande. A pessoa, todo dia, para ir lá e voltar... Então a gente passou a ver essas coisas. Aí deu uma seca muito grande também, que não dava para chegar até lá, você tinha que caminhar no meio da lama, um lamaçal para chegar até lá na época da safra. Não compensava trazer, carregar toda a semente para cá para fora, para torrar. Qual foi o melhor sistema que depois a gente descobriu? Selecionar as sementes, comprar dos pequenos agricultores e vender o guaraná. Foi a melhor forma que eu achei até agora.

P1 – Vocês plantam no interior e depois têm que trazer a produção para cá. Como é que vocês trazem? Como é que o pequeno produtor geralmente traz a sua produção para o centro urbano?

R – No meu caso, porque eu moro aqui na cidade, na zona urbana, eu tinha que trazer, não podia deixar lá. Agora o caso dos agricultores de lá é diferente porque eles moram lá. Eles fazem lá mesmo e guardam lá mesmo. Mas eu, por exemplo, não podia deixar lá, tinha que trazer.

P1 – Mas e na hora de vender, como eles fazem para transportar?

R – Eles trazem na rabeta.

P1 – Que é uma rabeta?

R – É uma canoa com um motorzinho pequeno. Até chegar demora muito. Os políticos deram muita rabeta para o pessoal, mas antes trazia no remo mesmo. Um barco de linha também, barco de recreio. Eles botam num saco e trazem para vender na cidade.

P1 – A rabeta é menor que a voadeira?

R – É menor que a voadeira e anda bem menos. É dois cavalos, quatro, a rabeta.

P1 – Aí você decidiu que não ia plantar mais. Mas enquanto você plantou, chegou a usar o guaraná clonado?

R – Não.

P1 – Por quê?

R – Eu nunca gostei do guaraná clonado. Eu tenho uma visão do guaraná clonado mesmo diferente, eu prefiro o guaraná tradicional. Eu gosto do tradicional. Porque, no meu entendimento, eu acho que ninguém tem nada que aprender com quem vem de fora para plantar guaraná. Muito pelo contrário. As pessoas que vêm de fora é que têm que aprender porque guaraná é uma planta nativa. Ela foi domesticada pelos índios. Os índios é que trouxeram da floresta e transformaram em arbusto. Mas em pequenas roças. O branco é que inventou de aumentar a produção. Mas o índio, até então, não fazia guaraná para vender. Fazia para consumo. Para ele beber. É um alimento dele. Aí o branco veio e quer uma produção em escala, não conseguiram até agora e não sei se vão conseguir. O que eles já estudaram, já gastaram. Por quê? Porque eles mexem com o crescimento da planta, mexem com o adubo químico, botam um monte de coisa no guaraná e até agora não vi resultado. O clonado é mais um que está passando aí.

P1 – Você falou que tem vários tipos de guaraná. É isso?

R – É. Tem vários tipos, variedades de espécie. Eu não sei te dizer com precisão quantas tem, mas tem. Tem o guaraná grande, como a gente chama, guaraná médio e o guaraná pequeno. Como tem também o guaranarama.

P1 – O que é o guaranarama?

R – Guaranarama é o guaraná falso. Ele parece muito com o verdadeiro, mas ele não é.

P1 – Qual a diferença?

R – Ele é uma subespécie e não é apreciado para consumo. O pessoal prefere mesmo o nativo. Nessa questão do guaraná clonado, no meu entendimento, eles só mostram uma faceta, como numa moeda, só mostram um lado. O outro eles não mostram.

P1 – E qual é o outro?

R – O outro, por exemplo, é o ciclo de vida dele. Há um questionamento. A Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] fala que é seis anos. O rapaz lá da AmBev [Companhia de Bebidas das América] falou que é 25, mas eu acho que o da Embrapa é que está certo, seis anos. O guaraná nativo, não. A gente morre e ele vai ficar. Eu ouvi um depoimento hoje de um guaraná que tem 70 anos e que dá nove quilos, oito quilos, segundo ele. Por que não segue a mesma receita do nativo que vai dar resultado? Por que querem mudar alguma coisa? Eu acho que a coisa é mais simples do que eles pensam.

P1 – O jeito que você plantava era aquele de tirar do mato? Como você fazia?

R – É desse sistema mesmo.

P1 – Você podia explicar como era?

R – Você vai na floresta, no mato, mas você não tira aleatoriamente, não. Você percebe, conhece a planta que está viçosa, que está, vamos dizer, frondosa, resistente, a folha não está furada, não tem defeito nenhum. Essa que você traz para plantar. E afofa a terra daquele jeito como ele disse, bota as duas, pois se morre uma, tem a outra. A cavação é aquela mesma. E você coloca ali e com três anos, quatro anos está dando.

P1 – E você resolveu que não ia mais plantar, que não valia a pena economicamente, que só ia selecionar os grãos. Você compra os grãos torrados?

R – É, o grão torrado.

P1 – E aí seleciona. E como você sabe qual é o bom guaraná?

