Museu da Pessoa

Um projeto pedagógico e político

autoria: Museu da Pessoa personagem: Celia Tilkian

Projeto Educação para o Mundo
Memória dos 30 anos da Escola Cidade Jardim/PlayPen
Entrevista de Celia Tilkian
Entrevistada por Márcia Ruiz e Camila Prado
São Paulo, 03 de novembro de 2010
Realização Museu da Pessoa
Entrevista MECJ_HV001
Transcrito por Karina Medici Barrella
Revisado por Bruna Ghirardello

P/1 – Celia, bom dia. Obrigada por você ter vindo até nós para fazermos a coleta do seu depoimento. Eu vou fazer algumas perguntas que você já nos respondeu, mas é só pra deixar registrado, tá? Qual o seu nome, local e data de nascimento?

R – Meu nome Celia Tilkian, nasci em São Paulo em 10 de junho de 1948. Isso não valia contar (risos).

P/1 – O nome dos seus pais e qual a atividade profissional deles?

R – Meu pai é Roupen Tilkian, ele era industrial, e a minha mãe, Alcina Tilkian, era do lar (risos), prendas domésticas, nem sei como fala isso.

P/1 – E você sabe onde eles nasceram?

R – Então, nos documentos deles, consta que meu pai nasceu em Istambul e a minha mãe em Damasco. Mas como eles são fugitivos do genocídio armênio, a gente nunca sabe muito bem, né?

P/1 – Você sabe o nome dos seus avós?

R – Ah, sei, eu convivi com os meus avós. Os nomes que foram abrasileirados, o meu avô, pai da minha mãe, chamava Gregório, ele era dentista e exerceu a função aqui no Brasil durante muitos anos. A minha avó chamava Suzana. E os pais do meu pai, meu avô não chegou a vir pro Brasil, ele chamava Antônio, ele faleceu antes de vir pro Brasil e a minha avó chamava Maria. E depois de um certo tempo que eles chegaram aqui no Brasil, essa minha avó foi morar em Campinas, onde ficava a indústria do meu pai. Então, nós tínhamos um núcleo familiar em Campinas, que está lá até hoje, e outro núcleo aqui em São Paulo.

P/1 – Celia, vamos voltar um pouquinho. Você nos contou que seus pais e avós eram fugitivos do genocídio armênio. Eles comentavam alguma coisa de como foi esse processo, de como eles conseguiram fugir? Eles falavam pra você a respeito disso?

R – Então, você sabe que isso é uma coisa interessante? Eu estava até comentando com a Márcia no carro, eu não sei se a dor da fuga é uma coisa tão grande que eles não gostavam muito de falar sobre o assunto. E eu acho que também nós éramos crianças e não tínhamos a sabedoria de quando você fica mais velha de querer saber essa história. Depois de um certo tempo, eu quis resgatar a história da família, mas a minha mãe que era a única que não tinha falecido ainda, não quis. A coisa mais forte que eu ouvi do meu avô foi: “Vocês não imaginam o que é você trancar a porta da casa, pendurar a chave e ir embora largando tudo pra trás”. Devia ser uma ordem, né? E a outra história interessante que eu acho que tem no relato deles é que um dos motivos que facilitou a fuga deles foi o fato do meu avô ser dentista. Porque parece que um dos generais teve uma dor de dente ali, ele precisou socorrer, e então ele passou a ser tratado de uma maneira um pouco mais cuidadosa, vamos dizer assim.

P/1 – E nessa fuga desse genocídio, seus pais já eram adultos?

R – Minha mãe era bebê, meu pai... Na verdade eles fugiram depois do genocídio, não foi durante. Porque aí os armênios eram perseguidos pelos turcos, não importava onde eles morassem. Era uma guerra religiosa, na verdade, porque os armênios são católicos arianos e os turcos não. E o meu pai veio pra cá com 14 anos. Era assim, o meu avô já tinha falecido nessa época e eles eram quatro irmãos homens. Então, o meu pai veio com o segundo irmão, meu pai era o terceiro, vieram o segundo e o terceiro filhos pro Brasil pra abrir frentes de trabalho e a minha avó ficou com o filho mais velho e o caçula lá em Istambul. E depois que meu pai e o meu tio Armando vieram pra cá e ajeitaram um pouco a vida, aí mandaram buscar a minha avó e os outros irmãos. E do lado da minha mãe não, já veio a família toda junta, meu avô, minha avó, meu tio que é irmão mais velho da minha mãe, e a minha mãe bebê. E as duas famílias se estabeleceram aqui em São Paulo, de princípio.

P/1 – Você sabe que época que eles vieram, a data?

R – Ah, 1926, 1927, por aí, porque minha mãe era bebê, né?

P/2 – Por que eles escolheram o Brasil?

R – Então, você sabe que eu nunca perguntei isso? Acho que porque tinha uma coletividade armênia grande, representativa, provavelmente é isso. Na verdade, tem armênios pelo mundo inteiro, e durante muitos anos... É que agora as pessoas dessas gerações foram morrendo, não é? Mas nós tínhamos família espalhada pelo mundo, praticamente. Eu me lembro que a primeira vez que eu fui à Europa, eu fui encontrar uns primos em Paris, em Londres, uns primos em Lyon. Era uma delícia, eles recebiam a gente super gostoso. O irmão da minha avó morava em Nice e na época ele tinha, você imagina isso há quase 40 anos, ele tinha uma loja de especiarias em Nice. Então, você imagina o que era delicioso ser recebida na casa dele! E às vezes eles vinham pra cá. Nós tínhamos também um pedaço da família em Buenos Aires, então, de vez em quando a gente ia lá pra encontrar. Só que quando os mais velhos vão morrendo, os contatos vão se perdendo, porque essa geração não manteve muito...

P/1 – Você disse que o segundo e terceiro filho vieram ao Brasil e se estabeleceram em São Paulo. Qual foi a atividade primeira do seu pai?

R – No começo o meu pai era vendedor de calçados. Ele contava umas histórias que ele pegava estrada de ferro Santos-Jundiaí, Mogiana, não vou lembrar dos nomes. E ele foi muito ajudado por amigos mais velhos, e o interessante é que quando o meu pai veio pro Brasil, ele acabou se ligando muito mais à colônia sírio-libanesa, do que aos armênios, não sei muito bem porque também. Acho que ele começou essa atividade, até poder, talvez, ter algum dinheiro, não sei, ou se foram trazendo alguma coisa, se conseguiram trazer alguma coisa de lá. Porque lá eles já tinham uma indústria.

P/1 – Você sabe de quê?

R – Tecidos. E aí, eles abriram essa indústria em Campinas, que chamava Lanifício e Setificio Campineiro, que produzia casimira, que vocês nem sabem o quê que é, e seda pura. Era uma grande farra porque a gente ia muito à fábrica. Tinha o bicho da seda, a gente via produzir, tudo. E, na verdade era assim, tinham dois irmãos que moravam em São Paulo, e dois que moravam em Campinas. Os dois de Campinas eram os técnicos, vamos dizer assim. E o meu pai era o vendedor e o financista, ele que conseguia a grana pra fábrica continuar (risos). E depois eles acabaram fechando a fábrica, e a localização da fábrica, se ela fosse nossa hoje, é na entrada de Campinas. Mas aquelas coisas, a sociedade desmanchou e cada irmão foi... Aí, meu pai foi trabalhar no mercado financeiro, meu pai foi diretor de banco nos últimos anos, alguns muitos anos da vida dele.

P/1 – Celia, vou voltar um pouquinho. Você nos relatou uma coisa que eu acho que é interessante. Quando você diz que seu pai nasceu em Istambul e a sua mãe em Damasco, isso tinha a ver, na verdade, em função do quê?

R – Eu acho que um pouco porque eles tiveram que fugir e cada um foi ficando em algum lugar, entendeu? Eu nunca perguntei isso direito.

P/2 – As famílias se encontraram aqui?

R – Se encontraram aqui no Brasil.

P/1 – E estão dizendo que nasceram em Istambul e Damasco em função do passaporte emitido?

R – Se você pegar a REN deles, o meu pai veio de Istambul e a minha mãe de Damasco.

P/1 – Celia, quando seu pai se estrutura e traz a família, como é que seu pai e sua mãe se conheceram?

R – Olha, eu acho que em função de serem da mesma colônia, frequentarem os mesmo ambientes. Como eu contei, o meu pai acabou se ligando mais à colônia sírio-libanesa, e ele tinha grandes amigos na Rua 25 de Março que era o point, né? Não era esse buxixo que é hoje, mas era o point, principalmente onde se vendia tecido. E o meu avô abriu um consultório dentário na 25 de Março, onde ele trabalhou a vida inteira. Você imagina que a gente tinha que ir tratar dente na 25 de Março (risos). Conclusão, a gente quase que não ia, santo de casa não faz milagre. Eles acabaram se conhecendo aqui porque já tinha uma convivência entre as famílias. E é interessante porque todos os meus tios e o meu pai casaram com moças armênias, porque eu acho que o social daquela época, ele era bastante restrito às pessoas da mesma comunidade. E na geração seguinte, que é a minha geração, nenhum de nós dos primos casou com alguém da comunidade porque nós nunca frequentamos a comunidade. O meu pai nunca teve essas coisas de ser fanático.

P/1 – E em que região eles vieram morar aqui em São Paulo?

R – A minha avó, Maria, com o meu pai, eles moravam na Rua Gualachos, perto do Tênis Clube, e era um buxixo lá porque os quatro eram esportistas, o meu pai, os meus tios. Eu conheci a casa da Rua Gualachos, era uma delícia. E o meu avô e a minha avó do lado da mamãe moraram na Rua Tupi a vida inteira. A vida inteira não, porque logo que meu avô chegou aqui eles foram morar lá em Jaú, depois de um tempo é que eles vieram pra São Paulo e se estabeleceram lá na Rua Tupi.

P/1 – Celia, você sabe quando os seus pais se casaram?

R – Ah, é só fazer as contas. 41 anos atrás, 42 anos atrás, mais ou menos.

P/1 – E quando seus pais se casaram eles foram morar aonde? Você sabe?

R – Nós morávamos em Moema, na Alameda Iraé, e a nossa casa era na rua, na frente, e do lado da nossa casa tinha uma vila, e no fundo da vila morava o meu tio Marcel e a minha tia Vilma, irmão do meu pai. Então, nós tivemos uma infância muito rica em termos de família. Nós nos víamos muito, o pessoal de Campinas e o pessoal de São Paulo, então, eu tenho lembranças muito boas dessa época de morar na esquina da vila, porque na verdade a gente brincava dentro da vila, e acaba criando uma comunidade. E hoje, inclusive, quando a gente se encontra, raríssimas exceções, nas festas daquele ramo da família, do tio Marcel, eu ainda revejo muitas pessoas com as quais a gente conviveu nessa época na vila, é bem interessante.

P/1 – E como era a casa que você morava? Descreve um pouquinho pra a gente, como é que era o bairro? Você disse que era um bairro que permitia às crianças brincarem.

R – Na verdade, permitia brincar porque era na esquina da vila. A gente morou pouco tempo nessa casa, eu me lembro quando chegou a televisão na minha casa (risos), que era aquele mastodonte enorme e não tinha nem onde por. E eu lembro que no começo ela ficava em cima do piano, imagina que coisa mais esdrúxula. E, na verdade, era uma casa gostosa, não era uma casa grande, mas tinham três dormitórios em cima, os meninos dormiam juntos e eu dormia com a minha irmã, porque nós somos quatro filhos. E embaixo tinha a sala de visitas, sala de jantar, a cozinha, o hallzinho de entrada. Eu me lembro que no hall de entrada tinham aquelas portinhas embaixo da escada, que era sempre o medo de a gente ficar de castigo lá (risos) no quarto escuro. Devia ter alguma ameaça velada porque eu me lembro disso (risos). E tinha uma coisa interessante porque a janela da sala de jantar dava pro fundo e tinha uma grade que servia de escadinha. E eu me lembro que quando eu tinha sete anos, eu tive hepatite e ninguém podia me visitar. Então, eles subiam pelo lado de fora da grade pra me ver no meu quarto e era uma grande farra (risos). Eu tenho boas lembranças.

P/1 – Você falou que nessa vila vocês brincavam, formavam uma comunidade. Quem eram essas pessoas com quem você brincava e que tipo de brincadeiras vocês faziam?

R – Ah, eram os primos mesmo. Porque nós éramos quatro, os meus primos eram cinco, e tinham outras crianças da mesma idade. Então, era jogar bola, boneca, amarelinha, essas coisas bem divertidas da nossa época. Bicicleta. Depois a gente mudou pra Rua Bento de Andrade, onde eu morei até casar.

P/1 – Essa Bento de Andrade fica em que bairro?

R – No Jardim Paulista, paralela à Brigadeiro Luís Antônio, lá na altura da Groenlândia, e lá moramos até casarmos. E minha mãe brincava porque a casa era maior, tinha um hall de entrada bom, e tinha uma escada que saía do meio do hall e abria em duas partes, então, todo mundo dizia que aquilo era próprio para a gente casar porque era uma escada maravilhosa pra noiva descer com a calda. E nós realmente acabamos descendo a escada, minha irmã e eu casamos naquela casa.

P/1 – E você mudou pra essa casa com quantos anos? Você lembra?

R – Acho que eu tinha uns oito anos.

P/1 – E me fala um pouquinho como era o cotidiano dessa família, vocês tinham alguns hábitos armênios, conta um pouquinho.

R – Os hábitos armênios, na verdade, se restringiam muito às comidas que a minha avó fazia, que são muito parecidas com a comida árabe. E tinha hábitos bastante significativos. Por exemplo, nós íamos pra escola todos juntos, ou meu pai, ou minha mãe que levava. O meu pai almoçava em casa todos os dias, a gente esperava o meu pai pra almoçar e jantar, quer dizer, as refeições eram uma coisa importantíssima na nossa casa, e eu acho que eu levei isso pra minha família. E nós nos encontrávamos muito com a família de Campinas, então, sempre, porque não era tão perto como hoje, mas também não era tão longe. Então, muitas vezes a gente ia pra Campinas, ou eles vinham pra cá. O Natal era sempre uma grande festividade com todo mundo junto, e aí, aquelas comidas maravilhosas que as avós faziam... E a gente brincava muito, em Campinas dava pra a gente brincar muito na rua. Um dos meus tios ficou viúvo logo, por isso que a gente fala muito da minha avó, ela era muito emblemática, ela que criou os meus sobrinhos. E eles moravam em casas vizinhas, você saía daqui, ia pra lá, voltava, e naquele tempo Campinas era uma delícia.

P/1 – E como eram feitas essas viagens à Campinas, eram de trem, de carro?

R – Ah, minha filha, umas coisas inéditas (risos), porque olha, cabia os quatro filhos em um DKV. No começo era um daqueles Ford’s antigos, era Ford. Meu pai nunca teve Chevrolet, era sempre Ford. E a gente viajava numa boa. Depois que a gente ficou mais velho, eu não sei qual era o milagre que se constituía, porque eu vejo hoje em dia que as crianças pouco cabem dentro do carro, precisa desses jipes enormes pra elas poderem ser contidas (risos). Então, nós viajávamos os quatro filhos, o papai e a mamãe, em um DKV. E teve uma época que a minha avó foi ficar seis meses na casa do irmão dela em Nice. Então, vovô ficou sozinho aqui em São Paulo e durante as férias o papai adorava colocar todos os filhos no carro, a gente viajava, e o vovô ia junto. Então, você não me pergunta qual foi o milagre da multiplicação porque nós fomos até Buenos Aires de carro, nós fomos até a Bahia, naquela época que mal e porcamente tinha estrada, e o carro atolava no meio da terra, e descia todo mundo pra empurrar. E coube todo mundo no DKV. Não me lembro de a gente ter se matado em nenhum momento da viagem. Provavelmente tinham as brigas normais de irmão, mas cabia todo mundo em um DKV, então, essas eram as aventuras que a gente tinha (risos).

P/1 – Era um hábito muito forte na sua família essa coisa de viajar? Você está nos trazendo essa coisa de ter ido à Buenos Aires de carro...

R – Ah sim, nas férias, todo mundo junto. Aí, meu pai levou a gente pra Brasília, quando inaugurou Brasília, tinha esse costume. E tinha as férias de janeiro que eram sagradas na praia. Porque naquela época a gente tinha muitas férias, era uma delícia! (risos). Então, no começo era Santos, tinha um apartamento super gostoso, e depois Guarujá. E era sagrado, a gente passava o mês inteiro lá.

P/1 – Você falou que o seu pai os levou até Brasília pra conhecer. Foi na época da inauguração?

R – Na época da inauguração, porque eu devia ter dez anos, por aí.

P/1 – Qual foi a impressão que você teve de Brasília?

R – Acho que uma coisa muito árida, muito sem vegetação, muito limpinha, essa foi a imagem que ficou. Tem uma foto minha sentada no colo da Justiça, não sei nem onde está, mas eu nunca esqueci (risos).

P/1 – Você estava nos falando também das festas que eram comemoradas, e você falou muito do Natal. Tinha alguma outra festa que era muito comemorada em família?

R – Eu acho que Páscoa, não pela religião, entendeu? Mas pelo sentido da reunião da família. Nós fomos sempre muito unidos e trouxemos isso pra nossa geração. Então, a gente se encontrava com regularidade. Imagina, aniversário das avós era um evento, todo mundo ia. E as avós armênias não comemoram o dia de nascimento, comemoram o onomástico delas. A minha avó Maria era de 8 de dezembro que é o dia de Nossa Senhora, e a minha avó Suzana é Ossana, que é o Domingo de Ramos. Então, no Domingo de Ramos, a gente já sabia, tinha aquela coisa de ir à igreja, pegar o ramo bento e vinha pro almoço. As comidas que a minha avó fazia, eu me lembro de criança, de ir dormir na casa dela, e vê-la fazendo. Não era muita coisa, mas eram coisas deliciosas, e eram coisas assim, era o quibe que ela fazia, ela moía a carne, naquela época não tinha, depois até chegou o moedor elétrico, mas no começo era na mão. E eu me lembro dela na mesa da cozinha fazendo e a gente do lado olhando, e ela punha os ingredientes, e ela tinha um segredo no kibe dela, que era sempre vermelhinho. Porque a carne, como é kibe cru, se você não souber temperar fica escurecido, o dela nunca ficava. E tinha também um pastel folhado que ela fazia e a gente via. E o meu avô comprava manteiga de lata e derretia aquela manteiga na hora e ela abria a massa e passava aquela manteiga, ia dobrando e abria de novo, e aquele pastel folhado que ficava uma delícia. E a esfiha não se comprava pronta, a vovó temperava a carne, que era um jeito especial, aí levava ao forno lá na 25 de março, onde eles faziam a massa, usavam o recheio que ela tinha feito e a gente ia buscar depois, olha o trabalho! Pra comer domingo. Então, chegava quentinha aquela assadeira que tinha ido com o recheio, voltava cheia de... Hummmm (risos). Muito bom, viu!

P/1 – E tem algum prato que diferencia um pouco da comida árabe, ou não?

R – Eu não vou nem saber explicar pra você, mas tinha uma comida que eu me lembro que era assim, keşkek, não me pergunte o que é, nem o quê quer dizer, aquela coisa que ficou na memória. Era um frango, não sei, meu pai adorava e que de repente ela fazia, mas como dava muito trabalho, todas as comidas davam muito trabalho, essa comida era uma comida que ela fazia e a gente criança, não gostava. E tem uma coisa que minha mãe faz até hoje, ela ensina pra todas as empregadas, que é uma coisa que a gente chama da mantã, também não sei porque chama assim, que é um barquinho assim de massa, com uma carninha dentro, como se fosse um ravioli aberto. Só que você faz um por um, você abra a massa, corta em quadradinho, põe aquele pouquinho de carne e fecha assim, como se fosse um barquinho. Você forra a assadeira com manteiga, vai pondo um do lado do outro, primeiro você dá uma torradinha, joga água em cima e deixa cozinhar. É uma massa, que eu adoro comer com coalhada, mas é difícil, agora ninguém mais faz. A minha mãe não é uma dona de casa como a minha avó (risos), esses dons não foram hereditários.

P/1 – Você tem algum fato marcante da sua infância? Alguma coisa que tenha te marcado muito?

R – O dia em que eu caí da escada e quebrei a minha primeira boneca. Logo que eu me mudei pra essa casa eu ganhei uma boneca de louça, que naquela época era o máximo. E eu caí da escada e a minha boneca quebrou, isso foi uma coisa que me marcou. Teve a minha hepatite que foi também... Isso que eu já te contei, e que era uma delícia porque tinha uma certa concorrência entre as avós porque eu tinha que comer doce, então, uma fazia uma geleia maravilhosa, a outra avó fazia uma bala de não sei o quê, e eu engordei bastante nessa época por conta disso. Eu acho que foi uma infância muito rica, muito cheia de acontecimentos. Começam a acontecer algumas coisas mais marcantes... Mais velha, o meu pai começou a ter um problema sério de coração, aí começa a aparecer o mundo da realidade. Então, acho que a infância foi bem um mundo de fantasia, muito gostoso, muito bem aproveitado, muito curtido. A gente brincava muito. Eu me lembro de vestir o vestido de noiva da minha mãe, a gente fazia casamento com bolo e tudo, os meus primos eram padres, tinha madrinha (risos). E aí, eu descia a escada com aquela roupa (risos). Eram grandes farras, primeiro você fazia o bolo, depois você vestia.

P/1 – E fazia-se o bolo?

R – Fazia-se o bolo, imagina! (risos).

P/2 – Brincadeira séria.

R – É, não tinha nada de...

P/1 – E como foi a sua primeira escola?

R – Eu estudei no Externato Elvira Brandão, que era uma escola bem tradicional na época, na Alameda Jaú. E aí, teve uma época que meu pai teve problemas na indústria e teve que vender um dos carros, ele me levava na escola, nós íamos de ônibus, e a gente andava da Avenida 9 de Julho até a Rua Augusta de manhã. Era só eu que estudava de manhã, e ele ia carregando minha mala. Ele me deixava na escola e ia trabalhar. E na volta, eu saía da Alameda Jaú, subia até a Paulista, pegava o ônibus – eu tinha dez anos nessa época – descia na Brigadeiro Luís Antônio, atravessava, em frente à Zogbi, lá na Brigadeiro, tinha um ponto de ônibus, eu tomava o ônibus, descia a Brigadeiro de ônibus pra ir pra minha casa, que era paralela à Brigadeiro. E, às vezes, o meu pai passava de lotação, porque como ele vinha almoçar em casa, coincidia, eu estava no ponto de ônibus, e ele vinha na lotação. Lotação era uma coisa que tinha na época, que era um carro que você pagava só a sua passagem. E eu entrava na lotação com ele e a gente descia junto. E depois teve uma época que eu ia de bonde pra escola, a gente ia a pé até o bonde, tomava o bonde, subia... Coisas marcantes da vida da gente.

