Museu da Pessoa

Um mineiro sem carteira

autoria: Museu da Pessoa personagem: Robertinho da Silva

Museu Clube da Esquina
Depoimento de Roberto da Silva (Robertinho Silva)
Entrevistado por Stela Tredice e Márcia de Paiva
Rio de Janeiro, 15 de junho de 2004
Realização Instituto Museu da Pessoa
Código da entrevista: MCE_CB019
Transcrito por Marllon Chaves
Revisado por Joice Yumi Matsunaga



P1 – Então Robertinho, para começar a nossa entrevista, eu vou pedir para você se identificar, seu nome completo, local e a data de nascimento.

R – Meu nome é Roberto da Silva, nasci na Rua Princesa Imperial, número 37, fundos, Realengo, Rio de Janeiro, Brasil.

P1 – Em que ano?

R – 1941.

P1 – Você pode falar brevemente um resumo da sua trajetória, da sua carreira.

R – Então, desde pequenininho eu, através dos meus irmãos, né, bem pequeno mesmo, na hora da boia – boia é hora da comida, do jantar ou do almoço –, meus irmãos sempre faziam batucada na mesa, às vezes atrás do guarda-roupa, e eu já colocava dentro de uma latinha de fermento, aquele fermento Royal da antiga, colocava milho ou feijão e fazia chocalhinho, né? Então, o meu pai, como era craque assim, em construção civil, todos os móveis dentro de casa foram construídos por ele, mesa, banquinho. Então, no banquinho, ele já fazia o som do bongô, porque no Rio de Janeiro, na época, a moda era conjunto de rumba, rumbeira, as pessoas usavam aquela roupa de rumbeiro, cheia de babado, e, nas praias da Zona Oeste do Rio de Janeiro, as pessoas faziam piquenique, né? Que eles chamam de farofeiro hoje em dia, na época era piquenique. Eu ficava fascinado de ver as pessoas tocando bongô, então, eu já no banquinho, já treinava bongô, e depois meu primeiro instrumento foi um tambor mesmo, né? Porque eu era rodeado de centros, o bairro era rodeado de centros espíritas de Umbanda. Eu sempre fugia para um templinho daqueles para tocar tambor, né? A minha mãe também gostava, né, de um terreiro onde eu vi um cidadão chamado Nelson, tocava muito bem. Eu era pequenininho, ficava do lado dele. E no dia em que ele faltou ao centro eu peguei o atabaque e saí tocando, porque de tanto ouvir, eu já sabia os toques de cor e os pontos para os orixás, né, e comecei assim até chegar na bateria.

P1 – E você se lembra qual era a sua idade quando você ia nesses terreiros de Umbanda?

R – Ah, uns oito anos de idade por aí, bem pequeno mesmo, uns oito anos. Eu lembro quando, eu não aguentava passar uma noite inteira, né? Eu dormia assim em cima do tambor, quando acordava tinha um pires cheio de moedinhas, eu falava “oba”. (Risos)

P1 – Fazia sucesso então?

R – É, porque eu ouvia muito, né? Eu fui criado em uma região do Rio de Janeiro, o Realengo, era um clima bem de interior, né? Beira de Rio, fazendas, sítios. E garoto ouvia muito chorinho, tinha uma comunidade nordestina, comunidade portuguesa, e pelo fato de meu pai ser pernambucano e as festas nas casas das comadres eram com música ao vivo. Quem tinha um poder aquisitivo maior contratava uma, chamava-se jazz band, né? Contratava uma banda ou da aeronáutica ou do exército que tocava no quarto da família. As pessoas dançavam na sala, mas a orquestra tocava no quarto, e eu, garotinho, sempre de olho na música, na bateria e tal, então, assim, eu fui o primeiro músico da minha família, hoje em dia tem sobrinhos, tenho filhos e tal, eu fui o primeiro, não sei de onde veio isso aí.

P1 – E você tinha atenção maior para bateria mesmo já naquela época?

R – É, olha, eu tinha curiosidade geral, assim, eu me meti a tocar trompete também porque eu fui criado em zona militar, então eu tinha influência das bandas militares dos rudimentos de caixa. Era uma mistura danada, né? Eu morava em um bairro que é bairro antes, né, de Padre Miguel, Mocidade Independente de Padre Miguel, então era cercado de ritmos.