R – Porque a gente já está nesse ramo há bastante tempo. Eu conheço os guaranazais que são tradicionais. Eu sei quem mantém o nativo e sei quem planta o clonado.

P1 – E você compra de qual?

R – Eu só compro do nativo. Só compro guaraná nativo. Vou lá com o agricultor que tem o guaraná nativo. Esse me interessa.

P1 – E o que você faz com esse guaraná?

R – Eu compro e vou fazer o guaraná tanto em bastão como pó.

P1 – É você mesmo que faz?

R – Eu mesmo. Mas de que forma? Eu dou tratamento. Boto na peneira, naquele processo que o baiano estava falando. Aí tiro o miúdo, tiro o graúdo, bato, porque eu faço questão de ser artesanal mesmo. Não quero industrializar meu guaraná. Eu falo para todo mundo aqui que não vendo guaraná, vendo cultura. Eu não boto metal, não boto ferro no meu guaraná, não. Ele é todo manual. Ele industrializado, botam na descascadeira, botam na popa, contato com ferro. O meu guaraná não. Ele é torrado em barro e daquela forma catado com a mão mesmo. Eu trago para casa, bato na peneira, seleciono tudo. Tiro aquelas sementes que estão mais ou menos uniformes e as que estão queimadas, que a gente chama de pretinho, e tiro tudo. Deixo só mesmo aquelas que estão bem torradas. E você fala: “Como tu conhece a que está bem torrada?” Eu conheço porque provo. Pego a semente e engulo. Aquilo ali no estalo aqui do dente, na boca, eu sei se está bem torrado ou não. E sei se está boa e separo. Assim vou selecionando. Aí faço pouco pó, não faço muito. Faço dez quilos, oito quilos e subdivido em sacolas de 100 gramas, 250, meio quilo ou um quilo. É o meu padrão. Trabalho com esses quatros: 100, 250, 500 gramas ou um quilo. Rotulo e boto no meu balcão. O resto eu armazeno minha semente e vou passando o ano todinho.

P1 – Isso aí você comercializa lá onde vende o artesanato?

R – Isso. Lá na minha lojinha de artesanato.

P1 – E quanto custa um quilo desse guaraná em pó?

R – 25 reais.

P1 – Mais ou menos o mesmo preço dos outros?

R – Mais ou menos o preço dos outros.

P1 – E como começou essa coisa do museu?

R – Porque uma coisa foi puxando a outra, não sabe? Primeiro, como te falei, foi com turismo, porque eu tenho uma gama de atividade aqui. Primeiro foi o turismo porque não tinha ninguém que trabalhava com isso também. E eu comecei a fazer viagem. Chegava estrangeiro aqui ou mesmo brasileiro que não era da região, porque nós somos nativos daqui, se chega alguém de fora, a gente conhece. E ia lá oferecer meu serviço. “Bom dia, eu sou o Barrô, trabalho com isso, isso... Está aqui meu telefone, meu endereço”. E como ninguém faz, é ele mesmo. Vamos embora. Sempre trabalhei com isso. E depois a pessoa precisava levar uma lembrança, não tinha, vamos montar uma lojinha. Já tem o passeio, já tem o roteiro, já tem o suvenir. Aí eu passei a perceber que as pessoas também queriam saber da história do município, mas não tinha registro, não tinha um local de informação. Aí vale registrar que eu sempre gostei desde menino dessas coisas aqui da região. Eu tenho fragmentos na loja que eu junto desde os nove anos de idade, um acervo meu, uma coisa pessoal, particular, vamos dizer assim. E que eu resolvi abrir, para mostrar devido à necessidade. As pessoas chegavam caçando, estudante mesmo, querendo informação e não tinha. Agora está inaugurando a biblioteca municipal, mas ninguém tem informação sobre Maués, a não ser eu como já te falei. Eu tenho Nunes Pereira, o pessoal aqui não tem. A Sônia Lorenz, Rafael Farah, então literatura eu tenho. Eu comecei a fotocopiar, dar para o pessoal. Houve essa necessidade. Aí resolvi abrir, as pessoas querem ouvir, precisam saber. Daí a idéia do museu. Agora em 1999 foi aberto. Funcionou até 2003. Aí nós fechamos porque não tínhamos estrutura, condições de manter aberto. Foi quando o atual prefeito me chamou: “Rapaz, vamos fazer uma parceria. O que precisa para abrir?” “Preciso de uma ajuda de custo e um funcionário para manter”. Tudo bem. A casa era limpa. Vamos fazer e foi feita a parceria. E nós reinauguramos em junho do ano passado.

P1 – E como funciona? Ele é aberto em determinado horário, a entrada é franca? Como funciona?

R – A entrada é franca e é aberto no horário comercial. Tem uma funcionária que atende aos visitantes. Funciona das oito até as 12 e das 14 até às 16 horas.

P1 – Eu acho que você não chegou a dizer. Em que ano você abriu como museu?

R – Em 99.

P1 – Eu queria que você falasse um pouco sobre o que tem aqui do acervo?

R – Aqui tem um pouquinho da história de Maués. Temos aqui uma sala de fragmentos arqueológicos e urnas funerárias.