P/1 – E como era essa escola Elvira Brandão?

R – As professoras velhas, todas muito velhas. Porque não é a coisa da idade, é a coisa da maneira de ser, a escola era mista, o que era super adiantado para aquela época, mas o pátio não. As meninas brincavam em um pátio e os meninos no outro, e o pátio dos meninos era muito mais divertido porque tinha areia pra eles poderem jogar bolinha de gude, o nosso não. Não sei muito bem o que a gente fazia. E no fundo do pátio tinha como se fosse uma edícula e tinha a Maria Luísa, a Maria Luísa vendia cachorro quente lá. Então, quando a gente tava bem de grana, a gente podia comprar cachorro quente. Quando a gente tava mal de grana, como eram quatro filhos... Porque a imagem que eu tenho é assim, o cachorro quente custava dez cruzeiros, e o pão com mostarda custava dois, então, quando não dava pra comprar o cachorro quente, você comia pão com mostarda. Mas a gente tinha lancheira, levava lanche de casa, era aquela coisa. E era assim, o uniforme era saia xadrezinha, branca e preta, camisa branca, gravatinha vermelha, sapato preto, acho. E ai de você se chegasse sem a gravatinha! Aí, tinha o monograma no bolso da camisa. E ninguém entrava, na porta tinha o vigia e se você estivesse sem uniforme não podia entrar. Eu tive um episódio, talvez eu já fosse um pouco revolucionária desde aquela época (risos). Na terceira série, eu lembro que tinha um menino, que depois eu vivia encontrando pela vida, e ele vivia me cutucando com a régua atrás assim, porque as carteiras eram abertas. Até um dia que ele me deu uma cutucada, eu levantei e dei o maior escândalo na classe “Ai, você está me desrespeitando!”, foi aquele buxixo, e até hoje, quando a gente se encontra (porque ele é primo irmão de uma grande amiga minha), a gente “Ah, lembra a história da régua”. Aí, ele foi pra Diretoria.

P/1 – Como eram os materiais que vocês usavam na escola? Era material próprio da escola, vocês compravam, como era?

R – Não, tinha cartilha. “A pata nada”. “A macaca é má”. E tinha aqueles caderninhos de caligrafia. E tinha um detalhe muito interessante, pra você ver que minha personalidade aparecia desde pequena. Porque o meu nome, quando o meu pai me registrou, ele não tem acento, Celia. E está errado, mas pra mim, o meu nome é Celia sem acento. E eu passei a escola inteira, perdendo meio ponto porque as professoras queriam que eu pusesse o acento no Celia e eu me recusava a por porque na minha certidão não tinha acento (risos). Este foi um embate que eu tive, meu primeiro embate de identidade (risos).

P/1 – Você lembra qual era o nome dessa cartilha?

R – Não. Mas eu já lembro da “pata nada” e a “macaca é má”, eu to achando o máximo. E tinha um detalhe, sabe o que era interessante nessa escola? A gente tinha classificação. De acordo com a nota que você tirava, você sentava na fileira, e tinha medalha de comportamento. No final do ano, tinha a festa de encerramento, aí os bons alunos ganhavam medalha de aproveitamento e medalha de comportamento. Eu devo ter ganho, porque acho que eu era boa aluna, acho que todo mundo era bom aluno na minha classe. O Rubens não era tanto.

P/1 – Que materiais que a professora usava na sala de aula para envolver os alunos, para ensinar os alunos. Como é que era?

R – Lousa e giz, e muita saliva. Não tinha nada naquela época, e a gente achava o máximo!

P/1 – E teve alguma professora que te marcou muito?

R – Minha professora de inglês que era bravíssima, não vou lembrar o nome dela... Olha, todas as professoras dessa época foram muito marcantes. A dona Gláucia e a dona Vera, que eram as minhas professoras de Jardim da Infância, elas frequentavam muito a nossa casa, porque nós éramos quatro filhos e cinco primos, então, nove crianças da mesma família é um bando de gente. E elas frequentavam a nossa casa, iam lá, porque elas eram solteiras. Depois elas casaram, a gente foi ao casamento, aquela coisa. E eu me lembro da dona Maria Teixeira, dona Marininha, que eram minhas professoras, a minha diretora, dona Marina era a diretora, mas eu não visitava muito a diretoria, não.

P/1 – Isso no Elvira?

R – Elvira Brandão. Depois eu saí do Elvira Brandão. Na minha época a gente mudava muito de escola. Aí, teve um episódio interessante, nós não fomos admitidas no... Eu não vou saber dizer se foi no Des Oiseaux... Na Caio Prado era o Des Oiseaux, porque o meu pai era imigrante e eles não admitiam, só brasileiro quatrocentão, então nós não pudemos ser admitidas. E nós fomos estudar no Pio XII que era uma escola que estava começando naquela época, com as freiras. Muito interessantes aquelas freiras. E quando a minha irmã Luci, que é mais velha do que eu um ano, foi estudar lá, a escola ainda era numa casa no meio do Morumbi, depois que elas compraram essa área. E o meu pai foi um dos grandes benfeitores da escola, não em termos de dar dinheiro porque nós nunca fomos ricos, mas ele tinha grandes amigos, eu acho que isso eu aprendi com ele (risos). Ele arrumava um que tinha uma construtora, enfim, o que acabou acontecendo? Meu pai ajudou a construir as quadras esportivas da escola, e eu fui a criadora e primeira presidente do Grêmio do Colégio Pio XII (risos). E era muito divertido porque a minha classe era a segunda classe de Fundamental II, eram pouquíssimas crianças, e na minha classe tinha cinco meninos, só. E o time de vôlei eram os cinco meninos e eu (risos). E naquela época nós criamos algumas festas que acontecem até hoje no colégio Pio XII, que é a Festa da Primavera e o Quentão do Morumbi, que é a festa junina tradicional. Foi uma fase muito divertida também, lá na escola. As freiras eram muito abertas, apesar de que as aulas de religião eram um horror... A gente ouvia cada coisa daquelas freiras que eu não sei como a gente é normal (risos). Mas era bem divertido. E aí, como presidente do grêmio, como o nosso colégio tinha muito pouco menino, eu tinha um intercâmbio com os meninos do Santa Cruz e do São Luís. Porque naquela época os padres, o Padre Charbonneau, que era uma pessoa interessantíssima, não sei se já ouviram falar dele, ele era um ser excepcional. E os meus irmãos estudavam no Santa Cruz, então, a gente fazia intercâmbio, eles vinham pra escola, a gente fazia jogos e os padres faziam palestras. A gente queria mesmo era ver os meninos, né? (risos). E era uma grande farra, uma grande farra, era muito divertido! E como a escola tinha um espaço muito grande, tinha uma colina que era onde tinha rezado a primeira missa, que a gente brincava. A primeira missa da escola, e lá a gente ia fumar (risos).

P/1 – Vamos voltar um pouquinho só, Celia, pra gente resgatar um pouquinho. A primeira escola que você estudou foi a Elvira Brandão?

R – Foi a Elvira Brandão.

P/1 – Desde o pré?

R – Jardim da Infância.

P/1 – E você e seus irmãos estudaram lá?

R – Isso.

P/1 – Se a gente fosse falar em termos de estudo, como era a metodologia da escola?

R – Eu não sei se naquela época tinha esses métodos. Olha, eu acho que a gente gostava de estudar, eu me lembro. Eu acho que era um método tradicional, com aulas expositivas, muita lousa. Não lembro de livro didático, viu? Mas devia ter, me lembro de estudar, de fazer lição... As minhas lembranças da escola não são relativas aos estudos (risos), por isso que eu acho que a escola hoje em dia, pra mim, é muito mais um lugar de desenvolvimento social, de socialização, de encontro, formação...

P/1 – Você falou que você tinha inglês, e tinha uma professora de inglês que marcou muito. Como é que era?

R – Porque era ela brava.

P/1 – Mas você tinha uma coisa assim, quando você sai da escola, você tinha uma outra língua, ou não?

R – Não. Isso eu acho que é uma falha na nossa formação daquela época, porque não se tinha essa preocupação de falar outra língua.

P/2 – Tinha francês também?

R – Eu, por exemplo, tive francês particular a vida inteira porque o meu pai foi educado em colégio francês, então, meu pai falava em francês com a gente. Falar francês e tocar piano (risos). Faz favor, toda mocinha, e era uma guerra porque eu queria jogar vôlei e a minha mãe queria que eu tocasse piano. Então, tinha uma incompatibilidade com os dedos que era impossível. E o francês eu falei durante muito tempo, eu até dei aula de francês no começo da minha vida profissional. E depois que o meu pai morreu, é claro que você fica, mas, não é a mesma coisa. Então, a escola, acho que era uma escola bem tradicional. No Pio XII, já era diferente, eu acho que o Pio XII era uma escola mais moderninha, mas mesmo assim eram aulas expositivas, lição de casa. E aí, eu tenho um fato interessante no que seria hoje o sexto ano, na quinta série, o meu professor de Português, professor Lima, mandou procurar uma palavra no dicionário e eu, muito metida, copiei sem entender o que eu estava fazendo. E aí, uma das palavras era menstruação. E eu levantei a mão na sala e pergunto: “Professor, o que é menstruação?”. Gente, o homem ficou rubro, e ele respondeu assim: “Fenômeno biológico”. E eu fui chamada na diretoria! Fui chamada na diretoria porque as freiras sabiam que eu já menstruava e que então eu tinha feito aquilo pra chamar a atenção, ou para constranger o professor. Só que na minha época, menstruação chamava “incômodo”, não chamava menstruação (risos). A mãe da gente não falava que a gente menstruava, a gente ficava incomodada (risos). E você sabe o que é engraçado, menina? E pra mim, o professor Lima era uma coisa enorme. Eu encontrei com ele há sete anos, quando eu tava dando consultoria numa escola, e ele é desse tamanhinho, não acreditava! É incrível, essa imagem das proporções, com o professor Lima foi uma coisa muito incrível na minha vida, viu? Muito interessante.

P/1 – E você estudou no Pio XII até que série?

R – Até o final do ginásio, eu me formei lá e aí, tem uma mancha na minha vida acadêmica. Porque aí, os meninos estudavam no Santa Cruz e as meninas no Santa Maria, e eu não fui admitida no Santa Maria.

P/1 – Por quê?

R – Não sei, acho que eu não passei no teste, uma coisa inédita porque eu era considerada ótima aluna. Alguma revolta ali que aconteceu, ou as freiras estavam de mal humor (risos). E eu acabei indo estudar no Sacré-Coeur de Marie. Sabe onde é? Aqui na Avenida Nove de Julho. Mas que no fim se reverteu em uma coisa divertidíssima para mim, porque era assim. Nós saíamos da Bento de Andrade, passava em Moema, pegava as minhas primas que moravam na Anapurus e levava as meninas lá pro Santa Maria, que já era uma lonjura. E o meu tio saía de Moema, pegava os meninos na minha casa. Os meninos nem iam pro Santa Cruz, mas eu ia com os meninos pra escola. Então, passava o meu tio, meu primo com dois amigos, em três na frente e quatro atrás. E eu ia com os meninos pra escola, era a maior farra, eu estava me achando, entendeu? Então, eu era a privilegiada porque aquele bando de mulher ia em um carro e eu ia com aqueles gatões todos no outro. Eles me deixavam no Sacré-Coeur e iam pro Santa Cruz. E hoje, esses meninos são até políticos que eu encontro, é muito divertido.

P/1 – Como era a convivência com esses amigos dos seus primos no carro?

R – Ah, super tímida, super tonta, imagina! Deus me livre, era um horror.

P/1 – Vou voltar um pouquinho pro Pio XII porque você falou um pouco da aula de Religião, da Educação Religiosa.

R – Ah, você nem queira saber das aulas, o que eram.

P/1 – Conta um pouquinho pra a gente o que eram essas aulas?

R – Eu não vou ter coragem de contar o que as freiras falavam, as aulas de orientação sexual, você imagina o que era? Eu não me lembro muito, não foram coisas que marcaram a minha vida, algumas bobagens que elas falavam em termos de relacionamento: “O homem usa a mulher, suja a mulher!”, era assim. Duas, três bobagens desse tipo. Agora, eu confesso pra você que as freiras de lá eram muito divertidas, muito. Elas eram do tipo modernas, não eram essas freiras caretas, como os padres do Santa Cruz, não eram dessas freiras caretas.

P/2 – O que era uma freira moderna?

R – Ah, freira divertida, que dava risada, contava piada, não era opressão. Claro que elas tinham os dogmas delas, e não obrigavam ninguém a engolir. E a minha escola era semi interna já, que era uma coisa moderníssima. A gente almoçava na escola e tinha o horário de permanência, a gente estudava lá. A sister Hilda, que era a diretora da escola, imagina. Eu acho que ela tinha uma relação, guardadas as devidas proporções, a mesma relação que eu tenho hoje com meus alunos. Eu não sentia isso nas diretoras do Elvira Brandão. Eu não sei se é porque era uma escola que estava muito no início, os pais tinham muito contato, meu pai era uma pessoa muito especial, ele era um ser extremamente social e gregário. Eu tenho excelentes lembranças dessa época de escola, e elas deixaram a gente montar o Grêmio, e a gente organizava essas palestras e esses torneios com os meninos das outras escolas, uma grande farra.

P/1 – E como é que surgiu a ideia do Grêmio?

R – Não consigo lembrar disso, eu acho que toda escola tinha, e eu achava que a nossa também devia ter, provavelmente vinha por aí. Porque as outras amigas, acho que estudavam em escolas mais antigas, mais estruturadas. Os meninos provavelmente já estavam no Santa Cruz, e no Santa Cruz tinha Grêmio. E aí, claro, que a metida tinha que ir lá. E tinha regulamento, tinha tudo. Teve eleição, não é que eu fui uma ditadora imposta (risos).

P/1 – Você foi eleita?

R – Eu não me lembro muito bem como é que foi o processo (risos), qual era o domínio que eu tinha, mas eu lembro que eu era presidente.

P/1 – Por que essa coisa da palestra, você fazia muito intercâmbio.

R – Então, porque os padres do Santa Cruz vinham falar, eles que davam aula de orientação sexual, não me lembro o que era, entendeu? Mas eles vinham. O Padre Charbonneau era uma figura excepcional, ele era um ser aberto, os padres canadenses sempre foram pra frente, não tinham essas coisas careta, essas bobeiras que a religião hoje virou. Enfim. No Sacré-Coeur tinha essas bobagens, mas no Sacré-Coeur não tinha mais aula de religião, se tinha, tinha aula de Filosofia. O Sacré-Coeur tinha as janelas altas, a gente não enxergava, o único homem que entrava na escola era o padre, que vinha numa moto. Aí, a gente subia na carteira pra ver o padre (risos). Porque era aquele horror, o Sacré-Coeur era aquela opressão, elas tentavam. Agora, um colégio maravilhoso, que tem um jardim enorme, não sei quantas mil quadras, piscina. Gente, as escolas que eu estudei, tirando a Elvira Brandão, que era mais econômica de área, as outras escolas que eu estudei eram maravilhosas, jardins, nossa!

P/2 – Sacré-Coeur era só de menina?

R – Só menina, imagina!

P/1 – Como é que era, uma aluna que vinha do Pio XII...

R – Ir pro Sacré-Coeur. Imagina as bagunças, eu aprontei algumas, umas poucas confusões. O dia que a professora de Filosofia me pegou colando. Porque as freiras sempre achavam que a gente tinha razão, e a gente já sabia disso, a coitada da professora que não se atrevesse a pegar ninguém colando, entendeu? Mas olha, mesmo dentro dessa opressão, desse possível ambiente de opressão das freiras. Porque no Pio XII... Estou lembrando de uma freira gordinha. Por exemplo, no Sacré-Coeur eu chegava e ia pra missa, não tinha o que fazer, eu ia mais cedo porque os meninos entravam mais cedo no Santa Cruz, e ia pra missa. Não tinha esse... Você não tem o que fazer, vai pra missa. Ia, rezava, cantava, acompanhava a missa em Latim, não tinha fanatismo, nem das freiras, viu? Eu não me lembro de nenhuma opressão religiosa, nada dessas bobagens, nada.

P/1 – Celia, você nos contou que no Pio XII vocês tinham um morrinho e iam lá fumar. Como é que era depois ir pro Sacré-Coeur, uma menina que fumava. Conta um pouquinho pra a gente.

R – Eu não sei se eu já fumava assim, era aquela coisa de malandra. Eu comecei a fumar mesmo mais tarde, acho que no Pio XII eu era aquela “Maria vai com as outras”, tinha umas amigas. A gente devia engasgar toda hora, eu não me lembro como é que era (risos), mas devia ser essas bobagens de não saber nem tragar. Eu acho que era a Denise que tinha irmão mais velho que trazia o cigarro, mas a gente não devia nem saber o que era. A minha adolescência e a minha juventude foram muito protegidas, não tinha os riscos que tem hoje em dia. Muito protegida em um aspecto porque você não tinha esse contato que tem hoje com as drogas, imagina, nunca nem via essas coisas na minha vida. E por outro lado, tinha uma coisa que era, era diferente, você não tinha esses desafios que você tem que enfrentar hoje, você não era tão exposto. Não tinha essa violência, essa quantidade de drogas, era tudo mais leve, a vida da gente era leve. E por outro lado, muito mais irresponsável porque você não tinha noção dos perigos. Então, fumar era a coisa mais deliciosa do mundo, beber. A gente grávida, você fumava e bebia na maior, entendeu? E as crianças todas nasceram e sobreviveram, todas ótimas, ninguém com pulmão afetado, nem com cirrose, não aconteceu nada (risos). A gente comia tudo que podia de errado, tá todo mundo aí, cheio de saúde.

P/1 – Celia, você traz essa coisa do ser protegido. O que era que as instituições tinham em termos de proteção que difere um pouco de hoje? O que você acha que era feito naquela época que dava uma maior proteção?

R – Eu acho que a vida era completamente diferente, não precisava ter proteção. Imagina se precisava ter segurança na escola? Eu estudei em escolas abertas, com pátio, que você entrava e pronto. No Pio XII você subia a rampa e estava lá dentro. A vida era completamente diferente, eu ia sozinha pra escola com dez anos, andava de ônibus. Imagina as minhas netas em um ônibus, não sabem nem o que é. E tinha uma coisa de família que era muito importante, as instituições ainda eram respeitadas naquela época. A família era uma instituição, a Igreja era uma instituição, a Escola era uma instituição. O Governo, até talvez por não ter tanta liberdade de imprensa. Ainda as instituições tinham um valor, existia um respeito pelas instituições que fazia com que o respeito pelas pessoas fosse diferente do que é hoje. Eu acho que isso se perdeu. Eu tava conversando com a Márcia, a fotógrafa, não sei nem porque ela trouxe o assunto, e a gente acabou falando um pouco isso. Eu acho que essa coisa da competitividade que se instalou nos últimos anos, eu to falando dos últimos anos... É assim, a economia entrou no lugar da ideologia, a hora que isso acontece, o mundo muda, as perspectivas mudam, as pessoas mudam. Acho que essa é a grande perda que eu sinto da minha juventude para agora. Então, é a perda de ideologia, da luta, do ideal. Não é de cada um lutar por si, não é quem é o melhor, quem vai vencer, é o que a gente pode fazer pra ter uma harmonia entre as pessoas, acho que isso era uma coisa que era... Eu vivi muito isso.

P/1 – Você tava falando um pouquinho da sua juventude, tal. Como é que era o grupo de amigos, que locais vocês frequentavam, o que vocês faziam pra se divertir?

R – Então, era assim, na adolescência, uma adolescência controlada, muito clube. Eu era uma grande esportista, meus irmãos, todo mundo sempre na escola, no clube, sempre fazendo muito esporte. E os grandes programas que a gente tinha era ir ao cinema, tinha os mingaus dançantes no clube, essa já era uma grande evolução. E muita festa em casa, todo mundo dava festa, era um grande barato fazer festa, porque as festas não eram essa complicação de hoje que precisa ter grifes... Fazia-se uma festa, juntavam-se os amigos, chamava uma pizza, qualquer coisa, entendeu? A vida era mais leve, a vida era mais... Eu não sou uma saudosista, mas eu acho que essa coisa se perdeu um pouco, a naturalidade da vida se perdeu um pouco, eu acho. Agora, na minha juventude, dos 18 em diante, aí era uma grande farra. Na época que eu tinha essa idade era o auge das boates. A gente dançava muito. Eu peguei a Jovem Guarda, os Beatles, pô, a minha geração é tudo de bom, entendeu? A gente ia pra boate todo final de semana, desde a época de namoro, depois de casada, até depois de ter filho. E como a gente não tinha muito dinheiro, depois de casada quando a gente ia pra boate não dava pra jantar e ir pra boate, então, você comia um macarrãozinho em casa e ia pra noite. Aí, bebia todas, a nossa turma era a turma da bebida, e dançava loucamente. Era uma delícia! E as boates eram fantásticas naquela época.

P/1 – Você lembra qual era o nome, onde ficava?

R – Nossa, imagina. O Dobrão na Alameda Lorena tirava uns slides da gente durante e ia projetando depois. Então, ai do namorado que resolvesse levar outra na boate durante a semana porque a gente só saía final de semana, e aí chegava lá, tinha os slides, era a maior farra. Tinha o Dobrão, o Tonton Macoute, o Mustache. O Tonton Macoute era na cidade, era o top de linha. O Mustache que era lá perto do Mackenzie, tinha uma lanchonete lá do lado, é capaz de existir até hoje, o Sanduba, que tinha os melhores sanduíches de São Paulo, era, mais ou menos, esse circuito. E tinham coisas na nossa época, o samba era muito valorizado. Então, tinham as rodas de samba que a gente ia lá no Bixiga e tinha também o Farnesin, aí acho que a gente já era um pouco mais velho, era o Dick Farney tocando piano. E depois teve o Hipopotamus e o Papagaio. Gente, nossaaa, muito bom. E tinha uma coisa que eu esqueci de contar. Quando eu tava no Ginásio, no Pio XII eu era apaixonada pelo irmão da minha amiga Denise. Então, eu inventei de fazer um curso de costura em frente à casa dela, íamos as duas às aulas de costura porque eu saía da escola, almoçava na casa dela, já ia pra aula de costura e lá eu ficava, e aí eu dava aquela paquerada básica. Nós costurávamos maravilhosamente bem, isso já na fase, eu já tava com 16, 17 anos. E o meu pai tinha a fábrica de tecido. Teve uma época que ele parou de fabricar seda, mas ele era muito amigo da dona Gabriela, dona da Santaconstancia, da Pascoalato. Então, o que acontecia? Eu ia na Santaconstancia, na fábrica, e saía de lá com pilhas de seda, seda pura, aquelas maravilhosas, entendeu? E quando era lã, eu pegava na fábrica do meu pai. Então, era um vestido por dia, porque a gente costurava naquela máquina de pedal, minha filha. Era assim: “Tem festa no sábado, vamos lá na dona Constancia!”, ou então, abria o armário, pegava um corte, chiiip, cortava o tecido, fazia o molde na hora, cortava, passava na máquina, era na época do tubinho, imagina! O meu guarda-roupa era... Eu fazia manteau em casa e tudo, não pensa que era qualquer coisa, não! Chiquérrima (risos). E longos, de zibeline, tomara que caia, a gente arrasava, arrasava.