P2 – E você começou a trabalhar, teve algum momento em que você usou essa sua musicalidade de uma forma profissional, enfim, quando você começou trabalhar com isso?

R – Ah, então, o primeiro conjuntinho assim – na época tinha muitos grupos no Rio de Janeiro – chamado “Ases do Ritmo”, falta de imaginação danada, então conheci um garoto chamado Zé Carlos que tocava cavaquinho e tinha um vizinho, um padeiro, seu Mário, que tocava violão muito bem e a gente montou um trio, chamava “Ases do Ritmo”. Eu tocava pandeiro, bongô, maraca e cavaquinho, a gente tocava de tudo, tocava bolero e tal, não era só chorinho. O negócio era eclético como se diz hoje em dia, então foi o primeiro grupinho assim.

P2 – E vocês tocavam em festa?

R – Nada, a gente tocava em clube, não ganhava nada, só o belo x-músico, o sanduíche de músico, o pão com mortadela, né, estava bom pra caramba.

Porque a gente queria subir em algum palco, né? Então, com o decorrer do tempo, no cinema, eu ficava fascinado pelas orquestras americanas, os músicos americanos, falei: “Caramba!”. Peguei fascínio total pelas grandes orquestras, né? E o meu pai tinha uma vila de casa que ele alugava para militares que vinham do interior do Brasil para curso de oficial do exército, lá em Realengo na Praça do Canhão! Eu fui criado em frente do paiol de pólvora (risos), ali deu alguns incêndios e tal. Então, por ser criado em frente ao quartel do exército, descobri que no segundo RE tinha um soldado muito talentoso, ele era pratilheiro da banda e é famoso, aquele que toca “tchi, tchi, tchi” e aí assisti o daquele desfile lá, o treinamento das bandas, sempre no quartel e aí conheci esse cidadão, e fiquei assim, ele virou o meu ídolo, né? Aí um dia eu falei: “Poxa, tem um baterista morando aqui na rua tal, né?”. Eu falei: “Caramba”. Aí eu fui lá, ele estava treinando, era um sábado à tarde, eu olhei para ele, ele falou assim: “Você toca bateria?”. Eu tive a coragem de falar assim: “Eu toco”. Olha que ousadia. Ele falou: “Então vem tocar aqui pra mim”. Eu como carioca, em vez de tocar um samba, isso por causa da influência nordestina, eu sento na bateria, eu toco um baião, “tan tin tun tun tan tin tun tun”. Ele falou assim pra mim: “Eu tenho um baile hoje, você não quer me acompanhar até o baile, me ajudar a carregar a bateria?”. Aí cheguei pra mamãe: “Pelo amor de Deus, tem um moço, soldado aqui, ele vem aqui pedir à senhora” e tal, “me levar no baile.” Então decidi ficar de olho nele.

P2 – E você tinha quantos anos nessa época?

R – Eu já tinha uns doze anos mais ou menos, doze, treze anos. Então a gente pediu à mãe e fui no baile, ganhei cem cruzeiros. (Risos) O meu pai ficou besta, falou: “Quanto dinheiro!”. Foi o primeiro cachê da minha vida, aí eu consegui que ele fosse morar em um dos quartos da vila, né? Ele ia para o quartel, a chave ficava na porta para fazer a limpeza, né? Eu montava, prestava bem atenção em todos os detalhes, montava a bateria dele, ensaiava o dia todo. Um dia eu pedi para ele para dar uma canja em um baile, ele falou assim: “Não, mas você toca bateria?”. Eu falei: “Eu toco bateria, sim”. E ele falou assim: “Não, é muita responsabilidade e tal”. Eu falei: “Seu Jair, deixa eu tocar, deixa eu tocar”. Aí eu falei: “Naquela hora do lanche que é uma música mais calma”. Aí sentei na bateria, tomei coragem. Tomei uma batidinha de limão para dar uma animada (risos) e quando, eu já tocando, eu lembro que a orquestra inteira olhou para trás. Nesse dia eu fui contratado para entrar em uma banda, que um saxofonista da banda estava formando um quinteto ou sexteto, e pronto. Eu já tinha uma bateria que a minha mãe me deu de presente, né, subi nessa bateria aí, estou até hoje. (Risos)





P1 – Que beleza. E daí você teve várias passagens em que você integrou nos anos 70, o Som Imaginário, você pode descrever um pouquinho esse período, como foi?