P1 – Explica para quem não conhece o que são essas urnas funerárias, de quem eram?

R – Nós não temos ainda um estudo comprovado realmente porque não temos autorização para isso. Isso aqui são achados fortuitos, são lá da comunidade do Canaã. Eles foram cavar poços artesianos, encontram e trouxeram para cá. Doaram de livre e espontânea vontade. Queriam deixar para o Museu.

P1 – Essa peça está aqui desde quando?

R – Está desde 2006, 2007. Essa e essa daqui. Esta veio agora, veio do Rio Paraguari. Um agricultor de lá achou e trouxe. Os comunitários trazem as peças, sempre trouxeram. E nós vamos colocando. A gente vai registrando e assim vai acontecendo.

P1 – Mas o que é uma urna funerária?

R – Uma urna é uma espécie de um caixão indígena, vamos dizer. Isso é uma urna funerária. Onde antigamente eles guardavam os seus mortos, seus entes queridos. Tinham seus rituais e tudo. Dentro das urnas eles guardavam. Mas quando tiraram não tinha mais nada dentro. Todos vieram assim, fragmentados.

P1 – Você sabe que tribos dessa região que usavam urnas funerárias?

R – Não. Não posso te dizer, porque não temos esse estudo. Isso aí só quem pode te dizer é a arqueologia, são os arqueólogos. A gente já foi lá no Instituto do Patrimônio Histórico Nacional, já fizemos contato. Eles nos orientaram de que forma se deve manter. Tem tudo isso registrado, catalogado, todos de onde vieram, as origens. Porque são de várias origens de Maués, não só de um local. Então o que nós temos são fragmentos que as pessoas trouxeram. Nós não fomos lá cavar. Não temos autorização para isso, não podemos fazer isso. A gente tem essa consciência. O que nós temos aqui é o que nos foi repassado, foi trazido. E a gente preserva, a gente guarda. Eu me coloco aqui como se fosse um guardião dessa cultura.

P1 – Então a maior parte das coisas foi trazida por outras pessoas? É isso?

R – Isso.

P1 – Que outros objetos arqueológicos você tem aqui?

R – Nós temos fragmentos pequenos de caracteres de animais, de outras formas, tipo pé, são várias formas. Também borda de outros materiais. Isso nós temos muito, na parte de arqueologia. Nós temos também um pequeno acervo na área de fósseis. De jacaré, por exemplo, que foram encontrados aqui na região. Enormes cabeças, bem grandes, que trouxeram também e a gente vai guardando, vai botando aqui no acervo. Tem também jabuti de 14 escamas, um jabuti muito grande. Como também o tatu canastra, tatu bola. Todo esse artefato a gente tem aqui, um pouquinho de cada, mas tem.

P1 – Isso tudo fósseis?

R – Tudo fósseis.

P1 – Fora isso também tem artesanato?

R – Isso. A gente tem uma cerâmica, uma arte popular que se desenvolve com a comunidade chamada Sagrado Coração de Jesus. Tem um pessoal lá que faz uma cerâmica e a gente tem feito essa parceria. Eles têm trazido vasilhas, utensílios de diferentes formas e a gente também compõe no acervo do museu. Como também a gente tem uma parte do artesanato de guaraná, tem também diferentes formas de bastão de guaraná. Porque tudo isso é feito artesanalmente. Cada artesão dá sua forma. Tem bastão de 250 gramas, de meio quilo, de 100 gramas, de 120 gramas, não é? Temos uns utensílios também que nós criamos, minha esposa criou, que é de guaraná também, do casquilho. Ela faz o xarope e depois joga aqueles resíduos do guaraná. A gente junta, adiciona o jornal e a cola e faz os utensílios do guaraná. Estamos com esse trabalho também.

P1 – Esses artesanatos que estão ali atrás são os que você está falando?

R – Não, estão em outra sala. Esses aqui são as cerâmicas que eu estava te falando. É do pessoal que faz lá. E também é bem primitivo, porque por dentro eles colocam um vegetal chamado breu. Eles derretem o breu, junta a icica e fica como um verniz natural. A vasilha é confeccionada com uma argila especial e também com um vegetal chamado caraipé. Eles tiram a casca do caraipé e coam. Fica tipo um cimento e depois eles confeccionam com a mão. Isso aqui tudo é feito com a mão, não é naquelas máquinas, não. É tudo feito manual mesmo.

P1 – Eu vi que tem umas máscaras ali atrás também.

R – Essas máscaras são mais para enfeitar o museu.

P1 – Quem faz essas máscaras? Você sabe?

R – São os índios também.

P1 – Qual deles?

R – São os Sateré-Mawé.

P1 – Para eles tem uma função específica?

R – Eles usam para ritual.

P1 – Você não sabe qual?

R – Não. São vários rituais. Mas o principal mesmo é o ritual da picadeira. Eles colocam a mão numa luva e as formigas vão picando ali. Uma só dói 24 horas, imagina umas 500, 600 picadas. Eles têm que passar por essa provação. É uma passagem de criança, de jovem para guerreiro. E durante o seu ciclo de vida ele tem que fazer isso 20 vezes. Aí está provado. Mas é medicinal, segundo eles dizem.