P/1 – Mas da turma eram só você e a Denise que costuravam?

R – Só. Completamente demodê. E curso de cozinha eu fiz com a minha outra amiga, a Bia, que a gente tinha todos esses dotes, entendeu? (risos). E quando você era noiva, você sempre fazia alguma sobremesa pro almoço de domingo (risos). E no primeiro dia que eu comecei de trabalhar, eu nunca mais usei uma agulha, e nunca mais fiz nada na cozinha, um drama. Essa vida de trabalho acaba com a gente (risos).

P/1 – Celia, você falou do seu primeiro paquera, que era o irmão da Denise. E você acabou namorando?

R – Ah é, teve um namorinho rápido porque a gente ficava no mesmo prédio no Guarujá, mas não foi nada muito entusiasmante. O meu primeiro namorado mesmo foi meu marido.

P/1 – E você o conheceu como?

R – Ele foi apresentado pelo namorado de uma amiga minha, que depois inclusive foi meu padrinho de casamento. Mas isso eu já tinha 18 anos. E aí, namorou e casou (risos).

P/1 – Quando você termina o Sacré-Coeur, você terminou o colegial lá?

R – Então, como eu fui pra faculdade? Porque na minha época não existia isso de ir pra faculdade, a gente era criado pra casar e ser feliz eternamente (risos). Mudaram o script no meio do caminho sem me avisar. Mas aí, eu tinha uma professora de História, dona Maria Helena Tonan, olha que coincidência, era prima desse meu amigo que me apresentou o meu marido. Naquela época não sabia nada disso. E ela era minha professora de História e eu achava aquilo o máximo, então, foi por causa da dona Maria Helena que a Bia, a Cecília e eu resolvemos prestar vestibular assim, como uma coisa, “A gente vai lá e tenta”, na PUC. Ninguém se preparou nada, vai pro Guarujá e volta pra fazer o exame. E a Cecília, inclusive, perdeu o exame e não entrou na faculdade com a gente, e nós passamos e fomos fazer a PUC no auge da revolução.

P/2 – E os seus pais, como era pra eles essa coisa de você entrar na faculdade?

R – Acho que eles não achavam muito que eu ia trabalhar, não sei. Minha mãe me levava na faculdade, eu ia de carro. Você pode imaginar isso? (risos). Eu tive um namorado, antes do meu marido, que eu namorava escondida também. Escondida não, mas ele ia na faculdade, a gente saía de lá, minha mãe achava que eu tava lá dentro. Essas coisas a gente fazia também, a gente era normal (risos). Então, foi divertido. Olha, a faculdade é um marco na minha vida, porque assim, eu acho que a minha família, no começo... Os meus pais não tinham essa ligação com política, não tinha nada disso. E eu sou um ser político, essencialmente político. Você fala de Política, a minha veia faz assim, entendeu? E eu acho que isso foi uma coisa que despertou em mim na faculdade, eu fiz a faculdade no auge da revolução da Ditadura, a gente não podia ler os livros de Caio Prado Júnior, de Werneck, você tinha que andar com os livros encapados. E eu fui pra rua, fiz movimento, de uma forma tímida porque os meus pais não me davam essa bola toda. Mas dentro da faculdade de História era impossível você não fazer. E tinha uma freira, a Madre Cristina, que era a diretora da História da PUC, era uma madre absolutamente revolucionária e aberta. E claro que você passa a ser obrigatoriamente socialista, comunista, quando tem 18 anos porque dizem que todo ser inteligente, aos 18 anos, foi comunista (risos). Eu não fugi à regra. E aí, quando eu casei, o meu sogro disse assim: “Uma comunista”. Então, eu acho que nessa hora eu saí um pouco do curso da família. Mas também foi uma coisa que durou pouco tempo porque eu acabei casando e meu marido não tinha nada de político, muito pelo contrário. E aí, tinha essa coisa. Apesar de que, eu comecei a trabalhar antes de casar, eu estava na faculdade fazendo História e aí, é um horror isso que eu vou contar, mas é verdadeiro. Eu tinha que começar dando aula na escola pública, na periferia, e quem é que disse que meu pai ia deixar eu dar aula na periferia, e o Dimas menos ainda, porque acho que ele era mais careta que o meu pai. Então, bom, então vai fazer o quê? Estudou pra quê? Então, tinha uma amiga minha, Regina Helena, que falou: “Por que você não vai fazer um estágio lá na escolinha que eu trabalho?”. Escolinha. Eu ainda estava na faculdade e fui. E aí, me apaixonei de um jeito, e eu tive um sucesso muito rápido na minha vida profissional, e isso vai te dando energia. E esse meu lado político, eu acho que ele sempre apareceu na Educação no olhar que eu sempre dei pros planejamentos, projetos político-pedagógico da escola em termos de História, Geografia, Ciências. Eu sempre tive essa preocupação, e muito nessa coisa de estimular a crítica, o espírito crítico, a discussão. Nós tinhamos uma aula no Lourenço Castanho que chamava Jornal, onde as crianças eram obrigadas a lerem os artigos e discutir. E eu sempre dei aula de orientação, essa é a minha alma. Então, nessas aulas de orientação era onde eu achava que eu fazia a diferença, esse é o meu coração de educadora. Eu não sou essa educadora ligada em planejamento, eu acho que tem coisas básicas que pra mim é assim, ler, escrever, interpretar, raciocinar, e muito conteúdo de Sociologia, de Política, de realidade e Justiça Social, eu sou aquela idealista da década ainda de 1970. Eu acho que essa sempre foi a minha preocupação. Então, eu fui professora durante alguns poucos anos, quando eu era solteira. Eu entrei solteira na escola, era uma menina, não sabia nada. Eu devo a minha formação integral às donas do Lourenço Castanho que são as pessoas que eu tenho a maior admiração, são educadoras de primeiríssima linha. Eu convivi com elas 30 anos e a preocupação que elas tinham, e que as escolas tinham naquela época, em termos de formação da equipe era uma coisa absolutamente fantástica. Eu tive esse privilégio, eu trabalhei de perto com a Silvia Portugal Gouvêa, que é uma das pessoas que eu mais admiro, ela me ensinou muitas coisas, além de me proporcionar muito ensinamento me mandando a congressos, e tudo. Ela como pessoa, ela é uma grande educadora. E aí, eu parei dois anos quando eu tive os meus filhos porque quando eu tive o Caio, a enfermeira que ia ficar com ele para eu voltar a trabalhar pediu demissão dois dias antes de eu ir trabalhar, eu achei aquilo um horror. E aí, eu fui à casa da minha diretora na minha época e pedi demissão. E era uma relação nessa época o Lourenço Castanho estava começando, então, eu fui professora da primeira à quarta série, nós montamos juntas aquela escola, aquele planejamento. E era um nível... O Dimas ia tomar whisky com o Maurício, que era o marido da Marilu e eu ficava planejamento, ela, o Benedito que era o nosso assessor de Matemática, trabalhando à noite na casa dela. E eu comecei lá menina, tinha 20 anos. Lá eu casei, tive meus filhos... E elas tinham essa preocupação, então, todo sábado, ou um sábado por mês, nós tinhamos necessariamente uma manhã de estudos. Elas investiam muito na formação da gente, tanto que a minha formação, eu não tenho uma formação acadêmica de faculdade, a minha formação foi feita no exercício da minha função. Aí, quando eu tive os meus filhos, eu parei esses dois anos, aí eu voltei um tempo quando o Marcelo nasceu, aí a minha mãe e a minha sogra começaram a querer dar muito palpite na minha vida porque o Marcelo ficava em casa, e elas achavam que poderiam passar lá e ficar se metendo em tudo. E como eu não sou muito de admitir palpite, eu parei de trabalhar de novo, fiquei mais um ano parada e quando o Marcelo voltou pra escola eu voltei. E eu só tinha voltado porque elas estavam com uma classe muito difícil e elas vieram me pedir pra assumir, eu estava fazendo adaptação do Caio no Maternal e elas me pediram para assumir aquela classe porque a professora tinha tido um problema de saúde, era uma complicação na escola e eu fui. E logo depois que eu tive os meus filhos eu já passei, fiquei um ano assistente de diretoria e passei a diretora. Eu fui diretora de escola muito cedo. E a minha formação foi em serviço, elas eram cinco donas e cada uma das donas tinha uma diretora contratada. E eu trabalhava direto com a Sylvia Portugal Gouvêa. E naquela época tinha uma coisa que era riquíssima para Educação que era o Congresso das Escolas Particulares, onde se aprendia muitíssimo, onde vinham os maiores especialistas do mundo. E a Lourenço Castanho tinha essa coisa, ela investia, então, eu não sei se vocês conhecem os nomes, mas o Antoni Zabala, que era um dos espanhóis mais famosos que tinha dessa educação renovada, ele veio ficar uma semana com todos. A Lourenço Castanho fechava um hotel em Campos de Jordão uma vez por ano e nós ficávamos uma semana lá trabalhando com os maiores especialistas, essa era a primeira semana de aula. E tinha uma semana que era muito divertida, que era a Semana da Diretoria. A diretoria ia pra esse mesmo hotel em Campos de Jordão, em outubro, novembro, para a gente fazer a preparação do ano seguinte, e aí, eram as cinco donas e as cinco contratadas. E naquela época a gente tinha um bônus no final do ano, e das cinco contratadas, uma era financeira e ela entrava na reunião com as donas pra saber quanto que a gente ia ganhar de gratificação. Normalmente a gente ganhava o dobro, mas ficava aquela brincadeira, porque a Catarina entrava na reunião e saía sabendo quanto a gente ia ganhar e a gente tinha que esperar até o final do ano pra ver qual ia ser o cheque da gente. Então, ficava aquela coisa, tinha um código entre nós, que a gente cutucava a Catarina em frente das outras, daí a Catarina ficava vermelha porque não podia contar, sabe? Eu tenho muito boas lembranças da minha vida.

P/1 – Você estava dizendo que as cinco donas contratavam cinco diretoras, cada uma assumia uma diretoria, financeira...

R – Não, cada uma assumia uma unidade. Então, por exemplo, o forte do meu trabalho como Diretora foi sempre no Fundamental Dois. Nós éramos diretoras da escola inteira, mas o foco do trabalho era direcionado pra algum segmento. E o que fazia toda diferença, que eu acho que hoje em dia falta, é que todas as terças-feiras nós tinhamos reunião de Diretoria, onde toda a Diretoria, as donas. Primeiro tinha uma hora de financeiro, e aí tinha o nosso diretor Silvio Luís Bresser Pereira, que eu amava de paixão e ele me amava também, era aquela coisa. Tinha a hora do financeiro. Aí, o Sílvio ia embora, era muito bravo, muito sério. E aí, começava a nossa reunião, então, era assim, das nove às onze. Aí, era um pau total, discutia-se tudo. Como eu trabalhava na sede do ginásio, eu participava das decisões do infantil, ou tudo era partilhado, a gente dava palpite, uma dava uma ideia, outra dava outra ideia, mas enfim, a gente sabia como a escola funcionava, era religiosa essa reunião. E às onze e meia, meio dia, chegava o nosso Supervisor. Esse foi o grande privilégio que eu tive na minha vida, nós tinhamos um supervisor que vinha todas as terças-feiras durante uma hora e meia pra gente discutir casos de alunos, ou casos de classe. Então, durante dez anos eu tive o doutor Luís Antonio Gonçalves, que é um grande psiquiatra, que dava consultoria pra nós, e nos últimos dez anos nós tivemos o Carlos Byington, que aí já era de uma outra linha, junguiana. Então, a gente fez trabalhos muito interessantes, nós desenvolvemos alguns trabalhos interessantes, inéditos, que inclusive eu fui apresentar em congressos internacionais. A minha vida profissional foi muito rica dentro do Lourenço Castanho. Esses congressos que tinham eram uma coisa... Primeiro que davam uma visibilidade incrível pra gente, porque todo mundo se encontrava, todas as diretoras de todas as escolas, e a Lourenço Castanho era muito democrática nesse sentido, porque as donas deixavam a gente participar das decisões como se nós fossemos donas. As decisões eram muito democráticas. É claro que tinha a parte financeira que a gente não precisava saber se tinha lucro, se não tinha lucro, essas coisas não se metia, mas tinha uma liberdade de ação. Então, eu acho que a minha formação foi completa em todos os sentidos, por exemplo, a Sylvinha era uma especialista em leis trabalhistas com professor. Então, eu fui me formando, e normalmente era assim, a dona da casa era que administrava aquele pedaço. A Sylvinha detestava administrar, ela era super desorganizada, então, eu também fazia essa parte. Então, eu tive funções que foram me desenvolvendo pra minha vida profissional em todos os aspectos, não foi apenas no pedagógico e no educacional. Eu me desenvolvi como uma administradora de escola, em termos de supervisão. As minhas aulas de orientação educacional, eu tinha um programa seríssimo, eu entrava. Nós tinhamos cinco classes por série, então, eu viajava, eu que comecei a fazer os primeiros estudos do meio do Lourenço Castanho, eu viajava com 150 alunos. Pra mim 120 era o número mínimo de alunos que eu viajava. Então, eu vivi experiências muito ricas e passei pelo processo de profissionalização do Lourenço Castanho. Porque era assim, todo mundo muito amigo, então vai tomar whisky na casa da Marilu, faz o planejamento à noite, só que vai chegando uma hora, a escola vai crescer. E a escola cresceu muito depressa, ela foi um sucesso durante muitos anos. E aí, elas chamaram uma consultoria. E começou a história porque uma das nossas companheiras, a Heda, que é amigona minha, que eu tenho a maior admiração até hoje que era a diretora contratada da Escola Infantil. Ela dizia assim: “Até o dia que nós matamos uma secretária, aí tomou-se providência”. Porque como era aquela administração doméstica, então era assim, a faxineira que era boa virava secretária, a secretária que era boa, virava a mulher da gráfica, não existe profissionalização. Até o dia que uma das secretárias morreu e a gente brincou que a gente tinha dado, brincou não, ela teve uma problema do coração porque a gente tinha dado a ela uma carga maior do que ela podia carregar. E aí, em função de uma série de coisas e começou a profissionalização da escola. Eu acompanhei esse processo de profissionalização. Isso, pra minha vida profissional também foi o máximo, que era mandar as secretárias fazer curso de como se atende telefone, porque hoje é a coisa mais normal, naquela época não tinha essas coisas. A importância do porteiro na porta da escola. Eu me lembro de ter ido a uma dessas conferências e eles diziam assim: “A pessoa mais importante da escola é o porteiro porque é ele que conhece todos os pais e faz a ligação com as famílias”. Então, o porteiro era um ser importante na nossa vida. Eu constituí grandes amizades que eu cultivo até hoje. E é muito interessante porque eu sempre fui a diretora, e eu tenho um grupo de professoras, as professoras que eu dirigi durante todos esses anos, a gente ainda almoça junto uma vez por mês, religiosamente. Porque nós realmente nos constituímos como um grupo, porque éramos todos meninas, e aí foi muito divertido quando a gente começou a envelhecer e começavam a aparecer as primeiras... Não dá pra falar tudo, né? Os primeiros sinais de envelhecimento, as mais velhas davam conselhos pras mais novas. Porque quando a gente viajava com esses alunos, se você viaja com 150 alunos, você viaja com uma tropa de 12 professores, e era uma grande farra, uma grande farra, a gente se divertia muito.

P/1 – Celia, eu vou voltar um pouquinho. Você começou a trabalhar na escola como estágio?

R – Não, nem fiz estágio. Eu comecei a trabalhar, eu fiz um mês de estágio e já peguei um lugar de assistente no final do ano, outubro, novembro, dezembro. De uma professora que depois veio a ser minha sócia na Escola Viva, olha que interessante. E no ano seguinte eu já ganhei classe, o que aliás, causou um certo incômodo, o que eu estou acostumada na minha vida profissional, porque até essa pessoa que tinha me levado pra trabalhar lá continuava assistente e eu ganhei uma classe. Eu acho que elas devem ter percebido alguma coisa que podia ser um bom futuro pra elas, tanto que eu cheguei a Diretora e as outras não chegaram. Acho que já devia ter algum diferencial que elas tiveram a perspicácia de perceber e eu a sorte de cair nas mãos delas (risos). Então, logo no primeiro ano eu já ganhei uma classe, e aí no segundo ano, como professora, era o ano que precisava de uma professora pra abrir o primeiro quarto ano,

abrir a classe era a grande responsabilidade. Porque naquela época não tinha Ginásio ainda, ainda era separado o Fundamental. E eu fui a escolhida para abrir o quarto ano e eu dei aula os três anos no quarto ano e depois já foi meu período de licença e eu voltei pra direção da escola.

P/1 – Vamos voltar um pouquinho pra esse período em que você foi professora. Nessa fase você dava todas as matérias pra quarta série? Como é que era isso?

R – No primeiro ano dava todas as matérias, depois a gente percebeu que quando tinha duas classes a gente podia fazer uma troca, quem gostava mais de Matemática ficava com Matemática, quem gostava mais de Português ficava com Português. No começo todo mundo dava aula de tudo, mas a gente tinha os nossos assessores que ensinavam a gente a dar aula. Porque você imagina que na escola que eu estudei, ela era absolutamente tradicional, você decorava as coisas e não sabia nem porque. Eu não canso de dar exemplo da subtração que era assim, “nove para cinco não dá”, você não sabe porque não dá, “vai um”, você também não sabe de onde vem, aí você põe um pontinho aqui, que você não sabia o que era, completamente decorado. Eu fui entender que tinha uma coisa que chamava centena, dezena, unidade, que você pegava o ábaco e passava daqui pra lá, com meus assessores de Matemática. Eu fui ensinada a pensar, raciocinar, quando eu virei professora, ninguém me ensinou a pensar na minha escola. Esta é a grande preocupação que eu tenho, então, quando eu escrevo e dou um texto meu pra corrigir, a professora fala pra mim: “Ninguém te ensinou que isso é assim e assim?” “Não, ninguém me ensinou” “Mas você sempre faz os mesmos erros?” “Eu fui ensinada”. Eu fui aprender a pensar, raciocinar, pensar, dar valor a certas coisas, como professora. E eu devo essa formação a meus assessores, que era o Zé Luís de Português e o Benedito, de Matemática.

P/1 – Você nos falou que a escola tinha uma coisa de formação para com os professores. Que tipo de formação eles davam?

R – Todo tipo de curso, em termos pedagógicos. Teve uma época que eram os Junguianos que iam lá, então, iam Nairo Vargas, a Iraci Galiás, Carlos Byington, Lacas. Primeiro aqueles homens maravilhosos, lindíssimos, inteligentéééérrrimos, a gente achava aquilo o má-xi-mo, ne? E a gente passava a manhã inteira em uma imersão, e aqueles homens falando aquelas coisas maravilhosas, entendeu? E a gente babando. Fora isso tinham os pedagogos. Você vê que os pedagogos marcaram pouco a minha vida, né? Porque na verdade, no Lourenço Castanho, a minha função principal, logo no começo, eu nunca fui uma coordenadora pedagógica, eu sempre fui uma diretora educacional, uma educadora. Essa coisa de ver o quadradinho, se o professor preencheu o planejamento, nunca foi a minha função. Lá no Lourenço Castanho a gente tinha uma coordenadora pedagógica. Eu não sou formada em Pedagogia, sou formada em História! Essa é a minha primeira formação. E a minha formação em trabalho foi uma formação de educadora, orientadora educacional, esse é o meu forte. E o meu forte é nas relações com as pessoas, com os pais. Isso eu acho que eu puxei muito do meu pai, sabe? A minha família tem essa característica, os meus irmãos também são assim, a gente intimiza logo com as pessoas, a gente cria um clima. E eu acho que isso dá aos pais uma segurança. Porque você imagina, quando eu comecei a ser diretora, os pais eram mais velhos que eu, então, você precisava ter toda uma postura. Mas naquela época eu tinha menos jogo de cintura, menos traquejo, mas eu tinha mais teoria, talvez. Depois, a teoria se impregna em você de uma tal forma que você já não sabe mais o que é, o que não é, você não precisa mais fazer citação. Porque aquilo já incorporou no seu dia a dia. Então, eu brinco com as meninas, que assim, quando eu comecei a trabalhar os pais eram mais velhos, no auge da minha vida que era aos 40 anos, que você tá no auge de tudo, os pais tinham a mesma idade que eu, e aí é uma grande farra porque eu encontro com eles hoje, e eles viraram grandes amigos meus, até uns viraram paquera, entendeu? E depois essa fase de que os pais são muito mais jovens que eu porque eles tem a idade dos meus filhos, né? E aí, eu acho que tem uma transformação muito interessante na Educação, que eu acho que os pais de hoje precisam de uma pessoa mais velha que deem segurança pra eles, porque eles não tem a mesma segurança. Eu acho que o mundo de hoje é um mundo cheio de dúvidas, com muitas opções e muita diversidade, então, você ter uma pessoa com autoridade pra falar sobre um assunto te dá uma segurança muito grande. E eu acho que na época que eu comecei a ser diretora o que era certo era certo pra todo mundo, o que era errado, era errado pra todo mundo. As dúvidas não eram tão grandes, então, isso também facilitava o manejo da situação. Agora essa coisa do investimento, então, o que elas faziam? Elas faziam muitas palestras e logo começaram esses congressos das escolas particulares onde vinha assim, Edgar Morin, Antoni Zabala, Cesar Coll, eram pessoas que a gente convivia todos os anos, ou pelo menos de dois em dois anos. Eram pessoas que traziam coisas de fora, os franceses, agora não vou lembrar, além do Edgar Morin tinha outro francês, e aí, tinha a introdução da informática, tava passando por uma transformação. E muita orientação em termos de como olhar para o aluno, o Ivy Delatai, que era a coisa da harmonia entre as relações, esqueci agora a teoria dele. Então, você tinha cursos e cursos, além do congresso do grupo, por exemplo, o Grupo Pitágoras, que na época não era isso que é hoje, era uma escola como o Lourenço Castanho, era uma super escola em Minas Gerais. Eles faziam congresso em Minas Gerais e lá íamos nós pra Minas Gerais. Tinha congresso no Paraná, a gente ia pro Paraná. Elas pagavam tudo pra gente. Eu me lembro que eu fui apresentar um trabalho, aliás um trabalho muito interessante porque nessa época eu fazia terapia com o Nairo Vargas, que é um Junguiano e eu frequentava os encontros dos Junguianos que eu não sei se vocês já ouviram falar, se chama Moitará, e num desses anos que eu fui ao Moitará tinha um trabalho sobre as passagens, as tradições indígenas, os ritos de passagem. E aí, eu percebi que na nossa cultura não tem ritos de passagem mais, e que estava acontecendo cada vez menos. Então, mesmo na minha época, pra você, era a meia curta, que você passava da meia curta pra meia comprida, os meninos passavam da calça curta pra calça comprida. Nessa época já não tava mais tendo essas coisas, mesmo os grandes ritos do casamento, a primeira comunhão, esses ritos estavam perdendo esse valor. Então, eu desenvolvi um trabalho maravilhoso com Carlos Byington e com o Marcos Calia, que não sei se vocês conhecem, é um analista junguiano. Nós criamos um rito de passagem que eu até hoje uso um pouquinho alguma parte nessa escola, que era a passagem pro Fundamental I pro Fundamental II, era um trabalho belíssimo, belíssimo, que a gente fazia com os alunos, com os pais e que eu fui apresentar em um congresso em Punta Del Este. Era assim, “Eu tive a ideia de fazer isso” “Quanto você precisa?”. Quantas horas eu preciso do Carlos Byington, quantas horas eu preciso do Marcos Calia. Esse projeto a gente desenvolveu à noite na minha casa porque era todo mundo super ocupado. Então, a gente tinha essa riqueza, que eu, como dona de escola, já não proporcionei tanto aos meus professores, porque aí veio a fase das vacas magras. Porque aí, todas as escolas resolveram ser tudo, né? Então assim, o Logus que era um excelente colegial resolveu ser tudo, dançou. Aquela da Maria Nadir que era uma excelente escola infantil resolveu ter tudo, dançou. Aí, abriu um bando de escola, não tinha cliente pra todo mundo, as escolas começaram a não ter o dinheiro que elas tinham. E aí, esse é o grande drama que eu vejo na Educação hoje, ninguém investe em formação.