R – Ah tá; eu queria falar antes, assim, o primeiro músico mineiro que eu conheci foi o Wagner Tiso, né? Foi em 1965, quando o Wagner chegou ao Rio de Janeiro. Eu trabalhava em uma boate do Cauby Peixoto em Copacabana chamada Boate Drink, e apareceu um cidadão lá, tal, a gente até confundiu com o garçom novo, era o Wagner Tiso. Aí nós ficamos muito amigos e tal, e o Wagner, ele me ensinou música, o que era música mineira, né, as harmonias de Minas Gerais. A gente fazia uma troca de informações, eu falava dos ritmos, tocava os ritmos, eu conhecia, já tinha prática e tal. Então foi a primeira pessoa, na verdade, foi o Wagner que me introduziu para música mineira, o Wagner Tiso, grande compositor, pianista, arranjador, e somos amigos desde essa época. Então, o Som Imaginário, pelo fato de eu conhecer o Wagner, né? Aí a gente tocou junto nas casas noturnas e um dia apareceu um cidadão dizendo para gente, em um bar do Leme, né? A gente queria montar um trio, eu, o Wagner e o Luiz Alves para tocar música instrumental e acompanhar algum cantor da bossa nova, que a gente gostava, era a música que a gente fazia, era tocar jazz e tocar bossa nova. E esse cidadão chegou para gente que estavam montando uma banda para acompanhar Milton Nascimento, né, e a gente não acreditava nele. Ele falou o primeiro dia, falou o segundo, terceiro, no quarto dia eu falei: “Wagner, acho que isso é verdade” e foi assim que foi montado o Som Imaginário, né, eu, Robertinho Silva, Wagner Tiso, Luiz Alves, o Tavito, que era um guitarrista de Belo Horizonte, o Tavito, o Zé Rodrix, era José Rodrigues, que atualmente é chamado de Zé Rodrix, e Laudir de Oliveira, um percussionista, né? O Naná Vasconcelos também participou, assim foi formado o Som Imaginário. A estreia foi em uma sexta-feira da Paixão, abril de 1970. Nasceu aí Milton Nascimento e o Som Imaginário que foi grande sucesso na época.

P1 – E como foi essa noite de estreia?

R – Perfeitamente né, foi. Primeiro que botaram fantasia na gente, a gente foi fantasiado de hiponga, né, vamos dizer assim. Então, as irmãs dele, artistas plásticas e tal, figurinistas tiraram a roupa da gente, colocaram uma calça colorida, descalço, colares, arrepiaram o cabelo de todo mundo, tinha uma coisa até engraçada na época. A gente tocava, eu e o Luiz Alves, contrabaixista, a gente tocava com o Milton no Teatro Opinião, a estreia foi no Teatro Opinião com esse figurino, sendo que depois a gente ia para boate Sucata tocar com o Chico Buarque com um comportamento completamente diferente, todo abotoado, sapato engraxado, calça vincada. Aí que alivio, o pé quentinho. (Risos) Na mesma noite a gente saía do Teatro Opinião, mas a estreia foi assim, né? Olha a loucura do chamado José Mynssen que foi o fundador do Som Imaginário, ele...

P1 – Que foi, deu branco?

R – Ah tá, então, a gente ensaiava diariamente, acho que ele arrendou o Teatro na época. A gente ensaiava diariamente e tal, e a gente vendo aquela mudança toda, as irmãs colocando pintura nossa nas paredes, espelhando o teatro todo. Eu falei: “O que será que vai acontecer com isso?”. Então a grande noite mesmo, a mídia foi muito grande, porque na época o Rio de Janeiro estava parado, não estava acontecendo nada devido àquela coisa que todo mundo sabe, estava no auge da ditadura.

P1 – 1970?