P1 – A partir do momento em que você fez o museu procurou estudar um pouco sobre a história de Maués. O que você poderia dizer sobre essa história?

R – Eu poderia te dizer que Maués é uma das cidades, aqui do Amazonas, das mais importantes. Ela tem um significado muito especial, tanto na parte política, quanto na parte econômica para o estado do Amazonas. Porque nós já demos vários políticos para o Amazonas. Aqui já deu governador, deputado federal, deputado estadual, senador. Então Maués tem essa cancha. E como te falei aqui também já teve um ciclo do ouro e isso aqueceu a economia local. Maués, no seu auge também, teve um guaraná que mexia muito com a economia local. Como também foi palco de sangrentas lutas no tempo da Cabanagem, naquelas coisas que a gente contou. Como também já deu muito pau-rosa, no tempo do extrativismo. Então Maués desponta como uma cidade histórica no estado do Amazonas e uma das mais antigas. O território de Maués antigamente era muito grande. Parintins, por exemplo, pertencia a Maués. Foi desmembrado.

P1 – Tinha outro nome.

R – É.

P1 – Você sabe qual?

R – Era Parintins. Mas antes chamava Ilha de Parintintins, aquela coisa toda. Depois foi desmembrado. Como uma parte boa pertencia a Maués, foi desmembrado. E ultimamente Boa Vista do Ramos, também pertencia a Maués. Então Maués foi diminuindo geograficamente. É por essa razão que Maués se destaca. E até pelo guaraná.

P1 – E você sabe dizer quando e quem começou a plantar guaraná, fora os índios, para comercializar?

R – Primeiro vieram os índios e depois os caboclos. Os índios saíram do seu aldeamento e se colocaram nas cabeceiras dos rios. Constituíram suas famílias e lá faziam o guaraná. Depois veio aquela migração do nordestino para cá, o negócio do soldado da borracha, um fenômeno que teve aqui na Amazônia. E os nordestinos foram ficando, casaram com as índias, com as caboclas e foram ficando e aprendendo essa cultura do guaraná. Depois os cuiabanos que vinham e que detinham o monopólio desse comércio. Porque, antigamente, guaraná só saia daqui de Maués pilado, só em bastão. Não era vendido em grão, nem em pó, só pilado. E foi a época em que chegaram para cá os italianos, os judeus. Eles passaram a fazer uma pilação mecânica do guaraná.

P1 – Isso era mais ou menos que época?

R – Isso na década de 30, 40. Foi o auge da pilação do guaraná. Eles montavam barracões imensos, traziam pessoal do interior, compravam sementes, financiavam os regatões que saíam aí pelo beiradão, traziam as sementes, pilavam e vendiam para Cuiabá. Era assim que funcionava.

P1 – E você também falou para gente, nessa história da cidade, a importância de duas famílias, que seriam os Michelli e os Negreiros. Podia falar um pouco sobre elas?

R – Essas duas famílias foram das primeiras que chegaram aqui e se instalaram. E lá no princípio eram dois coronéis de barranco...

P1 – Coronel de barranco? O que é isso?

R – Coronel de barranco é aquele que não é coronel, mas ganhava, comprava a patente, dependendo do seu poder aquisitivo, que tinha. E era coronel. Cada um tinha sua força política. Eles se perpetuaram por muito tempo nessa briga, nesse desenvolvimento político aqui de Maués. E até hoje ainda perdura alguma coisa nesse sentido. Não só aqui, mas em outros municípios do Estado, no nordeste é comum se ver esse tipo de coisa.

P1 – A família Negreiros tinha uma participação importante no guaraná?

R – Os Negreiros, como os Michelli também. Eles sempre plantavam muito guaraná, principalmente seu Mariozinho Negreiros. Seu Edimilson, seu Osmar, seu Nazaré. Eles tinham grande plantação de guaraná, algo como 100 hectares, 60 hectares, 50. Hoje você não vê mais nenhum agricultor com esse número de hectares de guaraná. Você vê agricultores pequenos mesmo com três hectares, dois, um. Eles foram vendo também que não era uma coisa assim rentável eternamente. Eles sabiam que ia ter um ciclo também como foi a borracha. Então, o que eles fizeram? Pegaram seus filhos, mandaram educar, mandaram para uma cidade grande para estudar. Hoje são doutores. Tem aí advogados, tem médicos. Foram embora. Iam ficar aqui fazendo o quê? Quem mora no interior está fadado a isso. A nascer e procurar um meio de vida melhor numa cidade grande. São pouquíssimas exceções, como é o caso do Baiano, que te falou que gosta mesmo daqui. Mas, por exemplo, a experiência que tenho agora, não quero para o meu filho. Eu digo para ele: “Enquanto eu tiver força para poder trabalhar, vai estudar! Procura teu espaço lá fora, porque aqui não tem futuro para ti”. Isso é uma realidade. Não quero que meu filho fique plantando guaraná a vida toda dele. Tem que procurar um meio de vida para ele melhor. Não quero que fique atrás de um balcão, não. Tem que correr atrás. Uma outra forma, outra coisa.