P/1 – Você ficou quanto tempo no Lourenço Castanho?

R – Trinta anos. Eu entrei em 1970, “solteirinha da silva”, menina, e saí de lá em 2000.

P/1 – Eu queria que você falasse um pouquinho como se deu a sua promoção pra diretora.

R – Olha, quando eu voltei da minha licença maternidade do meu segundo filho, eu fui ser assistente das minhas diretoras no Fundamental dois com a Silvinha e a Marilu. E eu acho que foi por desempenho, não tem outra explicação. E eu acho que elas queriam aumentar o quadro porque a escola estava crescendo muito, o tipo de atendimento que a gente dava pros outros alunos era bastante individualizado, então, tinha um foco muito grande. Cada uma de nós trabalhava no máximo com 150 alunos no começo, eu acho que eu fui convidada por desempenho, não era por formação, acho que pelo meu desempenho como professora, e acho que pela lida, não tem outra explicação pra dar pra isso.

P/1 – Quando você assume a direção, qual foi o grande desafio que você percebeu na época?

R – Olha, eu tive que estudar muito, muito, muito, muuito. O meu aprendizado foi feito com umbigo no fogão, mesmo. E eu acho que isso foi um upgrade na minha vida profissional incrível, incrível. Eu tive que dar uma sustentação teórica para minha atuação. Porque como orientadora educacional você tem um papel na vida das pessoas que muitas vezes nem a gente se dá conta, você entra na história das famílias. E você tem intervenções que são importantíssimas na vida de uma criança. Então, eu fui procurar subsídios teóricos, fora essa supervisão que a gente já tinha na escola, eu tive muita supervisão com a Iraci Galiás, e com a Alícia Fernandes que é uma grande educadora argentina que vinha pra cá de dois em dois meses e ela fazia uma semana de imersão. Uma semana não, eram sexta e segunda. E isto o Lourenço Castanho abria, porque nesses dois dias eu não ia trabalhar, eu fazia imersão pra aprender. E no caso da Alícia Fernández tinha um aprendizado teórico e muita vivência. E essas vivências é que faziam com que a gente tivesse esse jogo de cintura pra lidar com os alunos. Agora, pra mim a cereja da minha vida profissional são as minhas aulas de orientação educacional.

P/1 – Explica um pouquinho como são essas aulas de orientação educacional? Você trabalha com os professores, é isso?

R – Nãooo. Com alunos. Tem um programa por série. Por exemplo, na quinta série, que é o sexto ano, é a passagem, então, tinha todo esse rito de passagem que eu começava a fazer nos primeiros dias de aula. A gente fazia uma semana introdutória que a gente chamava, onde todos os professores ficavam conectados naquela passagem, explicando o que cada matéria queria, tinha todo esse trabalho que era fantastico, as crianças escolhiam um símbolo, muitas vezes era um animal, alguma coisa, que ia acompanhá-los nessa trajetória, era uma coisa belíssima. A gente fazia uma passagem do prédio do Primário pro prédio do Ginásio, tinha uma queima de algumas coisas lá porque o fogo é a renovação. Belíssimo. A gente fazia um percurso a pé do prédio do Primário pro prédio do Ginásio, tinha a entrada especial, também tinha todo um trabalho, tinha uma mandala. No sexto ano era muito esse trabalho da passagem, a gente trabalhava muito como estudar, como era essa relação com todos esses professores, eles faziam trabalho de avaliação dos professores, a gente tinha essa avaliação formal dos professores. E aí, tinha os trabalhos por série, eu trabalhava muito as funções estruturantes que eram a amizade, o humor, a raiva, a inveja, mostrando pra eles que tudo tem os dois lados, que o amor também tem o lado destrutivo e o lado criativo, assim como a raiva. A gente passava filme, discutia os filmes com eles, depois tinha a parte das drogas. Eu fiz milhões de cursos com o professor Oliver Stein que vinha do hospital de Marmottan, em Paris, milhões de cursos com o Laranjeiras, o Dartil que é um parceiro fantástico que tem um trabalho na Unifesp maravilhoso, que tem uma abordagem diferente do Laranjeiras. Tudo isso eu aprendi lá, eu dava aula, trabalhava com os meninos. As aulas que eu brinco, que eu dei até o ano passado, que esse ano tiraram, que é sexo, drogas e rock n´roll, e isso também faz com que eu tenha uma ligação incrível com as crianças porque eu tinha o meu kit sexo, as minhas aulas eram famosas, eu me divertia. Agora, eu tive supervisão durante muitos anos pra fazer isso, não é brincadeira, não posso fazer como as freiras do Pio XII, né? (risos). E eu me divirto muito até hoje, até semana passada eu dei essa aula no quinto ano. Agora não tem mais, lá na escola acabou. Por exemplo, tinha a criação do grêmio, os representantes de classe, quando tinha eleição, a gente fazia os debates, simulação da votação, tinha uma coisa de consciência que você desenvolvia, você estava formando ser humano ali. Porque o conteúdo, minha filha, qualquer internet te dá, você precisa ter a massa pra enformar. Então, pra mim, isso é a aula do meu trabalho.

P/1 – Eu queria que você falasse um pouquinho do trabalho de métodos pedagógicos, se você trabalhou com métodos pedagógicos diferentes?

R – Trabalhei. Nos primeiros anos do meu exercício da função de diretora eu fiquei muito concentrada na minha parte de orientadora educacional e nós tinhamos uma pedagoga. E nós tinhamos grandes paus, eu e ela, sempre tivemos. Porque eu sempre tive uma visão de Educação, não sei se posso dizer mais humanista, sei lá. Que tipo de livro a gente vai ler, que tipo de coisa a gente vai cobrar na prova, o que é importante para um cara aprender. E aí teve uma mudança, essa coordenadora pedagógica foi trabalhar no Ensino Médio do Lourenço Castanho e veio uma outra pedagoga trabalhar conosco e foi a época dos espanhóis. Acho que foi na época dos espanhóis que também nas escolas teve a junção do pedagógico com o educacional. Então, era a coisa do aprendizado significativo, do construtivismo, essa grande transformação. O Lourenço Castanho sempre foi uma escola renovada, tanto que ele chama Escola Nova, de escola renovada. Ele já começa com a proposta construtivista Piagetiana, da construção, do desenvolvimento do raciocínio. Foi uma evolução dentro do mesmo tipo de prática, eu nunca trabalhei em uma escola tradicional, nunca, não faz o meu estilo. E é claro que a influência dos espanhóis, a coisa dos projetos. Eu nunca trabalhei com projetos porque a gente percebeu que os projetos, você se fixava em um assunto e o resto ficava, então, tinha alguns projetos interdisciplinares. A grande renovação em termos de planejamento eu fiz como dona de escola, na Escola Viva.

P/2 – A Viva que é no Itaim?

R – Na Vila Olímpia. Porque aí, quando eu já estava na Lourenço Castanho há 30 anos, as minhas amigas do segundo escalão começaram a se dispersar, uma morreu. Foi o primeiro choque na nossa estrutura, sabe

como se tivesse quebrado um elo? Nós eramos aquela fortaleza, de repente parece que o elo quebrou. Uma foi morar na Itália, a outra parou de trabalhar. Bom, nós éramos cinco, ficamos em duas. E aí, não era mais a minha turma. Então, vinha um terceiro escalão que já não vem no mesmo nível de desenvolvimento que o teu. Tudo bem, acho que tinha grandes energias, grandes coisas pra dar, mas elas estavam no nível das minhas orientadoras que eu orientava. E aí, chega uma hora que você quer mais e eu fui chamada pra dar uma consultoria na Escola Viva, que elas tinham uma tradição imensa e fantástica em termos de educação infantil, elas tinham aberto o Fundamental um, elas queriam ir para o Fundamental dois, mas elas não tinham nenhuma experiência de Fundamental, e a minha experiência toda é praticamente no Fundamental. Então, elas me convidaram pra dar consultoria. No que eu comecei a dar consultoria pra elas, aí começou o namoro e elas me convidaram pra ser sócia da escola. E eu acabei saindo do Lourenço Castanho, não mudei de emprego, eu realmente saí porque ia ser sócia da escola. Aí, eu tive um problema sério com uma das sócias, que até faleceu, porque quando eu fui pra lá ela teve um câncer e ficou péssima, ela tomava doses cavalares de quimioterapia, e você sabe que a quimioterapia tem um efeito de cocaína muitas vezes. E ela era sócia fundadora, nós chegamos em um impasse na sociedade e eu saí. Mas eu mantenho excelentes relações com todas as outras sócias. E aí, eu saí do Lourenço Castanho e fui montar o Fundamental dois da Escola Viva, eu fiquei lá quatro anos, o tempo suficiente pra montar e fortalecer o Fundamental um, e eu tenho isso na minha história de vida. Quando eu entrei pra ser diretora no Lourenço Castanho, nós tinhamos praticamente quatro classes não muito cheias de alunos. Quando eu entrei pra direção no ano seguinte nós tivemos que abrir a quinta classe, só não abrimos mais porque não tinha espaço físico, estourando com 30, 31 alunos. E quando eu fui pra Escola Viva, foi uma coisa que eu nunca vi na minha vida acontecer o que aconteceu em quatro anos. Nós crescemos 3500 por cento em quatro anos, quando eu entrei lá a Escola Infantil tinha trezentos alunos, quando eu saí de lá tinha seiscentos alunos. Então, como tinha uma Escola Infantil muito forte, ela alimentou rapidamente porque eu cheguei dando consistência para o projeto pedagógico e a hora que os pais percebem isso, aí a escola bomba, né?

P/1 – Você nos disse há pouco que o grande trabalho revolucionário que você fez nessa questão pedagógica foi quando você vai pra Escola Viva.

R – Na verdade porque lá eu era a sócia que, como a Mariângela estava afastada, era eu e eu. Então, o que eu consegui dos meus sócios capitalistas? Primeiro, que eles pagassem os melhores salários de mercado pros professores, e o meu parâmetro era o Lourenço Castanho que era uma escola que pagava maravilhosamente bem. Outra coisa, eu consegui uma verba pra montar o Fundamental dois, que significava eu ter dez horas por semana de reunião com todos os professores durante seis meses antes de abrir a escola. E nós trabalhávamos em um planejamento integrado, então, eu tinha uma professora de Português que é a coisa mais fantástica do mundo, uma mulher de uma cultura inacreditável que conversava com meu professor de Música que era completamente enlouquecido, e aí, de repente, eles puxavam uma poesia de Drummond que juntava com uma música do Adoniran e que ia fazer liga com não sei mais o quê, que a professora de Artes fazia, aquilo era um vôo total. E até hoje continua esse planejamento integrado. O que a gente tinha? A gente tinha um grande tema por série, e deste grande tema a gente ia afunilando para as matérias e o que cada matéria iria trabalhar fazendo uma integração entre as áreas. Agora, isso custa muito dinheiro. Quer dizer, eu fiquei seis meses trabalhando esse planejamento, e a hora que você monta o planejamento pra frente você começa a mexer no planejamento daqui de trás, porque aqui atrás é que começa a coisa. Eu sei onde preciso chegar, se eu não começar a trabalhar daqui não adianta. Então, a gente acabou fazendo uma grande transformação no planejamento desde o segundo ano até o nono ano que seria hoje, com os assessores, um trabalho super consistente. E a gente tinha lá na Escola Viva um horário de permanência também. Nesse horário de permanência a gente tinha esse possibilidade de fazer esses trabalhos integrados, por exemplo, a recuperação não precisava ser de História, Geografia... se fazia um projeto, o cara tinha que aprender a ler, escrever e interpretar. Tinha uma margem de dinheiro (risos). Você tinha possibilidade de realizar, quando você tem um professor contratado só pra trabalhar naquelas horas que ele entra na sala de aula e vai embora é muito mais restritivo. E acabou ficando um pouco a realidade de todas as escolas porque, infelizmente, não deu pra todos, entendeu? E aí, quando eu fui pra Escola Viva, eu acho que foi uma experiência muito interessante pra mim porque eu já tinha sido professora, diretora e agora eu era dona. Eu sentei de todos os lados da mesa, então, isso me dá uma vivência profissional. Eu sei quando um professor vem me pedir um dinheiro pra fazer um projeto, eu não olho só como dona da escola, eu olho como aquela professora que teve aquela ideia fantástica, que quer fazer aquele projeto e precisa de uma verba. Tem um diferencial no olhar que você carrega, quando você fez parte de todos os segmentos. Porque é como ser pai e mãe, você só vai poder explicar o que é ser mãe pra alguém que é, não dá pra você explicar diferente. Tem algumas experiências na vida que se você não viveu, é muito difícil você transpor. E eu acho que uma outra coisa que acrescentou muito, que me ajudou muito na minha vida e fez também a coisa rolar, foi esse lado administrativo que eu desenvolvi tanto no Lourenço Castanho, que era conhecer as regras de contratação. Agora, a coisa mais importante que eu tenho dentro de mim é a valorização do professor. A valorização do professor é a coisa que eu vivi isso, eu aprendi isso dentro do Lourenço Castanho, eu vivi isso como dona de escola. Uma escola só vai dar certo se tiver uma valorização do profissional. Eu sei quanto uma escola precisa empregar em uma folha de faturamento pra ser uma escola que vai investir no profissional. Porque o discurso pode ser muito bonito, mas na hora que o professor fecha a porta da classe é ele que está lá dentro. Por isso que eu sinto pena, eu sinto tristeza das escolas hoje não poderem investir hoje como elas investiam na formação.

P/1 – Você está trazendo um lado de relacionamento muito integrado na sua narrativa. Eu queria entender um pouquinho, quando você assume a direção da escola lá no Lourenço Castanho, como você exercia a sua autoridade? Porque quando a gente fala de diretor, professor, você tem uma hierarquia e tem uma relação, por, “poder”, ou uma relação desigual, e você traz muito uma narrativa de integração. Eu queria entender um pouquinho como você lidava com sua autoridade?

R – Eu acho que esse foi o grande exercício democrático da minha vida profissional, as nossas decisões eram decisões de colegiado, não existia um autoritarismo. E mesmo com os alunos é a relação que você constitui com eles que faz com que você tenha autoridade. Não é o berrar, o dar castigo, o dar bronca. É claro que tem esse lado também, mas é a relação de respeito que você estabelece. Eu acho assim, com os meus professores, eu dirigi uma equipe com 58 profissionais, era uma relação de respeito. Eu não gosto de trabalhar com ninguém que saiba menos que eu, essa é uma característica e foi uma divergência que eu tive com a minha sócia na Escola Viva. Porque tem gente que gosta de contratar sempre gente mais meia boca porque aí você brilha mais, né? Eu não, eu gosto de gente que acrescente, eu não tenho o menor medo de dirigir uma equipe competente. Aliás, na Escola Viva eu tinha um bando de homens, aqueles garotões todos bonitões, aquele bando de homem naquela sala enorrrmeee, e eu ficava: “Por acaso vocês acham que eu estou com algum medo desse bando de macho sentado no fundo da classe?”. Sempre foi uma relação, não sei se fraternidade é o termo, acho que é respeito pelo conhecimento deles, e eles sempre tiveram um respeito pela minha capacidade de gestão. E eu sou boa nisso, eu não sou modesta, eu acho que tem coisas que eu faço muito bem. E eu acho que uma das coisas que eu faço melhor é a minha relação com os meus alunos, isso é o orgulho da minha vida profissional. Você imagina a quantidade de alunos que já passou por mim? E quando eu encontro com eles hoje, ou quando encontro com os pais e eles falam assim: “Aquela frase que você falou pra mim mudou a minha vida”. Você acha que eu vou lembrar qual é? E eu penso, “Meu Deus do céu, tomara que tenha sido uma coisa boa, né?” porque nessa altura do campeonato, quantas mil frases eu falei? É claro que eu não agradei a todos o tempo todo, é claro que nem todos os professores acharam que eu era tudo isso. E os que não achavam eu ia trabalhar em outro lugar porque eu não trabalho com quem não gosta de mim e com quem eu não gosto. O primeiro princípio pra mim é competência, eu não contrato professor simpático, eu contrato professor competente. “Ah, mas ela é tão boazinha” “A minha cozinheira também é, mas eu tô precisando de professores de Português”. Esse sempre foi um princípio. Então, eu acho que o que regia as nossas relações era o respeito pelo conhecimento e habilidade de cada um. Eu acho que a gente se respeitava nesse sentido. E eu tenho lembranças muito boas. Agora, também acho que era uma época muito diferente, eu sinto uma diferença bastante grande.

P/1 – Por que, Celia?

R – Eu acho que hoje em dia as equipes são muito mais competitivas... Ah, não dá. Eu acho que é diferente. Eu acho que antes as pessoas tinham um ideal comum, hoje elas tem um ideal próprio. E eu acho que isso é muito complicado dentro de uma instituição. É claro que todo mundo tem o mesmo ideal, só que o discurso é diferente da prática. E eu não estou falando isso pela escola que estou falando agora, acho que é pelo mundo que a gente vive. As pessoas encaram a vida de uma maneira diferente de como a gente encarava a um tempo atrás. Eu acho essa a grande perda, o espírito de equipe, a solidariedade, o respeito pelo conhecimento que o outro agrega. O olhar pro outro acreditando que ele tem alguma contribuição pra te dar, o fato de você usufruir do conhecimento do outro não significar que você é menos competente por causa disso, mas é porque você tem uma abertura pra olhar. A gente brincava muito no Lourenço Castanho, eu vivia dizendo isso pros meu professores, e depois na Escola Viva: “Olha, existe vida inteligente fora daqui”. Porque acho que as pessoas se fecham, acho que esse é o grande perigo das instituições, qualquer uma que seja, você se fecha e é claro que todo mundo acha que faz o melhor que sabe, porque eu parto do princípio que as pessoas são honestas, só que elas precisam olhar pra fora. E quando você pega uma equipe muito jovem e com nenhuma experiência em outras escolas, elas não conhecem o mundo. Então, eu acho que essa diferença de vivência é uma coisa que hoje é muito diferente.

P/1 – Eu queria retomar uma coisa, Celia, que você fala que você se formou estudando, na verdade você era uma historiadora que virou uma educadora. E quem é que te marcou, se a gente for pegar essa questão da teoria, você fala que os pedagogos não te marcaram tanto. Quem foram os teóricos que mais te marcaram e por que?

R – Ah, eu acho que Freud e Jung. Willicot, Melanie Klein, quer dizer, a turma da psicologia, da pedagogia. É claro que tem Piaget, Vigostski, é claro que eles tiveram um papel preponderante na minha formação. Então, é que eles também não são apenas educadores, todos tem essa linha. Mas acho que... Sabe o que é? Eu parto do seguinte princípio, qualquer ser humano que estiver bem, ele vai aprender em qualquer lugar do mundo. Então, você precisa cuidar do ser da pessoa, o resto é consequência. No nosso nível sócio-cultural, em que as crianças nasceram bem queridas, amadas, bem alimentadas, não tem ninguém que não possa aprender, você só precisa dar o ambiente adequado pra que isso aconteça. Você não pode acabar com a curiosidade, o interesse do aluno, que eu acho que a escola acaba muitas vezes fazendo com essa formalização.

P/1 – Essa rigidez.

R – É isso, isso que me dá aflição.

P/1 – E da equipe que você trabalhou, teve algum professor que te marcou muito, Celia? Até a Escola Viva?