R – 1970, o couro estava comendo, e espelhou o teatro, aquela confusão danada. Então ele teve uma ideia muito interessante que “Como é que vai começar o show?”. Ele falou: “Bom, quando o público entrar, o show já começou”. Ele foi um inovador, né, porque as coisas na época tinham um comportamento e tudo mais ou menos igual. Então ele revolucionou tudo, mudou a história todinha. Eu lembro, quando abria a porta do Teatro Opinião, as pessoas caíam no chão porque tinha uma luz que rodava e um espelho. Ninguém se encontrava, ninguém sabia o que estava acontecendo. Entrou, assim, já estava, a gente, todo mundo quase nu, tocando aquela música lá do Milton e aquela confusão danada. Isso foi uma revolução aqui no Rio de Janeiro. E quando a gente gravou o primeiro disco,

o Som Imaginário tocava no rádio vinte e quatro horas, né? E eu lá no ponto de ônibus ouvindo aquilo no rádio, o maior sucesso sem um trocado no bolso para pegar o ônibus, quase pedindo carona. (Risos)

P1 – A partir daí você passou a ter um envolvimento então com esse grupo que também é grupo, ali, alguns elementos embrionários do Clube da Esquina, né? Com o que o Clube da Esquina, propriamente dito, o 1, chegou a você? Como foi esse primeiro contato, como rolou esse processo até o disco mesmo?

R – Então, como eu disse, para mim foi a partir do Wagner Tiso, né? Eu lembro que 1962, se não me falha a memória, eu tinha um amigo, um saxofonista chamado Carlinhos, ele, o irmão dele é colecionador de disco, bossa nova e jazz. Ele falou assim: “Olha, meu irmão está com um disco novo aí, de uns músicos de Belo Horizonte, um pessoal aí, tem o Wagner Tiso, o Nivaldo Ornelas, tem o Pascoal Meirelles de bateria, tem um Paulo Braga, enfim, grandes músicos de Belo Horizonte na época, que gravaram esse disco. E eu falei: “Caramba, mas que música interessante”. Eu falei assim: “O pessoal toca muito bem”. Então, quando conheci o Wagner – tem uma valsa muito linda nesse disco –, eu falei: “Então, você que é o Wagner Tiso, você que é o autor daquela valsa”. Ele falou: “Pois é, sou eu mesmo”. Eu lembro que quando já tocava na boate do Cauby Peixoto, a Boate Drink. Ali era um grande momento, era um point assim dos músicos da noite de Copacabana, né? Que o Wagner um dia, assim à noite, chegou com um rapaz, né? Eu falei: “Esse é quem?”. “É um amigo meu lá de Três Pontas e tal, compositor, toca violão.” Eu falei: “Legal, prazer e tchau”. Era o Milton Nascimento, não estava dizendo muita coisa, é porque ali circulava muito músico, né? Então toda hora a gente era apresentado. “Esse aqui é fulano de tal, chegou do Paraná”, outro, “Esse aqui é de São Paulo”, e não sei o quê, e ficava por isso mesmo. Então aí, através do conhecimento com o Wagner, o Wagner foi me dizendo quem era o Milton, um compositor que estava morando em São Paulo, que as pessoas já estavam, a Elis Regina gravou “Canção do Sal”, e em 1989 eu gravo o primeiro disco com o Milton, 1989 no Estúdio Odeon. 1989 não, 1969, calma Robertinho, em 1969.

P1 – Qual foi esse disco?