P1 – Você também falou bastante sobre os Sateré-Mawé. Como é a convivência da população com os Sateré-Mawé?

R – Até um tempo atrás tinha muito preconceito. Os Sateré-Mawé eram olhados de uma forma esquisita e não assumiam mais sua identidade. Hoje, não. É diferente. As coisas mudaram e graças a Deus que mudaram. Eles circulam normalmente, conversam com todo mundo, convivência pacífica. Eles têm um ativo comércio com os negociantes locais. Eles trazem os produtos lá da floresta e vendem aqui. Levam produtos de consumo. Porque agora também já são dependentes dos bens de consumo, açúcar, sal, café, essas coisas eles também consomem. E levam também. Tem a aposentadoria, recebem pelo banco. Hoje já é visto de outra forma, de outra maneira.

P1 – Você acha que a cidade tem hábitos dos Sateré-Mawé?

R – Ah, tem muito. Por exemplo, o hábito de comer farinha, isso é hábito dos índios. Tomar o guaraná ralado na pedra. Tem muita gente aqui que toma guaraná ralado na pedra. Isso é coisa dos índios. O nosso próprio linguajar: menino a gente chama aqui de curumim, que é uma palavra indígena. A gente herdou muito essas coisas. A própria comida, peixe, a gente herdou dos índios. Muita coisa.

P1 – E na festa do guaraná eles encenam a lenda do guaraná. Você podia contar como é essa lenda?

R – Isso também é um negócio. Porque a lenda do guaraná, ela tem duas versões. Tem uma da Cereçaporanga que é a mais conhecida, a mais popular, que eles colocam e dizem ser escrita pelo homem branco. Essa lenda sempre foi encenada por ser mais fácil de executar a dramatização dentro do palco, porque é uma espécie de Romeu e Julieta, adaptado aqui para o meio da selva. Mas de tanto a gente cutucar e bater, bater, houve uma conscientização em cima. E eles resolveram contar a lenda dos Sateré-Mawé e ficou uma coisa bem melhor. Mas ainda tem muita coisa a desejar porque essa festa do guaraná ainda é uma festa política.

P1 – Por que é uma festa política?

R – Porque ainda é decidida em quatro paredes. Não é uma festa popular. A população não toma parte da festa como deveria tomar. Não tem envolvimento popular. Eu falo isso por experiência porque trabalho com turista e com visitantes. E quando eles vêm de lá para cá, eles pensam uma coisa. Quando chegam aqui é outra, não é? A impressão que se tem é que é um arraial da AmBev. Essa é a impressão que fica, segundo os turistas. Porque não tem um produto específico do guaraná. Não encontra. Você vai encontrar bebida, refrigerante da AmBev, cerveja, mas a coisa do guaraná você não tem. Trazem um pop, cantor de fora, lá da Bahia. Eles falam: “Isso para ver, eu vejo lá. Quero ver coisa aqui da terra”. Então, a idéia que se tem para melhorar isso daí, seria uma competição. Porque tem que ter competição para poder motivar a população. Seriam duas tribos para disputar. Dentro dessas duas tribos se encenavam as duas lendas e aí sim. Porque alguém ia tomar partido por uma facção e ia gerar mais emprego. A costureira ia ganhar, o artesão ia trabalhar, o músico, o cantor, o próprio comércio local.

P1 – Deixa eu tentar entender. Você está propondo que tivessem dois times, como o boi de Parintins? É Isso?

R – Exatamente. Isso.

P1 – Na tua cabeça, cada um encenaria uma das lendas?

R – Cada um encenaria as duas lendas e aí ia ter envolvimento popular. Porque segundo foi propagado, nesse ano que passou que a AmBev arrumou um dinheiro, um milhão e 400 mil. Mas esse dinheiro não fica em Maués. É nesse sentido que eu estou falando. Esse dinheiro tem que voltar. Os cantores de fora que levam, porque vem atração nacional, vêm duas, três. Os donos da festa somos nós. Nós que temos que fazer a festa e receber o visitante. Não eles chegarem aqui e levarem. Esse é o meu pensamento. Posso estar errado. Mas esse é o meu pensamento, meu entendimento pelo que eu tenho visto. Por exemplo, você vai na festa da uva, você vê uva de todo jeito, vinho de todo jeito. Você não pode vir aqui na festa do guaraná e não ver nada de guaraná. Tem que ter as coisas, tem que ter competição de guaraná. Vamos fazer um bolo de guaraná, uma geléia de guaraná. Vamos fazer uma competição, vamos criar para os doceiros, para as doceiras fazerem esse trabalho. Uma competição para quem faz o melhor casco de guaraná, não sei. Uma infinidade de coisa para fazer. Mas não é feito dessa forma.

P1 – E antes da Antarctica patrocinar e depois a AmBev, a festa já existia?