R – Na Lourenço Castanho. Grandes professores. A Celia Rovai, que foi minha professora de Português durante anos no Lourenço Castanho, e foi comigo pra Escola Viva, essa é uma pessoa incrível. A Rosali, que foi a minha professora de Jornal durante muito tempo, que pra mim era a matéria mais importante que tinha na escola (risos), que abria a cabeça das crianças com as discussões, com a formação do grêmio, com os debates políticos, uma discussão de ideologia mesmo. Olha, eu seria injusta se eu citasse o nome das pessoas, eu tive grandes professores comigo, grandes professores. O Greguer foi um professor de História que me marcou muito, a Betânia, como professora de Artes, a Isa como professora de Teatro, o Marcos, é infindável. Porque vou dizer uma coisa pra você, eu nunca trabalhei com professor meia-boca, não. Nunca trabalhei, não durava um ano na minha coordenação. Esse era um lema da minha escola também. A gente tem que dar excelência pela excelência do profissional e o primeiro compromisso é com o a-lu-no. Essa foi uma divergência que eu tive com a Mariângela quando eu fui pra Escola Viva e foi um dos motivos da minha saída da sociedade. Ela tinha algumas professoras que tinham sido muito solidárias a ela quando ela teve o câncer, e esse era o critério pra permanecerem na escola. E pra mim isso não é critério, pra mim critério é competência, o meu compromisso é com o aluno, com a criança, com o pai que confia em mim. Então, eu posso até dar um outro cargo, vai ser bibliotecário, sei lá, vai fazer um trabalho de não sei o quê, mas não vai ser professor.

P/1 – Você saindo da Escola Viva, pra onde você foi?

R – A minha saída da Escola Viva, como ela foi uma coisa repentina, foi muito interessante porque eu tive mil ofertas de trabalho, e é muito gostoso. Nem eu achava que eu tinha esse reconhecimento no mercado. E eu fui contatada por algumas escolas para eu dirigir que eu não aceitei, ou porque não chegaram no meu salário, ou porque eram escolonas, eu nunca dirigir redes. E na verdade, eu achei que eu não fosse mais ficar no ramo da Educação, eu achei que eu fosse trabalhar no Terceiro Setor. Porque tem um lado da minha vida, que eu falei e é importantíssimo, e eu também exerci na minha época do Lourenço Castanho. Esse meu lado político ficou adormecido até um pouquinho antes do governo Montoro, quando o meu ex-marido fez parte do governo Montoro. Aí, tchi, meus filhos já estavam mais criadinhos... Sabe aquela fase dos 40, que você é você? Aí, eu reencontrei essa turma toda na Política, o Serra, Saiad, os Mendonça de Barros que eram meus colegas de carro que iam pro Santa Cruz comigo. E aí, de novo, tchi, aquela coisa política. E eu vivi intensamente como mulher e como diretora de escola também, a coisa do fim da ditadura, Diretas Já, fui pra praça com meus alunos de ônibus, saindo do Lourenço Castanho. Tudo o que você possa imaginar a gente fez, e depois o impeachment do Collor, fiz parte de tudo isso. E já separada, porque eu me separei com 41, 42 anos e aí, a minha vida profissional também fez assim, porque daí você descola daquele ser que foi importantíssimo na minha vida, vivi 23 anos, fui super feliz, tive dois filhos, maravilha. Aproveitei, minha filha. Aí, o que aconteceu? Começou a me incomodar a situação da escola pública, a escola pública é um desespero na minha vida. Aí, um dia, lendo um artigo do Gilberto Dimenstein que escrevia naquelas colunas na Folha de São Paulo, ele falava alguma coisa do Rio de Janeiro e falava: “Por que a Firjan não faz alguma coisa pela Educação?”. Eu falei: “A-ha”. Nessa época o Carlos Eduardo Moreira Ferreira era Presidente da Fiesp, ele é grande amigo, irmão da minha amiga Marta Eira, que foi diretora do Lourenço Castanho comigo. Eu falei, eu vou lá. E fiz um projeto, que era um projeto de parceria empresa-escola pública. E levei pro Carlos Eduardo, ele me deu o nome de um diretor, não me lembro o primeiro nome dele, o segundo nome era Barbante, e esse senhor me atendeu. Fui lá na Fiesp muito metida, apresentei o projeto, e eles demoraram muito responder, não me responderam. E a Margarida, que era uma mãe do Lourenço Castanho, que era também uma idealista como eu, tava trabalhando com um grupo de empresários que era uma cisão da Fiesp, que naquela época era o pensamento nacional das bases empresariais, que era a turma do Emerson Capaz, Oded Grajew, Guilherme Leal, que é o vice da Marina, essa turma de homens maravilhosos. Lá fui e levei o meu projeto, eles acharam aquilo o máximo e nós fundamos um grupo de educação, e lá então nós começamos a desenvolver esse projeto de parceria empresa-escola pública. E o nosso grupo era o Guilherme Leal da Natura, do Jayme Garfinkel, da Porto Seguro, o Ricardo Young, que era o candidado a Senador da Marina, o Oded Grajew que vinha e voltava, mas esses três eram os mais fortes. E era eu, a Cibele Mauro e a Constança Vieira que era o grupo de Educação. Tinha alguns que entravam e saíam, mas o forte era esse grupo, e nós então desenvolvemos esse projeto de parceria empresa-escola pública, fizemos um movimento, fomos pra Brasília, fomos conversar com o Governador, fizemos tudo o que podíamos, o Sindicato, uma barbaridade o que a gente descobriu, enfim. E naquela época a gente não conseguiu por em funcionamento, criamos um instituto, foram anos de luta pela educação pública. E esse projeto

hoje virou o projeto dos Parceiros da Educação, que é do Jair Ribeiro, da Ana Maria Diniz. E outro dia, inclusive, eu fui homenageada lá porque o Jayme Garfinkel, que é considerado o pai do projeto, então, ele me levou lá pra apresentar a mãe do projeto que sou eu (risos). Então, quando eu saí da Escola Viva, eu achei que era pra lá, que eu ia tomar esse rumo na minha vida, porque tem uma coisa em mim que quer fazer. Mas aí, os meus filhos acharam que eu tinha uma expertise que eu não podia desperdiçar, que pararã, pararã, todas essas coisas. Eu inclusive já tinha até acertado, iria trabalhar um período na Fundação Iochpe, que eu já tinha prestado serviço enquando diretora no Lourenço, a Evelyn Iochpe tinha me convidado pra trabalhar com ela, e eu ia trabalhar com o Ricardo Young com um projeto que ele tinha lá no Yázigi, que era Educação para o Mundo. Quando eu recebi um convite pra ser consultora da rede Pentágono, que não é uma escola que tem características parecidas comigo, não é uma escola que eu iria dirigir, eu já tinha recebido convite de uma outra cadeia que eu não tinha aceito. Mas ali no caso, a Nancy Izzo, que é a dona do Pentágono, ela é uma figura incrível. E o meu trabalho era ficar sentada do lado dela, na sala dela, nos primeiros meses, dando palpite em tudo que eu achava que devia mudar. Você quer emprego melhor que esse? (risos). Ela me dava um [super] salário pra eu ficar sentada dizendo: “Esse pátio está um horror, tem que trocar” “Essa coordenadora não pode” “Com o que você está pagando pra essas professoras, olha o tingimento do cabelo dela”. Era desse nível. Não vai dar, você não pode querer que a moça... E fiz uma pequena revolução lá dentro nesse sentido. Veio pra trabalhar comigo uma pessoa que é uma competência, que é a Maria Eduarda, Cacai, nem sei o sobrenome dela, que é uma moça que vem de consultoria, formada em Harvard, todas essas capacitações que eu não tenho, e nós fazíamos uma dupla fantástica. Ela, na verdade, queria comprar uma escola. Ela acabou vindo lá, sendo financeiro, nós acabamos trabalhando juntas. Hoje ela é dona de uma escola bilingue que se chama (Beacon?), que é aqui do lado. Então, nós trabalhamos lá, eu como consultora, nessa farra que era. Reformei o pátio, você não sabe o pátio que eu fiz naquela escola infantil, uma coisa fantástica, com pedagogo junto com artista, com arquiteto. Então, subia por aqui, caía por ali. Bom, incrível. E aí, eu fiquei, refiz tudo. Mas era assim, era um horário de trabalho como sempre, nunca trabalhei nem muito mais, só quando eu fui dona de escola, aí você se mata, uma desgraça. O funcionário mais barato que tem é a sócia minoritária (risos). E aí, começou o meu namoro com a Guida. Porque a Márcia, que era a diretora que me antecedeu dizia: “Tem que ser a Celia”. A gente conversava e a Guida não chegava nos finalmentes. Porque a escola, naquele momento, estava depauperada, vocês viram. Em junho a gente teve a primeira conversa. E foi engraçado porque eu nunca tinha procurado emprego na minha vida, então, no primeiro dia que eu fui fazer entrevista foi no Pueri Domus, com a Fernanda. Ela me chamou pra fazer uma entrevista lá e eu entrei na escola. No dia seguinte São Paulo sabia que eu tinha sido entrevistada. Como? Porque a irmã de um professor meu, que trabalhava no Pueri Domus me viu dentro da escola, então, já ligou no Lourenço Castanho, que já ligou na Viva, sabe aquelas coisas. Aí, uma amiga minha que é headhunter falou: “Filhinha, você não pode entrar nas escolas, você é uma pessoa que tem uma história dentro da Educação, haverá sempre um professor que já te viu na vida”. E aí, eu comecei a fazer as entrevistas fora da escola. Então, a Guida ia na minha casa pra gente conversar. E essa casa também tem uma história ligada à escola, porque quando eu me separei fiquei morando com meus filhos na minha casa, quando meus filhos saíram de casa, eu morava em uma casa grande e aí ficou aquela casona só pra mim, sem pensão, sem nada, meu bem, vai fazer o quê da vida? Sendo diretora de escola? Precisamos vender a escola. Pois tá bom, pus a casa pra vender, só que justamente na época que eu vendi na casa, foi quando eu entrei na sociedade da Escola Viva, então, precisava de dinheiro pra entrar na sociedade. Então, eu acabei saindo de uma casa grande, com piscina, jardim, tudo, indo para um apartamento relativamente pequeno, perto do que eu estava acostumada. Mas aí todo mundo: “Você não vai acostumar!”. Bom, aí acostuma, porque você acostuma com tudo na vida. Então, até na minha moradia a minha história de educadora interferiu porque eu precisei usar o dinheiro pra entrar na sociedade. Aí, quando o dinheiro voltou, eu falei: “Agora também não vou mudar mais”. Então, já desviei do assunto, nem sei mais onde a gente está (risos), porque eu vou me entusiasmando, minha filha. Quer dizer, quando eu achei que eu fosse mudar de ramo, eu acabo voltando pra Educação, porque a Guida entrou num acordo comigo e eu fui, acertei com ela. Eu me lembro que o primeiro dia que eu fui lá era Dia dos Professores, pra fazer minha primeira visita oficial. E eu comecei a trabalhar lá no comecinho de novembro.

P/1 – De dois mil e...

R – Dois mil e quatro. Nesse ano de 2004 eu tinha ficado nessa escola dando consultoria, o que foi muito divertido, foi uma experiência muito gratificante. E você quer que eu fale do meu percurso lá dentro?

P/1 – Você conhecia a Márcia de onde?

R – A Márcia era da minha turma, daquela turma dos congressos que a gente se conhecia. Ela era uma das coordenadoras do Galileu Galilei e trabalhou com a Ecleide Furlaneto que também saiu do Galileu e veio ser a nossa coordenadora pedagógica no Lourenço Castanho, foi uma pessoa que teve muita influência na minha vida pedagógica. Na junção do educacional com o pedagógico, a Ecleide foi uma pessoa muito importante. Quando o Galileu tava naquela crise, a Márcia veio conversar comigo no Lourenço Castanho, tentando ver se tinha uma colocação pra ela no Lourenço Castanho. E no fim acabou não coincidindo e ela foi pra Escola Cidade Jardim, nessa mesma época. Então, a gente se conhecia assim, dos congressos, de ouvir falar. Nessa época a Lourenço Castanho era uma escola que tinha muita projeção, ela foi uma escola de ponta durante muitos anos com uma clientela inteligentíssima que depois foi mudando. Na época que meus filhos estudavam lá, eu adorava chamar os pais pra entrevista, aqueles jornalistas maravilhosos, inteligentíssimos, nossa, era o máximo. Tinha uns que eu falava: “Esse eu vou chamar. Tomara que o filho apronte” (risos). É, eram pessoas muito interessantes, era uma clientela realmente... Sabe profissionais liberais, jornalistas riquíssimos com ideias fantásticas. Aí, depois que a Vila Nova foi virando aquele horror que virou foi mudando a clientela, foi mudando a clientela e começa a mudar tudo. Eu

conheci a Márcia nessa ocasião, a gente se cruzava por aí, eu nem achava que ela achava que eu era tudo isso, porque também eu não sabia que eu era, que eu tinha esse nome tão respeitado. Eu acho que eu fiz uma carreira que merece respeito, mas a gente nunca sabe, né, se a gente conseguiu uma projeção em outros meios. E a gente acertou e eu fui pra Escola Cidade Jardim. Eu me lembro da minha primeira entrevista com o mister French. Porque a equipe já estava lá, mister French tinha chegado seis meses antes que eu. A Gabriela e a Daniela, a Daniela Leonardi nem era coordenadora nessa época, era a Silmara e a Guida, e a Márcia ainda tava lá. E já tinha esse diferencial da minha experiência, eu tenho de experência o que eles tem de idade, quase. E aí, foi um grande desafio, um graaande desafio porque eu já tinha vivido esse desafio na Escola Viva também, na formação do Fundamental de lá que quando eu cheguei lá era uma escola que não tinha vivido a experiência do Fundamental, tinha muita coisa pra ser feita, né? E aqui eu cheguei no auge da crise, e no auge da crise e com uma coisa que eu acho que eu posso dizer pra vocês porque era dito publicamente, que a alma da Márcia já tinha saído da escola, ela tinha já pensado em sair da escola quando começou a crise. Então, meio que quando mister French e eu chegamos lá nós pegamos uma escola em formação, o material pedagógico era apostilado, imagina se em uma escola do nosso nível de hoje nós podemos ter material apostilado? O meu primeiro embate quando eu cheguei e vi aquilo, falei: “Guida, não dá”. E a Guida me deu duzentos por cento de carta branca. E nesse ponto... A única coisa foi que a gente teve alguns pequenos embates na hora de demitir alguns professores. Eu tive que usar um pouco mais de pressão porque tinha essa coisa que vocês viram lá, né? Aquela comoção, entendeu? E aí, no primeiro ano que eu estive lá eu praticamente contratei todos os professores novos de Fundamental I, eu fiquei só com duas professoras antigas e no ano seguinte eu troquei o quadro de professores do Fundamental II.

P/2 – Deixa só eu perguntar uma coisa. Nesse namoro com a Guida, como foi você optar por entrar em uma escola bilingue, que era diferente do que você...

R – Eu nem sabia o que era.

P/2 – O que te fez optar em ir pra lá?

R – Ah, eu acho que o novo desafio porque era uma escola bilingue, não era uma escola internacional, quer dizer, era uma coisa que eu poderia... A Márcia me deixou bem claro que era exercer a minha competência naquilo que eu sabia fazer porque eu ia dirigir o currículo de Português, e era uma grande desafio e um novo aprendizado. Eu estou sempre aberta e acho que foi uma coisa que enriqueceu muito a minha vivência porque era uma coisa que eu nunca tinha ouvido falar. Eu sou da turma que a muitos anos atrás era contra o bilinguismo, então, eu acho que se renovar. Claro que isso foi mudando durante os anos, mas eu gosto de aprender.

P/1 – Celia, você falou da sua primeira conversa com o mister French. Como é que foi isso? Porque na verdade vocês são parceiros dentro, são dois diretores...

R – Ele é uma pessoa muito interessante. Ele queria um pouco testar os meus conhecimentos, o que eu acho do Vigotski, do Construtivismo. Nessa altura da minha vida eu tenho discurso pra tudo, né? (risos). E a minha brincadeira com ele é sempre: “Lyle, qualquer coisa a gente responde, eu quero ver na prática como funciona o negócio, não adianta ficar preenchendo quadradinho” (risos). Teoria, nem que eu não tivesse, pego o livro, leio antes de ir pra entrevista, chego lá.

P/1 – Papel aceita tudo.

R – Não é? Cansei de falar isso pra ele, papel aceita tudo, vai lá olhar o que tá acontecendo. Então, sempre foi esse lado dele de querer as coisas todas organizadas, como é a frase dele? Ele sempre tem umas, esqueci a palavra, negação essa. Muito nesse sentido de testar a minha competência. E eu me lembro que naquele dia eu falei pra Guida o seguinte: “Você está procurando uma coordenadora ou uma diretora?”. Porque é completamente diferente, porque se você está procurando uma coordenadora, você precisa arrumar uma diretora, eu falei pra ela (risos). E na verdade, por que eu não sou uma coordenadora pedagógica, entendeu? Por exemplo, esse papel que a Gabriela faz, não é o meu papel, não é esse... É assim, eu sei como eu quero, e o que eu quero, então, se tá tendo número de aulas práticas do jeito que eu acho que tem que ser, o tipo de vivência. Agora, se o professor, aquele caderninho, planejamento, como ele vai dar os indicadores, essas coisas burocráticas, eu sou um horror para isso, eu sou um horror, eu tenho que reconhecer. Eu sou um horror, eu sou a antítese do mister French, então, eu acho que a gente até se complementa nesse aspecto. Porque, por exemplo, quando eu cheguei lá, essa coisa de indicadores... Gennnte... não sabia nada disso, não entendia nada. Eu falei: “Vocês vão ter que me explicar”. E aí, quando um professor fica com muita dúvida eu falo: “Vai conversar com ele, que ele te explica”. Porque tem umas coisas que não é do meu... Qualquer coisa que você faça muito forçado, porque não é uma coisa que eu preciso aprender, é claro que eu sei pra que serve, eu sei analisar um indicador pra ver se está certo ou errado. Agora, ficar entrando no sistema pra ver se o professor colocou cinco atividades pra cada, eu não vou fazer porque se ele quiser, ele vai por um numerinho lá, eu não sei se ele fez ou não. Eu não sou esse tipo de diretora. Então, talvez, o bom relacionamento que eu tenho com a minha equipe vai da confiança que eu deposito neles porque eu fui criada assim pelas minhas outras chefes, mesmo pela Guida. Porque quanto mais confiança a pessoa deposita em você, mais responsabilidade você tem. E eu aprendi isso na minha vida. Então, eu não sou aquela diretora que fica cobrando, tanto que eu falo pra eles: “Gente, agora vocês vão fazer o planejamento que eu preciso mostrar pra diretora nova”. Eu acho que é um pouco isso.

P/1 – Quando você chega no PlayPen eles já estavam nesse prédio novo?

R – Já estavam nesse prédio novo, com pouquíssimos alunos, com aquele material pedagógico que eu falei. Inclusive eu tive que fazer uma reunião com o cara da Pitágoras, explicar pra ele, e ele queria convencer que as escolas... Estava eu e a Guida, então: “Você me diga o nome de uma escola do nosso nível que usa material Pitágoras porque eu não conheço. O nosso nível de escola não usa”. E claro que convenci ele, a Guida e todo mundo, e mudei o material. Então, eu cheguei na escola já fazendo mexidas no horário, por exemplo, porque o mister French tava muito espaçoso, porque ele chegou seis meses antes de mim, eu falei: “Pode parar, eu preciso de x aulas, disso”. Eu introduzi as aulas de orientação educacional, que pra mim é tudo de bom. O trabalho de assembléias no Fundamental um. A assembléia que eles tinham era uma assembléia bem americana, e assembléia pra mim era outra coisa, a gente começou a divergir, eu falei, “não vou mais fazer esse tipo de coisa”. Essa coisa de vai lá, hastea a bandeira, canta o hino nacional, to fora. Assembléia pra mim é sentar em círculo na classe e discutir os problemas, é diálogo, democracia. Não é assim, vou lá na frente porque sete de setembro... To fora. E no fim essas assembléias acabaram morrendo. A Gabriela encampou o projeto das assembléias, a Gabriela é muito boa pra essas coisas. E aí, eu contratei essas professoras novas, todas com experiência. Naquele momento eu acumulava todas as funções, eu era coordenadora, diretora, orientadora educacional, tudo. E o que eu falei pra Guida foi o seguinte: “Eu preciso de assessores, uma professora que vem da Móbile, uma que vem da Viva, uma da Lourenço Castanho, uma da Magno, se eu não tiver uma linha de conduta cada uma vai fazer o que ela quer na sala de aula e eu não vou dar conta de ver tudo”. Principalmente o Fundamental dois com treze professores. E eu contratei essa equipe de assessores que começou comigo, alguns são os mesmos até hoje, o que era também uma dificuldade porque a gente não tinha dinheiro, quer dizer, completamente diferente das realidades que eu vinha. Era uma realidade sem dinheiro, eu tive que conseguir profissionais competentes com pouco dinheiro, e a gente conseguiu fazer um trabalho. E no primeiro ano que eu cheguei o Fundamental dois... Gente, vocês não sabem o que era, tinha meia dúzia de alunos por classe, quatro eram bolsistas e os outros dois eram crianças com problemas seríssimos de atitude. E aí, eu fiz uma reunião com cada família. “Vai mudar, daqui pra frente é assim”. E eu fiz um trabalho muito grande junto a Guida e ela me ouviu. Porque ela dava bolsa pra umas pessoas que só faltavam bater nela, falar mal da escola, entendeu? Eu falei: “Gente, o que é isso? Eu nunca vi”. No primeiro ano eu passei um rastelo lá e mandei 12 alunos embora do Fundamental dois, tinha logo 24, então, você imagina. A Gabriela disse na reunião nossa, quando chegamos naquele prédio tinha 40 e poucos alunos, né? No ano que eu dirigi nós já tinhamos 90 ou 110 alunos. E uma outra coisa, eu não sei nem se a Guida tem essa consciência, mas eu tenho, que uma coisa que eu acho que eu levei pra ela da minha experiência é o fortalecimento da escola infantil. Porque na cabeça dela era assim, a gente tem o Infantil, tudo bem, mas as outras escolas infantis bilingues alimentam a gente. E não é verdade, e a minha experiência na Escola Viva me mostrou isso, você fideliza o cliente na escola infantil, o cliente que você ganha na escola infantil você não perde mais. Se você tiver um Fundamental forte que justifique a permanência na escola, é aqui embaixo que você fideliza. Porque se ele vai pra uma outra escola infantil, ele pode mudar o percurso dele, e não é bom pra gente, é bom você trabalhar com quem você cria do jeito que você quer. Então, isso também acho que foi uma participação importante que eu tive. Eu não sei nem te dizer como, as coisas foram acontecendo que a escola cresceu desse jeito. É um monte de trabalho, um monte de coisa. Aí, um ano depois que eu tava na escola eu convidei a Gabriela pra ser a coordenadora, ela veio me ajudar no Fundamental um, e depois, por uma série de motivos, a gente fez uma divisão de trabalhos, eu me concentrei mais no Fundamental dois que tava precisando de mais energia, porque depois de quatro ano você já formata aquilo que você quer. Então, nos dois últimos anos eu fiquei mais direcionada ao Fundamental dois, não que antes eu não tivesse, mas eu já tinha uma equipe, a mesma equipe praticamente.