R – É um disco chamado “Milton”, que tem uma capa com umas casinhas, eu não me lembro muito o detalhe. E então nós gravamos esse disco e (choro) (PAUSA) Então, em 1969, gravo esse disco com o Milton. Aí a gente não se viu mais, tal gravou, acabou a gravação, eu estava ensaiando com uma banda de baile liderado pelo trombonista Raul de Souza. Está radicado na França, morou muito tempo nos Estados Unidos. Conhecido na época da bossa nova como Rauzinho do trombone. Aí tocou o telefone. Brii, atenderam lá, falou assim: “Tem um tal de Milton aí?”. Eu falei: “Milton? Como é que pode, eu só tinha um amigo chamado Milton”. Eu falei: “Como é que o Milton vai me descobrir aqui? Não vejo esse cara há muito tempo, será que aconteceu alguma coisa, como?. Aí: “Alô!..”. Aí ele falou: “Tudo bem! Aqui é o Milton”. Eu falei: “Milton, o Otávio?”. Ele falou: “Não, aqui é o Milton Nascimento”. Eu falei: “Oi, tudo bem?”, não sei o quê. Ele falou: “É, estamos trabalhando no Teatro Opinião aí e tal, estamos precisando de um baterista. Não quer vir tocar comigo? Eu falei: “Ih, cara, não posso”. Eu em uma banda de baile aqui, boa pra caramba, com o Raul de Souza, com Rauzinho do trombone e tal. “Eu posso até arrumar um baterista pra você, mas não posso não. A banda dele é muito boa” e tal, e contei-lhe o mar, né? O engraçado que logo depois, né? Quando eu fiz vinte e cinco anos de carreira, procuraram a gente, o jornal O Globo, para fazer uma matéria, vinte e cinco anos, com o título “Vinte e cinco anos de Travessia”. O Milton Falou assim na matéria: “Pois é, quando convidei ele pra tocar comigo a primeira vez, ele me esnobou dizendo que estava muito bem fazendo baile”. Esnobei não, falei a verdade, porque eu não aceitei o trabalho porque me comprometi com essa banda, né? Então, na verdade foram quase trinta anos, né, esse trabalho meu com o Milton. Então, através da música eu toquei com todos os compositores de Minas Gerais. Toda a nova safra na época Beto Guedes, Lô Borges, todos os compositores, eu fui premiado, fui o baterista. Eu vou dizer de novo até, isso tudo foi tudo através do Wagner. Com a convivência com o Wagner eu conheci o Milton, gravei a primeira vez com o Milton. Então veio todo mundo, veio todo mundo, que caiu assim de uma vez

em mim. Eu costumo dizer que eu caí de pára-quedas no Clube da Esquina, foi por acaso, né? E até hoje sou taxado como mineiro, não é só no Brasil não, em qualquer lugar do mundo as pessoas acham que eu moro em Belo Horizonte. Até hoje eu nunca morei em Belo Horizonte. Tem uma coisa também, a primeira vez que eu fui à Minas Gerais foi em 1958. Não era, nada, e pelo fato de ter sido criado num clima de __ no Rio de Janeiro, em Realengo. Eu fui conhecer Copacabana, eu era velho. Eu a primeira vez que fui a Belo Horizonte foi em 1958. A minha cunhada era mineira, o pai dela estava bem mal, estava doente, e eu que fui fazer companhia. A gente foi de trenzinho. Aquele trem de terceira classe. Aquele caixotinho. Eu achando uma delícia. Quando meu irmão foi me buscar de volta, eu chorei, não queria sair da cidade, porque apesar de ser o Rio de Janeiro, foi a primeira vez em que eu fiquei, assim, dentro de uma cidade grande como Belo Horizonte, né?

P1 – E Robertinho, só focando um pouquinho nesse momento especial que foi essa apresentação com a nova safra de músicos que você disse, o Lô, o Beto, esse momento específico do Clube da Esquina, como aconteceu isso? Quem que te levou, você esteve lá na casa do mar azul, você participou daquele momento de criação? Conta um pouquinho esse momento da concepção, da feitura do disco mesmo.