R – Existia, mas de diferente forma. Porque antes de ser a festa do guaraná, para você entender bem a coisa, antes da festa tinha o baile. Que era tocado nas elites aqui em Maués, num clube de elite, chamado Guaranópolis. Lá eles escolhiam uma vez por ano a rainha do guaraná. Mas era ali dentro do baile e se acabava ali. Depois apareceu aqui em Maués, nos anos 70, um médico argentino, chamado Doutor Perez, e ele fez uma feira cultural. A primeira feira cultural ao ar livre e trouxe a população, trouxe os índios pela primeira vez para se apresentarem aqui. Foi a primeira vez que eu vi um porantim. Nunca tinha visto um porantim na minha vida. Naquele tempo nós éramos escoteiros. Então, nós ficamos ali vendo, participando daquele movimento todo. Os cantores daqui vieram cantar no palco, foi uma coisa bonita, uma coisa inédita. Até então não tinha. A partir dessa feira cultural e mais, coincidindo com o baile do Guaranópolis, com a escolha da rainha, eles juntaram e fizeram a festa do guaraná. Não tinha envolvimento, não tinha patrocínio. Era só a prefeitura que fazia essa festa do guaraná.

P1 – Na festividade mais antiga que acontecia nessa data, você tinha que idade?

R – É só fazer a conta. A primeira festa do guaraná foi em 1980.

P1 – Mas aí já era patrocinada?

R –Não. Era só a prefeitura. Com a ajuda do governo do estado. De um certo tempo para cá que se fez o projeto, correram atrás de patrocínio. Foi quando a AmBev entrou como parceira da festa do guaraná, nos moldes da Coca Cola, lá em Parintins, com o Boi, só que em menor... O maior dinheiro foi agora. Até houve um desentendimento entre estado e município, mas se fez, se realizou. Mas a cada ano que passa a festa vai tomando outra conotação. A gente vai quebrando barreira, vai quebrando os movimentos, a gente vai dando a nossa opinião, vai sendo mais ouvido, sabe? Porque antes a coisa vinha lá de cima e acabou-se, acabou-se mesmo. Agora, não. Eles já correm atrás, já ouvem a gente, vão buscar uma opinião e a gente começa a dar. Tanto é que agora já foi feito a lenda dos Sateré-Mawé.

P1 – Você podia contra para gente como é uma lenda e como é a outra?

R – A lenda da Cereçaporanga conta que tinha uma índia que era a mais bela da tribo dos Sateré-Mawé. Ela gostou de um índio da tribo inimiga. Começaram a se namorar e tal. Quando descobriram, foi aquele corre-corre danado. Eles fugiram para o meio do mato. E sei que ela acabou morrendo. Veio um raio, trovão, não sei o quê e ela morreu. E nasceu um pé de guaraná. É mais ou menos assim essa história. Já a lenda dos Sateré-Mawé, não. Ela conta que antigamente existiam três deuses:

Ocumáató, Icuamã e Onhiámuáçabê. Dois do sexo masculino e um do sexo feminino. Então, eles viviam num lugar sagrado, uma espécie de paraíso, que eles chamavam de Noçoquem. Lugar sagrado onde ficavam todas as plantas e animais úteis para o homem. E vivam lá nesse paraíso, nesse elo. Um dia, ela caminhando na floresta, uma cobrinha ficou à sua espreita e quando ela passou, deu uma picada. Diz a história que isso era suficiente para uma mulher engravidar. Ela engravidou, concebeu o filho e quando ele esteve na idade de entender as coisas, com oito, nove anos, ela falou: “Olha, meu filho, ali eu plantei um fruto. Você pode ir lá e pegar”. Era um pé de castanheira. O menino foi, apanhou as castanhas e tal e comeu o fruto. Mas os guardas do Noçoquem viram quando ele entrou e avisaram um tio do menino: “Tem um invasor. Ele entrou aqui, pegou o fruto e comeu”. Eles deram ordem de que, se entrasse de novo, poderia matar. E de fato aconteceu. O menino voltou, apanhou os frutos e quando estava comendo, os guardas foram lá e mataram o menino, decapitaram. Era o papagaio, o periquito e um macaco, os três guardas. Aí, ela pressentiu, a mãe do menino, de que ele corria perigo. Foi para lá num desespero e quando chegou o menino estava morto. Ela o bota nos braços - era uma deusa - e profetiza mais ou menos essas palavras: “Tu meu filho, farás um bem à humanidade. Curarás os homens de moléstias, farás bem aos outros. Tu vai ser o chefe de todos os chefes da tribo dos Sateré-Mawé. Quando eles forem pescar, a primeira coisa que vão se lembrar é de ti. Tu vai na frente. Quando forem para roça, tu também vai. E quando forem para guerra, tu também é o primeiro que vai”. E dizendo essas palavras, ela evoca os espíritos e tirou um olho do menino, olho esquerdo, e plantou na terra. Desse saiu o guaranarana, que é o guaraná falso que existe na floresta. Depois tirou o outro olho e plantou e nasceu o guaraná verdadeiro. Esse é o primeiro índio que nasceu. Esse é o primeiro Sateré-Mawé, filhos do guaraná. Essa é a crença deles. A história deles.