P/1 – O Fundamental dois vai até que ano?

R –É a antiga oitava série, o nono ano. Isso é a nomenclatura que a gente usa porque não existe isso em escola, Fundamental é Fundamental.

P/1 – Qual foi o desafio de trabalhar em uma escola bilíngue? Pensando nessa questão de ser diretora de uma escola.

R – Pra mim, o grande desafio foi mostrar na prática que uma escola bilingue é tão forte como uma escola monolingüe. Então, o meu primeiro objetivo foi fortalecer o currículo de Português. Antes até em pensar em integração, porque assim: “Ah, a escola é bilingue, mas o Português é fraco”. Não é fraco, muito pelo contrário, o Português tem que ser o orgulho dessa escola. E as escolas que eu dirigi sempre tiveram o Português muito forte, porque eu não acredito em outra coisa que seja diferente que ler, escrever, interpretar e raciocinar. E um planejamento de História, Geografia e Ciências voltado pra realidade, pra justiça social, pra responsabilidade. Essa é o meu conceito de Educação, e foi isso que eu trouxe pra essa escola. Então, em um primeiro momento, o bilinguismo era uma consequência, o que nós começamos a fazer, mister French e eu, foi a integração de currículo através, inclusive, da Matemática e da Ciências, com nossos assessores. O que eu não dou conta de ensinar no Português, o mister French vai ensinar no Inglês. Como eu posso ampliar o que eu ofereço aos meus alunos através do currículo de inglês. Porque na verdade, até o terceiro ano, quando as crianças ainda não tem o domínio do idioma, você não sabe se ele não aprendeu a Matemática ou o Inglês. Então, no currículo de Português, eu tenho que garantir todos os conceitos de uma escola básica, o que eu ofereço no inglês é um aprofundamento. Por exemplo, o que hoje fica muito claro na Matemática é assim, eu trabalho Geometria e Álgebra e ele trabalha Desenho Geométrico, então, hoje a gente já tem uma divisão que vai se estabelecendo muito nesse sentido. Mas na verdade, por sermos uma escola brasileira bilíngue, o currículo de Português é que tem que garantir tudo, esse é o meu drama.

P/1 – Na verdade, o que você está nos dizendo, deixa só ver se eu entendi. A sua visão de uma escola bilíngue é que todo aprendizado do aluno tem que ser garantido na Língua Portuguesa, e que o Inglês vai te trazer um reforço, um aprofundamento no sentido da aprendizagem da própria língua.

R – Não, eu acho que é injusto isso, porque eu acho que a partir do momento que o inglês desenvolve a Língua Inglesa, ele está desenvolvendo a Língua Portuguesa também. A gente percebe claramente que uma criança que lê e escreve bem em Português, ela lê e escreve bem em Inglês. Essa transferência de experiências é fantástica e agrega muito valor. Eu to falando de conteúdos epistemológicos específicos de determinadas matérias. Por exemplo, História e Geografia são dadas apenas em Português na nossa escola, eu preciso garantir o mínimo de algumas coisas. Ciências não, Ciências e Matemática é onde se dá uma integração entre as matérias realmente, o mister French dá uma parte, eu dou a outra.

P/2 – Não tem Geografia em inglês?

R – Não tem.

P/2 – E uma questão legal, não tem também?

R – Então, eu tenho que cumprir o currículo, eu não sou uma escola internacional, portanto eu tenho os meus parâmetros de MEC. É responsabilidade. Por que? Porque a nossa clientela, por ser noventa e nove vírgula nove por cento brasileira, ela quer ir pra escola brasileira quando ela sai. Então, a minha responsabilidade é essa, eu tenho que colocar essas crianças nas outras escolas. Não é que eu faço um planejamento pensando nisso, mas eu também tenho que pensar nisso, entendeu?

P/1 – E quando você fala que o seu grande drama está aí, por que Celia?

R – Porque a minha carga horária é diminuta, eu não tenho a mesma carga horária de uma escola brasileira. Então, eu tenho que dar conta de tudo o que eu tenho que dar em uma carga horária menor, esse é o grande desafio da escola bilíngue. E confiar que uma parte do que eu não estou ensinando... Porque quando você fala da Língua Inglesa e da Língua Portuguesa, eu acho que isso é o máximo, inclusive eu acho que nós agregamos ao ensino de algumas coisas da Língua Portuguesa, nós agregamos algumas coisas da escola americana e da escola inglesa, e foi o máximo na hora de fazer redação. Tem um monte de coisa que a gente fez troca em termos de procedimento. Então, a integração não pode ser do conteúdo, tem que ser em termos de procedimento. Como a gente ensina a escrever, como a gente vai ensinar a pensar, a trabalhar em grupo, a fazer pesquisa. Então, em algumas matérias o procedimento... Porque a escrita é um procedimento, então, em algumas matérias a integração é no procedimento, em algumas matérias, que é mais Matemática e Ciências, é no conteúdo acadêmico.

P/1 – Celia, quando você nos contou que logo no seu primeiro ano, você demite um número de professores significativo.

R – Alguns foram, nem sei se foram demitidos, alguns nem voltaram. Sabe aquela coisa? Muda a direção também. Ficou uma coisa meio vaga, sim. Eu sei que eu fiquei com duas professoras, a do primeiro e a do terceiro ano. Eu contratei a do segundo ano, a Isabela ficou, aí a do quarto e a do quinto ano, contratei três professoras novas e fiquei com duas, não era tudo isso. E no ano seguinte eu troquei os professores de História, Geografia e Ciências. E trouxe já no primeiro ano, porque isso pra mim era condição básica, eu diminuí a carga horária da professora de Português que está lá até hoje no oitavo e no nono ano, e trouxe uma professora da minha equipe comigo, pro sexto e pro sétimo ano, que era a nossa assessora. Então, era assim, o Greg era o professor de História, também era nosso assessor, a Lilian era professora de Português, também era nossa assessora, a Gesli era a única que não era professora, ela era só assessora, e o Ruben, que era nosso assessor de Matemática, também não era professor.

P/1 – E qual é o papel do assessor dentro da estrutura escolar?

R – Importantíssimo. O assessor cuida da linha pedagógica desde a escola infantil até o final, o que cada um vai estudar em cada ano e como vai estudar, que é o mais importante. Então, como uma criança de segundo ano tem que aprender determinadas operações pra chegar no sétimo e estar com aquilo preparado. Um professor de sétimo ano, de oitavo ano, quando ele corrige uma prova, ele avalia a professora do terceiro. O papel do assessor é muito no como ensinar, como você fazer o seu aluno progredir, que tipo de estratégias você usa pra fazer ele pensar melhor, desenvolver o raciocínio, até porque as professoras vem de uma formação mais tradicional, e elas tem que começar a entender que as pessoas pensar de jeitos diferentes, que vários caminhos conduzem ao mesmo fim.

P/2 – O assessor e o coordenador pedagógico...

R – Trabalham juntos. O coordenador pedagógico tem que fazer a junção. O coordenador pedagógico tem que ver a adequação daquilo para aquela faixa etária. Normalmente o assessor é um professor especialista.

P/2 – Ele é ligado a uma área específica?

R – Ele é ligado à Matemática, ele vai te ensinar como você desenvolve pro cara aprender fração direito. Agora, em que série vai dar fração, é junto com a coordenadora que ele vai resolver. O como ele vai fazer o texto de História, se ele está adequado àquela idade, ou não, é a coordenadora pedagógica que vê. O assessor vê que o conteúdo esteja correto, isso é seríssimo, principalmente em Ciências. Essa coisa de chamar tomate de legumes, e não é. Eu não sei, mas tem esse monte de bobagens que a gente fala e que não pode falar na aula de Ciências. Então, o assessor cuida do rigor conceitual da matéria, e principalmente do como ensinar. Por exemplo, uma boa assessora de Português, ela tem que ensinar a professora a como corrigir um texto sem você interferir, mas você fazendo intervenções que levem ao progresso do aluno. Que tipo de pergunta você faz pro aluno quando ele escreveu só um parágrafo a respeito do desenvolvimento.

P/1 – Você disse que quando chegou era tudo apostilado e você acaba com isso e traz todo o material pedagógico. Você introduziu o quê?

R – Na verdade os livros. Porque eu também aprendi uma outra coisa na vida, eu já fui da época que a escola produzia material, só que isso era na época que a escola era rica. Quando a escola é rica, ela pode produzir material, quando ela não tem dinheiro, é melhor ela adotar um bom livro didático, que alguém já pensou anos há respeito do assunto, que você ficar xerocando livro desonestamente. Então, o que eu fiz? Quando eu cheguei lá em novembro eu já tinha contatado os meus assessores, e eu, a bem da verdade, eu trouxe a minha experiência das outras escolas. Eu adotei os livros que eu usava nas outras escolas, que eram livros já comprovados, testados, e que depois até passaram por uma transformação. No começo eu adotei só Português e Matemática, e aí é claro que quando você tem tantos anos de profissão como eu tenho, como eu tinha quando eu vim pra escola, o que você não sabe, você liga pra alguém que sabe e pergunta. O Antonio é o diretor da Mobile, meu grande comparsa, eu troco figurinha toda hora com ele, ou com qualquer outro diretor, na turma do Lourenço Castanho: “Silvia, o que está usando agora?”. “Pego o Imenes ainda?” “O Imenes você sabe como é que é, é um livro muito aberto, o professor precisa fechar. Se você vai ter assessor tudo bem, sem consultor não dá pra adotar o Imenes”. Todas essas coisas, eu não tenho vergonha de perguntar, não, acho que faz parte da vida poder perguntar.

P/1 – Quando você traz a proposta da coordenação, pra Gabriela assumir a coordenação, na verdade você sugere uma nova estrutura organizacional pra escola, como é que a Guida levou?

R – Essa ideia já existia. Desde que entrou lá a Gabriela quis ser coordenadora. Ela entrou pra ser coordenadora. Só que quando ela entrou a Márcia estava saindo e eu chegando. E a Guida deu o direito da diretora ver se ela queria trabalhar com aquela coordenadora. Porque se a Gabriela não tivesse o pensamento consonante com o meu, ela não poderia trabalhar comigo. Se eu penso uma coisa de Educação e ela pensa outra não vai dar certo. Então, nesse primeiro ano nós pudemos ver as nossas convergências e a ter as nossas pequenas divergências, e o que era possível e o que não era possível. E eu cheguei a conclusão que era absolutamente possível porque eu acho que nós temos uma consonância, Gabriela e eu, em termos de Educação. A gente pensa Educação muito parecido.

P/1 – E ela ficou como coordenadora do Fundamental um. E do Fundamental dois você contratou alguém de mercado?

R – Não, eu que acumulo tudo, é que tem muito pouco aluno. Outra coisa que eu introduzi nessa escola, que também não tinha, foram os eventos, que todo ano tem um evento que você chama os pais, que eu acho que é uma coisa importantíssima. Então, é claro que os eventos, alguns mudaram, não são mais os que eu trouxe, alguns estão voltando a ser o que era. O primeiro ano é escola, daí você traz todos os pais pra falar da escola, aí, eles trazem as fotos e descobrem que um foi colega do outro. No segundo ano tem uma coisa muito ligada a família, que é um pouco o desenvolvimento da criança, aí tem um pouco da coisa da identidade da família. Terceiro ano a gente fala um pouco da São Paulo antiga, dos avós, então, vem os avós falar das brincadeiras de rua, tem um pouco daquilo que você me perguntou. No quarto ano, no começo era um almoço das ascendências, então, cada família trazia um prato da sua ascendência e a gente fazia um almoço, mas agora com o número de alunos que tem a gente faz um lanche. E no quinto ano é esse trabalho um pouco que eu faço da transição, que é um rito de passagem, que eu faço um desenho com as crianças e depois com os pais, que assim eles imaginam o mundo infantil e o mundo adulto, e aqui tem um grande oceano que é a época que eles vão viver. E eles tem que escolher um meio de transporte, o que eles vão levar com eles, quem vai com eles, quem não vai, como vai estar o tempo no caminho. E aí, é muito interessante porque você vê o nível de maturidade das crianças, aqueles que fazem um barcão grandão, cheio de janelinha, é aquele que tá achando que vai ser uma tranquilidade, que ele vai ter um transatlântico, e aquele que está mais na real faz aquela canoinha, com aquele mar. E é muito interessante que alguns levam a família, outros largam a família aqui e depois vão encontrar lá. É lindo, esse é um princípio do trabalho, depois tinha desdobramentos que agora... Porque com a introdução do alemão acabaram as aulas de orientação educacional.

P/1 – O que aconteceu? Você falava que trabalhava com uma carga horária muito pequena e quando entra o alemão o que acontece?

R – Quando entra o alemão você tem que tirar algumas matérias, e aí teve uma grande discussão, uma grande briga entre o mister French e eu. No começo eu ganhei, eu perdi duas aulas de Ciências e ele perdeu duas aulas de Social Studies, História e Geografia em inglês. E aí, entraram as quatro aulas de alemão. E no outro ano, que foi esse ano, o mister French reclamou que ele não podia ter o mesmo número de aulas de inglês do que o número de aulas de alemão, que ele precisava de uma aula a mais pra ter pelo menos cinco aulas de inglês. E aí, a aula que foi considerada menos importante foi a aula de orientação.

P/1 – E essa decisão é tomada...

R – Pela Guida. Nós três, na verdade, só que foi dois a um. E aí, de educadora você passa a bedel.

P/1 – Por que?

R – Porque você não tem espaço de formação, se você não tem espaço pra educar, você fica dando bronca o dia inteiro nas crianças, e eu não faço isso.

P/2 – Porque teve essa vontade de começar com alemão?

R – Porque a Guida tem relacionamentos com a Alemanha e o governo alemão escolheu mil escolas no mundo, doze escolas no Brasil e duas em São Paulo que desse aula de alemão. Mas o objetivo deles é que mais tarde as crianças façam faculdade lá. A nossa escola é a única que não tem Ensino Médio. E acho que o entendimento da Guida é que ela tá dando aos alunos outras oportunidades, outras escolhas, entendeu? Nada contra o alemão se ele não tirasse coisas tão importantes do currículo. Então, a gente teve que fazer uma escolha. Uma escolha modo de dizer, né? É quase como a escola de Sofia, né? Mas é um pouco isso. Quando você tem em uma escola bilingue, cinco aulas de Português, cinco de Inglês e quatro de Alemão. Então, você imagina que eu tenho que dar conta do conteúdo de Língua Portuguesa, Gramática, Ortografia, Literatura, Texto, em cinco aulas. E depois eu tenho que colocar as crianças no Santa Cruz, na Mobile, porque ninguém quer ir pra outra escola. Eu tive a lista de aprovação da Móbile saiu sexta-feira, cem por cento de aprovação. Desde que eu estou nessa escola eu tenho oitenta por cento de aprovação no Santa, cem por cento na Móbile, cem por cento no Gracinha, no Vera e no Bandeirantes. Então, é um trabalho de Hércules.

P/1 – E me diz uma coisa, Celia. Olhando pra esses seis anos que você está na escola, o que você considera a sua principal realização?

R – Renascimento da escola. Tanto que naquela reunião que a gente fez naquele dia, eu fiquei bastante incomodada, aliás já falei pra Guida, e ela também ficou, disse que ia conversar com vocês. Primeiro que só foram chamadas pessoas de uma fase da escola, absolutamente tendencioso, acho um horror isso. A escola começou na mão da Ana Maria Machado que foi uma diretora maravilhosa e que deu um... Nasceu essa escola. E outra coisa que eu achei horrível, e não iria falar por motivos óbvios, naquele momento, é que a escola ficou na depressão. E cadê a recuperação? Cadê o renascimento dessa escola? Cadê a recuperação? Não foi esse termo que eu usei, nem recuperação...

P/1 – Na verdade foi o crescimento da escola.

R – Gente, aquilo é Fênix, ressurgiu das cinzas essa escola, de uma forma absolutamente fantástica, que nem nós acreditamos no tamanho do trabalho que a gente realizou. É fênix. E eu acho que o trabalho lá ficou num momento de depressão. Gente, vamos sair daí, desse movimento, tem a recuperação, tem o retorno. Não foi essa a palavra que eu usei, agora não me ocorre, porque foi muito mais adequada pro momento. Não pode a escola ficar presa naquela depressão, ela não acabou, ela ressurgiu das cinzas como nunca. A escola está bombando de aluno, a Guida tá com um problema seríssimo que estamos sem instalação pro ano que vem. Nós temos filas e filas de alunos querendo entrar na escola e nós vamos ficar falando da depressão? Gente, vamos sair disso. Então, esse foi o grande trabalho que eu fiz, eu e o mister French, é que o mister French teve a cara de pau de falar, eu não tive, porque a antecessora dele não estava lá e é mais fácil ele falar. Aliás, acabaram com ela. Eu acho que a gente pegou a escola em um momento de crise, eu não estou julgando o trabalho de ninguém que veio antes. A gente pegou uma crise, o trabalho que era feito antes também não era esse.

P/1 – E foi uma crise estrutural na verdade...

R – Uma crise...

P/2 – Quando você entrou já eram dois diretores, você e mister French. Antes de você era também?

R – Era, eram a Márcia e a Silmara. Então, pra mim, eu sou fênix dessa escola, essa é a imagem que eu tenho, entendeu?

P/1 – Qual que você acha que foi a mudança mais significativa que ocorreu na escola? Estou falando tanto em termos pedagógicos como estruturais.

R – Olha, primeiro a introdução das aulas de formação, que eu não sei se tinha antes. Isso pra mim é a coisa mais importante. Segundo, acho que é o fortalecimento do currículo de Português, não tenho a menor dúvida disso. E essa outra coisa que eu comecei a falar e acabei me perdendo. A introdução desse tipo de evento e introdução do estudo do meio. Essa escola não sabia o que era estudo do meio. “Então, vamos fazer um estudo do meio?”

Os professores: “Ah?”. Esse foi um dos motivos que eu troquei os professores de História, Geografia e Ciências, não dava pra começar do zero, né, meu bem? A escola custa bastante, os pais querem... O cliente do século 21 não é o cliente do Lourenço Castanho em 1965, então, aquela casinha que começou atrás, nanana, que foi abrindo, não existe mais isso. A oportunidade que eu tive em me formar como serviço eu não tive oportunidade de dar como dono de escola, porque a minha consciência social não me permite, a demanda hoje é muito maior. O nível de exigência da clientela é muito maior e eu tenho que me adequar a esse nível. Então, eu nem sei se a escola que eu faço é a escola que a Guida mais gosta, porque eu acho que eu tenho um nível de exigência alto, eu sou uma pessoa muito exigente. E eu acho que essa é a característica do meu trabalho.

P/1 – E como é que você vê a formação dos professores na PlayPen, isso existe? (risos).

R – Olha, eu acho que tem duas horas e quinze de reunião por semana. Eu acho que a Guida teve uma fala na nossa reunião que é a coisa dos projetos sociais, que eu sempre tive nas outras escolas. Não deu tempo da gente fazer tudo, gente, não deu tempo. Eu acho que a gente pegou uma escola saindo de uma crise muito profunda, e numa crise que não era só uma crise de credibilidade, era uma crise financeira. Porque se você perdeu a credibilidade e está cheio de dinheiro, você faz um monte de coisa, eu acho que a Guida investe muito nesse sentido. Eu acho que os assessores que ela paga, e ela tá melhorando o nível cada vez mais, eu acho que é um investimento, e eu acho que até me contratar, e contratar o mister French foi um grande investimento dela, eu tenho certo isso. Ela é uma mulher de cabeça, ela investiu no que ela podia investir naquele momento, e através da gente ela ganha essa outra formação que ela não pode dar em loco no dia a dia, com essa quantidade de cursos, ou congressos, ou palestras, ela contrata quem já tem um pouco de know-how e a gente transmite isso pros professores. Ela é uma mulher extremamente competente e inteligente, ela não dá ponto sem nó, eu acho que esse é o grande ganho dela, por isso que quando a Márcia fala, “tem que ser a Celia, tem que ser a Celia”, principalmente porque eu trago uma experiência do Fundamental dois que é o segmento mais difícil de dirigir na escola. Porque o Fundamental um, tudo criancinha, no Ensino Médio já sabem o que querem, já estão com o foco na faculdade. Aqui no meio que eles não sabem o que eles são ainda, é a grande travessia. É a descoberta da identidade, você não sabe o que vai ser, você não sabe se você vai ser alto, baixo, gordo, magro, se o seu peito vai crescer, se não vai crescer, 300 mil dúvidas você tem na sua vida nesse momento. Então, esse é o segmento mais complicado da escola. Então, eu acho que a gente investe nesse sentido, entendeu? Acho até que tem um movimento muito grande, até um desejo da Gabriela de dar mais o que a gente conseguiu dar, eu acho que ela até consegue fazer alguma coisa, mas a gente teve, que infelizmente, focar muito no pedagógico nos primeiros anos. Agora, como nos primeiros anos, eu que fazia a orientação educacional e eu tinha uma reunião por semana com as minhas professoras, também é uma maneira de você fazer formação, você trabalha em cima do caso do aluno, e deste caso você sai do particular pro geral. Então, a formação, eu acho que de dois anos pra cá, esse trabalho ficou prejudicado por conta do crescimento da escola e do não crescimento da estrutura. Eu acho que esses dois últimos anos precisa ficar esperto.

P/1 – E qual foi a maior dificuldade que você encontrou na PlayPen?

R – Olha, quando eu construí a Escola Viva eu ganhei um cartão de uma amiga minha, que eu até trouxe, que era assim, “Não sabendo que era impossível, foi lá e fez”. Eu acho que é um pouco essa a minha história. Eu acho que o que a gente conseguiu fazer, e não sou eu sozinha, eu acho que a minha equipe, eu trouxe uma equipe muito boa, muito boa. E o mister French e a Gabriela também agregaram muito. A Guida deu carta branca, e eu acho que o que a gente conseguiu fazer é ter uma excelente qualidade com pouco dinheiro. Porque é fácil ter qualidade com muito dinheiro.

P/1 – Como é a relação com os pais?