R – Então, nesse momento do movimento em Belo Horizonte, eu estava no Rio. Eu entrei no Clube da Esquina assim, através de disco. Entendeu, de qualquer maneira eu estava dentro, foi através do disco que eu gravei e com todo o trabalho que eu estava fazendo com o Milton, também. É porque foi assim, na verdade, a minha conquista foi o seguinte, a liberdade que eu ganhei da música mineira. Eu já era um músico ritmicamente bem informado, né? Eu sempre fui interessado pelos ritmos do Brasil e tal. Então na música brasileira eu tinha liberdade. Eu não tinha liberdade tocando em outro lugar. Eu lembro que a primeira vez em que eu fui tocar com o Milton, eu fiquei quase uma semana sem sentar na bateria. Porque eu ouvia muita bossa nova, ouvia muito jazz, ouvia a música instrumental brasileira, que vinha já dos anos 50. Então a música mineira foi uma música que me pegou de surpresa. Falei assim: “Caramba, que música diferente e bonita, sempre soando bonita”. E eles me davam muita liberdade de criação, ninguém impunha nada. “Não, você tem que tocar assim, tem que tocar assado.” Eu falei: “Oba!”. Uma liberdade dessa. Então, tudo que eu sabia de ritmo, eu empregava ali. Então toda informação que estava embutida aqui, enrustida assim, eu tinha liberdade de criação. Foi isso, também foi uma conquista assim. Todo mundo, eu me tornei, assim, as pessoas dizem que eu sou um baterista diferente. Mas foi por causa dessa música me tornei diferente, então adquiri até um estilo através da música mineira.

P1 – Isso que você falou que você passou uma semana sem sentar na bateria. Você ficou só ouvindo?

R – É porque a harmonia que vinha da música mineira era diferente das coisas que eu ouvia, né? Então, os compassos compostos também, eu não estava acostumado a tocar esse tipo de ritmo, compasso de cinco, compasso de seis por oito, compasso de sete por oito. Eu, inclusive, foi até o Wagner que me deu orientação, como interpretar na bateria um compasso de sete em ritmo de samba. E ritmos em três por quatro, e a tocar samba em um compasso que foi feito para tocar valsa. Só conhecia para tocar valsa. Um, dois, três, um dois, três. E a música mineira me deu isso de presente também.

P1 – E alguma recordação específica desse momento, alguma coisa que você se lembre especificamente do “Clube da Esquina 1”, alguma coisa que toque?

R – Ah, foi assim, né? A primeira vez que eu fui tocar como Milton em Belo Horizonte, eu fiquei muito emocionado de ver aquele povo todo. O Milton era uma pessoa, assim, já desde essa época, muito querida. O teatro lotado, porque, no fundo, no fundo eu achava que ia só no Rio que ia acontecer isso. Quando a gente foi para São Paulo, no Teatro Gazeta, na avenida Paulista, que à tarde assim, o teatro era superlotado. Eu estava deslumbrado, eu estava em uma fase de deslumbramento, porque me pegou de surpresa, então São Paulo e Belo Horizonte.

P1 – Em Belo Horizonte, onde vocês tocaram?

R – No Teatro Marília. O Teatro Marília lotava à tarde, lotava à noite. E eu falei: “Meu Deus do céu”. Era muito pra mim, muito, era muito. Eu lembro que o Márcio Borges, ele foi até um dos diretores, acho que foi do primeiro show, uma coisa assim, não me falha da memória, que ele fez um risco. (Riso) Ele fez um risco assim no chão e fez uma roda assim, querendo dirigir, ninguém aceitava aquilo. Ele ficou bravo pra caramba, ___ tudo pra lá. (Riso) É porque a gente tinha influência também do movimento hippie, o que se ouvia na época, “vamos quebrar as estruturas”. Então tudo era careta. Era careta ter dinheiro no bolso, ter conta em banco, comer feijão com arroz. O negócio era pãozinho integral, cabelo espichado, né? Não era permitido. (Riso) Sapato engraxado, tudo era proibido, tudo que era considerado careta. Então nessas alturas dos acontecimentos, fazer um risco no Teatro Marília para comportar a gente, ninguém olhava aquilo, o Marcinho ficou bravo. (Riso)

P1 – E voltando um pouco a esse momento dos shows de estreia do “Clube da Esquina 1”, parece que a crítica da época foi extremamente cruel com vocês, né? Vocês se lembram de alguma coisa?