P1 – E você acredita nessa lenda?

R – Eu gosto mais dela que da outra. Pelo menos ela tem um significado porque os índios são os inventores da técnica do guaraná em bastão. Eles criaram, domesticaram essa planta, se associam a ela. E lá no seu cultivo, na sua roça tem todo um cunho mítico-religioso. Então, há mais crença para lá que para cá.

P1 – Você falou para gente também de outras formas de vender o guaraná, que você tem idéia de outras formas de vender o guaraná. Podia falar para gente disso?

R – Eu sempre falo para o pessoal que trabalha com o guaraná: “Se a gente transforma o guaraná em subproduto, se a gente agrega valores, a gente tem um poder aquisitivo melhor”. Quer dizer, ganha um dinheiro melhor do que se vender em sementes, simplesmente entregar para indústria. Porque vale salientar também que cada ano que passa, a procura da semente se torna cada vez maior. Porque tanto no país, como fora do país, as indústrias de refrigerante, cosmético, procuram muito o guaraná. Então se tem a necessidade de aumentar essa produção. Mas mesmo assim o agricultor, lá na ponta, ainda ganha pouco. Porque é uma cultura familiar e só dá uma vez no ano. Então, se ele pega esse produto e transforma, com certeza ele vai ganhar mais dinheiro. Eu só te dou um exemplo bem fácil, bem prático do nosso cotidiano aqui: ultimamente, agora nessa safra, foi vendido o quilo a nove reais. Mas se tu transformares em pó de guaraná, ele vai para 25 reais. E a perda é pequena se ele for um bom guaraná, se foi bem feito. E se for pro bastão, pega um preço melhor ainda: vai para 30 reais, 35, 40 reais. E se for para o artesanato, o quilo vai para 100 reais, 150 reais. É claro que dá um pouco mais de trabalho, mas em compensação tu ganhas mais. É assim. Existe outra forma de se fazer o guaraná.

P1 – Você tem tentado colocar isso na prática?

R – Tenho.

P1 – De que forma?

R – Por exemplo, eu criei o kit viagrão.

P1 – O que é o kit viagrão?

R – O kit viagrão é 110 mililitros de xarope de guaraná, com 100 gramas de guaraná em pó, mais 100 gramas de mirantã, que é uma outra erva, um energético também, que a gente adiciona ao guaraná.

P1 – Explica o que é o mirantã.

R – Mirantã é uma raiz que a gente arranca na floresta. Lava, seca e tritura também. E aí adiciona o guaraná e água e bebe. Ele é um energético. Dizem que é o viagra do índio. O viagra natural, o viagra da floresta. Olha só, as proporções que eu te dei, são pequenas: 100, mais 100, umas 300 gramas vamos supor, com mais a embalagem, eu vendo a 15, 20 reais. Por quê? Por causa daquele valor, dei um outro nome: kit viagrão. Tem a propriedade. Quer dizer, é uma forma de vender. Outra forma que eu faço, falando do meu trabalho: eu pego um bastão de guaraná e coloco numa peneira indígena. Estou agregando valores, uma peneira toda artesanal, toda trabalhada. Aí pego uma pedra onde se rala o guaraná, ou então a língua do peixe pirarucu e coloco junto. E uma cuia pequena. A cuia é um térmico natural, pode ser gelada, pode ser quente, pode usar. E coloco um dossiê sobre o guaraná, com nome científico, propriedade nutriente e terapêutica, a lenda, a origem do guaraná. Conto uma história do guaraná, uma bula e adorno com um enfeitezinho de guaraná . Está feito o kit.

P1 – E quanto custa um kit desse?

R – 30 reais. Quer dizer, eu vendo um bastão de 100 gramas por 30 reais, porque agreguei valores. Isso que falta. É uma política para o nosso guaraná, diferenciada. A gente tem que acabar com esse negócio de só servir os grandes e produzir para os grandes. A gente tem que produzir para nós mesmos. Mas para isso precisa de apoio, de força. Nós, como lhe falei, nós somos uma resistência. Às vezes a gente é mal compreendido.

P1- Uma resistência em relação a quem?

R – Não, nós somos uma resistência nessa questão do guaraná, de querer o que é melhor para gente. Porque a gente sabe, a gente é daqui. Nós somos daqui, criados aqui e nascidos aqui. A gente conhece a cultura. Eu falo mesmo: não vem nenhum doutor com PhD, seja de onde vier, para me ensinar como é trabalho de guaraná. Porque é uma coisa que é tradição oral. É empírico? É, mas é uma tradição oral. Vamos respeitar. Eu quero fazer meu guaraná assim. Faz, não tem problema. E para mostrar de que forma é feito. Tu não pode mostrar só um lado. Mostra os dois lados, conta a verdade, fala tudo. Por exemplo, teve uma época que tentaram introduzir na cultura do guaraná o tacho de ferro, colocaram o tacho de ferro. Ainda tem muita gente que faz no tacho de ferro o guaraná. O que aconteceu? Deu o maior problema porque oxida o guaraná, queima depressa e a semente sai toda mal torrada e fica resíduo.