R – Bom, aí você fala no meu xodó, né? Eu acho que esse é um diferencial meu, sabe? Eu tenho excelentes relações com os pais, não com todos, sempre tem um que não gosta, você fala uma coisa e ele não tá preparado pra ouvir. Eu acho que a relação com os pais é bastante aberta, eu acho que se eu vou deixar alguma sabedoria pra essas meninas é muito isso. Porque acho que quando a gente é jovem, a gente é menos tolerante com reclamação, quando você fica mais velho, o que eu falo sempre é assim, “Olha por trás do que a mãe está falando” “Mas eu já olhei” “Mas olha por trás. Quando o barulho da torrada do marido começar a incomodar, não é a torrada”. É assim que eu falo pra elas, “vocês por favor, prestem atenção no barulho da torrada quando mastiga, porque não é a torrada”. Então, acho que esse foi o aprendizado que eu tive na minha vida, entendeu? De olhar, inclusive com as crianças. Por que esse choro agora? O que tem por trás de uma criança que chora em um estudo do meio? O que tem por trás de uma reclamação da mãe sobre a garagem, que é a coisa menos importante na escola, o que realmente está incomodando essa mãe, que ela não sabe, ela não percebeu. Ela vai reclamar da garagem porque ela quer reclamar de alguma coisa. Então, eu acho que a relação com os pais precisa desse cuidado, eu acho que você precisa aprender a ouvir, precisa dar tempo pro outro falar. O que não quer dizer que você vai admitir interferências, mas você vai ouvir. E uma reclamação pra mim já é o suficiente para eu olhar praquilo. Então, eu acho que este também é um diferencial da minha direção. Fica muito difícil eu dizer pra você como era antes porque eu não sei, eu sei dizer como é hoje, como foram esses seis anos que eu vivenciei nessa escola. Então, eu acho que desde que eu estou lá a gente vive nesse sistema, permitido pela Guida, porque sem autorização dela nada acontece, de abertura, deles poderem sentar e falar as coisas, e acho que ter essa preocupação de olhar o que está atrás. Isso pra mim é a coisa mais importante que tem quando você olha pro cliente. Tem alguma coisa que incomoda, ele não sabe o que é, como a criança, tem alguma coisa, ele tá com saudades da mãe, mas não posso falar isso na frente dos amigos, então, ele vai ter uma dor de barriga, uma dor de cabeça, porque daí ele vai ligar pra mãe e ver que remédio ele pode tomar. É essa lida que eu acho que é um diferencial em uma escola, e eu acho que a PlayPen fez isso. Acho que hoje em dia você precisa uma habilidade muito grande quando você conversa com os pais porque as pessoas estão muito pouco preparadas pra lidar com a frustração. Você tem que ter uma maneira de conduzir a situação pra você conseguir, às vezes você leva quase um ano e meio pra chegar aonde você quer. Isso foi outra coisa que eu aprendi com a idade, com a experiência, você não precisa acabar esse assunto nessa reunião, você poderá ter outras, se você tentar acabar nessa você vai perder.

P/1 – Celia, nessa sua experiência, eu queria que você falasse um pouquinho, não pela questão do pitoresco, mas em termos de aprendizado pra gente, qual foi o caso do aluno que te marcou mais, de você ter que lidar com a situação do aluno e dos pais dentro da escola? (risos).

R – Olha, eu tenho muita alegria de lembrar dos meus alunos, eu vejo muitos saltando felizes na minha frente. É claro que as crianças que eu guardo algumas lembranças mais detalhadas são os casos de inclusão, são aquelas crianças que necessitaram de uma ajuda especial, como é difícil trabalhar com inclusão no Brasil. Como a gente não tem subsídios pra isso. Eu sou extremamente emotiva, quer dizer, você incluir uma criança na escola pra depois excluir dentro é um drama. Na adolescência é dificílimo essa inclusão, essas crianças que, por exemplo, a filha da Ana Maria, aquilo pra mim é uma coisa de um tamanho que eu não consigo avaliar, eu não consigo ter a dimensão daquela menina, da força de vontade, e você até conseguir lidar um pouco com a revolta dessas situações, de alguns casos. Eu tive vários casos, várias síndromes, na minha história de educadora. Agora, são coisas que você... Eu me lembro do Dudu, não sei nem o nome dele, mas era o Dudu. O Dudu, poder encontrar esses meninos na universidade, eu tinha um aluno com Síndrome de la Tourette, que era uma síndrome super complicada, o cara se formou na GV. Sabe? São superações que eu não vou te dizer que teve um caso na minha vida, eu perdi alunos no meu percurso, alunos que morreram, essa é uma dor também [choro]. Eu brinco que eu tive as crianças órfãs que perderam a mãe durante o percurso, eu até brinco que dois desses pais viraram grandes amigos meus porque um era pai solteiro, o outro tinha ficado viúvo naquele momento, então, a gente cria uma ligação diferente com essas crianças, óbvio. Até hoje, quando encontro com elas na rua é aquela festa, tem muita emoção. Eu tenho muitos ex-alunos com filho lá na escola, tem professoras ex-alunas, então, acho que tem uma história de vida. Agora, eu me lembro que uma vez umas mães foram reclamar da aula de jornal, que hoje quando eu olho pra trás e vejo, nossa, no começo da minha carreira, eu acho que eu fui completamente inadequada porque eu não tive justamente essa coisa da escuta, do deixar. Essa coisa de você olhar um pouco pra trás e dizer: “Puxa, como eu poderia ter feito isso diferente”. Graças a Deus não foram muitas coisas, mas nessa escola mesmo, quando eu cheguei eu fiz uma interferência em um caso muito complicado, e o tiro saiu pela culatra de um jeito, minha filha, que foi uma das experiências mais traumáticas pra mim. E aí é um horror, porque você vai com a melhor das intenções, só que você sempre tem uma inabilidade nessa hora, você não soube conduzir a conversa pelo caminho, se você entra na sombra da família você tá perdida, tá perdida. E eu entrei, eu entrei assim com os dois pés na sombra dessa família, foi difícil, viu? E não acho que superou, não, acho que eles não gostam de mim até hoje. Eu, do meu lado, tenho essa sensação de sempr ter procurado fazer o melhor. E eu acho que eu sempre tive a humildade de, ao não saber fazer alguma coisa, procurar os meus supervisores. Eu sempre tive supervisão na época do Lourenço Castanho a gente tinha, na época da Escola Viva nós também tinhamos, e aqui nessa escola, que a gente não pode ter, eu já tenho o privilégio de poder ligar pra eles e falar: “Luís, to desesperada! O que eu faço com essa classe?”.

O doutor Luís Antonio Gonçalves que foi meu supervisor durante muitos anos e a Eda Canepa que foi minha colega de diretoria no Lourenço Castanho que é psicóloga e especialista em Educação que é uma gênia. Às vezes até os meus filhos ligam e falam: “Mãe, fulano tá se separando, a mulher falou isso...” “Caio, vou ligar pra tia Eda porque eu não sei direito como é que faz isso” (risos). Umas coisas que não dá, não sei resolver tudo. Então, eu acho que, por exemplo, ligar a televisão e ver um monte de aluno meu na televisão. Eu tenho um monte de aluno artista. Ontem eu fui assistir ao filme do Jabor, o Jaiminho foi meu aluno, aquele menino lindo e maravilhoso daquele jeito (risos), me lembrar de pequenininho, aquele mesmo cabelo cacheadinho, aquele olho arregalado que ele já tinha. O Luciano Hulk foi meu aluno, a Marisa Orth não passou por mim, ela era uma turma mais velha, o Tiago Laifert que aparece lá nos intervalos da Copa, o Dedé Kfouri, a Manuela Simões, um bando de alunos meus na mídia. É muito gostoso você ver isso, outro dia apareceu um pai lá, você vê a ficha, quando vai ver é Diretor do Grupo Drogasil, esses caras todos. Aí você fala: “Ahhhhhh fulano de tal foi meu aluno. Pô, você me deu o maior trabalho, agora tá aqui dirigindo um super império”. Muito interessante isso, é muito gostoso.

P/1 – Celia, como é que você encara as bienais? Como você encara esse evento na formação do aluno? E como é que você encara isso dentro da estrutura da escola.

R – Eu acho importantíssimo, eu acho que a gente consegue milagres, eu acho realmente uma coisa... Vocês nunca pegaram uma, né? Agora, eu sou contra, sempre fui, sempre serei, e procurei manter isso dentro dos princípios que é assim, não se cria um trabalho para ser apresentado. O trabalho sai da sala de aula para ser apresentado e não inventa-se um trabalho para ser produzido para uma exposição. Então, esse é o princípio básico pra mim. Eu acho que anos de bienal o planejamento acaba ficando um pouco comprometido, um certo momento, mas tem ganhos de outra área. Eu acredito piamente em ganhos culturais, em ganhos de viagens, esse tipo de coisa, eu acredito. Eu só não gosto de abuso. Então, eu acho que a Bienal é um evento que consegue mostrar aos pais a qualidade do nosso trabalho, porque acho que a coisa mais difícil em um evento pra pais é você conseguir transmitir a qualidade do seu projeto pedagógico. Eu acho que ano passado teve uma exposição fantástica do Fundamental dois, que chamou São Paulo na corda bamba que eu achei que ficou soberba, maravilhosa, que é uma mostra de trabalhos, que é diferente da bienal. Porque mostra de trabalho já é mais... E acho que as nossas bienais geralmente tem um empenho muito grande dos professores, acho que tem uma coordenação muito competente da Gabriela, eu acho que nós temos a Maria Helena que é a nossa professora de Artes e eu costumo dizer o seguinte, eu sem a Maria Helena não faço nenhum evento em nenhuma bienal.Talvez ela não seja a melhor professora de Artes de eu já tive na vida, com certeza, no ponto, mas em termos de colaboração, de tudo, entendeu? É uma pessoa de uma disposição, eu acho que tem elementos muito importantes numa bienal. Eu não sou um elemento tão importante em uma bienal, eu reconheço que o meu talento não é muito pra essa área, eu acho que a minha contribuição é abrir o espaço, arrumar grana pras coisas acontecerem, viabilizar, mas eu não sou a artista, não é a minha veia, eu sou mais verbal.

P/2 – Você estava falando um pouco sobre os pais, eu queria saber um pouco sobre o perfil, se tem algum tipo de perfil dos pais, os alunos, que carinha eles tem, quem é essa geração que está vindo, quem são esses pais que matriculam essas crianças na escola bilingue, queria enxergar um pouco isso. Claro que é um universo...

R – Eu entendo sua pergunta, é bem objetiva. Evidentemente uma clientela AAA, pelo preço que a escola custa. Eu acho que como em todas as escolas, e eu vivi isso no Lourenço Castanho, vivi na Escola Viva, estou vivendo nessa escola. Tem uma mudança de perfil da clientela conforme você vai ficando mais reconhecida no mercado, e a mudança não é pra melhor. Eu vejo nas primeiras turmas, uma turma de profissionais liberais que dá um bruta murro pra ter filho na escola porque acha que é importante o inglês como uma abertura para o mundo, e não para conseguir um emprego melhor, que é uma inserção cultural dentro da globalização. E de repente você tem algumas turmas, e acho que em todas as escolas acontecem isso, tem as pessoas que acham que tem que estudar inglês porque tem que ter um emprego melhor, ou porque vai ganhar mais dinheiro, que o valor da vida não é exatamente o de ampliar horizontes. Agora eu não acho que isso é uma característica da escola e discuto muito com meu filho. O meu filho é todo, e eu acho que tem, e como em todos os lugares vai ter, e você vai ter que aprender a conviver e acho que faz parte do exercício de aprender a conviver com as diferenças, e você ter os valores dentro do que você acredita mesmo que em um ambiente mais inócuo. Agora é difícil, eu acho que tem uma diversidade bem grande. Mas é claro que... Tem uma mentalidade que é mais uma coisa do mundo mais competitivo, tem essa visão, não adianta fingir que não é, não é porque eu quero ir visitar o British Museum e entender o letreiro que eu vou estudar melhor o inglês ou porque eu quero ler o que aparece no New York Times a respeito do Irã pra ter uma visão diferente. Também é, mas não é isso. Infelizmente. Mas eu acho que a predominância no mundo não é essa, essa é a minha tristeza. Sem querer ser saudosista, eu acho que a hora que a gente substituiu a ideologia pela economia nós escolhemos o mundo.

P/1 – Celia, se você fosse eleger alguns marcos nesses seis anos da escola, quais seriam?

R – Pra mim a revitalização é a coisa mais importante. Eu acho que a introdução dos estudos do meio pra mim é uma coisa marcante. Olha, eu aqui fazendo fofoca (risos), quando começou esse papo de que ia escrever um livro, que cada um ia falar sobre algum assunto, disseram que eu iria falar sobre o estudo do meio. Eu falei: “Olha, pera um pouquinho, estudo do meio é um dos itens que eu acrescentei a um planejamento político-pedagógico que foi feito por essa escola, então, não me reduza, eu não sou promotora de turismo, estudo do meio é outra coisa”. Mas enfim. Olha, eu acho que a revitalização, que eu não sei que dia que a gente percebeu isso, eu acho que a introdução dos estudos do meio, esses eventos que eu gosto muito, marcos do meu projeto político pedagógico.

P/1 – Celia, eu queria que você falasse, pra deixar registrado, o que é o estudo do meio. Já que é importante.

R – Na verdade o estudo do meio nem é tão importante do posto de vista pedagógico. Se eu fosse dar uma entrevista pra um pedagogo eu diria que é a maneira de você estudar o conteúdo no local. Tudo bem, acho que é fantástico isso, mas eu não acho que isso é o mais importante. É uma oportunidade que você tem de sair por três dias com seu grupo, looonge dos pais, looonge da escola, por isso que eu sempre faço questão de acompanhar, e todo ano eu juro que não vou mais, mas eu acabo indo. Porque vocês não fazem ideia dos banheiros que eu uso durante essas viagens (risos). E eu acho que é pra mim, a importância. É claro que tem esse cunho pedagógico. Por exemplo, no caso dos pequenos que é um estudo do meio de um dia, que eles vão ver a preservação do patrimônio. Porque eu sempre falo que o brasileiro não dá valor pro país que tem porque ele nem conhece o país que tem. Então, acho que uma das coisas importantes é ele valorizar o que tem de bom. É claro que quando eu levo as crianças pro Saco do Mamanguá pra eles verem a preservação do ambiente, conversarem com os caiçaras e verem o tipo de artesanato, ou vão pros quilombolas conhecer aquela realidade, as cavernas do Petar. É claro que tem um lado pedagógico, agora tem a coisa de você ver essas coisas fora daquele ambiente, é aquela alegria, aquela coisa sem compromisso pedagógico. Até tem, porque o tempo inteiro a gente tá colocando os caras pra fazerem alguma coisa. Mas é a vivência com eles, eu acho que isso cria um vínculo entre eles, eles passam a conhecer os professores de uma maneira completamente diferente, invariavelmente um dos professores é escolhido pra paraninfo da turma, e mesmo a gente, eles vem em um outro papel, com um outro tipo de roupa. Eu acho que essa é a riqueza, é testar a autonomia deles, como eles se viram fora de casa. Ver aqueles que eles tem aquele quarto, que você fala meu deus do céu, ou aquelas que tem aquela mala organizadinha. E quando você chega em São Paulo, se você tiver que chamar aquele pai e aquela mãe porque não dá, nenhum dos dois tá muito certo (risos). Tem todo um trabalho na preparação, na seriedade com que você leva aquilo, na formação dos grupos. Nessa hora é importantíssima, aparecem problemas muuuito sérios, muuuito sérios, na hora de formação dos grupos de viagem, é diferente dos grupos de classe, você vai dormir com aquele cara. E pra mim é um dado de observação fantástico, e é um marco pra eles, é a grande farra da vida, vê se eles estão preocupados com o que eles aprenderam. Você faz caderno com 500 fotos, você pergunta, eles vão lembrar do dia que caiu na cachoeira, que puxou o calção do outro, que é o que é importante na vida, esse é o aprendizado significativo, o aprendizado das relações humanas (risos).

P/1 – Celia, vamos falar agora um pouquinho da sua proposta de encerramento de trabalho na PlayPen, como se deu e por que.

R – É complicado. Olha, eu acho que são duas coisas que se juntam, que eu não sei se deveria falar aqui, mas vou falar. Eu acho que tem um desejo meu de sair. Quando eu entrei nessa escola eu tinha um grande desafio, e aí é comigo mesmo, eu arregaço a manga e vou em frente. Eu acho que a essa altura, depois desses seis anos, eu acho que estou deixando o trem sobre os trilhos, eu acho que eu fiz um trabalho realmente muito bom, do qual eu me orgulho muitíssimo, muitíssimo, tenho reconhecimento da Guida, de todo mundo. Só que eu acabei acumulando funções que eu não quero mais fazer, eu não quer mais ficar dando bronca no corredor, eu não quero. Eu sou educadora, eu construí uma carreira em cima de um projeto ideológico meu, no que eu acredito de importante, de transformação, e eu acho que chega uma hora que eu quero fazer outra coisa, eu não posso continuar sendo diretora de escola indefinidamente, tem um número de anos que você pode ser diretora de escola, até faixa etária mesmo. Então, tinha um desejo meu de fazer uma coisa minha, de usar o meu nome ainda reconhecido pra fazer alguma coisa pra mim, uma coisa minha, própria. E aí, acho que juntam algumas circunstâncias, do momento da escola, que podem ter acelerado essa minha decisão. Porque eu acho que tem algumas coisas que quando você tem 40 anos de idade você faz, e quando você tem 40 anos de profissão você não faz. E eu acho que eu tenho brincado muito com as mães que eu estou que nem o Pelé, eu quero sair por cima pra vocês lembrarem de mim enquanto eu estou na glória. Eu acho que eu consegui fazer um trabalho muito bom nessa escola, eu estou deixando uma equipe muuito competente. Eu não sei como vai ser daqui pra frente, vai ter muita transformação com a minha saída, eu não posso responder pelo futuro, eu posso responder pelo que eu fiz e pela equipe que eu estou deixando. E acho que é um momento meu de vida, de tirar o umbigo do fogão, como eu brinco. Eu acho que eu to num momento que eu quero usar o meu aprendizado pra uma coisa mais de... Eu tenho uma visão muito ampla de escola, eu não posso ficar muito nesse dia a dia, é muito pouco pra mim, desculpa. Sabe, não é desmerecer o trabalho de ninguém, mas é uma coisa que eu já fiz, eu fiz isso a vida inteira, e a hora que ficou reduzido à fundamental dois, que a coisa foi ficando cada vez menor, e aí não tem mais as minhas aulas de orientação. As coisas vão começando a tomar uma configuração que não tem mais a sua cara. Se não tem mais a sua cara, você não pode continuar. Durante algum tempo eu até, tem até uma luta, vamos dizer assim, mas tem uma hora que você fala: “Olha Celia, é o seguinte, é assim”. É abóbora, não é carruagem, ela vira carruagem em alguns momentos, mas ela não será carruagem o tempo inteiro, então, ou você quer uma abóbora, ou você vai procurar uma carruagem (risos).

P/1 – E dentro dessa sua visão, o que você quer fazer agora?

R – Hummm, então, eu tenho muitas ideias, viu? Eu tenho uma ideia minha, que é um projeto meu, eu vou contar contar pra vocês porque ainda é segredo, até hoje.

P/2 – Não pode sair no livro?

R – Não, até o livro sair provavelmente já vai ter tido uma decisão. O meu grande sonho é ter uma escola de pais. Era uma ideia que eu estou amadurecendo desde a época da Escola Viva, é uma ideia roubada da Europa, como toda coisa de boa de educação vem da Europa, Écola des Parents, tem na Suiça, tem em Portugal, e eu tenho esse sonho. Acho que a configuração da família hoje tá muito mudada, os pais precisam de ajuda, eu só não sei se eles querem ter, essa é a minha dúvida, entendeu? Na verdade, eu tenho tudo estruturadinho, uma das minhas propostas é essa, ter a casa. Eu não quero chamar de Escola de Pais porque tem uma conotação religiosa em alguns lugares, inclusive aqui no Brasil. Eu brinco que vai chamar “Casa do Educar” (risos), em vez da Casa do Saber, vai ser a Casa do Educar. E ela teria alguns workshops, alguns cursos pontuais sobre temas específicos, tipo sexualidade na adolescência, sexualidade na infância, ciúmes, desenvolvimento de zero a três, pré-parto, pós-parto, tem uma lista lá que eu fiz, dentro de tudo o que os pais me procuram pra saber. Um outro viés seria uma orientação de pais para casos específicos, né? Em caso de separação, em caso de morte na família, em caso de doença, em caso de bullying, em caso de trauma. Sabe, não é uma terapia, você vai lá para a gente orientar você em como lidar em essa situação excepcional. Então, você tem uma série de encontros e vai embora pra sua casa. Não quero saber qual era a sua mãe, seu pai, não é terapia. Um terceiro viés seria o de mediação, então, pai e mãe separados, aquela briga, a criança fica no meio. Ou então, agora a gente tem outros tipos de casais, homossexuais, que tem filhos, como é o conflito com a sociedade, enfim, mediação de conflitos. E uma parte que está num cantinho que não é a minha especialidade, que é orientação vocacional. Tem alguns profissionais que eu estou conversando pra ver, eu tenho uma pessoa que quer ser minha sócia, que eu não sei se eu ainda quero sócio ou não, se eu quero encarar isso sozinha. Tudo o que eu pensei foram coisas de muuuito trabalho, então... Não sei se posso contar o resto, eu fui procurada por um grupo empresarial porque na verdade eu sabia que iria acontecer isso que aconteceu quando eu saí da Escola Viva. A hora que as pessoas sabem que a gente tá disponível aparecem algumas coisas. Eu posso contar da história da Escola de Pais que é uma coisa minha, que é o meu desejo, agora eu to com outras três propostas muito interessantes na mão.

P/2 – E a sua questão com o ensino público?

R – Então, olha, eu tenho um problema na minha formação, eu nunca trabalhei em escola pública. Eu acho que isso é uma falha na minha formação, eu não sei como eu poderia contribuir, eu não acho que eu posso contribuir direto na escola pública.

P/2 – Eu penso mais pela Educação pela aquela ideia lá atrás.

R – Então, porque os meus amigos, o Guilherme Leal e o Ricardo Young que são meus amigos de luta pela Educação, eu tenho um sonho de um dia trabalhar com eles, a Neta Setúbal. Inclusive fiz campanha pelo Ricardo na minha casa, loucamente, porque eu amo esses homens maravilhosos, eles tem umas cabeças incríveis. Eu tenho esse sonho, mas eu não tenho e expertise pra ir dar alguma coisa, eu tenho expertise pra formular a política, né? Pra dizer o que poderia mudar, pra talvez ajudar com alguma coisa da gestão privada na gestão pública. Agora, quem sabe eu ainda vou ser convidada pra trabalhar, eu tenho esse sonho, eu tenho.