R – Ah, eu acho que não. Olha só, se não falha a memória, eu tenho coisas guardadas, eu tenho um acervo da época, só fala bem, entendeu? Ninguém, as pessoas não tinham nem, podia até não gostar, mas não tinham coragem de escrever, falar assim, mal. Eu não me recordo disso não. A crítica sempre apoiava que eu me lembre, eu tenho bastante coisa guardada da época. Os jornalistas da época, por exemplo, o Nelsinho Motta, Luís Carlos Cabral, essas pessoas, todos passaram pelo Opinião para conferir esse movimento aí do Clube da Esquina. As pessoas ficavam assim, né, ficavam meio sem, acho que até sem coragem de criticar, entendeu? Porque é uma música bonita, vai falar o quê de uma música dessa, entendeu? Vai falar o quê? Primeiro que o Milton entrou no Festival da Canção parece que com quatro músicas, no Festival Internacional, no festival da TV Record, entrou não sei quantas músicas. Ele já chegou cheio de razão, vai falar o quê de uma música dessa? E os companheiros que foram chegando, os novos compositores. Só composições lindas. Não tinha como, né?

P1 – Você considera como um movimento musical? Clube da Esquina pode ser considerado como um movimento dentro da música brasileira?

R – Com certeza, com certeza.

P1 – Em que sentido?

R – Pela diferença, porque a gente já estava careca de ouvir bossa nova. Não estava superando a bossa nova não, que ele está aí até hoje. A bossa nova mudou toda a concepção harmônica, rítmica da música brasileira, né? Tanto que os americanos, hoje em dia, somos iguais, antigamente, ô, o americano, chegava um cara de tênis branco, todo mundo tremia. O cara nem tocava não, porque era americano. Esse negócio aí acabou, quando surgiu a bossa nova, depois veio essa harmonia linda de Minas Gerais. O que o Milton fascinou, não só o Milton como o outros compositores também, né, é o jeito de tocar viola, né? Porque vem da influência da música caipira também; Caipira é Minas, mesmo. Vem aquela influência todinha das montanhas de Minas Gerais. Minha maneira de ver, né, meu olhar. (Pausa) Então eu costumo dizer que eu sou um mineiro sem carteira, né? (riso) Eu não tenho carteira de Minas Gerais, se guarda me pegar na estrada, (riso) eu iria preso. Mas agora depois da fundação do museu, do museu vivo do Clube da Esquina, agora o guarda não me prende mais, porque eu sou fundador, eu tenho a identidade do Clube da Esquina, queira ou não. Então é isso aí.

P1 – Mas só voltando um pouquinho mais ao “Clube da Esquina 1”, tem alguma música em especial que mexe mais com você, que você prefere, por quê?

R – É, eu no meu trabalho solo, eu sempre faço uma homenagem, assim, música de Minas Gerais, para o Milton Nascimento. O que me toca bastante, até hoje bastante, pega na veia é “Cravo e Canela”, a morena quem temperou, o moreno quem temperou, (riso). Gosto muito. São tantas, né, mas essa daí, sempre que eu faço meu trabalho eu toco, eu gosto de tocar “Cravo e Canela”. Mas esse mar de harmonia e melodia, cara, é difícil de você ficar, falar de uma música qualquer, sua preferida. Todas tocam o coração.

P1 – Então Robertinho, o que você achou de ter dado essa entrevista, de ter contribuído com a tua versão de história relacionada ao Museu Clube da Esquina, o que isso significou para você?

R – Por estar vivo e estar participando do museu vivo do Clube da Esquina e inclusive, no dia do lançamento, eu fiquei tão feliz de ver pessoas que a gente convive trinta anos mais ou menos, uns trinta anos. Fiquei feliz pra caramba, e quando eu tive essa notícia, falei assim: “Poxa vida, estamos vivos pra falar, poder falar sobre o Clube da Esquina”. Essa música que chegou no Brasil em uma hora em que a música brasileira estava fervendo. Porém, querendo abafar a música, né? Então a música de Minas Gerais veio dar um reforço, porque estavam querendo acabar, assim, por exemplo, o movimento da bossa nova quando estava caindo, aí chegou a música de Minas Gerais e jogou pra cima, iahoo! (Riso)

P2 – Tem alguma história ainda que você gostaria de contar dessa época?

R – Bom, eu já contei a do Marcinho, né? (Riso) É muito boa, ah Deus do céu, tenho, agora me falha a memória, são tantas.

P1 – Você queria deixar uma mensagem final sobre o que você acha desse projeto, alguma, enfim, alguma coisa que você queira complementar?

R – Acho que eu já disse.

P1 – Então está bom é só isso.

R – Estamos aí.