P1 – O correto é o tacho ser de quê?

R – De barro, embora demore mais. Mas por quê? Porque tinha a pressa para plantar. O apressado come cru, meu irmão. “Não, porque na África deu certo e para cá vai dar certo também!”

É por isso que eu te digo que não adianta importar as coisas de lá. Tem que ver como era feito aqui há mil anos atrás e vamos tentar preservar. E não modificar. Vamos preservar. Aqui é o berço. Agora, quem quiser fazer diferente que faça. Mas não tente colocar para os outros que o que é bom para ti é bom para os outros. Ou se quer fazer diferente, faça. Mas explica, esclarece para ele. Porque as pessoas só absorvem, infelizmente. Chegam aqui: “Não, porque isso aqui é bom...”, “Vou usar”. Ainda mais dado de graça. Esse é o problema. Nós aqui não precisamos de quantidade, no meu entendimento. Não tem porque a gente ser campeão de produção. Tem que ser campeão de qualidade.

P1 – Eu queria perguntar de que forma você consome o guaraná?

R – Cada um tem seu jeito de tomar guaraná, como cada um tem seu jeito de fazer, entendeste? Mas eu tomo de diversas formas: eu tomo com água de coco, guaraná com água de coco, tomo com mel de abelha, com limão, tomo guaraná com cítrico, principalmente com fruta cítrica, o araçá boi, o camucão, eu tomo de diversas formas. Mas o que eu gosto mesmo de tomar é só ele e ralado na pedra. Eu gosto da pedra. Porque na pedra, a espessura dele é outra tonalidade. Ele sai mais fino do que ralado na língua de peixe. Ele é mais fino do que no triturador, também. Ele sai tipo assim uma baba viscosa, sabe? Para mim é o mais gostoso, assim, na pedra.

P1 – E quantas vezes você toma guaraná, por dia?

R – Olha, depende. Se eu tenho muito trabalho, se eu estou fazendo as coisas, eu tomo quantas vezes me der vontade. Mas o normal mesmo, que eu tomo é uma vez, às vezes, duas. Mas tem vezes que eu tomo quatro, cinco, seis, de acordo com a situação. Se eu estou muito atarefado, fazendo muitas coisas, tomo várias vezes. Mas, quando não, uma vez só. Mas tomo todo dia.

P1 – Que benefícios você acha que isso trouxe para você?

R – Olha, ele me dá mais energia. É um energético mesmo bacana. Gosto de tomar guaraná porque me sinto bem com ele.

P1 – E as pessoas usam aqui para fins medicinais também?

R – É, para fins medicinais. As pessoas tomam como alimento. Eu tomo como alimento.

P1 – Substitui uma refeição?

R – Substitui. Por exemplo, eu tomo guaraná às cinco horas da manhã, hora que acordo, seis, quando vou fazer minha caminhada, jogar minha bola. Ou fazer outra atividade, ir pro mercado comprar peixe, comprar carne, ou lá pro meu comércio, ou capinar o quintal, ajeitar a planta, qualquer atividade. E vai desenrolando, desenrolando, quando é lá paras nove horas, dez, é que vou tomar meu café. Não sinto fome, não sinto cansaço, não sinto nada. Quem me segura até esse horário é o guaraná. Aí é que vou tomar meu café. Almoço quando é uma e meia, duas horas, logo depois dou um cochilo, que é de praxe. Aqui todo mundo tira sesta. Dá aquele cochilo de 10, 15 minutos, levanta já toma um banho, já vai um guaraná de novo e pronto. E aí vai, já está lá, para oito, sete horas.

P1 – E para uso medicinal mesmo: se tem uma doença toma isso e melhora, você não sabe?

R – Não. Já ouvi falar e já vi mesmo essa experiência que é muito bom para diarréia. Agora tem várias formas. O que eu conheço é com limão. Você espreme bem o limão mesmo e bota um guaraná mais forte, sem açúcar. Pode tomar, estanca na hora a diarréia.

P1 – Para finalizar, eu gostaria que você me dissesse o que achou de contar essa história?

R – Eu achei muito válida essa experiência. Eu tenho acompanhado vocês, tenho visto vários depoimentos das pessoas que trabalham com guaraná, moram aqui em Maués. É uma forma de a gente colocar o que a gente pensa a respeito de uma cultura que é nossa, nasceu aqui. São vários pensamentos, mas no frigir dos ovos é tudo a mesma coisa. A gente sempre lutando, pensando em melhorar o guaraná, pensando em ter um produto bom e cada vez mais elevar o nome da nossa cidade, levar nosso produto para frente. Porque é nossa economia e parece que quando a gente trabalha com guaraná e consome guaraná, tem amor a ele, muito mesmo, sabe? É uma coisa que passa para gente, mesmo. Eu acho que foi válido. É uma forma de outras pessoas também conhecerem esse guaraná tão falado, porque cada ano que passa, cada tempo que passa, ele vai ficando mais famoso. E acredito que ele é e ainda vai ser um alimento bem procurado e bem consumido no planeta.

P1 – Muito obrigado pela entrevista.