P/1 – Eu queria que você retomasse um pouquinho esse projeto que você desenvolveu lá. Ele era muito mais uma questão de políticas públicas ou ele tinha uma intervenção maior dentro da escola?

R – Não, ele tinha uma intervenção direta dentro da escola. É que você sabe que o corporativismo dos professores é pior do que o dos bancários, né? Porque o dos bancários ao menos conseguem bons salários, os professores nem isso, a incompetência deles é total, eles são absolutamente corporativistas, é uma vergonha o que acontece na escola pública em São Paulo. Eu estou afastada desse projeto há 14 anos, que foi quando a gente lançou, 14 não, mas pelo menos há dez, doze anos, e os estudos que nós fizemos eram vergonhosos. A quantidade de licença, doença, licença maternidade. O número de faltas que o professor tem é uma vergonha, uma vergonha. Então, o que a gente queria era primeiro poder entrar na escola e o grande projeto era conseguir fazer uma Lei Rouanet da Educação, esse era o projeto. Era tirar da máquina do governo o dinheiro que a empresa aplicaria direto na escola, então você faria a Lei Rouanet, a empresa pegaria um x e aplica aquilo na escola. Só que a gente não consegue isso porque os professores não deixam, eles acham que você vai criar ilhas de excelência, então, em vez de ter ilhas de excelência é melhor ter um monte de porcaria e ficamos conversados. Então, é desesperadora, sabe o que é desesperadora, a situação da escola pública. O Jayme é pioneiro, a Porto Seguro cuida de duas, três escolas e é assim. O que ele fazia? Ele dava um bônus pro professor que não faltasse. Gosta? Não é o que dá melhor aula, é o que não falta. Ele pagava horas pra uma coordenadora pedagógica dar uma olhada no planejamento. E ele usava a expertise dele na administração. Só que você não pode fazer, tudo isso é contra a lei. Então, o que começou a acontecer? Os professores cobram do governo que a gente tá se metendo dentro da escola pública, porque você não pode entrar com dinheiro no órgão público. Então, assim, o banheiro está quebrado, pingando, não tem banheiro pras crianças usarem e você não pode consertar, porque você tem que mandar uma requisição pra não sei aonde que demora não sei quanto. Então, a gente começou a entrar com o dinheiro pela APM. E sabe agora o que está acontecendo? Só que o cara que ia assinar, eles começaram a fazer a diretora da escola ter que assinar junto com a APM. Qual diretora quer se comprometer? Tem meia dúzia, ela tá ganhando, pra que ela vai fazer. Então, é um sufoco de saber que a educação no Brasil está... Eu defino assim, nós temos, escolas do século 19, com professores do século 20 pra alunos do século 21. Precisa falar mais alguma coisa? E isso eu vou dizer pra você que não é na escola pública, é na escola particular, o que dirá da escola pública. É claro que tem umas que são ilhas de excelência, e sabe do que depende? Do diretor da escola porque o professor é importantíssimo, sem ele nada se faz, mas o diretor é a alma da escola. Então, nós conseguimos alguns projetos, mas pra você ter ideia, são 6500 escolas no estado, eles conseguiram agora 70, naquela época nós tinhamos seis. As pessoas não querem, você quer entrar com dinheiro, elas querem assim, que você entre, troque o vidro, doe computador. Tudo bem, a gente até começa, porque ter uma escola limpa, arrumada, pintada ajuda, faz com que você tenha vontade de preservar aquilo. Mas na hora que você quer chegar na sala de aula é muito difícil. E nessa reunião que foi feita inclusive lá no Grupo Pão de Açúcar, que o Jair e a Ana Maria estavam dirigindo, que eu fui apresentada como a mãe do PAC (risos), quem sabe eu ainda vou chegar lá, né (risos)? As diretoras estavam relatando o número de analfabetos funcionais que chega no oitavo ano. Gente, vocês não tem ideia do que é, vocês não tem ideia. E o que a gente percebe é que a gente tá ficando em um fosso de um tamanho que eu não sei como a gente... Sem querer ser pessimista, porque educador não pode ser pessimista, porque o dia que eu for pessimista eu tenho que ir pra casa e fechar a porta, senão não dá, mas é desesperador. Então, meu sonho era esse, conhecer um estadista, um que fosse, aqui no Brasil, que realmente quisesse mudar a educação, E aí, eu não vou citar nomes porque está na crista da onda, mas um desses políticos que eu encontrei outro dia, ele me dizia assim: “Ah, não, mas na Educação eu não quero mais ficar”. Eu falei: “É claro que na Educação ninguém quer ficar, a Educação leva gerações pra ser reconhecida, qual é o político que quer esperar tanto tempo?”. Esse é o drama que a gente tem, e mesmo o PSDB, que eu sou bem psdbista, que está há não sei quantos anos no governo do Estado, fez, mas podia ter feito muito mais, muuuito mais. Então, isso é aquela coisa que pega lá no fundo da minha alma, a vontade de sair tipo Joanna D´arc com a bandeira na mão e falar: “Gente, pelo amor de Deus, vamos fazer alguma coisa, todo mundo junto”. Porque tem um bando de gente fazendo, tem um monte de dinheiro sendo gasto por empresas privadas na Educação, só que não vai resolver nada. Não é que não vai resolver nada, tem muita coisa que resolve, mas é o governo. Porque só tem um órgão que consegue atingir o país inteiro, é o Governo Federal. Então, é desesperador. E aí, vão entrar as minhas ideologias. Você pega um Fernando Haddad que consegue destruir o único exame seríssimo que a gente tinha aqui que era o Enem, que não era um exame de conteúdo, era um exame de habilidades, e ele consegue destruir e descaracterizar um exame como esse. E aí, você pega a Veja, que faz esse deserviço à Educação, que classifica as escolas pelo tipo de classificação no Enem, quer dizer, se você não é bem classificado você não vale nada. Agora, o que acontece? Eu não sei, você toma nota aí que você vai ver, as escolas que trabalhavam com inclusão, as escolas que trabalhavam com a diferença não estão mais trabalhando. Não estão mais trabalhando. Eu não vou dar o nome aqui, mas eu tive notícia de duas escolas que sempre se caracterizaram por esse tipo de trabalho que não vão mais fazer. Porque é o seguinte, se você não tem dez no Enem você é uma droga, e se você é uma droga você quebra. Então, como é que faz? O critério de escolha, gente, tá complicado.

P/2 – Escola de Pais, então, né?

P/1 – Escola de Pais é a saída.

R – É então, mas será que eles vão? Porque os que mais precisam... Eu vejo, se tivesse uma palestra lá na escola, 20 reais, olha que fortuna... Você convida mil pessoas em tese, 600, vem 20, 30... Isso porque é à noite na escola do seu filho, com estacionamento e eu ainda vou dar lanchinho, e custa 20 reais.

P/1 – Não tem interesse, né?

R – Complicado, enfim... Nossa, falei demais. Gente!!!

P/1 – Nós estamos terminando já.

R – Ainda bem que cancelaram a minha outra reunião, hein? Você não vai ter nenhuma outra falante como eu, desse jeito.

P/1 – Eu acho que não (risos).

R – Primeiro porque a minha história é a mais comprida (risos).

P/1 – Mas tão bem articulada com certeza não, Celia. Eu queria que você contasse a história da PUC, pra deixar registrado.

R – Eu estudava no Sedes Sapience, na PUC, e tinha a Maria Antônia, faculdade de Filosofia, e era lá que tudo acontecia. A gente fazia parte dos movimentos, ia pra cá, pra lá. Essa foi uma parte importante na minha vida, mas eu acho que esse meu... Porque eu acho que estudar História faz você entender o mundo, te dá uma dimensão de vida, do que aconteceu no mundo, as causas que mobilizam a humanidade, de repente você acaba restringindo tudo à Economia, sabia? O que é uma grande desgraça. Mas eu acho que dá uma abertura, eu acho que o Socialismo, não o Comunismo, mesmo o Socialismo Cristão, ele tem uma maneira de olhar pro mundo que é diferente. Eu acho impossível você estudar uma teoria como essa e não achar que é o ideal pra todo mundo. Porque não é como o Comunismo que é burro, nivela todo mundo por baixo e aí fica aquele bando de gente infeliz. Eu acho que o Socialismo é aquela coisa da meritocracia, de você produzir, mas sem ser essa coisa do acúmulo, acúmulo, competitividade acima de tudo. Eu acho que é importantíssimo, acho que a escola tem que ter competividade, mas não... Essa coisa do meu senso político, eu acho que ele se renova muito nessa participação que eu tive à distância com essa convivência que eu tive na época do Diretas Já, eu tava lá na posse do Tancredo, gente, do lado do Saiad quando o cara veio: “Ministro, o presidente está no hospital”. Aquela coisa, aquele sufoco, como vai ser, o homem morre, o homem não morre, isso é possível não mexer, pelo menos com alguém da minha geração. E aí, você fica com vontade de fazer alguma coisa pelo Brasil, pelos outros. E eu costumo dizer assim, eu fiz essa movimentação toda na época dos meus filhos, que eu achava que eu tinha que deixar um Brasil melhor pra eles. E aí eu passei o bastão pra eles, eu peguei o meu filho mais velho, principalmente, é muito politizado, e aí, acho que eu descansei um pouco. E agora nasceram minhas netas, e eu fiquei de novo responsável pelo mundo, como vai ser esse mundo que elas vão viver? E aí, eu falo: “Meu Deus, eu tenho que fazer alguma coisa de novo”. E acho que está no momento de eu poder me doar. A coisa que eu mais adoraria era ter um convite pra fazer uma coisa nesse sentido, mas pra poder fazer, porque também só ficar...

P/1 – Você teve dois filhos, Celia?

R – Dois meninos.

P/1 – Como é o nome deles e o que eles fizeram.

R – O Caio e Marcelo. O Caio se formou em Direito pela PUC e Ciências Sociais pela USP, começou Jornalismo, ele é um leitor voraz e hoje ele tem um site de futebol (risos). E ele é editor de uma revista de futebol da ESPN. A vida inteira ele quiz ser jornalista, eu tinha certeza que ele ia ser jornalista político porque desde que tinha quatro anos ele leu tudo que você possa imaginar, ele tem um nível de leitura maior e melhor que o meu, mas enfim, ele era jornalista, ganhava uma miséria, casou, teve filho, precisava comer, então, vamos ao que interessa (risos). Ele tem um site de futebol que chama Trivela, e ele editava a revista Trivela, que ele parou e agora ele edita a revista da ESPN, de vez em quando ele faz comentários no rádio, negócio dele é esse. Esse é o meu filho que é casado que me deu as duas netas, a Manuela e a Alice, que graças a Deus são mulheres porque eu não tenho a menor dúvida que o mundo é das mulheres, cada vez mais (risos). Cada vez mais eu tenho certeza absoluta disso. E o meu filho Marcelo que foi pro campo das Artes, das Artes não, ele trabalha numa produtora de cinema, ele sempre foi do ramo de cinema, começou na área da produção e ele tá agora numa dessas produtoras que chama Piloto, dos amigos dele, então, estão os dois.

P/1 – O mais novo é casado?

R – Não. Agora no momento não (risos).

P/1 – E hoje você mora sozinha?

R – Eu moro sozinha. Eles saíram de casa cedo, o Caio com 24 e o Marcelo com 22. O Marcelo é homossexual, teve uma relação de sete anos com um cara super legal, mas também não deu muito certo, agora ele está entrando numa outra relação, então, está na fase do namoro. É uma delícia. Eles saíram de casa com 22 e 24 anos, faz tempo, porque agora eles estão com 34 e 36, se não estiverem com mais. Foram morar sozinhos e se virar, sempre tem um paitrocinador por trás, graças a Deus eu escolhi um pai muito competente (risos), então, pelo menos isso, essa parte eu cumpri direitinho (risos).

P/1 – Pra gente ir finalizando, eu queria que você comparasse um pouco as escolas que você estudou com a PlayPen.

R – Nada a ver. As escolas que eu estudei não ensinavam a pensar, elas davam coisas pra decorar, não tem nada a ver, tudo o que eu não quero em Educação é o que eu tive. Então, eu sou uma pessoa que não sei calcular porcentagem hoje. Ela fala pra mim: “Usa a regra de três”. Eu sei lá o que é, porque se você esqueceu a regra você não sabe o que é, você não sabe pensar, né?

Nâo sei pensar, chamo meus alunos pra calcular pra mim: “Senta aí e faz essa conta”. Então, completamente diferente. E eu acho que tem uma coisa que é a coisa mais importante que acontece na Educação do século 21, é que muda o foco da Educação. A Educação não está mais, o olho, a direção da Educação não é mais pro conteúdo das matérias, mas pro aluno, pro desenvolvimento dessa pessoa que tem que ter as habilidades e as competências pra poder acessar o conhecimento. Eu falo isso várias vezes na escola na reunião de pais. A escola sabe que hoje ela não dá conta de ensinar tudo o que acontece no mundo porque as coisas são

de uma rapidez incrível, ela precisa dar condições aos alunos pra eles acessarem o conhecimento assim que se fizer necessário, em qualquer língua, em qualquer lugar. Ela tem que desenvolver essas competências e essas habilidades. É claro, ela vai dar aula de História, de Geografia, de Ciências, mas na hora de dar essas aulas ela tem que ter um foco diferente. Muito mais que ensinar conteúdos conceituais, ela tem que ensinar uma maneira de olhar o mundo, e se comprometer com ele em termos de responsabilidade social e pessoal. Isso eu não aprendi na escola, eu acho que essa é a grande falha da escola do meu tempo.

P/1 – E quais são as diferenças e as semelhanças das escolas que você trabalhou e a PlayPen?

R – Olha, eu acho que as escolas que eu trabalhei, até porque as escolas fui eu que dirigi, eu acho que elas são bem semelhantes no currículo de Português, eu acho que a PlayPen agrega esse valor do bilinguismo. Tem duas coisas que eu acho importante pra educação do século 21, uma segunda língua, no sentido da importância da globalização, da compreensão do mundo, por isso que eu acho importante o inglês, ele abre horizontes porque é a língua usada nas relações internacionais. E a coisa do período integral, eu acho que pra família, pras mães que trabalham, o período extendido é uma coisa boa, então, eu acho que esse é um diferencial importante, acho que a integração do currículo é um desafio muito importante. Eu acho que ter trabalhado com o mister French foi uma experiência incrível pra mim, eu acho ele uma figura. Ele realmente tem umas competências muito diferentes das minhas, eu acho que a gente se complementa muito bem. Eu não vejo nenhuma perda em relação as outras escolas, e eu vejo ganhos. A única perda que eu lamento, lamento, lamento, são as aulas de orientação, essa eu não vou me conformar, e eu acho que esse foi o primeiro passo meu pra fora da escola.

P/1 – Como você avalia o impacto da sua passagem pelo PlayPen na sua vida pessoal e profissional?

R – Na minha vida pessoal eu acho que eu vivi uma fase gostosa nesses últimos anos, eu tive uma vida pessoal muito boa também nessa fase. E eu tive um salário digno que me proporcionou coisas interessantes, eu viajei muito nesses últimos seis anos, até porque eu tinha um companheiro que gostava de viajar nesses últimos anos. Gostava não, ele viajava a trabalho e eu pegava umas caronas, né? Eu acho que o impacto, eu acho que eu tive vivências importantes de conhecer outras maneiras de pensar, eu acho que, gente é impossível dizer que as pessoas não agreguem valor à vida da gente, eu acho que toda convivência agrega um valor, eu acho que eu exerci, eu acho que eu experienciei a paciência, a tolerância, eu acho que foi um aprendizado pra mim em muitos sentidos porque a equipe é muito jovema ainda, as nossas experiências são muito distantes. E nós somos de gerações de cabeças e objetivos muito diferentes, então, a gente não trabalha no mesmo andar, sabe como que é? Em termos de competitividade, de lutas, de ideais. Eu acho que eu aprendi algumas coisas nesse sentido, talvez eu gostasse de ter me saído melhor com algumas coisas, talvez a minha tolerância muitas vezes não tivesse sido suficiente.

P/1 – Como o que você gostaria de ter se saído melhor?

R – Não sei, talvez eu pudesse ter administrado melhor as relações. Eu acho que onde as coisas pegam é sempre nas relações, eu acho que talvez eu tenha me cansado cedo de algumas coisas, talvez por essa coisas de você ter 40 anos de idade ou 40 anos de profissão. Agora, eu só tive ganhos, eu nunca olho pra trás achando que eu perdi alguma coisa. Claro que pra ganhar uma coisa eu tenho que perder outra, não posso ter tudo, mas eu acho foi um ganho pra mim ter vivido essa experiência. Eu acho a Guida uma mulher de garra, uma lutadora, uma pioneira. Acho que ela tem que fazer um exercício pra lidar com essa escola desse tamanho, eu acho que este é o grande exercício. Se eu pudesse deixar uma mensagem pra ela, porque eu já passei por isso que ela está passando no sentido de ser uma escola pequena e virar uma escola grande. Isto exige uma especificidade e precisa de muito cuidado. E na minha vida profissional sem dúvida, agregar essa experiência do bilinguismo pra mim é um ganho, é mais uma coisa que eu sei fazer na minha vida. Eu não posso dizer que sou uma especialista em bilinguismo, seria extremamente pretencioso, eu acho que eu fui uma excelente diretora de uma escola bilingue, aprendi a fazer uma integração de currículo, aprendi a conhecer coisas de outra cultura que acrescentaram muito a minha, mas eu nem tenho a pretensão de passar perto de ser uma especialista em bilinguismo como mister French é, eu não tenho essa especificidade.

P/1 – E quais foram os maiores aprendizados na sua vida que você obteve trabalhando como educadora?

R – Nossa... Ah, esse é o maior. Primeiro é nucna perder a esperança, sempre acreditar na transformação, eu acho que esse é o maior aprendizado, sempre acreditar na transformação pro melhor. E cuidar das relações, eu acho que a coisa mais importante na vida é cuidar das relações, tanto que você vê, quando você fala do meu projeto futuro, o que eu quero? Eu quero que os pais olhem pros seus filhos de uma maneira diferente, eu quero cuidar das relações porque acho que pras funções mais importantes da vida da gente ninguém nos preparou, então, pra você ser marido, mulher, pai ou mãe, você cai de paraquedas no negócio sem saber muito. Então, eu acho que esses foram os grandes aprendizados na minha vida.

P/1 – E Celia, o que você acha da PlayPen comemorar seus 30 anos por meio de um projeto de Memória que envolva os professores, os alunos, a escola. Como é que você vê a ideia desse projeto?

R – Eu não vejo possibilidadede de fazer qualquer comemoração em uma escola que não envolva os alunos e os professores. Eu acho aboslutamente essencial, acho que, até porque eu acho que tem os angulos diferentes de olhar o desenvolvimento da instituição, como ele pegou na vida de cada um, e eu acho importantíssimo. Eu sóp tenho medo de uma coisa, que eu já falei da Guida. Eu tenho medo desse livro ir pra uma prateleira sem ninguém ver, por isso que eu acho que tem um cuidado na elaboração do material que precisa ter na hora da entrega, por isso que eu fui totalmente contra aquela história de faz uma festinha agora e depois vamos entregar o livro. Eu falei: “Gente, não dá pra fazer uma festa sem as pessoas, não dá pra fazer comemoração agora”. Aí, a competência de vocês que vai entrar no sentido de como a gente vai conseguir. Porque eu já recebi livros de outras escolas, nas minhas escolas a gente vê. Quando foi do Lourenço Castanho e da Escola Viva é claro que teve um interesse diferente pra mim, de outras escolas você recebe, dá uma olhadinha, fala “ah, que legal”, e põe na prateleira. Mas eu acho que ali tem um pedaço da vida de cada um e acho que isso é importante, as pessoas se sentirem parte. Eu li uma crítica do filme do Jabor, que diz que quando alguém faz um filme autobiográfico ele sempre tem a pretensão que as pessoas se identifiquem com aquele filme, ou com o livro. E com o filme do Jabor não tinha essa identificação, eu achei uma crítica um pouco dura, mas enfim, eu acho que o livro tem que ter isso, tem que ter uma coisa que cada um que pegue aquele livro se sinta incluído nele, se sinta parte dessa história, eu acho que esse é um cuidado grande na hora de retratar pras pessoas se sentirem parte.

P/1 – E o que você achou de ter participado dessa entrevista?

R – Eu achei ótimo! (risos). Eu acho que é tão interessante porque você vê, a gente acabou nem usando as coisas, mas desde o dia que vocês me telefonaram, que eu já fui fazer um mergulho no meu passado, e me pegou num momento também de transição, então muito interessante, porque claro, as coisas mais significativas que eu tenho guardadas da minha época de Lourenço Castanho e de Escola Viva são as minhas passagens, as minhas saídas, como elas marcaram as pessoas. Então, foi muito interessante olhar pra trás. Eu acho que a coisa da minha vida pessoal eu não preciso ir buscar em um álbum de fotografias, a minha vida pessoal foi muito rica e muito intensa, tudo o que eu faço na minha vida é muito intenso, vocês já percebeu? Tudo muito cheio de emoção, as minhas alegrias e tristezas são grandes. Foi gostoso ver os bilhetes, as coisas que minha chefa escrevia, da importância que eu tinha. E você sabe que é tão interessante, no dia que eu pedi demissão, que saiu a carta, que ficou público, eu recebi dois telefonemas enquanto estava na reunião com os professores, da dona do Lourenço Castanho e das minhas sócias da Escola Viva. Olha que coisa! Quando elas ainda não sabiam que eu tinha saído, então, tem uma sincronicidade porque na verdade eu fiquei muito ligada a todas essas pessoas. Sabe, me deu um imenso prazer vir falar aqui porque foi tão bom poder olhar pra trás e ver quanta coisa foi construída, quanta coisa foi vivida. Eu tive tropeções grandes na minha vida, minha separação foi um tombo, não foi nem um tropeção. A minha saída da Escola Viva foi muito difícil pra mim, eu nem sei como eu fiquei, foi tudo tão rápido que hoje eu nem sei como é. Mas também tem tanta coisa que eu já fiz, nem eu sabia que eu tinha feito tanta coisa, é gostoso, foi muito bom! Acho que essa é uma oportunidade de reconstruir minha história junto com a da PlayPen, foi lindo.

P/1 – Eu queria agradecer a sua presença em nome da escola e em nome do Museu da Pessoa.

R – Muito obrigada vocês!

[Fim da Entrevista]